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4 - Sobre Comportamento e Cognição (Vol. 4)

Propaganda
Sobre Comportamento
e Cognição
P sicologia Comportamental e Cognitiva da
reflexão teórica à diversidade na aplicação
Organizado por: ÍRachel íliodrujucs Jicrlumif
ílleijim Christina (Wiclcntki
K íicho l Rodri<juos K orba uy • R ogm a Chnstm a W ie lo n ska • A na M aria Lo S õ n o ch.il M a ch ad o • A ng é lica
C apolari • Ari B assi N a s c im e n to • C a cild a A m o rim • D arnola F S F a // m • D a nilo N a m o • D em s R
Zam ignam • E m m a n uo l Z.K jury Tourinh o • Fabiana F G u o rro lh a s • Fabio Loyso r G on ça lvos • I atim a C ristina
do S o u /n C onto • G isla yno C C B num gnrth • Jn irle A G R ogra • M aly Dohtti • M arcus B on tos do C arva lh o
Noto • M aria A m é lia M a io s • M aria do L ourdos R do F P a sso s • M aria E ste r R o drigues • M aria L m /a M arinho
• Maria Martha ( lu bn o r • M aria fo ro s a A raújo S ilva • M aria Zilah da Silva B ra nd ao • Marm. i M a /o r • M a ri/a da
Silva S antos F inato • M íriam G arcia M ijares • N il/a M ich o lo tto • P riscila R osem an n D ordyk • R oborta K ov . k;
• R oberto A lvos B an a co • R ooso ve lt R Starlm g • S u /a n o S chm idlm Lohr • Yara N ico • V erônica B on d or H .iydn
Sobre
e
Volume 4
P s ic o lo g id e o m p o r t i i m c n í i i l c c o o n i l i v d : d d r c f l e x il o I c ó r i a i d
d iv e r s i d a d e d ii i i p l i a i v i l o
( )iv1,.m i/.n lo |H'i ls .u h d Isoiliiv^uos K c il),iu y i'
Ano: 1999
V edicào
flR B \fU t
Santo André, 1999
C hn > lin.i \ \ io I o i x L i
Copyrifiht © i m
dn:
A R B y tc s K d it o r a L id a .. S a n io A n d ré . I () W
T o d o s os d ire ito s reservados
K ERBA UY, Rachol Rodrigues, W IE LE N S K A , Rogina Christina, ot al
K47c Sobro C om portam onto o Cognição: psicologia com portam ontal e
Cognitiva: da reflexão teórica à diversidado da aplicação. - O rg Rachol
Rodrigues Kerbauy o Rogina Christina W ielonska. 1» ed. Santo Andró, SP:
ARB ytes, 1999. v. 4
304p. 24cm
1. Psicologia do Com portam ento o Cognição
2. Behaviorismo
?>. Psicologia Individual
C D D 155.2
C D U 1 59.9.019.4
IS B N 8 5 - X 6 9 9 0 0 6 - x
G ere n te E dito rial: Teresa Cristina Cum e Grassi-Loonardi
G ere n te C o m e rcia l: João Carlos Lopes Fernandes
C apa: Solange Torres Tsucbiya
E d ito raç ã o E le trô n ic a: Erika Horigoshi e Maria Claudia Brigagão
Fich a C a ta lo g ráfic a : Margarida Gervásio Coelho
R e vis ão O rto g rá fica : Alessandra Biral e lolanda Maria do Nascimento
Todos os d irtlto a rsstrvados. Proibida a reproduçAo total ou parcial, por qualquer moio ou processo. ospuclulmonto pnr
sistemas grálicos, mlcrofllmlcos, folográlicos, reprogrrtlicoB, lonográllcos, videogrAlicos Vedada a memori/açâo o/ou
recuperação total ou parcial em qualquer sistema de procossamento do dados e a InclusAo de qualquer parto da obra om
qualquer programa |usclbernéllco Essas proibições aplicam-se tambórn As características gralicas da otna o a bini
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123,124, 126, da Lei ^5 .9 8 8 , de 14.12.73, Loldos Direitos Autorais)
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S o lic ita r ã o de e x e m p la re s po d erá sei le ita à
A U H y le s iíc lito ra I.td a . - A v . I ’adre A n e h ie la , 3 7 2 - M a m o Ja rd im - S a n to A n d ré
S I ’ - C'Jií* 0 ^ 0 9 0 -7 H ) - T e ) / l ?ax; í(J.xx J J) 4 lJ7S>-4f)OK
In te rn e t: w w w .a rb y te s .e o m .h r
h o to lito : C o lo r C iraphics H urean
( ir á f ic a : M H W C J rá íie a e lid ico ra f.u fa .
AriihShNTAÇÃO
A ABPMC, na gestão de Roberto Alves Banaco, conseguiu publicar as contribui­
ções de seus convidados, apresentadas nos Encontros Brasileiros de Psicoterapia e
Medicina Comportamental. A gestão 98/99 decidiu perpetuar esta prática, que mostrouse extremamente valiosa para a disseminação deste conhecimento na comunidade ci­
entífica e a formação dos analistas do comportamento e cognitivistas.
Coube a nós, organizadoras da prosente obra, reunir, em um único volume, um
panorama diversificado de artigos preparados com base nos VI e VII Encontros. A Seçào
1 agrupou capítulos que abordam princípios teóricos, conceituais e filosóficos. A Seção 2
representa algumas das formas possíveis de integrar o conhecimento teórico a propostas
de aplicação. Capítulos sobre diferentes aspectos da terapia comportamental e cognitiva
caracterizam a Seção 3. Foram reunidos na Seçào 4 artigos voltados para a solução de
fenômenos sociais pertinentes a todos: violência, abandono de menores, comportamento
anti-social e envelhecimento. O ensino e a difusão da análise do comportamento, como
também questões de aprendizagem, são contemplados na Seção 5. A última seçao deste
volume representa o esforço para integração entre a ciência do comportamento o a pers­
pectiva biológica.
Um tema recorrente nesta obra ó a análise funcional. Este conceito percorreu
um longo caminho desde sua proposição por Skinner e sua utilização por analistas apli­
cados do comportamento foi fundamental para diferenciar o modo como trabalhamos. O
tema não se esgota neste volume, que, esperamos, torne-se o precursor do discussões
futuras.
Nosso objetivo é que a variedade de trabalhos aqui publicados possa contribuir
para o avanço, no Brasil, da ciência do comportamento, em seus domínios teóricos e
aplicados.
Rachel Rodrigues Kerbauy
Regina Christma Wielenska
PlihlÁCIO
A Associação Brasileira cie Psicoterapia e Medicina Comportamental (ADPMC)
vem, mais uma vez, apresentar-nos o resultado de seu trabalho no último ano. Esto livro,
fruto da reflexão e experiência profissional de vários integrantes dessa comunidade, traz
o que de mais atual se pode encontrar na literatura brasileira a respeito dos aspectos
que tangem à prática do terapeuta comportamental.
Graças ao esforço da Presidente atual da Associaçao, da diretoria e de suas colaboradoras, teremos agora, às nossas mãos, mais diretrizes que ajudar-nos-ão a enfren­
tar o árduo trabalho de atender em clínica comportamental.
Este livro tem vários méritos. Um deles é a seriedade com a qual trata os proble­
mas, tornando-o indispensável a qualquer profissional da abordagem comportamental.
Sua organização é outro ponto alto: aprofunda princípios teóricos, dirige uma bem -suce­
dida passagem da teoria à prática, aponta soluções para uma ampla diversidade de
problemas, sejam eles clínicos, educacionais, técnicos ou sociais o, com chave de ouro,
fecha com uma discussão que permite um intercâmbio reflexivo entre a Psicologia e a
Biologia.
Com estas características, ele torna-se, junto aos outros livros dessa associação
publicados anteriormente, uma excelente ferramenta de ensino para as disciplinas bási­
cas de Psicologia Comportamental, além de ser um subsídio fundamental para a form a­
ção de terapeutas.
A Diretoria da ABPMC, comandada pela Dra. Rachel Rodrigues Kerbauy, conse­
guiu com esta obra aperfeiçoar o trabalho de toda a com unidade de terapeutas
comportamentais e comportamentais-cogmtivos. Nela, encontram-se textos de autores
ligados a estas duas abordagens teóricas, filiados de inúmeras universidades brasileiras,
autores de todos os Estados nos quais se faz terapia comportamental no Brasil. Isso
demonstra a capacidade de integração que esta Diretoria desenvolveu, mesmo no mo­
mento em que outras associações foram aparecendo no cenário atual da psicoterapia
brasileira.
Não é à toa. Caminhando para o seu VIII Encontro Anual, a ABPMC tem mostrado
a que veio: integrar os profissionais, através dos debates e das oportunidades de discus­
são, tanto de ternas relevantes e/ou controversos quanto dos próprios trabalhos que vêm
sendo divulgados. Isso tem elevado a qualidade científica de nossa produção, permitindo
o reconhecimento da ABPMC como a representante das Associações de Psicoterapia
iii
junto à SDPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), comunidade científica
máxima neste país. Essa foi mais uma vitória da Dra. Rachel, que tanto tem lutado pela
divulgação de nosso trabalho junto a outras comunidades científicas, especialmente junto
à própria SE3PC.
Paralelamente, através da própria divulgação dos trabalhos de seus profissionais,
a ABPMC tem cumprido também o papel de coadjuvante na formação em terapia
comportamental. Esse fato é comprovado através da participação, nesta obra, de vários
autores que eram alunos quando a Associação foi fundada. Estes participaram dos En­
contros Anuais, tornaram-se excelentes profissionais e, hoje gabaritados, apresentam
aqui também seus trabalhos. Aperfeiçoaram-se, também, nos encontros da ABPMC,
ostudaram também através das obras que a ABPMC já publicou, e agora vôm a público
mostrar o resultado de sua formação em textos de excelente qualidade, abrindo campos
de trabalho para o terapeuta comportamental, para o analista do comportamento e em
última instância para o psicólogo.
Enfim, deixo registrado aqui o agradecimento a mais esta publicação que a ABPMC
realiza e parabenizo-o, leitor, pela excelente escolha que fez ao adquirir osta obra.
Inverno de 1999,
Roberto Alvos Banaco.
IV
S u m á r io
Apresentaçáo .....................................................................................................................
Prefácio ................................................................................................................................
i
ii
Seção I: Princípios teóricos, conceitos e filosofia
Capítulo 1 - Bchaviorismo e outros ismos
Nilza Micheletto (PUC/SP) ..................................................................
Capitulo 2
3
- Eventos privados: o que, como e porque estudar
Emmanuel Zagury Tourinho (UFPA) ....................................................
13
Capitulo 3 - Skinner e o fenômeno da consciência
Marcus Bentes de Carvalho Neto (U N E S P )........................................
26
Capitulo 4
- R e g ra s e in s e n s ib ilid a d e : c o n c e ito s b á s ic o s , a lg u m a s
considerações teóricas e empíricas
Yara Nico (PUC/SP) ................................................................................ 31
Capítulo 5 - Introdução à teoria da igualação
Miriam Garcia Mijares o Maria Teresa Araújo Silva (U S P ).................
Capítulo 6 - 0
ato da fala de L. Bloomfield: a ênfase sobre as conseqüências
da fala
Maria Amélia Matos e Mana de Lourdes R. da F. P a s s o s ...................
40
54
Seção II: A passagem do conhecimento teórico para a aplicação
Capítulo 7 - Pesquisa em terapia comportamental: problemas e soluções
Rachel Rodrigues Kerbauy (USP) ........................................................
Capítulo 8
- Comportamento verbal e prática clínica: parte III
Maria Martha Hübner (Mackenzie) .......................................................
61
69
Capitulo 9
- Técnicas cognitivo-com portam entais e análise funcional
Roberto Alvos Banaco (PUC/SP) .......................................................... 75
Seçao III: Terapias comportamental e cognitiva: a diversidade da aplicação
Capítulo 10 - Implicações terapêuticas do com portamento persuasivo
Ana Maria Lé Sénéchal-Machado (U F M G )...........................................
85
Capitulo 11 - Terapia comportamental em grupo
Maly Deliltl e Priscila Rosemann Derdyk ............................................
94
Capitulo 12 - Problemas na terapia comportamental infantil
Suzane Schmidlin Lohr (UFPR) ............................................................
99
Capítulo 13 - A Fantasia e o Desenho
Jaído A. G. Regra (U M C /U S P )................................................................ 105
Capitulo 1 4 - O rie n ta ç ã o de p a is , a lg u m a s p ro p o s ta s : um m o d e lo de
intervenção com pais de crianças com câncer
Suzane Shmidlin Lòhr (UFPR/USP) .....................................................116
Capítulo 1 5 - A te ra p ia de a c e itaç ã o e c o m p ro m is s o e a c ria n ç a: uma
exploração com o uso de fantasia a partir do trabalho com argila
Fátima Cristina de Souza Conte (CEL.AC/PR) .................................... 121
Capitulo 16 - Psicoterapia A nalítico-Funcional: a relaçao terapêutica e a
Análise Comportamental Clínica
Fátima Cristina de Souza Conte e Maria Zilah Silva Brandao (CELAC/PR).. 134
Capítulo 17 - Abordagem Contextual na Clínica Psicológica: Revisão da ACT
e proposta de atendimento
Maria Zilah Silva Brandao (CELAC/PR) ............................................... 149
Capítulo 18 - Redefinindo o papel do acompanhante terapêutico
Denis R. Zamignani o Regina Christina Wielenska (PUC/SP - U S P )... 157
Capítulo 19 - A intervenção em equipe de terapeutas no ambiente natural do
cliente e a interação com outros profissionais
Gislayne C. C. Baumgarth, Fabiana F. Guerrelhas, Roberla Kovac,
Marina Mazer e Denis R. Zamignani (P U C )..........................................166
Seçào IV: Problemas sociais: análise e intervenção
Capítulo 20 - O estudo da violência no laboratório
Angélica Capelari e Daniela F. S. Fazzio (P U C /S P )...........................177
vi
Capítulo 21 - A possibilidade de usar a A nálise do Com portam ento para
analisar a violência na imprensa
Cacilda Amorim (PUC/SP) .................................................................... 184
Capítulo 22 - Contribuições do modelo de coerção de Sidman para a análise
da violência de São Paulo: relação com o contexto sõcio-políticoeconômico
Danilo Namo e Roberto Alves Banaco (P U C /S P )............................... 192
Capítulo 2 3 - Com portamento infantil anti-social: programa de intervenção
junto à família
Maria Luiza Marinho (UEL/PR) ................................................................207
Capítulo 24 - A criança abandonada e a família substituta
Mariza da Silva Santos Finato (UEL/PR) ...............................................216
C apítulo25 - C o n tin g ê n c ia s de r e fo rç a m e n to v a g a m e n te d e fin id a s :
construindo prematuramente a velhice
Roosevelt R. Starling ................................................................................. 221
Seção V: Educação: ensino e suas implicações
Capitulo 26 - Uma proposta de ensino de análise experimental do comportamento
Verônica Bender Haydu ............................................................................ 235
Capitulo 2 7 - A lgum as concepções de profissio nais de educação sobre
Behaviorismo
Maria Ester Rodrigues (U E L/P R )...............................................................240
Capítulo 28 - Contingências e regras familiares que minimizam problemas de
estudo: a família pró-saber
Maria Martha Hubner (Mackenzie) .......................................................... 251
Seção VI: A compatibilidade entre a Ciência do Comportamento e a perspectiva
biológica
Capítulo 2 9 - A ecologia com portam ental e as relações sexuais entre os
organismos
Ari Bassi Nascimento (UEL/PR) ..............................................................259
Capítulo 30 - Fisiologia & Behaviorismo Radical: considerações sobre a caixa
preta
Marcus Bentes de Carvalho Neto (U S P /U N E S P ).................................. 267
Capítulo 31 - Mecanismos fisiológicos do reforço
Fábio Leyser Gonçalves e Maria Teresa Araújo Silva (U S P )...................278
V II
Sobre
Comportamento e
Cognição
Seção I
Princípios teóricos,
conceitos e filosofia
Capítulo 1
Behaviorismo e outros ismos1
NUai M ichclcllo
ru c v s r
A
poucos pensadores foram atribuídos tantos ismos como a Skinner: positi­
vismo, mecanicismo, social-darwinismo, empirismo, funcionalismo são apenas alguns
deles.
Esta prática classificatória, no caso de Skinner, tem particularidades marcantes.
A comparação, em vez de ampliar a compreensão do ismo e do pensamento de Skinner,
estreita ambos. A inclusão de Skinner nos vários ismos consiste geralmente em uma
acusação na qual lhe ó atribuída uma prática que não se sabe exatamente qual é, mas
parece ser evidente a necessidade de abominá-la.
Dusca-se aqui caracterizar três destes ismos - positivismo, mecanicismo e so­
cial-darwinismo - e compará-los com as propostas de Skinner, tentando indicar algumas
incorreções e limites dessa prática classificatória.
Uma d ificuldade que se coloca na análise da relação entre um ismo e o
behaviorismo ó saber em que consiste cada um destes ismos.
Ao falar em positivismo, por exemplo, é preciso ter claro a multiplicidade de pen' Trabalho apresentado no VII Encontro da Associaçôo Brasileira de Psicotorapln o Medicina Comportnmontal
Santos, Sâo Paulo, setembro de 1998
Sobri- lom porliim ento e co^nivilo
3
sarnentos que são, ou podem ser, assim rotulados. Kolakowski (1988) analisa, sob este
rótulo, pensamentos como os de Comte, Mach, Pierce, Wittgenstein, entre outros. O
que permitiria unir pensadores tão diversos sob tal classificação? Kolakowski, apontan­
do uma certa esquematização indispensável na proposição de identidades que perm i­
tem reuni-los, destaca como característica do positivismo um conjunto de regras e crité­
rios sobre o conhecimento humano a partir dos quais estabelece o que é possível ser
estudado pela ciência:
• É objeto de estudo aquilo que se manifesta efetivamente à experiência. Os fenômenos
percebidos não são modos de manifestação de uma realidade que não se pode reve­
lar diretamente ao conhecimento. Existências ocultas, das quais as sensíveis são ma­
nifestação, não devem ser consideradas. Aqui, expressa-se uma preocupação
antimetafísica. Esse é um critério fácil de se aplicar a casos extremos. Mas há casos
em que fica difícil decidir se a pergunta que nos fazemos pertence a questões legíti­
mas sobre processos que vão além das manifestações sensíveis ou se devem ser
descartadas porque são questões metafísicas.
• Só podemos reconhecer a existência do que nos é dado pela experiência. O mundo é
um conjunto de fatos individuais observáveis. O saber abstrato, geral, é uma forma de
ordenação, é um produto da linguagem, não coincide com nenhuma experiência. No
mundo, não há o geral. Os conceitos abstratos dão uma forma concisa à nossa expe­
riência. Podemos utilizá-los de modo prático, o que nos permite prever alguns aconte­
cimentos em função de outros. As interpretações do mundo devem corresponder a
uma experiência. Deve-se aprofundar a compreensão das relações entre os fenôm e­
nos sem aprofundar o conhecimento de sua ‘natureza’ oculta e sem tampouco tratar
de estabelecer se o mundo em si, independente do conhecimento, possui outras pro­
priedades além das que nos dá a experiência.
• Não é possível conhecer juízos de valor. Eles não são passívois de experiência. Não
há experiência que determine que devemos fazer tal coisa, que estabeleça ordem ou
proibição. Valores não são características do mundo acessíveis ao conhecimento.
• As maneiras de saber são as mesmas para todos os campos da experiência. Particu­
laridades qualitativas das diferentes ciências são manifestações de um certo estágio
histórico do desenvolvimento do conhecimento. O progresso nivelará as diferenças,
reduzindo todas a uma única área do saber, a uma mesma ciência.
No pensamento de Auguste Comte (1798-1857), pensador que propôs o método
positivista, essas características se fundamentam na noção de ordem e estabilidade
necessárias para o progresso social através da ciência, o que acaba por dar a sua
proposta um caráter altamente conservador. Comte propõe uma ciência que supõe objetos
ordenados e estáveis, o que permite construir esquemas duradouros de classificação,
divisões perfeitas e definitivas.
Tais supostos levam Comte a, por exemplo, negar a teoria da evolução. Eles
trazem também implicações para a sua visão de sociedade, segundo a qual são impres­
cindíveis condições estáveis na vida humana. A suposição de que as condições de vida
dos homens devam ser transformadas atrasa o progresso, em vez de favorecê-lo.
4
N il/. i M iclielctto
A ciência proposla por Cornte deveria elaborar projetos de acordo com proprieda­
des naturais e necessárias da vida social, sem que o progresso altere os caracteres
estruturais da vida coletiva; deveria estabelecer leis de forma objetiva, sem ir além dos
limites observáveis. Neste processo, o homem deveria propor leis que sào o reflexo da
ordem objetiva e, a partir de tais leis, prever os acontecimentos e exercer sobre eles
uma açáo prática.
Algumas destas características são associadas ao pensamento de Skinner por
alguns críticos2. Vejamos como elas aparecem:
“Watson e os behavioristas estenderam à Psicologia humana, de modo siste­
mático, a teoria dos reflexos condicionados (provocados artificialmente nos ani­
mais): todo comportamento humano é um conjunto de atividades reflexas. Foi ba­
seado neste tipo de análise que o psicólogo americano Burrus Frederic Skinner se
deu por objetivo fundamental, a fim de estudar cientificamente o comportam ento
humano, a objetividade e a descriçào. Por isso, privilegia a experimentação em
laboratório que permite o controle e quantificação por um tipo de procedim ento
que ele chama de 'análise funcional’. Em síntese, essa análise consiste em buscar
as ligações entre diferentes elementos observáveis que seriam as causas das
m udanças do comportamento. Ao excfuir de sua análise todos os processos hipo­
téticos, que levariam a Psicologia a um impasse, Skinner opta decididamente pelo
método das ciências da Natureza, notadamente da Física e da Biologia. É a esse
método que ele submete, até o reducionismo, suas investigações sobre o com por­
tamento e sua modificação p o r condicionamento". (Japiassu, 1991, p. 276)
“Como as atividades humanas devem ser consideradas como uma luta contra a
Natureza, o que importa restaurar sào os métodos de controle dos comportamen­
tos humanos. No entanto, Skinner nào dá indicações precisas de seus métodos de
controle... Para ele, o progresso da tecnologia comportamental implica um aum en­
to do poder de controle de certas pessoas sobre as outras. E a extensào do contro­
le deve ser boa, independentemente daquele que o exerce, do modo como o exerce
e dos objetivos perseguidos. Sendo assim, a conclusão a que se pode chegar é a
de que a escravidão ou o governo de um Hitler seriam algo desejável para a hum a­
nidade". (Japiassu, 1991, p. 286)
A adoção do método das ciências naturais e a noçáo de que o comportamento é
determinado são características apresentadas como um reducionismo do homem a um
ser que responde apenas de forma reflexa e condicionada ao ambiente. Tal reducionismo
se com pleta ao propor que sào "elem entos observáveis" do am biente os fatores
determinantes. E a proposta de controle torna-se, na frase do crítico, defesa da dominaçao e da opressão, encobertas pela proposta de uma ciência que afirma produzir conheci­
mento com objetividade, apenas descrevendo relações naturais.
Uma outra relação freqüentemente estabelecida é entre Skinner e o socialdarwinismo, que ó chamado de reducionismo biológico. Para caracterizar esse ismo,
alguns aspectos presentes no pensamento de Herbert Spencer (1820-1903), um dos
Outros exemplos do crítica íi obra do Skinner podem ser encontrados om Royers, 1üü4, Dlack, 1973,
Porelman, 1973; Zadosh, 1973; Puligandla, 1974
Solm* vompoil.imnilo r co*’niv'io
5
seus mais importantes representantes, podem ser destacados:
• A evolução é um processo contínuo, necessário e otimista.
• A evolução deve-se a uma força espontânea que impulsiona o progresso, levando a
um aprimoramento e a uma harmonia crescentes.
• Esta força tem um caráter transcendente, é parte de um processo único do Umvorso,
do qual o processo natural é apenas uma manifestação.
• Formas homogêneas e instáveis evoluíram para formas heterogêneas e estáveis.
• Este processo de diferenciação ocorre desde fenômenos mais elementares da maté­
ria inorgânica até os fenômenos humanos. Este processo produziu todas as formas de
evolução, o que é exemplificado "pela formação dos corpos celestes, pela modelação
da crosta terrestre, pelas modificações orgânicas, pelo estabelecim ento das distin­
ções mentais, pela gênese das divisões sociais." (Spencer, 1862/1922, pp. 440-441)
"A sociedade num estágio inicial e inferior é uma reunião homogênea do indiví­
duos tendo poderes semelhantes e funções semelhantes. ... Muito cedo, entre­
tanto. no curso da evolução social, nós encontramos uma incipiente difcrcnciação
entre governantes e governados. ...A autoridade do mais forte e do mais hábil se
fez sentir entre os selvagens, como numa manada de animais ou num bando de
estudantes."(Spencer, 1862/1922, pp. 276-277)
"Entrementes foi acontecendo uma diferenciação de tipo mais familiar, aquela,
nomeadamente, pela qual a massa da comunidade foi segregada em classes
distintas e espécies de trabalhadores." (Spencer, 1862/1922, p. 278)
Daí, conclui-se que a eliminação dos indivíduos mais débeis são leis reais e de­
vem ser aceitas como uma norma. Supondo todos os processos como pertencentes a
um percurso natural, todas as dimensões da vida, inclusive as práticas morais, a ele se
subordinam. A lei biológica da supremacia dos mais adaptados é o único fundamento
possível da vida moral.
Algumas dessas caraterísticas do pensamento de Spencer são atribuídas às pro­
postas de Skinner, quando seu pensamento é relacionado à Biologia, especialmente à
teoria da evolução. É a suposta semelhança entre as propostas destos dois pensadores
que parece orientar a crítica apresentada a seguir.
"O argumento biológico permite a Skinner reduzir o social ao anim al e fazer
abstrações da história e das relações sociais." (Japiassu, 1991, p. 278)
"Seu reducionismo psicológico encontra-se ancorado em duas ciências res­
peitáveis; a Fisica e a Biologia. A Fisica serve de caução cientifica para a aplica­
ção de um raciocínio mecanicista estrito de causa e efeito sobre o objeto estuda­
do: o comportamento. Quanto ã Biologia, serve de caução científica para se subs­
tituir as relações sociais p o r relações intra e inter-espécies. E ao descartar o con­
fronto so cia l entre indivíduos livres e iguais, para re alça r o confronto dos
controladores do comportamento e dos controlados, os especialistas da 'ciência'
do comportamento rejeitam a ideologia liberal e se apóiam numa ideologia do
status quo e da ordem estabelecida. E isto, como se a ordem social fosse funda­
da na ordem natural 'biológica'. Donde se pode dizer que as aplicações práticas
ó
N il/.i M u h d d lo
deste ‘modelo teórico', por mais eficazes que possam parecer, constituem um ide­
ologia justiticadora a serviço dos poderes estabelecidos. "(Japiassu, 1991, p. 287)
A explicaçao de Skmner para o comportamento é apresentada pelo crítico como
urna lorma de reduzir a dimensão social a processos que descrevem a vida animal, o
que resulta em supor a ordem social como uma ordem natural. A partir da atribuiçao a
Skmner de uma naturalização biológica das práticas humanas, novamente a teoria
skmneriana é apresentada como explicação voltada para referendar e manter práticas
de dominação.
Neste último trecho, fica evidente um outro ismo que é atribuído a Skinner, o
mocamcismo, associado à sua visao determinista. Novamente, uma breve caracterizaçao
dos supostos mecanicistas pode ser esclarecedora;
• A visao mecanicista diz respeito ao mundo material.
• Opera com as dimensões quantitativas das coisas, eliminando as diversas qualidades
sensíveis.
• As coisas, os eventos, realizam movimentos no espaço e no tempo e são resultado da
mteraçao entre matéria e força.
• Os movimentos são gerados por uma pressão, uma força, produzida pelos próprios
corpos materiais, que empurra, que impulsiona, quo funciona como um motor - sua
causa.
• A causa de todos os efeitos é concebida mecanicamente. A partir desta noçao de
determmaçao, propriedades mecânicas podem ser descobertas em todos os eventos
físicos.
• As forças que provocam estes movimentos se propagam através de coisas materiais,
num sistema de choques, seqüencial ou encadeado; são necessárias, portanto, enti­
dades mediadoras entre a causa e o efeito, meios que estabelecem ligações que per­
mitam o estabelecimento de cadeias causais. A Natureza é resultado do um cadeia
causai de interações mecânicas.
• Tal visao supõe que o futuro seria como o passado, sendo possível supor que, a partir
de condiçoes iniciais, pode-se obter as condições finais.
Um exemplo de crítica que atribui a Skinner uma visao mecanicista ó a seguir
apresentada, quando Capra (1982), analisando a Psicologia mecamcista, assim se refe­
re a Skinner:
"Embora o titulo do livro de Skinner faça referência explícita ao com portam en­
to humano [Ciôncia e comportamento humano], os conceitos nele discutidos basoiam-se quase que exclusivamente em experimentos de condicionamento com
ratos o pombos. Esses animais foram reduzidos, como disse Paul Woiss, a 'mari­
onetes acionadas por fios am bientais’. Os behavioristas ignoram largamente a
interação mútua e a interdependência entre um organismo vivo e seu meio am bi­
ente natural, o qual também é, ele próprio, um organismo. Com base cm sua
exigua perspectiva sobre o comportamento animal, eles executam então um g i­
gantesco salto conceituai que os faz aterrizar no comportamento humano, afir­
mando que os seres humanos, tal como os animais, são máquinas cuja atividade
está limitada às respostas condicionadas a estímulos am bientais."
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"Tacio isto c, portanto. Psicologia newtoniana por excelência, uma Psicologia
sem consciência, que reduz todo o comportamento a seqüências mecânicas de
respostas condicionadas, e que afirma que a umca compreensão cientifica da na­
tureza humana ó aquela que permanece dentro da estrutura da Física e da Biologia
classicas; uma Psicologia, além disso, que reflete a preocupaçao de nossa cultura
com a tecnologia mampulativa, criada para exercer domimo e controle. " (p. 168)
Para relacionar Skinner ao mecamcismo, os críticos destacam a quantilicaçao e
apresentam o condicionamento como uma cadeia de respostas mecânicas, em que nao
ocorre interação entre o organismo e o meio. Skinner é acusado de redu/ir o homem à
máquina, portanto passível do ser controlado por uma tecnologia científica gerada a partir
de suas explicações.
Vejamos, agora, alguns aspectos da proposta de Skinner que nos permitem ana­
lisar a possibilidade de relacionar a proposta de Skinner com estes ismos.
A noçao de determmaçao do comportamento pelo ambiente e usada para funda­
mentar a atribuição a Skinner de urna posição mecanicista.
A noçao de determmaçao que explica os comportamentos humanos é, para Skinner,
expressa na noçao de seleção por conseqüências. No comportamento oj)erante, um
dos níveis em que esta determmaçao opera, o ambiente determina o comportamento
através (ias conseqüências que se seguem à açao. A determmaçao do ambiente nao
ocorre através de uma força, de um estimulo, que desencadeie a resposta. É preciso
que o organismo se comporte para que a conseqüência ocorra. Como afirma Skinner
"., as contingências ontogeneticas continuam ineficazes até que a resposta ocor­
ra. ... Há limitação semelhante nas contingências filogenêticas. ... Disto se segue
que todo o repertório de um indivíduo ou de uma espécie precisa existir previa­
mente à sc/eçâo ontogenética ou f/logenótica..."(1966/1969, p. 175-6)
A determinação do ambiente é seletiva. O ambiente age fortalecendo uma classe
de resposta, ou seja, tornando mais provável a ocorrência de respostas futuras perten­
centes a mesma classe. Condições passadas e presentes determinam o com portam en­
to. Histórias específicas de reforçamento explicam comportamentos de caria indivíduo.
Sendo assim, a determinação ambiental não gera a homogeneidade e a padromzaçao,
ela produz a variaçao - de espécies, de comportamentos, de culturas.
Tal noçao de determmaçao, característica do comportamento operante, nega su­
postos rnecanicistas. Não há uma força que impulsiona, que desencadeie o com porta­
mento. A ação do ambiente se dá após a ocorrência da resposta. Não há, portanto,
meios propagadores das forças ambientais que garantam a transmissão da força m ecâ­
nica.
“Afirma-se freqüentemente que uma descrição behaviorista negligencia de certa
forma algo daquilo que uma pessoa pode ser ou fazer, porque a trata como uma
máquina... Mas afirm ar que o comportamento está submetido a leis não e dizer
que as leis que o governam são tão simples e tão mecânicas como aquelas que
se aplicam à operação de um refrigerador. " (Skinner, 1974/1976, p. 262)
8
Nil/.i Muliddlo
O homem é um produtor das contingências que o determinam. Mas tal determ ina­
ção não implica que o homem responda passivamente a provocações do ambiente. Seu
comportamento é produto dos efeitos de sua própria ação. Essa determinação ocorro por
uma conjunção de múltiplas dimensões em que comportamento e ambiente se transfor­
mam a partir de um processo de interações recíprocas das contingências de sobrevivên­
cia, das contingências de reforçamento e das contingências mantidas pelo ambiento so­
cial (Skinner, 1981/1987). Tais contingências do meio social, fundamentais para com pre­
ender o comportamento humano, são produzidas pelos próprios homens. É o homem que
constrói as contingências que o determinam. "O comportamento humano está, portanto,
amplamente sob o controle humano." (1947/1972, p. 299) "... ohomem , como o conhece­
mos, melhor ou pior, é o que o homem fez do homem. "(1971, p. 197)
Nesta nova noção de causalidade - a seleção por conseqüências
segundo
Skinner especifica para os organism os vivos, o ambiente age selecionando em dim en­
sões temporais distintas, tendo cada um dos níveis de seleção (filogenótico, ontogenético
e cultural) uma forma específica de ocorrer. Skinner retira esta noção de causalidade da
teoria da evolução por seleção natural de Darwin e parece ser este vínculo com a Biolo­
gia darwiniana que leva os críticos a relacionarem seu pensam ento com o socialdarwinismo.
A identificação da seleção por conseqüências como uma determinação ambiental,
que opera tanto na seleção das espécies como na seleção do comportamento individual
e das práticas culturais, resulta em uma análise de cada um desses níveis, e da ação
conjunta dos três, radicalmente oposta à proposta social-darwinista de Spencer. A apli­
cação do princípio causai, identificado pela primeira vez na seleção natural, não reduz o
comportamento e as práticas humanas a um processo biológico. Segundo Skinner, a
seleção produziu uma "natureza humana” , que nunca chega a existir de fato, uma vez
que a “dotação genética nada é até ter sido exposta ao meio am biente e a exposição a
modifica im ediatam ente." (1974/1976, p. 165)
Da grande variabilidade de suscetibilidades genéticas produzidas em nível gené­
tico, são selecionadas em nível ontogenético aquelas que são adequadas ao meio trans­
formado. O comportamento operante permite, portanto, que a espécie adquira rapida­
mente novos comportamentos. Ele modifica o organismo e opera junto com a seleção
natural, podendo agir na mesma direção ou em sentidos opostos a ela. Como Skinner
inúmeras vezes afirma, a vida do indivíduo não é uma reprodução do que ocorreu na
espécie, nem as determinações da espécie são determinantes inevitáveis do com porta­
mento.
"Genes sem dúvida explicam o comportamento resultante da seleção natural,
e eles são também responsáveis pelo condicionamento operante como um p ro ­
cesso, mas uma vez que este processo evoluiu, uma espécie diferente de seleção
explica o comportamento do indivíduo e a evolução das práticas culturais". (1983/
1987, p. 165)
"As similaridades entre os três níveis de determinação têm freqüentemente
gerado enganos. Em que sentido, p or exemplo, nós podemos falar de "vida so­
cial" dos insetos? Indivíduos em uma colônia de formigas respondem diferente­
mente uns aos outros do que as pessoas respondem umas às outras na sociedade
humana. Numa colônia, o comportamento ê "liberado" nos modos determinados
Stílwe comporl.imcMto o coRiiifào
pela seleção natural. Na sociedade humana, o comportamento é largamente produ­
to de condicionamento operante sob contingências sociais mantidas pela cultura".
(1988/1989, p. 54)
"(Culturas que modelam e mantêm o comportamento operante são exclusiva­
mente humanas. Sociedades animais têm muitos fatores semelhantes, mas só
como produto de contingências de sobrevivência.) A evolução cultural nào ê um
processo biológico"... (1990, p. 1 207)
A determinação através da seleção por conseqüências nào produz ovolução, mas
sim a seleção do comportamento, sem que qualquer força natural ou transcendental a
oriente. "O progresso nào é inevitável, certamente porque há culturas extintas como
espécies extintas."(Skinner, 1953/1965, p .432)
Nesse processo de seleção, é indispensável a existência o a produção de variação.
"Tanto na seleção natural como no condicionamento operante o aparecim ento de 'muta­
ções' è essencial" (1974, p. 247). Devem ser planejadas contingências que produzam
variabilidade de comportamento e de práticas culturais. "Uma cultura que se contente com
o status quo - que alegue conhecer quais são os melhores procedimentos controladores
e portanto não experimenta - pode alcançar uma estabilidade temporária apenas pelo
preço de uma extinção eventual. "(1953/1965, p. 443) A ciência do comportamento teria a
possibilidade de, a partir dos conhecimentos produzidos, propor novos modos de vida que,
como as mutações na seleção das espécies, seriam variações.
Para isso, a ciência do comportamento deve desvendar as formas de determina­
ção que estão envolvidas no processo comportamental, que não são evidentes como a
determinação mecanicista, e, ao fazê-lo, a ciência do comportamento refuta explicações
não apenas mecanicistas, mas também mentalistas. Como afirma Skinner:
"... a seleção p or conseqüências è um modo causai não facilmente obsen/ado.
Porque as circunstâncias controladoras que existem na história de reforçamento
do organismo são obscuras, o substituto mental tem sua chance." (1975/1978, p.
102)
"Talvez porque vemos o comportamento humano e observamos muito pouco
do processo através do qual ele se origina sentimos necessidade do um eu criati­
vo. " (1989, p. 43)
Parece que uma ciência que supõe um processo de determinação "obscuro” , de
difícil observação, não possa atender ao critério positivista que delimita como objeto de
estudo somente aquilo que se manifesta efetivamente à observação. As propostas de
Skinner rejeitam também a necessidade de formas estáveis e ordenadas do positivismo
comtiano. Para Skinner, a compreensão das determinações é condição indispensável
para que se evidenciem práticas de dominação e para a transformação das práticas
sociais que ameaçam a sobrevivência futura da espécie.
"Diz-se que, embora o comportamento seja completamente determinado, é
m elhor que o homem ‘se sinta livre' ou que ‘acredite que ô livre'. Se isso significa
que è m elhor ser controlado p o r maneiras que tenham conseqüências não
10
Nil/.i MicliWetlu
aversivas, nós podemos concordar; mas se significa que é m elhor ser controlado
por maneiras contra as quais não se revolte, isto falha em levarem conta a possi­
bilidade de conseqüências aversivas retardadas. Há uma outra afirmativa que pare­
ce mais apropriada: é melhor ser escravo consciente do que um escravo feliz."
(1971, p. 37)
A partir de uma tal compreensão, é preciso prever e controlar, certamente não no
sentido proposto pelo positivismo de Comte. Para Skinner, a previsão e o controle não
significam aniquilação das práticas culturais vigentes, para que a ciência possa dominar
de forma totalitária, mas uma prática planejada que seria uma mutação a ser selecionada
por suas conseqüências.
"Um novo conjunto de práticas não pode simplesmente ser imposto p o r gover­
nos, religiões ou sistema econômico; se isto fosse feito, não seria um conjunto de
práticas correto. Ele deve desempenhar seu papel só como uma variação a ser
testada p or seu valor para a sobrevivência. As contingências de seleção estão
além do nosso controle". (1986/1987, pp. 30-31)
Skinner apresenta uma posição antagônica à de seus críticos que, ao rotularem a
ciência do comportamento com os mais diversos ismos - positivismo, social-darwinismo,
mecanicismo, entre outros - , atribuem a ela práticas que submetem e manipulam o ho­
mem e que mantêm e justificam formas de dominação sociais e políticas, e atribuem a
esta ciência uma visão reducionista das possibilidades humanas. Para Skinner, as di­
mensões mais importantes do ser humano se fundamentam na compreensão do com por­
tamento humano como determinado e capaz de controlar o ambiente que o determina.
"O comportamento è também uma forma de controle. Que um organismo deve
agir para controlar o mundo ao seu redor è tão característico da vida como a
respiração e a reprodução. Uma pessoa age sobre o ambiente e o que ela realiza
é essencial para a sua vida e para a vida da espécie. Ciência e tecnologia são
simplesmente m anifestações deste traço essencial do comportamento hum ano."
(1974/1976, p. 208)
Skinner reverte a noção de controle e coloca sobre ela novas possibilidades para
o homem.
"Uma visão científica do homem oferece possibilidades empolgantes. Ainda
não vimos o que o homem pode fazer do homem. "(1971, p. 206).
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1 2
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Capítulo 2
Eventos privados: o que, como e porque
estudar
hiinumucl y>itfury lourinlw
l UVA
idos os sistemas teóricos que se apresentam como propostas de Psicologia
ocupam-se da análise dos fenômenos subjetivos, ou, pelo menos, tentam justificar-se por
não fazê-lo. Há uma exigência neste sentido que não é gratuita. O campo da Psicologia
constitui-se a partir de uma valorização da experiência do indivíduo consigo mesmo, gera­
da em nível das práticas culturais, e responder a essa demanda torna-se indispensável. O
conceito de eventos privados ó o conceito básico com o qual o Behaviorismo Radical tenta
lidar com a problemática da subjetividade, ao mesmo tempo em que sustenta um projeto
de Psicologia como ciência do comportamento.
Para um behaviorista radical, sentimentos, pensamentos, ernoções e cognições
correspondem a fenômenos que podem e devem ser analisados com os conceitos de uma
ciência do comportamento. A tentativa de explicá-los como fenômenos comportamentais,
e não mentais, diferencia a abordagem behaviorista radical de outras versões de
behaviorismo (cf. Skinner, 1974). O Quadro 1, a seguir, descreve a posição de quatro
modalidades de behaviorismo (Watsoniano, Metodológico, Mediacional e Radical) e resu­
me as diferenças no que diz respeito ao tema dos eventos privados.
' Uma vorsào antorior dosto trabalho foi apresentada no VII Encontro da AssociaçAo Brasileira do Psicotorapia
o Medicina Cornportamental e no I Congresso Norte-Nordeste de Psicologia e publicada nos Anais do último.
Sobre comporl.imento v io tfiiií.’io
13
Quadro 1 - Os Behaviorisrnos e o Problema dos Eventos Subjetivos.
Behaviorismo
de Watson
Behaviorismo
Metodológico
Objeto de
estudos
Comportamento
Comportamento
Natureza dos
fenômenos
"subjetivos"
Mental
Mental
Mental
Comportamental
Inclusão de
eventos
subjetivos no
escopo de uma
ciência do
comportamento
Não
Não
Sim
Sim
Behaviorismo
M ediacional
Behaviorismo
Radical
Comportamento
e Cognição/
Comportamento
Variáveis
Intraorganísmicas
Observa-se no Quadro 1 que diferentes projetos do constituição da Psicologia como
ciência do comportamento postulam a existência de fenômenos cuja natureza se diferen­
cia daquela dos fenômenos comportamentais - são behaviorisrnos que veiculam uma
visão mentalista acerca de eventos subjetivos; isto vale, em alguma medida, para o
behaviorismo do Watson, o behaviorismo metodológico e o behaviorismo mediacional.
Destes, apenas o behaviorismo mediacional estará de fato interessado na subjetividade;
entretanto, o mentafismo veiculado em suas teorias favorecerá mais o desenvolvimento de
psicologias cognitivistas do que o estabelecimento da Psicologia como ciência do com ­
portamento. A originalidade da análise behaviorista radical consiste, portanto, em incluir
os fenômenos subjetivos no campo de uma ciência do comportamento sem transitar para
uma concepção mentalista acerca do comportamento humano. Isso só é possível quando
se passa a interpretar sentimentos e pensamentos como fenômenos propriamente
comportamentais, isto é, corno fenômenos que se caracterizam por uma relação do indi­
víduo com seu ambiente, especialmente seu ambiente social.
1.
O Conceito de Comportamento
A definição de comportamento como relaçáo é central para a interpretação behaviorista
radical. Ela indica que referências a eventos isolados, como descrições topográficas de
uma resposta ou descrições físicas de uma condição ambiental, não são descrições
comportamentais plenas. Não há uma descrição comportamental quando se fala de uma
dor em termos de um nervo inflamado, ou de uma contração muscular (cf. Skinner, 1963/
1969; Tourinho, Teixeira e Maciel, 1998). Também não se tem uma descrição comportamental
quando se afirma simplesmente que um indivíduo pensou sobre algo. O nervo inflamado, a
contração muscular e o pensar do indivíduo podem ser considerados numa análise
comportamental, mas enquanto elementos de relações. No caso do comportamento
14
I mmiuh-l /. if liir y io u rm lio
operante, a relação tem pelo menos três termos: um estímulo discriminativo, uma respos­
ta e um estímulo reforçador. Portanto, falar daqueles eventos como constitutivos de um
fenômeno comportarnental operante corresponde a localizá-los numa relação do tipo
S[)--------> R --------> Sn.
A definição de comportamento como relação ainda não ó tudo. Na proposta original
de Skinner, a uma ciência do comportamento cabe o estudo de relações do organismo
como um todo, com eventos que lhe são externos. Quando se afirma, por exemplo, que
"João foi ao Congresso porque pensou que seria importante", tem-se uma relação, mas
uma relação insuficiente como descrição ou explicação do comportamento. O com porta­
mento de João não terá sido explicado enquanto não for analisado o ambiente à sua volta;
enquanto não forem identificados os eventos ambientais aos quais a resposta está relaci­
onada, eventos que a produzem e a mantém. O quadro seguinte resume este ponto de
vista a partir de outros exemplos.
Quadro 2 - Diferentes tipos de descrição do comportamento.
Descrição
Referência
Explicação
Marina telefona para sua tia.
Indicação Topográfica
Nenhuma
Marina telefona para sua tia
porque sente muita saudade dela.
Indicação de Relação
Versão Internalista de
causação do
comportamento.
Quando nào tem companhia para
brincar, Marina telefona para sua tia
e esta a leva para brincar em sua
casa.
Indicação de Relação
Versão Externalista de
causação do
comportamento.
Nas três "descrições", tem-se uma referência a algo que Marina fez (ligar para sua
tia). A primeira descrição é meramente uma indicação topográfica do comportamento. Na
segunda, uma relação é indicada, mas trata-se de uma relação de caráter internalista. Na
terceira descrição, a resposta de telefonar aparece relacionada a eventos do ambiente de
Marina. Apenas nesta última, portanto, tem-se uma descrição comportarnental, na medi­
da em que apenas aqui é indicada uma relação do organismo com um conjunto de eventos
que lhe são externos.
Pode-se então dizer que, ao adotar o comportamento como objeto de estudos, a
análise do comportamento trabalha com um recorte que é externalista e relacionai; e, ao
analisar sentimentos e pensamentos, seu desafio será exatamente o de dar conta destes
fenômenos preservando aquele recorte.
2.
Estímulos e Comportamentos Privados
Os problemas da subjetividade são abordados na análise do comportamento com o
conceito de “eventos privados". Eventos privados podem ser definidos como estímulos e
respostas que ocorrem sob a pele do indivíduo (cf. Skinner, 1945; 1953/1965; 1963/1969;
Sobrecomportamento ecorȒ(i1o 15
1974). Enquanto estímulos e respostas, os eventos privados devem ser vistos como
constitutivos de relações. Nenhuma condição privada é, em si mesma, um estímulo, as­
sim como nenhuma ação do organismo é suficiente para se falar de comportamento priva­
do. Um evento qualquer, por exemplo, uma contração muscular, não é um estímulo até
que seja parte de uma relação. Assim também, a descrição de uma resposta verbal enco­
berta não será suficiente antes que se indiquem as relações dessa resposta com estím u­
los controladores.
A expressão "sob a pele" pode ser traduzida de diferentes modos. Nos textos de
Skinner e de outros analistas do comportamento, ora a expressão significa interno ora
significa inacessível à observação pública. Quando se fala de privado como interno, a
intenção é enfatizar as circunstâncias nas quais eventos do próprio organismo afetam seu
comportamento subseqüente. Quando se fala do privado como inacessível á observação
pública, pretende-se enfatizar que um aspecto especial daquele tipo de ocorrôncia é a
impossibilidade de ser observado de modo direto por outros indivíduos.
A definição de privado como interno e como inacessível à observação é um tanto
problemática e tem propiciado críticas a respeito (cf. Ribes, 1982; Hayes, 1994). Para
entender o que há de errado com a definição, considere-se primeiro o caso dos estímulos
privados. Pode-se apontar que a categoria "interno" não coincide precisamente com a
categoria "inacessível à observação". Por exemplo, quando um indivíduo descreve um
evento passado, aquele evento é um estímulo que controla parcialmente sua descrição o
não está acessível à observação pública direta. O evento tem uma natureza pública, nao
está no interior de ninguém, e assim mesmo não está acessível, neste momento, à obser­
vação. Um caso oposto é o de um nervo dentário inflamado, que é um evento interno a um
indivíduo, pode ser um estímulo para uma resposta de dizer "Estou com dor", mas, em
muitas circunstâncias, pode estar acessível à observação pública direta (ainda que afete
o público de modo diferente daquele como afeta o próprio sujeito). Resumindo, nem tudo
o que é inacessível a uma observação pública é interno; nem tudo o que é interno é
inacessível à observação pública direta (cf. Tourinho, 1997a; 1997b).
No caso dos com portam entos privados, pode-se apontar que a noção de
inacessibilidade à observação é aceitável, mas a caracterização como interno não faria
sentido. Uma vez que qualquer comportamento é o comportamento de um organismo
corno um todo, não cabe categorizá-lo como interno ou externo ao organismo. Se o con­
ceito de interno não for empregado, se se passar a falar do comportamento privado apenas
como comportamento inacessível à observação, o problema também não terá sido resol­
vido, pois estará incluído na categoria um conjunto de comportamentos que são inacessí­
veis à observação pública direta, mas pouco ou nada têm a ver com a privacidade. Por
exemplo, o comportamento de digitar a senha bancária no interior de um caixa eletrônico
pode ser inacessível à observação pública direta, mas nem por isso tom alguma relação
com o tema dos eventos privados.
Os comportamentos privados são freqüentemente designados de comportamentos
encobertos. A expressão sugere novamente a inacessibilidade à observação pública e,
portanto, não seria suficiente para equacionar a dificuldade citada anteriormente. Uma
alternativa seria apontar que o conceito de comportamento privado diz respeito a compor­
tamentos que afetam o próprio indivíduo e que, por envolverem de modo muito restrito seu
aparelho motor, raramente podem também afetar de modo direto outros organismos (ver, a
propósito, a análise de Hayes, 1994, sobre o modo como Kantor lida com o problema).
Se não há coincidência entre interioridade e inacessibilidade, por que estas duas
16
I m m inicl Z .itfury Tourinho
categorias são sistematicamente associadas na definição e na análise dos eventos priva­
dos? Uma possível resposta é a de que o uso isolado de uma delas não seria suficiente
para delimitar o conjunto de problemas que estão sendo discutidos sob o conceito de
ovcntos privados. Ou seja, falar do privado como inacessível à obsorvaçáo ó insuficiente
porque se está interessado em apenas alguns dos eventos que são inacessíveis â obsor­
vaçáo. E falar cio privado como interno é insuficiente porque não interessa apenas a loca­
lização do evento, mas as circunstâncias nas quais esta localização dá origem a um
conjunto de problemas, na instalação de certas respostas discriminativas.
Duas lições podem ser tiradas das dificuldades encontradas nas definições de
estímulos e comportamentos privados. A primeira é a de que esses conceitos são propos­
tos para a interpretação dos fenômenos usualmente designados como subjetivos; isto é,
o que se pretende com estes conceitos é interpretar problemas como sentimentos e
pensamentos. Se é possível, então, falar de inacessível, de interno e de encoberto para
analisar outros fenômenos, não é lidando com estes outros fenômenos que se estará
dando conta dos problemas originalmente endereçados por aqueles conceitos. A segunda
liçao ó a do que as dificuldades citadas são resultantes de uma insuficiência do aparato
conceituai existente na análise do comportamento para abarcar a diversidade e a com ple­
xidade dos chamados fenômenos subjetivos. O projeto de interpretá-los de uma perspec­
tiva comportamental, antimentalista está ainda a exigir um trabalho conceituai e empírico
extenso, para o qual o esforço de muitos analistas do comportamento será requerido.
Talvez se possa dizer que a elaboração com a qual se conta hoje é suficiente para argu­
mentar que é equivocada ou inconsistente a acusação de que o Behaviorismo Radical
ignora a vida privada dos indivíduos. Com os conceitos hoje disponíveis, pode-se indicar
quais os aspectos fundamentais da interpretação behaviorísta radical e apontar o que eles
representam em termos de uma crítica a crenças antigas sobre a natureza e o alcance da
experiência subjetiva. Essa elaboração não representa ainda uma resposta a todos os
problemas que podem ser levantados neste campo; ela é apenas um primeiro passo na
direção cie uma delimitação do que deve ser observado na mvestigaçao cia privacidade.
3.
Eventos privados e eventos fisiológicos
Se os eventos privados são eventos constitutivos de relações cornportamentais,
eles nao se confundem com as condições corporais de um indivíduo. Por exemplo, quan­
do se fala da ansiedade de alguém como evento comportamental, a referência nao é a
uma alteração em sou batimento cardíaco ou em qualquer outra condição corporal, mas a
um processo que envolve uma classe de respostas sob controle discrimmativo de um
conjunto de estímulos.
Para a análise do comportamento, a história ambiental de um organismo, incluída
ai a filogênese e a ontogênese, é responsável por pelo menos dois produtos: suas condi­
ções anátomo-fisiológicas e um repertório comportamental, correspondente a probabilida­
des de respostas. Como os dois produtos são paralelos, não se confundem, nom são
causa um do outro. Um não se explica pela referência ao outro, mas apenas pela referên­
cia â história ambiental. Por exemplo, se um aluno é submetido a contingências aversivas
dispostas polo professor em sala de aula, pode-se supor que, como resultado, haverá uma
alteraçao corporal o uma alteração em sua probabilidade de resposta. O aluno pode até vir
a discriminar a condição corporal e denominá-la de tensão ou medo (adiante, esta possi­
17
bilidade será rnelhor explicada). Entretanto, seu comportamento de esquiva nao se expli­
ca pela tensão, mas pela exposição às contingências aversivas. A tensão enquanto con­
dição corporal e a esquiva como comportamento sáo ambas produtos da exposição às
contingências aversivas.
A distinção dos produtos comportamentais diante dos produtos anátom o-lisiolóyicos da história ambiental faz-se necessária quando se discutem os eventos privados
porque é muito comum o leigo identificar sentimentos em geral com condições corporais
especificas, especialmente aquelas que envolvem eventos neurofisiológicos. Um analista
do comportamento reconhece que todo evento comportarnental tem uma base fisiológica,
afinal, ó um organismo que está se comportando, mas exatamente ao reconhecer isso
está apontando tratar-se de eventos distintos (ver, a propósito, a análise de Skinner 1963/1969; 1971 - para o fenômeno da percepção).
Atualmente, tem sido mais importante atentar para a diferença entre componentes
comportamentais e componentes biológicos dos problemas humanos porque a cultura
o cidental tem a ssistido a iniciativa s que tendem a d issim u la r os co m po n e ntes
comportamentais e sobrevalonzar os componentes biológicos. Isso ocorre, por exemplo,
quando se reduz a análise de comportamentos ditos de "ansiedade" a componentos fisio­
lógicos, e ignoram-se ou dissimulam-se as contingências de reforçamento que produzi­
ram tanto a alteração fisiológica quanto os repertórios de "ansiedade". Manipulando o
componente fisiológico, pode-se até criar restrições ao organismo, mas nao se terá en­
frentado propriamente o problema comportarnental. Portanto, quando se quiser tratar da
ansiedade como um evento privado, de uma perspectiva analitico-comportamental, o objeto
não será o conjunto de alterações fisiológicas do indivíduo, mas a relaçao de certos reper­
tórios com um ambiente social. As alterações fisiológicas poderão até ter alguma relevân­
cia ao analisar-se aquela relação, mas não se confundem com a ansiedade enquanto
fenômeno comportarnental e, como ressaltado anteriormente, não são a causa do com ­
portamento.
4.
Eventos privados e linguagem
Quando se assinala que uma condição corporal pode ter relevância na análise de
um fenômeno comportarnental que envolve eventos privados, isto significa que ela pode
participar do controle de uma resposta, isto é, ela pode ser um estímulo privado, como
explicado anteriormente; neste caso, a condição corporal seria um estímulo interno e
inacessível à observação pública direta, que participaria do controle discriminativo do uma
resposta.
Ao tratar desta possibilidade, Skinner destaca a importância da linguagem, Basica­
mente, seu argumento é o de que apenas quando o indivíduo interage com contingências
dispostas pela comunidade verbal pode aprender a responder sob controle de condiçoes
corporais. Apenas quando ele vive numa sociedade na qual ó frequentemente indagado
sobre o que sente é que adquire comportamentos descritivos de sentimentos. Isso eqüiva­
le a üizer que o indivíduo è dependente da sociedade para conhecer a si mesmo. A depen­
dência resulta da impossibilidade de o próprio indivíduo reforçar diferencialmente suas
respostas discriminativas (Skinner, 1945).
Como a comunidade observa apenas eventos públicos ao reforçar diferencialmente
as respostas autodescritivas de um sujeito, não se pode dizer que a resposta ficou sob
18
I mmmid /.i^uiy Unmnlio
controle do uma condição interna precisa. Por exemplo, um indivíduo aprende a descreverse como "cansado" a partir de contingências dispostas pela comunidade verbal. Essas
contingências envolvem o reforçamento da resposta verbal "estou cansado" quando a co­
munidade observa alguns com portam entos públicos. A resposta "ostou cansado"
corresponderá a uma condição interna apenas se essa condição estiver consistentemen
te associada àqueles comportamentos públicos que orientaram a açao da comunidade.
Por isso, quando um sujeito diz "ostou cansado", sua condição interna pode ser bastante
diferente da condição interna de um outro sujeito que se diz "cansado". O que importa e
que a condição interna de cada um está de algum modo associada com padroos de
comportamento a partir dos quais todos atribuem cansaço a alguém.
Portanto, quando uma resposta é controlada discnmmattvamento por um estímulo
privado, isso nao significa que se está diante de um comportamento que pode ser explica­
do apenas pela mdicaçao de eventos internos ao indivíduo. Em poucas palavras, nenhuma
condição corporal tem autonomia para controlar discriminativamente uma rosposta (cl.
Tourinho, 1997b).
5.
Por que estudar eventos privados?
Embora falas sobre sentimentos e pensamentos nao sejam precisamente descri­
ções de eventos internos ou inacessíveis à observaçao publica, continua valido o interesso
pelo estudo dos eventos privados e polo menos três fortes motivos para isso podem sei
enumerados.
O primeiro motivo é a própria relevância do tema para a definição do campo da
psicologia. Uma análise de fatores históricos pode auxiliar na compreensão das contin­
gências culturais que favorecem discursos e práticas relacionadas a sentimentos e pen­
samentos. A cultura ocidental, em particular, produz indivíduos “introspectivos", ensina-os
a falar de seus sentimentos como causas de seus comportamentos e a comportar-se
discrimmativamente sob controle destas falas. Uma ciência do comportamento pode dis­
cordar da concepção de homem ai veiculada, mas nao podo ignorar que as relações ai
produzidas sao fenômenos comportamentais relevantes.
Uma voz que os repertórios autodescritivos se tornam tao importantes na cultura
ocidental, ha um motivo adicional para o interesse pelo estudo dos eventos privados.
Muitas vezes, as autodescriçoes estao parcialmente sob controle de eventos privados;
quando isso ocorre, uma análise funcional pode indicar os modos particulares com que os
indivíduos interagem com suas alterações corporais e como nesta interação vai se definin­
do sua privacidado. O componente privado torna-se, neste caso, relevante para a com pre­
ensão da autodescrição, do ponto de vista de sua gênese o de suas lunçoes.
Por último, também como funçao das práticas culturais, algumas situações
contemporaneamente privilegiadas de aplicação da análise do comportamento sao situa­
ções nas quais a demanda é por um tipo de intervenção que nao pode prescindir da
análise dos eventos privados. O caso típico é o do atendimento clinico (cf. SanfAnna,
1994), mas essa demanda pode ter um alcance maior, por exemplo envolvendo a interven­
ção no campo educacional.
Considerando que estas sejarn razoes relevantes para o estudo dos eventos priva­
dos, cabe à análise do comportamento encontrar modos de responder as demandas pro­
duzidas pela cultura sem reproduzir o mentalismo que lhe c característico. Mais do que
Soliu1iom|>oil.iimnlo r u>v’mv.io 19
isso, a analise do comportamento pode tentar ao mesmo tempo reconhecer a legitimidade
daquelas demandas e promover práticas culturais que favoreçam com maior eficácia a
solução dos problemas humanos e a sobrevivência da cultura.
6. O estudo de eventos privados
Se os eventos privados sao de fato importantes para uma ciência do com portamen­
to, como torná-los objeto de estudos? Num conjunto de textos que discutem o artigo
publicado por Skinner em 1945 (Skinner, 1945), vários autores (cl. Catania 8. Harnard,
1984) apontaram que o esforço interpretativo de Skinner não havia sido correspondido com
pesquisa empírica que permitisse um avanço no tratamento daqueles fenômenos Ainda
hoje, há pouca literatura sobre eventos privados nos periódicos da análise do com porta­
mento. Portanto, não há modelos "consagrados" de investigação, com os quais uma co­
munidade ampla esteja pesquisando o assunto (cf. Anderson, Hawkms & Scotti, 1997).
Variedade o dispersão caracterizam melhor tudo o que podo ser encontrado em
termos de pesquisa sobre eventos privados. Na impossibilidade de cobrir adequadamente
esse campo, procurar-se-á resumir o que vem fazendo o grupo de pesquisa que tem se
dedicado ao tema, no Curso de Mestrado em Psicologia da Universidade Federal do Pará
Parte-se do princípio de que os métodos da análise do comportamento envolvem,
pelo menos, observação, experimentaçao e mterpretaçao. Portanto, nao ha uma limitaçao
a estudos experimentais. Também considera-se que as fronteiras entre o behaviorismo
radical como filosofia, a análise do comportamento como ciência, e a análise aplicada do
comportamento como tecnologia, podem ser muito imprecisas quando se está lidando
com uma problemática cuja formulaçao é ainda precária. Desse modo, o grupo tem procu­
rado estudar eventos privados integrando trabalhos que serão aqui designados de: (a)
análises teórico-conccituais; (b) modelos interpretativos na terapia comportamental; e (c)
estudos descritivos ou experimentais. Os três tipos de estudo estão representados na
Figura 1, a seguir, de modo a indicar que cada um pode se situar num vérlice específico ou
num ponto intermediário qualquer entre dois ou três vértices.
Figura 1 - Estudos que abordam a temática dos eventos privados.
Análises teórico-conceituais
Modelos mtorpretativos na
terapia comportamental
Estudos descritivos/
experimentais
As análises teórico-conceituais consistem de estudos que tentam circunscrever o
estagio atual de elaboraçao do tema dos eventos privados na análise do comportamento,
identificando lacunas ou inconsistências desta elaboração, derivando conseqüências para
a interpretação de fenômenos correlatos, e propondo definições conceituais mais preci­
sas ou consistentes. Como exemplo deste tipo de trabalho, tem-se uma análise do pró­
prio conceito de evento privado (Tourinho, 1997a), uma revisão do conceito de ambiente
interno (Tourinho, 1997b) e uma discussão das fronteiras entre fisiologia e análise do
comportamento no tratamento dos eventos privados (Tourinho, Teixeira & Maciel, 1998).
Em alguns casos, as análises teórico-conceituais exigem a interlocução com outros auto­
res ou escolas de pensamento, com o intuito de buscar, nesta interlocução, elementos
para uma reflexão mais aprofundada sobre os supostos analítico-comportamentais.
Mais próximos do vértice dos modelos interpretativos na terapia comportarnental há
estudos que visam demarcar o alcance de sistemas que orientam teoricamente a interven­
ção clínica de terapeutas comportamentais e sua compatibilidade com princípios da aná­
lise do comportamento, particularmente aqueles relacionados à temática dos eventos
privados. Como exemplo, há os trabalhos de Cavalcante (1997; 1998) sobre a interpreta­
ção comportarnental para a depressão e sobre sistemas de classificação e diagnósticos
na atividade clínica e o trabalho de Costa & Tourinho (1998) sobre o conceito de crenças
em diferentes versões de behaviorismo e na terapia cognitivo-comportamental.
Os estudos descritivos ou experimentais constituem uma tentativa de investigação
empírica de problemas que envolvem eventos privados. Como exemplo, há o trabalho de
Santos (1998) sobre comportamentos precorrentes em situações de resolução de proble­
mas. A pesquisa foi originada de uma preocupação com o tema do pensamento enquanto
comportamento encoberto, e investigou o efeito de diferentes arranjos de contingências na
produção dos chamados comportamentos “preliminares". Este tipo de estudo poderia ser
situado entre o vértice das análises teórico-conceituais e o dos estudos descritivos ou
experimentais. Um outro exemplo estaria situado entre os vértices de modelos interpretativos
na terapia comportarnental e estudos descritivos ou experimentais. Trata-se dos trabalhos
de Martins & Tourinho (1998) e Medeiros, Tourinho & Teixeira (1999), que visam descrever
e analisar falas sobre eventos privados de terapeuta e cliente, em situação de atendimento
clínico comportarnental.
Os trabalhos descritos abordam relações que envolvem estímulos ou com porta­
mentos encobertos, ou modelos para a análise destas relações. Em algumas circunstân­
cias, podem estar considerando relações que não envolvem eventos propriamente priva­
dos, mas respostas verbais que são usualmente consideradas descritivas de eventos
desta natureza. Isso ocorre porque nem sempre falas sobre pensamentos ou sentimentos
correspondem a fenômenos que envolvem eventos internos ou inacessíveis. Nesse caso,
continua-se com a problemática dos eventos privados, mas apontando constrangimentos
verbais para a possibilidade de sua caracterização como eventos internos ou inacessíveis.
Nos trabalhos citados, os estudos teóricos ou interpretativos ocupam um lugar
mais central, e de certo modo orientam os contatos com a área aplicada e com a investi­
gação empírica. Esse viés, porém, é decorrente da formação dos pesquisadores envolvi­
dos.
Para ilustrar a diversidade da área, cumpro citar pelo menos dois tipos diferentes de
pesquisa que abarcam a problemática dos eventos privados. O primeiro é na área de
equivalência de estímulos, Há pesquisas que investigam a participação de estímulos
interoceptivos ou proprioceptivos em classes de estímulos equivalentes (também com ­
postas por estímulos exteroceptivos). Trata-se de trabalhos basicamente experimentais,
que podem esclarecer em alguma medida como eventos internos podem vir a controlar
Sol>re comportamento i* cotfniç.lo
21
discriminativamente certas respostas públicas (cf. DeGrandpre, Bickel & Higgins, 1992).
Um outro exemplo, particularmente interessante por trazer inúmeras contribuições
tanto para área aplicada quanto para a área mais propriamente conceituai, é a pesquisa
desenvolvida por Malerbi (Malerbi, 1997; Malerbi e Matos, 1998) com pacientes diabéti­
cos. O trabalho consiste no uso de um procedimento de treino para discriminação de
variações nas taxas de glicemia dos sujeitos. Através da manipulação de contingências,
a experimentadora obtém discriminações razoáveis daquela condição corporal interna.
Seus dados evidenciam tanto a possibilidade daquelas discriminações quanto os limites
dentro dos quais isso é possível.
7.
Análise do comportamento e eventos privados
A análise do comportamento pode avançar no estudo de eventos privados a partir
da interlocução com sistemas teóricos diversos. Muitas são as críticas dirigidas à inter­
pretação skinneriana do comportamento humano em geral e dos eventos privados em
particular. Em muitos casos, trata-se de críticas infundadas, originadas de uma com pre­
ensão equivocada da obra de Skinner. A simples desqualificação de toda crítica, porém,
só pode privar do aproveitamento do que algumas delas tiverem de positivo. Mais proveito­
so seria identificar quais interlocutores, dentre os inúmeros críticos, podem potencialmen­
te contribuir para uma elaboração coerente com os princípios behavioristas radicais.
Partindo da noção de comportamento citada no início do texto, considera-se razo­
ável definir como critério para a seleção de interlocutores a adoção de uma concepção
externalista e relacionai acerca do comportamento humano. Os interlocutores privilegia­
dos para o analista do comportamento seriam aqueles que, assumindo o comportamento
como objeto de estudo, enfrentam o tema dos eventos subjetivos sem transitar para qual­
quer tipo de internalismo.
Já foi apontado que o Behaviorismo de Watson, o Behaviorismo M etodológico e o
Behaviorismo Mediacional não cumprem aqueles requisitos. Afinal, o Behaviorismo Radi­
cal se apresenta freqüentemente pelo contraste com aquelas modalidades de behaviorismo,
especialmente no tema da privacidade. Entretanto, aquelas não são as únicas m odalida­
des de behaviorismo às quais o analista do comportamento pode se dirigir. Há outros
behaviorisrnos contemporaneamente vivos, com os quais um diálogo produtivo poderia ser
estabelecido.
O Behaviorismo Molar (ou teleológico) de Howard Rachlin e o interbehaviorismo de
Kantor ilustram essa possibilidade. Não há espaço, aqui, para uma discussão dessas
teorias, mas cabe citar que são modalidades de behaviorismo que dirigem ao behaviorismo
skinneriano críticas muito interessantes, na medida em que preservam o externalismo
anteriormente citado (cf. Baum, 1994, cap.3; Hayes, 1994; Kantor, 1981; Rachlin, 1992;
Rachlin, 1995). Na impossibilidade de discutir as contribuições que podem ser derivadas
deste confronto, cumpre citar apenas uma questão formulada por autores vinculados àquelas
tradições: se o conceito de comportamento envolve a relação do organismo como um todo
com eventos à sua volta, que sentido há em se falar de estímulos e respostas privados
como eventos que dizem respeito a partes do organismo e não ao organismo como um
todo?
Ainda que se discorde de alguns supostos a partir dos quais a questão é formulada,
ela conduz, no mínimo, à elaboração de uma resposta mais consistente para a noção de
22
I rnmnurl Z.iflury Tourinho
ambiente interno e de estímulos privados. Se o conceito de estímulo privado favorece a
compreensão da valorização bisfór/ca de certos componentes biológicos de fenômenos
comportamentais, elo também exige um tratamento sofisticado para que nao represente
apenas uma versão original daquela valorização.
8. Considerações finais
Sintetizando o que foi abordado até aqui, pode-se dizer que um quadro razoável do
tratamento behaviorista radical para o tema dos eventos privados envolve as seguintes
proposições;
1) As emoções enquanto problemas "psicológicos" dizem respeito às relações sociais relações do organismo inteiro com o meio social. A inclusão de sentimentos e pensa­
mentos no campo de uma ciência do comportamento nào representa nem a adoção de
um mentalismo, nem um reducionismo dos fenômenos comportamentais a fenômenos
fisiológicos. A unidade de análise continua sendo o comportamento compreendido
como relação do organismo com variáveis que lhe são externas.
2) A referência a estímulos internos cumpre apenas a função de reconhecer que algumas
respostas podem fifcar parcial e circunstancialmente sob controle de uma condiçào
corporal A investigação de como essa possibilidade se efetiva possibilita uma melhor
compreensão da auto-observação, ao mesmo tempo em que explicita por que uma
condição estritam ente pessoal e interna não pode autonom am ente controlar
discriminativarnente uma resposta verbal.
3) A proposta externalista de análise do com portam ento afasta tanto explicações
rnentalistas quanto explicações baseadas num apelo à (neuro)fisiologia do organismo.
O desenvolvimento das neurociências pode contribuir para uma compreensão do fenô­
meno comportarnental, na medida em que esclareça a base biológica das relações
ambiente/comportamento; entretanto, explicações fisiológicas não substituem expli­
cações comportamentais. A Fisiologia é parte do organismo cujo comportamento deve
ser explicado.
4) Outras modalidades do behaviorismo podem contribuir para o desenvolvimento do pro|eto externalista do Behaviorismo Radical. Sobretudo no tema dos eventos privados, o
diálogo com outras tradições de pensamento comportarnental pode ser útil, tanto para
a identificação de limitações quanto para sugerir alternativas consistentes de análise.
Os diferentes aspectos da interpretação behaviorista radical aqui examinados não
compõem um quadro completo e suficiente para a análise dos eventos privados. Isso se
deve parcialmente ao fato de que o terna ó realmente difícil e a elaboração behaviorista
radical nào é algo terminado. A interpretação apresentada contém, por outro lado, as
possibilidades de uma crítica consistente ao individualismo psicológico, salientando o
caráter social da gênese, configuração e regulação da experiência privada ou subjetiva
cotidiana. A noção do que a subjetividade diz respeito a algo essencialmente interior o
possoal do indivíduo, conferindo-lhe autonomia diante da realidade, nào encontra nenhum
suporte no Behaviorismo Radical. Ao contrário, uma de suas contribuições para a crítica
da cultura ocidental moderna é precisamente a denúncia do caráter ilusório daquela visão
de homem.
V>1>h* compúit.im rnlu o a»tfnií<io
23
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Capítulo 3
Skinner e o fenômeno da consciência1
Miueus tfcnlcs </(' ( '.in .ilho N eto
S
kinner, ao longo de grande parte de sua obra, demonstra particular preocu
ção com o tema dos eventos internos ou privados. Nega-se a abandonar os eventos ocor­
ridos sob a pelo por estes serem supostamente inacessíveis a uma ciência do com porta­
mento (Skinner, 1974/1976' , 1969/1984 e 1953/1989) Argumenta Skinner (974/1976) contra
o Bohaviorismo Metodológico de Doring e Stevens, que eliminava o problema da privacida­
de ou da subjetividade omitindo a possibilidade de estudá-la por métodos científicos (m é­
todos quo, para esses dois autores, exigiriam uma dimensão pública do fenômeno, dada
a necessidade de concordância entre dois ou mais observadores). Defende quo a pele nao
seria uma fronteira a marcar duas diferentes dimensões ou realidades; assim, os fenôme­
nos ocorridos dentro e fora da pele estariam submetidos às mesmas leis o princípios Nao
reconhece outra natureza (“especial") para os eventos internos só por serem estes aces-
' O ens.no o uma adaptação do trabalho do final do curso dn disciplina "A Psicologia Como Paito da hlosolia
u das Cioncias', ministrada polo Prolossor Dr Amo Engolman, a quem o autor agradoco a oportumdado o
comentários Agradocimontos ospociais a Protossora Dra Maria Amólia Matos o ao Prolossor Dr Emmanuol
Zagury Tourinho polas criticas o sugostòos.
Quando duas datas forom aprosontadas, a primeira indicará a data da publicação original o a sogunda, a
data da odiçao consultada
26
M .m u t U n ilrs tli’ C'.irv.ill)o N eto
síveis diretamente apenas ao próprio sujeito (Skinner, 1974/1976; 1969/1984 e 1953/1989).
O
tratamento dispensado pelo Behaviorismo Radical à questão dos eventos priva­
dos é extenso, rico em detalhes e em desdobramentos empírico-conceituais (abarcando
fenômenos como memória, pensamento, sentimentos, cognição, etc.)J. Para cumprir com
os objetivos deste trabalho, o tema da privacidade em Skinner ficará aqui circunscrito à
sua interpretaçao para o fenômeno da consciência4.
Skinner nao nega nem exclui de seu modelo explicativo o fenômeno da consciên­
cia. Muitas críticas foram feitas ao Behaviorismo Radical neste sentido. Talvez pola confu­
são ainda comum em tratar-se o Behaviorismo Skinneriano e os de Watson e de Boring e
Stevens de forma indiferenciada'1. Ao falar do nascimento do behaviorismo, Skinner (1969/
1984) comenta urna passagem no mínimo curiosa sobre as possíveis razões que teriam
levado, erroneamente, segundo o mesmo autor, Watson a erradicar a consciência de sua
psicologia comportamental:
"Ele confundiu-se com os psicólogos introspectivos ao negar a existência de
imagens. Pode ter agido de boa fé, porque dizia que ele m esmo nào tinha
imagens visuais: mas seus argumentos causaram agitação desnecessária." (p.
343) (negrito acrescentado)
Skinner (1974/1976, 1969/1984 e 1953/1989) interpreta grande parte do fenômeno
da consciência como comportamentos ocorridos de forma encoberta e estímulos proveni­
entes do ambiente interno e, como tal, passível de compreensão através dos mesmos
princípios válidos para outros episódios comportamentais públicos. Mas antes de seguirse com a descrição da proposta do autor, escolheu-se alguns trechos que sugerem a
importância deste ponto para Skinner (1953/1989):
"Talvez o problema mais dificil na análise do comportamento se origine de res­
postas que começam com ‘Veio... \ 'Ouço...', e assim p or diante, quando faltam
os estímulos costumeiros " (Skinner, 1953/1989. p. 255) (negrito acrescentado)
"Pcrhaps the most difficult problem faced by behaviorism has been the
treatment of conscious content. Are we not ali familiar with colors, sounds, tastes,
andsm ells which have no counterparts in thephysical w orld? What is theirplaco in
a behavioristic account?" (Skinner, 1974/1976. p. 80) (negrito acrescentado)
Skinner constantemente admite a dificuldade de se abordar de forma behaviorista o
fenômeno da consciência, mas, ainda assim, não o deixa de fora de seu modelo. Seu
argumento envolvo uma maneira pouco usual de encarar as sensações e, em particular, o
ver":
"O cerne da posição comportam ental sobre a experiência consciente pode ser
resumido desta maneira: ver nào implica algo visto. Adquirimos o com porta­
mento de ver sob estimulaçao de objetos reais, mas pode ocorrer na ausência
desses objetos, sob o controle de outras variáveis. (Enquanto nos referimos ao
Vui por oxomplo. Malnrhi A Matos, 1092, Matos, 1995 o Tourmho. 1995
Sobro osso toma. vor tambóm Do Roso, 1982 o Natsoutas, 1978 o 1983
s>oltioutmiuxl.imoilii v’
27
mundo interior á pele, sempre ocorre na ausência cie tais objetos.) Tamhóm adqui­
rimos o comportamento de ver-que-estamos-vendo quando vetnos objetos reais,
mas pode ocorrer também em sua ausência." (Skinner, 1969/1984. p. 350) (negrito
acrescentado)
Note-se que Skinner destaca dois tipos do consciência ou dois diferentes reportó
rios comportamentais do "ver". Tratar-se-á a seguir de esclarecer o que afinal seriam es
ses dois repertórios.
No primeiro caso, Skinner fala que o ver seria um comportamento como outro qual­
quer e que poderia ser executado na ausência da "coisa vista" (o estímulo na presença de
qual o comportamento foi estabelecido). O autor se vale dos paradigmas de condiciona­
mento respondente e operante para explicar este processo. No caso do condicionamento
respondente, Skinner (1953/1989) diz que:
'*Pode-se ver ou ouvir ‘estímulos que não estejam presentes' nos padrões do
reflexo condicionado vemos X, não apenas quando X está presente, mas quan­
do qualquer estímulo que freqüentemente acompanha X for apresentado A sineta
que anuncia o jantar nào só nos faz ficar com água na boca, mas nos faz ver
o alimento também. Na fórmula pavloviana simplesmente substituímos ‘sali­
v ar'por ‘ver alimento'. Originalmente ambas as respostas foram feitas para o
alimento, mas através de um processo de condicionamento serão feitas final­
m ente em resposta à sineta Quando uma pessoa diz que a s/neta do jan ta r faz
com que veja a comida (é mais provável que diga que a sineta 'lembra-a da comida ’
ou la z com que pense em comida'), podemos supor que está descrevendo uma
resposta que é semelhante à resposta feita na presença de alimento. O que nos
leva a perguntar o que ele está vendo, nesse caso, é apenas uma infeliz tradiçao,
aparentemente devida aos gregos. Quando alguém diz que a sineta o faz ficar com
'água na boca, não nos sentimos compelidos a perguntar o que o leva a salivar
Supõe-se que um estímulo diferente, exercendo a função estimuladora, pode
controlar o ver a comida, do mesmo modo que o salivar." (p. 256) (itálico
original, negrito acrescentado)
No caso da visão adquirida via condicionamento operante, Skinner (1953/1989) di,
‘‘Ao contrário da visão condicionada no padrào respondente, este com ­
portam ento nao è eliciado por estímulos presentes e nào depende do prévio
emparelham ento de estímulos. As variáveis controladoras primárias são re­
forço operante e privação. Quando tornamos um homem faminto, aumentamos o
numero de respostas práticas que no passado foram reforçadas com alimento.
Também aumentamos a freqüência de respostas artísticas ou verbais que prod u ­
zem quadros de alimento, ou geram estímulos condicionados que sáo eficazes
porque acompanharam alimento - o indivíduo desenha quadros de alimento ou fala
sobre deliciosas refeições que comeu. Ao mesmo tempo, induzimo-lo a ‘p en­
sar em com ida’, a devaneiar sobre alimento ou a sonhar com alimento. Do
mesmo modo, é característico de homens sobre forte pnvaçao sexual nao apenas
se entregarem a comportamento sexual táo logo se apresente a ocasiao ou se
dedicarem à produção ou fruição de arte sexual, ou se empenharem em auto-
28
M.iruis IU-nK’i ile l urv.illio Nolo
ostimulaçao sexual. mas tnmhcm verem objetos ou atividades sexuais na au ­
sência de estímulos relevantes. Mostra-se que todas essas formas do atividade
podem ser atribuídas a uma variavel comum, eliminando a pnvaçao. com o que
eliminamos todas as formas do comportamento (...) Ha efeito reforçador tanto
em estímulos públicos quanto privados Para quem esta interessado em caos, a
simples visao de caos ó automaticamente reforçada O homem faminto ou sexual­
mente pnvado o reforçado polo aparecimento ou presença de objetos relevantes,
tanto quanto por vè-los quando estiverem ausentes Estos reforços nao depen­
dem de uma redução real no estado de pnvaçao." (p. 261) (negrito acrescentado)
F. possível <|uo o comportamento do ver na ausência da coisa vista também luncio
no como um comportamento intermediário (em uma cadeia composta do respostas e
estímulos tanto públicos quanto privados) que venha a aumentar a probabilidade dos pró­
ximos comportamentos de produzirem relorçamento terminal (Skinner, 1074/1970).
Um segundo tipo de co nsciência descrita por S kinner parece envolver o
antoconhocimonto. Neste caso, alguém seria capaz náo apenas do “ver na ausência da
coisa vista", mas descrever que assim o estaria fazendo ("ver-quo-ostamos-vendo"). En­
quanto a primeira consciência seria comum a organismos humanos e nao-humanos. esta
segunda parece ser restrita ao nível humano, pois seria produto de um ensino (via contin­
gências de relorçamento) essencialmente “verbal", nos termos que o conhecemos em
nossa ospecio (Skinner, 1074/1970).
Skinner (1074/1970) diz que nossos comportamentos seriam, em sua maioria, nes­
te sentido, inconscientes". Em geral, lazemos as coisas sem saber que as estamos
fazendo, ou seja, som precisarmos descrever continuamente qual o comportamento que
estaria em ação. Acrescenta o autor que, além de inconsciente, a maior parto do nosso
repertorio sena "irracional", pois seriamos incapazes de identificar, na maioria das vezes,
quais as variáveis que estanam a controlar nosso próprio comportamento. Uma boa parto
da tarefa do psicoterapeuta seria, para Skinner (1053/1989), justamente instaurar repertó­
rios de autoconhocimento que fizessem a pessoa não só conseguir descrever precisa­
mente seus comportamentos, mas também identificar-lhes as causas. Seria bom salien­
tar que a mera descrição das contingências nao seria suliciente para mudar o com porta­
mento Poderia ser um importante passo preliminar ao localizar os aspectos do mundo
que estariam exercendo efeito sobre um determinado padráo de responder Contudo, o
que alteraria a açao seria a alteraçao de suas variáveis de controle no ambiente Nesse
sentido, ter consciência" nao seria um pré-requisito para se mudar o comportamento'*. Ao
aprender a observar "o que" estaria fazendo e "porque", o cliente poderia ter sou comporta­
mento sob controle dos estímulos discriminativos relevantes. Ainda assim, tais partos do
ambiente precisariam ser alteradas Uma pessoa nao deixará sua j>aixao do lado simples­
mente porque agora “sabe" dos malefícios que isso lhe faz Da mesma forma, um profes­
sor nao deixam de repetir as mesmas expressões ou frases feitas simplesmente porque
tem consciência" disso agora O controle ultimo de qualquer comportamento estaria no
ambiente, histórico e/ou imediato (Skinner, 1974/1970).
I
Ia muitos outros aspectos que envolveriam direta o indiretamente o tema e que
aqui foram deixados de lado. Espera-se que o leitor ao menos tenha agora mais elem en­
tos jiara se aprolundar na area.
H.i (l.ulos
e m |m i(
i js nossa <lirn(,ao. como os aprcisontados por Simonassi. 1'M)7
29
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30
h t.m us
.!»• C>n\ .illio Nvlo
Capítulo 4
Regras e insensibilidade: conceitos básicos,
algumas considerações teóricas e empíricas
)íik i N ico
i\/c /s r
I
areco ser central na Psicologia a questão: por que os organismos se comportam
do modo que o fazem? Enquanto analistas do comportamento, propomos que a resposta
a esta questão comece com a identificação das variáveis ambientais, das quais o com por­
tamento em estudo é função. Ao buscar por estas variáveis, fazemos uso do conceito de
contingência, principalmente do conceito de tríplice contingência (Todorov, 1985). No caso
do comportamento operante, identificar uma tríplice contingência significa identificar sob
qual condição antecedente (estimulo discriminativo) uma determinada resposta produz
uma conseqüência (reforçador). O importante no conceito de contingência é que a produ­
ção da conseqüência reforçadora é condição dependente da ocorrência de uma determ i­
nada resposta na presença de certo estímulo discriminativo. É a relaçáo entre a resposta
o o reforçador produzido por ela que determina a probabilidade futura da emissáo desta
resposta. Assim, a identificaçao desta relaçao nos permite responder, em parte, por quo
os organismos se comportam do modo que o fazem.
Segundo Skinner (1966), quando dizemos que um organismo se comporia de uma
determinada forma com urna dada probabilidade porque o comportamento foi seguido por
um determinado tipo de conseqüência no passado, devemos nos referir a este com porta­
mento como sendo modelado pelas contingências. Entretanto, quando os organismos em
questão sao sujeitos humanos verbais, observamos que grande parte de seu repertório
v>ol>ri>lompoit.imcnlo »•co^inv*10 31
comportarnental não é adquirido através de uma longa exposição ás contingências do
reforço. A aquisição de comportamento verbal tornou os homens ca p a /cs de relatarem
uns aos outros o que fazer, sob determinadas condições, para que ocorram certas altera­
ções no ambiento em que vivem.
Quando alguém se comporta de uma forma determinada porque um outro alguém
especificou a contingência na qual o comportamento em questão se insere, referimo-nos
a esto comportamento como comportamento governado por regras (Skinner, 1966). Se
prestarmos atenção nesta definição, perceberemos que falar de regra não é, segundo
Skinner (1966), falar de qualquer descrição sobre os eventos do mundo. Podemos desta­
car duas condições fundamentais para que uma descrição verbal se|a considerada regra:
a primeira ó que devemos considerar como regra uma descrição que especifique uma
contingência, ou seja, especifique o estímulo discriminativo, a resposta e a conseqüên­
cia' ; a segunda ê que uma descrição só deverá ser qualificada como regra quando alterar
a probabilidade de emissão de um dado comportamento funcionando, portanto, como
estímulo discriminativo2.
O
que significa dizer que uma regra é um Sd? Significa que esta descrição verbal
faz parto de uma contingência e que, portanto, para compreender o controle exercido por
esta descrição, temos que identificar a contingência na qual ela se insere. Tomemos
como exemplo a seguinte descrição de um pescador: "No final da tarde, pescar perto das
pedras dá muito mais peixe". De acordo com o que foi apresentado, é condição fundamen­
tal para que esta descrição seja considerada regra, em primeiro lugar, a identificação de
uma descrição de contingência. Neste exemplo, temos:
“ No final da tarde (Sd), pescar perto das pedras (resposta) dá muito mais peixe
(conseqüência)"
Entretanto, esta descrição de contingência, ou como Skmner (1966) afirma, este
estímulo espocificador de contingência, só poderá ser considerado regra se funcionar
como estímulo discriminativo de uma dada contingência. Assim, teríamos que supor esta
descrição do pescador (sondo feita, por exemplo, a seu filho pequeno ao ensiná-lo a
pescar) funcionando como estímulo discriminativo para uma dada resposta (no caso, a
resposta do filho de pescar perto das pedras). Tal resposta poderia produzir duas conse­
qüências: uma, diretamente produzida pelo comportamento descrito pela regra (conseguir
muitos peixes), e outra, liberada pelo emissor cia regra, contingente ao seguimento desta
(a aprovação do pai contingente ao fato de o filho ter feito o que ele lhe disse, por ter
acreditado nele, por tê-lo obedecido...).
' Skmnor (19(56/84) elabora uma análiso mais minuciosa a rospoilo dos tipos possíveis do rogias t>m lunçao
dos toimos da contmgôncia quo sao doscritos. tais como recjra mcomplota (p 294). rogra liaijm ontaria
(p29<1) o regra grosseira (p 296).
’ Esta dolmiçao do Skinner loi seguida por um dobato critico ontro os analistas do comportarnonto na
tentativa do alcançar um consonso om rolaç.lo ao concoito do comportarnonto governado por rogras
(Schoneborg, 1990) Uma amostra dosto dobato podo sor vista em Zottle o Hayes (1902) o Corutti (1989),
que dolinom comportarnonto govornado por regra como comportarnonto envolvido em dois conjuntos do
contingências, Dlakoly o Schilmgor (19R7) o Schilmger (1990), que criticam o concoito de rogra como Sd,
propondo quo o ornprego do torrno "rogra" so|a rosorvado para estímulos espocilicadoros do contingências
com o papol do alterar as lunçóes rospondontes o operantos dos ostimulos quo doscrovom, o Catania
(1989), quo cnlica a proposta concoitual do Glonn (1987) para rogra o a subsequonto rosposta do Glenn
(1989).
Sd
"No final da tardo, pescar
perto das pedras dá muito
mais peixe"
Resposta
Pescar perto das
pedras
Conseqüência
Conseguir muito peixes
(Conseqüência
y diretamente produzida)
Aprovaçao do pescador
(Conseqüência liberada
pelo emissor)
É apenas porque a regra funciona como estímulo discnmmativo que Skinner ( \ 966)
pôdo propor, além da distinção entre comportamento modelado por contingências e gover­
nado por regras, uma diferenciaçao entre o operanto "seguir regras do tipo conselho" o
"seguir regras do tipo mando". Dizemos que uma regra é um conselho quando as conse­
qüências que mantêm a resposta de seguir a regra sao as mesmas que modelariam
diretamente o comportamento, na ausência desta regra. De outro modo, qualificamos
uma regra como mando quando as conseqüências que mantêm a resposta descrita na
regra estão sob poder do mandante, o qual se utiliza de estímulos especiais - na maioria
estímulos aversivos - para garantir o seguimento da regra.
As razões do desenvolvimento do controle por regras se relacionam, de acordo com
Skinner (1966), com fato de que os homens podem, através do descrições verbais, induzir
uns aos outros a se comportarem de modo efetivo sem que seja necessária uma exposi­
ção, geralmente longa, às contingências descritas. Esta característica do com portam en­
to governado por regras parece especialmente necessária quando as conseqüências pro­
duzidas pelo comportamento sáo muito adiadas, ou raras, tornando-se, portanto, inefica­
zes na modelagem de comportamentos, ou ainda, quando os comportamentos que seri­
am modelados pelas contingências em vigor são indesejáveis.
Poderíamos, neste momento, aprofundar o debate a respeito destas e de outras
vantagens decorrentes do controle por descrições do contingências. Esta seria, com cer­
teza, uma tarefa bastante interessante nao fosse o fato de que nossa reflexão ruma na
direção oposta na medida em que deriva da seguinte questão: será que o controle por
regras resulta apenas em vantagens?
Na passagem abaixo, Skinner responde que não.
À medida que uma cultura produz máximas, leis, gramática e ciência, seus
membros acham mais fácil comportar-se eficientemente sem contato direto ou
prolongado com as contingências de reforço assim formuladas. (Preocupamo-nos
aqui apenas com contingências estáveis. Quando contingências mudam ç as r&z
gras não o fitteUL-regws.PQdem $QLPlQt)le£DáiLC.as em vez do úteis). (Skinner,
1966/1984, p.279; grifo meu)
Podemos notar que no inicio desta citaçao Skinner aponta para uma vantagem do
comportamento governado por regras e que esta vantagem se relaciona com o fato das
contingências serem estáveis. No final da citação, Skinner afirma que, caso as contingên­
cias sejam instáveis, o controle por regras pode se mostrar desvantajoso. Sendo assim,
caso uma determinada contingência se altere mas a regra que a descreve permaneça a
mesma, seguir esta regra pode ser problemático. Quando lemos este alerta, o que imagi-
‘'obic cumpoMiimrnlo o iot?niv*io
namos ser problem ático7 Supomos que o que é problemático é a possibilidade do com ­
portamento nào se alterar, na medida em que continua seguindo a mesma regra, mesmo
que a contingência tenha mudado. É exatamente esta possível característica do comportamento governado por regras que vem sendo considerada como insensibilidade às con­
tingências, ou seja, a nào*altoração do desempenho diante de mudanças nas contingên­
cias.
Voltemos ao nosso exemplo do pescador para entender, neste caso, o que seria
considerado como insensibilidade às contingências. Suponha que, por qualquer motivo,
após várias pescarias bem-sucedidas perto das pedras, a corrente marítima tenha sej
alterado e que, com isto, o cardume de peixes nao mais passaria perto das podras (alteraçào da contingência) e que, apesar desta alteraçáo contribuir para uma grande dimmuiçáo de reforços (menor número de peixes pescados) o pequeno pescador continua reali­
zando suas pescarias perto das pedras. Esse seria um possível exemplo cotidiano indi­
cando a existência da náo alteraçáo de uma resposta em face da modificação nas contin­
gências do reforço, em funçáo desta resposta estar sob controle de regra.
A avaliação experimental da existência de insensibilidade requer que se planeje as
seguintes situações:
1) um sujeito sendo instruído a se comportar sob uma dada contingência o o seguimento
desta instrução levando-o, efetivamente, a produzir conseqüências retorçadoras;
2) a alteração desta contingência sem uma alteração da regra. Por exemplo, vamos su­
por uma situação experimental na qual é dito para uma criança que para obter uma
conseqüência reforçadora (pontos que serào trocados por brinquedos) ela deve apertar
um botão bem devagar (de acordo com um esquema DRL). Ela segue a regra e ganha
vários pontos. Agora, sem que se avise a criança, a contingência muda: para ganhar
pontos, ela deverá apertar bem rápido (agora, o esquema em vigor é um DRH). Portan­
to, temos uma alteração de contingência e uma manutenção da regra. De acordo com
este planejamento, se o desempenho se alterasse, apertar mais rápido, quando a
contingência fosse alterada, diríamos que o comportamento foi sensível às contingên­
cias. Mas, se o comportamento permanecesse o mesmo, apertar devagar, a despeito
da mudança na contingência, diríamos que ele foi insensível às contingências - um
experimento semelhante a este foi conduzido por Assis (1995) e parte dele replicado
por Nico (1997). Podemos considerar que esta identificação de insensibilidade baseiase numa comparaçao do desempenho do mesmo sujeito em duas condições diversas.
Dizemos que esta é uma definição intra-sujeito.
•
Entretanto, segundo Madden, Chase & Joyce (1998), num artigo de revisão da área
de insensibilidade, esta definição se opõe a uma outra também comum na literatura, a
saber: uma definição baseada em comparação entro espécies. De acordo com esta defi­
nição, o comporiamento humano deve ser considerado sensível se apresenta um parirão
semelhante ao mostrado por sujeitos não-humanos, quando exposto ambos às mesmas
contingências de reforçamento. Do modo contrário, quando o padrão humano difore do
padráo animal, ele deve ser descrito como insensível.
Os autores apontam três razões básicas para a nào-adoção da definição basearia
na comparaçao entre espécies. Em primeiro lugar, o comportamento animal tornado como
típico sol) um dado esquema, pode náo ser tão típico quanto muitos supõe. Uma segunda
razão seria a de que o padrão de resposta produzido por certos esquemas nào é consis-
tente entre várias espécies (por exemplo, quando submetidos a DRL, ratos apresentam
taxas de respostas mais baixas do que pombos). Nesse caso. com qual espécie o res­
ponder humano deveria ser comparado para que "sensibilidade" fosse avaliada9 Finalmen­
te, os autores argumentam que os procedimentos empregados com humanos e nãohumanos podem ser similares em termos estruturais porém não em termos funcionais
Aspectos do controle experimental (sistema de liberação de reforço, custo da resposta,
condições de privação...) podem ser mantidos os mesmos em estudos com não-humanos
e humanos, garantindo similaridade estrutural entre os procedimentos, entretanto esta
similaridade não garante que as variáveis controladoras exerçam a mesma função de
modo a permitir uma comparação entre espécies
Com base nestes três argumentos, os autores concluem que sensibilidade não
deveria ser definida a partir de uma comparação entre espécie Dessa forma, sugerem que
0 termo "replicação entro espécies" descreve mais adequadamente a consistência fios
efeitos obtidos entre espécies do que o termo sensibilidade; isto é, um comportam ento
pode ser considerado sensível mesmo que não reproduza os dados de experimentos com
não-humanos
Estando de acordo com esta conclusão, temos reduzido a quantidade de dados
experimentais sobre insensibilidade, já que não vamos considerar como insensível um
desempenho humano que difere de um desempenho animal
Passemos, portanto, para os estudos sobre insensibilidade, como um produto de
comportamento governado por regras, e que se baseiam numa comparação mtra-sujeito.
1Jma primeira tarefa (para verificar se há insensibilidade e quais as variáveis envolvidas)
deveria ser a revisão da literatura, considerando a existência de cinco condições experi­
mentais:
1) fornecin ento de uma regra a respeito da resposta que produz conseqüências
reforçadoras sob a contingência à qual o sujeito será exposto,
2) estabilidade do desempenho nesta primeira condição, aumentando a probabilidade de
que uma eventual alteração de padrão seja função da mudança na contingência e não
uma alteração aleatória;
3) alteração efetiva das contingências de reforço, de modo que o padrão de resposta
apresentado sob a primeira condição nào mais produza reforço e que. portanto, uma
alteração do desempenho seja realmente necessária para a produção de reforçador;
4) manutenção, na segunda contingência, da regra fornecida sob a primeira contingência;
5) dados sobre o desempenho quando gerado na ausência de regra e submetido à altera­
çáo de contingência, para que se possa afirmar que a não-alteração, insensibilidade, é
produto do seguimento de regra e náo de qualquer outra variável presente na situação
experimental.
Estando asseguradas estas condições, poderíamos começar a defender a existên­
cia de dados experimentais sobre insensibilidade e, possivelmente, conhecer de quais
variáveis, presentes no controle por regras, a insensibilidade às contingências seria fun­
ção
Portanto, quais são os problemas existentes7
1) Existem duas definições de insensibilidade, completamente diferentes, convivendo na
literatura Mais do que isto, a defesa por uma destas definições não é prática comum
V im * ci'in)'uit,ntu‘Mli' o umiiiViK'
35
na literatura. Isto seria apenas um problema de falta de debate teórico, nao fosse o fato
de que ambas as definições são aplicadas aos achados de pesquisa. Então, um traba­
lho de revisão da literatura torna*se urgente já que o mesmo conjunto de dados pode
estar sendo considerado como indicativo de insensibilidade ou de sensibilidade, a de­
pender da definição utilizada.
2) Um problema metodológico para avaliar experimentalmente a insensibilidade. Também
em relação a este problema ó de extrema importância que se conduza uma revisão das
metodologias empregadas pelos estudos da área, restringindo-se àqueles que partem
da d e fin iç ã o in tra -s u je ito , p ara q ue p o s s a m o s m a is c o n s is te n te m e n te :
a) afirmar ou negar a existência de evidências experimentais que suportem a conclu­
são de que insensibilidade existe e, caso identifiquemos alguma evidência; b) conse­
guir dizer de quais variáveis ela ó função.
Sem estas revisões, nào temos condições, talvez ainda, de apresentar a existência
de evidências empíricas que suportem a defesa de que o fenômeno da insensibilidade
existe. Entretanto, fomos capazes de fornecer um exemplo cotidiano, e, com certeza,
muitos outros podem ser formulados, o que parece indicar a existência de insensibilidade.
Voltemos a ele para que possamos mais claramente colocar uma última questão que se
refere à adequação do termo insensibilidade às contingências. Para realizar esse
questionamento, ó necessário que façamos uma análise comportarnental mais minuciosa
a respeito do que fomos capazes de identificar, no nosso exemplo, como insensibilidade
às contingências.
Parece que naquele caso estávamos considerando como insensibilidade a caracte­
rística de não-alteração do comportamento (continuar a pescar perto das pedras) a des­
peito da mudança nas contingências implicar perdas de reforço (menor quantidade de
peixes pescados). Sendo assim, podemos afirmar que o que estamos considerando como
fundamental para a identificação de insensibilidade é o término da produção do reforçador
“conseguir muitos peixes" e a continuidade de emissão da resposta anteriormente neces­
sária para sua produção, ou seja, pescar perto das pedras. Assim, estamos enfatizando,
na identificação de insensibilidade, a análise da relação entre a resposta descrita na regra
e a conseqüência diretamente por ela produzida.
Entretanto, parece razoável esperar de um psicólogo pertencente a uma aborda­
gem como a Análise do Comportamento a resposta de sair em busca das variáveis
ambientais responsáveis pela manutenção do comportamento e não a simples afirmação
de que, surpreendentemente, o comportamento não se modifica em função da alteração
em algumas variáveis ambientais, qualificando-o, portanto, como insensível às contingên­
cias.
O próprio termo “insensibilidade às contingências” soa como um contra-senso den­
tro do corpo teórico da Análise do Comportamento visto que esta abordagem se edifica
sobre o pressuposto de que é possível estudar o fenômeno comportarnental, prevê-lo e
controlá-lo, a partir do conhecimento acumulado sobre as variáveis ambientais das quais
ó função; de que o comportamento "é um processo, e não uma coisa... ó mutável, fluido e
evanescente" (Skinner, 1953/1994, p. 27) e que esta mutabilidade, fluidez e evanescência,
são função de alterações nas contingências ambientais. Assim, como podemos, sem
grande intranqüilidade teórica, afirmar que um comportamento pode ser insensível às con­
tingências de reforço? Não estaríamos colocando em xeque pilares muito sólidos dentro
de nossa abordagem?
30
y .im
Nico
Diante cie tal inquietação, resta-nos investigar quais possíveis variáveis poderiam
ser responsáveis pela manutenção de uma resposta que, apenas aparentemente, parece
ser insensível às contingências. Serão apresentadas aqui duas possibilidades cie explicaçao deste padrão dito insensível. Ambas as possibilidades implicam a constatação de
que o termo "insensibilidade às contingências" seja talvez inadequado para se ciescrever o
fenômeno comportamental em questão.
Uma primeira possibilidade origina-se da suposição de que o emissor da regra
permaneça liberando reforços contingentes ao seguimento desta, mesmo que a conse­
qüência diretamento produzida pela resposta descrita na regra não mais estivesse ocor­
rendo. No nosso exemplo, esta possibilidade seria constatada caso observássemos que
o pescador continua reforçando o filho a pescar perto das pedras mesmo se poucos
peixes fossem obtidos.
Diante de tal observação, poderíamos continuar a qualificar tal comportamento como
insensível às contingências? Caso a resposta fosse "sim, podemos qualificá-lo como in­
sensível às contingências; já que ele não se altera mesmo com o término da produção do
reforços que oram diretamente produzidos por ele", não estaríamos incorrendo num erro
de definição da classe do resposta à qual a resposta sob análise pertence? A continuida­
de du emissão da resposta pescar perto das pedras, diante da retirada da conseqüência
diretamente produzida e a manutençao da conseqüência social, deveria ser um indício cie
que tal resposta faz parte da classe de respostas definidas por sua função em comum de
produzir a aprovaçáo social e náo da classe de respostas definidas pela sua função em
comum do produzir peixes. Dessa forma, o comportamento seria sim sensível às contin­
gências, no caso, às contingências que incluem conseqüências sociais. Portanto, conti­
nuar atribuindo a tal comportamento a característica de insensibilidade é no mínimo negli­
genciar o poder reforçador de conseqüências fornecidas pela comunidade contingente à
obediência, sujeição, condescendência, submissão... e, no máximo, impedir o estudo
cias variáveis críticas no controle deste tipo de padrão que, apenas aparentemente, pode­
ria ser denominado de insensível.
Porém, podemos apresentar ainda uma segunda possibilidade de explicação fiara
padrões de comportamento denominados de insensíveis. Suponha que nossa investiga­
ção levasse à constatação de que realmente a (s) conseqüência (s) responsável (eis) pela
manutenção cio comportamento não mais estivesse (m) sendo produzida (s), fosso (m) ela
(s) a conseqüência direta, a conseqüência social ou ambas e, a despeito deste fato, a
resposta continuasse sendo emitida. Diante de tal constatação, poderíamos continuar a
qualificar tal comportamento como insensível às contingências? Mesmo ostando ausen­
tes as conseqüências responsáveis pela manutenção do comportamento e este, ainda
assim, continuar a ser emitido, considerar tal comportamento como insensível náo implica
incorrer no erro cie descartar toda uma literatura que investiga as variáveis que contribuem
para aumentar a resistência à extinção? Já é bem sabido, entre os analistas do com por­
tamento, que manipulações no nível de privação, histórias prévias com diferentes esque­
mas, tempo cio exposição às contingências de reforço, entre outras, sáo todas variáveis
que interferem na velocidade com a qual o comportamento deixa de ser emitido quando
nao mais produz as conseqüências responsáveis pela sua manutenção. Até onde temos
conhecimento, náo se tornou prática comum na literatura sobre resistência à extinção
adjetivar com portamentos mais resistentes de insensíveis às contingências. Entretanto,
parece que, quando a variável em questão é o controle por regras, deixa-se de caracterizar
o efeito observado como resistência à extinção e passa-se a atribuir a ele como que um
V)l>io lompoit.imnilo i’
37
status especial na medida em que se reserva o termo “insensibilidade às contingências",
o qual, além de tudo, como |á foi dito, parece incoerente dentro de nossa abordagem.
Assim, nao seria o controle por regras apenas mais uma possível variável que, sob algu­
mas condições, poderia aumentar a resistência a extinção?
Esses forarn apenas alguns questionamentos iniciais sobre a adequação do termo
“insensibilidade às contingências" para descrever alguns efeitos observados no controle
por regras. Longe de pretender constituir uma palavra final no debate dessas questões,
este artigo visou, a partir do entendimento dos conceitos de comportamento governado
por regras e insensibilidade, colocar em discussão temas que decorrem do estudo do
comportamento governado por regras ou, mais especificamente, do esludo de possíveis
desvantagens deste tipo de controle. Dessa forma, o toma intitulado pela literatura como
"insensibilidade às contingências" parece ser central no estudo destas desvantagens.
Resta-nos sabor quão adequadamente estas discussões vêm sendo conduzidas.
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Sobro um iport.im nilo o i'ogmv>'io
39
Capítulo 5
Introdução à teoria da igualação1
M im m C/,uci,i Mij,ircs c
Icrcsti At.iújo ilwi
IA /’
"Provavelmente. o trabalho mais intorossanlo quo
se tem feito em ambas as análises compotlamontais, básica o aplicada, nos últimos 20 anos, tom sido nos pnrnmotros
da equação do igualaçAo”
Joscph Ciuililh, um
A
teoria da igualaçao é uma teoria do escolha, nao corno um processo inter­
no de decisão, mas como uma medida extraída da observaçao do comportamento, Uma
situação de escolha pode ser definida como uma situação ambiental na qual mais de urria
alternativa de resposta está disponível, isto ó, qualquer situaçáo na qual o comportamento
possa variar (Rachlin, 1997). Dessa forma, em uma situação de escolha, um com porta­
mento é emitido em detrimento de outro. Uma vez que os organismos estão continuamen­
te se comportando e que, quando certo comportamento é emitido, alguns outros estão
deixando de ser emitidos, "não é exagero dizer que todo comportamento envolve uma
escolha" (de Villiers & Herrnstein, 1976). Por exemplo, em uma situação altamente restri­
ta, como a caixa do Skinner, onde estímulos ambientais sáo minimizados o mais possí­
vel, a resposta de pressionar a barra pode ser entendida como uma escolha: poderíamos
dizer que "o animal escolhe" pressionar a barra em vez de se coçar, cheirar, etc. Por outro
lado, devido ao fato de que todo comportamento é resultado de uma escolha, não faz
sentido falar de comportamento de escolha como um subtipo de comportamento, sendo
melhor estudar quais os fatores que determinam que um organismo exiba um comporta' Trabalho apresentado no VII Encontro da AssociaçAo Brasiloira do Psicoterapia o Modicina Compor tamonlal
Campinas, do 10 a 13 cie setombro do 1998
40
M m .im t / .ir ii.i Mi|.irt'S o M .iri.i lm-s,i A r.iuio ‘mIv.i
mento e nào outro, em determinada situação.
Em 1961, usando um esquema concorrente com pombos, Herrnstein obteve resul­
tados que mostravam que a freqüência relativa de respostas em cada uma das alternativas
(discos) igualava a freqüência relativa de reforços obtida em cada alternativa (figura 1), isto
é:
_ B1 .. =
B1+B2
RI
R 1+R 2
ou
B2 = R2
B 2 +B 1
R 2+R 1
(Equação 1)
onde B1 é a freqüência de respostas na alternativa 1, B2 a Ireqüència de respostas na
alternativa 2, R I a freqüência de reforço na alternativa 1 e R 2a freqüência de reforço na
alternativa 2. Essa equação representa a primeira elaboração do que atualmente se co ­
nhece como lei da igualação ("matching laW).
Figura 1. Freqüência relativa de respostas para uma das alternativas om um procodimento do duas esco­
lhas como funçflo da freqüência relativa de relorços nessa altornativa. A linha diagonal mostra IgunlaçAo
entre as froqüôncias relativas. Extraído de Herrnstein (1970).
Segundo Dean (1980), esse simples mas elegante achado empírico teve um alto
impacto na análise experimental do comportamento. Até 1961, as tentativas de quantificar
quanto um comportamento mudava em relaçào ao reforço tinham falhado por falta de
generalidade (Plaud, 1992). Por exemplo, já em 1938, Skinner tinha tentado quantificar o
desempenho dos organismos em esquema de intervalo fixo (Fl), através da proposta de
que a taxa de respostas do organismo em esquemas de Fl era diretamente proporcional à
taxa de reforços dada em cada intervalo. Posteriormente, o mesmo Skinner (1940) reco­
nheceu que essa proposta só era correta para alguns Fl, mas náo para todos. A lei da
igualação tem provado ser muito mais geral; por exemplo, estudos encontraram igualação
entre o tempo relativo da resposta e a freqüência relativa de reforços, entre a magnitude
relativa do reforço e a taxa de respostas, e entre a demora relativa do reforço e a taxa de
respostas (Chung & Herrnstein, 1967; Neuringer, 1969; Stubbs & Pliskoff, 1969). Igual-
Sobri* comport.imi*i>lo i* cojjiiiçiio
41
mente essa relação tem se mostrado válida nos dois tipos de procedimentos de esque­
mas concorrentes (simultâneo e com chave de mudança), no laboratório e em ambientes
naturais, e com várias espécies diferentes (Baum, 1972; Baum, 1974a; McSweeney, 1975;
Nevin, 1979; Schroeder& Holland, 1969).
Em 1970, Herrnstein afirma em sua publicação, On the Law of effect, que:
"... em cada momento de ação possível, uma série de alternativas coloca-se ao
animal, e por tanto cada ação poderia se dizer ser o resultado de uma escolha... de
fato, parece seguro supor que todos os ambientes continuamente dem andam es­
colhas nesse sentido, ainda que em muitos casos o problema de identificar e medir
as alternativas possa ser insolúvel. Esse problema ó, no entanto, do experimentador
e não do sujeito. Não importa quão empobrecido seja o ambiente, o sujeito terá
sempre distrações disponíveis, outras coisas que comprometam sua atividade e
atenção, ainda que essas não sejam mais que seu próprio corpo... A taxa absoluta
de respostas ocorre em tal contexto, independentemente de que o experimentador
saiba quais são as outras alternativas e seus reforços." (p. 254-255)
Dessa forma, Herrnstein propõe que todo evento comportarnental é uma situação
de escolha. Assim, mesmo quando submetido aos procedimentos de resposta única, o
sujeito estaria em uma situação concorrente de múltiplas alternativas e, portanto, sensível
às mesmas leis de comportamento observadas em paradigmas concorrentes clássicos.
Baseado nesse pressuposto, elaborou uma extensão da proposta original (equação 1), de
forma que a relação entre a taxa absoluta de respostas e a taxa absoluta de reforços, em
situações operantes livres, pudesse ser estudada quantitativamente. A nova equação,
conhecida como "hipérbole de Herrnstein", estabelece que a taxa de respostas é função
hiperbólica da freqüência de reforços para essa resposta. Algebricamente, a equação é
expressa como:
B-
kR
R+Re
(Equação 2)
onde B è a taxa de respostas do comportamento observado, R é a taxa de reforços para
esse comportamento e kó uma constante derivada da reiaçào resposta-retorço que repre­
senta o número de respostas assintóticas na ausência de reforçadores competitivos, isto
é, quanto o organismo emitiria a resposta estudada, se não existissem outras fontes de
reforço no meio. R e è o reforço agregado desconhecido para as outras alternativas. Em
termos práticos, R e è o segundo parâmetro a ser extraído dos dados, "mas é também o
que tem interpretação empírica definitiva". (Herrnstein, 1970; p. 255). Tradicionalmente, k
é medido em freqüência de respostas por minuto e Re em freqüência de resposta por hora.
Matematicamente, k é o valor da assíntota da taxa de respostas, e Re é a taxa de reforços
relacionada com a metade da assíntota, isto é, k seria a taxa máxima de respostas que o
organismo emite em uma situação experimental, e R e è a taxa de reforços necessária
para manter a metade da taxa máxima de respostas (figura 2).
42
M iu .im C/.irci.i M ijiire s c M .tri.i lm -s .1 A r.iú jo Silv.i
Figura 2 Curva hipotética de distribuiçAo de respostas em uma situaçAo de operante livre. O valor k
reprosonta n asslntota da distribuiçAo medida em taxa de respostas por minuto; o valor Re representa a taxa
do relorços por hora correspondente à metade da assíntota.
A generalidade da hipérbole de Herrnstein foi demonstrada em inúmeras situações,
mesmo quando de Villiers & Herrnstein (1976) fizeram uma análise pos-hoc usando a
função estabelecida pela fórmula e dados de mais de 30 experimentos conduzidos por
diferentes pesquisadores, em diferentes espécies (ratos, pombos, macacos e humanos),
com diferentes respostas operantes (velocidade de corrida e de nado, pressão barra), com
diferentes reforçadores (comida, água, estimulação cerebral, sacarose, glucose), com
diferentes parâmetros de resposta (taxa, Ia ^ncia, velocidade), com diferentes parâmetros
do reforço (taxa, magnitude, latôncia e concentração) e com diferentes paradigmas (refor­
ço positivo e negativo). A relação hiperbólica foi também demonstrada com seres hum a­
nos (Dradshaw, Szabadi, & Bevan, 1977; Bradshaw, Szabadi & Bevan, 1978; Martens &
Houk, 1989; McDowelI & Wood, 1984).
Outras derivações da lei da igualação não menos importantes, em bora não
diretamente ligadas ao objetivo do presente trabalho, vêm sendo feitas desde 1970. Uma
das mais conhecidas ó a chamada de "lei da igualação generalizada", desenvolvida por
Baum (1974b), que usa transformações logarítmicas dos dados obtidos em esquemas
concorrentes e que permite quantificar os desvios da igualação, isto ó, permite identificar
as situações nas quais o princípio de igualação não se cumpre e analisar esses desvios.
1.
Desvios da igualação
Nem todos os arranjos experimentais concorrentes produzem resultados consis­
tentes com a lei da igualação (equação 1). Porém, em geral, os desvios da predição
estabelecida pela lei da igualação mostram padrões ordenados que podem ser interpreta­
dos. Baum (1974b, 1979) indicou três formas comuns de desvio da lei da igualação:
subigualação, supra-igualação e viés (figura 3). O fenômeno mais freqüentemente encon­
trado é o de subigualação, no qual a proporção de respostas emitidas pelo organismos na
alternativa menos “vantajosa’’ (que dispensa menor proporção de reforçadores) é maior
que o predito pela equação. Como resultado, a proporção de respostas nas alternativas é
mais semelhante do que deveria, podendo chegar à indiferença (figura 3a). Esse fenômeno
Sobrecomportamentoecoflniçfio 43
é comumente observado quando, dentro do esquema concorrente, não é estabelecido o
tempo da contingência do atraso de reforço (change over delay- COD) ou quando este é
muito pequeno e tem sido explicado basicamente em termos de problemas em discrim i­
nação e de reforço supersticioso da resposta de mudança entre alternativas (Baum, 1974b).
O outro tipo de desvio, a supra-igualaçào, bem menos freqüente, resulta de o organismo
responder com maior freqüência do que esperado pela equação na alternativa que dispen­
sa a maior proporção de reforçadores (figura 3b). Em geral, esse fenômeno ó observado
quando a mudança entre alternativas é altamente penalizada ou exige muito esforço (Mazur,
1998). No terceiro tipo de desvio, o viés (figura 3c), o organismo responde mais em uma
das alternativas, independentemente da proporção do reforço. Por exemplo, um pombo
passa a bicar sempre com maior freqüência o disco localizado do lado esquerdo da caixa
experimental, ainda que a proporção de reforços nesse disco seja variada amplamente.
Encontrar viés indica que uma ou mais variáveis estranhas e não controladas estão afetando
o experimento. Teoricamente, se essa variável fosse identificada e incorporada à análise,
não se obteria viés.
Desvios da hipérbole de Herrnstein também podem ser observados no laboratório e
podem ser definidos como um mau ajuste ou não-ajuste dos dados à equação 2. A inter­
pretação do desvio da hipérbofe depende de vários fatores, como o esquema de reforço
usado, o esquema de privação, o tipo de resposta estudado, etc.
Toi*) ilí (clc<i«i
Figura 3. Nos três gráficos, as linhas diagonais representam o desempenho em esquemas concorrentes
segundo o predito pela lei da igualação. As curvas representam trôs tipos de desvio dn igualaçáo. O gráfico
(a) represonta um caso de sublgualaçào, o gráfico (b) um caso de supra-igualaçâo o o gráfico (c) um caso
de viós. Adaptado de Mazur, 1998.
44
M iri.im C/iirciii M ij,irc s c M .iri.i lercs.i A r.iú jo Silv.i
2.
Interpretação da hipérbole de Herrnstein
Como já foi indicado, a equação da hipérbole de Herrnstein contém dois parâmotros
livres, UK' e “Re", que são obtidos pelo ajuste matemático dos dados à função hiperbólica,
sendo que k è o valor da assíntota da hipérbole medido em respostas por minuto e Re o
valor em reforços por hora correspondente à metade da assíntota.
Um conjunto expressivo de dados empíricos mostra que k e Rosào diterencialmente afetados por variações no procedimento experimental. Assim, o valor de k é mudado
por manipulações na exigência motora da tarefa, como, por exemplo, o peso da barra, a
duração da resposta, etc. (Willner, Sampson, Phillips & Muscat, 1990; Porter & Villanueva,
1988; Heyman & Monaghan, 1987). Já Re é influenciado por variáveis relacionadas com a
eficácia do reforço, como quantidade ou qualidade do reforçador, demora do reforço, priva­
ção, etc. (Heyman & Monaghan, 1994; Willner et al., 1990; Dradshaw, Szabadi, & Ruddle,
1983a; Dradshaw, Szabadi, Ruddle, & Pears, 1983b; de Viíliers, 1983). Igualmente Re
pode ser mudado quando outras fontes de reforço são agregadas ou removidas do meio
(Belke & Heyman, 1994; McDowelI, 1988). Portanto, mudanças em fcsão interpretadas
como mudanças na capacidade motora e mudanças em Re representam mudanças na
eficácia ou no valor do reforço. É importante atentar para o fato de quo aumentos em Re
indicam diminuição do valor do reforço, enquanto que a diminuição de tal parâmetro signi­
fica o contrário.
A figura 4a mostra um exemplo de duas distribuições de respostas (c e / ) que
diferem em relação a Re, mas possuem iguais k. Pode*se observar que a mesma quanti­
dade de reforço (r) mantém diferentes taxas de resposta em cada curva, ou, o que é o
mesmo, na curva t é preciso menor quantidade de reforçador que na curva c para manter
a mesma taxa de respostas. Isso siginifica que a distribuição possui um valor de Re
menor que o da distribuição c. Supondo uma situação experimental em que a curva c
representa a situação de controle, e a curva ía situação de tratamento, poderia se con­
cluir que o tratamento aumentou o valor do estímulo reforçador conseqüente ao comporta­
mento estudado em relação aos outros reforçadores do meio. Uma situação diferente é
representada na figura 4b, na qual o valor de Re é igual para ambas as distribuições, mas
o valor de k difere. Pode-se observar que o valor da assíntota é maior para a curva / que
para a curva c, porém a quantidade de reforço necessário para manter a taxa de respostas
da metade da assíntota é similar. Se, por exemplo, cfosse a situação de controle e ta de
tratamento, diríamos que o eleito do tratamento foi o de aumentar o desempenho motor do
animal, isto é, a taxa máxima de respostas que pode ser exibida pelo animal aumentou.
Figura 4 Exemplo do curvas ajustadas à equação de Herrnstein, 1970, para osquemas de apenas uma
resposta. O grallco a representa um exemplo de duas curvas (/o c) com k Iguais o Ro diferentes e o gráfico
b representa um exemplo de duas curvas (I o c) com Re iguais e k diferentes.
Sol>rc com poit.m m ilo i*
cormíçíío
45
3. Aplicações da hipérbole de Herrnstein no estudo do comporta­
mento
Obviamente, a principal aplicação da lei da igualação tem sido no estudo do com ­
portamento de escolha. Um dos primeiros problemas a responder era se a relação encon­
trada com animais dentro do laboratório era correta também para seres humanos dentro
do laboratório. Resolver esse problema seria o primeiro passo para responder perguntas
mais relevantes, como, por exemplo: como as pessoas tomam decisões ou fazem esco­
lhas? Por que uma pessoa escolhe uma alternativa e não outras? Por que as pessoas
fazem escolhas que nem sempre são as melhores?
Várias pesquisas de laboratório com seres humanos mostraram que as pessoas
tendem a se comportar segundo a lei da igualação prediz (McDowelI, 1988; Pierce &
Epling, 1995). Por exemplo, SchroederS Holland (1969) instruíram sujeitos para observa­
rem quatro relógios localizados em um painel e contarem o número de deflexões de cada
uma das agulhas. Os movimentos das agulhas localizadas à esquerda do painel foram
programados em um esquema de VI e os dois da direita em outro esquema de VI indepen­
dente. Os sujeitos foram instruídos a pressionar um de dois botões cada vez que vissem
uma deflexão de agulha, sendo que, na realidade, o que era medido eram os movimentos
oculares. Todos os sujeitos foram expostos a várias combinações de esquemas VI. Os
resultados obtidos mostraram que o comportamento de "mover os olhos", quando o COD
era adequado, seguia o princípio de igualação, isto ó, a porcentagem de movimentos
oculares para a esquerda era igual à porcentagem de deflexões de agulha dos relógios
localizados à esquerda. Igualmente Baum (1975), usando um jogo de computador, instruiu
os sujeitos a pressionar dois botões para destruir dois tipos de mísseis "inimigos" (cada
botão correspondia a um tipo de "inimigo"). A apresentação dos mísseis foi programada
segundo um esquema concorrente VI VI. O resultado mostrou que o tempo relativo de
pressão de cada botão igualou a freqüência relativa de deteções de mísseis para o botão
correspondente. A igualação dentro do laboratório com seres humanos em esquemas
concorrentes foi também encontrada para outros esquemas de reforço, como, por exem ­
plo, VI-VR (Savastano & Fantino, 1994).
Com uma abordagem mais natural, Conger & Killeen (1974) utilizaram um esquema
concorrente para estudar o comportamento verbal em uma situação social. Cinco sujei­
tos, um de cada vez, participaram com três experimentadores em discussões relativas ao
abuso de drogas. As alternativas eram falar com um ou outro experim entador (o terceiro
experimentador apenas facilitava a discussão), e o reforço era a aprovação social dada por
um ou outro experimentador conforme o caso. Os reforços foram dados em esquemas de
VI independentes. O comportamento medido foi o tempo que o sujeito passava falando
com um ou outro experimentador. Os resultados obtidos revelaram que a proporção de
tempo que os sujeitos falavam com cada experimentador era controlada pela proporção de
elogios recebidos desse experimentador. Uma inferência interessante que se derivou des­
se trabalho é que possivelmente os seres humanos tendem a distribuir o tempo do conver­
sa de forma que acabam falando mais tempo com aquelas pessoas que lhes dão atenção
ou que as elogiam.
Outra questão importante estudada em relação à lei da igualação é a de se os
resultados achados no laboratório podem descrever o que acontece "na vida real”. Com
animais, Daum (1974a) mostrou que o comportamento de um grupo de pombos silvestres
do bicar por comida seguia o princípio de igualação. Com seres humanos, McDowelI
(1981), usando como modelo a equação da hipérbole, analisou o comportamento de autoferir-
40
M m .im C/.irci.i M ij.irvs e M .iri.i lm *sa A raú jo Silva
se por coçar em uma criança de dez anos, comportamento esse que era controlado pelas
reprimendas dos membros familiares. Os dados obtidos em observação natural e sem
intervenção por parte do pesquisador mostraram que a equação da hipérbole explicava
99,7% da variância dos dados, ou seja, o comportamento da criança se ajustava ao esta­
belecido pela lei da igualação. Como ressalta o autor, o relevante desses resultados é que
o com portamento foi medido em um meio não controlado, onde todos os fatores que
poderiam ter influenciado o comportamento estavam presentes e possivelmente o influen­
ciaram. Em uma pesquisa com pacientes com síndrome de dor crônica, Fernandez e
McDowelI (1995) concluíram que a hipérbole de Herrnstein explicava 86% da variância dos
comportamentos de dor (verbalizações de dor, gestos faciais, movimentos ou posturas
corporais de dor, etc.), e 76% da variância dos comportamentos "saudáveis" (com unica­
ção positiva, exercícios físicos, etc.). Em ambos os casos, a freqüência de respostas
estava relacionada hiperbolicamente à freqüência de reforços provenientes de uma pessoa
significativa do ambiente do doente (atenção, cuidados, etc.). Outras pesquisas que visa­
ram estudar o comportamento de estudantes normais e retardados, em situação natural
de sala de aula, revelam altos índices de ajuste à equação de Herrnstein (Martens, Lochner
& Kelly, 1992; Martens, et. al., 1989).
Uma das co nseqüências mais im portantes, dentro da teoria e da prática
comportarnental derivada da lei da igualação e especialmente da hipérbole, é que, para
poder predizer como determinado reforçador vai afetar o comportamento, é necessário
levar em consideração o contexto no qual esse reforçador é contingente ao comportamen­
to, isto é, levar em consideração os outros reforçadores presentes no meio e contingentes
a outras respostas. Por exemplo, a lei da igualação oferece um marco referencial que
permite com preender os "efeitos colaterais” inexplicados do reforço ou da extinção,
freqüentemente relatados na literatura e às vezes chamados por críticos da terapia
comportarnental de "substituição de sintoma". Por exemplo, vários autores relataram que
a taxa de comportamentos inadequados dentro de aula diminui quando comportamentos
acadêmicos são reforçados; outros informaram que a freqüência do comportamento de
autoestimulação diminui quando outros comportamentos não relacionados são reforça­
dos; igualmente, outros tantos estudos mostram que comportamentos adequados dim i­
nuem em freqüência quando outros comportamentos, também adequados, são reforçados
(McDowelI, 1988). Segundo a teoria da igualação, esses efeitos colaterais não são
inexplicáveis, mas são conseqüências da mudança do contexto reforçador do ambiente.
Assim, a teoria prediz que qualquer intervenção que acrescente ou remova reforçadores,
m udando a quantidade total de reforços no ambiente, não apenas mudará o com porta­
mento que é objeto da intervenção, mas também os outros comportamentos emitidos
nesse ambiente. Nesse sentido, McDowelI (1981) relata um estudo no qual a teoria da
igualaçáo foi usada para descrever e desenvolver o tratamento de um rapaz de 22 anos
com retardo mental que apresentava comportamentos agressivos graves contra outras
pessoas, incluindo sua mãe. Aparentemente, o comportamento agressivo dentro de casa
estava sendo controlado por reforço social proveniente dos país. Dada a natureza do comportamento-problema, a extinção não era um tratamento aceitável, já que podia com pro­
meter a saúde dos membros da família. Baseado nas predições da lei da igualação
(hipérbole), o tratamento consistiu no reforço com fichas (trocadas por dinheiro ao final da
semana) de comportamentos de autolimpeza corporal, como fazer a barba; trabalhos
domésticos, como ajudar na hora do jantar e atividades educativas, como ler, sendo que o
comportamento-objeto, a agressão, não foi diretamente tratado. Os resultados obtidos
mostraram que antes do tratamento o sujeito mostrava episódios agressivos diariamente,
mas que o reforço de outras respostas diminuiu esses episódios em cerca de 80%.
Sobre compoil.imenlo e cofiiiiçfio
47
Por outro lado, da teoria deriva-se que a eficácia de qualquer tratamento clínico vai
ser afetada por quão rico ou pobre seja o ambiente em estímulos ou alternativas. Por
exemplo, certos vícios, como comer, fumar, beber, etc., tendem a aumentar em freqüência
quando as pessoas estão entediadas (Mazur, 1998), o que possivelmente ocorre porque o
tédio está relacionado com situações em que existem poucos reforçadores com petindo
com a comida, o cigarro, etc. Assim, em ambientes empobrecidos, a diminuição de
freqüência de um comportamento-problema deveria ser mais difícil do quo em um ambien­
te rico em reforçadores, simplesmente porque a possibilidade de que outras respostas
alternativas sejam emitidas e reforçadas está rebaixada.
3.1. Autocontrole
A lei da igualação tem profundas implicações tanto no conceito como no processo
de autocontrole. Dentro do behaviorismo, o autocontrole ó definido como a escolha de
uma alternativa que tem um valor reforçador alto, porém distante no tempo, e, em
contrapartida, a impulsividade se define como a escolha de uma alternativa mais imediata,
porém de menor valor reforçador do que a mais demorada (Fisher, 1997).
Ainslie (1975) e Rachlin (1974) elaboraram modelos similares de explicação do
comportamento "impulsivo", que posteriormente foram chamados de Teoria de AinslieRachlin (cujos aspectos matemáticos não serão mencionados). Essa teoria estabelece
que a distância temporal entre o momento da escolha e a obtenção do reforço é determinante
no valor do reforçador e, portanto, na escolha, sendo que quanto maior a demora do
reforço menor o valor do estímulo reforçador. Disso, deriva-se que refoçadores próximos no
tempo têm maior probabilidade de ser escolhidos que aqueles mais demorados. Para
ilustrar a teoria de Ainslei-Rachlin, podemos usar um exemplo representado na figura 5. A
figura exemplifica o comportamento de um estudante que deve decidir entre estudar ou ir
ao cinema no domingo. Estudar é um comportamento altamente relacionado com obter
uma boa nota no final do curso (obter uma boa nota geralmente é um poderoso reforçador
para estudantes), porém ir ao cinema é também uma atividade reforçadora. No início da
semana, o valor reforçador da boa nota e do cinema é baixo, porém, quando chega domin­
go, devido à sua proximidade temporal, o valor do cinema está aumentado e é maior que
o de obter boas notas. A predição da teoria é que, se o estudante não tem aprendizagem
prévia em "técnicas de autocontrole", o mais provável é que vá para o cinema.
Figura 5. Exemplo do modelo de Ainsile-Rachlln mostrando como dois reforçadores, boa nota e cinema, mudam
do valor em função do tempo. Na sexta-feira, ambas as alternativas tèm valor baixo; porém, no domingo, o valor
reforçador do cinoma está aumontando por estar mais perto de ser obtido. (Adaptado do Mazur, 1998)
48
Míriam C/arvia Mijares e M.ni.i íercta Araújo Silva
E tem a ver isto com igualaçao? Primeiro, e como |á foi mencionado, a lei da
igualaçao estabelece que o valor de um reforçador está inter-relacionado com os outros
reforçadores do meio. Assim, se o valor destes últimos mudam, ele muda também Se­
gundo, como foi mencionado anteriormente, a igualaçao aplica-se para outros parâmetros
além da taxa de reforços. De fato, vários autores, incluindo o próprio Horrnstoin (1981),
indicam que a taxa relativa de respostas é diretamente proporcional ao valor relativo do
reforçador (A) e inversamente proporcional ao atraso relativo ou demora (D) Sem entrar
em detalhes matemáticos, a lei da igualaçao prediz que os indivíduos tenderão a escolher
aquela alternativa que possua o maior valor da Iraçao A/D. Assim, por exemplo, se uma
criança tem que escolher entre receber um caramelo daqui a um minuto ou esperar para
receber dois caramelos daqui a 30 minutos, a lei prediz que o mais provável ó que prefira
a alternativa menor e mais imediata, ou seja, receber um caramelo daqui a um minuto,
dado que a fraçáo relativa à primeira alternativa é maior que a da segunda (1/1 = 1 e
2/30 = .07).
Quando é incorporado D, a lei da igualaçao prediz que, com o decorrer do tempo,
os indivíduos mudam suas preferências, o que eqüivale a dizer que o valor do reforçador
muda em funçao do tempo, o que está de acordo com o modelo proposto por Ainslie e
Rachlm. De fato, tal como observa Mazur (1998), é porque sabemos dessas mudanças
que nós, os seres humanos (e algumas pesquisas têm mostrado que animais em certas
situações também), fazemos compromissos e contratos, isto é, fazemos com antecedên­
cia escolhas que posteriormente são difíceis ou impossíveis de mudar (contratos de com ­
pra de bens, cheque pré-datado, noivado, etc.). Igualmente, o uso de técnicas do
autocontrole dentro da terapia, isto é, de estratégias que tendem a promover a escolha de
alternativas mais demoradas, porém mais benéficas ou adaptativas para o indivíduo, como,
por exemplo, reduçáode peso, eliminação do consumo de álcool, etc., parece indicar que
a simples determinaçáo ou “força de vontade" do indivíduo frequentemente nao sao sufici­
entes para obter autocontrole (Mazur, 1992).
Além dos trabalhos mencionados, Williams (1988) indica outras áreas em que a lei
da igualaçáo tem trazido contribuições importantes, como, por exemplo, pesquisas na
teoria de detecção de sinal (como a manipulação de estímulos discrimmativos em experi­
mentos de escolha), pesquisas sobre comportamentos adjuntivos induzidos pelo esque­
ma, pesquisas sobre comportamento natural em situações novas e sobre o efeito de
drogas no comportamento. Em relação a essas últimas, a lei da igualaçao tem se mostra­
do uma teoria útil, dado que é um modelo que permite obter estimativas numéricas inde­
pendentes dos efeitos motores e reforçadores de diferentes drogas (Willner et al., 1990).
Por exemplo, alguns estudos revelaram que o eleito estimulante de certas drogas, como
a anfetamma, em doses baixas e médias, é principalmente de diminuição do valor de Re,
isto é, de aumento do valor do reforço administrado e não de um incremento geral na
atividade motora (Heyman, 1983; Heyman, 1992; Heyman & Seiden, 1985; Silva, 1990).
Além disso, a lei da igualaçáo também pode ser usada para avaliar o papel dos receptores
dopammérgicos D1 e D2 no processo de reforço (Willner et a l., 1990). Por outro lado, tal
como alirma Todorov (1992), o interesso gerado pelo trabalho de Herrnstein levou a desen­
volvimentos teóricos que aproximaram mais a Psicologia experimental e a Biologia no que
se refere à teoria da ovolução. Por exemplo, a igualaçáo seria um mecanismo simples,
selecionado filogeneticamente: os indivíduos tenderiam a abandonar uma fonte do refor­
ços sempre que a taxa local de obtenção de reforçadores diminuísse em relação a fontes
alternativas, o que daria como resultado a maximização de reforços a longo prazo.
Solm 1 rumpotl.im cnU) c uu viH .io
49
Para concluir, pode-se citar as palavras de Plaud (1992) em relação a, quiçá, uma
das maiores contribuições teóricas da lei da igualaçao:
“Como resultado direto da pesquisa na lei da igualação com sujeitos humanos e
mfra-humanos, a Psicologia está quase em posição de responder à questão que
Watson (1928) colocou há 50 anos: ‘Chegamos realmente ao ponto de sermos
capazes de predizer algo relevante acerca dos indivíduos?'" (p. 30).
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Sobre comportiimento t coriiíç.Io
53
Capítulo 6
O ato da fala de L. Bloomfield: a ênfase
sobre as conseqüências da fala
Miiriti Amélni Miitos c M,irid </r l ounlcs /\. </.j I. l\issos
lingüista Leonard Bloomfield é citado algumas vezes na obra de Skinner
(por exemplo, 1969, p. 11; 1979, pp. 150, 281-282; Epstein, Lanza, & Skinner, 1980, p.
545, nota de rodapé 3). Pelo menos duas dessas citações (Skinner, 1979, pp. 150; Epstein,
Lanza, & Skinner, 1980, p. 545, nota de rodapé 3) referem-se ao "ato de fala", uma interação
verbal entre duas pessoas, apresentada e analisada por Bloomfield (1933/19611) em seu
Language. Este trabalho investiga a concepção bloomfieldiana de “ato de fala" e identifica
semelhanças e diferenças entre certos aspectos desta concepção e da abordagem
skinneriana do comportamento verbal.
Bloomfield foi o lingüista cuja orientação predominava na lingüística norte-america­
na (Lespchy, 1975, p. 87) durante o período de 1934 a 1957 (Skinner, 1957/1992, p. 457),
em que Skinner escreveu Verbal Behavior. Numerosos autores referem-se à influência que
seu livro Language (Bloomfield, 1933/1961) teve nos estudos lingüísticos de sua época
(Câmara Jr., 1969, pp. 193-194; Robins, 1979, pp.168-170, 1981, p. 31; Coseriu, 1980,
p.27). Hall (1990, p. 89) enfatiza a originalidade deste livro de Bloomfield, enquanto Coseriu
1Sempre que houver duas datas na referôncia, n primeira correspondo à da publicação original o a segunda,
à da ediçflo eletivamente consultada.
54
M a ria A m í/id M d t o s
« M .irí.i de l.o u n lr s
R. d.i f. l\ts s o s
(1987, p. 102) e Lepschy (1975, pp. 88-89) ressaltam seresta obra ainda uma fonte atualizada
de conhecimentos lingüísticos.
Bloomfield foi muito influenciado pelo behaviorismo de A. P. Weiss (Bloomfield,
1926, pp. 128-129; 1933/1961, p. 512, notas ao capítulo 2; 1931, pp. 219-221; 1936, pp.
89,91-92), e a adesão às teses behavioristas refletiu-se claramente em suas concepções
sobre a natureza da linguagem e das funções que ela desempenha na vida humana. Para
Bloomfield, a função da linguagem na vida humana diz respeito à obtenção de efeitos
práticos no mundo e ele ilustra esta concepção por meio de seu "ato de fala".
1.
O ato de fala e as circunstâncias práticas
A fala sempre ocorre em meio a acontecimentos não-verbais, que a antecedem e a
sucedem (Bloomfield, 1933/1961):
Suponha que Jack e Jill estào caminhando em uma alameda. Jill está com
fome. Ela vê uma maçã em uma árvore. Ela faz um barulho com sua laringe, língua
e lábios. Jack salta a cerca, sobe na árvore, pega a maçã, traz a maçã para Jill, e
a coloca na mão dela. Jill come a maçã.
(...) nós, que estamos estudando linguagem, naturalmente distinguiremos entre
o ato de fala e as outras ocorrências, que chamaremos eventos práticos. (...) o
incidente consiste de três partes, em ordem de tempo:
A. Eventos práticos que precedem o ato de fala.
B. Fala.
C. Eventos práticos que seguem o ato de fala.2 (pp. 22-23)
Sua análise de A (Bloomfield, 1933/1961, p. 23), etapa integrada por eventos relaci­
onados a Jill, que precedem sua fala e são denominados d e "estímulo do falante"3, inclui
a fome de Jill, caracterizada fisiologicamente em termos de contração de músculos e
secreção de fluidos, principalmente no estômago; a possibilidade de que talvez tenha
também sede, caracterizada não propriamente fisiologicamente, mas em termos do esta­
do seco de sua garganta e língua - ó possível que ele esteja enfatizando aqui os estímulos
privados a que nos referimos com a palavra "sede"; os raios luminosos refletidos da maça
que atingem seus olhos; a visão de Jack; a experiência passada que tem com Jack.
A análise de C (Bloomfield, 1933/1961, p. 23), eventos práticos que sucedem o ato
de fala, revela que estes se relacionam parcialmente ao ouvinte, no que é chamada a
J Supposo thnt Jack and Jill aro walking down a lano. Jill is hungry. She seos an appio in a treo. Sho makos
a noise wilh her larynx, tongue, and lips. Jack vauils tho fonco, climbs lho troo, takes lhe apple, brings it
to Jill, and placos it in her hand. Jill eats the apple.
(...) wo, who aro studying languago, will naturaily distinguish between the act o f apeoch and tho
other occurrences, which wo shall call p ra ctica i eventa. (...) the incident consists of three paris, in ordor
ot timo:
A. Practicai evonts preceding the act of speech.
B. Speech.
C Practicai ovents (oiiowing the act of speech "
Nesta e nas demais notas, as palavras em itálico no texto original aparecem em negrito o em itálico.
3 "speakor's stimuius"
Sobre comport.imento t* coflniçdo
55
"resposta do ouvinte"4 - buscar a maçã e dá-la a Jill—e parcialmente ao falante, Jill - “e/a
pega a maçà e a come."*
Bloomfield (1933/1961, p. 23) sublinha que este evento hipotético poderia ocorrer
de outra maneira: Jill poderia ser tímida ou ter tido experiências ruins com Jack e, neste
caso, ela poderia não pedir a maçã; Jack poderia não estar bem disposto em relação a ela
e, aí, mesmo tendo ela pedido, poderia não pegar a maçã. Estas relações específicas
entre a fala e eventos práticos anteriores e posteriores a ela dependem, pois, de certos
"fatores predisponentes!'6, estabelecidos na história de vida inteira do falante e do ouvinte.
O papel que B, a fala, desempenha, pode ser avaliado melhor, nos diz Bloomfield
(1933/1961, pp.23-24), se compararmos o episódio com uma situação sem elhante' que
se desenvolve, entretanto, sem a participação da fala. Um humano faminto, que dispõede
linguagem mas não tem um ouvinte no momento, reagirá em relação ao alimento da
mesma maneira que um organismo que não dispõe de linguagem: ambos precisam, por
seus próprios movimentos, alcançar o alimento. A situação pode ser simbolizada pela
relação S -> R (Bloomfield, 1933/1961, p. 24), em que S simboliza os estímulos, o o
estado de fome e a visão ou o cheiro do alimento e R simboliza a reação (os movimentos
em direção ao alimento).
Bloomfield sublinha as vantagens obtidas pelo organismo falante sobre aquele que
não dispõe de linguagem. Esta é assim tão vantajosa porque a " Linguagem capacita uma
pessoa a fazer uma reação (R) quando outra pessoa tem o estímulo (S)."7 (Bloomfield,
1933/1961, p. 24). A linguagem permite que uma pessoa possa fazer coisas para as
demais, que as pessoas em um grupo cedam suas forças e habilidades para as demais:
“A divisão de trabalho, e, com ela, o funcionamento inteiro da sociedade humana, é devi­
da à linguagem."6 (Bloomfield, 1933/1961, p. 24)
Ao lingüista enquanto tal, interessa a parte B da situação descrita, o ato de fala.
Ele se subdivide em três partes.
A primeira parle, B 1, relativa ao falante, consiste em uma reação a S. O falante tem
uma forma prática, por manipulação*, óe reagir (R) ao estímulo, além de uma forma que
envolve músculos do aparelho fonador, de fala ou substituta10 (r), como é indicado, res­
pectivamente, pelas representações (Bloomfield, 1933/1961, p. 25):
S
R (reação prática)
S -> r (reação substituta lingüística)
A segunda parte, B2, diz respeito à transmissão no ar das ondas sonoras produzi­
das pela saída do ar do aparelho fonador do falante.
Na terceira parte, B3, as ondas sonoras atingem os tímpanos do ouvinte e fazemnos vibrar, o que tem efeito nos nervos do ouvinte, fazendo com que algo seja ouvido. Isso
que é ouvido funciona como um estímulo para o ouvinte. Em paralelo com o que ocorre
com o falante, que tem duas formas diferentes de reagir a um mesmo estímulo, o ouvinte
também pode reagir a dois tipos diferentes de estímulo, um estímulo prático (S) ou um
4 "hearer’s response"
* ushe gets lhe appio inlo her grasp and eals it
" “predisposing factors".
' “Language enables one person to make a reaction (R) when another porson has tho stimuius
(s r
" “ The divlsion of labor, and, with ít, the whole working oi human society, is due to language."
0 "practical (or handiing) reaction“
,0 “speech (or substitute) reaction
5ó
M .in.i Amóli.i M tilo* e M.iri.i tle l.oimle» R. il.i I. Passot
estímulo de fala ou substituto (s), produzido por um falante. A representação das duas
relações entre os dois tipos diferentes de estímulo e a reação do ouvinte seria (Bloomfield,
1933/1961, p. 25):
(estímulo prático) S -> R
(estímulo substituto lingüístico) s
R
O que acontece em B1 ó, portanto, complementado pelo que acontece em B3 e os
dois acontecimentos conectados seriam representados da seguinte forma (Bloomfield,
1933/1961, p. 26):
S —> r............. s —> R
A linha pontilhada representa a conexão permitida pelas ondas sonoras que se
propagam no ar. Esta conexão permite que o ouvinte reaja, indiretamente, a estímulos
práticos que afetam o falante: UA lacuna entre os corpos de falante e ouvinte - a
descontinuidade entre os dois sistemas nervosos - é preenchida pelas ondas s o n o ra s ""
(Bloomfield, 1933/1961, p. 26).
Bloomfield acentua que, biologicamente, o que ó importante são os eventos "S" e
“ R", os eventos práticos. A fala é apenas um meio, não um fim em si mesma. Os eventos
de fala “s .........r" não possuem valor para falantes e ouvintes em si mesmos, mas produ­
zem efeitos que têm valor por si mesmos.
O modelo S -> R utilizado por Bloomfield não faz distinção entre relações de eliciação
e de controle discriminativo entre estímulos antecedentes e resposta. Especialmente o
termo ‘‘reação"12 sugere que o autor está pensando a partir do esquema pavloviano de
comportamento respondente13. A distinção entre comportamento operante e respondente
ainda não tinha sido feita por Skinner na época (1933) em que o Language de Bloomfield
foi publicado.
Entretanto, é de se notar que a análise bloomfieldiana sublinha o papel de certos
fatores que, mais tarde, em Verbal Behavior (1957/1992), também serão os destacados
por Skinner: o valor da linguagem por permitir ao homem atuar eficazmente em relação a
eventos práticos, os estímulos anteriores à fala que têm controle sobre ela (a fom e14, o
alimento como estímulo visual, a presença do ouvinte), a história passada de falante e
ouvinte que os predispõe, respectivamente, à emissão de fala numa dada situação e a
prover a resposta adequada para aquele ato de fala. Em particular, Bloomfield enfatiza a
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13 Provavelmente sua fonte aqui lambóm ó A. P. Weiss.
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M .iri.i A m é li.i M .ilo * e M .iri.i de I ounles R. d<i f . P.issos
Seção II
A passagem do
conhecimento teórico
para a aplicação
Capítulo 7
Pesquisa em terapia comportamental:
problemas e soluções
R,ichcl Rodrigues Kcrlhiuy
L/sr
O
professor Fred Keller influenciou a Psicologia do Brasil divulgando um pon­
to de vista - o Behaviorismo Radical - e, a meu ver, ensinou também duas coisas funda­
mentais: faça o melhor possível: prepare, ensaie, demore o tempo que julgar necessário,
mas nào tenha receio dos desafios e expresse sua maneira de ver e fazer as coisas.
Seguindo essa forma de ver seus ensinamentos, posso me atrever a começar esta confe­
rência analisando o que foi realizado em pesquisa clínica.
Provavelmente, a orientação prática clássica em pesquisa, para evitar influências
descabidas, adotou a análise estatística e o delineamento de grupos comparativos, sendo
um deles o experimental. Também foi introduzida, para rigor maior, a seleção aleatória de
sujeitos. As análises estatísticas foram se aprimorando com a especificação de números
mínimos de sujeitos por grupo para que a as inferências fossem possíveis. As análises
permitiam dizer acerto e erro prováveis; as correlações, quais variáveis se relacionam
entre si.
Considero que, mesmo com esses cuidados, somente a experimentação, a exi­
gência da replicação e da validação, em outras condições, permanecem como pontos
básicos para que um conhecimento possa ser incorporado à Ciência e ser aceito com
confiança.
Em Psicologia, com suas diversas concepções teóricas, segundo Mahoney (1993),
Sobre comportamento e coflnlÇilo
Ó1
atualmente, a situação se complica. Não é possível, com métodos estatísticos, terminar
com as dúvidas entre teorias rivais e apresentar resultados nítidos ou transparentes. Tal­
vez todas as teorias abarquem partes relevantes da natureza quando os dados se mos­
tram aparentemente repetitivos, apesar das nuances das denominações teóricas. A limi­
tação dos delineamentos de grupo e correlações e o emprego de procedimentos estatís­
ticos têm sido discutidos na literatura em várias áreas de aplicação: no esporte, por Hrycaiko
e Martin (1996); na clínica, por Kazdin (1978) e Nelson e Hayes (1985), entre outros.
Geralmente, salientam-se a dificuldade de encontrar sujeitos com o mesmo problema:
que a análise do desempenho do grupo, baseado em média ou mediana, dificilmente
acompanha o desenvolvimento do desempenho no tempo, ou são sensíveis a m odifica­
ções sutis nos comportamentos individuais ou até mesmo que os com portam entos estu­
dados são complexos e, por isso, multideterminados.
Para resolver parcialmente esses problemas, nós sabemos que os analistas de
comportamento desenvolveram delineamentos e, para publicar seus dados, geralmente
recusados por outras publicações, fundaram duas revistas importantes, o JEAB (Journal
of Experimental Analysis of Behavior) e posteriormente o JABA (Journal of Applied Behavior
Analysis), com pesquisas aplicadas. Houve necessidade dessas revistas porque na abor­
dagem comportarnental a ênfase é definir os problemas como comportam entos que po­
dem ser medidos de alguma maneira e assim as mudanças ocorridas podem ser avalia­
das e os dados de sujeitos individuais aceitos, embora se enfatize replicações. Todos
lembramos que o estudo do caso único defendido por Skinner (1956) foi uma inovação. Os
delineamentos experimentais seguiram-se como conseqüência. Decorre que três fases
são importantes num programa comportarnental: a linha de base para determinar o nível
do comportamento antes da intervenção, a fase de tratamento na qual se introduz a
estratégia programada e a fase de seguimento que avalia a manutenção do comportamen­
to estabelecido após o término do programa.
No entanto, surge um outro problema quando se trata de caso único: é possível
dizer que a mudança de comportamento é efeito das variáveis introduzidas no programa
ou tratamento? Qualquer variável sem controle pode ser uma condição responsável pelos
resultados e não o tratamento introduzido, tais como a pessoa estava numa fase de vida
muito favorável, os amigos estimularam com conversas de encorajamento. Os delinea­
mentos experimentais principais, como a reversão (ABAB), a linha de base múltipla entre
comportamentos ou situações e os delineamentos de tratamentos alternados foram a
maneira de resolver esse problema. Pessoalmente, acho que seu grande mérito é possi­
bilitar a visualização imediata da mudança de comportamento verificada. Evidentemente,
cuidados mínimos são necessários, como não modificar a condição experimental quando
um comportamento está decrescendo a freqüência e este decréscimo, o resultado espe­
rado. Se isso acontecer, não será possível saber se o decréscimo é produto da m anipula­
ção introduzida ou do procedimento anterior ou mesmo de outros fatores não identifica­
dos, ainda que não se esteja levando em consideração um critério rígido de estabilidade
de comportamentos.
Será que esta fase terminou? Acredito que não para a clínica. Embora sejam
poucos os estudos empregando esses delineamentos, considero que são um caminho
promissor e, talvez, se bem esclarecidos, o caminho possível para com petir com vanta­
gens a partir dos delineamentos de grupo.
Acho, no entanto, que um outro momento existe em pesquisa clínica.
Os termos empregados para arrolar as variáveis relevantes em clínica são catego­
62
Rachel Ruilrltfues Korb.iuy
rias amplas que, se de um lado mostram direções, de outro deixam pistas sem detalhar o
que acontece realmente na situação clínica. Entre esses termos, eu incluiria como exem ­
plo: resistência à mudança, relacionamento terapêutico e ató mesmo interação entre
terapeuta e cliente.
Os procedimentos empregados em TC são muitos, incluindo relaxamento, desem ­
penho de papéis, modelo de comportamentos fornecidos pelo terapeuta e todas as técni­
cas comportamentais criadas nas situações experimentais e as criadas pelo terapeuta no
momento. Atualmente, com o desenvolvimento de drogas sofisticadas, há cada vez maior
inclusão de medicamentos. Portanto, medidas múltiplas são necessárias para avaliação
do tratamento, bem como o seguimento demorado. No caso dos distúrbios de ansiedade,
medidas de comportamento manifesto, reações fisiológicas e auto-relato são imprescindí­
veis, pois mudanças podem ocorrerem um desses sistemas e não nos outros. Acrescen­
te-se ainda que muitos clientes, por sua própria iniciativa, fazem m udanças e ató
dessensibilizaçáo ao vivo. Podemos dizer que são verdadeiros cientistas: testam variáveis
e procedimentos, nem sempre com bons resultados, a não ser a descrença cada vez
maior nos processos de intervenção.
Classificações pelo resultado do procedimento podem conduzir a programas nos
quais os efeitos são difíceis de prever porque, embora as ações do terapeuta possam ser
adequadas, não permitem a identificação das contingências, que ficam desconhecidas.
Classificações baseadas em análise funcional permitem, por outro lado, estabelecer os
limites da técnica de intervenção e possibilitam o treinamento de outras pessoas para
empregá-la e o controle de qualidade. Por exemplo, o procedimento de extinção, que é
compreendido muitas vezes como “ignorar o comportamento", pode limitar conseqüências
sociais positivas; muitas vezes, o comportamento é automaticamente reforçado assim
que emitido.
É necessário ressaltar neste momento que, independente da abordagem teórica,
sabemos todos que o processo terapêutico tem como objetivo final o autoconhecim ento
por parte do cliente e, na medida do possível, a mudança de seu comportam ento para
atenuar ou acabar com os efeitos aversivos de suas ações. Somente quando somos
indagados sobre o que fizemos ou, segundo Skinner (1991), estamos fazendo, ou estamos
prestes a fazer, ou por que temos motivo para observar ou recordar nosso comportamento
ou suas variáveis controladoras. Todo comportamento, seja ele humano ou não-humano, é
inconsciente; ele se torna "consciente quando os ambientes verbais fornecem as contin­
gências necessárias à auto-observação". (p. 88)
Dessa maneira, na terapia comportamental, fazemos perguntas levando o cliente a
descrever seu comportamento seja quanto à topografia, os aspectos da situação, os
reforçadores ou o que fala sobre si próprio, ou seja, suas auto-falas. Através dessa situa­
ção de interação, o terapeuta dá condições para que o cliente verifique o que faz, quando
faz e as conseqüências de seu comportamento, tanto em um passado distante como no
momento atual, e a relação entre esses comportamentos, quando existe. Nesse sentido,
o cliente vai discriminando as contingências existentes em sua vida e levantando hipóte­
ses que, posteriormente, poderá ou não testar fora do consultório. Ainda mais, o terapeuta
emprega principalmente reforço verbal e, segundo Skinner (1991, p. 111), “dá conselhos".
Afirma também (p. 112) lo d o o problema pode ser resolvido mediante a aplicação de uma
regra, e os terapeutas precisam ir um passo à frente e ensinar seus clientes a construir
suas próprias regras. Isso significa ensinar-lhes algo sobre análise do comportamento".
Portanto, se há interação entre terapeuta-cliente, o terapeuta poderá assim produ-
Sobrc comport.imento c cormíç.Io
03
zir conhecimento e aprimorar seu próprio trabalho clínico. Evidentemente, poderá o pes­
quisador também analisar o trabalho de outro terapeuta, com a mesma metodologia. A
comunicação e modelagem de comportamento de um pelo outro, é preciso em uma nova
fase de pesquisa em clínica estudar esse comportamento verbal e investigar quando e
como o terapeuta intervém e quais são as variáveis de controle identificadas pelo terapeuta
e como ele apresenta ao cliente de modo a levá-lo a alterar seu curso de ação. Como
estudo de comportamento verbal enquanto comportamento operante, decorre que o ouvin­
te interage com o falante e também altera seu comportamento. Portanto, ambos se alte­
ram, terapeuta e cliente.
É este o novo estágio em pesquisa clínica: estudar o com portam ento verbal do
terapeuta e cliente durante a sessão e investigar quais variáveis são priorizadas durante
as sessões terapêuticas. Mesmo que se especifique qual a fala do terapeuta que produziu
mudanças no cliente ou alterou a seqüência da terapia, mostrando uma decisão terapêu­
tica, há o problema de esclarecer quais estímulos antecedentes sinalizaram para o terapeuta
e a ocasião (SD) para emissão daquela fala específica.
Uma maneira de pesquisar no laboratório de Comportamento e Saúde, na USP em
São Paulo, propomos uma forma de analisar sessões terapêuticas, realizada pelo próprio.
Foram realizadas dissertações de mestrado procurando esclarecer a queixa do cliente e
sua alteração no decorrer das sessões. Outros trabalhos enfocam a decisão do terapeuta,
em função do que o terapeuta ou o cliente mudaram o curso de ação da terapia, e ainda
um projeto para verificar como é a alteração das emoções e de seu relato a partir da
análise funcional ensinada pelo terapeuta e realizada pelo cliente.
A coleta dos dados foi resolvida com o registro audiovisual das sessões, com
autorização prévia do cliente. Dessa forma, o acesso à sessão é completo, embora o
pesquisador possa não estar presente. É um recurso econômico, especialmente a grava­
ção em fita. O trabalho maior é a transcrição e, em nosso caso, temos uma técnica
treinada para este fim. Posteriormente, o pesquisador escuta a fita com a transcrição e
confere fazendo as correções quando necessário.
É importante destacar que esse registro das sessões permite ao pesquisador ini­
ciar a sua coleta de dados mediante a pergunta de pesquisa que formulará.
Com esse procedimento, ficou garantido que:
a) o que acontece na sessão terapêutica pode ser analisado e, nesse caso, até a ‘‘insti­
gação" pode ser descrita e incorporada no processo terapêutico;
b) o trabalho do clínico pode ser objeto de análise tanto por ele próprio como por outros
pesquisadores. Na apresentação ou publicação do trabalho, é imprescindível o cuida­
do de coíocar a transcrição da sessão;
c) com uma mesma transcrição, é possível colocar novas questões. Para qualificar-se
como pesquisa, deve configurar um novo conhecimento ou responder a questões de
metodologia que beneficiem a compreensão dos princípios de comportam ento ou a
área de atuação profissional; pode ser também uma forma de o terapeuta melhorar seu
próprio desempenho aprimorando seu trabalho clínico em benefício do cliente;
d) em nosso caso, é também uma análise do comportamento verbal, com o sistema de
referência, que permite analisar as informações e confiabilidade dos dados obtidos. A
análise funcional permite mostrar como variáveis ambientais controlam o com porta­
mento, ou como as contingências em vigor atuam no comportam ento-alvo da queixa
do cliente e estão dificultando o aparecimento de comportamentos desejáveis;
e) principalmente, levará a descobrir o que é interação terapeuta-cliente e talvez respon­
64
Ruclicl Rodrigues Kerb.iuy
der à pergunta difícil: se é a teoria ou a própria interação ou ambos que produzem os
resultados terapêuticos.
O problema dessa análise é como proceder o corte nas sessões e estabelecer
critérios de análise. Obviamente, dependerá da pergunta formulada especialmente de não
perder de vista o que se pretende: é estabelecer a funcionalidade das diversas falas,
explicar quais contingências determinam o comportamento do cliente e do terapeuta tam ­
bém.
Antes de começar as análises, ou seja, decompor em partes para compreender o
processo, nao há certeza sobre o tipo de dados que serão encontrados ou mesmo como
será possível organizá-los. Quando se procede a organização dos dados, ela parece in­
completa ou rudimentar; no entanto, à medida que as análises iniciais vão sendo abando­
nadas, por serem incompletas, e novas alternativas surgem, os resultados formam um
todo coerente. Olhando-se os dados, tem-se a impressão de que as variáveis de controle
se destacam e organizam os resultados em um todo coerente. Esse reforçamento, para o
analista de comportamento, é atrasado e a espera, prolongada. Essa espera nào ó sem
emissão de comportamento, mas sim consiste em ler novamente os dados, em repetição
da pergunta de pesquisa, controlada por novas informações, como, por exemplo, no caso
da queixa: no que mudou a informação? Quais palavras do terapeuta ou do cliente condu­
ziram a próxima intervenção do terapeuta? Esta se baseou em quais fatos: ambientais,
descrições do comportamento do cliente, seja ele de comportamentos observáveis ou
encobertos, ou relação do comportamento com quais eventos ambientais?
Inicialmente, como foi explicado, não é possível observar a regularidade nos dados
e mesmo quantificá-los ou organizá-los, mas essas análises anteriores são necessárias
para se passar à nova fase de análise de dados. Depois de ter atingido uma etapa e
iniciado a seguinte, sabemos que mudanças ocorreram e temos clareza que várias outras
decorrerão das análises anteriores e do conhecimento que o pesquisador adquiriu sobre
as mudanças sutis do comportamento do cliente e do terapeuta. É um processo acumulativo
de discriminações sutis e exige resistência à situação e fascínio com a descoberta do
terapeuta, que analisa seu próprio trabalho ou de outro terapeuta.
Para tratar os dados, a primeira providência é numerar as falas na seqüência em
que acontecem na sessão, independente da pergunta de pesquisa. Em seguida, iniciar a
leitura em seqüência, inúmeras vezes, e assinalar os pontos que parecem se destacar.
No caso do estudo sobre as queixas do cliente, o passo inicial é estabelecer qual a queixa
inicial que trouxe o cliente à terapia. Nesse caso, é formular a pergunta de pesquisa, pois
a transcrição só é dado para análise na medida em que a questão de pesquisa é clara­
mente formulada.
Consideraram-se verbalizações de queixa aquelas que descreviam:
1) condições aversivas relacionadas com os comportamentos do cliente, mas não os
relacionados com a aquisição do comportamento-problema,
2) respostas emocionais decorrentes da identificação de situações aversivas, e
3) os contextos que propiciavam poucos reforçadores. As demais verbalizações, sem
apresentação de queixa, foram identificadas por temas e classificadas.
Nesse caso estudado em três sessões por Silveira, 1977, os temas de queixa
foram: a) dificuldade de relacionamento interpessoal (pais, irmãos, filho).
Descrição de um caso:
Cliente: L. tem 42 anos é casada há 28 anos, tem curso primário, três filhos: dois
rapazes de 21 e 19 anos e uma filha de 23 anos. Trabalha como cabeleireira em sua
Sobre comportamento
t
coRitição
65
própria casa na qual reside com o marido, a filha casada, o genro e a neta de dois anos e
um dos filhos solteiros (21 anos). O marido é protético, tendo uma oficina em outro local,
empregando o filho casado (19 anos) e sua mulher, os quais residem nesse prédio com
uma filha. A família possui casa própria, chácara e casa na qual está instalada a oficina do
marido e dois carros.
Queixas iniciais: esquecimento, perda de cabelo, nervosismo, pressão alta. A quei­
xa da cliente não retrata sua problemática. Parecem ser queixas de ordem orgânica, mas
à medida que as sessões se sucedem, novos temas são apresentados, variando entre
impossibilidade de ajudar os filhos financeiramente, relações familiares tumultuadas de­
correntes também das condições de moradia, filhos usuários de droga, filho com HIV
positivo, relações conjugais com choques freqüentes decorrentes de interpretações e
discordâncias das atitudes do marido.
Pesquisas em desenvolvimento: análise das decisões do terapeuta no decorrer das
três primeiras sessões.
O relato das emoções: discriminações das emoções pelo cliente e identificação
das contingências em vigor.
Nesse caso estudado em três sessões por Silveira, (1977), os temas de queixa
foram:
a) dificuldade de relacionamento interpessoal (pais, irmãos, filha, marido, colegas de tra­
balho):
b) dificuldades na resolução de problemas: de cuidar da casa a procurar emprego;
c) acuidade na descrição de estados psicológicos relacionados com ansiedade;
d) descrição de estados subjetivos e situações relativos a medo de enloquecer, adoecer,
etc.
Verificou-se que as queixas na primeira sessão abrangiam outros temas e nas
sessões dois e três, apenas cinco. O estudo sugere que o terapeuta facilita a mudança da
cliente quando suas verbalizações propiciam a discriminação das condições apresenta­
das na queixa e a análise de como controlariam o comportamento da cliente. O emprego
de metáforas para descrever o comportamento da cliente também mostrou-se útil nesse
caso. Diante das condições fornecidas pelo terapeuta, a cliente discriminava mais facil­
mente as condições semelhantes fora da sessão com o terapeuta e apresentava padrões
de comportamento diferentes da queixa.
Em outro estudo, Margotto (1997) organizou as verbalizações após numerá-las em
unidades de análise nas seqüências: a) terapeuta-cliente-terapeuta e b) cliente-terapeutacliente. Essa disposição permitiu observar as verbalizações do cliente e do terapeuta
como condição antecedente e conseqüente e classificá-las de acordo com sua função e
tema, somente após o tratamento dos dados e organização em tabelas e identificada as
relações entre classes de verbalizações do cliente com classes de verbalizações do
terapeuta. As tomadas de decisões do terapeuta foram identificadas pela mudança de
classes de verbalizações do terapeuta decorrentes das classes de verbalizações do clien­
te. Demonstrou-se essa mudanças na seqüência das classes.
Como exemplo de classe de terapeuta, temos a explícita relação entre eventos
ambientais e comportamento, que mostra ao cliente as relações entre seus com porta­
mentos e eventos ambientais e aconselha alternativas de comportamentos altenativo para
o cliente.
Quanto ao cliente, foram construídas dez classes, como a classe C5, em que o
cliente aponta dificuldades para sugestões realizadas pelo terapeuta significando que ele
óó
k.ichol koilritfues K erb.iuy
relata impedimentos para a realização de atividades propostas. Os resultados indicaram
maior regularidade nas classes verbais do terapeuta que do cliente. Foram analisadas dez
sessões (dois, três, e quatro) sendo que nas sessões dois e quatro a verbalização mais
freqüente do cliente foi T4, explicitar relações entre eventos.
Consideraram-se verbalizações de queixa aquelas que descreviam:
1) condições aversivas relacionadas com os comportamentos do cliente, mas não as
relacionadas com a aquisição do comportamento-problema;
2) respostas emocionais decorrentes da identificação de situações aversivas, e
3) os contextos que propiciavam poucos reforçadores. As demais verbalizações sem apre­
sentação de queixa foram identificadas por temas e classificadas.
- Terapeuta estabelece rota­
çãoentre oventos (T4) com­
portamento sugerido à filha
oas prováveis conseqüên­
cias
-
Terapouta onuncia regra (T6)
sobro comportamento sugorido à filha da cliente e possívois conseqüências.
Cliente informa (C1) sobre
comportamentos dos filhos,
Cliente investiga (C2) com­
portamento privado da filha.
-
Terapeuta forneço foedback
positivo (T3).
Cliente estabelece relação
causai (C4) entre compor­
tamento privado e compor­
tamento público da filha.
-
Terapeuta estabeleço rolação entro eventos (T 4 ),
comportamento da cliente e
os problemas dos filhos.
Terapouta estabelece relação
entre eventos (T4);
comportamento da cliente e
conseqüências.
Cliento fornoco feodbnck
positivo (C3).
Figura 1: Seqüência em que se verifica mudança na classe do verbalização da cliente - de informação (C 1)
de impodimontos para feedback positivo (C3) - após investigações, sinalização, explicação de ralação e
conselho do terapeuta. A cliente, após várias informações de impedimentos, fornece feedback positivo em
seguida á análiso funcional em que o terapeuta descreve relações ontre o comportamento da cliento, ás
condições om quo ocorre e às conseqüências para ela e para outros.
Na figura 1, apresentamos um exemplo dessas classes em seqüência.
Concluindo, diríamos que a proposta de pesquisa da interação terapeuta-cliente é
fator primordial para a compreensão das condições de mudança em terapia comportamental.
Uma das razões é que, desde seu início, ela se propôs a questionar as terapias existen­
tes e a adotar um modelo baseado no processo de aquisição e manunteção de com porta­
mentos, utilizando metodologia científica. Há também diversidades em seus adeptos de­
correntes das influências teóricas dos vários movimentos e do contexto, que permite posi­
ções diferentes quando um assunto não foi exaustivamente pesquisado.
Considero que a análise da interação terapeuta-cliente pode esclarecer e desafiar a
identificação de variáveis relevantes no processo terapêutico. Em nossos estudos, temos
encontrado que a orientação teórica do terapeuta e o ensino da análise funciona: é o que
propicia mudanças específicas em curto tempo.
Sobre comport.imcnlo c toflniç.lo
67
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68
Rtichel Rodrigues Krrb.iuy
Capítulo 8
Comportamento verbal e prática clínica:
parte III
M iirllu i / iübncr
M ih k c n /ic
O
VII e nco n tro da A sso cia çã o B ra sile ira de P sicote ra p ia e M edicina
Comportamental (ABPMC) foi a terceira oportunidade que a associação me concedeu
para apresentar o mesmo tema, o que me fez denominar aquele momento de "comporta­
mento verbal e prática clínica: o retorno". As outras duas apresentações estão publicadas
em Banaco (Org., 1997). Penso que a complexidade do tema e de sua fonte inspiradora o livro Verbal Behavior de Skinner (1957) - seja a grande razão da reincidência do tema.
As apresentações anteriores incluíram a conceituação de comportamento verbal,
as relações entre comportamento verbal e não-verbal e o operante "autoclítico", como um
dos operantes importantes para a terapia.
Nesta terceira apresentação, pretendo trazer o tema organizado de uma nova m a­
neira: num primeiro momento, oferecendo uma visão mais panorâmica de como vejo a
importância do livro; num segundo momento, uma visão mais pontual, trazendo a análise
de trechos de Skinner (1957), que indicam a riqueza e as implicações de seus conceitos
para a trabalho clínico.
Pretendo mostrar que, longe de serem exóticas e complicadas, as categorias dos
operantes verbais de Skinner clareiam a compreensão de episódios comporlamentais
complexos e indicam sutilezas na identificação de variáveis controladoras.
Importante reiterar que, após a sua publicação, Verbal Behavior teve uma difícil
Sobre com portim enlo e cogniftio
69
trajetória de aceitação e aplicação, mesmo na comunidade de behavioristas, tendo sido
praticamente ignorado por quase 20 anos. Pelos pesquisadores básicos, a maioria na
época foi considerado ousado, pela ausência de fundamentação empírica. Pelos psicólo­
gos clínicos ou pesquisadores aplicados, considerado de difícil aplicação, talvez pela
complexidade e caráter original de sua terminologia. Mesmo no estudo de repertórios
mais simples, optava-se pelo emprego de termos não derivados do livro, tal como o con­
ceito de imitação, quando Skinner já propunha o termo “ecóico".
Na verdade, acredito que a vasta cultura literária de Skinner, seu grande interesse
pela literatura, aliados aos experimentos que levavam à descoberta dos princípios do
comportamento operante, possibilitaram-no a dar um salto para o exercício de interpreta­
ção do complexo comportamento verbal, ficando alguns bons anos à frente de seu tempo.
Hoje, 42 anos depois, não são raras as iniciativas de analistas de comportamento
para ainda estudarem e compreenderem o livro favorito do próprio Skinner.
C ategorizo a im portância de Verbal B e h avio r em três níveis: educacional,
psicoterápico e literário. A importância educacional reside principalmente na análise dos
operantes ecóico, cópia, ditado, comportamento textual e leitura. A psicoterápica acentua-se na análise dos operantes intraverbais, mando, tacto, extensões do tacto, autoclíticos
e o papel da audiência. A importância literária está, por sua vez, em todo o livro, por seus
exemplos, em que se identifica o conhecimento do autor de grandes obras e autores da
literatura mundial.
O destaque maior para o presente texto será dado à importância psicoterápica do livro.
Entretanto, alguns comentários sobre sua importância educacional precisam ser feitos.
Classifico os operantes verbais Ecóico, Cópia, Ditado, Textual e Leitura como im ­
portantes em nível educacional porque nos remetem à análise da aquisição da leitura e
escrita.
P a rticula rm e nte im portante nesses operantes é a distin çã o das va riáveis
controladoras em cada um. No ecóico, por exemplo, a correspondência entre o estímulo e
a resposta é ponto a ponto. Se o estímulo ó vocal, para ser ecóico, a resposta também
tem que ser vocal. Se um professor diz, por exemplo, “casa" e o aluno, em seguida, diz
“casa", inferimos que o aluno emitiu um ecóico. Já na cópia, o estímulo controlador é
textual e a resposta é motora, na presença do estímulo, não havendo uma correspondên­
cia ponto a ponto, mas uma correspondência formal. No exemplo anterior, a cópia signifi­
ca escrever "casa" diante do modelo em texto da mesma palavra. O “escrever" pode ser de
várias formas: manuscrito, em letra de forma, maiúscula, minúscula, digitado em com pu­
tador ou através da construção da palavra por anagrama. A topografia da resposta não é
importante para a definição. O comportamento de fazer ditado envolve a apresentação de
um estímulo vocal ou textual, na ausência dele e, em seguida, emitir uma resposta motora
de escrever, que mantenha uma correspondência formal com o estímulo. No com porta­
mento textual, o estímulo é um texto e a resposta é oral. Trata-se do ler em voz alta.
Assim, diante do texto "casa", emitir o comportamento textual é dizer “casa” . Já a leitura
propriamente dita envolve emitir uma resposta funcional diante do estímulo textual “casa".
Seria, por exemplo, identificar uma casa (em desenho ou real) diante do texto “casa". Em
outras palavras, a leitura propriamente dita envolve, para Skinner, a “compreensão", termo
este evitado por ele por atrelar-se a concepções mentalistas.
Estas distinções entre os operantes, em termos de variáveis controladoras, ajudanos a entender, por exemplo, comportamentos aparentemente discrepantes em uma mesma
criança em fase de aprendizado de leitura e escrita.
70
M.iri.i M.irth.i I lübner
Recebi uma criança para atendimento de oito anos de idade, que apresentava o
comportamento de cópia, mas não o de ditado. Não apresentava o comportamento textual
nem o de leitura. Embora muitos educadores coloquem todos esses comportamentos sob
o rótulo de alfabetização e considerem o escrever como indicativo do estar alfabetizado,
sabemos, pelas distinções oferecidas por Skinner em 1957, que ler e escrever são operantes
sob controle de variáveis diferentes e que, portanto, como terapeuta desta criança que
escrevia mas não lia, eu deveria intervir, transferindo o controle das variáveis textuais sobre
a resposta de escrever para as variáveis que controlam o ditado: colocar a resposta de
escrever, que só estava sob controle do estímulo textual presente, para o controle do
estímulo textual não mais presente. Concomitante a isso, eu deveria instalar o com porta­
mento textual inexistente, que não envolve o comportamento de escrever.
Do ponto de vista educacional, Skinner chega mesmo a propor, no capítulo sobre
estim ulação suplementar, um rico programa sobre como evocar respostas verbais
incipientes, como aquelas de um aprendiz de leitura: usar o ecóico, para dar o modelo da
palavra que queremos que o aprendiz diga; introduzir um objeto referente ao que eu quero
ensinar e solicitar que o aprendiz o nomeie; introduzir cartazes com o nome que quero
ensinar a falar, para que o textual se instale e, assim por diante. Tais dicas, dadas em
1957, parecem-me assemelhar-se ao conceito atual de leitura como uma rede de relações
múltiplas, derivado das pesquisas coordenadas por Julio de Rose e Deisy das Graças de
Souza, na Universidade Federal de São Carlos.
1.
A importância do livro para a Psicoterapia
Dos operantes selecionados como importantes do ponto de vista psicoterápico, o
operante tacto e suas extensões serão analisados.
A julgarmos pelo número de páginas do livro dedicadas a esse operante e suas
extensões, o tacto é, sem dúvida, o operante mais exaustivamente tratado por Skinner e,
talvez, o mais importante. Em suas palavras:
"Há dois importantes tipos de estímulos controladores que sào usualmente
não-verbais. Um deles... A audiência... O outro é nada menos do que todo o am bi­
ente físico - o mundo das coisas e eventos sobre os quais o falante ‘fala sobre’. O
comportamento verbal sob o controle de tais estímulos ó tào importante que ô
freqüentemente tratado com exclusividade no estudo da linguagem e teorias do
sig n ifica d o .""... O termo carrega uma sugestão mnemônica do comportam ento
que 'faz contato com ' o mundo físico."
(Skinner, 1957. p.81)
Considerando que boa parte do trabalho psicoterapôutico ó constituída por momen­
tos em que o cliente fala sobre algo, os operantes tactos predominam e, por isso, vale a
pena conhecer a análise de Skinner sobre eles. Mas a complexidade das interações
humanas não possibilita que o cliente traga ao terapeuta tactos puros, totalmente contro­
lados por um objeto, eventos ou propriedades de eventos, tal como indica a definição
skinneriana deste operante. Dizer "mesa" diante de uma ó um exemplo desse tipo de
tacto puro, o que não é, em geral, o tipo de declaração que interessa a um cliente dizer ou
a um terapeuta ouvir.
Sobre comportamento e co#nição
71
O
controle de estímulos não ó, de nenhuma forma, preciso. Se uma resposta é
reforçada numa dada ocasião ou classe de ocasiões, qualquer aspecto dessa ocasião ou
que seja comum àquela classe, parece ganhar alguma medida de controle. Um estímulo
novo que possua um desses aspectos pode evocar a resposta. Surgem, então, as exten­
sões do tacto. De um lado, os tactos puros, objetivos, correspondendo às descrições
almejadas pelo método científico; de outro lado, ou em algum ponto do continuum, os
tactos impuros, mais imprecisos, os chamados tactos estendidos, que envolvem as
metonímias, as abstrações (ou extensões genéricas) e as metáforas ou extensão metafó­
rica ou tacto metafórico.
A extensão metafórica ocorre quando um tipo de propriedade ganha controle sobre
a resposta do falante, propriedade essa que, embora presente no momento do reforçamento,
não entra na contingência respeitada pela comunidade verbal.
Um exemplo clássico de extensão metafórica dado por Skinner é o de uma criança
que, ao experimentar soda limonada pela primeira vez, diz: "como meus pós dormentes".
A resposta "meus pés dormentes" foi previamente condicionada sob circunstâncias que
envolveram duas condições de estímulos conspícuas: a imobilidade parcial dos pós e uma
certa estimulação de formigamento ("pinpoint"). A propriedade que a com unidade usou
para reforçar a resposta - "pés dormentes" - foi a imobilidade, mas a estimulação de
formigamento foi também importante para a criança. Estimulação similar, experimentada
pela criança ao experimentar a soda limonada, evocou a resposta. Neste exemplo, a
estimulação de "formigamento" foi privada, o que traz uma dificuldade adicional para o
trabalho do analista de comportamento, mas que é útil e importante aqui, pois permite-nos
distinguir entre a propriedade que serviu para a comunidade como base para reforçamento
(o dos pés dormentes) e a propriedade responsável pela extensão da resposta a um
estímulo novo (a de formigamento).
Nesse sentido, pode-se dizer que as expressões metafóricas de um dado falante
ou escritor refletem os tipos de estímulos que mais freqüentemente controlam seu com ­
portamento.
Quando uma situação simplesmente evoca tactos não-estendidos, o com porta­
mento nos diz algo sobre a situação, mas muito pouco sobre o falante; o oposto ocorre
nas respostas metafóricas, que nos dizem mais sobre o falante, porque essas extensões
foram adquiridas sob outras circunstâncias, não tipicamente reforçadas pela comunidade
verbal.
Assim, através das metáforas, pode-se inferir condições sobre a vida de quem as
emitiu. Nada mais interessante para um terapeuta....
Essas inferências só podem ser mais fortemente extraídas quando se conhece a
história do falante e quando a extensão metafórica ocorre e não há nenhuma similaridade
entre os estímulos que o falante associa em sua metáfora. Um dos mais belos exemplos
fornecidos por Skinner (1957) refere-se ao diálogo entre Romeu e Julieta, em que Romeu,
numa de suas inúmeras declarações de amor, diz a Julieta que ela é o sol:
“No exemplo Julieta é o sol não é possível que uma similaridade física tenha sido
estabelecida. Apenas para Romeu e Julieta brilha... A extensão metafórica deve
ter sido mediada por, digamos, uma resposta em ocional que tanto o sol como
Julieta evocaram nele" "M etáfora, assim definida, está próxim a do ‘s ím b o lo ’
Freudiano."
(Skinner, 1957, p .97.)
72
M.iri.i M.irtlhi I Iübncr
O efeito comum de ambos os estímulos - uma resposta emocional - é que pode
ter mediado a extensão da resposta.
Tal tipo de extensão metafórica parece ter especial valor terapêutico. Correndo o
risco de um excessivo otimismo, a análise de Skinner parece nos indicar o lugar da
emoção em nosso modelo explicativo. As metáforas por terem a possibilidade de serem
mediadas por respostas emocionais, trazem as emoções que nem sempre surgem numa
entrevista em que se solicita a descrição de situações ou até de sentimentos. As m etá­
foras, nesse sentido, não são "meras" descrições de sentimentos mas, mais diretamente,
quase que os próprios sentimentos, na medida em que as respostas emocionais, median­
do metáforas, estão presentes quando elas ocorrem.
Um outro aspecto das metáforas que merece ser destacado é a análise de que elas
tornam o comportamento verbal mais efetivo: podem afetar o ouvinte de modo especial
(terapeuta, no caso), fazendo surgir respostas emocionais no ouvinte, a depender, é claro,
da "crença" do ouvinte na honestidade do falante. Alerta Skinner:
“A freqüência com a qual o ouvinte se engaja em uma ação efetiva em resposta
ao com portamento na forma de Tacto vai depender da extensão e acurácia do
controle de estímulo no comportamento do falante. A 'crença'do ouvinte na hones­
tidade do falante etc."
(Skinner, 1957, p. 88)
É como se a metáfora "falasse mais". Embora uma imagem fale mais do que dez
mil palavras, diz Skinner, nem sempre é fácil criar-se uma imagem para certas proprieda­
des de objetos e é aqui que as metáforas ganham força. Poderíamos arranjar símbolos de
natureza surrealista para sugerir ou demonstrar que Julieta é o sol para Romeu, mas a
mensagem da trama ainda seria mais facilmente enviada no meio verbal, que é livre das
propriedades do mundo físico e pode se recombinar infinitamente.
A possibilidade de as respostas emocionais estarem mediando sua evocação e de
respostas emocionais estarem surgindo em decorrência de sua emissão tornam a exten­
são metafórica um operante verbal "carregado de emoção".
A identificação dessas respostas emocionais é um bom início da intervenção tera­
pêutica, sendo, sobretudo, uma questão para a investigação empírica: quais as naturezas
ou propriedades dessas emoções, ou de coisa ou eventos subjacentes às extensões
metafóricas?
Pergunta Skinner:
“Onde está um homem quando ele se diz ‘No topo do m undo’?
Onde ele está quando sofre uma ‘queda m oral’?
Como nós ‘fechamos nossos olhos para a verdade’?"
(Skinner, 1957, p. 97)
Responder a questões desse tipo revelariam propriedades efetivas do ambiente que
são importante para o estudo, não só do comportamento verbal, mas do comportamento
humano em geral.
Descobrir as propriedades ou condições pelos quais algo pode servir de símbolo de
algo mais são precisamente as propriedades ou condições responsáveis pela extensão
Sobre comportamento e cogniçáo
73
metafórica. Resta-nos engenhosidade para descobrir os caminhos para fazer isso. Skinner
(1957) chegou a sugerir caminhos:
" Os referentes das abstrações - as propriedades de estímulos que controlam
tactos abstratos - podem ser descobertos apenas por certos métodos de investi­
gação em pírica... descobrir o que elas significam para a lg u é m ... há muitos proble­
mas técnicos a serem resolvidos antes que isso possa se r feito, m as a fórmula
básica é simples: m anipular estímulos e, através da presença ou ausência da
resposta, ir identificando as propriedades controladoras efetivas. Os experimentos
de laboratório sobre formação de conceito seguem esse padrão arranjando e tes­
tando a presença de tactos abstratos numa comunidade verbal artificial. Os m es­
mos procedimentos poderiam ser usados em um levantamento empírico de abstração
gerada p o r ambientes verbais fora do laboratório."
(Skinner, 1957, p. 113)
Inspirados pela análise dos tactos metafóricos e provocados pelo sugestivo exem ­
plo de investigação empírica, resta-nos muito trabalho na busca e compreensão das emo­
ções do universo humano eminentemente verbal.
Bibliografia
BANACO, R. A. (1997) Sobre Comportamento e Cognição. Santo André, ARBytes.
SKINNER, B.F. (1957) Verbal b ehavior. New York, Appleton-Century-Crofts.
74
M<iri<i M.irtlw Hüòner
Capítulo 9
Técnicas cognitivo-comportamentais e
análise funcional
Roberto Alves tt<m>ico
ix/c/sr
E
xiste um ditado popular do qual eu gosto muito: "quando a ferramenta que te­
mos na mão ó um martelo, tudo à nossa frente vira um prego". Ele reflete uma das leis
mais fundamentais do comportamento, que é a lei do reforço: se o martelo já foi usado
alguma vez para fixar pregos, e prestou-se para isso, é quase fatal que se tente utilizá-lo
de novo, quando se quiser fixar alguma coisa (mesmo que essa coisa não seja um prego).
Esta lei torna-se mais imperiosa quando não se tiver nada melhor do que o martelo para se
utilizar como ferramenta.
Talvez seja isso que esteja acontecendo com as técnicas derivadas das pesquisas
feitas por analistas do comportamento: com a urgência de solucionar uma gama de trans­
tornos para os quais não se tinha respostas elicazes, o aparecimento de algumas técni­
cas pode ter gerado uma tendência a utilizá-las indiscriminadamente. Também creio que
em certa parte isso advém de diferenças de posturas metodológicas e filosóficas das
pessoas que as têm empregado. Este trabalho tem por objetivo analisar brevemente es­
sas diferenças.
Sobre comport.imento e
cordíç.Io
75
1.
Modelo médico X Modelo quase-médico X Modelo behaviorista
radical
A Medicina, quando estuda padrões de comportamento, sempre procura estabele­
cer padrões de normalidade buscando critérios estatísticos. Muitos dos seus estudos,
tanto epidemiológicos quanto os de pesquisa farmacológica e de tratamento buscam na
estatística - notadamente na curva dita ‘‘normal" - os critérios para definir o que deve ser
tratado e o que não merece tratamento.
O modelo módico de diagnóstico busca, então, enquadrar as pessoas que apre­
sentam certos tipos de comportamentos (chamados por eles de pacientes) em classifica­
ções com base em critérios diagnósticos específicos. Esses critérios são encontrados
nas publicações da Associação Psiquiátrica Americana (APA) e da Organização Mundial
de Saúde (OMS). Segundo Pereira (1997), esses sistemas foram criados a partir de uma
necessidade de comunicação entre clínicos e pesquisadores de diferentes orientações
teóricas, estabelecendo "um acordo de base quanto à nomenclatura e à descrição das
diferentes constelações psicopatológicas" (p. 3). Em outra parte de seu artigo, ele afirma:
"Busca-se, portanto, tratar dos problemas nosográficos (descrição metódica
das doenças) deixando-se m etodologicam ente de lado os questionam entos
etiológicos e privilegiando-se a descrição empírica dos quadros." (p. 4)
Esses sistemas classificatórios são, portanto, no máximo uma descrição de topo­
grafias de respostas e de freqüências com as quais elas se apresentam na vida da pessoa
"paciente".
O sucesso desse tipo de classificação pode ser depreendido do enorme cuidado
que ela tem recebido. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM,
pubíicado peía APA) está na sua 4* edição, e a Classificação Estatística Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID, publicada pela OMS), que teve a
inclusão de uma seção para transtornos mentais desde sua 6* edição, está em sua 10“
edição.'
Uma decorrência do raciocínio produzido pelo modelo médico é a de que, em se
identificando e definindo uma doença, uma terapêutica aplicável às pessoas que a apre­
sentarem deveria ser buscada. Em geral, esta terapêutica é farmacológica e os estudos
relatam seus resultados positivos no controle da doença em termos (também) de estatís­
tica. Uma te ra p êu tica é boa quando elim ina os itens d e svia n te s do re pe rtó rio
comportamental da maioria das pessoas que a receberam.
A abordagem do modelo médico usa, portanto, as respostas do indivíduo (entendi­
das e descritas como o comportamento dele) como descrição e classificação (item) da
doença a ser diagnosticada, preocupa-se em compará-lo com populações e tratá-lo como
a maior parte das pessoas já foi tratada.
O modelo da Psicologia Clínica, esta que descende diretamente da Medicina Psi­
quiátrica, pode ser chamado também de quase-médico. Apesar de tentar atenuar a distin­
ção entre doença e saúde, esse modelo esbarra sempre na dicotomia entre o normal e o
patológico e considera das respostas "disfuncionais" do indivíduo (também aqui entendi­
1Para uma análise mais aprofundada sobre o DSM-IV e a análise funcional do comportamento, rometo o leitor
para Cavalcante (1997).
76
Kobcrfo Alvet H.m.ico
das como seu comportamento) como um sintoma da doença, esta subjacente. O indiví­
duo a ser analisado, quando comparado com uma maioria normal, tem um problema que
pode ser descrito como: uma psique doente, um traço de caráter enfraquecido, uma per­
sonalidade desviante, uma doença mental, uma estrutura cognitiva falha, um sistema de
crenças irracionais, etc., que merecem tratamento. Seus estudos e classificações tam ­
bém baseiam-se nos critérios ditados pela maioria, ou seja, em critérios estatísticos que
levam em consideração a distribuição prevista pela curva normal.
A principal diferença entre esta abordagem e a abordagem do modelo módico é que
esta acredita que, para sanar o mal que acomete os seres humanos, nem sempre ó
necessária a utilização de farmacologia para o tratamento (aliás, para esta abordagem, ó
desejável que o tratamento se utilize o menos possível da terapêutica medicamentosa). É
da abordagem quase-médica que óecorrem o estudo e a tentativa do uso das técnicas
psicológicas no manejo dos transtornos mentais e/ou de comportamento. Desde Freud
com suas técnicas de hipnose e associação de idéias para acessar o inconsciente, até a
utilização da técnica de exposição proposta por Isaac Marks, é esta abordagem que tem
prevalecido na busca de controles aplicáveis sobre os sintomas (respostas-comportamentos) das doenças. Mas esta abordagem também preocupa-se, em suas pesquisas, com
procedimentos que atinjam a maior parte das pessoas acometidas pelo mal. Os profissi­
onais que a abraçam prescrevem tratamentos que funcionam para populações, esperando
sempre um resultado positivo também nos repertórios dos indivíduos a eles expostos.
A abordagem comportarnental de inspiração behaviorista radical tem tentado, atra­
vés do estudo de modelos experimentais, entender as variáveis de controle de vários
problemas humanos. Dessa forma, seus estudos buscam descrever causas, efeitos de
variáveis e possíveis formas de modificar esses problemas. Sua metodologia prioriza o
estudo do sujeito único, em suas relações comportamentais estabelecidas com o am bi­
ente onde está inserido. Mais importante do que a descrição das respostas que trazem os
indivíduos aos consultórios é o conhecimento da função que essas respostas apresentam
nesse ambiente. O modelo é darwinista, baseia-se em seleção das respostas (ditas “com ­
p o rta m e n to s") p or co n s e q ü ê n c ia s e, p o rta n to , não d iscu te as m a n ife s ta ç õ e s
comportamentais em termos de normal e patológico. Segundo Banaco (1997):
A crença na seleção (por conseqüências) leva ao impedimento de um julgam en­
to sobre os comportamentos (...) leva a, no mínimo, pensar que todo e qualquer
comportamento seja adaptativo, dentro das contingências que o mantém. E se for
possível proceder a uma análise funcional da situação na qual o comportam ento
dito "patológico" se insere, chegar-se-á à conclusão de que aquele seria o único
comportamento que poderia acontecer, dadas aquelas contingências. " (p. 81) (grifos
adicionados)
A crença na seleção por conseqüência, no entanto, não impede a busca da mudan­
ça nas relações estabelecidas entre indivíduos e ambiente. Acredita-se que, se tanto as
variáveis do ambiente quanto as respostas do sujeito forem modificadas, aquele com por­
tamento a ser estudado e/ou modificado o será.
A grande ferramenta que os analistas do comportamento têm para descrever e
manipular essas relações é a análise funcional. Através desse tipo de análise, é possível
encontrar as relações estabelecidas entre indivíduo e ambiente, assim como a experimen­
tação de modificações nessas relações que poderíamos chamar de "desenvolvimento de
técnicas comportamentais".
Sobre com porl.imcnlo c coflnlç.lo
77
Para esta abordagem, portanto, o comportamento ó o objeto de estudo que tenta
descrever dentro de quais determinadas circunstâncias (A) o indivíduo responde daquela
forma (R) e quais conseqüências se seguem a essa resposta, de forma a mantê-la (C).
Quaisquer mudanças nas circunstâncias, na resposta ou nas conseqüências, modificará
toda a relação, e portanto, o comportamento. O indivíduo não tem o problema dentro dele,
não padece da doença. Não interessa que a maior parte da população náo se comporte
daquela forma. O que interessa ó modificar a forma pela qual a relação entre indivíduo e
seu ambiente se estabeleceu.
2.
O desenvolvimento de técnicas comportamentais
As relações estabelecidas entre indivíduos e ambiente, como eu já disse anterior­
mente, têm sido estudadas através de modelos experimentais. Também são eles que
propiciam o estudo sobre as formas de modificar essas relações, as quais têm sido
costumeiramente chamadas de técnicas e/ou procedimentos comportamentais.
Kerbauy (1983) analisa como essas técnicas podem começar dos estudos básicos
e serem modificadas com a prática clínica:
"Os trabalhos derivados das publicações de B. F. Skinner foram, durante os
anos de 1950, demonstrações de como os procedimentos de extinção e reforçamento
positivo poderiam produzir mudanças no comportamento humano (Greenspoon,
1955; Azrin e Lindzey, 1956; Ayllon e Michael, 1959). As aplicações eram feitas
em instituições ou em laboratório, com exceção dos trabalhos de Bijou e Baer
(1961), que analisaram o desenvolvimento de crianças." (p. 31)
Atualmente, esses mesmos procedimentos deram origem a técnicas terapêuticas
bastante difundidas, tais como a Psicoterapia Funcional Analítica (FAP-do inglês Functional
Analytic Psychotherapy), de Kohlenberg e Tsai (1991), e a do bloqueio da esquiva de
Kohlenberge Cordova (1994).
Prossegue Kerbauy (1983):
(...) Paralelamente a esse desenvolvimento, vemos desenvolver-se um trabalho
europeu de Eisenck (1960), criticando os procedim entos freudianos e propondo
procedimentos de teorias de aprendizagem; e de Wolpe e Lazarus, na África do
Sul. Aqui, de modo geral, o referencial era Hulliano e os experimentos de condicio­
namento respondente, fundamentados no trabalho de Pavlov e no princípio da inibi­
ção recíproca de Sherrington (1947). Wolpe estendeu esse conceito de inibição
recíproca a respostas de ansiedade e medo, provocados p or um estímulo, procu­
rando respostas incompatíveis para esse estímulo amedrontador. Escolheu a res­
posta de relaxar ou a resposta sexual ou a assertiva, como de inibição de ansieda­
de e medo. (p. 32)
Nessa linha de trabalho, também mais recentemente temos visto o aparecimento e
utilização da técnica de implosão (Stampfl e Levis, 1967) e de exposição (Marks et. al.,
1975).
Segundo Kerbauy, ainda,
78
Robertü Alve* U.m.ico
(...) Houve, também, uma tentativa de integrar cognitivo e comportamental com
Bandura, que enfatizou a pesquisa dos processos simbólicos, mediacionais e autoreguladores." (p. 32). (...)e o modelo de aprendizagem cognitiva, baseado no traba­
lho de Bandura (1971), Ellis (1962), K anfere Phillips (1972) e Mischel (1973).
A todos esses modelos, poderíamos adicionar aqueles baseados no estudo do
com portamento verbal, do qual derivam as técnicas de parada de pensamento, intenção
paradoxal, etc., e as de treino de habilidades específicas, como treino de habilidades
sociais, treinamento em solução de problemas, etc.2
3.
O uso da técnica: quando, onde e por quê?
A técnica ó um procedimento, um modo de proceder; ela ó, segundo o Aurélio
eletrônico, "o conjunto de processos de uma arte". Se sua descrição for precisa o suficien­
te, ela pode ser treinável e aplicável por qualquer pessoa. É muito comum que psiquiatras
e terapeutas comportamentais treinem desde estudantes de Psicologia a parentes de
clientes como acompanhantes terapêuticos. A função desse treino é ensinar-lhes a apli­
cação de técnicas comportamentais. Depois de apresentada ao público, ou publicada,
uma técnica qualquer supostamente pode ser aplicada por qualquer um que tenha acesso
a ela.
No entanto, o grande equívoco está na decisão da aplicação de uma técnica. Quan­
do a aplicação de uma técnica deriva de uma análise funcional, exercida por um analista
do comportamento ou terapeuta comportamental, provavelmente ela será bem aplicada e
os resultados serão benéficos para a pessoa que sofreu sua aplicação.
Mas, partindo de um modelo médico ou quase-médico, e tendo-se um diagnóstico
de uma patologia ligada ao com portamento de uma pessoa, bastará um relato de aplica­
ção de técnica que tenha funcionado para que a tentação de aplicá-la no caso presente
seja imperiosa.
Lettner (1995) afirma que:
"O diagnóstico psiquiátrico tradicional aparece no máximo irrelevante e no m íni­
mo inadequado para a conceituaçào funcional e idiossincrática dos fenômenos
clínicos de cada paciente e não conduz a um tratamento específico. O diagnóstico
serve basicamente para facilitara comunicação entre profissionais mas tem pouca
implicação para o tratamento individual. Claro que dois indivíduos portadores de
“transtorno de ansiedade"não exibem comportamento homogêneo e, ainda, apre­
sentam variáveis dependentes cognitivas, autonômicas e motoras independentes.
(...) A prática da terapia comportamental de orientação tecnológica apresenta gran­
des limitações para a prática clínica eficaz (M eyere Turkat, 1988)". (p. 30)
Um exemplo banal disso, advindo da área módica, poderia ser tomar um hipnótico
(remédio que induz ao sono) num caso de insônia (diagnóstico para quem não dorme ou
tem dificuldades para dormir). Esta seria provavelmente uma boa aplicação do remédio,
caso a insônia seja causada por um episódio ansioso, situação na qual a pessoa não
3 Para uma revisão molhor sobre estas técnicas, veja o livro de Caballo (1996).
Sobre compotliimcnlo c tognlçào
79
consegue “pegar” no sono. Seria uma péssima aplicação, caso a pessoa esteja soirendo
de algum episódio depressivo, situação na qual a pessoa "pega" facilmente no sono, mas
acorda no meio da madrugada e não consegue dormir mais.
A mesma relação pode ser evocada para a utilização das técnicas comportamentais:
a partir de uma descrição comportarnental do tipo DSM-1V ou CID 10, conhecendo-se a
descrição do conjunto de procedimentos denominados técnicas e sabendo-se de sua
efetividade em casos de descrição semelhante, pode-se estar utilizando uma técnica que
fará com que aquele "sintoma" (comportamento específico) desapareça, mas a relação
comportarnental permaneça, sob novas formas de respostas que tenham a mesma função
que a anterior.
Esse fenômeno não é desconhecido dos terapeutas comportamentais. Ele denomi­
na-se substituição de sintoma. Desde que a abordagem iniciou seus trabalhos de aplica­
ção de procedimentos a respostas - e não a comportamentos - , somos massacrados por
descrições de "substituição de sintomas" e da pecha de que nossa abordagem é superfi­
cial. Com efeito, a área denominada por Modificação do Comportamento preocupou-se
durante muitos anos em suprimir algumas respostas ou fortalecer algumas outras, mas
não foi capaz de desenvolver a análise funcional.
E isso está sendo reproduzido hoje em dia. Já vi vários relatos de psiquiatras,
e n fe rm e iro s p s iq u iá tric o s , a c o m p a n h a n te s te ra p ê u tic o s e até de te ra p e u ta s
comportamentais que afirmam que "por trás de um ritual aberto que foi suprimido por
exposição apareceu um ritual encoberto maior que o primeiro". Isso pode ser “substituição
de sintoma". O comportamento denominado ritual tem uma funçào de esquiva na vida da
pessoa. Se for aplicada a técnica de exposição, agora ao ritual encoberto, e esta aplica­
ção for um sucesso (ou seja, suprimir o ritual encoberto), poderá aparecer um terceiro
ritual, desconhecido até então, ou uma nova resposta de esquiva, por exemplo, uma fobia.
Somente uma análise funcional poderá indicar o que está faltando para que a terapia
dessa pessoa apresente resultados satisfatórios.
A análise apresentada por Banaco em 1997 é um exemplo desse tipo. Nesse traba­
lho, com um cliente que apresentava pensamentos obsessivos de autolesão, o terapeuta,
em vez de optar por sessões de exposição aos pensamentos, resolveu aumentar a quan­
tidade de fontes de reforçamento social disponíveis para esse cliente, como fruto de uma
análise funcional.
Nessa linha de argumentação, Lettner (1995) afirma que:
“A terapia comportarnental eficaz depende claramente da especificação precisa
das variáveis funcionais de desenvolvimento e manutenção uma vez que o procedi­
mento de m odificação é ditado p o r tal análise", (p.30, grifos meus).
4.
Para finalizar, um alerta
A terapia comportarnental e as terapias comportam ental-cognitivas têm recebido
um grande número de críticas absolutamente irracionais, muitas vezes veiculadas em
mídias de amplo alcance. Uma delas, talvez a mais recente, aparece na revista Veja de 22
de julho de 1998. Na reportagem sobre a crise nervosa do jogador Ronaldinho, intitulada
"Pressão demais", o articulista Mario Sabino afirma:
80
Roberto Alves B<m<ico
"Obscurecido p o r pílulas que prometem a felicidade instantânea e p o r terapias
ainda hoje, não hesitaria em receitar o divã de um bom psicanalista aos aflitos pela
ansiedade
(p.90) (grifos meus)
Talvez vinda de leigos, a afirmação não seja tão devastadora. Pior, a meu ver, é que
a própria Terapia Comportamental tem sido considerada como uma técnica por profissio­
nais ligados ao tratamento dos transtornos de comportamento. Por exemplo, na apresen­
tação do livro Psicoterapia Comportamental e Cognitiva dos transtornos psiquiátricos, de
organização de Dernard Rangó, o Dr. Jorge Elias Salomão - módico psiquiatra - diz o
seguinte:
"Nas últimas três ou quatro décadas, o desenvolvimento de diversas correntes
da Psicologia perm itiu o aprimoramento de diferentes técnicas de psicoterapia.
Esta obra contém inform ações fundam entais sobre uma destas técnicas, a
sos transtornos psicopatológicos,
(...) Encontraremos neste livro informações sobre esíâ técnica que mais rapida­
mente contribui para trazer alívio e remissão destes quadros tão comuns na prática
atual" (p. 5). (grifos meus)
Dessa forma, a “arte” está sendo confundida com o conjunto de procedimentos que
utiliza para prestar seu serviço ao homem. Algumas vezes não chega a ser considerada
nem mesmo um conjunto de procedimentos, mas apenas um. Seria o mesmo que dizer
que fazer música ó o mesmo que retirar sons de um piano. Ou dizer que fazer terapia
comportamental é se utilizar, por exemplo, da técnica de exposição para transtorno do
pânico.
As técnicas comportamentais são boas, válidas e úteis. Mas precisam ser em pre­
gadas num contexto terapêutico, e seu emprego ser decorrente da análise funcional,
lormulada por um protissional habilitado para isto.
Não podemos deixar que as pessoas transformem tudo em prego, só porque lhes
demos um martelo.
Bibliografia
BANACO, Roberto A. (1997). Auto-regras e patologia comportamental. In Denis Roberto
Zamignani (org.) Sobre Comportamento e Cognição - A aplicação da análise do
comportam ento e da terapia cognitivo-comportam ental no hospital geral e nos
transtornos psiquiátricos. Santo André, Arbytes.
CAQALLO, Vicente (1996). Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do C om porta­
mento. São Paulo, Santos Livraria Editora.
CAVALCANTE, Simone M.N.S. (1997). O manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais, DSM-IV e a Análise Funcional do Comportamento. Trabalho apresentado
no VI Encontro Brasileiro de Psicoterapia e Medicina Comportamental, promovido
pela Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, Santos.
Sobre comporiiimento e coflniçfio
81
LETTNER, H. W. (1995). Avaliação Comportarnental. In Bemard Rangé (Org.) Psicoterapia
comportarnental e Cognitiva dos transtornos psiquiátricos. Campinas, Editorial
Psy.
KERBAUY, R. R. (1983). Terapia Comportarnental Cognitiva: mudanças em algumas téc­
nicas. Cadernos de Análise do Comportamento. 4,30-45.
KOHLENBERG, R. J. & CORDOVA, J.V. (1994). Acceptance and the therapeutic relationship. In Hayes, S.C.; Jacobson, N.S.; Follette, M.V.; Dougher, M (Org.) A ccep­
tance and change: Content andcontext in psychotherapy. Nevada, Context Press.
KOHLENBERG, R. J. & TSAI, M. (1991). Functional analytic psychotherapy. Creating
intense andcurative therapeutic relationships. New York, Plenum Press.
MARKS, I.; HODGSON, R. RACHMAN, S. (1975). Treatment of chronic obsessive-compulsive neurosis by in vivo exposure. British Journal of Psychiatry. 127:349*364.
PEREIRA, M. E. C. (1997). Apesar de todo esforço... DSM e CID não constituem uma
psicopatologia. M onitor Psiquiátrico. 3(1), 3-5.
STAMPFL, T.G. & LEWIS, D.J. (1967). Essentials of implosive therapy: a learning theon/
based psychodynamic behavior therapy. Journal of Abnormal Psychology, 72:496503.
82
Roberto A lve s Ittinaco
Seção III
Terapias
comportamental e
cognitiva: a diversidade
da aplicação
Capítulo 10
Implicações terapêuticas do
comportamento persuasivo1
Ana Mtiri,i Lé Sénéchtil-Mücluido
U fM C /
A
formulação das idéias a serem explicitadas nesta apresentação são decor­
rentes de pesquisas sobre o fenômeno da persuasão, que venho realizando há alguns
anos. Por isso, a presente descrição da interação terapêutica como uma situação de
relação persuasiva está fundamentada tanto em minha experiência de docência e pesqui­
sa em análise do comportamento quanto em minhas vivências da prática clínica em tera­
pia comportamental.
Assim, quando iniciei a redação do que vou falar para vocês, estava bastante claro
para mim que a persuasão está presente e direciona grande parte das nossas relações
interpessoais e sociais. Mas fiquei um pouco apreensiva quando recebi da ABPMC a
informação do nome da Mesa Redonda na qual meu trabalho havia sido incluído: O manejo
de temas controversos na terapia comportamental. Temas controversos, me perguntei!?
Será que alguém questiona a 'existência' de persuasão nos processos terapêuticos em
geral, ou mais especificamente, na psicoterapia? A partir disso, resolvi, então, focalizar,
1 Texto apresentado em mesa redonda sobre O m aneio de temas controversos em terapia
comportamental, realizada em 20/09/97, durante o VI Encontro Brasileiro de Psicoterapia e Medicina
Comportamental, promovido pela ABPMC - Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina
Comportamental - e realizado em Santos/SP, de 18 a 21 de setembro de 1997.
Sobre comportamento c coflnição
85
nesta apresentação, os componentes persuasivos do comportamento terapêutico, procu­
rando mais descrever do que analisar a relação terapêutica como uma relação de persua­
são. Estarei discutindo, portanto, as implicações terapêuticas do comportamento persuasivo focalizando o terapeuta como persuasor e não necessariamente, o cliente, como
persuadido. Nesse sentido, o porquê da minha estranheza com relação ao termo 'contro­
verso', creio, ficará claro, a partir do que vou falar agora.
1. O processo de persuasão e o comportamento de persuadir
Elementos persuasivos estão sempre presentes em todos os aspectos de nossa
vida diária. É fácil identificar que somos influenciados por tudo aquilo que vemos, escuta­
mos, lemos e, principalmente, pelo que experienciamos. A persuasão, assim, pode ser
vista como a indução ou tentativa de induzir uma idéia, crença, decisão ou ação por meio
de estímulos, verbais ou não, mas sem discussão. Em geral, as mensagens persuasivas
adquirem a função de produzir influência e mudança com o resultado de um processo da
aprendizado consciente, atual, ou como parte de um aprendizado anterior que produzia
conseqüências agradáveis, ou seja, como produto de repertórios funcionais adquiridos na
história passada (Lé Sénéchal-Machado, 1993; Saples, 1999).
A persuasão, vista como exercício de influência, efetiva-se pelo uso de m ecanis­
mos generalizados de interação social, através dos quais atitudes e opiniões são m uda­
das. Modificar opiniões é, basicamente, criar, no outro, emoções ainda não existentes,
procurando evocar ou estimular as atitudes adequadas a um objetivo específico, atitudes
essas que são, usualmente, aprendidas no convívio social (Parsons, 1963).
Skinner (1983) observa que o verbo persuadir está relacionado com adoçar, ou seja,
persuade-se alguém descrevendo-se conseqüências reforçadoras positivas, o que torna
uma interação mais provável e mais favorável à ação, pois modificamos o que uma pessoa
vê quando olha, através da manipulação de contingências. Assim, “persuadim os alguém
recorrendo a estímulos associados a conseqüências positivas" (p.72). Afirma, também,
que é possível persuadir-se um indivíduo salientando-lhe as razões do porquê ele deveria
se comportar de um determinado modo. Essas razões são quase sempre, conseqüências
que, provavelmente, dependem do comportamento adotado. Considera, ainda, que o ato
de persuadir alguém só será eficaz se já existir, nesse outro, alguma tendência para o
comportamento em questão - "entendendo-se tendência como a probabilidade de que
uma dada circunstância origine a possibilidade de uma determinada resposta. "(Lé SénéchalMachado, 1993, p.8).
Ainda que essa ‘tendência para o comportamento em questão’ - no caso, 'o
persuadimento à mudança de opiniões e atitudes’ - possa ser particularizada de muitas
maneiras, pode-se inferir que, na procura ou encaminhamento à terapia, ela (tendência) se
configura de, pelo menos, três maneiras:
1) a busca de ajuda para o alívio de um sofrimento específico;
2) o reconhecimento de que alguns aspectos de nossa maneira de viver podem ser muda­
dos e a esperança de uma 'vida melhor’ instaurada;
3) a crença de que o atendimento psicológico profissional pode nos ensinar a avaliar
melhor nosso contexto de vida e a modificá-lo de acordo com o que aprendermos.
Desse modo, a atividade de persuadir parece implicar, de fato, a emissão de com ­
portamentos por parte de uma pessoa que, dirigidos a uma outra, predispõem e criam
80
A n .i M .iri.i l.c Scncchdl-M .ich.ido
condições para a alteração do comportamento desta. Em direção à generalidade, é possí­
vel admitir-se que a persuasão está baseada no estabelecimento de um controle direto do
com portamento do outro, em um ambiente comum, ou seja, a persuasão é uma questão
de controle pessoal - de uma pessoa por outra pessoa. Parafraseando Skinner (1982,
p .155), a persuasão é uma questão, portanto, de controle operante direto do com porta­
mento do outro, buscando eliminar o controle indireto. A esse respeito, Todorov (1989)
observa que "Muitas vezes, porém, um homem age apenas indiretamente sobre o meio do
qual emergem as conseqüências últimas de seu comportamento. Seu prim eiro efeito é
sobre outros hom e n s."(p.350). Essas considerações permitem afirmar que "persuadir é
um operante mantido pela alteração produzida no comportamento do outro." (Lé SénéchalMachado, 1993, p. 142), isto é, há persuasão quando os comportamentos de um indivíduo
são mantidos pelas conseqüências reforçadoras produzidas pelos comportam entos do
outro, fortalecendo e qualificando essa interação como persuasiva.
2.
Caracterizando a interação persuasiva
A relação de persuasãtQ pode ser definida como uma interação social, na qual os
comportamentos emitidos por uma das pessoas envolvidas estabelecem, mantêm, supri­
mem ou mudam, efetivamente, o comportamento de outra(s) pessoa(s). Por essa via, uma
relação de persuasão se estabelece quando os comportamentos emitidos por um indiví­
duo predispõem condições (SDs) nas quais os comportamentos emitidos por um outro
(RDs) produzem reforçamentos (SRs*) - tanto para um quanto para outro - os quais
mantêm a ocorrência desses comportamentos. Portanto, interações persuasivas são aque­
las que se efetivam em função da especificação de ocasiões para a ocorrência de compor­
tamentos e de conseqüências. Essas ocasiões são produzidas pelos comportamentos
do persuasor e do persuadido. Nesse sentido, tais relações podem ser descritas em
termos de contingência tríplice de reforçamento (Lé Sénéchal-Machado, 1993,1994). "O
que especifica uma relação de persuasão é a existência de um objetivo persuasivo
prepostó1, orientador da relação e definidor do indivíduo persuasor. "(Lé Senéchal-Machado, 1993, p. 142).
3.
Componentes persuasivos do comportamento terapêutico
Com o objetivo de clarear o que está sendo caracterizado como persuasão, faz-se
necessária, pelo menos, uma breve descrição dos comportamentos verbais - segundo
seu conteúdo geral - mais freqüentes numa relação persuasiva, tal como descritos por Lé
Sénéchal-Machado, 1993. Tais descrições são apresentadas aqui, buscando-se exemplificar
alguns comportamentos persuasivos terapêuticos. São eles:
• Autocracia: conjunto das verbalizações emitidas por um indivíduo, em uma interação
com outro, no sentido de se colocar, em face deste, como possuidor de independên­
cia intelectual e de segurança na tomada de decisões.
1 Preposto refere-se ao que é posto, querido e desejado antes, ao que é dado previamente, ao que ó
designado antecipadamente.
Sobre comportamento e cognição
87
• Desembaraço: conjunto das verbalizações emitidas por um indivíduo, em uma interação
com outro, no sentido de demonstrar a este, habilidades específicas para se isentar de
situações que geram constrangimento.
• Manipulação: conjunto das verbalizações emitidas por um indivíduo, em uma interação
com outro, no sentido de imprimir neste, de modo planejado, outras formas de agir, que
facilitem a realização funcional de um objetivo.
• Solicitação: conjunto das verbalizações emitidas por um indivíduo, em uma interação
com outro, no sentido de responder ou apresentar questionamento, oferecer ou pedir
informações, oferecer ou pedir aprovação para uma argumentação específica.
• Suplicação: conjunto das verbalizações emitidas por um indivíduo, em uma interação
com outro, no sentido de propor ou sugerir, com instância e rigor, a pronta realização de
tarefas e uma atenção especial no trato pessoal e social.
4.
O processo terapêutico como interação persuasiva
Admitindo*se a relação terapêutica comportamental como uma interação social,
pode-se caracterizá-la, então, como uma relação de persuasão que ocorre em um am bi­
ente clínico. Primeiro, porque os comportamentos do terapeuta e do cliente adquirem
propriedades discriminativas e reforçadoras, portanto controladoras da probabilidade de
determinadas ocorrências comportamentais. Segundo, porque a(s) meta(s) terapêuticas
estabelecida(s) orienta(m) a relação. A interação terapêutica consiste, portanto, num con­
junto de relações funcionais que vão se estabelecendo entre os comportamentos emitidos
pelos indivíduos em interação, até o atingimento do objetivo persuasivo visado pelo terapeuta
- e pelo cliente!
Desse modo, ao focalizar, eventualmente, comportamentos específicos da vida pre­
sente do cliente, o terapeuta, como persuasor, está auxiliando-o a traduzir, em termos de
objetivos concretos, possivelmente alcançáveis, o que lhe está confuso. Essa ‘tradução
de objetivos* pode ser caracterizada como o objetivo persuasivo preposto que, como já
dito anteriormente, caracteriza uma relação persuasiva e define um indivíduo como persuasor
numa interação com outro.
Na busca de metas para o processo terapêutico, muitas vezes o terapeuta deparase com novos repertórios do cliente, o que o obriga a rever as metas já definidas de
comum acordo com o cliente. Supondo-se que o terapeuta está, durante a sessão, sob
controle dos dados que o cliente traz a esta, isso faz implicar um processo contínuo de
análise e reformulação de metas, para que se obtenha a consecução deías. Em muitos
casos, o cliente possui um repertório comportamental sofisticado, que o leva a, eventual­
mente, ‘resistir’ ao processo analítico praticado pelo terapeuta. Mas essa ‘resistência’ é
enfraquecida, à medida que ele (cliente) é exposto ao repertório comportamental - cons­
ciente - que o terapeuta tem para exercer persuasão. Esse repertório do terapeuta se
impõe, então, fortalecido, por conta de sua experiência tanto clínica quanto de construção
teórica subjacente. Fica garantida, assim, ao terapeuta, maior habilitação para exercer
controle efetivo sobre o comportamento do cliente.
De um modo geral, o processo de persuadimento na terapia é implementado da
seguinte maneira: conforme a meta terapêutica vai sendo atingida, mais se configura a
relação terapeuta-cliente como persuasiva, pois, como já descrito, os comportamentos
emitidos por um e por outro predispõem condições e/ou explicitam contingências para a
88
A n .i M .iri.i l > S énéchal-M .ichailo
ocorrência de comportamentos e de conseqüências, as quais são produzidas pelos com ­
portamentos de um e de outro. O que destaca e determina o papel do terapeuta como
persuasor é a freqüência maior de comportamentos específicos emitidos por ele, tais
como aconselhamento, ensaio de regras, modelação, expressão direta de empatia, etc.
O comportamento do terapeuta então - enquanto persuasor * diferencia-se do do cliente enquanto persuadido - na medida em que o terapeuta imprime um controle pessoal sobre
as condições de estabelecimento e manutenção do contato entre ele e o cliente (Lé
Sénéchal-Machado, 199 3 ,1 9 9 4,1 997b). Reafirmando, isso se estabelece num contexto
de contingência tríplice de reforçamento.
Reconhece-se, é claro, que existe uma interdependência entre os dois repertórios
de comportamento (do terapeuta, de um lado; e do cliente, de outro). Porém, fixou-se o
foco dessa descrição dos componentes persuasivos da relação terapêutica, no com porta­
mento do terapeuta, tendo-se em vista que, em relações de persuasão, há sempre um
indivíduo que age para produzir um efeito de influência sobre o comportamento do outro
(Lé Sénéchal-Machado, 1993,1994). Isso se justifica tendo-se em vista, também, que "O
com portamento operante é, essencialmente, o exercício de poder: ele tem um efeito sobre o am biente." (Skinner, 1982, p. 121). Contudo, é preciso deixar claro que, ao se des­
crever o terapeuta como ‘persuasor’, tal fato não torna automática a consideração do
cliente como 'persuadido', pois o contracontrole persuasivo também se efetua, muitas
vezes, nesse tipo de interação (Lé Sénéchal-Machado, 1993,1997b).
5.
Esclarecendo mais sobre o terapeuta como persuasor
Assim sendo, o terapeuta exerce influência sobre o cliente, na medida em que
assume o controle efetivo de aspectos relevantes da inter-relação que favorecem seu
objetivo persuasivo. Por exemplo, quando o terapeuta, ao ensaiar uma proposta de altera­
ção de um comportamento mal aprendido - 'problemático' - tem como meta a ampliação
do repertório deficitário que o cliente tem na área de atuação em que esse ‘com portam en­
to problemático' está sendo mantido. Tais considerações permitem concluir que o terapeuta
adquire o controle do comportamento do cliente porque este assume, conseqüentemente,
efetivo valor reforçador para o terapeuta, à medida que o processo de análise funcional se
desenvolve. Nessa condição, o terapeuta define-se como persuasor quando predispõe
condições para a ocorrência de comportamentos do cliente que se dirigem ao atingimento
da(s) meta(s) terapêutica(s) estabelecida(s), o que, sabe-se, têm grande valor reforçador
para um terapeuta (Lé Sénéchal-Machado, 1 9 9 3 ,1 9 9 4 ,1997b).
O terapeuta define-se, também, como persuasor, quando emite comportamentos
(tais como intervenções diretas, conceituações, explicações, interpretações, análises de
sonhos, de fantasias, etc.) que funcionam como estímulos reforçadores que reduzem o
sofrimento do cliente, privilegiando seu autoconhecimento e autocontrole. Agindo assim,
o terapeuta está 'elucidando os enigmas' do comportamento problemático ou queixa do
cliente, quando propõe condições específicas para a em issão de com portam entos
adaptativos por parte deste - quando exercita, portanto, seu ataque persuasivo analítico
funcional (Lé Sénéchal-Machado, 1993; Guilhardi, 1995b).
Pode-se supor, ainda, que o terapeuta funciona como persuasor, na medida em
que, na situação clínica, é a pessoa que emite um número maior de comportamentos
específicos (solicita informações, manipula SDs, insiste no esclarecimento de algum dado
Sobre comportamento e c o r iiíç .Io
89
relevante) estimulando continuamente o cliente, até obter a identificação das variáveis
controladoras do repertório comportarnental deste. Isso se dá porque, com a intenção de
reforçar, diferencialmente, o que o cliente verbaliza na sessão, por exemplo, o terapeuta
instala-se como o indivíduo que libera uma quantidade maior de reforços. E ó essa quan­
tidade diferenciada de reforços que cria as condições controladoras do comportam ento
dele, terapeuta, como persuasor, tornando-o efetivo para 'influenciar' o comportamento do
cliente.
6.
O contexto persuasivo de terapia
No contexto de atendimento, o cliente é estimulado - persuadido - a ‘experimentar’
novos modos de atuar, com o propósito de ampliar seu repertório de comportamentos
adaptativos. Ao assumir os papéis de facilitador, de reforçador e de orientador desses
novos modos de atuar do cliente, o terapeuta define-se, ainda, como o indivíduo persuasor,
quando estabelece as condições clinicamente rc levantes de instalação e manutenção de
um controle efetivo sobre as contingências atuanlus na vida do cliente. Enquanto persuasor,
o terapeuta vai especificando ocasiões para a ocorrência de comportam entos do cliente.
Desse modo, ele presta ajuda a este no sentido de auxiliá-lo a dizer como gostaria de agir,
em substituição ao modo como vem se comportando. O terapeuta exerce influência sobre
o cliente para que este aprenda novas contingências de controle do seu bem -estar pes­
soal e social.
O ambiente interativo psicoterapêutico é uma situação clínica em que os comporta­
mentos do terapeuta e do cliente estão, o tempo todo, sustentados pelo tipo de vínculo
terapêutico instalado, pois o estabelecimento de uma boa relação pessoal ó um aspecto
essencial ao processo terapêutico (Rangé e Erthal, 1988; Rangé, 1995; Edelstein e Yoman,
1996). Isso posto, só faz fortalecer a condição do terapeuta como persuasor, na medida
em que, assumindo a posição de identificador e explicitador do contexto vital do cliente,
irá propor, de modo incisivo -direto e imediato, que não se desvia de uma direção- a
alteração contingencial deste contexto, no sentido de influenciar o cliente à aprendizagem
-observação e descrição- das contingências das quais seu comportam ento é função
(Skinner, 1982; Hayes, 1987; Delitti e Meyer, 1995; Lé Sénéchal-Machado, 1997b).
7.
A questão do controle persuasivo na relação terapêutica
Sabe-se que o controle atua, quer se tenha, ou nào, consciência dele, pois controle
é um fato da vida (Sidman, 1995; Guilhardi, 1995a). Assim, durante uma interação tera­
pêutica, a análise funcional das contingências de vida do cliente estará implicando, usual­
mente, a adoção de comportamento persuasivo por parte do terapeuta. Parafraseando
Skinner (1982, p.212), o cliente poderá, então, ser persuadido a controlar seu próprio
destino, pois estará sabendo o que deve ser feito e como cteverá fazê-lo.
"A terapia do comportamento ô, exclusivamente, uma questào de idear contingên­
cias reforçadoras, mas ela também inclui, de forma bastante apropriada, dar ao paciente
avisos, conselhos, instruções e regras a serem seguidas. ” (Skinner, 1982, p.212). E fazer
isso é adotar com portamento persuasivo, e não, comportamento coercitivo, como se po­
deria pensar. A persuasão objetivada está sustentada, de um modo geral, nas metas
90
A n .i M .iri.i Lé Sénéch.il-M .ich.ido
terapêuticas definidas de comum acordo com o cliente e baseadas nas dificuldades des­
te, identificadas pelo terapeuta - e nunca em objetivos fortuitos, desconectados da reali­
dade contingencial e/ou funcional da vida do cliente.
Considerando-se que o repertório comportamental de uma pessoa é, em sua maior
parte, adquirido por um processo de aprendizagem, a mudança também se dará no con­
texto de uma experiência de aprendizagem (Rangó, 1995). Ao induzir o cliente a se com­
portar de uma determinada forma - por meio de estimulações ou da sugestão de uma
direção - isto é, por meio da apresentação de contingências, o terapeuta funciona como
persuasor, já que, agindo assim, prepõe um objetivo persuasivo para a sua relação com o
cliente. Propondo ajudar o cliente na solução de problemas e na produção de alivio para o
seu sofrimento, e isso se efetivando, o terapeuta está realizando a obtenção desse seu
objetivo persuasivo preposto: o atingimento da meta terapêutica de alteração do estado
contingencial do repertório comportamental da vida do cliente,
8.
Persuadibilidade e história passada
Neste ponto, convém esclarecer que, a eficácia do ato de persuadir, na interação
terapêutica, relaciona-se, de maneira geral, à história de reforçamento do cliente. Isto é,
quanto mais compatibilidade existir entre essa história e o objetivo persuasivo preposto
pelo terapeuta - selecionado a partir das análises funcionais efetuadas e da meta terapêu­
tica compartilhada com o cliente - mais o terapeuta garante o seu papel de persuasor na
interação clínica, pois mantém, assim, a atenção do cliente, o tempo todo, voltada para
ele (Lé Sénéchal-Machado, 1993,1994) Desse modo, o terapeuta poderá exercer contro­
le sobre o comportamento do cliente, vk!;to que este só 'responderá* aos estímulos apre­
sentados pelo terapeuta se eles estiverem explicitando, ou garantindo, condições para o
reforçamento do seu comportamento, ou seja, se estiverem associadas a conseqüências
positivas. Tal afirmativa se fundamenta na consideração behaviorista radical de que o com­
portamento se relaciona de modo ordenado às circunstâncias presentes, apenas por cau­
sa da experiência p a ssa d a :"Nós fazemos o que fazemos p o r causa do que aconteceu, e
não p o r causa do que acontecerá." (Skinner, 1991, p.27). Assim, do ponto de vista da
prática clínica, o terapeuta estará aumentando a probabilidade de sua ação terapêutica
ser efetiva através do reforçamento de tendências e predisposições para os comportamen­
tos focalizados, isto é, os comportamentos que ele pretende estabelecer, alterar, suprimir
ou modificar, no repertório do cliente.
9.
Considerações finais
O
modo analítico comportamental funciona corno um processo de persuadimento
por caracterizar-se, fundamentalmente, pela produção, intencional, por parte do terapeuta,
de condições para a aquisição e manutenção, por parte do cliente, das habilidades neces­
sárias ao seu funcionamento efetivo nas várias inserções cotidianas de vida pessoal e
social.
Assim, pode-se concluir: a tarefa do terapeuta, enquanto persuasor, é a de criar
condições, isto é, prepor objetivos persuasivos que permitam ao cliente aprender a obser­
var e descrever seu próprio comportamento, de um modo mais acurado. Fazendo isso, o
1
Sobro comporf.imonto e co#niç« o
91
terapeuta estará exercendo influência sobre o comportamento do cliente no sentido de
levá-lo a entrar em contato com as contingências atuantes em sua vida. O terapeuta
estará, portanto, efetivando o persuadimento do cliente em direção ao seu autoconhecimento
(Lé Sénéchal-Machado, 1993 e 1997b;.Delitti e Meyer, 1995, p.272).
E para encerrar apresento a vocês uma citação muito especial de Pascal, na qual
fica muito claro quanto é fundamenta) considerarmos os comportamentos persuasivos
como um repertório funcional em muitas situações de mudança:
"A arte de persuadir tem uma relação necessária com a maneira pela qual os
homens consentem naquilo que lhes é proposto e com as condições da coisa que
se quer fazer crer. A maneira mais natural é a do entendimento, pois não se deveria
jam ais consentir senào às verdades antes demonstradas. Seja o que fo r o que se
deseje persuadir, é preciso tom arem consideração a pessoa a quem so quer p e r­
suadir, da qual será preciso conhecer o espirito e o coração. A arte de persuadir
consiste tanto em agradar quanto em convencer; de tal forma, os homens se gover­
nam mais pelo capricho do que pela razão. Assim, nunca pode ser posta em dúvida
uma demonstração natural de persuasão em que foram observadas essas circuns­
tâncias; e nunca poderão ter força as demonstrações em que faltem esses e le­
mentos. ” (Pascal, 1658)
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Sobre comport.imonlo i* rogniç.lo
93
Capítulo 11
Terapia comportamental em grupo1
M .ily P c h lti c PrisàU lioscnuinn Pcniyk
E
ste é um curso teórico-prático, no qual são realizados uma série de exercíci­
os. Apresentamos aqui apenas o conteúdo por unidades, já que seria muito extenso
descrever cada exercício, os quais variam segundo as contingências do momento e das
reações dos participantes.
- I. Introdução: Conceito de comportamento: análise funcional, comportamentos regidos
por regras e/ou controlados pelas conseqüências (Skinner).
- II. O que é terapia em grupo: relevância, eficácia, características (Yalom, Roso,
Heckel).
- III. Como funciona a T. G.
Fatores terapêuticos:
a) Universalidade.
b) Informação, caráter didático da terapia.
94
M.ily Dcllttl e Prlscil.i
Dmlyk
c) Aprendizagem interpessoal: aprendizagem pelas conseqüências.
d) Aprendizagem por observação: imitação, comportamento vicariante, antimodelos, mo­
delos simbólicos e ao vivo (Bandura).
e) Coesão do grupo.
1
Atratividade.
I
R f
Razão entre S e Punição.
- IV. Construindo as condições para a T. G. Comportamental
1. Construindo as bases para um grupo de psicoterapia
a) Avaliação de restrições clínicas
• Restrições clínicas intrínsecas: fatos da vida e coisas que não podem ser mudadas
devem ser incorporados na estrutura do grupo do modo mais terapêutico possível.
• Fatores extrínsecos: coisas que podem ser mudadas pelo terapeuta na melhor
estruturação possível do grupo, dadas as limitações intrínsecas.
b) Estabelecimento da estrutura básica para o grupo:
•
•
•
•
•
População de pacientes
Apoio da equipe de profissionais
Restrições gerais de tempo
Extensão do tratamento
Objetivo geral do tratamento
c) Formulação de objetivos específicos para o grupo
• Apropriados à situaçáo clínica
• Passíveis de serem executados dentro das restrições de tempo
• Confeccionados sob medida, de acordo com as capacidades dos membros do grupo
d) Determinação do setting e núcleo de participantes
e) Enquadram ento do tempo para o grupo:
•
•
•
•
•
Freqüência das sessões
Horário de reuniões
Duração dos encontros
Duração do grupo
Uso de um grupo aberto ou fechado
f) Decisão sobre necessidade de um co-terapeuta
g) Combinação da terapia de grupo com outros tratamentos, se indicado
Sobrr comporl.imiMtlo e cotfiiiç.lo
95
- V. A form ação do grupo
a) Seleção dos clientes
Critérios de inclusão:
• Capacidade para se desempenhar no grupo
• Motivação para participar
• Compatibilidade de problemas
• Compromisso e possibilidade de freqüentar as sessões
Critérios de exclusão:
• Incapacidade de tolerar o settinggrupai
• Agitação exagerada
• Incompatibilidade grave com algum membro
b) Clientes incompatíveis
•
•
•
•
•
Fracasso anterior em T.G.
Hostilidade à idéia de T.G.
O grupo é para objetivo social
Expectativas irreais
Comportamento maníaco, agitado, paranóide
c) Preparação dos pacientes para a psicoterapia de grupo
2.
Finalidade da preparação pré-grupo
• Explicar os princípios da terapia de grupo
• Descrever normas para o comportamento apropriado no grupo
• Estabelecer contrato sobre comparecimento regular
• Levantar expectativas acerca da utilidade do grupo
• Prever problemas iniciais e minimizar seu impacto
3.
Procedimento da preparação pré-grupo
• Ocorre durante 5-10 minutos de cada sessão em grupos para pacientes internados;
ocorre durante 30-45 minutos nas entrevistas para pacientes ambulatoriais
• Orienta paciente para hora, local, composição e objetivos do grupo
• Descreve uma sessão típica do grupo em termos claros, concretos e apoiadores
• Estabelece concordância acerca do comparecimento e acerca do comportamento apro­
priado no grupo
• Se o grupo já está em andamento, oferece uma descrição dos eventos recentes no
grupo (por exemplo: resumos escritos)
• Observa problemas comuns iniciais (sentir-se deixado de fora, desencorajado pela falta
de mudanças rápidas, frustrado por nem sempre poder falar)
96
M.ily Pelitti e IVíkí I.i Kosemtmn Dmlyk
d) 0 limite do tempo:
Tarefas do terapeuta
•
•
•
•
•
•
Garantir que as sessões ocorram em intervalos regulares e constantes
Começar e terminar cada sessão no horário
Reforçar pontualidade e assiduidade
Alertar sobre mudança de horário
Discutir abertamente as faltas e os atrasos
Fazer o "gancho" entre as sessões, dando o feedback adequado acerca das mudan­
ças comportamentais no decorrer do tempo
4. Problemas comuns na terapia em grupo
a) Presença e participação:
•
•
•
•
Ausências (funcionalidade)
Abandono (significado)
Desligamento - quando o terapeuta decide
Ingresso de novos membros: preparação e adaptação dos diferentes membros
b)Os subgrupos:
c)
Conflitos no grupo: Definição e manejo - importância da coesão
d) Clientes problemáticos
•
•
•
•
•
•
Monopolizador
Silencioso
Obsessivo
O queixoso que rejeita ajuda (“sim, mas...”)
Teórico
Borderline, cliente em surto, drogado, etc.
5. Técnicas da terapia em grupo
• Ênfase no "aqui e agora"
• Análise da transferência na T.G.
I
Validação consensual
1
• Transparência - Auto - Revelação
• Confrontação
• R ole -pla ying -e nsaio comportamental
Sobre comportamento e co#niç<io
97
• Sempre: Reforço diferencial, modelagem, modelação, etc.
i
modelagem do comportamento de "ser cliente"
• Treino em comunicação
6.
Procedimentos auxiliares
• Observadores (presente ou espelho)
• Audioteipe
• Videoteipe
• Resumos
7.
Grupos específicos
• Mulheres
• Crianças
• Adolescentes
• Casais
•H om ens
• Depressivos
•Terceira idade
• Assertividade
• Álcool e drogas
• Distúrbios alimentares: obesidade, anorexia, bulimia
• Asmáticos
• etc.
Bibliografia
GÜNTHER, B. Sensibilidade e relaxamento. Brasiliense, 1980.
HARRIS, G.G. The group treatment of Humans Problems: A Social Learning Approach.
Holt*Rinehart and Winston, 1988.
HECKEL, R V. & SALZBERG, H.C. Group psychotherapy: a behavioral approach. PrenticeHall, 1984.
ROSE, S.D. Working with adults in groups. Jossey-Bass Publishers, 1989.
VINOGRADOV, S. & YALOM, I.D. Manual de Psicoterapia de grupo. Artes Médicas, 1992.
98
M<ily líelitti f Priscild Roírm.m» Prrdyk
Capítulo 12
Problemas na terapia comportamental
infantil1
Su/tinc Schmidlin l.ohr
UfPR
... Alffiim as vezes, o terapeuta deve cons tru ir uni novo
repertório que seja eficiente no inundo em que o
paciente se encontra.
Skinner, IV 5J
A
citação de Skinner (1953) põe-nos a refletir no papel do terapeuta, trazendo
consigo inúmeras implicações, particularmente óticas, quando transportamos esta orien­
tação para a prática, especialmente com crianças. Qual seria o repertório eficiente no
mundo em que esta criança se encontra? Ou antes mesmo, quem seria o paciente? A
criança? Seus pais?
Segundo Bandura (1978), ao atuarmos sobre um determinado com portam ento e
não outro, estamos agindo de acordo com um critério de normalidade que foi culturalm en­
te estabelecido, baseado no parecer de juizes, que ao mesmo tempo são parte desta
cultura. Assim, muitas das dificuldades que nos ocorrem no trabalho com crianças estão
ancoradas em aspectos mais amplos do que na questão meramente pragmática, trans­
cendendo desta forma a idéia de intervenções específicas para problemas específicos.
Antes de abordarmos o trabalho em Psicoterapia Comportamental Infantil, precisa­
mos perceber qual o significado de terapia para os behavioristas. Skinner (1953) elenca a
psicoterapia como uma das agências controladoras, ao lado, portanto, do governo, reli­
gião, controle econômico e educação. Segundo ele, o terapeuta tem inicialmente o poder,
1Trabalho apresentado no Encontro da ABPMC em 1997, erri Santos
Sobre comportamento e co^nição
99
poder este entendido como controle da situação, visto que a pessoa em busca de terapia
está sujeita a alguma condição aversiva, encarando então o terapeuta como uma esperan­
ça de alívio para o seu sofrimento, ou seja, um reforçador em potencial. Na seqüência do
trabalho terapêutico, alguns aspectos, como a habilidade verbal do terapeuta, seu presti­
gio na comunidade, sinais de melhora do próprio paciente e outros aspectos, concretizam
o papel reforçador do terapeuta.
Segundo Skinner (1953), a psicoterapia atua especificamente nos subprodutos do
controle que estejam de alguma forma sendo nocivos à própria pessoa ou aos demais. O
controle gera respostas emocionais, dentre as quais o medo, a ansiedade, ou mesmo a
depressão. É também potencialmente capaz de desencadear comportamentos operantes
como o vício em drogas como forma de fuga, ou outros comportamentos excessivamente
vigorosos ou restritos, etc. Tanto nas respostas emocionais mais associadas ao condici­
onamento respondente como nas condutas decorrentes do condicionamento operante, a
questão do controle exercido pela cultura é evidenciado.
Das colocações anteriores, emana uma certa ambigüidade: sendo a psicoterapia
uma agência controladora, de que forma pode ser empregada como um instrumento de
auxílio no combate aos subprodutos do controle exercido pela cultura? Consideramos
que o compromisso ótico do psicólogo pode atuar coibindo abusos. Ao entender a exten­
são de seu controle sobre a conduta do cliente, o terapeuta tem condições de analisar de
forma mais objetiva a relação terapeuta-cliente e propor intervenções que permitam ao
cliente atingir objetivos produtivos.
Percebe-se, diante de tudo o que foi até aqui exposto, que dada a variedade e
riqueza do comportamento humano, não podemos ter uma intervenção padrão em terapia
comportarnental, seja ela dirigida a adultos ou crianças. Quando o cliente chega, precisa­
mos, de forma ética e com o maior grau de neutralidade possível, analisar o caso, avalian­
do as dificuldades apresentadas, suas implicações para a vida do cliente, recursos de que
dispõe para o manejo destas, para, de posse de um panorama da questão, podermos
delinear um programa de intervenção, que pode ser dirigido tanto à criança quanto a seus
responsáveis, ou a toda a família.
A definição do papel do psicólogo tem sido alvo de reflexão por parte de muitos
profissionais da área. Edwards (1991) realiza uma análise da prática clínica nos Estados
Unidos, mostrando como, desde que Witmer (um dos discípulos de Wundt) em 1896 abriu
o primeiro consultório clínico e cunhou o termo “psicólogo clínico", muita coisa se passou.
Hoje, a análise comportarnental mostra-nos quanto a atuação clínica está imbricada em
aspectos da cultura vigente. Três questões centrais (com as suas subdivisões) fazem-se
fundamentais neste sentido e devem ser perscrutadas por todos os que se propõem a
atuarem terapia:
1) o que é prática clínica; o que fazem os psicólogos clínicos e como é definido o concei­
to.
2) quais as contingências envolvidas na prática clínica, o que leva os clínicos a fazer o que
fazem do ponto de vista da perspectiva analítico comportarnental.
3) o que são metacontingências de práticas clínicas e o que as une como uma superestrutura. São questões complexas, que permanecem em alguns ângulos sem respos­
ta para os terapeutas comportamentais, os quais devem continuar procurando-as.
Voltando à prática da terapia comportarnental infantil, devemos lembrar que os pro­
blemas psicológicos nem sempre decorrem do uso excessivo da punição. Comportamen­
tos problemáticos podem estar associados à falta de um repertório apropriado para lidar
100 Su/iiiK* Schmíillin Lõhr
com as contingências com que se deparam. Assim, tanto no caso das respostas em oci­
onais decorrentes do controle como diante do repertório comportamental ineficiente, se
pretendemos refletir sobre a terapia comportamental infantil, necessitamos analisar um
outro aspecto apresentado por Franks (1983), e que coloca a criança como alvo principal
do psicólogo. Para Franks (1983), a terapia comportamental infantil só ó com preensível
se considerar as necessidades particulares, os aspectos especiais e os problemas das
crianças. Nessa busca, cita seis pontos fundamentais a serem analisados e respeitados:
princípios do desenvolvimento infantil incluindo a aquisição concomitante de dados longi­
tudinais e geração de normas; condicionamento clássico e operante; a metodologia da
ciência comportamental em geral e da análise comportamental aplicada em particular; um
modelo de intervenção que vá além da relação um-a-um do consultório, cam inhando em
direção a uma estrutura orientada a dados multidim ensionais envolvendo sistemas
interatuantes e comunidades; o reconhecimento de que a prática clínica é um campo
apropriado e relevante de intervenção; uma apreciação ativa dos direitos inalienáveis da
criança, não a considerando uma boneca ou um pequeno adulto.
Princípios do desenvolvimento infantil - Franks (1983) cita o nível de estruturação
do sistema nervoso das crianças que, por ser menos rígido e mais maleável, permite que
as crianças se tornem mais propensas a mudanças que os adultos. Mostra também
como no início da terapia comportamental infantil dados m aturacionais tiveram que ser
buscados no campo da fisiologia e da atividade sensório-motora, já que a Psicologia era
ainda incipiente. Conclui dizendo que ao trabalhar com crianças jamais podemos ignorar
as diferenças de desenvolvimento e os dados longitudinais.
Condicionam ento operante e respondente — Para Franks (1983), essas duas
modalidades de condicionamento são fundamentais no comportamento da criança e de­
vem ser alvo do trabalho por parte do psicólogo, embora não as conceba como suficientes.
O autor chama a atenção para o complexo ambiente físico, biológico, psicológico e
socioeconômico em que a criança está inserida e, concordando com Bandura (1978),
resgata o papel da modelação do ambiente sobre o comportamento. Nesta mesma direção,
Whaler e Graves (1983), falando dos eventos de contexto, mostram como, na terapia
comportamental infantil, muitas vezes os insucessos decorrem da intervenção de outras
variáveis presentes no contexto e que alteram a seqüência comportamental inicial. Par­
ticularmente, não vemos, no entanto, por que citar que tais elementos transcendem o
condicionamento operante e o respondente. Parece-nos que, quando uma variável de con­
texto altera a seqüência comportamental, estamos também falando de condicionamento
operante e na discriminação das múltiplas variáveis das quais o comportamento ó função.
Tarefa que, diga-se de passagem, não é simples, visto a complexidade do ser humano.
Metodologia comportamental científica em geral e análise com portamental
aplicada - Este é um dos pressupostos da terapia comportamental que se estende à
terapia comportamental infantil. A análise comportamental aplicada tem permitido verificar
as múltiplas variáveis das quais o comportamento ó função. Tal compreensão viabiliza
ações mais eficazes no sentido de auxiliar a criança a vencer dificuldades que atrapalham
o seu desenvolvimento normal.
M od elo e n v o lv e n d o m u ltip lic id a d e de d ado s, a b ra n g e n d o s is te m a s
interatuantes, grupos e comunidades - Conforme já citado no segundo ponto, a tera­
pia comportamental infantil, para viabilizar uma intervenção bem-estruturada e com maior
margem de acerto, deve buscar dados e pautar a atuação de forma a incluir o maior
número de sistemas interatuantes possível. Whaler e Graves (1983) mostram com propri­
Sobre comport.imento i* coflniçilo
101
edade como problemas que atingem os pais podem influenciar no comportam ento da
criança. Por outro lado, enfocando a intervenção psicológica com crianças, Silvares (1995)
aponta o modelo triádico no trabalho com crianças como uma forma de inclusão dos pais
como co-terapeutas, processar mudanças na conduta da criança.
Relevância da prática clínica (aprender fazendo) - Neste tópico, é abordada a
formação esperada por parte do terapeuta comportarnental infantil. As pesquisas e form u­
lações teóricas fornecem um corpo de conhecimento. Porém, sem o treino clínico, todo
conhecimento ó insuficiente.
Direitos da criança - Inúmeros são os aspectos que se deva levar em conta
neste sentido. A título de exemplo, uma questão que várias vezes aflige terapeutas
comportamentais infantis se refere ao fato de outros trazerem o problema da criança.
Krumboltz e Thoresen (1969) citam as dificuldades em se lidar com situações em que o
problema ó o comportamento de outra pessoa. Em terapia comportarnental infantil, verifi­
camos muitas vezes que são os professores ou os pais que encaminham a criança, por
observarem dificuldades comportamentais na criança, como agressividade, timidez, etc.
Sanfana e Gongora (1994) alertam para a responsabilidade do psicólogo na avaliação da
necessidade de intervenção psicológica, evitando, dessa forma, efeitos iatrogênicos da
terapia enquanto intervenção remediativa.
Tentando melhor perceber as dificuldades com que se depara o psicólogo em seu
trabalho clínico, propusemos um breve levantamento junto a terapeutas comportamentais
infantis no Paraná. Foram distribuídos 24 questionários, dos quais 16 retornaram preen­
chidos. Pôde-se perceber que a maioria (56%) dos profissionais tem mais de seis anos de
atuação profissional, enquanto que 25% se encontram na faixa de três a seis anos de
formados. Verificou-se também que 75% da amostra fez especialização em terapia
comportarnental em geral. Apenas 18,7% fez especialização em terapia comportarnental
infantil e, deste subgrupo, percebemos que era comum associar a especialização em
terapia comportarnental infantil com outra especialização em terapia comportarnental em
geral. Duas hipóteses surgem diante desses dados: ou a comunidade científica carece de
cursos específicos em terapia comportarnental infantil, ou a formação mais ampla em
terapia comportarnental vem suprindo as necessidades dos terapeutas comportamentais
infantis. São pontos que deixamos para reflexão.
Houve concordância em 93,7% da amostra quanto ao trabalho terapêutico infantil
dever ser sempre acompanhado de orientação para pais. Isso mostra como ó uma tônica
entre os terapeutas comportamentais infantis a compreensão da criança dentro do seu
contexto sociocultural. Infelizmente, a literatura mostra como a orientação de pais nem
sempre ó eficaz. Silvares (1995) aponta a eficácia do trabalho terapêutico via mediador
nos casos de crianças problemáticas comportarnental e emocionalmente, mas cujos pais
têm acurada percepção do comportamento real de seus filhos. Em oposição, cita que
quando as crianças têm problemas, mas a percepção dos pais está mais embasada em
seus próprios desajustamentos, em seus altos padrões de exigência, ou mesmo na sua
baixa tolerância ao estresse, a probabilidade de a orientação de pais ser efetiva é mínima.
Quanto às queixas mais freqüentes que desencadearam a busca terapêutica apon­
tadas pelos psicólogos, encontramos, em primeiro lugar, o comportamento da criança,
como ilustra a tabela 1. Nessa classe, as queixas mais freqüentes estavam relacionadas
a comportamentos agressivos e a lidar com limites e suas conseqüências. Timidez,
introversão e dificuldades de socialização também foram citados, porém em menor
percentual. Problemas emocionais, como medos, fobias, problemas de auto-imagem, etc.,
102 Su/iiiic Schmidlin Lòhr
foram evidenciados em 24% dos relatos na amostra. Finalmente, dificuldades na aprendi­
zagem escolar foram citadas num percentual de 18,8%.
Tabela 1 - Queixas apontadas por terapeutas comportamentais infantis (n=16) como as
mais freqüentes.
aprendizagem
acadêm ica
dificuldades
comportamentais
dificuldades
emocionais
N = 10
20%
N = 30
56%
N = 13
24%
Ao ser solicitado discorrer sobre as dificuldades encontradas no trabalho infantil, a
maior área de problemas parece ser quanto à adesão ao trabalho (68%). Neste tópico, são
apontados problemas pertinentes à manutenção do trabalho após alguma melhora, parti­
cipação, envolvimento e compromisso dos pais perante a psicoterapia, dentre outros.
Parece que, como terapeutas comportamentais, necessitamos estar muito atentos às
variáveis de contexto apontadas por W haler e Graves (1983), as quais têm forte impacto
na seqüência do trabalho. Por outro lado, refletir sobre a acurácia da análise funcional que
desenvolvemos é essencial para podermos estabelecer planos de intervenção que sejam
eficazes no manejo dos problemas apresentados pelas crianças. Outro ponto a ser obser­
vado com atenção está relacionado a perguntas que devemos nos propor: será que estamos
sendo suficientemente claros ao apresentar nossa análise aos pais, citando as possíveis
implicações do caso, de forma que os pais náo venham a abandonar o tratamento assim
que vivenciem as primeiras mudanças? Ou talvez estejamos com expectativas além da
realidade dessas famílias e realmente aqueles progressos atingidos eram o que a criança
e seus familiares almejavam? Estes são alguns pontos para ponderarmos e aprofundarmos
em nossos estudos, buscando cada vez mais aperfeiçoar o trabalho comportamental in­
fantil.
Outro aspecto citado por vários pesquisados prendeu-se à falta de subsídios teóri­
cos na abordagem comportamental infantil (31%), sendo que as colocações iam desde a
falta de literatura especializada, especificando técnicas ou o trabalho lúdico com crian­
ças, até problemas relacionados à falta de troca de experiências entre os profissionais.
Tabela 2 - Dificuldades no trabalho terapêutico infantil, segundo relato de terapeutas (n=
16)
adesão / compromisso
tratam ento
fundamentação
teórica
processo/
encam inham ento
21
60%
11
31,5%
3
8,5%
Percebemos, em nosso levantamento bibliográfico, como a colocação dos terapeutas
é real. A literatura na abordagem é esparsa, o que dificulta maiores trocas de estudos,
p esq u isas e co n clu sõ es. O utro fa to que ficou e vid e n te é com o os te ra p e u ta s
comportamentais têm apontado o interesse em troca de experiências. São dois elem en­
Sobrc comportamento e coRtiifào
103
tos intimamente relacionados, nos quais o interesse dos próprios terapeutas em trocar
experiências pode ser a mola propulsora de avanços na produção científica em terapia
comportamental infantil. Este é um fenômeno que estamos tendo a oportunidade de cons­
tatar no Brasil, onde os Encontros da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina
Comportamental têm fornecido a oportunidade de profissionais da área comportamental,
que atuam com crianças, de trocar experiências. As contribuições de psicólogas concei­
tuadas, como Jaide R. Nalin ou as Dras. Fátima Conte e Edwiges Silvares, têm feito com
que a área da terapia comportamental infantil seja enriquecida.
Com certeza, há muito para se fazer na área da terapia comportamental infantil.
Este ó um desafio que não podemos deixar à margem. Nós, terapeutas comportamentais
infantis, temos um compromisso com a comunidade no sentido de buscar aprim orar nos­
sas intervenções. Para tal, necessitamos desenvolver trabalhos, pesquisas e discussões
que incrementem o conhecimento na área.
Bibliografia
BANDURA, A. (1978). Modificação do comportamento.
EDWARDS, K.A. (1991). Clinicai Behavior Analysis. In Lamal. P.A., Behavioral Analysis
o f Societies and C ultural Practices, New York: Hem isphere Publishing
Corporation.
FRANKS,C. (1983). Behavior Therapy with Children and Adolescents. Annual R evie w o f
Behavior Therapy.
KRUMBOLTZ, J. & THORESEN, H, (1969). Identificação do problema em aconselhamento
comportamental. Behavioral Counseling, 7-19.
SANTANA, R & GONGORA, M.(1992). Por uma postura behaviorista no contexto clínico,
apostila mimeografada.
SKINNER, B.F. (orig.1953). Ciência e Comportamento Humano, 5* Ed. Brasileira, São
Paulo: Martins Fontes.
SILVARES, E.F.M. (1995). O modelo triádico no contexto de terapia comportamental com
famílias. Caderno de pesquisa.
WHALER, R. & GRAVES, M. (1983). Setting events in social networks: Ally o ren e m y in
Child behavior therapy? Behavior Therapy,‘\ 4,19-36.
104
7
Su .me Schm idlin L õlir
Capítulo 13
A Fantasia e o Desenho
h k ie A . Q.
L /M C
L/SP
S
kinner (1957), ao analisar o comportamento verbal, ressalta a metáfora como
uma realização especial que requer uma faculdade especial de pensamento analógico e
considera a ocorrência da extensão metafórica, quando nenhuma outra resposta estiver
disponível e, numa situação nova, na qual nenhum termo genérico pode ser ampliado, o
único comportamento eficaz pode ser metafórico.
Para Skinner (1957), as expressões metafóricas de um dado falante ou de um
escritor refletem os tipos de estímulos que mais freqüentemente controlam seu comporta­
mento; este fato ó usado para inferir sobre condições acerca da vida do escritor, mesmo
quando tais fatos não são conhecidos de outra maneira.
As metáforas fazem parte de nossa linguagem e as crianças utilizam*nas com
freqüência. Seu uso em situação de terapia tem sido amplamente observado.
A criança dificilmente relata os comportamentos a serem mudados em terapia.
Provavelmente, porque ó difícil identificá-los e, quando os identifica, parece não pretender
mudá-los; outras vezes, embora pretenda mudá-los, não deseja relatar o que acha que faz
de errado por medo de crítica e desaprovação.
Nomear os sentimentos ó uma difícil aprendizagem, pois, segundo Skinner (1953),
as manifestações públicas e privadas podem não ser perfeitamente correlacionadas. Con­
tinuando sua análise, destaca a linguagem das emoções como quase inteiramente meta­
Sobri* comportamento e cognlç.lo
105
fórica com seus termos emprestados de descrições de eventos públicos, nos quais a
comunidade e o indivíduo têm acesso aos mesmos estímulos. Porém, a comunidade não
pode garantir um repertório verbal acurado pela mesma falta de correspondência entre os
eventos públicos e privados, já mencionados.
Por outro lado, as alterações do repertório verbal são favorecidas pelos procedimen­
tos de discriminações condicionais. Catania (1998) destaca que as discriminações, como
contingências, podem ser efetivas sob algumas condições, mas não sob outras. Essas
discriminações, em que a função de um estímulo depende de outros que forneçam o
contexto para ele, são chamadas discriminações condicionais.
Nas sessões de terapia infantil, procurou-se usar como uma das intervenções o
questionamento da fantasia descrita pela criança a partir de um desenho. O objetivo era o
de estabelecer novas relações condicionais que pudessem favorecer a mudança de clas­
ses de respostas disfuncionais. Os estudos sobre equivalência de estímulos (Sidman e
Taulby, 1982; de Rose; Souza; Rossito e de Rose, 1989) foram relevantes para a com pre­
ensão da resposta relacionai complexa em humanos verbais.
Embora existam trabalhos sobre o estabelecimento dessas relações condicionais,
muito pouco se sabe sobre como essas relações podem ser modificadas (Pilgrim e Galizio,
1990).
Considerando que há poucos estudos de laboratório sobre a alteração de classes
de equivalência de estímulos e considerando que o terapeuta freqüentemente se depara
com a necessidade de alteração de classes de estímulos, procuramos obter tais resulta­
dos através do questionamento utilizado na fantasia.
Esta forma de intervenção se defronta com alguns problemas metodológicos: como
identificar a classe de estímulos; se identificada, como alterá-la e como medir as possí­
veis mudanças nessas classes de respostas, dentre outros.
Na terapia comportamental infantil, procuramos lidar com essas classes de res­
postas através das situações de fantasia e nas situações de orientação de pais.
Os pais descrevem o que gostariam que a criança mudasse baseado muitas vezes
naquilo que os incomoda; porém, nem sempre identificam os padrões de com portam en­
tos, que são importantes para o desenvolvimento da criança.
Cabe ao terapeuta identificar as classes de respostas que abrangem o problema
central, para elaborar procedimentos que possam alterar essas classes. Para isso, o
relato dos pais não é suficiente. O relato da criança, quando ocorre, também não o ó.
A fantasia e os questionamentos sobre os relatos verbais da criança sobre a histó­
ria elaborada na fantasia têm se mostrado úteis como instrumento para identificação das
possíveis classes de respostas que se formaram através da história de vida da criança,
pois esses questionamentos podem conduzir à identificação:
1) dos conceitos que se formaram através da história de vida da criança;
2) das possíveis regras que governam determinados comportamentos. Denominamos como
uma das possíveis regras um conceito classificador que nomeia uma classe de res­
postas; por exemplo “Ninguém gosta de mim” seria o conceito classificador de uma
possível classe de estímulos:
“as crianças se afastam de mim/ as crianças me batem/ as crianças saem correndo
quando eu vou brincar com elas/ as crianças me xingam/ as crianças não querem ir na
minha casa/ etc."
3) dos padrões de comportamento das personagens da história que podem fazer parte do
106 l.iideA. Q. kcgr.i
repertório de comportamentos da criança e de seus familiares;
de classes de estím ulos condicionais possivelmente sob controle de estím ulos
contextuais.
Como vamos abordar o tema da fantasia em situação terapêutica, necessitamos
efetuar uma série de considerações a respeito de seu uso na Psicoterapia Comportamental
infantil.
A fantasia descrita pela criança apresenta-se como um relato verbal de uma histó­
ria inventada e como relato verbal ela deve ser analisada. É um instrumento útil tanto na
avaliação como na intervenção terapêutica (Nalin/Regra, 1993).
Ao analisar a fantasia dentro do contexto terapêutico, procura-se também identifi­
car padrões de comportamento que se repetem em diferentes situações.
Para exemplificar, faremos uma análise de cortes de fantasia descritas na situação
terapêutica. Iniciaremos com uma fantasia feita a partir de um desenho e, em seguida,
mostraremos as relações estabelecidas com aquelas da vida diária.
Fantasia de uma criança de sete anos que apresentava uma série de medos, entre
eles, ficar em qualquer lugar sem a mãe; não conseguir dormir fora sem a mãe e também
náo permitir que a mãe saia sozinha; começou a chorar para ir à escola, não querendo
ficar na aula. Dizia ter pensamentos ruins de que alguma coisa ruim poderia acontecer à
mãe e ao pai.
Como a fantasia da criança é muito extensa, separamos trechos relacionados com
os padrões de comportamento que se pretende analisar.
Fantasia: foi solicitado um desenho em quadrinhos para a criança contar a história.
Foram destacados trechos de cada quadro. Foram mantidos os números perante as
interações para poder ser identificadas as seqüências dos trechos omitidos (1 a 9).
4)
Nome da história: Os dois elefantes selvagens
Quadro I
10. (C) Daí amanheceu e a vovó ligou pra mamãe, que ela estava superpreocupada. Que
ela (mãe) levantou, viu a cama e eles não estavam. Sabe por que ela viu a cama?
Porque ela ia dar o café da manha.
11. (T) Ela dá o café na cama?
12. (C) É. Aí a avó avisou que eles estavam lá e eles foram para o parque. A vó, o vô, a
mãe e o pai.
13. (T) E as crianças?
(T) usou o termo "crianças" em vez de elefante.)
14. (C) Todos.
Apesar de (C) ter dificuldades em ficar longe da mãe, nesse trecho, os elefantes
foram dormir na casa da vó sem ter avisado a mãe; quando a mãe descobre que eles
não tinham dormido em casa, ao ver a cama vazia, fica muito preocupada e a avó
avisa a mãe que estão em sua casa.
Quadro II
15. (C) Aqui também tava noite. Eles não queriam dormir em casa, entendeu! Queriam
dormir na vó. E a mãe não queria deixar, porque ela queria ficar um pouco com eles,
Sobro comportamento e coflniç.io
107
porque eles sempre queriam dormir na vó. Porque a mãe só dormia cedo e eles também
dormiam cedo e a vó deixava dormir tarde porque ela dormia tarde, também porque ela
não tinha sono. Aqui eles tavam indo pra casa da vó. Aqui é a escada.
(Neste quadro, elas preferiram dormir na casa da avó e a mãe não queria deixar. Apare­
cem argumentos do porquê ó melhor na casa da avó).
Quadro III
16. (C) Eles queriam ir na casa da vó. Daí, eles tavam andando, andando e eles se perde­
ram da floresta certa. Daí, eles enganaram com outra floresta. Daí, eles encontraram
uns amigos e foram pra casa da vovó e direto foram andando, andando, andando... Daí,
eles acharam a floresta certa, que tinha outro caminho para a floresta. Daí, eles foram
andando pelo caminho mais curto da casa da vovó.
Daí, eles tocaram , tum, tum, tum. A vovó abriu a porta. Daí, a vovó abriu, já estavam na
porta. Eles entraram. Vovó tava aqui, oh!
17. (T) Que legal!
(Parecem ir para a casa da vó sem permissão da mãe e se perdem. Depois, conse­
guem chegar à casa da vó).
Quadro IV
18. (C) Aqui é que começa a estória. Aqui é o quarto dele. Faz-de-conta que aqui é um
elefante. Eu fiz pessoa. Agora, fiz elefante mesmo. Tava todo mundo dormindo aqui.
Aqui tava noite. Aqui todo mundo tá dormindo.
(A criança diz que fez pessoa, mas faz de conta que é elefante. Parece contar a história
como se fosse de pessoas).
Quadro V
19. (C) Aí, aqui ó a casa da vó. Mas eles fizeram uma besteira, você vai ver que besteira que
eles fizeram. Aqui é o caminho para a casa da vó.
20. (T) Que besteira que eles fizeram?
21. (C) Besteira? Eu falei besteira?
22. (T) É. Você disse: “Você vai ver que besteira que eles fizeram."
23. (C) Porque eles fugiram.
24. (T) Por que eles fugiram?
(O comportamento de fuga significa que se foge de algo que não se gosta e procura-se
algo de que se gosta. A pergunta: "Por que eles fugiram?" procura levar a criança a
explicitar aquilo de que não gosta, do qual foge, e aquilo que procura e do qual gosta.
Leva (C) a discriminar os dois contextos).
25. (C) Porque eles gostavam... Não, eles não fugiram. Porque eles queriam dormir na casa
da vó, que eu já expliquei.
(Esta resposta pareceu difícil para (C). Inicia descrevendo do que eles gostavam, mas
interrompe-se e diz que eles não fugiram; nessa opção de resposta, fica desobrigada de
verbalizar do que eles gostam e do que não gostam; mas, em seguida, escolhe respon­
der, especificando apenas o que eles queriam, omitindo o porquê do fugir).
26. (T) Eles gostavam muito da vó?
108
27.
28.
29.
30.
31.
32.
33.
34.
35.
36.
37.
38.
39.
40.
41.
42.
43.
44.
(Diante da dificuldade da criança em explicitar de que os personagens fugiam, (T) leva
(C) a descrever o porquê de eles terem fugido).
(C) É.
(T) E o que a mãe achava deles gostarem muito da vó?
(Esta pergunta ocorre com objetivo de se estabelecer uma relação condicional: se os
elefantes gostam muito da vó e querem fugir para a casa dela porque a mãe não deixa
eles dormirem lá, então a mãe pode não gostar que os filhos gostem muito da vó).
(C) Ela achava legal por que era a mãe dela, mas ela gostava de levar eles lá; não eles
fugirem.
(A resposta da criança sugere que ela estabeleceu a seguinte relação condicional: se a
avó é mãe dela, então ela deve gostar que gostem da mãe dela. "Ela gostava de levar
eles lá, náo eles fugirem" nega a descrição anterior de que eles fugiam porque a mãe
não deixava).
(T) E por que eles não pediram pra ela levar, ao invés de fugir?
(Esta pergunta pretende confrontar as incoerências: se a mãe gostava de levá-los na
casa da vó, então eles não precisavam ter fugido).
(C ) ... (silêncio)... (Ah?) Aí, pera aí... Ah? Porque a mãe... ela falou assim... não, não.
Porque a màe demora... não, não. Era pequeno... aí... Porque a mãe... não, não é isso.
Aqui eles tavam andando de bicicleta pra casa da vó e a mãe tinha que levar eles a pé
porque ela não tinha carro. Ela não sabia que tinha essa escada e aí demorava mais,
entendeu?
(A criança fica confusa para encontrar uma resposta).
(T) E por que eles não contaram pra ela que tinha essa escada?
(C) Porque eles descobriram agora. Eles iam contar pra ela.
( T ) O que a mãe sentiu quando eles fugiram?
(T) abandona temporariamente esta sondagem e tenta encontrar outra forma de investi­
gação.
(C) Ela ficou assustada... ela ficou meio com tontura, meio preocupada, muito preocu­
pada... ela deitou... tava com febre... Aí ligaram pra ela... ela ficou mais calma.
(T) E o que eles sentiram quando fugiram?
(T) procura levar a criança a identificar possíveis comportamentos da mãe que procurem
impedir a criança de se relacionar ou gostar de outras pessoas.
(C) Eles se sentiram culpados porque eles achavam que a máe ia brigar com eles, meio
teimosos. Antes de fugir, porque eles já tinham fugido outra vez.
(C) parece estabelecer a seguinte relação: se fogem (se querem encontrar outra pessoa
que gostem, então se sentem culpados) para encontrar a vó, então se sentem culpa­
dos porque acham que a mãe vai brigar; a culpa é nomeada pela criança como medo do
comportamento de brigar da mãe.
(T) E por que eles fugiram essa outra vez?
(C) Não entendi.
(T) E por que eles fugiram essa outra vez?
(C) Por que eles fugiram nessa também?
(T) É.
(C )... Ah... Porque eles queriam uma outra vez.
(T) E porque eles queriam fugir?
(T) insiste no porquê do comportamento de fugir, procurando bloquear a fuga da respos­
ta de (C).
Sobre comportamento e cotfniçào
109
45. (C) Porque eles gostavam. Não. Não. Faz-de-conta que eles não fugiram aquela vez.
(Ao negar, (C) foge das respostas de (T )).
46. (T) Parece que eles estão sempre com vontade de fugir, né?
47. (C) É. Não. Não fugir. Eles querem sempre ir pra casa da vó, mas eles chamam de
fugir.
(Querem sempre ir pra casa da vó e parece que chamam de fugir porque a mãe náo
deixa).
48. (T) Quem você escolhe dessa história pra ser vocô, sua mãe, seu pai e seu irmão?
49. (C) Eu sou a elefantinha bebezinha, que ó uma lindinha. O outro elefante ó meu irmão,
o outro, meu primo; minha mãe - uma elefanta, a mais bonitinha - e meu pai, um
elefante. Só eu e ele somos irmãos.
O que analisar?
Que hipóteses levantar?
Que pistas investigar?
Que padrões de comportamento podem ser identificados?
Que regras e conceitos podem ser identificados?
Análise
Quadro I
Temos uma mãe superpreocupada porque os filhos não estavam na cama. Foram
para a casa da avó sem ter avisado a mãe. A avó tranqüiliza a mãe, avisando que os filhos
estão lá e vão todos para o parque.
A queixa se baseia no fato de a criança não conseguir ficar sem a mãe; não conse­
guir dormir fora sem a mãe nem permitir que a mãe vá a algum lugar sozinha.
Na fantasia, o elefante vai dormir na casa da avó escondido da mãe, deixando-a
muito preocupada.
Quadro II
O padrão de comportamento “não querer ficar sozinha" aparece como sendo da
mãe. Os filhos não querem dormir em casa, querem dormir na avó e a mãe não deixa
porque ela quer ficar com os filhos.
Quadro III
Eles vão na casa da avó sem a mãe saber e se perdem. Depois, acham a casa da vó.
Quadro V
A criança diz que fizeram uma besteira; quando perguntada, tenta negar como se não
tivesse dito.
Ao dizer que fugiram, parece estar com dificuldade de verbalizar sobre o comporta­
mento de fugir, mesmo sendo das personagens da história.
Ao dizer que fugiram porque gostavam, nào conclui seu relato e resolve negar que
fugiram; parece estar com muita dificuldade em verbalizar sobre os sentimentos das perso­
nagens, sobre o porquê fugiam da mãe para ficar com a avó.
A resposta de esquiva, evitando descrever os sentimentos das personagens, pode
estar relacionada a medos de enfrentamento de situações em que possa identificar e des­
crever os sentimentos.
110
l.ililc A . C/. Re«r.i
Os sentimentos relacionados ao fugir da mãe e procurar a avó parecem gerar senti­
mento desconfortável (culpa?), uma vez que evita descrevê-los.
Se for melhor explicitado e compreendido: posso estar magoada com minha mãe e
não com minha avó, então posso temporariamente estar gostando mais de ficar com uma
do que com outra; se esta escolha náo for punida, então o desconforto pode não ocorrer.
A mãe queria que fossem na casa da avó apenas com ela.
Embora alguns dos itens referentes às perguntas de (T) e respostas de (C) terem
sido analisados, enquanto se descreveu a fantasia, procuramos destacar aqui os itens 30,
35 e 37, para completar os comentários.
A questão 30 investiga se havia impedimento da mãe na proximidade com a avó. A
questão parece provocar uma desorganização do comportamento verbal da criança, que
coloca vários empecilhos para que a mãe vá junto na casa da avó.
Na resposta 35, sobre o que a mãe sentiu quando eles fugiram, descreve um padrão
de comportamento relatado em outras situações (na vida real): a mãe vai sair com o pai sem
os filhos e então passa mal e náo pode sair.
Na resposta 37, (C) diz que se sentiram culpados em fugir porque estavam com
medo de punição (a mãe ia brigar).
Hipóteses
A mãe se relaciona com a criança de modo menos agradável do quo a avó e a criança
queria ficar na casa da avó.
A mãe sente que perde a atenção dos filhos para a avó e tenta impedir as idas na
casa da avó, gerando a fantasia de fuga na criança, para poder ficar mais com a avó.
As formas de impedir podem ter sido através de controles sutis de comportamento, como
sinalizar com a possibilidade de se perder se sair sozinha, o que pode ter desenvolvido o
medo de ficar sem a mãe.
Pistas para levantamentos de dados
A criança tem dificuldade em ficar longe da mãe ou a mãe tem dificuldade em ficar
longo da criança?
Como é o relacionamento da mãe com a criança no dia-a-dia?
Como a mãe lidou com a separação da mãe em sua infância?
Se a criança apresenta o padrão de comportamento de “exigir" que façam o que ela
quer (exige que mãe não saia), como será seu padrão de relacionamento com as amigas na
escola?
Se apresenta dificuldade de relacionamento com amigas, fica melhor explicada a
dificuldade em entrar e permanecer na escola.
As investigações sobre relacionamento com as amigas estão contidas na seguinte
interação:
(T) Como é o recreio na sua escola?
(C) Brinco com amigas de pega-pega e esconde-esconde.
(T) Na escola, sempre tem amigas legais e amigas chatas.
(C) Tem mesmo umas chatas.
(T) O quo fazem essas chatas pra você?
(C) Não deixam eu brincar com a minha amiga Déia. Elas pensam que a Déia é só delas.
Sobre comportamento c cognição
111
(T)
(C)
(T)
(C)
(T)
(C)
(T)
(C)
(T)
(C)
(T)
(C)
(T)
(C)
Que ela não tem amiga, só elas. E a Déia tem que fingir que gosta delas, porque ela não
gosta.
Como você sabe?
Ela me contou. Um dia, minha amiga Tati foi falar com a Déia e a Di e a Fabi não
deixaram; falaram pra ela descer a escada, senão ela fala pra diretora que atrapalhou
nossa brincadeira.
E com você?
Fazem a mesma coisa.
O que você faz?
Eu conto pra diretora ou adulto que tá perto. Eles conversam com elas. A gente conta
tudo pra professora e ela discute com elas.
E o que acontece com você quando elas vêem você contando?
Elas não sabem que eu contei. Quando sabem que eu contei, elas fingem que não fez,
mas elas fez.
E o que elas pensam de você?
Que sou dedo-duro. E depois, elas falam pra Déia nunca mais brincar comigo. A Di
mostrou a língua pra Déia só porque eu tava brincando com ela.
Quem são suas amigas?
A Tati, a Ângela, a Carla, a Léia... a Paula.
E a Déia?
Também.
Plano I
(T) Então nós podemos fazer um plano pra descobrir juntas o que você pode fazer pra lidar
com as chatas.
(C) A Mariana vai falar com a Déia. A Di e a Fabi não deixam.
(T) E o que a Mariana vai fazer?
(C) Na hora da entrada, combino com a Déia que vou ficar no recreio com ela e a Di e a
Fabi náo podem saber. E nunca mais eu vejo elas. Eu converso com a Di e a Fabi
onde elas vão tomar lanche, aí eu vou bem longe delas. No fim da aula, eu falo tudo
para a coordenadora e a coordenadora vai falar em partiuclar com elas. Falo que eu e
a Tati não podem falar com a Déia, nem brincar com ela. E u só p o s s o b rin c a r co m
ela se eu b rin c a r co m as três.
(T) E por que você não quer brincar com as três?
(C) Porque a Fabi e a Di são muito chatas. E o irmãozinho dela na hora da saída fica falando
"Di" e ele corre dentro da classe e quase me derrubou um dia. Quando brinca em três,
elas são chatas, porque elas brincam com a Déia. Elas fingem que eu nem existo.
(T) Por que elas fingem que você nem existe?
(C) Porque elas não gostam de mim.
(T) Por que você acha que elas náo gostam de você?
(C) Porque eu sou muito chata. Porque elas acham que eu sou muito chata. Depois, elas
vão em outro lugar só pra brincar com a Déia e com a Fabi.
(T) Por que você acha que elas acham você muito chata?
(C) Porque da primeira vez ela nunca brincou comigo pra ver se eu era chata.
(T) E então por que ela pensa isso?
(C) Porque ela nunca brincou comigo. Elas duas. Antes, eu era amiga da Déia. Um dia,
112 J.iúlc A.
C/. Reflr.1
brinquei com elas e achei elas muito chatas. Na aula, quando divide o grupo, fica a
Mariana e a Fabi; depois, a Déia e a Di. É pior porque elas conversam muito. Quando
eu faço grupo com a Fabi, às vezes enche o saco, falando que eu não posso nunca
brincar com a Dóia. Ela fala na hora que a professora explica. E a gente tem regras na
classe: não pode conversar. A Di enche o saco da Déia, fica conversando com ela; eu
percebo isso na aula. E eu, a Tati, a Ângela e a Carla ficamos de olho nela.
(T) Pra quê?
(C) Porque depois do recreio eu encontro com a minha professora e falo tudo o que elas
fizeram durante a aula.
(T) Em que isso é bom pra você?
(C) É bom porque ela vai discutir com elas, particular, depois elas aprendem o que têm
que fazer.
(T) E tá funcionando o que a professora tá fazendo?
(C) Tá.
(T) Então elas pararam de ser chatas?
(C) Tão parando. Ontem, a gente discutiu, eu e ela (Di), discutiu que elas duas ficaram conver­
sando muito tempo na hora da aula e eu “ w"tudo; falei que ia contar para a professora.
(T) E contou?
(C) Hã, hã (confirma).
(T) E se elas parassem de ser chata com você, você gostaria de ser amiga delas?
(C) Se ela fosse legal comigo, sim.
(T) Se eu quiser que você goste de mim, eu peço para sua mãe pedir pra você ser legal
comigo e gostar de mim? E sua mãe fala: “ Aninha, seja legal com a Jaíde; Aninha,
goste da Jaíde". E você vai gostar?
(C) Não.
(T) O que eu tenho que fazer?
(C) Conversar com você de um jeito que não é para brigar.
(T) Eu percebo que você pede para um adulto resolver as coisas pra você e não está
descobrindo como lidar com a situação sozinha.
Filme 1 (situação imaginativa)
(T) Agora, vamos fazer de conta que tudo que você me contou era um filme, e agora
vamos voltar a fita e fazer um outro filme em cima desse, mas de um jeito que você
aprenda a lidar com esta situação sozinha e fique melhor pra você.
(T) Os adultos sumiram. Eu quero ver como você vai enfrentar essa. Você vai descobrir um
jeito de enfrentar.
(C) Falar pra elas serem minhas amigas, senão, se elas não forem minhas amigas, a Déia
nunca mais vai brincar com elas, nem minhas outras amigas.
(T) E como você vai segurar a Dóia e suas outras amigas?
(C) Falando de um jeito que não vou discutir.
(T) Como é esse jeito?
(C) Esse jeito ó... a gente conversa, só eu, a Di e a Fabi, só, em particular, num lugar que
não tenha ninguém.
(T) E se a Déia não quiser?
(C) Aí, vou brincar com minhas outras amigas. E eu esqueço elas na minha cabeça de­
pois.
Sobre comporf.tmeiito e corij Iç.I o
113
Filme 2 (situação imaginativa)
(T) Antes, você estava dependendo dos adultos pra resolverem pra você e agora você
depende da Dóia topar fazer pra você. Agora, você vai descobrir um outro jeito, onde
você não vai depender de ninguém e que elas fiquem gostando de você.
(C) Eu ¥£U brincar de corda quase todos os dias com elas. Ler revistinha com elas.
(T) E?
(C) Tomar lanche juntas. Depois, no dia seguinte, a gente vai ver se ela ficou minhas
amigas.
(T) Mas vai demorar mais que um dia pra elas perceberem porque podem ficar pensando
que você vai falar pros adultos. Elas precisam de um tempo pra perceberem.
(C) Eu vou falar pra elas que não conto nunca mais pra ninguém. Eu ajudo elas percebe­
rem que não vou contar. Aí, vai baixando a raiva e elas ficam minhas amigas.
Análise de comportamento com levantamento de hipóteses a partir da fantasia,
situações imaginativas e relatos de situações fora do consultório, feitos pela mãe e pela
criança.
Mâe descreve que se sente bem quando as crianças estão por perto e que as
situações em que a criança está longe fica muito ansiosa.
Mãe cede às exigências da criança acreditando que está reduzindo seu sofrimento
e que desta forma é uma boa mãe.
Mãe não gosta de jogar nem brincar com a criança; afirma que a relação está
desgastada.
Mãe afirma que criança não consegue dormir fora.
Criança afirma que quis dormir na casa de um parente que gosta muito e tem ótima
interação, e mãe não permitiu.
Mãe alega que esse parente ó desligado e ela tem medo de acidente.
Na fantasia, a criança monta uma história em que os filhos fogem de casa para ir à
casa da avó, que é mais legal, e pode-se dormir mais tarde.
Hipóteses
Parece que a mãe impede que a criança fique muito próxima das pessoas com as
quais tem um bom vínculo.
Ver a criança se relacionando muito bem com alguma pessoa pode levar a mãe a
sentir medo de perder as atenções da criança para outra pessoa.
Mãe mostra-se preocupada e utiliza-se de verbalizações que produzem medo na
criança; mãe pode ter sinalizado que se separar dela ó perigoso.
Quando convidada para dormir em outro lugar, a criança não aceita porque agora
fica preocupada em se separar da mãe (pequenos medos) e isso reduz a ansiedade da
mãe (seus desconfortos).
O problema para a mãe aparece quando os medos se ampliam e a criança não
consegue ficar longe da mãe nas situações em que a mãe "quer" ficar longe ou precisa se
afastar.
A criança fica junto da mãe, mas chorando, numa interação desagradável. Nesse
momento, o sintoma passa a incomodar a mãe.
Mas, o que a mãe quer?
114 l.iiilc A. C/. Rcjjr.i
Que situação reduziria os desconfortos da màe?
Será que a mãe quer que a criança fique independente ou apenas volte a ser m ane­
jada como antes, quando não ia para a casa da vó apenas quando a mãe não queria ficar
sozinha?
Será que a mãe quer que (C) fique sempre perto dela quando ela quer e que fique
longe quando ela quiser ou necessitar?
Nesse ponto, devemos levar a mãe a descobrir novas interações agradáveis com a
criança e identificar que a criança pode ter outros adultos reforçadores sem que a mãe
tenha perdas na interação com a criança.
A criança apresenta um padrão de comportamento semelhante ao da mãe, quando
interage com as amigas.
As duas parecem usar a mesma regra: “Você só pode gostar de mim se perm ane­
cer apenas comigo."
Parece que essa regra conduz a um padrão de comportamento que deu origem à
rede de interrelações pessoais de mãe e filha.
A fantasia, as situações imaginativas e os relatos das situações fora do consultório
parecem favorecem a compreensão da rede de relações de estímulos, auxiliando na aná­
lise dos comportamentos complexos e sugerindo novas formas de intervenções mais efetivas
que possibilitem mudar os padrões de com portamentos que podem ter originado a rede
de relações de estímulos e respostas.
Isto permanece como hipótese, uma vez que não temos dados suficientes para
demonstrar a ocorrência dessas relações e a duração das mudanças.
Porém, pesquisas nessa direção se fazem necessárias para que futuramente pos­
samos efetuar mudanças terapêuticas mais duradouras.
Bibliografia
CATANIA, A. C. (1999). Aprendizagem: comportamento, linguagem ecognição. Tradução
de Deisy das Graças de Souza.[et al.]. 4.ed. Porto Alegre. Artes Médicas Sul.
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de leitura após história de fracasso escolar. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 5,
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NALIN-REGRA, J.A.G. (1993). O uso da fantasia como instrumento na Psicoterapia Infan­
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PILGRIM, C. & GALIZIO, M.(1990). Relations between baseline contingencies and
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SIDMAN, M. & TAILBY, W. (1982). Condicional discrimination vs. matching - to- sample:
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SKINNER, B.F. (1953). Science andhum an behavior. New York, Macmillan.
(1957). Verbal Behavior. New York: Appleton-Century- Crofts.
Sobre com p ortam e n to c c o g n içilo
115
Capítulo 14
Orientação de pais, algumas propostas: um
modelo de intervenção com pais de crianças
com câncer
Su/tinc Scímmiíin l.ohr
U II'R
IA P
O
câncer infantil é considerado, em nossos dias, uma doença grave e crônica,
que pode com prom eter vários âmbitos da vida do paciente e estender sua influência às
demais pessoas do convívio do doente. Constitui, portanto, um agente estressor em po­
tencial, ao qual tanto a criança quanto o sistema familiar necessitam se adaptar (Thompson
& Gustafson, 1996, p. 8). Análise parecida é feita por Carpenter & Levant (1994, p. 122),
os quais se referem ao diagnóstico do câncer infantil como uma crise catastrófica com
implicações significativas na estabilidade e funcionamento adaptativo de todo o sistema
familiar. A ação da doença sobre a família pode ser melhor visualizada se considerarmos
a análise que Liberman (1974) fez da família, concebendo-a como um sistema engrenado
de comportamentos recíprocos.
Na busca de uma compreensão comportamental de tamanha mobilização (física,
afetiva), desencadeada pelo diagnóstico de câncer, devemos nos remeter à evolução do
tratamento na área do câncer. Constatamos que a perspectiva de cura do câncer é recen­
te. Somente a partir dos anos 60, com o advento dos quimioterápicos, alguma chance de
cura para o câncer começa a ser cogitada. Isto é, antes dos anos 60, o diagnóstico de
1 Parte da tese do doutorado orientada pela Dra. Edwiges Ferreira de Matos Silvnros
116 Su/.me Schmiillin l.ohr
câncer era sinônimo de morte iminente, constituindo, portanto, um estímulo discriminativo
para uma série de condutas relacionadas à aproximação da perda de um ente querido. A
perspectiva de cura abriu novas possibilidades, passando a reforçar condutas visando
engajar-se no tratamento, mesmo sabendo que havia ainda o risco de o tratamento não se
finalizar em cura.
Se, neste momento, a possibilidade de cura conduz à adesão ao tratamento, per­
cebe-se, também, que os quimioterápícos, ao mesmo tempo em que acenam com a
possibilidade de cura, constituem medicações fortes, que necessitam ser administradas
em altas dosagens para combater a doença. Trazem consigo vários efeitos colaterais,
muitos dos quais percebidos pelos pacientes como extremamente aversivos. Assim, uma
solução gerou novas dificuldades, surgindo a necessidade de outras condutas adaptativas
serem emitidas tanto pela criança quanto por seus familiares. Para a criança alm ejar e
atingir a cura, em alguns tipos de câncer, necessita percorrer um árduo caminho, o qual
inclui anos seguidos de tratamento contínuo (com administração ambulatorial ou hospita­
lar da medicação em média uma vez por semana); receber medicamentos fortes, os quais
podem desencadear náuseas, vômitos, etc.; ser submetida a intervenções dolorosas,
como as punções de medula óssea e lombar; ter suas atividades, tanto físicas como
sociais, limitadas em determinadas fases do tratamento, só para citarmos algumas das
conseqüências do tratamento do câncer infantil.
Para dar conta desta etapa de sua vida, a criança necessita desenvolver todo um
novo repertório comportarnental, passível de atender às demandas originadas neste novo
contexto.
Além do mais, uma criança dificilmente compreende a implicação da doença e do
tratamento, precisando de alguém de sua confiança e convívio que possa auxiliá-la a
compreender tudo o que está se passando. Considerando que os familiares, especialmen­
te os pais, tendem a ser as pessoas de maior valência afetiva para uma criança, uma das
metas do trabalho centra-se neles. Porém, precisamos levar em conta que eles estão
implicados afetivamente na situação ao mesmo tempo em que necessitam modificar suas
condutas, revendo rotinas, reavaliando prioridades, de forma a incluir as novas necessida­
des decorrentes da doença e do tratamento (ir freqüentemente ao hospital; organizar o
acompanhamento da criança em casa; dividir-se entre o trabalho e a permanência com a
criança em casa, já que ela não pode ir em algumas fases à escola, etc.).
As mudanças que o surgimento do câncer em uma criança desencadeiam no nú­
cleo familiar vão estar diretamente relacionadas a uma série de variáveis, que vão desde a
história de aprendizagem de cada um dos indivíduos deste grupo em relação à doença
grave, ao suporte social e econômico de que dispõe, até fatores em inentemente biológi­
cos, como o estágio da doença ou a duração do tratamento.
Segundo Thompson & Gustafson (1994, p. 5), crianças com doenças graves e
crônicas têm de uma vez e meia a três vezes mais riscos de problemas de ajustamento do
que seus pares saudáveis, sendo que os estes riscos parecem ser maiores naquelas
crianças cujas famílias apresentam funcionamento familiar pobre.
Diante do que foi até aqui exposto, bem como considerando a forma de análise do
fenômeno proposta pelo behaviorismo, segundo o qual toda conduta emitida reflete a evo­
lução filogenética, ontogenética e cultural, é possível compreender a importância dada
pela terapia comportarnental ao manejo que os pais tenham da situação. Como vimos, os
pais, além de serem afetados diretamente pelo câncer dos filhos, precisam rever suas
Soluc comportamento c* coguiçAo 117
necessidades, construir novas escalas de prioridades, de forma a assumir mais um papel:
o de "agentes terapêuticos" para as crianças em tratamento.
O estudo que propomos se apóia no trabalho psicológico desenvolvido segundo a
vertente da terapia comportamental, de forma que sentimos a necessidade, neste mo­
mento, de apresentarmos um breve resumo dos diferentes momentos pelos quais a tera­
pia comportamental infantil passou, para então expormos e discutirmos o “treino de pais".
Nos primórdios da terapia comportamental infantil, a ênfase do atendimento recaía
no atendimento individual da própria criança. Tal ênfase pode ser vista ao acompanharmos
a descrição da eliminação do medo de um coelho por parte de uma criança, Peter, realiza­
da por Mary Cover Jones, sob a supervisão de Watson em 1924, conforme citam Barlow,
Hayes & Nelson (1985, p. 41). Nos anos 70, outra forma de atuação junto a crianças foi
ganhando destaque. Estamos nos referindo ao treinamento de pais (Patterson, 1971).
Nesta modalidade de intervenção, os pais eram treinados em habilidades comportamentais
específicas para manejar as dificuldades dos filhos. Com Liberman (1972), a atenção do
terapeuta passa a ser dirigida para a família como um todo, analisando as suas relações
e influências recíprocas. Silvares (90/91) observa, no entanto, que até o final da década de
80 era raro encontrar aconselhamento de pais voltado para os múltiplos aspectos do
sistema familiar.
A intervenção comportamental familiar voltada ao manejo das crianças e enfatizando
a relação pais e filhos surge com maior intensidade nos anos 90, através de autores
como Sanders (1996). Para Sanders (1996), o treinamento de pais constitui uma das
formas de atuação inclusas na intervenção com portam ental familiar. A base teórica de
seu trabalho repousa na análise com portam ental aplicada, enfatizando o envolvimento
dos pais, professores ou outras pessoas significativas, na mudança terapêutica.
Um aspecto que vem chamando a atenção se refere a como, ao estarem envolvi­
dos no processo terapêutico dos filhos, os pais evidenciaram ganhos terapêuticos pes­
soais, fato constatado em estudos de Manne, Redd, Jacobsen, Gorfinkle, Schorr &
Rapkin (1990). Observações desta natureza apontam para o impacto que a intervenção
com portamental fam iliar tem em toda a família.
Seguindo a premissa de que a orientação de pais constitui uma das estratégias
englobadas pela intervenção comportamental familiar, e considerando ser este segmen­
to da intervenção com portam ental fam iliar alvo do presente trabalho, iremos a seguir
expor algum as vantagens e limitações do treinam ento de pais. Os dados abaixo foram
com pilados de estudos de McAuley (1988), Webster-Stratton (1994), Sanders & Dadds
(1993) e Rayfield, Monaco & Eyberg (no prelo).
Quanto aos aspectos positivos do treinamento de pais, verificam os que:
a) implementa a com unicação dentro da fam ília e estreita o relacionam ento pais-filhos
ao elevar os com portam entos sociais da criança;
b) em desordens de conduta na criança, a aplicação do programa de treinam ento ao
reduzir os comportamentos inadequados da criança contribui para mudanças no com ­
portamento dos pais e altera a percepção paterna do ajustam ento da criança;
c) no treinamento, os pais aprendem a alterar contingências de reforçamento que m an­
têm o com portam ento inadequado da criança;
d) quando o problema central envolve a interação pais-filhos, os resultados do treina­
mento têm sido positivos;
e) programas de treinam ento de pais em grupo podem abreviar o tempo do tratamento;
f) uma vez que, no treinamento, os pais são orientados para a generalização (aplicando
118
Su/.m e Scbm idlin l.ühr
os princípios em outras dificuldades), alguns pais demonstram grande habilidade em
lidar com outros comportam entos problemáticos de seus filhos.
As dificuldades e limitações do treinamento de pais podem ser sintetizadas em:
a) o treinam ento tem sua efetividade reduzida quando entre os fam iliares diretam ente
envolvidos há divergências quanto à responsabilidade pela criança, ou como lidar com
ela;
b) problem as conjugais, depressão materna e situação socioeconôm ica adversa têm
sido associados a casos em que não é percebida manutenção dos ganhos terapêuticos
no tempo;
c) no passado, os treinos de pais eram feitos em grupos grandes e por profissionais
com reduzido conhecim ento dos princípios, bem como restrita habilidade terapêuti­
ca;
d) dificuldades relativas à cooperação dos pais para com os terapeutas podem implicar
distância entre o que os pais dizem fazer e o que realmente fazem, com prom etendo
os resultados do treinamento;
e) para alguns pais, seguir as tarefas propostas pelo terapeuta constitui um ponto de
dificuldade que interfere no processo;
f) há um número reduzido de pesquisas analisando as estratégias propostas na orienta­
ção de pais em relação às diferentes estruturas familiares;
g) os componentes não-verbais da interação são muito importantes, mas o treinamento
de pais muitas vezes deixa de aprofundar nesta faceta, dando maior ênfase à mensa­
gem verbal, a qual, embora necessária, não é suficiente;
h) quando as dificuldades dos pais no manejo de seus filhos se deve a déficits em
habilidades gerais de com unicação em vez de apenas déficits em habilidades pater­
nas, o treino de pais pode ser insuficiente.
Em pesquisa recente (Lõhr, 1998), propôs um programa de orientação a pais de
crianças com câncer quanto ao manejo com portam ental de seus filhos ao serem sub­
metidos às intervenções médicas ambulatoriais. Avaliou os efeitos do programa desen­
volvido por intermédio de observações diretas dos comportamentos, tanto das crianças
como de seus acompanhantes, realizada por profissionais dos hospitais, treinados para
tal finalidade. Constatou que, durante o período que os pais recebiam acompanhamento
direto da psicóloga, houve nítida redução dos com portam entos inadequados tanto dos
pais quanto das crianças; intervenção, visando orientar pais no manejo da criança, atua
com maior intensidade na conduta dos próprios pais, e só de forma secundária no com ­
portamento da criança; nos momentos em que a criança é submetida a intervenções
dolorosas, o com portam ento encontra-se muito mais sob controle de contingências
aversivas, de forma que as regras passíveis de serem desenvolvidas nas sessões de
orientação não dem onstraram eficácia no controle dos com portam entos inadequados
nestes momentos.
Como podemos constatar, o treinamento de pais não é uma panacéia capaz de
solucionar todas as problemáticas infantis. Constitui, no entanto, importante instrumen­
to para o terapeuta comportam ental, desde que estejam os atentos às suas vantagens,
bem como às suas lim itações. A proposta de Sanders (1996), de que a orientação de
pais constitua uma das facetas da terapia com portam ental de família, parece ser bas­
tante rica, pois enfatiza a sua real importância, ao mesmo tempo em que toma cuidado
para não cair no extremo de colocar a orientação de pais como a solução de todas as
dificuldades comportam entais infantis.
Sol>rc comportamento c coftuiç.lo
119
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120
Su/.mo Schm úllin l.õhr
Capítulo 15
A terapia de aceitação e compromisso e a
criança: uma exploração com o uso de
fantasia a partir do trabalho com argila
C ris tin ,i </r S ou a i
Conte
CH AC/PR
A
nossa compreensão sobre o que são, o que os produz e como se deve lidar
com os nossos sentimentos tem um importante papel em nossa saúde mental.
A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), de Hayes e Wilson (1994), desen­
volvida a partir do processo de distanciamento compreensivo (Hayes e Melancon, 1988), ó
uma proposta terapêutica que tem como propósito quebrar processos de aprendizagem
desenvolvidos em decorrência dos contextos sócio-verbais presentes em nossa com uni­
dade. Tais processos levariam à não-aceitação e à tentativa de controle e esquiva de
determinados sentimentos, como forma de solucionar problemas psicológicos. Assim,
pretende-se que, ao final do processo, os clientes tenham reduzido a sua esquiva em oci­
onal e aumentado a sua habilidade de assumir e manter compromisso de mudança
comportamental. A ACT foi proposta para clientes adultos e aqui veremos a possibilidade
de sua extrapolação às crianças. Antes, porém, apresentaremos uma breve retomada da
compreensão behaviorista radical dos sentimentos.
Os sentimentos, para o behaviorista radical, são respostas que ocorrem em deter­
minadas situações, só possíveis em função de nossa dotação genética, que é produto
das contingências de sobrevivência às quais a nossa espécie esteve exposta durante o
processo de evolução. Ainda, os sentimentos de cada um em uma dada situação resul­
tam da sua exposição a contingências de reforço ocorridas durante seu processo de
Sobre comportamento e co^niçfio
121
desenvolvimento e estão sob controle de uma conjunto de estímulos ambientais atuais
(Skinner, 1974). Uma vez que sentir são reações sensoriais, (basicamente respostas de
glândulas lisas e de musculatura lisa) e que o que sentimos são, portanto, condições do
nosso corpo, (Skinner, 1989), ter ou não determinadas emoções não está em nosso con­
trole voluntário direto. O que nós podemos fazer é alterar as contingências ambientais que
os determinam, de forma que possam ou não voltar a ocorrer ou cessar. Cordova &
Kohlenberg (1994) colocam que, como as pessoas geralmente fogem ou se esquivam de
alguma coisa, quando têm emoções evocadas por estímulos aversivos e o sentimento
passa, é comum concluírem que se esquivaram do sentimento ou por causa do sentimen­
to.
Na verdade, os sentimentos podem dar dicas sobre o comportam ento presente e
as condições que o afetam , o comportamento passado e as condições que o afetaram e
as contingências que provavelmente o afetarão no futuro (Skinner, 1989). Se eles entram
em seqüências causais (relações comportamento-comportamento) que afetam, mas não
são causas finais dos outros comportamentos, a tarefa dos terapeutas seria a de identifi­
ca r as b a s e s a m b ie n ta is d e s ta s re la ç õ e s c o m p o rta m e n to -c o m p o rta m e n to
(Zettle e Hayes, 1982).
A despeito disso, segundo Hayes e Wilson (1994), a nossa sociedade estabelece
uma série de contextos verbais que alteram a nossa compreensão e dificultam nossa
"convivência" com os sentimentos. Aprendemos a acreditar que os sentimentos são a
causa dos atos públicos e que devemos controlá-los para que seu comportamento aberto
se modifique e os problemas sejam, em conseqüência, resolvidos. Aprendemos também
a responder literalmente às palavras e a apresentar e aceitar razões verbais como explica­
ções causais do nosso comportamento e, finalmente, por considerar que encobertos são
causas de comportamentos públicos, tentar sua manipulação direta.
Mais detalhadamente, Hayes e Wilson (1994) e Hayes e Melancon, (1988) expli­
cam que, no que denominaram “contexto de literalidade” , as palavras passam a significar
muito mais do que elas realmente significam e assim promovem a emissáo de com porta­
mentos desvinculados de suas conseqüências. Isso por que as palavras estão numa
relação de equivalência com outros estímulos, verbais ou não (Hayes & Hayes, 1989;
Sidman & Tailby, 1982, apud Hayes e Wilson , 1994), o que promove a transferência de
funções de um membro da rede para dos demais (Hayes, Brownstein, Devany, Kohlenberg
& Shelby, 1987; Hayes, Kohlenberg & Hayes, 1991; Kohlenberg, Hayes & Hayes, 1991;
Wulfert & Hayes, 1988 apud Hayes e Wilson, 1994). Essa relação entre os estímulos ó
estabelecida arbitrariamente pela comunidade verbal.
O outro contexto, “de dar razões", refere-se à indicação de pensamentos e senti­
mentos como causas válidas e sensatas para o comportamento público. Dependendo das
razões que as pessoas dão, a comunidade poderia aprovar ou punir a sua ação.
Desde cedo, as crianças são introduzidas na tentativa do controle experiencial,
emocional ou cognitivo, através, por exemplo, de instruções dos adultos de que controlem
seus estados afetivos negativos, do conseqüente reforçamento diante do respostas públi­
cas que indicam um possível controle emocional (exemplo: de não chorar, em caso de
machucar-se) e também por exposição à processos de modelaçáo (Hayes e Wilson,
1994).
Muitas crianças, assim como os adultos, apresentam-se na terapia tentando o
controle direto de seu medo, sua ansiedade, raiva, ciúmes ou de outros sentimentos
perturbadores que, segundo lhes ensinaram, deveriam ser suprimidos. Elas não aceitam
122
I .'itun.i C rislin .i do Sou/.i Conte
lais reações com normalidade, e, em sua tentativa de controlá-los, acabam por produzir
reações emocionais mais intensas. Em vez de ajudá-los nesta empreitada impossível, de
tentar esquivar-se de suas próprias reações, o que as levaria à perda de contato com
reforçamento e com as contingências, preferimos seguir a proposta de Hayes e W ilson
(1994), a ACT, adaptando-a aos contornos do trabalho com a criança. Na ACT, o cliente
aprenderia a avaliar seu comportamento em função das suas conseqüências e passaria
então a fazer o que funciona, o que soluciona o seu problema, em vez de procurar sentir e
pensar em coisas que o retirem do estado emocional em que se encontra.
A ACT teria as seguintes etapas:
a) desamparo criativo: onde se procuraria mostrar ao cliente que dentro do contexto
em que ele está tentando lidar com o problema não haveria solução. Na verdade, a
forma com que ele está buscando resolver (o controle de seus encobertos) é, em si
mesma, o problema. Uma vez que tal percepção ocorresse, ele deveria criar uma outra
estratégia para lidar com a questão;
b) controle de eventos privados: onde se mostraria ao cliente as contingências que o
estão fazendo tentar se esquivar de seus encobertos e quebrar seu acedimento a tais
controles;
c) discriminação entre o eu (contexto) e o comportamento: quando se promoveria a
separação entre a pessoa que se comporta e o comportamento, criando um contexto
em que se torne possível a aceitação de reações emocionais indesejáveis;
d) escolha e valorização de uma direção: em vez de procurar controlar sentimentos,
deveria alterar as ações, uma vez que os sentimentos não estão sujeitos ao controle e
que as ações apropriadas podem solucionar os problemas;
e) abandono da disputa: quando a luta do cliente com seus sentimentos será abando­
nada e, mais do que isso, ele aprenderá a aceitar os seus sentimentos.
f) compromisso com a mudança comportamental na direção relevante.
Quando os clientes passam a "debruçar-se" sobre os sentimentos dos quais antes
queriam se esquivar, o significado funcional desses eventos transforma-se ou perde-se.
Cordova e Kohlenberg (1994), também falando sobre aceitação e tolerância emoci­
onal, definem a aceitação como tolerância às emoções evocadas por estímulos
aversivos. Em muitas situações, a esquiva da situação pode ser apropriada, mas a esqui­
va ou tentativa de esquiva emocional, como já dito, esta sim é o problema. Outra esquiva
imprópria é a que ocorre por generalização imprópria, isto é, nas reações emocionais
desagradáveis, condicionadas de forma respondente, podemos sair de situações das quais
não poderíamos ou deveríamos afastar, com o risco de perdermos o acesso a fontes
importantes de reforçamento positivo. Isso também justificaria, terapeutícamente, o au­
mento da tolerância emocional nessas situações. A tolerância é definida como permane­
cer em contato com estímulos que evocam determinados sentimentos, sem lutar contra a
sua presença (Cordova e Kohlenberg, 1994).
Em nossa experiência, fizemos várias extrapolações da ACT junto às crianças,
lidando com várias emoções e a partir de estratégias lúdicas, como a argila ou a constru­
ção de fantoches, por exemplo, o que tem ajudado a tornar o processo mais dinâmico e
concreto para a criança. Além disso, a maior parte delas tem boas respostas à estimulação
fantasiosa e, a partir disso, fazem análises e alteram o seu próprio comportamento. As
funções da fantasia foram bastante exploradas por Banaco (1997) e, de maneira muito
especial, por Regra (1993; 1997 a, b), no atendimento à população infantil.
Sobre comportamento e cogniçilo
123
Em seguida, para ilustrar o processo, apresentaremos um atendimento feito a uma
criança e seus pais, dando destaque para o momento em que estratégias da ACT ocorre­
ram de forma mais intensa. Neste caso, foi usada a argila para evocar o com portamento
de fantasiar e implementar a estratégia clínica escolhida
1.
Caso clínico e ACT
1.1. A cliente
Trata-se de uma menina de 9-10 anos de idade, filha única, cursando a 4* série do
Primeiro Grau (atual Ensino Fundamental), cujos pais, empresários, trabalhavam juntos e
tinham uma boa condição financeira.
1.2. A queixa
A mãe procurou o atendimento em função do medo excessivo apresentado pela
filha. Tal medo havia se iniciado há cerca de três meses, e, nessa ocasião, ela havia tido
dificuldade para dormir. Agora, evitava ir para a cama sozinha, ficar à noite em seu próprio
quarto, permanecer em casa com a empregada, sem um dos pais, e ir dormir em casa de
amigas e parentes. Estava também ansiosa quanto ao seu próprio desem penho escolar,
que sempre fora muito bom. Ela dizia aos pais que tinha medo de ficar só, de não dormir
e pensar coisas ruins. Seu medo cessava quando estavam junto dela e, por isso, agora,
também estavam tendo que acompanhar suas tarefas escolares.
Verificou-se que os pais passavam por uma crise conjugal importante, com muitas
discussões na frente da filha e que estavam bastante incoerentes entre si. Enquanto, por
exemplo, o pai tinha atitudes que valorizavam a dependência da filha, a mãe procurava
fortalecer o contrário.
1.3. As entrevistas com a cliente e as informações obtidas através de
várias estatégias
Na sessão inicial, a paciente mostrou-se bastante falante, explicou todas as suas
dificuldades, dando suas razões do porquê estaria com medo. Relatou que, quando tinha
medo, tentava se distrair dele, pensando em outra coisa, mas que, dependendo do que
pensava, ficava mais ansiosa e então era preciso que os pais permanecessem com ela.
Com o decorrer do processo, nas fantasias que fazia sobre si mesma, apresentavase o seu ambiente como muito positivo, acolhedor, mas quando comparava sua fantasia
com a sua realidade, mostrava-se cada vez mais consciente da diferença entre ambos e
de seu empenho em ser sempre a melhor possível para não trazer problemas aos pais.
Jamais deveria decepcionar amigos, familiares e professores ou cometer erros; ao contrá­
rio, sua função seria de alegrá-los.
Atribuía os problemas familiares ao estresse do trabalho dos pais e considerava
"normal" as brigas em família: "pessoas que se gostam também brigam", dizia, conform ando-se e repetindo as falas dos adultos que a cercavam . Suas desculpas e
contemporizações impediam-na de reconhecer os "maus sentimentos" e achava que, caso
se sentisse triste, não deveria permanecer assim, nem mostrar-se a ninguém desta for-
124
l.ílim .i C risliiiti <le Sou/.i C o n lr
ma. Ao queixar-se dos pais e de seu comportamento e relatar sua tristeza com o que
presenciava, por uma sessão inteira, ficou muito ansiosa, parecia ter se traído, procuran­
do, em vários momentos e em várias sessões, “desfazer este engano", o que a terapeuta
bloqueou, ajudando-a aceitar, já aqui na relação, os seus sentimentos.
Fazer rabiscos de olhos fechados e relaxar na sessão estava difícil. Mesmo de
olhos fechados, rabiscava tentando formar figuras.
1.4. Análise do caso
Com base nessas e em outras informações coletadas, pode-se observar uma
mudança ambiental intensa, razoavelmente recente, na relação conjugal dos pais, o que
parecia ter funcionado como condição estabelecedora para ocorrência de alterações
dos seus com portam entos diante da criança e a sua incoerência.
Ainda ficou evidente que era comum nessa família, desde sempre, negar a pre­
sença de problem as, fossem eles conjugais, financeiros, ou outros, e também atribuir
as reações em ocionais indesejáveis de todos os seus membros a eventos externos à
família ou à relação e, finalmente, tentar fugir de sentimentos desagradáveis. A criança,
neste caso, estava submetida a processos de modelagem e modelação de tais padrões
com portam entais e, ainda, das auto-regras e conceitos prejudiciais que os m antinha
parcialm ente, com o, por exem plo, os de que não se pode ter problemas, não se pode
queixar de problem as, de qualquer natureza e, de maneira especial, dos fam iliares, e
assim sucessivamente, criando armadilhas insuperáveis.
Quebrar essas e outras regras provocava reações em ocionais de muita culpa, o
que pôde ser observado logo de início na sessão terapêutica, e já mencionado anterior­
mente. Além disso, como ela acabava ficando com um dos pais nos dias em que tinha
medo de dormir, era provável que eles postergassem os seus conflitos. Cessar a discór­
dia dos pais e a sua própria reação emocional desagradável poderia estar sendo um
reforço negativo decorrente da apresentação desta queixa.
Por outro lado, de fato a imprevisibilidade, tanto do comportam ento dos pais dian­
te de seu comportamento, ou mesmo dos comportamentos que teriam entre eles, pode­
ria gerar respostas em ocionais de ansiedade, alerta e dificuldade de relaxar, uma vez
que pudessem assinalar a possibilidade de rompimento conjugal, fam iliar e de ocorrên­
cia de outras conseqüências desagradáveis que ela já não conseguia mais prever ou
controlar.
1.5. O processo terapêutico
O processo terapêutico incluiu a realização desta análise com os pais e sua
orientação, o que fez com que houvessem mudanças na direção desejada.
Com a criança, por meio de várias estratégias lúdicas, buscou-se a sua com pre­
ensão sobre o que ocorria, a quebra de suas auto-regras e mesmo a alteração de com ­
portamentos indesejáveis que ocorriam em sessão (como no caso de sua esquiva em
falar de problemas, a apresentação de razões impróprias para os seus com portam en­
tos, dos pais ou mesmo de amigos) e modelar com portam entos mais "saudáveis", in­
com patíveis com os primeiros. Isso teve um bom efeito, mas houve um momento espe­
cial no qual houve uma mudança intensa dos com portam entos da criança o que clara­
mente a ACT ocorreu.
Sol*rr to m p o rl.im n ilo e cordíç .Io
125
1.6. Um momento especial de intervenção: argila, fantasia e ACT
Neste momento, a criança já estava conseguindo enfrentar muitas situações de
“medo", mas ainda tinha o "medo de ter medo". Foi-lhe proposto entâo um trabalho com
argila, que começava com relaxamento, exploração cega do material e finalmente a pro­
posta de que ela deveria moldar alguma coisa que se cham asse "O medo e eu".
O objetivo era separar o eu (contexto) e o medo (comportam ento) e ver como ela
(pessoa) se relacionava com o seu “medo", quais eventos achava que o evocava e que
outras respostas tinha na presença dele.
Ela fez um monstro e uma flor. Deu-lhe um nome, FOC; à flor, chamou de VIVI (uma
violeta). Foi pedido a ela para que fizesse os dois conversarem num lugar bem agradável,
perto de um rio. Ocorreu, entâo, o seguinte diálogo:
F - Eu nào sou tào mau assim. (Disse o monstro.)
V - Lógico que é, você dá medo em qualquer criança e qualquer adulto; quase sem rnotivo, as pessoas têm medo...
F - Eu náo faço mal; às vezes, é a imaginação que vira medo, medo não é doença, medo
tem cura e tem fim. (O monstro se defende.)
V - Medo se resolve por meio de conversa porque sempre tem que enfrentar, não pode
deixar o medo ir aumentando, pode conversar com os outros se você tem medo.
(Dizia a flor.)
F - Eu não sou mau e as pessoas ficam com medo de me enfrentar. (Disse medo.)
V - Temos um ponto de vista meio igual. (Diz a flor.)
Na sua tentativa, percebi que ela ainda pensava que o medo, em si, era ruim, e que
poderia ser resultado de fantasias sem motivo, desligado dos eventos ambientais. Ele,
enquanto sentimento, deveria ser enfrentado para que não se intensificasse. Provavelmen­
te, ela estava repetindo verbalizações já ouvidas, tentando se convencer através de suas
"razões".
A T pediu então a ela para entrar na brincadeira e ser a flor VIVI e para que fosse o
medo, de forma que ela pudesse falar mais sobre ele e ser mais "empática" com o medo,
enquanto sentimento, começando a debruçar-se sobre ele'.
VT FC VT FC VT -
Tenho medo de você. (Disse a flor.)
Não precisa ter medo de mim, eu não vou fazer nada pra você. (Diz o medo.)
Vai sim, você vai me trair, você está mentindo...
Não, eu não minto pra você, eu nunca minto...
Mente e vão acontecer coisas ruins se você estiver por perto... Eu sou muito frágil e
dengosa... (Flor)
FC - Você não precisa ser assim... (Diz o medo.)
VT - Eu gosto de ser assim e meu pai acha legal, ele gosta de mim assim... ele não briga
comigo, eu deixo a casa bonita e perfumada... (A flor)
F C - Mas nào é bom quando você crescer... você fica com mais medo, eu fico bom
grande! (Ameaça o medo.)
' OBS.; VT = terapeuta, flor e FC - monstro, medo/criança.
126
l .it im .i C m tm .i de Sou/.i Conte
VT - Mas eu me sinto mal, minhas pétalas ficam sem cor, eu fico pálida, minhas folhas
tremem e também ficam sem cor, meu caule fica mole... O que eu fa ço ? (Descreve
a flor.)
FC - Enfrentar, senão você não vai crescer... (Diz a flor.)
No diálogo, ela, com o medo, nào conseguem ajudar a flor, sua conotação do medo
era somente aversiva. Ficava presa aos argumentos da flor e a única coisa que conseguia
fazer era dizer que era preciso enfrentar o medo, tentar ser menos frágil, pois isso poderia
ser bom para o seu futuro. Eram também argumentos racionais, tentando reformular as
suas idéias com outras idéias, sem sair totalmente da armadilha do controle, mas já
começando a ficar sem saída em seu raciocínio.
Entào, a T propôs-se a trocar de lugar com ela, pensando que ela precisaria de um
modelo para mudar este padrão e sair da armadilha. Retomou a brincadeira no momento
em que ela dizia que se sentia mal, e que não era gostoso ter medo.
O medo com eça2:
T F - Eu sei que sentir medo não é gostoso, principalm ente quando a gente não sabe
muito bem do que tem medo... (O medo é empático com a flor.)
VC - E ó horrível, porque eu não sei se é verdade ou não...
TF - Puxa, e o que a sua cabeça está dizendo? Tem perigo p o r perto? (Diz o medo com
empatia e reflexão, buscando fazô*la olhar para o ambiente.)
VC - Não, porque eu sempre acabo fazendo e dando certo, nunca acontece nada, porque
eu sei o que é perigoso, minha mãe também sabe, meu pai também, todos cuidam
de mim e nunca iam me deixar em perigo... (Diz a flor, mostrando-se capaz de
avaliar apropriadamente seu comportamento em função das conseqüências.)
FT - É, mas tem algumas coisas dos pais que a gente vê e não entende, e a í vem o
medo de ninguém mais cuidar da gente. Por que os pais brigam tanto? Por que eles
estão sorrindo e de repente brigam, e fica tudo muito triste? Como eu posso saber
o que está acontecendo? O que eu posso fazer para ajudar? (T diz, relacionando o
sentimento de insegurança a um ambiente aparentemente seguro mas, na verdade,
inseguro, buscando mais reflexão, com empatia.)
VC — É... É... (Ela diz, concordando.)
FT - A í a gente faz tudo certo, sempre fica feliz, nem liga para as tristezas, mas não
adianta... (T diz, descrevendo o comportamento dela que tenta controlar seus senti­
mentos e o humor do ambiente, sem sucesso.)
VC - É, porque não é com a gente... (Diz a flor, lembrando o que já havia sido discutido.)
FT - É, mas é difícil, não é, não ser com a gente, a gente querer consertar e não poder
nem saber como eles estáo consertando as coisas... (Com empatia e reflexão,
demonstrando novamente sua impossibilidade de controle desse problema).
VC — É... (Diz concordando, suspirando).
FT - A i tem o medo, a ansiedade, o medo de ver as coisas como elas são, e m agoar o
papai e a mamãe, fazer perguntas e magoar... (T descreve seus sentim entos e
esquiva-se na situação, com empatia.)
VC - É... (Ela sempre olhando... meio parada.)
FT - A í eu, o medo, apareço, nessa hora, em outras horas, e não dá pra fazer como
7 ORS.: FT ■ terapeuta sendo o medo e VC ■ a cliente, sendo a flor, e no caso, ela mesma
Sol>n* coinport.imento e roflm ç.lo
127
VC -
FT-
VC FT VC FT VC FT -
VC FT VC FT VC FT VC -
FT -
VCFT -
VC -
128
quando tem um rato de verdade e a gente tem medo. A gente corre, sai de perto,
pede para alguém matar, ou, mais pra frente, até a gente aprende a matar, não é ? (J
quer ressaltar a diferença entre as duas situações, uma em que se reconhece e se
tem ações que podem retirar a estimulação aversiva presente, e a outra, onde isso
nâo ocorre.)
É, eu tinha medo de cachorro, agora nâo tenho mais; é claro, só de cachorros
grandes, aqueles que estão presos... Com os cães de guarda, eu não brinco... (Ela
diz, colocando-se pessoalmente dentro da fantasia, o que demonstra uma sim ilari­
dade entre o que ocorre na fantasia e o que acontece na sua "realidade” diária.)
Quando o cão bravo aparece, você me sente p or perto? Você sente o m edo?
(T diz, procurando identificar o sentimento na situação, o qual era apropriado, bus­
cando alterar a sua forma de avaliar a presença de tal sentimento.)
Sinto.
E dai, o que você faz?
Eu passo longe; se chego na casa, espero prender para poder entrar.
Nessa hora, eu estar p o r perto é ruim? (T diz buscando descaracterizar o medo
como um "mau sentimento", que deveria ser suprimido.)
Não, ó bom, porque eu nào levo mordida.
Viu? Eu nâo sou legal também? Não tenho um lado de galã, como “X ", muito sim pá­
tico ? Nâo te prote jo ? Ah! Vamos lá, eu tenho meu lado bom, adm ita!!! (T diz, desa­
fiando e brincando, relaxando, procurando fazê-la ver que o medo tem função de
sobrevivência, na busca de aumentar a sua tolerância emocional.)
É, você não é lindo como o "X ", mas é simpático, nesta hora...
E p o r que você nào se jog a da ja n e la ? D igo: porque eu estou p o r perto...
Por que você não põe a mão no fogo, quem te avisa para não por?
Porque eu sinto medo, minha mãe falava, agora tenho medo e eu nâo me queimo...
Puxa, então eu nào posso ir embora para sempre, não é? Senào...
Senào eu me machuco... (Ela admite que o medo a protege, sinalizando perigo;
portanto, não é ele que deve ser suprimido ou dele que se deve esquivar).
E o q u e você vai fazer comigo? (T pergunta para saber como ela pretende responder
a seu sentimento.)
Ver se tem perigo de verdade, se o perigo é comigo, senão, vou deixar você p as­
sar... (Mostrando que não iria se esquivar da situação, em função do sentimento,
mas sim que o sentimento a levaria a fazer a análise da possível aversividade pre­
sente na situação e daí ocorreria a esquiva ou não da situação, e não do sentim en­
to.)
O que você acha de ir ató aquele riozinho tomar uma água fresquinha, m olhar suas
pétalas, tom ar um banho gostoso e ficar sem nenhuma poeira ? Veja quantas flores
estào lá, somente relaxando, sem fazer nada, que tal? (T propõe uma ação motora
concreta: quebrar "motoramente" a esquiva, aceitar e deixar o medo passar e cami­
nhar em direção à obtenção de reforçamento.)
Legal!
Entáo vá, mas antes de ir lá, relaxar, brincar e nâo pensar em nada, você tem que
passar p o r aqui e eu estou aqui... Você tem que passar bem pertinho de mim...
Você confia? Você confia em você? E em mim? Vê algum perigo no rio?
Não, eu passo sim, as minhas amiguinhas estão se divertindo, o rio é raso e eu
posso brincar lá.
I iitim.i Cristm .i de Sou/.i C onlc
F T - E se eu aparecer p or lá? O que você faz? (T pergunta, pois a repetição poderá
fortalecer a formulação de sua nova auto-regra.)
VC - Vou ver se tem perigo ou não, senão eu olho e deixo você passar! Espero você
passar! (Diz, então, formulando sua regra.)
FT - Ótimo, e V. pode me dar um sorriso?
VC - Hum, hum...
FT - Amigos?
VC - Hum, hum.
Então, ela passa pelo medo (no caso, o monstro T) e vai brincar e jogar água.
Deixamos VIVI e FOC para pintar no outro dia. Fazemos então uma brincadeira com a
água e saímos.
Na sessão seguinte, pintamos VIVI e FOC e conversamos sobre nosso teatro e,
diante de uma série de perguntas feitas, ela apresentava respostas bastante apropriadas
sobre como estava lidando com o seu medo. Relatou também que haviam ocorrido muitas
mudanças no seu comportamento durante essa semana. Já não estava mais com medo
de dormir, nem com medo do medo, e que também decidira, espontaneamente, ir a uma
excursão de fim de semana, com a escola, e que já havia dormido na casa de uma amiga.
A terapia continuou, pois haviam muitos outros processos a analisar, tanto com os
pais como com a criança. Contudo, o “medo de não dormir”, o "medo do medo" e a esquiva
inadequada desapareceram. O enfrentamento generalizou-se também para questões es­
colares.
1.7. Considerações sobre este processo e os resultados
Nesse caso, entendemos que vivenciar o medo sem conseguir identificar o antece­
dente que o evoca impedia a criança de usar os recursos que geralmente se tem para lidar
com ele, ou seja, a fuga ou esquiva dos seus antecedentes. Não podendo escapar dos
antecedentes, tentava escapar do próprio sentimento, o que era fortalecido pela idéia de
que existem sentimentos permitidos e proibidos. A criança ainda estava desenvolvendo
critérios sobre o que é perigoso ou não e muito desse processo de desenvolvim ento de­
pendia do critério dos pais (critério este sustentado pela coerência entre suas falas, falas
e ações e as conseqüências), como ocorre para as crianças de maneira geral. Quando os
pais começaram a ter reações imprevisíveis, falas inconsistentes e incoerentes, demons­
trando a quebra de seus próprios critérios, conceitos e padrões em sua própria vida,
podem ter favorecido a ocorrência de generalizações sobre a inconsistência dos critérios
que estavam ajudando a filha a desenvolver.
Ainda, quando os pais se negavam a admitir a presença de condições adversas no
ambiente, também confundiam a percepção da criança e indicavam que não perceber
podia ser mais reforçador do que perceber. Uma vez que não identificava o que ocorria no
ambiente, a criança tentava fazer tudo o que podia para torná-lo mais agradável; contudo,
como o que ocorria envolvia contingências fora de seu controle, de nada adiantava e vinha
mais ansiedade. Nào se podia fugir, não se podia mudar, não se podia enfrentar.
Quando o medo de algo que identificamos está sob nosso controle, ele é um bom
sinal para indicar o que se pode fazer. O medo ajuda a solucionar o problema e tem valor
de sobrevivência. Então não se deve lutar para que ele, enquanto sentimento, não apare­
ça. Evitar ter o sentimento de medo, como se o pudéssemos, não é o que deva ser feito.
Sobro comport.imcnfo
e
cofliiiç.lo
129
Quando não se tem acesso aos eventos que evocam o medo, na verdade, é melhor aceitar
sua presença e deixar o medo passar, continuar "vivendo a própria vida", relaxar e aceitálo.
Após vivenciar esta situação na fantasia "concretamente", através da dramatização
com a argila, a criança passou a aceitar seus sentimentos e a falar sobre o que percebia,
sem esquivas, criando ela mesma conceitos e auto-regras, baseados em contingências
que agora percebia, com sua própria linguagem, o que, certamente, incluiu mais do que
as descrições ou instruções verbais do terapeuta ou de qualquer outro adulto.
Tal processo pareceu ter criado condições para que os novos comportam entos
apresentados na fantasia e na relação terapeuta-cliente aparecessem em situações coti­
dianas, externas ao contexto clínico, com pessoas significativas, sem que necessaria­
mente fossem dadas instruções específicas sobre isso para os pais ou à criança!
Esta estratégia já foi utilizada várias vezes com outras crianças e adolescentes,
com resultados bastante semelhantes, mostrando que a ACT é um procedim ento que
pode ser implementado com esta população com resultados relevantes. A forma e o mo­
mento para a sua ocorrência no processo terapêutico devem ser escolhidos para cada
caso.
Temos escolhido momentos em que a criança já está à vontade no processo
terapêutico, conseguindo relaxar e "não estar sob controle” , demonstrando confiança na
terapeuta. Ainda, ela parece se beneficiar mais se já apresenta uma certa habilidade para
fazer a análise de seu próprio comportamento, de maneira geral.
Essa experiência pode trazer um certo desconforto à criança, uma vez que implica
c o n fro n to e c o n ta to com s itu a çõ e s e se n tim e n to s in d e s e já v e is , m as q ua n d o
a (o) terapeuta age o mais em paticam ente possível e valoriza cada resposta de
enfrentamento por ela apresentada, o próprio desconforto e a confusão, aparentemente
causados pela quebra de idéia de que não se pode ter controle sobre os sentimentos,
tornam-se mais brandos.
O quadro abaixo procura relacionar aspectos presentes neste caso e a proposta
da ACT.
Quadro 1 -
Etapas da ACT no Processo Psicoterápico Relatado:
Etapas da
ACT
Descrição
Desamparo
criativo
130
Ocorreu em sessões anteriores, nas quais a criança:
a) pôde experim entar a discriminação do sentimento do modo o as rospostas
corporais que ele produzia, através de exercícios do auto-conhecim ento,
tam bém apoiados em desenhos;
b) verificou que nào tinha controle sobre seus sentimentos: olos aparociam
com ou sem o seu consentimento;
c) percebeu que, quanto mais tentava escapar do modo, mais o sontia o quo,
portanto, perm anecer nessa tentativa era apenas intonsificar o m anter o
problem a, através de indução à experim entação direta o à a nálise dos
resultados de suas tentativas anteriores;
Ainda pôde discriminar, através de sua observação o do dobato, antes
e mesmo nesta fantasia, que:
d) não podia ter controle sobre o relacionam ento que ocorria entro os pais
(em bora lhe parecesse possível, uma vez que quobrava ou ovitava algu­
mas seqüências de interação entre eles).
Cristina de Sou/.i Conte
Etapas da
ACT
Controle do
eventos
privados
com o
problem a
Descrição
Em sessões anteriores, ela pôde:
a) idontificar seus comportamentos de tentativa do controlo dos sentimentos
e os eventos ambientais que os determinavam;
b) os processos do m odolagem e de m odelaçáo, som ados ao controle por
rogras presentes.
As e stratóg ias foram a fa n ta s ia com de se n h o s om q uadrinhos, o
questionam ento, ontre outros.
A própria relação terapêutica, que evocou sentimentos do modo o culpa
(quando promoveu a sua fala direta sobre o problema dos pais o os sous
sentim entos), ajudou a:
a) m ostrar que o problema não era ela não conseguir se esquivar do sous
sontim entos;
b) oxpor-so a uma situação do toste do realidade sobre a possibilidade do
falar sobro eles, sem gorar mais problem as. Ao contrário, foi claro quo
sentir, admitir, falar sobre eles, ajudou-a na solução dos problemas.
Durante esta sessão,
c) a domonstração de que o modo tom valor do sobrevivência tam bém favore­
ceu para quebrar com a regra do que se deva tentar fugir dos sentimentos.
Eu, como
Contexto e
C om porta­
m ento
Aqui, nesta sessào, a argila foi especialm ente útil para promovor, do
modo concreto, evidente o imediato:
a) a s o p a ra ç ã o e n tre o e u -c o n to x to (e u = flor) e o e u -c o rn p o rta m o n to
(sentir medo, pensar medo » monstro). Elos puderam existir e interagir do
modo indopendente.
Escolha da
diroção
A fantasia do interação entre o mostro o flor ajudou a:
a) identificar os ostímulos aos quais se deveria rospondor para fazor as esco­
lhas e agir;
b) vivenciar a oportunidade de mudar suas açõos om voz de esperar que seus
sentimentos m udassem para que depois as açõos ocorressem (m ovim en­
tando-se enquanto flor).
Em vez de lutar contra o modo, a fantasia a ajudou a:
a) tornar-se "om pática” com o modo, roconhocendo-o com o um a resposta
Abandono a
hum ana importante para a sobrovivôncia;
luta com os b) dostituir o medo do sua característica aversiva, o quo doveria lovar à esqui­
sentim onva;
tos
c) elo, na vordado, seria bem-vindo o indicaria a nocossidade de avaliação;
entim, podo
d) formular uma nova auto-rogra basoada om contingências.
A clionto pôde, então:
C o m p ro m is ­ a) parar do dobator-se com os sontimontos, vorbalmonto;
so com a
b) partir para ações que a levariam a roforçamonto positivo, om nível mesmo
m udança
da fantasia (caminhar, passar polo m edo, sem esquivar-se dole o ir brin­
car).
Com relação ao "compromisso com a mudança", a cliente fez ações nesse senti­
do, na própria fantasia. Os comportamentos apresentados nesse contexto provavelmente
Solm* comportamento c cofliiiç.lo
131
faziam parte de uma ampla classe funcional de comportamentos relacionados à necessi­
dade de entender e controlar o mundo em que vivia e suas interações familiares, assim
como os seus sentimentos, uma vez que, sem instruções ou qualquer outro tipo de pro­
gramação, no intervalo entre a primeira e a segunda sessões descritas, a criança apre­
s en to u re s p o s ta s a p ro p ria d a s e in te n s a s fora d a c lín ic a . E isso já o c o rre u e m outro s
casos. A abordagem se mostra eficiente para quebrar os contextos verbais relacionados à
determinação do problema, mostrando que as aproximações da ACT e o seu uso com bi­
nado com outras estratégias, cujos objetivos sejam convergentes, devem ser explorados
por terapeutas que atendem a crianças e adolescentes (no caso relatado, temos também
alguns exemplos da proposta de Cordova e Kohlenberg, 1994, de trabalhar tolerância e
aceitação na relação direta estabelecida entre o terapeuta e o cliente). Tais experim enta­
ções levantam a necessidade da realização de investigações mais controladas sobre as
peculiaridades relacionadas ao uso deste procedimento psicoterápico junto à clientela
jovem.
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l.ilim .i C m lin .i de Souz.i Conte
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Sobre comportamento e cognição
133
Capítulo 16
Psicoterapia Analítico-Funcional: a relação
terapêutica e a Análise Comportamental
Clínica
f tUinhi Cristim < /c S o u a i C'onlc
M.iriJ 7il,ih Silv.i Hr,mdlo
Chi AC/PR
A
relação entre o terapeuta e o cliente foi amplamente estudada por todas as
abordagens psicoterápicas, incluindo a psicanalista e a humanista, por constituir-se num
elemento terapêutico e permitir observações e interpretações do com portam ento do cli­
ente. Já a abordagem comportamental por muito tempo desconsiderou a real importância
da relação terapêutica para o processo psicoterãpico. A utilização de teorias, técnicas e
conceitos da análise comportamental era considerada tão importante que a relação tera­
pêutica era vista apenas como uma instância, o “ambiente", onde tais aspectos poderiam
ser aplicados e testados. Além disso, pretendia-se que as mudanças ocorridas por meio
das técnicas usadas se generalizassem para o ambiente natural do cliente. Observe-se
aqui que o termo "ambiente natural" era usado em oposição a “ambiente terapêutico" que,
então, por dedução, não era natural.
O Behaviorismo Radical aplicado à clinica, chamado hoje Análise Comportamental
Clínica (ACC), que permitiu a melhor compreensão dos princípios e conceitos skinnerianos,
propiciou a análise da relação terapeuta-cliente e, desta forma, levou os terapeutas a
enxergarem o óbvio: a relação terapêutica como ambiente natural. Ela faz parte da vida
do cliente e na Psicoterapia pode-se ver, “ao vivo", os com portamentos-problem a que
acontecem lá fora. É claro que, caso se queira restringir o termo "problemas do cliente"
às queixas comportamentais específicas que prescindem de uma análise funcional, não
134
l.i lim
.1
C rislin.i dc Sou/.i C o n tf
t
M .iri.i Zil«ih Silv.i Urdinl.lo
se verá os comportam eníos-problema ocorrendo na sessão. Mas esse não é o objetivo
da ACC; para esse enfoque, interessa identificar classes com põrtam entais que reúnam
com portam entos que podem ser topograficam ente diferentes, mas que são funcional­
mente semelhantes ou comportamentos aparentemente iguais que são funcionalm ente
diferentes.
A definição de classes de com portamentos funcionalmente sem elhantes ó feita
pelo terapeuta, a partir dos relatos do cliente sobre a sua ação no dia-a*dia e, principal­
mente, da observação da relação que ocorre entre terapeuta e cliente, dentro da clínica,
durante as sessões. Nesse sentido, o terapeuta busca observar a regularidade entre
condições antecedentes, respostas do cliente e conseqüentes. A partir daí, infere uma
classe de ações, perante uma classe de antecedentes e uma de eventos conseqüentes.
Diferentemente dos trabalhos em ambiente controlado e em pesquisas experim entais,
esta inferência ó genuína para cada cliente e suficiente para indicar ao terapeuta qual
será o curso das suas intervenções propriamente ditas.
Contudo, para entender o "caso” do cliente e “fazer terapia", só isso não é suficien­
te. Importa também conhecer a história de vida da pessoa, pois é ela que, provavelmente,
transformou para ele alguns estímulos neutros em discriminativos ou reforçadores e m o­
delou as respostas que são mais facilm ente apresentadas por ele numa dada situação
do que em outra (repertório). Portanto, conhecer o repertório atual do cliente, a história de
aquisição de seus comportam entos e a função dos com portam entos-problem a ó im por­
tante. Tão importante quanto avaliar as condições médicas e fisiológicas do cliente que,
como eventos disposicionais, podem afetar tríplices relações de contingências (Meyer,
1997).
A generalização dos princípios do Behaviorismo Radical para a clínica e, principal­
mente, para a relação terapêutica, foi sugerida e expandida, em termos de proposta de
abordagem clínica, por Kohlemberg e Tsai em 1987, sob o nome de Psicoterapia Funci­
onal Analítica (FAP).
A FAP é um proposta psicoterápica formulada para atender a adultos e que se
propõe a ser, ao mesmo tempo, um resgate e um avanço na aplicação do Behaviorism o
Radical à terapia comportarnental. Parte do princípio de que a explicação para a m udan­
ça dos pacientes está no calor da relação terapêutica. Ela entende a terapia com o um
processo que modifica tanto o paciente quanto o terapeuta. Nesse sentido, entende que:
"a relaçào terapêutica é o próprio coração da psicoterapia, é o veiculo da m udança tera­
pêu tica ...” (Greben, 1981 apud Kohlemberg e Tsai, 1987). A FAP conduz o terapeuta a
uma relação sensível, genuína e de cuidado com seu cliente, enquanto se beneficia das
definições precisas, claras e lógicas de seu referéncial teórico.
1.
Fundamentos teórico-filosóficos da FAP
Resumidamente, descreveremos a seguir os aspectos da fundamentação teórlcofilosófica que estão presentes no processo de tomada de decisão que o terapeuta adota
na FAP:
1)
É alinhada filosoficamente ao Behaviorismo Radical. A análise clínica ó desen­
volvida a partir da análise funcional do comportamento. As características do Behaviorismo
Radical, que devem acompanhar a análise clínica, são o funcionalismo, o contextualismo,
o monismo e o antimentalism o. Os níveis de seleção da espécie são filogenético,
Sobre comportamento e co(jnlç<lo
135
ontogenético e cultural e constituem-se nos determinantes causais do com portam ento.
2) Emprega a análise funcional do comportamento verbal de Skinner (1957/1978) e
Hayes (1987,1991 e 1994).
Embora a extrapolação dos princípios da análise do comportamento com animais
seja importante, a análise da interação verbal que ocorre na prática clínica é essencial e
isso leva ã busca de compreensão do comportamento verbal, à luz das pesquisas atuais
da área. Com base nesse referencial, podem ser tomadas as decisões sobre as interven­
ções terapêuticas que serão feitas ou então analisar, a posteriori, tais decisões.
A primeira coisa que o cliente faz ao iniciar o processo é relatar o que lhe ocorre,
ocorreu ou acredita que possa ocorrer em decorrência de seus problemas, de acordo
com o grau de conhecimento que possui. Tudo o que o terapeuta precisa saber inicial­
mente, mas não tem acesso direto, lhe é apresentado pelo cliente verbalmente. O relato
verbal inclui-se, portanto, na categoria de operante verbal que Skinner denom ina tato
(Skinner, 1978). Tal operante verbal tem uma relação de correspondência c o m o
mundo externo e a precisão desta relação é resultado da maneira pela qual a com unida­
de verbal estabelece, com cada indivíduo, seu repertório de tatos. Os tatos do cliente
permitem que o terapeuta faça inferências sobre este “estado de coisas" ao qual ele não
tem acesso direto. Se uma pessoa não tem um bom autoconhecimento (e uma pessoa
pode ignorar muitas coisas a respeito de si própria), seu relato será pouco preciso.
Trabalhos recentes sobre equivalência de estímulos e form ulação de regras
mostram que o comportamento verbal afeta o comportamento verbal posterior e outros
comportamentos não-verbais.
Muitos clientes também freqüentemente falam metaforicamente nas sessões de
terapia como forma de evitar punição, e seus comportamentos requerem alguma interpre­
tação por parte do terapeuta.
3) Utiliza os conceitos básicos da análise do comportamento, com ênfase na
observação, reforçamento natural, modelagem direta dos comportamentos ocorridos na
sessão e generalização comportamental.
3.1)
Reforçamento: acredita-se que os efeitos do tratamento serão mais fortes
se os comportamentos-problema observados e as melhoras do cliente acontecerem du­
rante a sessáo, mais próximos no tempo e no espaço, do "reforçamento" apresentado
pelo terapeuta.
Outro traço da FAP é que as melhoras no com portamento do cliente devem ser
reforçadas, e se o terapeuta não souber utilizar o reforçamento natural, corre o risco de
explorar exageradamente o uso do reforçamento arbitrário e dificultar generalizações.
Desta forma, a FAP propõe a utilização do reforçamento natural, que ó contingente a uma
classe maior de respostas, além de ser necessariamente benéfico para o cliente, consi­
derando os objetivos terapêuticos.
Kohlemberg (1987) fala que o terapeuta deve ter no seu repertório os com porta­
mentos do cliente que serão reforçados, com objetivo de facilitar a observação e a discri­
minação destes na sessão, no momento em que estão ocorrendo. Ainda, deve desenvol­
ver um conjunto de respostas que tenha efeito naturalmente reforçador para muitas pes­
soas.
13Ó
M tlm u C ristina d f Sou/a C o n lf e M a ria Z ila h Silv.i Brandão
3.2) Modelagem direta: o fato de o comportamento desejado ocorrer na sessão
facilita a especificação dos passos em direção a ele; a administração do reforçam ento
contingente à sua ocorrência e a observação dos efeitos do reforçamento sobre o com ­
portamento.
3.3) Observação: é, de fato, um método importante para a identificação e a aná­
lise do comportamento e está valorizada na proposta da FAP. Quando o terapeuta obser­
va diretamente o comportamento do cliente, ele pode levantar suposições sobre o
controle de estímulos e o contexto que afeta o comportam ento do cliente na sessão e
fora dela. Contudo, o que se passa sob a pele do cliente - seu mundo privado - e que
muito interessa à Psicoterapia, só pode ser diretamente observado por ele mesmo. A s­
sim sendo, é o cliente que, de alguma forma, precisa se observar e expressar-se apropri­
adamente, para dar ao terapeuta o acesso ao seu mundo privado. E necessário que o
terapeuta encoraje o cliente a se auto-observar e a falar sobre o que ele está vendo,
relacionando o que ó privado com aquilo que ó publicamente observável, no momento da
sessão. Tal processo de observação ó desejável no Behaviorismo Radical. Na verdade,
o terapeuta repete aqui, com o cliente, os mesmos processos utilizados pela com unida­
de verbal em geral, para modelar a fala sobre eventos privados.
3.4) A questão da generalização: se o comportam ento problemático de um
cliente ocorre na sessão terapêutica, que aparentemente não representa o ambiente
natural do cliente, é porque ela guarda uma similaridade funcional com o ambiente de sua
vida diária. Por exemplo, um homem que apresenta problema de hostilidade em seus
relacionamentos pode mostrar que o contexto terapêutico é sim ilarm ente funcional ao
seu ambiente diário, ao apresentar hostilidade em várias situações de sua relação com o
terapeuta. Se os comportamentos que ocorrem no dia-a-dia do cliente também aparecem
na clínica, o mesmo pode ocorrer em direção contrária; isto ó, os com portam entos que
aparecem em sessão poderão aparecer também no dia-a-dia do cliente.
Além disso, a FAP propõe momentos em que a relação entre o comportam ento do
terapeuta e do cliente é discutida francamente, em benefício do cliente, momento este
em que também ocorre a busca de sua correspondência entre a relação ali estabelecida
e as demais que o cliente estabelece fora da clínica. Essa é, portanto, uma oportunidade
para o desenvolvimento dos comportamentos de auto-análise e autogerenciamento que o
cliente pode utilizar em várias situações de sua vida.
4)
Trata-se de uma psicoterapia interpessoal, que tem como objetivo ajudar os
clientes a resolver os problemas de suas vidas diárias que também acontecem durante
as sessões. Considera que a sessão terapêutica ocorre num contexto de um relaciona­
mento interpessoal e evoca muitos comportamentos-problema do cliente, os quais repre­
sentam suas dificuldades nessa área. O limite, portanto, para o uso de FAP, está na
abordagem a problemas clínicos que estejam ligados ao contexto de relacionam entos
interpessoais.
O setting terapêutico é definido por duas pessoas que falam sobre os problemas
de um deles, num contexto interpessoal que requer intimidade, revelação, confiança e
honestidade. Para que essas características existam de fato, devem ser excluídos do
contexto todos os estímulos associados à avaliação, rejeição ou punição social. Isso
Sobre comportamento e cogniçüo
137
aumenta a probabilidade de que uma variedade de comportamentos relevantes dos clien­
tes apareçam nesse contexto (Skinner, 1953,1957).
Presumivelmente, os clientes desejam comunicar seus problemas e interagir ho­
nestamente com o terapeuta, mas podem não se arriscar a fazê-lo diretamente, no início.
Como Skinner (1953,1957, apud Kohlenberg e Tsai, 1987) sugeriu, este ó exatamente o
tipo de situação que evoca a comunicação metafórica ou disfarçada e que requer alguma
interpretação, como já mencionado antes. O terapeuta deverá analisar a interação, pro­
curando entender a função e o significado daquela fala, a partir das contingências de
reforçamento que operam no contexto terapêutico.
A FAP considera que os problemas dos cliente, mais freqüentes em clínica, são
conseqüências de um história de fuga ou esquiva de situações interpessoais aversivas
que podem ser desencadeadas a partir da relação terapêutica. Nesses casos, é papel
da FAP promover, na sessão, o bloqueio de esquiva de situações interpessoais aversivas
e a aceitação das reações emocionais associadas a ela. Espera-se, assim, levar à extinção
das respostas emocionais associadas às situações aversivas condicionadas.
2.
Proposta clínica da FAP
A FAP propõe a análise da relação terapêutica como "foco" da Psicoterapia e
ocasião ideal para a utilização dos princípios e técnicas da análise com portam ental. A
análise da relação terapêutica é a principal estratégia de mudança.
Kohlemberg e Tsai (1987) sugeriram o agrupamento dos comportamentos do clien­
te e do terapeuta nos seguintes tópicos:
1) Comportamento clinicamente relevantes do cliente (CRBs) que podem aconte­
cer durante a sessão. Esses são os com portamentos-alvo da Psicoterapia:
• CRB1 - Instâncias do com portamento que acontecem durante a sessão tera­
pêutica e que são ocorrências do problema clínico. Os C R B sl mais típicos estão sob o
controle de estímulos aversivos e consistem em esquiva dessas situações. As desor­
dens do com portamento são geralmente observadas como estados em ocionais negati­
vos, que trazem sofrimento para as pessoas.
• CRB2 - Repertórios cuja ausência ou pouca força estão diretamente relaciona­
dos com o problema presente. Na medida em que os C R B sl são trabalhados, há uma
tendência de aumento na freqüência desses comportamentos (CRBs2), o que geralm en­
te indica melhora. Tais com portamentos serão modelados no decorrer da terapia.
• CRB3 - São repertórios verbais do cliente que correspondem a seus próprios
com portamentos e às variáveis que o controlam (ou que os “causam ”). Referem-se aos
c lie n te s fa lan d o de seu próprio co m po rta m e n to e dos e stím u lo s re fo rçad o re s,
discriminativos, disposicionais e eliciadores associados a ele. É a aprendizagem da aná­
lise funcional. Inclui dar razões e interpretar o próprio comportamento (aberto ou encober­
to) com base nos eventos externos.
2) Regras do terapeuta ou estratégias para promover as mudanças no com porta­
mento do cliente.
A FAP oferece uma classificação para o com portamento do terapeuta em termos
de regras gerais e não conselhos específicos.
O terapeuta deverá:
138
M tim .i C riitin .i d f S o u m Conte
e
M .iri.i Z ild li Silv.i Br.md.io
Regra 1 - (Observar) Desenvolver um repertório para observar possíveis instânci­
as do com portamento do cliente (CRBs) que acontecem durante a sessão terapêutica.
Regra 2 - (Evocar) C onstruir um ambiente terapêutico que fomente a evocação
de comportamentos do cliente (CRBs). É inútil tentar criar um ambiente neutro. A relação
interpessoal é evocadora de CRBs, mas também existem estratégias para evocá-los.
Regra 3 - (Reforçar) Criar condições para o reforçamento positivo do CRB2, isto
é, desenvolver amplo repertório de reforçamento natural que possa ser utilizado contin­
gente ao comportamento adequado do cliente.
Regra 4 - (Auto-observação) Desenvolver repertório de observação das proprie­
dades potencialmente reforçadoras do comportamento do terapeuta que são contingen­
tes às ocorrências do com portamento clinicamente relevante do cliente. R esponder a
perguntas do tipo "O que agrada ao meu cliente?", "O que faço que o deixa alegre, feliz ou
triste?".
Regra 5 - (Analisar) Desenvolver repertório de descrição das relações funcionais
entre as variáveis controladoras e o comportam ento clinicam ente relevante do cliente.
D ar m o de lo s de a n á lise s fu n cio n a is que levem o clie n te à a p re n d iz a g e m do
autoconhecimento. Modelar auto-análises.
3. Psicodiagnóstico na FAP
Os trabalhos desenvolvidos na clinica fundamentam-se num psicodiagnóstico di­
nâmico, construído e reformulado durante todo o processo psicoterápico e que sugere,
em diferentes momentos, análises e intervenções diversas, mas sempre em basadas na
análise funcional dos comportamentos do cliente.
Para efeito de descrição do processo clínico, o psicodiagnóstico na FAP pode ser
assim explicitado:
1) Queixa: é o comportamento identificado e descrito pelo cliente como "o motivo que o
levou a procurar terapia". Geralmente, refere-se a sentimentos dolorosos para os quais
o cliente busca uma resposta efetiva de fuga ou esquiva.
2) Histórico de vida: ó a descrição dos eventos ocorridos no decorrer do desenvolvi­
mento do cliente, desde antes do seu nascimento até o momento da terapia. Incluemse aqui dados relativos à história familiar, social, escolar, conjugal, sexual e às reações
emocionais associadas a elas.
3) Com portamentos atuais: parte-se da descrição da vida do cliente, hoje. Sua rotina,
seus interesses e seus sentimentos. Inclui a análise de eventos presentes na época
do início da queixa e os fatores que a podem estar mantendo.
4) Hipóteses diagnósticas: é o comportamento do terapeuta de ir relacionando os rela­
tos do cliente sobre seu passado e presente às queixas que apresenta hoje, à luz dos
princípios teóricos e filosóficos da análise com portamental e, dessa forma, levantar
hipóteses sobre o problema (entendido como tríplice relação de contingência) do cli­
ente. Os problemas são classes de comportamentais constituídas de com portam en­
tos que vão sendo identificados no decorrer do processo.
5) Análise da relação terapêutica e identificação dos com portam entos clinica­
mente relevantes: nesse momento, o terapeuta debruça-se sobre a relação terapeutacliente e tenta discernir que comportamentos do cliente fazem parte das classes
comportamentais identificadas até o momento, a partir da análise do seu próprio com ­
Sobrc comportamento c cofliiiçfio
139
portamento. Com relação aos CRBs, o terapeuta pode estar agindo, segundo
Kohlemberg e Tsai, como:
a) Estímulo Discriminativo (provocando o operante);
b) Estímulo Evocador (evocando respondentes);
c) Estímulo Reforçador (interferindo na força de uma resposta);
d) Evento Disposlclonal (alterando relações de contingências).
O terapeuta hipotetiza sobre como ele afeta o comportam ento do cliente a partir
de observações diretas e de questionamento sobre os sentim entos do cliente diante
dele. Nem sempre esses questionam entos são apropriados a uma fase inicial da
terapia porque podem produzir confrontações precoces e indesejadas.
Esses dados podem corroborar as hipóteses levantadas no item anterior ou po­
dem não sustentá-las, sendo necessário, no último caso, refazer a análise. Se as
análises são complementares, é possível começar a identificação dos prováveis com ­
portamentos clinicamente relevantes.
6) Descrição dos C R B sl em term os claros e precisos, de form a a facilitar a ob­
servação dos com portam entos no decorrer da terapia. A descrição deve ser
discutida com outros terapeutas e ser testada no decorrer da psicoterapia, para saber
quais novos com portamentos podem estar incluídos nas classes.
7) Listagem dos CRBs2 e 3, isto é, dos com portam entos do cliente que indicam
melhora clínica e aquisição de autoconhecim ento. Essa listagem pode facilitar
a observação desses comportamentos no momento em que ocorrem.
5.
Procedimento clínico
No início do processo terapêutico, os procedimentos da FAP não são muito diferen­
tes dos outros, mas, uma vez que o terapeuta tenha alguma idéia sobre o problema e as
variáveis que o controlam, começa a buscar uma classe comportarnental e comportamen­
tos dessa mesma classe que ocorrem na sessão. Passa, então, a perguntar ao cliente
sobre seus sentimentos, ações, sensações e pensamentos na sessão, bem como sobre a
similaridade entre tais respostas e aquelas que ocorrem em outros ambientes. Assim, o
próprio cliente ajuda a identificar os CRBs e a validar as observações do terapeuta. A
identificação dos comportamentos do terapeuta (sentimentos e pensamentos) desperta­
dos pelo cliente é o dado que complementa a análise.
Inicia-se, então, a FAP, que pode ocorrer associada a outros procedim entos
terapêuticos ou como procedimento único; ter foco momentâneo ou dominar todo o proces­
so desde esse momento. O terapeuta observa então a disposição do cliente para o
enfrentamento e passa a fazer, junto a ele, a análise dos determinantes de comportamen­
tos relevantes ocorridos em sessão e a modelar respostas novas de enfrentamento, entre
outras, também adaptativas.
A análise da relação terapêutica junto ao cliente deve ser desenvolvida com cuidado,
por se tratar de um procedim ento que pode produzir comportamentos operantes e
respondentes no cliente e levar a comportamentos de fuga e esquiva. Oliani, S.; Brandão,
M. Z. S. e Nascimento, A. B.(1997) propuseram um detalhamento dessa intervenção com
o objetivo de facilitar o uso desse procedimento nas práticas clínica e de pesquisa. Assim,
quando da ocorrência dos comportamentos clinicamente relevantes (CRBs), descritos an­
teriormente no psicodiagnóstico do caso, o terapeuta deverá, junto ao cliente:
140
l.ilim .i C riítin .i d f S o u í .i C o n lr c M .iri.i Zil<ili Silv.i Hr.md.lo
1) Sinalizar a ocorrência do comportamento (CRB1) do cliente para ele mesmo, por meio
de uma observação verbal ou pergunta. Vamos imaginar um caso onde o cliente, um
rapaz de 28 anos, apresentava dificuldade relativa a nunca terminar o que começava e a
mudar continuamente de trabalho e namorada. Esse cliente passava grande parte da
sessão descrevendo as desvantagens do seu atual emprego. O terapeuta poderia dizer,
por exemplo: “Você percebeu que até agora só me mostrou as conseqüências negati­
vas de continuar nesse emprego?"
2) Interpretar, segundo o contexto da sessão o que a verbalização do cliente, aparente­
mente sob controle de eventos alheios à sessão, tenha a ver com a relação terapêutica
do momento. Ex.: considerando o mesmo caso, o terapeuta diria: "Parece que você
quer mo convencer de que seu emprego é ruim. Estaria você me preparando para acei­
tar uma nova mudança de emprego?", "Está com medo de me decepcionar?"
3) Perguntar ao cliente como ele está se sentindo perante a análise do "aqui e agora" da
relação terapêutica. Ex.: dando continuidade ao caso mencionado acima, "Como você
se sente ao saber que estou entendendo suas argumentações como desculpas?"
4) Descrever para o cliente a reação que ele provoca no terapeuta. Ex.: "Perante tantos
aspectos negativos, eu me sinto como se fosse compelida a também achar seu atual
emprego ruim, e perco de vista as vantagens de continuar lá. Mas o mais importante ó
que sinto que isso ó um jogo seu para evitar confrontos."
5) Sugerir e modelar a compreensão e a generalização dessas análises pelo cliente para
outras situações que tenha vivenciado ou outros aspectos da relação terapêutica. Ex.:
"Você já se sentiu assim, como eu, nessa ou em outras situações de sua vida? Como
se estivesse jogando? Agora, por exemplo, você já está com vontade de mudar de
assunto e impedir uma análise mais profunda de suas intenções? Ou quer enfrentar o
problema?"
6) Modelar diretamente na sessão, via reforçamento natural, os comportamentos do cli­
ente que indicam enfrentamento de situações aversivas e mudança apropriada no seu
repertório comportamental (CRB2). Ex.: perante a verbalização do cliente de que con­
corda com a terapeuta e que está sentindo necessidade de acabar com esse
questionamento e com o emprego atual porque não sabe o que fazer para resolver os
problemas que existem lá, o terapeuta poderia dizer: “Que bom que você está conse­
guindo analisar melhor esse assunto! Você conseguiu captar a essência do que eu
queria te dizer. Acho que isso significa uma melhora para você! Vamos enfrentar as
diliculdades que você tem aqui e no seu emprego atual; depois, você decidirá se haverá
mudança."
7) Reforçar comportamentos do cliente de fazer análises funcionais "realistas" relativas a
suas mudanças comportamentais na sessão e no seu dia-a-dia (CRB3). Ex.: "Estou
percebendo e gostando de ver como você está observando suas próprias mudanças. É
bom se conhecer melhor? As coisas estão tendo mais significado para você?"
5.1.
Observações sobre o procedim ento clínico
É com um o cliente tentar se esquivar ou fugir da análise da relação terapêutica.
Nesses casos, ó importante um procedimento de "bloqueio de esquiva", mas o terapeuta
deve ter ações que sejam reforçadoras, contrabalanceando a aversividade desse procedi­
mento. No processo de bloqueio de esquiva, o terapeuta deve ter o cuidado de não blo­
quear toda e qualquer esquiva por que bloquear ó um comportamento aversivo e acarreta
Sobre comportamento e cogniçdo
141
todos os efeitos associados a ele. No entanto, ó objetivo do trabalho aum entar a tolerân­
cia emocional perante a confrontação’ . O procedimento de bloqueio, quando muito agres­
sivo, pode levar à esquiva da terapia, à agressividade generalizada e à esquiva do com ­
portamento desejável, em vez de promover tolerância emocional. Por outro lado, parado­
x a lm e n te a fro u x a r o b lo q u e io p o d e a u m e n ta r a fo rç a d a re s p o s ta d e e s q u iv a e o e s tím u lo
am edrontador pode aumentar sua função de produzir ansiedade.
Fazer a análise funcional do seu próprio comportam ento no m omento em que ele
ocorre é importante para o autoconhecimento e pode gerar auto-regras mais efetivas e
aum entar o contato com variáveis de controle2. A análise da interação permite ou é con­
seqüência do enfrentamento de situações-problema, principalmente as ligadas ao relaci­
onamento interpessoal.
Ainda em relação ao procedimento clínico, é importante ressaltar que a observa­
ção dos CRBs ó difícil para os terapeutas. Na prática de supervisão clínica relatada por
Brandão (1996), há referência à dificuldade em se conseguir consenso entre profissionais
sobre quais seriam os CRBs e, a partir dessa definição, observá-los na relação terapêu­
tica. Acredita-se que o terapeuta pode encontrar dificuldades devido a alguns fatores,
como:
a) déficit no treinamento em observação;
b) náo possuir o comportamento a ser observado no seu repertório;
c) esquiva da situação de confronto;
d) não reconhecer comportamentos funcionalmente semelhantes;
e) ficar preso a análises topográficas ou estruturais do comportam ento do cliente.
Há ainda, em alguns raros casos, a possibilidade dos CRBs não estarem ocorren­
do na sessão. Nesse momento, cabe ao terapeuta evocá-los por meio de estratégias
verbais que visem a amplificação dos sentimentos do terapeuta e do cliente na sessão,
ou por meio de técnicas comportamentais que forneçam SDs ou evoquem os com porta­
mentos clinicam ente relevantes. Por fim, a espera e a escuta do terapeuta é uma estra­
tégia de valor inesgotável.
6. Análise dos Resultados
Na FAP, os resultados podem ser observados pelo terapeuta na própria sessáo de
psicoterapia. Espera-se um aumento na freqüência dos CRBs2 e CRBs3 e dim inuição
ou modificação nos C R B s l. Vê-se portanto, que a definição prévia desses com portam en­
tos é da maior importância.
Interessa também para avaliação os relatos sobre o cliente e sobre a generaliza­
ção dos efeitos da psicoterapia para o dia-a-dia.
O bservações informais do cliente fora da sessão também são importantes.
Como dito anteriormente, grande parte dos comportamentos*problem a dos clien­
tes constituem-se em esquiva de relações interpessoais consideradas aversivas. A rela­
ção terapêutica reproduz com freqüência essas situações. Considera-se que o resultado
do processo terapêutico ó positivo quando o cliente tem comportamento de enfrentamento
dessas situações na sessão. Observa-se assim uma habilidade maior em lidar com
aspectos dos relacionamentos interpessoais que anteriormente provocava a esquiva.
142
f cM/m.i C ris tiih i <le Sou/.t C o n te e M .ir u t Z ih iU Sllv.t !
7. A aplicação à população infantil
A FAP e outras formas de análise da relação terapêutica têm sido usadas com
crianças e adolescentes, com resultados promissores. Essa população tem apresenta­
do os CRBs na sua interação com os terapeutas, se modelados, evidentemente, a partir
do seu nfvel de desenvolvimento atual.
O exemplo a seguir ilustra, com o relato de uma sessão realizada com uma crian­
ça, tal possibilidade.
Cliente: Aletêia é menina de 9 anos de idade, cursa a 31 série do Prim eiro Grau
(atualmente, Ensino Fundamental), tem os pais separados e mora com a mãe.
A queixa: dificuldades escolares, desorganização de rotina, alim entação errada,
dormir com a mãe, reclamar demais, desânimo, choro freqüente, e dificuldade com am i­
gos. A avaliação psicopedagógica não indicou distúrbios de aprendizagem.
1) A observação da terapeuta do CRB1
A terapeuta observou que Aletéia tinha um comportamento de resmungar (CRB1),
em vez de lidar diretamente com os problemas, ou queixar-se quando não concordava
com alguma coisa (CRB2). Isso ocorria de maneira geral com amigos e fam iliares.
Sua mãe era um modelo nesta direção e também reforçava tal com portam ento da
criança, fazendo qualquer coisa que ela quisesse (uma vez que nem mesmo a criança
identificava muito bem o que queria), fazendo cessar a “resmungação". Como a crian­
ça se queixava anteriormente da pouca participação e atenção da mãe aos seus
problemas, qualquer forma de atenção poderia estar fortalecendo o com portam ento
"resmungão".
2) Uma sessão de FAP
OBS.: Esta sessão ocorreu após cerca de oito meses de atendimento à criança
e de orientação aos pais. Várias outras estratégias haviam sido utilizadas e, na épo­
ca, a criança já fazia uma rotina melhor, realizando suas tarefas todos os dias,
freqüentando outras atividades extraclasse de sua escolha, comendo regularmente,
mas ainda tinha dificuldade com amigos. Já havia aprendido a falar sobre seus senti­
mentos, relacionando-os às situações em que ocorriam, a identificar as reações dos
pais perante seus comportamentos, a levantar hipóteses sobre que comportamentos
seus ou outros eventos poderiam estar relacionados ao com portam ento dos pais.
Enfim, vinha fazendo a análise de seu comportam ento em várias situações, com a
ajuda da terapeuta. Provavelmente, a terapeuta estava usando a FAP de modo infor­
mal nessa etapa.
A criança chegou reclamando de vir andando, das pernas, da preguiça e de tudo
mais, e suspirando. Fez "dez reclamações çíq (com) cinco suspiros num prazo de
dois minutos", enquanto T estava terminando uma anotação para a secretária. T co­
mentou "quanta reclamação" e um rapaz presente na sala comentou, brincando: "nun­
ca vi tanta reclam ação duma vez s ó !"Ela riu e parou. T percebeu que o "resmungar"
(CRB1) poderia aparecer em sessão, naquele dia.
A criança entra: (1)
(1) —T —Oi, bonequinha, como vai você? (Procurando evocar o "resm u n go "-C R B 1 .)
(2) - C - Tudo mal, chato (desanimadamente). (Ok, começa a aparecer o C R B 1.)
Sobre comportamento e cognição
143
(3) - Eu vi v o c ê c h e g a r re c la m a n d o m il c o is a s ... o m o ço ta m b é m .
(T continua a evocar o CRB t , de forma que ele fique bem claro para eía e a cliente.)
(4) - C - É... (baixo e desalentado). (Ok)
(5) - T - Puxa vida, reclamou bastante... Acho que agora vi aquela reclamação que todo
mundo fala que você faz... (Idem)
(6) - C - (Ri, deitada no sofá, desalentada)...
(1) T = Terapeuta e C= Cliente
(7) - T - É assim, então? Você, um monte de coisa ao mesmo tempo, baixinho, resm un­
gando, tudo junto... tudo tá mal? (T descreve o que observa, para que ela confirme ou não
se ó o C RB1, validando a observação.)
(8) - C - É. (E começa a rir, com cara de arte, validando a observação, a ocorrência do
CRB1.)
(9) - T - Que legal, agora eu pude ver como é. (T procura não punir a apresentação do
CRB1 e valorizar "sua sinceridade" e a relação que faz entre este CRB1 e o que apresen­
ta fora da c lín ica - início do CRB3.)
Sabe como me sinto, o que tô pensando? Puxa, hoje a Aletóia tá chateada com i­
go, ela nem queria vir, m elhor nem brincar com ela, acho que não vou conseguir fazer
nada legal. Vou deixar ela ficar aí fazendo o que quiser, e nem conversar, vou ficar bem
longe... (T descreve seus sentimentos e pensamentos, dando um m odelo de expressão
direta de encobertos e mostrando o efeito que este com portam ento tem no relaciona­
mento.)
(10) - Tô nervosa, mas queria vir sim... (Ela começa a apresentar um CRB2, descrever
melhor o que se passa.)
(11) - E o que é que você quer? Não sei o que é! Quer que eu agrade você? "Não tô
entendendo". (T fala com humor, valorizando o começo de sua especificação sobre "o que
não seria o problema", dando dicas para evocar uma especificação maior, o CRB2.)
(12) - C - Não, quero brincar com você, é que eu vim reclamando, só isso, porque minha
mãe fez eu vir a pé. Ela quer fazer eu fazer tudo a pé, tô até emagrecendo, a minha perna
ató afinou... (Queixa mais objetiva, CRB2.)
(13) - T - Afinou? O que mais está acontecendo? A perna tá afinando... tem mais alguma
coisa? (Com empatia, T procura valorizar e modelar gradualmente a reclam ação mais
objetiva, o CRB2. Parece que a forma como está fazendo está favorecendo a emissão de
respostas desejáveis por parte da cliente, o CRB2.)
A criança então reclama que a mãe quer passar toda a responsabilidade das
coisas para ela, que tem que fazer tudo sozinha, e que a mãe não estava fazendo nada
agora e podia tê-la trazido de carro.
A criança consegue então form ular a sua reclamação de forma que se pode, a
partir dela, fazer uma análise do problema (é o CRB2). Aliás, como já dito anteriormente,
esta era uma queixa da criança sobre a mãe, sendo que ela e a mãe já haviam com bina­
do m udanças com portamentais. A mãe cumpriu, por um tempo, a sua parte, mas agora
parecia ter voltado a deixar de atender à filha, o que era o seu padrão anterior.
Uma terapeuta aqui poderia seguir dois caminhos: ou discutir a relação mãe-criança e as alternativas que a criança teria ou procurar fazer a FAP continuar ató promover a
ocorrência do CBR2 e CRB3. T escolheu a segunda alternativa, por parecer mais relevan­
te clinicamente.
144
l.íllm .i Cristim i ile So u m C onte e M .iri.i Z íl.ih Silv.i Hr.mtlfto
(14) - T - Tô começando a entender, a mãe não tá fazendo as coisas que vocês com bi­
naram e você tá chateada com isso. Agora tô entendendo que não é comigo, que é com
a mãe, passou minha contusão, Se tosse comigo, eu ia tentar resolver com você, mas
agora eu tenho que ajudar você a resolver com a sua mãe, nó? Que bom... e que chato a
mãe ter ficado chata de novo. (T procura valorizar o com portamento de queixar-se, mos­
trando que sua fala mais direta encaminha para uma solução do problema e não cria um
novo problema, no caso, entre a cliente e a terapeuta. Aqui, assinala as conseqüências
"naturais" positivas que o C poderá ter no dia-a*dia.)
(15) - Diz então pra mim o que aconteceu?
O que ela gostaria que a mãe fizesse era olhar a tarefa de vez em quando, levá-la
de carro alguns dias para algumas atividades, assistir a um filme com ela, passear, fazer
uma coisa de com er (o de sempre, como sempre falava, "das outras mães"). A mãe tinha
melhorado, mas agora... não estava como antes (sic). (A cliente vai se tornando cada vez
mais específica no CRB2 - formular reclamações objetivas.)
(16) - T - Sei, tô entendendo o que você tem feito, falou pra mamãe?
A criança diz que não, porque "não deu tempo ainda", mas que reclama.
(17) - T - Você reclama igual fez aqui? (Procurando relacionar: CRB3) Se é assim,
gemendo e resmungando, eu não sei qual é o problema nem a solução! Achei que era
comigo. (T volta para a relação e para clarear o CRB1 e o CRB2.) Será que a mamãe
sabe? Será que eu que não sei ou a mamãe, uma amiguinha também náo sabem?
(Mostrando que se ela apresentou o CRB1 com a mãe, provavelmente o problema não
seria resolvido. Relaciona também as conseqüências do CRB1 para a T e explorando a
possibilidade de ocorrer o mesmo efeito para a mãe e os amigos, dá um modelo de CRB3
para a cliente,)
(1 8 )- Sabe (mãe) que tô nervosa, dá bronca, fala que é pra eu pedir para V. (Empregada.)
(19) - T - A mamãe pergunta o que é? Por que o nervoso? (T procura fazer a criança
identificar o com portamento da mãe, perante seu "resmungo".)
(20) - C - Nem liga... (Ela descreve vagamente.)
(21) - T - Tá maus... A, qual é o problema, então: vamos falar juntas? (Ajudando a
exem plificar m elhor seu comportam ento e o da mãe.) Você está sentindo falta da ma­
mãe, quer que ela te ajude e fique mais com você e não fique só deitada, vendo TV ou no
telefone? É isso? Como ela estava na semana passada. É?
(22) - C - É, ela quer que eu seja responsável, mas não tudo, eu sou criança ainda...
parece que ela não entende. (Melhora o CRB2 e parece ter raiva.)
(23) - T - Dá raiva? Parece, é verdade, igual nós já conversamos, parece que a mamãe
se esqueceu disso. Por que será? (Aqui T quer saber o que ela sente e o que fala para
si mesma e que possa parecer relacionado ao fato de não ser objetiva com a mãe. Esta
criança geralmente poupa a mãe, tem dó, pois acha que o pai é "ruim para a mãe".)
(24) - C - Porque meu pai brigou com ela, eu acho, ou alguma outra coisa...
(25) - T - Se for isso, você pode pedir pra ela voltar ao normal, mesmo que ela tenha um
problema... lembra do que já conversamos? (Tentando quebrar a justificativa). Ficar espe­
rando a mãe lembrar pode demorar muito, né? (T mostra a conseqüência de não ser
objetiva.)
(26) - C - Hum, hum. (Sim) (Ok)
(27) - T - Olha, você tinha um problema, agora tem um jeito de resolver, tá? Indo conver­
sar com a mamãe. Eu náo tinha nada com isso e quase pensei em ficar longe, senão
você ia dar choque, de tão emburrada. Será que não é por isso que têm dias que as
Sobre comportamento e cormíÇiI o
145
meninas não querem brincar com você? Nos dias que você tá "nervosa", ninguém sabe o
que é, meu! No começo, a gente não entende, acha até graça, dá um desconto, depois...
(T) descreve com humor o que ela queixa sobre as amigas, buscando mais análise CRB3).
(28) - C - Ontem eu briguei mesmo, o menino tava chato. Eu chamei a professora.
Percebeu-se que a criança pegou um brinquedo do amigo sem pedir, ele reclamou,
xingaram-se, ela chamou a professora e somente ele foi punido (tendo sido provavelmen­
te reforçada por resmungar e fazer reclamações injustas). Em vez de fazer críticas a seu
com portam ento, T apenas valorizou a relação que a criança fez entre o que acontece
com ela e a mãe e o que acontece entre ela e os amigos e seu relato mais direto.
Ao final da sessão, explorou-se um álbum de fotos de família que estava presente,
procurando possíveis modelos para seus CRBs, bem como pessoas que, provavelmente,
reforçam a sua ocorrência.
Nas sessões seguintes, a criança ainda apresentava o CRB1, T sorria (SD de
ocorrência CRB1), e ela o interrompia, e falava mais francamente (CRB2) ou não, pois
algumas vezes era só "gemeçáo", não era nem a "resmungação"!
A FAP, sozinha ou combinada com outras estratégias, têm mostrado efeitos bas­
tante rápidos para alteração comportarnental de crianças e adolescentes. Um exem plo
de análise de relação com grupos de adolescentes pode ser vista em Conte (1996).
8.
Implicações para a pesquisa em clínica
Como se pode notar, há muito que entender sobre a relação terapêutica em si
mesma, os processos e fenômenos que ali ocorrem e o efeito que eles têm sobre o
com portam ento do cliente fora da clínica. O conhecimento que já se tem sobre o com ­
portamento verbal, bem como todo o que há por vir, quando aplicado à clínica, há de
ajudar terapeutas a serem mais eficientes e eficazes em seu trabalho. Como já m encio­
nado anteriormente, trabalhos recentes sobre equivalência de estímulos e formulação
de regras mostram que o comportamento verbal afeta o comportamento verbal posterior
e outros comportamentos não-verbais. Mas o modo pelo qual o estím ulo verbal toma
controle sobre o comportamento não está totalmente claro e somente recentemente
tem gerado investigação sistemática. Contudo, o comportamento governado por regras
ó relevante para a ACC visto que comumente ele tem um papel importante na etiologia
dos problemas e no processo pelo qual o comportamento verbal, que ocorre dentro da
sessão, influencia o comportamento do cliente fora da sessão, de forma ampla. A clínica
torna-se assim uma instância que ajuda a validar ou não as pesquisas desenvolvidas em
outros contextos.
A proposta inicial de fazer análise da relação terapêutica junto ao cliente tra ze m
si um novo conjunto de questões para a pesquisa e a terapia e que podem ser
parcialmente respondidas por terapeutas que aprofundem seus conhecimentos de Análi­
se do Comportamento enquanto filosofia e ciência. Sem esta disposição dos terapeutas,
será mantida uma lacuna entre a descoberta, filosófica e científica, e a sua aplicação
à Psicologia Clínica e na Psicoterapia.
Quanto à análise da relação terapêutica, vários trabalhos têm sido publicados
sobre esse assunto nos últimos dez anos, e ela tem se mostrado efetiva no trabalho com
146
I .'ilim.i C rlítin .i de So u a i C onte c M tiri.i Z il.il) Silv.i Rr>imtòo
pacientes adultos em clínicas ambulatoriais, no tratamento da depressão, de problemas
de relacionam ento interpessoal, entre outras queixas (Dougher e Hackbert, 1994;
Kohlenberg e Tsai, 1994, por exemplo).
A importância da analise da relação terapêutica no tratam ento de diversos
problemas clínicos e com diferentes populações, incluindo crianças e adolescentes,
também tem sido descrito por Conte (1996) e Brandão (1996). Nesses trabalhos, outras
técnicas e formas de análise comportamentais foram empregadas, mas levar o cliente
a participar da análise do que está ocorrendo dentro da sessão é a estratégia mais
enfatizada.
Embora sejam várias as publicações nesta área, os terapeutas continuam com
dúvidas sobre como fazer esta intervenção e principalmente como desenvolver
metodologias para estudar seus efeitos no decorrer do processo.
Sabe-se que fazer pesquisa em clínica implica um recorte que dificilmente abarca
tudo o que é necessário na Psicoterapia, e que a ajuda do terapeuta no sentido de
explicitar as suas ações é também uma tarefa necessária e difícil de ser mantida. Isto
tem dado origem a estudos de casos onde as intervenções são analisadas com o um
"pacote de procedimentos" ou a estudos de casos clínicos onde a VI é a aplicação de
alguns procedimentos terapêuticos na sessão e a VD, a modificação ocorrida em deter­
minados comportamentos.
Separar uma ou duas variáveis da complexidade do processo terapêutico é difícil,
mas, sem dúvida, é uma proposta interessante para a pesquisa nessa área; por exemplo,
pode-se fazer a análise da relação terapêutica junto ao cliente (VI) apenas em determina­
dos momentos de terapia e não em outros e analisar o efeito de tal intervenção (VD) nos
com portam entos relevantes, previamente selecionados, dos clientes. Isso possibilitará
aprimorar as observações, intervenções, descrições e avaliações de procedimentos clíni­
cos junto à com unidade de terapeutas e pesquisadores.
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Behavior, 1957, realizada por Vila Lobos.)
148
l «ítim.i C riítin .i de Souz.i C onte e M .iri.i Z il.ih Silv.i Rr.md.lo
Capítulo 17
Abordagem Contextual na Clínica
Psicológica: Revisão da A C T e proposta de
atendimento
MiirLi Zihih Silvd linmdlo
CH AC/PR
/ \
abordagem contextual para mudança terapêutica é uma proposta com
base nos pressupostos teóricos do Behaviorismo Radical e nos estudos e pesquisas
sobre comportamento verbal, especialmente na concepção de quadros relacionais para
explicação dos eventos verbais, e na análise do com portamento governado por regras.
Para a abordagem contextual, os comportamentos-problema dos clientes não são
o alvo inicial da intervenção do terapeuta. São os contextos sócio-verbais que devem ser
modificados para que as mudanças comportamentais ocorram. Deve-se entender por
contexto os conjuntos de contingências estabelecidas pela comunidade sócio-verbal que
determinam nossos comportamentos, e por mudanças comportamentais, especialmente
aquelas que reduzem as tentativas de controle dos eventos privados por parte dos clien­
tes.
Segundo Hayes (1987), acredita-se que pelo menos três aspectos do contexto
sócio-verbal normal da ação humana contribuem para o estabelecimento do controle que
os aspectos privados exercem sobre o comportamento humano, causando muito dos
problemas dos clientes.
a) O impacto do significado literal dos eventos verbais sobre o comportamento (contexto
de literalidade).
Sobro comport.imcnto c cognição
149
b) A aceitação de razões verbais, dadas como explicações válidas para o com portam en­
to individual (contexto de dar razões).
c) O treinamento social no sentido de que o controle cognitivo e emocional pode, e deve­
ria, ser atingido como meio para viver uma vida bem-sucedida (contexto do controle).
Algumas considerações devem ser realizadas para uma melhor compreensão des­
ses contextos:
a) Literalidade: as palavras passam a significar coisas além das que a elas se relacio­
nam d ire ta m e n te e podem p ro vo ca r c o m p o rta m e n to s a be rto s e e nco b e rto s
desadaptativos, uma vez que a pessoa respondendo literalmente pode ignorar o res­
ponder com base na utilidade experimentada.
Exemplos:
" Nào beba isto, ó veneno”: è uma afirmação que estabelece um com portam ento
desejável, mas difícil de adquirir através do contato direto com contingências.
"Nào pense em nada": é uma afirmação que não ó adaptativa se levada ao “pé da
letra" (no sentido literal), pois não poderá ser seguida.
b) Dar razões: a comunidade sócio-verbal reforça relações entre pensamentos ou senti­
mentos e ações, mantendo a idéia que os eventos privados são as causas do com por­
tamento. Assim, as pessoas conseguem obter ganhos secundários por atribuírem
suas mudanças comportamentais à ocorrência de seus comportamentos encobertos.
c) Controle: se as ações são causadas pelos eventos internos, para se conseguir uma
mudança de ação, é necessário, primeiro, controlar os pensam entos e sentimentos
que as geram. O processo de regulação emocional e cognitiva como meio para con­
trolar o comportamento aberto começa muito cedo na vida das pessoas e, por isso, é
muito difícil identificar quando se está respondendo a esse contexto (controle) ou aos
outros (literalidade e dar razões).
1.
ACT: definição e objetivos
A Terapia de Aceitação e Compromisso (Acceptance e Therapy Commitment ACT) é um enfoque psicoterapêutico embasado na Análise do Comportam ento que tem
por objetivo enfraquecer a esquiva emocional e aumentar a capacidade para mudança
comportarnental.
É uma das pouquíssimas psicoterapias verbais com preensivas que têm sido
conscientemente embasadas no pensamento da Análise do Comportamento e que apre­
sentam descrição precisa de estratégias de intervenção.
"A meta fundamental da AC T é tratara esquiva emocional, o número excessivo
de respostas literais ao conteúdo cognitivo e a inabilidade de assum ir e m anter
compromissos com a mudança comportarnental." (Hayes, 1987; Hayes, Kohlemberg
e Melancon, 1989; Hayes e Melancon; Zettle e Hayes, 1986, apud Hayes)
150
M .in .i Z il.il) Sllv.i ür.iiKl.k)
Inicialmente, na fase de desenvolvimento da proposta, a ACT foi chamada de
Distanciamento Compreensivo (Hayes e Melancon, 1988).
Os clientes vêm naturalmente à terapia com o objetivo de controlar aquilo que eles
vêem como os determinantes de sua condição de vida problemática. Para eles, há ne­
cessidade aparente por mais repertórios bem-sucedidos de esquiva (por exemplo, a eli­
minação de emoções perturbadoras, pensamentos, lembranças, impulsos e outros). A
presença dessas funções-estímulos aprendidas para os eventos privados (querer se livrar
deles) pode impedir o contato com outras fontes de reforçamento. A ACT tem por objetivo
quebrar este controle de estímulo problemático, abrindo a possibilidade de contato com
fontes alternativas de reforçamento (Hayes e Wilson, 1994).
Sob esse enfoque, surgem algumas questões para reflexão dos terapeutas:
1) Se o te ra p e u ta é parte do co nte xto , com o pode tra b a lh a r na p rom o çã o da
recontextualização?
2) Se os clientes procuram psicoterapia para se livrar de sentimentos ou pensam entos
ruins, como os ajudaremos a conseguir isso?
3) Como levar o cliente a com preender que esses comportam entos não são a causa do
seu problema?
Com a reflexão sobre essas questões já iniciadas, delineou-se a proposta clínica
da ACT (ou Distanciamento Compreensivo), estratégia para mostrar que o controle dos
eventos privados é o problema, e não a solução. As etapas dessa estratégia têm objetivos
bastante específicos, que serão apontados a seguir.
2. ACT - estratégia de intervenção
• Desam paro criativo
Objetivo: mostrar ao cliente que dentro do contexto no qual ele trabalha, realmente
não existe solução.
Nessa etapa, a solução para controlar os sentimentos e pensamentos começa a
ser vista pelo cliente como o próprio problema e perceber que não tem soluções ou
alternativas provoca uma condição criativa, desencadeando uma necessidade de anali­
sar o problema de uma outra perspectiva.
• Tentativa de controle dos eventos privados como problema
Objetivo: mostrar ao cliente que a forma pela qual fomos socializados é que faz
parecer que eventos privados necessitem ser controlados e que essa tentativa de contro­
le é que se constitui no problema.
Enfraquecer o acedimento do cliente às sanções sociais para evitar eventos priva­
dos desagradáveis pode ser benéfico, uma vez que muitas destas atribuições (exemplo:
náo vou à escola porque estou triste) são aceitas socialmente.
• Eu como contexto e não como conteúdo
Objetivo: levar o cliente a discriminar a pessoa que ele chama de EU e o problema
de com portamento que o cliente quer eliminar. Separar os com portamentos da pessoa
que os emite. Separar o que sou do que faço, penso ou sinto.
Sobre comportamento c coRniv.lo
151
• Escolher e valorizar uma direção
Objetivo: levar o cliente a escolher mudar ações em vez de sentimentos.
Nesse momento, é importante escolher a atividade (a ação) em vez do sentimento
porque a ação ó passível de controle e o sentimento nâo o é.
• Abandonar a luta
Objetivo: levar o cliente a deixar de lutar contra seus sentimentos ou pensamentos
ruins: mais do que isto: o cliente será levado a se debruçar sobre seus sintomas. Ele é
levado não só a parar de lutar, mas a aceitar seus eventos privados.
Para isso, ó importante para o cliente vivenciar as sensações, sentim entos e
pensamentos dos quais geralmente se esquiva, na sessão terapêutica.
Uma boa estratégia pode incluir exercícios de espontaneidade, nos quais o cliente
ó levado a agir de acordo com o que sente e a agüentar as conseqüências disso.
• Com prom isso com a mudança
Objetivo: auxiliar o cliente a comprometer-se com a açáo, com a mudança. Os
eventos privados são desconsiderados como justificativa para não agir. É importante
criar um ambiente verbal em terapia que não permita exame lógico - antes que punir os
clientes que não assumem tal compromisso.
3.
O processo terapêutico - uma visão a partir da proposta da ACT
Na experiência clínica de alguns psicoterapeutas, tem-se deparado com muitos
clientes ansiosos que procuram terapia como medida urgente ou última tentativa para se
livrar da ansiedade. Esses clientes têm uma história de contato com situações aversivas
nas quais conseguem obter controle e baixar a ansiedade. Essas situações acabam por
reforçar a idéia (já estabelecida no contexto sócio-verbal) de que é possível e desejável
controlar eventos privados como ansiedade, medo ou pensamentos catastróficos. O his­
tórico de vida destes clientes aponta geralmente para uma família e cultura onde os
contextos de literalidade, dar razào e controle foram muito fortes. Os pais geralmente
exigiam que os filhos fizessem o que era dito para fazer e puniam o náo-acedimento. As
diferentes formas de punição geralmente vinham associadas a sermões repletos de pala­
vras fortes que indicavam supostas conseqüências catastróficas. Assim, as verbalizações
podiam ampliar o poder da punição e a ela se associar dando à palavra a possibilidade de
produzir reações emocionais semelhantes às produzidas pelas contingências "reais".
Dar razões funcionava na vida dessas pessoas como uma possibilidade de fugaesquiva da punição social. Desde criança, para fugir da punição, é necessário ter razões
de preferência emocionais, que justifiquem os seus atos. Dessa forma, com a prática, os
sentimentos terminam por ser vistos como a causa do comportam ento e a pessoa vai
tentando promover mudanças nos próprios sentimentos para se sentir melhor.
Na cl/nica, muito se vê de clientes que atribuem seus problemas aos sentim entos
ruins: "se eu não fosse ansiosa, faria concurso para ser professora” , "se eu fosse mais
alegre, meu namorado não teria brigado com igo” , “quero ficar livre da depressão para
recomeçar a trabalhar” . A causa é atribuída ao sentimento e isso deixa a pessoa total­
mente "cega” para ver a ação como saída e para fazer mudança. Não conseguindo fazer
o que pretendem, frustram-se continuamente.
152
M .in .i Z il.ili Sllv.i Hr.md.lo
Quanto ao contexto do controle, ele ó conseqüência dos dois primeiros: leva-se as
palavras ao pé da letra e responde-se em ocionalm ente a elas, da mesma forma que se
responderia ao objeto ou situação; à reação emocional desenvolvida pela palavra, acres*
centa-se a causalidade e as tentativas de controlar esses sentimentos. Como isso nem
sempre ó possível, o cliente começa a experienciar situações nas quais a ansiedade não
está mais sob seu controle racional, e fica com medo. Procura $ clínica querendo achar
uma forma mais eficaz de fugir do medo, dos sentim entos ruins.
4.
Estudo de caso
4.1. Análise e discussão
O seguinte exemplo descreve 0 caso de um cliente de 19 anos que procurou
terapia com queixa de obesidade. O cliente atribuía seu excesso de peso à ansiedade.
Pedindo ao cliente para falar dela, ele disse que sentia uma angústia, um frio no estôm a­
go, um desespero quando alguma coisa ia mal na sua vida, e por que não conseguiu
fazer nada para mudar 0 rumo dos fatos, comia. Depois que comia, arrependia-se. Ficava
mais ansioso e repetia 0 comportamento de comer.
O cliente tem um irmão, magro, de 17 anos, com 0 qual competia e brigava muito.
As brigas dele com 0 irmão revelavam uma luta para conseguir atenção e prestígio peran­
te os pais. O irmão do cliente parece ser uma pessoa bastante ativa, em oposição ao
cliente, que se lamenta muito de tudo, seduz a todos com abraços e sorrisos, mas tem
poucas ações ou decisões no seu dia-a-dia.
O histórico de vida mostra que 0 cliente sempre conseguiu atenção dos pais por
ter problemas (nasceu prematuro), por ser gordo, ou por ser “nervoso” . Sempre dem ons­
trou um lado bom e doce quando as pessoas (inclusive professores e amigos) o tratavam
bem e faziam 0 que ele queria. Os pais sempre preferiram “'agradar” ao cliente e ter
como conseqüência seu lado bom, a enfrentá-lo, cobrando dele esforço e dedicação aos
estudos ou algum outro trabalho como, por exemplo, pintura, música, atividade física, etc.
Seus comportam entos foram eficazes em controlar os pais e amigos.
Há dois anos, os pais do cliente passaram por uma grande crise afetiva (a mãe
teve dúvidas quanto aos seus sentimentos em relação ao pai) e financeira ( 0 pai perdeu
muito dinheiro em negócios). A crise foi tão grave que a família teve que mudar de casa e
baixar muito 0 padrão de vida. Há um ano e meio mais ou menos, 0 cliente recomeçou a
engordar após um regime no qual havia perdido 40 quilos, e também começou a queixarse de desânimo e angústia. Conforme a situação familiar foi piorando, as crises do cliente
foram se agravando e ele começou a apresentar medos noturnos, falta de ar, dores de
estômago e medo de morrer. As crises aumentaram de freqüência e 0 cliente começou a
apresentá-las praticamente todas as noites e algumas vezes durante 0 dia. A crise ou
"pânico” noturno é seguida pela presença da mãe e do pai que cuidam dele com carinho
e dedicação. Durante 0 dia, quando passa mal, volta para casa.
O cliente já procurou médicos de diversas especialidades, e o diagnóstico que
teve foi de bronquite alérgica (que justificaria a tosse e a falta de ar). Um dos módicos
disse se tratar de pânico e receitou fluoxetina.
O interessante é que 0 cliente continua buscando uma causa física para sua ansi­
edade e falta de ar. Segundo ele, esta ansiedade e a busca da cura 0 impedem de fazer
Sobre çomportamfnto e çognlçio 153
bem qualquer coisa: não estuda para a faculdade, não faz dieta, não ajuda em casa, não
faz exercício, quase não sai para passear, não procura trabalho, não enfrenta as conse­
qüências das dificuldades financeiras da família: dirige o único carro da casa, compra
roupas, vai a congressos, vai à psicoterapia, a médicos, estuda numa universidade parti­
cular, etc.
Fala sinceramente penalizado da situação dos pais, mas nada faz para ajudar;
pelo contrário, os pais ó que se preocupam com ele e tentam poupá*lo da realidade.
Respondendo às perguntas da terapeuta, o cliente disse que sua doença ajudou
os pais a se unirem, e tem rezado muito para salvar a família. Acredita que suas inten­
ções, rezas e doenças possam mudar a situação familiar. Espera, para tom ar alguma
iniciativa, que seus sentimentos mudem e que tenha ânimo e motivação para fazer algu­
ma coisa. Acha, no fundo, que alguém deveria facilitar as coisas para ele, pois qualquer
iniciativa vai exigir esforço e ele não conseguirá. Faz uma relação direta entre sentimento
ou pensamento e ação, como se o primeiro fosse determinante do segundo. Ao dizer'
"não consigo fazer nada, pois estou deprimido, ansioso ou doente” , desculpa-se (e os
pais também o desculpam) por não se com prom eter com a melhora. Continua tendo
controle sobre seu mundo, mesmo na situação difícil em que a família se encontra. No
entanto, a situação fam iliar real está cada vez pior, o que está dificultando a eficácia do
repertório de fuga-esquiva do cliente (observa-se também que ele está ficando cada vez
mais gordo). A impossibilidade de controlar os eventos aversivos torna o cliente cada vez
mais ansioso, e, ao querer livrar-se da ansiedade, esta aumenta. M elhorar significaria
aceitar perder o controle (vivenciar sua ansiedade) e agir assumindo a realidade, fazendo
as modificações necessárias no seu dia-a-dia.
As sessões de psicoterapia estão tendo os objetivos de levar o cliente a:
1) perceber que os controles que usa são ineficazes;
2) discriminar os eventos ambientais (familiares e outros) que antecederam as crises de
ansiedade e suas conseqüências (analisar também o ganho e a m anutenção do
peso);
3) separar seus sentimentos ou pensamentos de suas ações e levá-lo a perceber que é
possível agir sem ter vontade ou desejo inicial de fazê-lo (contexto de dar razões);
4) vivenciar sua ansiedade ou medo de perder o controle sobre si mesmo e principalmen­
te sobre sua família; aprender a aceitar que não tem controle sobre seus sentimentos
ou pensam entos e que vai vivenciar todas as sensações ruins que são provocadas
pela problemática familiar;
5) reformular regras literais: "quando um casal briga ou uma família se desestrutura, isto
será para sem pre e destróí a todos", "a doença e o sofrim ento unem a família,
impedindo outra desgraça maior". Quando pensa "não tem jeito", vê-se sem saída de
fato, e não procura ou explora alternativas de enfrentamento;
6) perceber o jogo que faz na sessão de psicoterapia: tenta deixar a terapeuta com pena
dele, diz que não consegue fazer nada sozinho, tentando fazer com que a psicoterapia
seja uma confirmação de seus problemas e também uma aliada para justificar sua
inércia;
7) diminuir a freqüência de seus comportamentos de fuga-esquiva (sono, moleza, falta de
ar, mudança de assunto) perante situações-problema e perante confrontações da
terapeuta na sessão;
8) engajar-se gradualmente em situações de trabalho, de estudo, exercícios físicos, die­
ta, ou outros que possam trazer reforçadores para o cliente;
154 M«iria Zilah Silva Br.mdAo
9) perceber que ele nào é mais uma criança e que precisa fazer mudanças neste mo­
mento para conseguir o que pretende a médio e longo prazos. Qualquer outra saída ó
ilusória. Uma pessoa adulta ó modificada e modifica o meio-ambiente em que vive. O
homem ó um sujeito ativo no desenvolvimento de sua história pessoal.
4.2.
Observações finais
Considerando o caso relatado, ó importante ressaltar:
1) O T trabalha na m odificação dos contextos de literalidade, dar razões ou controle
quando identifica, na sessão, que o cliente está respondendo a algum deles. Não há
uma definição prévia da sessão onde isto será enfocado.
2) As estratégias para trabalhar os comportam entos-problema decorrem de um proces­
so de recontextualização no qual a terapeuta, como membro de uma com unidade
sócio-verbal, estabelece contingências para o cliente conscientizar-se dos contextos
a que responde e, a partir daí, fazer mudanças que lhe beneficiem, sob outra perspec­
tiva de análise, o efeito das contingências e não o controle pelas regras advindas
desses contextos. O reforçamento da terapeuta é contingente à disposição para agir
e não para se vitim izar ou fugir, como acontece em casa.
3) Os seguintes enfoques da ACT podem ser usados individualmente ou com binados
entre si sem uma seqüência prévia, sempre com objetivo de criar um contexto
terapêutico propício a mudanças:
3.1) náo é necessário mudar primeiro os sentimentos ou pensamentos para mudar as
ações;
3.2) é importante separar pensamento de realidade. Pensar sobre o fato nunca é o fato
em si mesmo;
3.3) sentimentos não estão sujeitos a controle cognitivo. Lutar com sentim entos é
inútil; para livrar-se deles, aceite-os, vivencie-os;
3.4) planejamento para ação e enfrentamento gradual pode ser conseguido mesmo na
presença de sentimentos contraditórios ou medo;
3.5) separar a pessoa do seu com portam ento pode ser importante. O eu é algo
mais do que aquilo que se sinta, pensa ou fala. A pessoa (eu) é mais do que seu
comportamento. O sentimento de medo não tomará conta da pessoa que o sente.
Essa com preensão ajuda a vivenciar os sentimentos e sensações sem lutar contra
elas.
4) T é c n ic a s ou e x e rc íc io s , se s u g e rid o s , se rã o u s a d o s p a ra c o n s e g u ir a
recontextualização, não pretendendo a mudança comportamental direta dos com por­
tamentos do cliente.
Para finalizar, entre muitas considerações tecidas aqui sobre a ACT, é importante
comentar a afirmação de Hayes e Wilson (1993), que ressalta a impossibilidade do "sen­
tir" como algo independente do contexto, apontando para a idéia de que as sensações
não são apenas sensações; elas são também o que significam, no contexto sócio-ver­
bal.
Os mesmos autores afirmam que o processo que permite o autoconhecim ento,
paradoxalmente, proporciona também a auto-esquiva. Os clientes podem distorcer as­
pectos importantes de sua vida de modo a evitar alguns eventos privados, isto é, como
resistência ao sentir. Eles estarão fugindo não do estímulo aversivo, mas das suas reações
Sobre rom porttim cnlo i* coRniçfio
155
a eles. Para quase todos de nossa comunidade, alguns sentimentos são ruins, mas a
pessoa que se esquiva da sua própria confusão, raiva, angústia e medo, reduz ou distorce
a possibilidade de se conhecer melhor. É improvável que regras baseadas em distorções
coloquem pessoas em contato com contingências reais, o que levaria, então, aos proble­
mas psicológicos que foram apresentados neste texto.
Bibliografia
HAYES, S. C. (1987). A contextual aproach to therapeutic change. In N. S. Jacobson
(Ed.), Psychotherapists in clinicaipractice: cognitive and behavioralperspectives.
New York: Guilford Press.
HAYES, S. C. & MELANCON, S. M. (1988). Manual de D istanciamento Compreensivo.
Reno: Universidade de Nevada.
HAYES, S. C. & WILSON, K. G. (1993). Acceptance and a C omm itement Therapy. In
The Behavior Analyst. Universidade de Nevada.
156
M . im . i
ZihhSilva
Capítulo 18
Redefinindo o papel do acompanhante
terapêutico1
P cnis R. Z a m i$ m n i
-
P U C /S P
RcgirM C h ris tim W iclenskd
-
USP
O
termo acompanhamento terapêutico (AT) tem origem na Argentina, no final
da década de 60. Na época, algumas equipes de profissionais de saúde mental, im pulsi­
onadas pelas concepções da antipsiquiatria e do m ovimento antimanicom ial, propuse­
ram programas terapêuticos institucionais diferentes do modelo de internação/asilo tradi­
cional. Foram criadas então as chamadas “comunidades terapêuticas". No Brasil, as
primeiras com unidades terapêuticas foram implantadas nas cidades de Rio de Janeiro,
São Paulo e Porto Alegre (Berger, M orettin e Neto, 1991). Nessas com unidades, os
pacientes com diagnóstico psiquiátrico eram atendidos em regime de internação ou de
hospital-dia, dentro de uma proposta de tratamento individualizado, baseada no tripé
proteção-vigilância-continência (Mauer e Resnizky, 1987). Como forma de viabilizar este
tipo de proposta, surgiu o papel de “auxiliar psiquiátrico".
"A idéia mais geral que fundamentava esta atividade partia do principio de que
uma pessoa psiquicam ente enferma, passando p o r agudo sofrimento, teria a ne­
cessidade, para se restabelecer, de uma atenção intensiva, personalizada, tecni' Este texto representa uma versão modificada dos trabalhos apresentados na mesa-redonda Vantagens e
Dificuldades no Trabaiho em Equipe Multlprofissional, realizada durante o VII Encontro Brasileiro de Psicoterapia
e Medicina Comportarnental, Campinas, setembro/1998.
Sobre comportamento c cogni(Ao
157
cam ente preparada, exercida coletivamente p o r uma equipe. [Nesse tipo de aten­
dim ento] a relação afetiva interpessoal assumia importância capital." (Ibrahim,
1991, p. 44)
Cabia ao auxiliar psiquiátrico, posto geralmente ocupado por um estudante de
cursos superiores em saúde mental, acompanhar o paciente no seu cotidiano, desde o
despertar até a última atividade do dia. Nesse momento, a atividade do auxiliar psiquiátri­
co ainda era vinculada à rotina e aos limites físicos da instituição (Ibrahim, 1991).
A política de saúde dos governos militares da década de 70 inviabilizou a continui­
dade das com unidades terapêuticas. Os auxiliares psiquiátricos, então sem apoio
institucional, continuaram a ser solicitados para trabalhos particulares, na residência do
paciente, como uma alternativa á internação psiquiátrica. Este profissional, a princípio,
foi chamado de "amigo qualificado” . No entanto, esta denominação levava a uma confu­
são quanto à natureza do trabalho, já que poderia destacar o com ponente am istoso do
vínculo. Substitui-se então o termo por "acompanhante terapêutico." (Ibrahim, 1991; Mauer
e Resnizky, 1987)
O acompanhante terapêutico era considerado um "ego-auxiliar", ou uma "persona
auxiliar" (utilizando a linguagem da psicanálise, abordagem que na época fundamentava
esta atividade). Ele tinha como função auxiliar o paciente na adm inistração do m edica­
mento, ser um elo entre o terapeuta e o paciente, exercer a função de conselheiro,
auxiliar na realização de suas atividades rotineiras, etc. (Ibrahim, 1991). Esta forma de
acom panhamento terapêutico, dentro da abordagem psicanalítica, definiu sua área de
atuação em torno dos transtornos psiquiátricos, especialmente em casos de psicoses.
Também nas décadas de 60 e 70, começaram a ser mais difundidas as aplicações da
análise do comportamento a problemas humanos, ao que se denominava modificação de
comportamento:
"... os ‘m odificadores de com portam ento' nào só fundamentavam sua prática
terapêutica no conhecim ento já produzido pelas pesquisas básicas, mas também
realizavam pesquisas enfocando problem as considerados clínicos. (...) Três a s­
pectos marcaram esta proposta de atuação: 1) parecia viável a transposição do
modelo de laboratório para a situação clínica: 2) pretendia-se atenderá com unida­
de científica com o rigor da produção de conhecimento e 3) pretendia-se atender
aos clientes prom ovendo meíhoras significativas. "(Guedes, 1993, p. 81)
Com trabalhos desenvolvidos em instituições, hospitais e na com unidade, os
modificadores de comportamento passaram a treinar paraprofissionais (estudantes, pais,
professores, etc.) para aplicação de técnicas comportamentais em programas terapêuticos.
Esta proposta visava favorecer o atendimento a indivíduos que, por razões diversas
(econômicas, dificuldades de locomoção, insuficiência de profissionais disponíveis, etc.),
perm aneciam à margem dos serviços de saúde mental (Ayllon & Wright, 1972; Oren &
Affula, 1974).
Em meados da década de 80, as muitas críticas dirigidas à Modificação do C om ­
portamento levaram uma parcela significativa dos analistas do comportamento a assumir
uma prática terapêutica de consultório (Guedes, 1993). Com isso, as intervenções
institucionais e em comunidade foram menos enfatizadas, havendo, após este período,
m enor interesse na discussão sobre o papel do paraprofissional.
158
Denis R. Z a m ig n a n i
«
Regina L ljris lin .i W ielcnska
O início da década de 90 marca um retorno dos analistas do com portam ento a
campos de atuação que outrora despertaram seu interesse. Um dos fatores responsáveis
por este movimento foi o impacto, sobre a comunidade psiquiátrica, dos resultados da
aplicação de técnicas comportamentais no tratam ento de diversos transtornos. Um dos
trabalhos pioneiros neste sentido foi o de Marks (1987). Hoje, com a grande aceitação
das propostas terapêuticas de base comportamental e cognitiva, psicólogos destas abor­
dagens passaram a atender indivíduos com transtornos psiquiátricos severos (Drummond,
L. M., 1993; Baumgarth, Guerrelhas, Kovac, Mazer, Zamignani, 1999). Essas propostas
de intervenção caracterizam-se por trabalho intensivo, de cunho multiprofissional, realiza­
do em instituições e/ou no ambiente natural do cliente. Nesse contexto, o trabalho de
paraprofissionais torna*se novamente necessário, principalmente em situação natural,
como é o caso dos acompanhamentos terapêuticos.
1.
O AT nos dias de hoje
Atender a casos psiquiátricos graves requer uma equipe tecnicamente qualificada,
atuando em caráter intensivo. Geralmente, são realizados vários atendimentos semanais
com e s p e c ia lis ta s (p s iq u ia tra , p sicó lo g o , n e u ro lo g ista , e tc.), para tra ta m e n to
farmacológico, psicoterapia (individual, em grupo e/ou familiar) e acompanham ento
terapêutico. Um tratamento com tais especificações tem custo bastante elevado (não se
pode esquecer despesas com m edicamentos), condição que pode com prom eter a sua
viabilidade.
As recomendações terapêuticas para casos de Transtorno Obsessivo-Compulsivo
(TOC), por exemplo, preconizam no mínimo três sessões semanais com técnicas de
exposição e prevenção de resposta (a serem realizadas dentro ou fora do consultório,
conforme características do caso). A duração de cada sessão depende da ocorrência do
fenômeno de habituação aos estímulos ansiogênicos e, por isso, não raramente, elas se
estendem por duas horas ou mais (Salkovskis, 1997). Uma parte dos pacientes apresen­
ta nítidas dificuldades para cumprir as tarefas terapêuticas sem apoio de outras pessoas.
Uma solução seria recorrer ao apoio de paraprofissionais (geralmente familiares), como
agentes terapêuticos. Essa saída nem sempre pode ser adotada, porque primeiro deveri­
am ser treinados para auxiliar a pessoa durante as sessões de enfrentamento, exigindo
tempo e disponibilidade pessoal. Além disso, mesmo profissionais experientes relatam
dificuldade para manejar fenômenos como a agressividade do cliente e sintomas enco­
bertos de difícil detecção. O que dizer então de alguém desamparado, com raiva ou
ocupado em "salvar" os outros membros de sua família? A história de convivência com o
paciente grave pode ter deteriorado as relações familiares e, considerando que o procedi­
mento de exposição em si já é suficientemente aversivo para o cliente, convém resguar­
dar a todos, evitando-se maiores conflitos interpessoais nesta fase do tratam ento. A
solução convencional - fazer exposição assistida com o terapeuta algumas horas por
semana - é financeiramente inviável. Para diminuir os custos, sem perda dos benefícios
terapêuticos, é comum a prática de se contratar estudantes de Psicologia, Psiquiatria ou
outra área de saúde para executar tarefas semelhantes àquelas que originalm ente seri­
am executadas pelos paraprofissionais. Permite-se, dessa forma, a superação de barrei­
ras de cunho econômico, técnico e emocional, viabilizando um atendim ento que, de
outra maneira, poderia ser inacessível. Para o estudante, essa atividade fornece a oportu­
Sobrr comportamento e copnlç.lo
159
nidade de colocar em prática parte do conhecim ento adquirido na universidade, numa
atividade supervisionada e remunerada. Por estar numa situação de aprendizagem, ele
possui geralmente menores expectativas de remuneração do que profissionais. Essa
solução, recorrer a estudantes como ATs, satisfaz as necessidades de todos os envolvi­
dos e colabora com o sucesso do tratamento (Zamignani, 1997).
2.
A interação do AT com outros profissionais
A distinção entre o trabalho do terapeuta e do AT numa equipe pode, algumas
vezes, ser difícil. No entanto, a interação do AT com os profissionais (ou sua inserção em
uma equipe), conforme foi salientado anteriormente, é delimitada pela natureza de seu
papel.
Ao analista do comportamento/terapeuta, cabe a tarefa de analisar as contingênci­
as. Ele deve ser capaz de compreender as variáveis das quais o comportamento do cliente
é função e, com base nisto, planejar e decidir (com o cliente e/ou sua família) o melhor
momento de procedimentos/atividades terapêuticas. Ao AT cabe, primeiramente, obter in­
formações que auxiliem na elaboração dessa análise funcional. Em segundo lugar, é tarefa
do AT desenvolver as atividades terapêuticas e procedimentos planejados, seja em situa­
ção natural, no consultório ou na instituição, sempre sob supervisão constante.
É muito comum o equívoco de se conceber o terapeuta como aquele que restringe
sua atuação às quatro paredes do consultório, enquanto o AT seria quem atua no am bi­
ente domiciliar, em locais públicos, etc. Os dois tipos de profissionais, de acordo com a
sua disponibilidade e as necessidades detectadas, vão a diferentes tipos de ambiente
realizar tarefas distintas, essenciais às suas respectivas atribuições (Wielenska, 1995;
Wielenska, 1996). Atuar com base na Análise do Comportamento significa focalizar a
intervenção sobre a relação estabelecida entre o cliente e o seu ambiente. Intervir ou não no
ambiente natural do cliente é uma decisão clínica, que depende da análise de contingênci­
as que o terapeuta faz do caso. O que especifica a função de cada um dos profissionais
não é o local de atuação, mas as atribuições que cabem a cada um deles. A atuação no
ambiente natural, portanto, não define o trabalho do acompanhamento terapêutico. O AT é
o profissional ou estudante, cuja função não compreende analisar o caso e decidir quais
atividades e procedimentos utilizar na sua intervenção. Suas ações são, necessariamente,
subordinadas às decisões anteriormente elaboradas pelo profissional ou equipe com o/a
qual trabalha.
A experiência dos autores tem se restringido ao trabalho com estudantes ou profis­
sionais recém-formados em Psicologia devido ao fato de este curso, ao menos no contexto
brasileiro, oferecer melhores oportunidades curriculares para a formação do AT na aborda­
gem comportarnental.
3.
Considerações dentro de uma perspectiva técnica
3.1. H a b ilita ç ã o d o e s tu d a n te para o tra b a lh o d e AT
A intervenção in loco exige um repertório clínico bastante sofisticado, o que implica a
necessidade de revisão do currículo mínimo que qualifique alguém para o exercício desta atividade.
1Ó 0
Denis R. Z am ig n a n i c Regina C h ristina W ielen ska
O estabelecim ento de uma supervisão regular é considerado condição funda­
mental para o exercício do trabalho do AT. Na maioria dos casos, o próprio profissional
responsável pelo caso supervisiona o AT. Essa solução tende a agregar coerência ao
tratamento e exige menor número de reuniões para colocar os envolvidos a par do caso.
Quando o terapeuta não é da área com portam ental (um psiquiatra clínico, por exem ­
plo), vale a pena considerar uma supervisão extra em análise do com portam ento.
Algumas habilidades são pré-requisitos para o aluno que se propõe a trabalhar
como AT em abordagem com portam ental. Entre elas, vale ressaltar:
a) Treinam ento em observação. O aluno deve estar preparado para a observação e
identificação de aspectos relevantes no am biente do cliente. C onform e já foi dito, o
AT é um observador privilegiado, em função das atividades que executa e da proxim i­
dade com o cliente. Os dados por ele obtidos podem ser fundam entais para o diag­
nóstico e planejamento da intervenção.
b) C onceitos básicos da Análise do Com portam ento. O AT precisa ser treinado
para identificar algumas relações funcionais entre eventos, inclusive para que possa
ter claros os objetivos de sua intervenção. C onceitos como reforçam ento positivo e
negativo, fuga e esquiva, punição, reforçamento contínuo e interm itente, reforço na­
tural e arbitrário, entre outros, precisam estar perfeitam ente estabelecidos.
c) Técnicas de entrevista. É de extrem a im portância que o AT saiba conduzir uma
entrevista terapêutica. O paciente psiquiátrico, em alguns casos, apresenta em po­
brecim ento do seu repertório verbal, e é de responsabilidade do AT interagir verbal­
mente com o cliente de forma a facilitar a obtenção de dados relevantes e a criação
do vínculo terapêutico.
d) Relação terapêutica. A qualidade da relação terapêutica, assim como no trabalho
do psicólogo clínico, é fundamental para que qualquer intervenção seja levada a cabo
com sucesso. O AT pode ter claro todos os outros princípios teóricos e técnicas de
que precisa, mas sem atentar para este aspecto, o resultado deixará a desejar. É
bastante comum que nesse tipo de caso o cliente desperte no AT sentim entos,
como pena, raiva, frustração. O AT precisa aprender a identificar as circunstâncias
que geraram este sentimento, para sua subseqüente modificação. Cabe lembrar que
sentim entos não são causa de com portam ento, mas subprodutos das relações de
controle em curso e a identificação dessas relações permite o refinamento da análi­
se do caso e o desenvolvim ento, por parte do AT, de respostas menos "em ocionais"
e mais terapêuticas perante o com portam ento do cliente. Analisar em supervisão os
sentim entos presentes no atendim ento pode facilitar a identificação dessas rela­
ções.
e) Racional e aplicação das técnicas. A terapia com portam ental possui uma série
de técnicas cuja eficácia é reconhecida no tratam ento de transtornos psiquiátricos.
Ter clara a racional que envolve cada técnica e a sua forma de aplicação é prérequisito básico para a atuação do AT. Em muitos casos, ele terá que esclarecer
repetidas vezes, para o paciente e seus fam iliares, a racional do procedim ento e os
seus benefícios terapêuticos de médio e longo prazo.
f) Noções básicas de psicopatologia e psicofarm acoterapia. Reconhecer, por
exem plo, sintom as do transtorno, mudanças nas características do quadro clínico,
as propriedades terapêuticas e as dosagens dos farmacos prescritos ao cliente e os
seus prováveis efeitos benéficos e colaterais, podem facilitar o contato com o psiqui­
atra e até o manejo da adesão à farm acoterapia por parte do paciente.
Sobre comportamento c cognição
161
Evidentemente, este repertório mínimo para o exercício da atividade de AT consti­
tuiu parte da formação do terapeuta comportamental que atua em casos psiquiátricos.
Sendo o AT um profissional em formação, ó comum que seu trabalho acabe por se
caracterizar como um tipo de estágio supervisionado, em geral, remunerado.
3.2. A integração da equipe multiprofissional como pré-requisito para a
qualidade do trabalho
É de extrema importância que os diferentes profissionais envolvidos no caso este­
jam em constante contato. Isso permite ampliar a análise que se faz do caso e propicia
uma diretriz única para sua condução (Chiles, Carlin, Benjamin, Beitman, 1991). O custo
da resposta exigida dos profissionais envolvidos pode ser fator impeditivo. Reuniões,
contatos telefônicos, relatórios e atendimentos de emergência em horários e locais pou­
co convenientes são ocorrências freqüentes na rotina do AT.
A clareza na distribuição de papóis entre ATs e outros profissionais, de forma a
evitar sobreposições desnecessárias e omissões prejudiciais, ó um outro aspecto a ser
considerado em busca de um trabalho mais eficaz. Devido ao caráter pouco usual de
algumas das atividades desenvolvidas pelo AT, esta é uma tarefa difícil. A própria denomi­
nação Acompanhante Terapêutico às vezes origina confusões, tanto da parte do profissi­
onal contratante quanto da família ou do próprio paciente. Para leigos, pode sugerir a
idéia de uma companhia, alguém para passear, "jogar conversa fora", fazer atividades que
podem ser “terapêuticas", aqui entendidas como algo inespecífico e não planejado com
critérios clínicos. Um fam iliar ou paciente não esclarecido pode ter dificuldade em com ­
preender as atividades desenvolvidas pelo AT (é comum o fam iliar referir-se a ele como
"aquele moço que vem aqui para passear" ou "a enfermeira do Fulano"). Deixar claro o
seu papel enquanto membro da equipe terapêutica, os objetivos de sua proposta de
intervenção, e a formação que a função exige são medidas que garantem o reconheci­
mento do profissional e propiciam a eficácia do seu trabalho.
3.3. O AT como o elo entre a equipe multidisciplinar e a família
Atuando como AT ou como terapeuta, o profissional depara-se todo o tempo com
os limites de sua prática. Como fazer com que o repertório aprendido pelo cliente na
situação terapêutica seja generalizado para outras situações?
Sabemos que, para obter sucesso no tratamento, não basta alterar a topografia de
uma ou mais respostas ou, ainda, colocar a sua ocorrência sob controle impreciso de
estímulos; é preciso que o sujeito emita a resposta em seu ambiente natural e que este
ambiente forneça as conseqüências adequadas para a manutenção do comportam ento
desejado.
Atuar no ambiente natural do cliente propicia um controle muito mais próximo
daquele vivido pelo cliente em seu dia-a-dia na ausência do profissional, mas não deixa
de ser uma contingência artificial.
Assim, a orientação familiar ou, em alguns casos, a terapia familiar torna-se ne­
cessária. Nesses casos, a família muitas vezes torna-se mais um membro da equipe de
tratamento. Nessa etapa da intervenção, ela pode assumir a manutenção das contingên­
cias necessárias para a mudança. Um exemplo que ilustra essa possibilidade é nos
casos de TOC, nos quais famílias podem aprender a trabalhar conjuntam ente com o AT
162
D rn is R. Z>imiginmi e
C lirittm .i W iclcnsk.i
para evitar rituais (Guedes 1997). O AT pode ajudar a manter a família a par dos objetivos
dos procedimentos, somando esforços para a manutenção da adesão ao tratam ento, e
evitando que a família chegue a boicotar as tarefas por desconhecimento.
Como o AT está freqüentemente interagindo com a família em seu cotidiano, m ui­
tas vezes se vê envolvido em uma série de situações ligadas ou não à problem ática do
cliente. Certamente, é impossível prever todas as alternativas em que ocorra algo novo,
sendo desejável que o AT tenha como solicitar auxílio imediato quando algo escapa de
seu controle e possa prejudicar o cliente.
4.
Questões de natureza ética
a) Um dos problemas possíveis no trabalho multiprofissional é a formação de alianças
terapêuticas que prejudicam a qualidade do trabalho. Por exemplo, é comum o pedido
por parte do paciente para que o AT guarde segredo a respeito de atitudes prejudiciais
ao andamento do próprio tratamento (por exemplo, quando não há adesão às prescri­
ções médicas). Outro problema surge quando o profissional coloca o AT numa posição
de "delator", checando, através do AT, as informações dadas pelo paciente na consul­
ta, o que pode prejudicar bastante a confiança do cliente no AT. É preciso encontrar
um meio termo entre a atitude de ‘‘fiel depositário de segredos" e a de delator, tendo
em vista a manutenção das condições necessárias para o tratamento. Uma alternativa
que pode ser eficaz é combinar, de antemão, com o terapeuta, a família e o cliente,
que tipo de informação poderá ser trocada entre os profissionais e qual a finalidade
desta postura ética (proteger e respeitar o cliente, facilitando sua recuperação),
b) Considerando-se a necessidade de trabalho em equipe, a explicitação da responsabi­
lidade diante de procedimentos terapêuticos deve ser claramente definida entre todos
os envolvidos (profissionais, cliente e familiares). Conforme já foi dito, não cabe ao AT
assumir a responsabilidade pelo planejamento, mas ele pode sugerir alterações quan­
do considerar necessário, e deve agir conforme o previsto no contrato com o profissi­
onal contratante. Muitas vezes, é necessário sair em locais públicos e/ou usar auto­
móvel do AT. Munir-se das documentações necessárias, obter consentimento prévio,
tomar medidas de segurança podem evitar surpresas desagradáveis.
c) Outro problema ético é o conflito entre o direito do cliente à privacidade e o atendim en­
to de necessidades terapêuticas. Ilustrando esta questão, pode-se m encionar uma
situação quo exigiria a presença do terapeuta durante o banho de um cliente obsessivo-com pulsivo para prom overa prevenção de rituais de lavagem. Um outro exemplo
envolveria o conflito resultante da intervenção sobre o meio físico ou interacional do
cliente (mudar a disposição dos móveis, participar de - ou alterar - rotinas de alim en­
tação, m odificar a interação familiar, etc.).
Com esta discussão, pretendeu-se ressaltar as importantes contribuições da
atividade de acompanhamento terapêutico ao tratamento de pacientes com transtornos
psiquiátricos e à manutenção da sua qualidade de vida. As questões discutidas preten­
dem, antes de mais nada, ser fontes de novas pesquisas e novas propostas de formação
para a utilização do trabalho desse agente terapêutico.
O trabalho de acompanhamento terapêutico é, de fato, uma situação privilegiada
de aprendizagem para o estudante. No entanto, como todo trabalho acadêmico ou profis-
Sobro comport.im enlo i* cognição
163
sional, está sob a ação de contingências diversas, por vezes conflitantes. De qualquer
modo, os resultados finais, democraticamente, tendem a beneficiar todos os envolvidos,
desde que sejam respeitados os princípios anteriormente mencionados.
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Solm* comport.imonto e coroíç J o
165
Capítulo 19
A intervenção em equipe de terapeutas no
ambiente natural do cliente e a interação
com outros profissionais1
Q isliiy n c C . C . Ifaumfrirth
/
-
iibüihi f. C/ucn vIlm Robcrtit KoViic M,irin<i M .i / c r -
Pcnis K. Z<imÍL>ihini- l \ / C y '
"Se a teoria em que se baseia a terapia
comportarnental ô correta, então a soluçào para um
problema comportarnental nào pode se restringir a
contingências especialmente arranjadas no ambi­
ente particular da clínica. Se o problema tom que
ser corrigido, ó necessário moditicar as contingên­
cias do ambiente natural". (Holland, 1982)
E
ste trabalho discute a terapia comportarnental no ambiente natural do cliente,
as implicações e possibilidades desta modalidade de atendimento, assim como sua
relação com os pressupostos da abordagem behaviorista radical.
1.
A construção do repertório comportarnental e a queixa clínica
O indivíduo está em constante relação com o mundo que o circunda. Nessa rela­
ção se dá um lento e complexo processo de aprendizagem que dá origem a um conjunto
de formas particulares de responder aos mais diversos aspectos do ambiente. É de
acordo com nossa relação com o ambiente que nos tornamos o que somos, no sentido
’Temn apresentado na mesa redonda Vantagens e Dificuldades no Trabalho em Equipo Multiprofissional,
realizada durante o VII Encontro Brasileiro do Psicoterapia e Medicina Comportarnental Campinas, sotombro
de 1998.
J Agradecomos à Maria Luisa Guedes, cujas discussões e questionamentos nos levaram a transformações
Importantes, tanto na definição do nosso papel profissional como também, o conseqüentemente, na nossa
atuação.
3 Agradecemos também aos nossos supervisores Roberto Banaco, Márcia Motta e Rogina Wielonska que,
além de compartilharem conosco sua exporiôncia, sempre colaboraram com nosso trabalho.
1Ó Ô
C/itl.iyne C. C. Hiiumfl.irtli, («íbi.m.i f. Qucrrcllni*, Robfrtii Kov.ic, M.irinti M<i/cr c Poni* R- 7<imiftn.im
de termos um repertório de comportamentos que nos ó único. Ao longo da vida, novas e
novas respostas são exigidas diante de um mundo em constante mudança (Skinner, 1953).
Os indivíduos que se relacionam em ambientes cujas contingências são predom i­
nantemente aversivas, pobres em estimulação, podem apresentar desde queixas relati­
vas a sentim entos de insatisfação, tristeza, ansiedade ató um déticit muito acentuado
em seu repertório comportamental.
Esse déficit se estende a habilidades que geralmente'são aprendidas muito cedo
na vida do indivíduo a partir das chamadas relações primárias - relações parentais ne­
cessárias para a aprendizagem de habilidades mais complexas. Para fins didáticos,
estas habilidades “primárias" serão denominadas repertório básico de com portam ento
que envolve:
a) habilidades sociais específicas que permitem ao indivíduo estabelecer e manter o contato
social:
b) habilidades de linguagem (pré-requisito essencial para a comunicação) e
c) habilidades físicas e motoras que propiciam o contato e a exploração do m undo (que
seriam pré-requisito para atividades produtivas, de lazer, etc.). (Hops, 1983)
Há uma enorme variedade de comportam entos operacionalizados na categoria
habilidades sociais. Ela é baseada no com portamento socialmente com petente. A com ­
petência é um termo que agrupa a qualidade geral do desempenho do indivíduo numa
dada situação e é adquirida pelo julgamento dos agentes sociais. (Hops, 1983)
Os clientes que atendemos geralmente apresentam acentuado déficit no que se
refere à competência social. Relações sociais restritas, transtornos psiquiátricos, doen­
ças físicas e outros aspectos da história de vida podem contribuir para uma baixa taxa de
com portam ento nas mais diversas áreas. Estes clientes teriam também deficiente a
habilidade para generalizar respostas aprendidas para contextos diferentes daqueles em
que ocorreu a aprendizagem. Além disso, a aprendizagem decorrente de contingências
aversivas pode levar a uma menor variedade no repertório de com portam entos, assim
como a um aumento no repertório de fuga e esquiva (Sidman, 1995). Em outros casos, o
indivíduo pode se engajar em comportamentos que causam dano a si próprio ou à com u­
nidade. Como afirma Skinner, 1953/1993:
“Uma determinada história pessoal produziu um organismo cujo comportam en­
to é desvantajoso ou perigoso. Em que sentido é desvantajoso ou perigoso, deve
ser especificado em cada caso, notando-se as conseqüências tanto para o próprio
indivíduo quanto para os outros. A tarefa do terapeuta ê com pletar uma história
pessoal de tal modo que o comportamento já não tenha essas características".
(p. 352)
2.
Repertório básico de comportamento e terapia de consultório
A psicoterapia de gabinete, por sua natureza verbal, oferece importantes contribui­
ções para o caso clínico quando a queixa nào envolve um grande déficit de repertório de
comportamento. Para que haja uma aprendizagem satisfatória, é necessário que o clien­
te demonstre capacidade de generalizar conteúdos aprendidos no consultório para ou­
tros ambientes e relacionamentos. Por exemplo, um cliente com repertório comportamental
rico e com portam ento verbal bem desenvolvido com mais facilidade utiliza as interven­
Sobre comportamento e cofinlçdo
167
ções do terapeuta testando por si próprio as hipóteses levantadas no consultório. Q uan­
do o cliente testa essas hipóteses, pode estar gerando alterações nas contingências que
tragam conseqüências que poderão contribuir para a aprendizagem e m anutenção do
repertório alternativo sugerido.
Quando há acentuado déficit de repertório, um outro tipo de intervenção torna-se
necessário - um trabalho que estabeleça através da relação terapêutica contingências
semelhantes àquelas relações primárias necessárias para a construção do repertório
básico. Assim, a intervenção, ou seja, a natureza da estimulação, é definida de acordo
com o repertório do cliente.
O terapeuta procura disponibilizar condições de desenvolvimento comportamental
que por qualquer motivo na história do sujeito não foram dispostas. E é sobre essas
condições que está baseada a decisão de intervenção no consultório ou no ambiente
natural do cliente.
3.
Especificidades da terapia no ambiente natural do cliente
O trabalho no ambiente natural propicia condições para a conseqüenciação imedi­
ata do com portamento, o que gera um maior poder de controle. Isto porque através de
procedimentos de reforçamento diferencial, extinção, modelação, modelagem , fading,
etc., o terapeuta intervém diretamente nas respostas e conseqüências do com portam en­
to do sujeito.
O ambiente natural do cliente oferece uma rica variedade de estímulos que permite
maior variabilidade de comportamentos. Nesse ambiente, são maiores as oportunidades
de novas respostas serem emitidas e reforçadas. Tanto o ambiente quanto o terapeuta
agem seletivamente num processo contínuo de aprendizagem.
Essa aprendizagem inclui, por exemplo, os processos de modelagem e modelação
que são facilitados pelo ambiente. Numa situação na qual o terapeuta se relaciona com
um jornaleiro, garçom ou membro da família, a modelação pode estar acontecendo4, à
medida que nesses momentos o terapeuta é modelo de com portam entos que não exis­
tem no repertório atual e que portanto devem ser aprendidos. Quanto à modelagem,
respostas que se aproximam da habilidade a ser desenvolvida são diferencialmente refor­
çadas. Por exemplo, para que um cliente consiga exercer atividades que incluam estar
fora de casa (supermercado, transporte, eventos sociais), é necessário que o terapeuta
propicie a emissão de pequenas respostas que possam ser reforçadas (ir até o portão de
casa) que tendam a levar ao comportamento final.
A abordagem behaviorista radical, através da análise funcional, permite-nos enten­
der qualquer resposta do cliente como parte de uma contingência de reforçam ento, em
interação com eventos ambientais que a originam e mantêm. Essa forma de entendim en­
to exclui da explicação e da atuação do terapeuta qualquer julgamento de valores ou
atribuição de culpa, o que permite ao terapeuta se estabelecer como uma audiência nãopunitiva (Skinner, 1953). Estabelecendo-se como audiência não-punitiva, o terapeuta pode
tornar-se uma fonte eficaz de reforçadores e, portanto, estabelecer-se como um estímulo
reforçador condicionado, aumentando a probabilidade de o cliente se engajar em com ­
4 Vale ressaltar que o processo de modelação só acontecerá se o comportamento do cliente for de tato
alterado a partir desta interaçAo.
168 Cyltldynr C. C. B<iumg<irtli, F«ibidn<i F. Querrelhds, Roberta Kov.ic, M.irin.i M.iw e Denis R.
portamentos que ainda não estão presentes em seu repertório. Esse retorço terá então
um caráter arbitrário, ató que a conseqüência natural passe a exercer seu controle.
Conseqüências reforçadoras que ocorrem temporalmente próximas às respostas
dos clientes podem estar mantendo estas respostas a despeito do conseqüências aversivas
que ocorram a médio e longo prazo. Esse tipo de contingência mantém comportamentos
que trazem sofrimento ao cliente ou àqueles que com ele convive. Cabe ao terapeuta
identificar essas contingências e dispor as condições necessárias para alterá-las, ao
mesmo tempo propiciando a instalação e refinamento de um repertório comportam ental
alternativo que gere uma maior probabilidade de conseqüências reforçadoras que atuem
a curto, médio e longo prazos.
Em nossa experiência clínica, vemos, por exemplo, clientes que foram e são refor­
çados com atenção e cuidados especiais ao apresentarem respostas de queixas relati­
vas a doenças. Somado a esta contingência, há um repertório insuficiente para produzir
esses reforçadores de outra maneira. A curto prazo, essa conseqüência positiva aum en­
ta a probabilidade do comportam ento de se queixar ocorrer novamente. Entretanto, a
médio e longo prazos, esse comportamento trará conseqüências prejudiciais, como, por
exemplo, o afastamento das pessoas.
Muitas vezes, o terapeuta reforça arbitrariamente comportamentos desejáveis que
ocorrem em muito baixa freqüência no repertório do cliente e cujas conseqüências natu­
rais não são suficientes para mantê-los em uma freqüência desejável. Por exemplo, se
um cliente não consegue cumprir com prom issos pela manhã, é planejada uma situação
em que o fato de colocar o despertador e acordar na hora adequada é reforçado com um
belo café da manhã (num lugar que o cliente goste, acompanhado do terapeuta). Desse
modo, o café da manhã funciona como reforço arbitrário, enquanto o cum prim ento do
com prom isso não é exposto às suas conseqüências naturais. O próprio terapeuta esta­
beleceu-se como um reforçador condicionado, como já foi dito, e sua presença pode
aumentar a probabilidade de o comportamento adequado ocorrer.
Em alguns casos, é necessário inclusive o reforço de respostas "inadequadas"5,
quando estas são as únicas disponíveis. Nesses casos, o que está sendo alvo do reforço
é o “responder", num primeiro momento, para aumentar a freqüência de respostas, e só
então refinar o reforço diferencialmente, na direção das respostas desejáveis. Follette,
Naugle e Callaghan (1996) discutem como reforços aparentemente não-contingentes são
importantes num estágio inicial do processo terapêutico para dar suporte ao com porta­
mento do cliente de vir à terapia, para em estágios subseqüentes ocorrer o processo de
reforçamento diferencial. Esses reforços aparentemente não-contingentes são necessá­
rios para que a terapia possa ocorrer.
Em síntese, a variável fundamental que define a decisão de intervenção no ambien­
te natural é o repertório comportamental do cliente. Em alguns casos, é no ambiente
natural que encontramos dispostos os reforçadores necessários para a aprendizagem de
novas habilidades, a partir da exposição direta à contingência e teste efetivo de hipóte­
ses.
b Chamamos de Inadequadas aquelas respostas que podem estar mantendo as condições de sofrimento do
cliente.
Sobro compoit.imcnto e co^nição
169
Quadro 1 - Vantagens do Processo de Intervenção no Ambiente Natural do Cliente
4.
A relação com a equipe interdisciplinar
Os clientes que demandam o tipo de atendimento descrito anteriormente, em geral,
apresentam aspectos clínicos que exigem um tratamento medicamentoso, ou apresen­
tam características que devem ser avaliadas por profissionais da psiquiatria ou outra espe­
cialidade médica.
Acreditamos que o psicólogo e o psiquiatra ocupam diferentes papéis num trabalho
realizado em equipe. A contribuição que cada um destes profissionais pode oferecer é
fortemente marcada ou mesmo delimitada pela especificidade de suas áreas.
No entanto, parece-nos claro o fato de que ambas compartilhem do mesmo objetivo
último - melhorar a qualidade de vida do cliente.
No exercício cotidiano de nossa prática, temos tido a oportunidade de observar (de
forma não sistematizada) casos nos quais a atuação do psiquiatra tem se m ostrado fun­
damental para o alcance dos objetivos terapêuticos. Do mesmo modo, somos solicitados
pelos psiquiatras em busca de uma maior eficácia no tratamento. Muitas vezes, o trata­
mento psiquiátrico consegue reduzir e controlar a severidade dos sintomas, mas o trans­
torno alterou tão significativamente as relações do cliente e sua vida de uma forma geral
que o tratamento terapêutico se faz também necessário. A combinação de tratamento
medicamentoso, associado à terapia comportarnental, tem obtido resultados mais efica­
zes, o que reafirma o papel complementar destas modalidades terapêuticas, aspecto
exaustivamente apontado pela literatura nos últimos anos (Drumond, L. M., 1993; Marks,
I. M. et al, 1994; Turner, S. M. et al, 1994; Rasmussen, S. A. & Eisen, J. L. 1997; Dominguez,
R. A. & Mestre, S. M. 1994; Salkovskis, P. M, 1997).
Há basicamente duas formas mais comuns de sermos requisitados por um profis­
sional da psiquiatria ou de outra área de saúde mental: 1) para aplicarmos técnicas espe­
cíficas (por exemplo, exposição com prevenção de resposta, treinamento em habilidades
sociais) e 2) para trabalharmos como analistas do comportamento. O pedido de aplica­
ções de técnicas e procedimentos acaba necessariamente levando a uma análise funcio­
nal, que inclui todos os procedimentos que cabem em uma intervenção comportamontal.
Assim, o fato de sermos analistas do comportamento nos impede, por princípio, de aten­
der à demanda de apenas aplicar técnicas específicas.
É comum, por exemplo, que em casos de Transtorno Obsessivo-Compulsivo - TOC
(APA, 1995), sejamos solicitados para realizar o procedimento de exposição com preven­
ção de respostas. Entretanto, além de verificarmos a necessidade ou náo do procedimen­
to de exposição, nossa intervenção no caso pode incluir:
170
C/ísl<iyi)c C . C . ll«iumfl«irtli, f .íbi.in.i I. (./uerrelh.is, Robert.i Kov.ic, M . i u i i . i M . i m
o Penis R. 7<milnn.mi
a) desenvolvimento de novas atividades que busquem reforçadores para o cliente;
b) uma análise com o cliente sobre outros aspectos de seu comportamento que vão além
dos comportamentos referentes ao transtorno;
c) contato com a escola para orientação dos professores e orientadores ou, no caso de
adultos, contato com pessoas de seu ambiente profissional e/ou familiar;
d) um atendimento para a família - a família, muitas vezes, age com o paciente portador
de TOC de maneira inconsistente, ora participa de um ritual, ora antecipa ela própria o
ritual do paciente, ora ignora e ora ainda pune este ritual, e com isso agrava a intensida­
de do quadro (Guedes, 1997). Orientar a família ó fundamental, então, para a generali­
zação dos resultados obtidos com os procedimentos.
O contato entre os psicólogos e o psiquiatra acontece por meio de reuniões nas
quais os membros da equipe trocam informações (dados relevantes) sobre o andamento
do caso e discutem os próximos passos. A freqüência dessas reuniões varia muito de
caso para caso e, em momentos em que há urgência, o contato entre psicólogos e psiqui­
atra é feito via telefone.
Entendemos que a integração da equipe interdisciplinar ó um fator importante na
qualidade do trabalho, ou seja, a troca de diferentes olhares sobre o caso a partir de vários
membros da equipe pode ser extremamente produtiva. Por outro lado, pode ser também
bastante complicada à medida que olhares diferentes implicam práticas diferentes. Por
exemplo, é preciso estar pronto para explicar para um outro profissional a função de
determinadas atividades que realizamos com os clientes (por exemplo, levar um cliente
com obsessões de contaminação para patinar no Ibirapuera por várias semanas com o
objetivo de expor o cliente a estímulos ansiogênicos e buscar interações reforçadoras). O
tempo que levamos para atingir determinadas metas e as estratégias que adotamos com
o cliente muitas vezes geram estranheza para um profissional que não trabalhe diretamente
com a concepção de aprendizagem da análise funcional do comportamento. Por isso, é
necessário que, nas reuniões de discussão de caso, cada profissional apresente e discu­
ta os fundamentos, procedimentos e objetivos de seu trabalho de forma concisa e com pre­
ensível para um ouvinte não-especialista.
5.
Quando dois ou mais terapeutas atuam no mesmo caso
A necessidade de inserir um segundo e, em algumas situações, um terceiro terapeuta
no atendimento de um caso surge também em função do repertório do cliente. Ou seja, o
trabalho é oferecido por mais de um terapeuta diante de clientes que precisem:
a) de um treino intensivo de habilidades;
b) de diferentes modelos de relação;
c) de orientação familiar;
d) de diferentes contingências para desenvolvimento de repertório;
e) em situações de crise, como ameaça de suicídio, comportamentos autolesivos e
1) quando o atendimento envolve risco para o terapeuta.
Nos casos em que um mesmo cliente é atendido por dois ou mais terapeutas, é
necessário que estes estejam em freqüente contato. Procuramos após cada atendimento
colocar o outro psicólogo a par dos acontecimentos mais relevantes. Cada passo da
intervenção é discutido e planejado pelos psicólogos responsáveis pelo caso, e também
em reuniões semanais com os outros membros da equipe.
Sobre comportamento e cognlç.lo
171
Essas reuniões possibilitam uma análise não só dos dados relevantes referentes
ao cliente, mas também das contingências que controlam o comportamento dos terapeutas
envolvidos diretamente no caso. Contamos com os dados de observação de atendimentos
feitos em conjunto e também de comentários que o cliente possa fazer sobro os terapeutas.
Em casos mais complexos, pode-se incluir dois terapeutas atendendo juntos na
sessão. No decorrer da própria sessão, podem ocorrer interações entre os terapeutas
para alterar o andamento da intervenção. O seguinte exemplo ilustra este aspecto: dois
profissionais atendiam um cliente, e ocorreu uma situação de confrontação; um terapeuta
sinalizou com as mãos para o outro que ele estava sendo muito contundente com o
cliente, situação que gerava estimulação aversiva. O terapeuta diminuiu imediatamente a
aversividade da estimulação e, após a sessão, ambos puderam analisar juntos o que havia
ocorrido. Esse tipo de situação ó bastante comum no atendimento de casos dessa natu­
reza. Muitas vezes, a interação com o cliente envolve contingências bastante aversivas
para o terapeuta, e a presença de um segundo profissional permite que a contingência
seja atenuada, com ganhos para os terapeutas e para o resultado do tratamento.
Os aspectos discutidos neste texto permitem as seguintes conclusões:
a) a intervenção no ambiente natural em casos de déficit de repertório básico de com por­
tamento pode ser mais efetiva;
b) a interação entre profissionais de diferentes disciplinas, se superados os obstáculos
dos diferentes modelos, pode trazer importantes ganhos para o tratamento;
c) em diversas situações, faz-se necessária a inclusão de uma equipe de terapeutas,
buscando proporcionar maior riqueza de estimulação, favorecendo a variabilidade ne­
cessária no repertório do cliente.
Acreditamos que essas questões têm uma importância fundamental para o desen­
volvimento da aplicação terapêutica com base na Análise do Comportamento, merecendo
por isso estudos mais aprofundados.
Bibliografia
Associação Psiquiátrica Americana. M anual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM-IV). 4a edição. 1995, Artes Médicas, Porto Alegre.
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172
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**obrv com port.im njlo e coflniç.lo
173
Seção IV
Problemas sociais:
análise e intervenção
Capítulo 20
O estudo da violência no laboratório
Angélica Cttpchri - PUC/SP
Danichi í. S. f ii7/io - P U CA P
O
tema violência tem sido discutido com grande freqüência. Imaginamos que
todos nós dividimos o interesse pelo tema ‘violência’, o incômodo com a expressão des­
se fenômeno no mundo, assim como uma ambiciosa busca de entendimento, prevenção
e controle. Como contribuição, para essa busca, passamos quase dois anos entre muita
literatura, computadores e ratos. Citando Sidman (1995): “ Muitos de nossos mais sérios
problemas originam-se de nossa inabilidade para predizer e lidar com o com portam ento."
Falaremos um pouco do estudo da violência com sujeitos infra-humanos no labora­
tório, um ambiente mais controlado e muitas vezes protegido de variações não planejadas.
(Estas características tornam os estudos realizados sob essas condições muito confor­
táveis e gratificantes.)
A literatura que aborda o tema violência com sujeitos infra-humanos, em geral, se
refere ao fenômeno como agressividade, estudando contingências onde são produzidas
respostas de ataque por parte de um animal em relação a outro da mesma espécie, na
maioria das vezes, e também em relação a objetos do seu ambiente.
A agressão pode ser definida como um comportamento associado à apresentação
de estim ulação aversiva a outro organismo; esta definição evita referências a fatores
motivacionais como intenção de causar danos. Considerando esta definição adequada,
porém ampla, e na intenção de ter uma resposta o mais definida possível para observa­
Sobre comport.imento c cohuíç .I o
177
ção e análise, usaremos a resposta de ataque, como referência de agressividade. Mais
especificamente, falando em ratos, chamaríamos de uma resposta agressiva patadas ou
mordidas com o animal em posição agressiva estereotipada, descrita por Ulrich & Azrin
(1962) como o animal sobre duas patas, com a cabeça para cima e a boca aberta, diante
doestímulo-alvo.
Porém, alguns estudos mostram formas alternativas de observar e registrar res­
postas de ataque, como respostas agressivas em direção a uma fotografia de um animal
da mesma espécie ou à imagem em um espelho para pombos e mordidas em um mordedor
de borracha para macacos.
Grande parte da literatura descreve experimentos que envolvem controle aversivo e
suas conseqüências. Seria razoavelmente menos preocupante, então, pensar que tudo o
que temos que fazer é abolir o controle aversivo das nossas relações e tudo estaria
resolvido. Já seria tarefa suficientemente difícil. Porém, para nosso desconcerto, há inú­
meros relatos de experimentos envolvendo esquemas de reforçamento positivo que ge­
ram respostas de ataque.
Os relatos dizem que não apenas o controle aversivo gera violência, mas também
as contingências aparentemente tão "inofensivas" que envolvem esquem as de reforço
positivo. Isso não é novidade, considerando que a maioria dos estudos data das décadas
de 60 e 70, com referências bibliográficas anteriores a 1940. No entanto, inúmeras lacu­
nas foram deixadas, apesar de tantos experimentos realizados, validando a continuidade
dos estudos com a exploração de diversas variáveis, como, por exemplo, as mais óbvias:
tipo e valor do esquema, a própria resposta considerada agressiva, o arranjo experim en­
tal "físico" disponível para o animal, ou seja, de que consta o ambiente físico em torno
dele.
Uma breve sistematização dos estudos da área nos tomaria muito tempo. Porém,
uma breve sistematização dos estudos sobre o tema que foram realizados no Laboratório
de Psicologia Experimental da PUC-SP já nos dá alguma idéia sobre o que estamos
falando.
Nesses estudos, a agressividade tem sido investigada, náo como produto do con­
trole aversivo, mas como um possível produto de contingências positivas. A investigação
dessa hipótese ocorreu em duas frentes teóricas com procedimentos que envolveram o
uso de esquemas de reforçamento independentes da resposta, que podemos classificar
como íncontrolávels pelo sujeito, baseados um em literatura sobre comportam ento indu­
zido por esquema e outro em literatura sobre incontrolabilidade.
Rapidamente: um comportamento induzido por esquema, ou adjuntivo, como foi
denominado por Falk (1961), é aquele que aparece numa situação experimental de refor­
ço intermitente e persiste enquanto o esquema estiver operando, sem estar sendo refor­
çado, seja por reforçamento operante propriamente dito ou por uma relação do contigüidade adventícia entre a resposta e o reforço. Com animais, as respostas induzidas mais
estudadas têm sido beber água, correr em uma roda de atividades, roer um bloco de
madeira e atacar um animal da mesma espécie presente na situação experimental, sem ­
pre após o consum o de cada reforço liberado. A resposta induzida que aparece tem
relação com o arranjo experimental à disposição do sujeito, como a presença do bloco
de madeira, da roda de atividades ou do outro animal. Assim, sujeitos expostos a
reforçamento intermitente desenvolvem padrões de comportamento relacionados aos ar­
ranjos ambientais presentes na situação experimental.
Há algumas particularidades da chamada resposta induzida que a caracterizam
178
AhhóIIc.i C.ipel.iri c P.micl.i |. S. hi/zio
como uma resposta induzida por esquema e a diferenciam de uma resposta operante ou
de um comportam ento supersticioso. A principal dessas particularidades é a localização
temporal da resposta em relação ao momento de liberação do reforço, durante o intervalo
entre um reforço e outro. Para ser considerada como um com portam ento adjuntivo, a
resposta em questão deve acontecer, levando-se em conta um intervalo entre reforços,
temporalmente mais próxima do início do intervalo, ou seja, logo após a liberação do
reforço. Isso porque respostas que ocorrem imediatamente antes do reforço provavel­
mente estão sendo controladas pela sua liberação, sendo assim classificadas como
operantes.
Assim, há toda uma corrente de analistas do com portam ento estudando a
agressividade como um produto de esquemas de reforçamento intermitente. A intermitência
da liberação de reforços seria responsável pelo aparecim ento e pela m anutenção de
respostas de ataque.
Por outro lado, a incontrolabilidade descreve o que ocorre com o indivíduo quando
as alterações do ambiente independem do que ele faz. Esse conceito foi definido por
Seligman, que diz que “quando um organismo não tem condição de executar nenhuma
resposta operante que resulte em determinada conseqüência (...) esta conseqüência é
incontrolável" (Seligman, 1977, p .14). Isso ocorre, por exemplo, quando um sujeito é
submetido a um esquema de tempo fixo, no qual, quer pressione a barra ou não, a
liberação de reforços ó determinada pelo tempo.
Um exemplo de incontrolabilidade com humanos: quando dizemos que uma crian­
ça é mimada, estamos, possivelmente descrevendo o fato que ela é "agradada" indepen­
dentemente do que faça: assim, ela não tem controle sobre o ambiente no qual vive. Ela
faz algo certo e recebe agrado; ou ela faz algo errado e também recebe agrado. Desse
modo, ela talvez tenha dificuldade em estabelecer o que é certo e o que é errado. Mais do
que isso, esta situação pode trazer algumas conseqüências: prejuízos motivacionais, ou
seja, dificuldade em iniciar comportamentos; prejuízos cognitivos, o que quer dizer difi­
culdade em aprender novos comportam entos; distúrbios emocionais, como, por exem ­
plo, depressão e apatia.
Curiosamente, os estudos de indução por esquema de respostas de ataque foram
muito mais vezes bem -sucedidos com pombos do que os mesmos estudos com ratos.
Diversos tipos de esquemas foram testados, de tempo ou intervalo, com diferentes valo­
res, sempre produzindo as estereotipadas respostas de bicar nos pombos. É raro encon­
trar na literatura uma descrição de experimento com ataque em ratos. Assim como tam ­
bém não há descrições de experimentos que relacionem a incontrolabilidade à agressão.
Pelo contrário, os estudos relacionam a incontrolabilidade à apatia.
Por que, então, ousar estudar a agressão como produto dos esquemas intermiten­
tes e em ratos? Primeiro, numa tentativa de teste da generalidade do fenôm eno, já que
ele fora tão claram ente descrito em pombos e macacos. Segundo, por um motivo muito
particular, porém absolutamente relevante: sujeitos de três experimentos (Jacinto, Iglesias,
Gonzalez, Villaboim e Conselheiro, 1992; Carvalho, 1994; Fernal, 1995) realizados no
Laboratório de Psicologia Experimental da PUC-SP que estavam sendo subm etidos a
esquemas de reforçamento independente da resposta, inesperadamente, para seus au­
tores, apresentaram agressão entre si, ao final do experimento. Em função dessas ques­
tões, foram realizados outros dois experimentos (Fazzio, 1997 e Capelari, 19971) no
1 O primeiro esperimonto foi realizado como parle do Trabalho de Conclusão de Curso e o segundo foi
realizado como projeto de Iniciação Cientifica.
Sobre comportamento e coflniç.lo
179
mesmo laboratório e que estarão sendo relatados aqui. Ambos os experim entos usaram
reforço positivo investigando se respostas de ataque poderiam ser produto de esquemas
independentes da resposta.
O primeiro experimento (Fazzio, 1997) baseou-se na literatura sobre com porta­
mento adjuntivo, que sugere que respostas de ataque são produzidas quando um sujeito
ó exposto a um esquema reforço intermitente e um outro sujeito da mesma espécie está
presente na situação experimental.
Para promover tal situação, foi acoplada à caixa experimental uma outra caixa,
pouco menor do que a metade dela. Nela só cabia um rato, que conseguia apenas se
virar de um lado para o outro. As caixas eram ligadas por uma janela, com grades, para
evitar que os ratos tivessem contato direto e se agredissem. Mesmo assim, os focinhos
e patas podiam passar tranqüilamente para o outro lado da grade.
Todos os comportamentos observados foram agrupados em categorias e registrados.
As categorias eram: atividades exploratórias (andar, farejar, lamber ou morder a caixa
experimental), área do alimentador (permanecer na área do alimentador, farejando a ban­
deja ou imediações), atividades relacionadas ao próprio corpo, ataque contra o sujeito
auxiliar, parado, área de contato (permanecer na janela de contato com o sujeito auxiliar
sem atacar).
Os estímulos reforçadores foram pelotas de alimento, liberadas intermitentemente
num esquema de tempo fixo em 60 segundos (FT-60seg), por 30 sessões diárias de 30
minutos cada, depois de uma fase de linha de base sob condições de extinção e uma
outra sob reforçam ento maciço. Os cinco sujeitos passaram por esta história, que não
produziu nenhum aumento na freqüência de ataque. Pelo contrário, parece que a novida­
de da situação até determinou algum estranhamento entre alguns sujeitos e o sujeito
auxiliar (aquele que ficava enclausurado na caixa pequena). Porém, conforme as ses­
sões passaram, deve ter havido uma familiarização. As taxas de ataque continuaram
insignificantes. E o tempo que os sujeitos passavam na área de contato, em geral dor­
mindo, aumentou.
Quatro hipóteses foram levantadas, com base na literatura, para náo ter havido
indução de respostas de ataque, das quais três foram testadas no mesmo experimento,
exceto a primeira, por razões óbvias:
1) o sujeito auxiliar esteve presente na situação experimental desde a primeira sessão
de linha de base. Parece coerente que um animal acostumado à solidão em um am bi­
ente reaja agressivamente a um outro animal que chega, principalmente sendo este o
ambiente onde eíe se alimenta.
2) O sujeito auxiliar ficava longe da fonte de reforço.
3) O valor do esquema de tempo fixo, 60 segundos, não seria um facilitador da indução
de ataque.
4) A duração da exposição dos sujeitos ao esquema (30 sessões) seria insuficiente para
a indução.
Com todas essas questões, seria impossível parar. Seriam estas variáveis real­
mente relevantes na indução de comportamentos? Então, para testar a hipótese da loca­
lização do sujeito experimental em relação à fonte de reforço, o sujeito experim ental foi
mudado para o lado do alimentador. Para testar a hipótese da curta duração da exposi­
ção ao esquema, mantive dois sujeitos sob o mesmo esquema, FT-60seg, por mais 20
sessões. Para testar a hipótese do valor do esquema, três sujeitos passaram para um
esquema de valor menor, FT30-seg, por mais 20 sessões também. Sessões de extinção
180
Angélicii Cdpcl.irl
eD.mlel.i I. S. f .i//io
foram realizadas ao final, com todos os sujeitos.
No decorrer dessa nova fase, três respostas chamaram minha atenção pela sua
freqüência: - 'morder/escavar o alimentador’, - 'cheirar a grade' subdivisões da categoria
‘área de contato’ - em que os sujeitos cheiravam repetidamente a grade que ficava em ­
baixo do alimentador; e - 'cheirar o canto' direito da caixa, ao lado do alimentador, uma
subdivisão das atividades exploratórias.'
O que vale a pena dizer dos resultados é que:
a) não houve sequer um discreto aumento na freqüência das respostas de ataque;
b) os sujeitos, principalmente os três expostos a um novo valor de esquema (FT-30seg)
ficaram muito ativos. Passaram muito mais tempo em atividades exploratórias do que
antes;
<
c) as respostas de cheirar a grade, cheirar o canto e morder/escavar o alimentador foram
provavelmente acidentalmente reforçadas, pois foram muito freqüentes durante as ses­
sões sob esquema e desapareceram quando o esquema de reforço foi retirado.
No segundo experimento (Capelari, 1997), procurou-se investigar a interação entre
reforçamento independente da resposta e diversas variáveis envolvidas na produção da
resposta agressiva de morder (a caixa experimental, o objeto-alvo e a si mesmo). Tais
variáveis eram alto nível de privação, competição, esquemas de reforço, história de refor­
ço, etc. Para tanto, ratos machos ingênuos, privados de água, foram usados como sujei­
tos. Foram usadas três caixas de Skinner modificadas, de maneira que no teto de cada
uma delas havia um objeto que poderia ser alvo de mordidas (um arame revestido com
borracha atóxica). Duas das caixas estavam acopladas entre si.
Os sujeitos foram submetidos a uma delineamento por tríades, num procedimento
que envolveu:
1fl) duas linhas de base: de início, um período no qual foram observados e registrados
todos os com portamentos emitidos pelos sujeitos na caixa experim ental e um outro
período de observação e registro, após a inserção do objeto-alvo de mordida na caixa
experimental;
2a) uma fase experimental na qual um sujeito recebia um reforço (uma gota de água)
quando pressionasse uma barra em esquema de razão fixa (até FR 27), enquanto
que um segundo sujeito, na caixa ao lado, não importa o que estivesse fazendo,
recebia também uma gota de água quando o primeiro trabalhara por ela. Para um
terceiro sujeito, nada acontecia durante todas as sessões, pois este era o sujeitocontrole;
3U) uma fase de teste da aprendizagem de uma nova resposta operante, agora passar
por uma argola e não mais pressionar a barra. Todos os sujeitos foram submetidos a
esta fase sob esquema de reforçamento em razão fixa (FR 4).
Os resultados da m anipulação das diferentes variáveis, separadam ente, a partir
deste delineamento, indicaram que nenhum dos sujeitos apresentou respostas geral­
mente descritas como produto da exposição à situação de incontrolabilidade, tais como
dificuldade em iniciar respostas ou em aprender novas respostas, ou ainda desamparo,
como foi sugerido por Seligman (1977). Pelo contrário, todos os sujeitos durante a fase
experimental m ostraram-se muito ativos. Não podemos deixar de levantar a hipótese de
os resultados terem sido estes em decorrência do tipo de conseqüência incontrolável
utilizada, neste caso um reforço positivo e no caso dos experimentos desenvolvidos por
Seligman, reforço negativo.
Para ilustrar a afirmação acima, apresentaremos os dados dos sujeitos da variável
Sobre comportamento e cognlç.lo
181
nível alto de privação. Durante as linhas de base, ambos os sujeitos (o que passou pela
situação de reforço dependente da resposta e o que passou por reforço independente da
resposta) passaram pouco tempo na atividade de morder. Poróm, na fase experimental,
o sujeito que recebeu reforços aleatoriamente mordeu muito mais a caixa do que o sujei­
to que recebia reforços contingentemente com a pressão à barra em esquema de FR 27.
Ambos os sujeitos aprenderam a nova resposta operante.
Retomando, então, os resultados de ambas as pesquisas, os ratos não apresen­
taram respostas de ataque, mas indiscutivelmente se tornaram muito ativos quando sub­
metidos aos esquemas de reforçamento independente da resposta. Se isso se relaciona
de alguma maneira com a agressividade, é provavelmente a pergunta de todos nós. Tal­
vez m odificações nas variáveis testadas, como valor do esquema, nível de privação,
tempo de exposição ao esquema, localização do estímulo-alvo de ataque ou novas variá­
veis manipuladas, produziriam resultados diferentes. Novas hipóteses surgem.
Assim, esperamos ter dado uma idéia da complexidade de se estudar o fenômeno
da violência, não que achemos que ele é mais complexo do que estudar qualquer outro
comportamento humano. Importante é que, nessa complexidade, estão envolvidas tantas
variáveis quantas forem possíveis observar, exceto aquelas que não somos capazes de
enxergar. Envolve ainda uma complexa literatura que em algum momento da História se
dividiu para estudar o mesmo fenôm eno com conceitos diferentes, o que merece muita
atenção dos pesquisadores. Em função disso, destacamos a necessidade de que mais
pesquisas sobre o tema sejam realizadas, considerando a literatura disponível e também
os resultados mais atuais.
Bibliografia
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A n g é lic a C a p cla ri e P a n if la F. S. í a/zio
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Sobre comporliimcnlo e coflniç.lo
183
Capítulo 21
A possibilidade de usar a Análise do
Comportamento para analisar a violência
na imprensa1
Ciicihiii Amorim
ixk/sr
O
presente trabalho tem por preocupação central a tentativa de descrever res­
postas verbais apresentadas como manchetes de jornais. Este trabalho apresenta uma
modesta tentativa de prosseguir com a análise de relatos acerca de episódios violentos
apresentados pela imprensa escrita. Esta análise foi iniciada por Maria Amália Andery e
Tereza Maria Sério (Andery e Sério, 1996; 1997), segundo a concepção de controle aversivo
proposta por Murray Sidman (1989).
A Análise do Comportamento dispõe de instrumentos teóricos para tratar da ques­
tão do conhecimento produzido socialmente. Duas análises já propostas serão aqui apre­
sentadas. A primeira baseia-se na proposta de Guerin (1992) sobre as condições nas
quais o conhecimento é produzido socialmente, que pode ser aplicada a uma análise do
material publicado pela imprensa escrita. A segunda (Rakos, 1993; 1995) analisa um
caso de m anipulação da opinião pública a partir de material publicado pela imprensa.
De acordo com o Behaviorismo Radical, conhecer ó comportar-se. Diz-se que
1 U m a p rim e ira versilo deste trabalho foi apresentada na mesa redonda Um a p ersp ectiva a lte rn a tiv a <lianie ilo
fe n ô m e n o d a v io lê n c ia , d u ra n te o V I I lin c o n tro da A s s o c ia d o
C o m p o ita in en tal. C am pinas ( l ‘W H)
H r a s ile ir a de P s ic o te ra p ia e M e d ic in a
liste Irahalho h eneficiou-se, cm Iodas as suas etapas, da p a rtic ip a d o direta
das professoras M a ria Am .Hia A ndery c T e re /a M aria Pires Sério, às quais a autora 6 profundam ente agradecida
184
C iicildii A m o rim
alguém sabe alguma coisa a partir da maneira como este alguém se comporta. O com ­
portamento que ó descrito como saber ou como conhecimento é sempre produto de
contingências de reforçamento. Este "saber” ou "conhecer" pode, contudo, ter diferentes
origens: ele pode ter sido modelado diretamente pelo ambiente ou pode ser governado
por regras (Skinner, 1974). Referimo-nos ao primeiro tipo de conhecimento quando dize­
mos que um animal sabe como produzir comida quando pressiona uma barra; este saber
é produto exclusivo do contato com o ambiente. Por outro ladó, ó possível conhecer
aspectos do ambiente, isto é, emitir respostas que serão apropriadam ente reforçadas,
sem que haja a necessidade de contato direto com o ambiente mecânico. Estas respos­
tas são instaladas a partir de interações verbais. Dizemos que alguém sabe que quando
este emite uma resposta verbal adequada (Skinner, 1974, p. 120).
Guerin trata de duas condições fundamentais para falarmos de conhecim ento so­
cialmente construído. A primeira condição diz respeito ao tratamento dado por Skinner
ao comportamento verbal. Guerin assume que respostas verbais envolvidas na constru­
ção social do conhecimento são aquelas descritas por Skinner (1974) como intraverbais,
tatos e autoclíticos. Intraverbais são respostas emitidas sob controle de outras respos­
tas verbais, nas quais não se requer da resposta emitida uma correspondência formal
com a resposta antecedente. Intraverbais são comumente mantidas por reforçam ento
social generalizado. Exemplos de intraverbais incluem recitar poemas, contar números e
muitas respostas de interação social, como, por exemplo, a resposta verbal “Bem, obri­
gado", na presença do antecedente verbal “Como vai você?"(Skinner, 1974, p. 96). O tato
é definido como um operante verbal, no qual uma resposta específica é evocada na pre­
sença de um objeto particular, acontecimento ou propriedades de um objeto ou aconteci­
mento (Skinner, 1974, p. 108). Um controle discriminativo independente de condições
específicas do falante faz parte da definição do operante tato: “(...) o tato perm ite que ele
(o ouvinte) infira algo acerca das circunstâncias, independente das condições do falan­
te". (Skinner, 1974, p. 109)
A segunda condição para entender o conhecimento socialmente construído, para
Guerin, é reconhecer que muitas das respostas verbais que descrevem aspectos da
realidade - e que apresentam uma topografia semelhante a de um tato - seriam, em
termos funcionais, respostas intraverbais, emitidas sob controle discrim inativo de res­
postas verbais de outros membros do grupo. Junto com isso, segundo Guerin, quando os
reforçadores que mantêm respostas de tato são eventualm ente controlados por uma
parcela da comunidade verbal, as respostas de tatear estariam sujeitas a viéses determi­
nados por condições específicas daqueles que controlam a liberação dos reforçadores.
Nessas condições, as respostas emitidas seriam melhor descritas como tato distorcido.
Uma segunda possibilidade para analisar os relatos apresentados pela imprensa
foi sugerida por Rakos (1993,1995). No estudo apresentado por ele, a ação da mídia teria
sido responsável por uma modificação na "opinião pública" norte-americana nos meses
que precederam a ação militar dos Estados Unidos contra o Iraque, em 1991. Para Rakos,
a propaganda militar teve um papel decisivo na aceitação, por parte da população, das
ações do Estado. A opinião pública passou, de inicialmente neutra, para aceitação da
ocupação do Iraque pelas tropas norte-americanas com rejeição da ação militar e, poste­
riormente, apoio à guerra.
Um aspecto apontado pelo autor como fundamental para esta mudança de opinião
foi a informação que o Estado dispunha acerca da opinião da população. As pesquisas
de opinião pública tornaram possível modelá-la porque forneciam feedback imediato às
Sobrr com porldm fnto r coRniçáo
185
diferentes tentativas, por parte do Estado, de modificá-la. Outro aspecto a ser destacado
aqui, e talvez o mais importante no âmbito deste trabalho, ó que o governo americano
teria, de fato, manipulado a informação disponível. Segundo Rakos (1993,1995), durante
a campanha de propaganda militar, ocorreu não apenas o que o autor chamou de opera­
ções de controle de estím ulos (consistindo basicamente na introdução gradativa de
estim ulação que as pesquisas de opinião identificavam como aversivas e paream ento
gradual desta com estimulação identificada como positiva) mas todo um conjunto de
procedimentos, envolvendo restrições na produção e na divulgação da inform ação pefa
imprensa. Para Rakos, no momento do ataque militar, o “cidadão norte-americano módio”
sabia, acerca das condições políticas, econômicas e sociais que levaram os Estados
Unidos a invadir o Iraque, basicamente aquilo que o governo queria que ele soubesse;
para o autor, esta restrição quanto ao conhecimento mais amplo dos determ inantes do
conflito em questão teve relação direta com o apoio final à ação militar.
Uma decorrência importante das análises propostas por Guerin e Rakos é que
respostas verbais que são descritas como conhecim ento socialmente produzido - co­
nhecimento que é assumido por muitos como uma representação ou descrição neutra e
objetiva da realidade - ou como atitudes ou opiniões com partilhadas pelos m embros da
comunidade verbal podem ser respostas verbais sob controle de tatos emitidos por uma
parte específica da comunidade - no caso, a imprensa - que então seria corretam ente
descrita como “formadora de opiniões”, no sentido de “produzir" seqüências intraverbais
nos demais membros da comunidade. Outra decorrência importante é a necessidade de
leva re m conta as variáveis que controlam a emissão dos relatos verbais apresentados
pela imprensa - reconhecidamente uma “formadora de opiniões” - com o descrição de
fatos objetivos.
1. Análise de episódios violentos conforme relatados pela imprensa
Uma primeira tentativa de analisar sistem aticamente relatos verbais produzidos
pela imprensa brasileira acerca de episódios violentos, do ponto de vista da Análise do
Comportamento, foi conduzida por Andery e Sério (1996). Este trabalho foi feito a partir
das manchetes de jornais que com punham o arquivo da revista Veja, que seleciona e
classifica o material publicado diariamente pelos maiores jornais brasileiros, acerca de
três episódios que se caracterizaram pelo excesso e pela arbitrariedade do ocorrido: a
invasão do Pavilhão 9 da Penitenciária do Estado de São Paulo pela Polícia M ilitar em
novembro de 1992, que terminou com a morte de 111 presos, segundo fontes oficiais; a
morte de oito crianças de rua por policiais na Candelária, Rio de Janeiro, em julho de
1993, e o ataque à favela de Vigário Geral, também no Rio, por homens encapuzados e
armados, que terminou com a morte de 21 pessoas.
Neste trabalho, foram analisados:
1) A distribuição temporal dos relatos durante o período de um ano que se seguiu ao
episódio.
2) Os aspectos do episódio que a imprensa destacava em suas manchetes.
3) As conseqüências do controle aversivo que podiam ser identificadas através destes
relatos. Neste momento, iremos nos restringir a reproduzir aqui os resultados para os
dois primeiros itens e aprofundando a análise das manchetes dos jornais sobre o
episódio do Pavilhão 9.
1 8 6
C iicildii A m o rim
Um total de 642 relatos foram analisados: 187 relatos sobre o episódio do Pavilhão
9; 121 relatos sobre o episódio da Candelária e 334 relatos sobre o episódio de Vigário
Geral. A quantidade dos relatos apresentados na imprensa - que representa o número
de vezes que o episódio foi manchete de jornal - pode ser um indicativo, conforme suge­
riu Rakos, de que a informação disponível teria sido restringida de modo a produzir, ou
evitar, determinados eleitos na "opinião pública". Os dois primeiros casos, nos quais a
quantidade de relatos ó menor, compartilham uma característica comum : os atos de
violência tiveram como vítimas pessoas que ou são consideradas pela sociedade com o
criminosas - os detentos do presídio - ou pessoas que são consideradas por muitos
como estando no limite da marginalidade e da crim inalidade: os meninos de rua.
A distribuição dos relatos, em termos temporais, mostra que os episódios do
Pavilhão 9 e Vigário Geral foram manchetes 48 vezes durante o período de um ano após
sua ocorrência. O episódio da Candelária apareceu nas manchetes 29 vezes, nos 12
meses subseqüentes. Nos três casos, o maior número de relatos concentra-se nos dois
primeiros meses após o episódio, e no caso da Candelária e Vigário Geral, a quase
totalidade dos relatos aparece em manchetes no período de um mês após a ocorrência.
O m enor número de relatos do episódio do Pavilhão 9 no primeiro mês subseqüente
provavelmente deve-se ao fato de este ter ocorrido dentro de uma instituição fechada, o
que facilita a restrição da informação disponível.
As categorias para classificação dos relatos foram construídas de modo a descre­
ver o tipo de conhecimento produzido pelas manchetes dos jornais. As categorias foram
divididas em dois grupos: descritivas e analíticas (Andery e Sério, 1996).
As categorias denominadas descritivas destacam aspectos que levariam a uma análise
funcional do episódio em termos de condição antecedente, resposta e conseqüência, e
incluem as categorias Aspectos Gerais do Episódio, Aspectos Específicos do Episódio,
Resultados, Características do Agressor, Características da Vítima, Ações do Agressor,
Ações da Vítima, Ações do Estado, Ações de Grupos Diretamente Afetados, Ações de
Outros Grupos, Conseqüências para o Agressor, Conseqüências para a Vítima e Conse­
qüências para Terceiros.
As ca te g oria s denom inadas ana lítica s agrupam relatos que im plicam um
posicionamento ou avaliação do episódio por parte da imprensa e incluem as categorias
de Indicação de Variáveis de Controle, Relaçào com Outros Episódios, Avaliação do
Episódio e Indicação de Culpados.
2.
Categorias denominadas descritivas: o que é dito e como é dito?
2.1. Condições antecedentes: o que aconteceu e quem são os envol­
vidos?
A maior parte dos relatos categorizados como Aspectos do Episódio descrevem
aspectos específicos do evento. Nestes aspectos específicos, estão incluídas descri­
çõ e s do lo c a l, c o m o P ré d io tin h a b a rric a d a s , m ó v e is em c h a m a s e c e la s
escuras, e A rsenal precário - Revólveres enferrujados’, ou ações dos envolvidos, como
Usei m etralhadora e PMs levaram anéis e relógios dos sobreviventes. Dos 24 relatos
que descrevem o episódio, apenas um o faz em termos de antecedente, resposta e
conseqüência: Invasão da Polícia M ilitar após briga de detentos p or pacote de cocaína
Sobre comport.im enlo c coflniç.lo
187
termina com verdadeiro m assacre no Pavilhão 9. Três dos relatos falam de característi­
cas das vítimas e somente um de características do agressor. O conteúdo de dois dos
relatos a respeito das vítimas sugere a existência de variáveis que teriam controlado a
pouca divulgação desta informação: Nâo condenados eram a maioria e Detentos nào
eram todos perigosos.
Um dado interessante ó que um número significativo de relatos, categorizados
como Resultados (n « 16), tratam quase exclusivamente do número de mortos. Os rela­
tos de fonte oficial, ou baseados nelas, relatam estes números como Controle do presidio
mostra que Pavilhào 9 perdeu 147presos após invasào; Número oficial de mortos ó 111,
Listagem oficial indica 36 desaparecidos. Os relatos dos detentos são apresentados
como Presos garantem a entidades que mortos sáo 250 e Detentos afirm am que faltam
284 presos no pavilhão. É interessante notar aqui como a descrição varia em função da
autoria do relato.
2.2. As respostas emitidas: quem fez o quê?
Relatos da ação dos agressores sào a maioria. A ação dos agressores (n = 25)
são descritas com detalhes em 1/3 dos relatos, como em Os PMs gritavam : chegou a
m orte e Atiçavam os cães, ou como uma classe de respostas (2/3 dos relatos), com o em
Mataram e mandaram matar. Os únicos três relatos de ação das vítimas tratam de ações
dos sobreviventes. Dos relatos categorizados como Aspectos Específicos do Episódio
(n = 23), um deles sugere uma ação por parte da vítima, quando descreve o episódio
como As m arcas do combate. Este relato foi manchete logo após o episódio. Um mês
após, outro relato é publicado: PM afirma que checou pavilhão e não viu armas.
2.3. As conseqüências da resposta I: alterando a probabilidade futura
A categoria Conseqüências para as Vitimas engloba seis relatos de conseqüênci­
as para parentes e indenizações e um relato de conseqüências para os sobreviventes.
Dos 23 relatos que descrevem conseqüências para o agressor, oito referem-se a puni­
ções sofridas e conseqüências desta punição, descritas como Fleury afasta com andan­
tes da Polícia Militar, Coronel depõe durante 4 horas sobre detenção e PM vive uma de
suas maiores crises\ 11 relatos referem-se a possíveis conseqüências aversivas futuras,
como Prom otor que apura massacre diz que policiais adm itiram ter atirado nas celas e
podem pegar ató 50 anos de prisão, ou Se condenado, o coordenador da invasão (...)
pode peg a r de 1300 a 3000 anos de prisão. Todos os seis relatos da categoria Conseqü­
ência para Terceiros descrevem condições aversivas para os envolvidos indiretamente no
episódio ou sinalizam possíveis conseqüências aversivas futuras, como Clima tenso cer­
ca a visita do Governador ã Europa e Tragédia pode dificultar em préstim os ao País. É
preciso destacar que estas conseqüências aversivas para os agressores ou são pouco
relevantes, ou são atrasadas, ou são improváveis e as implicações com portam entais de
conseqüências com estas características são largamente conhecidas. A pouca relevân­
cia da punição imediata e á baixa probabilidade das possíveis conseqüências aversivas
futuras pode ser observada no seguintes relatos, divulgados seis meses após o episódio:
Com a conclusão do inquérito m ilitar que os inocenta, comandantes da invasão voltam a
com andar unidades e Seis m eses apôs a chacina, acusados voltam à ativa.
188
C .iclld.i A m o rim
2.4. As conseqüências da resposta II: produzindo outras respostas
As três categorias Ações do Estado, Ações de Grupos Diretamente Atingidos e
Açào de Outros Grupos referem-se ao Governo do Estado e à Justiça (Ações do Estado),
ao grupo de presos e à PM como corporação (Grupos Ações de Grupos Diretamente
Atingidos) e a entidades civis, imprensa internacional e parlamentares (Ações de Outros
Grupos). Todos estes relatos que se referem ora a respostas de esquiva, como em Fleury
cede a pressões e secretário cai, Para Fleury, relatório é só uma versão e G overnador
quer que deputados se limitem à comissão de acompanhamento do inquérito sobre abu­
sos policiais; ora estes relatos se referem a respostas de controle aversivo/contracontrole,
como em CPI do m assacre fica nas mãos do governo, Justiça abre sindicância para
ouvir os presos ou Juiz desm ente versão da PM. Todos esses relatos são exem plos de
violência gerando mais violência.
3.
Categorias denominadas analíticas: o que é dito e como é dito?
Os relatos mais freqüentes, dentro das categorias denominadas analíticas, são
aqueles que avaliam o episódio, como em Para Dom Luciano, houve chacina, Tragédia
ganha destaque no exterior ou Inquérito da Polícia M ilitar deixa de apontar culpados pelo
massacre, qualificando o ocorrido nos termos de massacre, chacina, assassinato e
matança.
A segunda categoria mais freqüente é aquela que indica culpados. Do total de 20,
18 apontam diretamente um indivíduo ou grupo como culpado pelo episódio e, em 13
destes relatos, o acusador é identificado. Um dado curioso ó que, dos 18 relatos que
atribuem culpa diretamente, ora são apresentados como culpados grupos de pessoas
não identificadas (Junqueira põe a culpa no Estado, Justiça M ilitar denuncia 120 pelo
massacre, Relatório aprovado responsabiliza PM e Estado pela umais horripilante chaci­
na da História", Coronel incrimina subordinados), ora a culpa é atribuída a pessoas espe­
cíficas (Ex-diretor contesta e atribui ordem a Campos; Ex-soldado acusa coronel pelo
massacre na prisão; Dossiê de oposição responsabiliza o governador). A grande quanti­
dade de relatos descrevendo ações do Estado pode ser interpretada como respostas de
esquiva a essa atribuição de culpa. A ênfase em encontrar o culpado parece indicar,
conforme apontado por Sidman (1989) que, uma vez que este seja identificado e punido,
o episódio pode ser encerrado e que a vingança é a única reação significativa contra a
violência.
Raros relatos foram incluídos nas duas categorias finais, Indicações de Variáveis
de Controle e Relação com outros Episódios (3 e 2, respectivamente). Dois dos relatos
s o b re v a riá v e is de c o n tro le a p o n ta m um a p o s s ív e l v a riá v e l: R e la tó rio do
Ministério de Justiça relaciona matança na Casa de Detenção à banalização da violência
em S P e Tudo indica que houve confronto armado. Nos dois casos, ó feita referência à
violência produzindo mais violência. Em R elação com outros Episódios, encontram -se
Massacres históricos e Dachau, Sào Paulo.
Sobnf comport.tmrnto r cojjniçiío
189
4.
A título de conclusão
A descrição de um episódio, de modo a permitir uma análise funcional, deveria
prover algumas informações. Essas informações incluem uma descrição geral do ocorri­
do, quem são os envolvidos, o que cada um dos envolvidos fez e as conseqüências da
ação ocorrida para ambos e para terceiros. O que se constatou, analisando os relatos, é
que algumas informações são dadas em excesso, enquanto que outras ou não estão
disponíveis, ou não são veiculadas. As categorias analíticas, que agrupam relatos que
permitiriam ao leitor conhecer o posicionamento da imprensa acerca dos episódios, mos­
tram uma prevalência de avaliações simplificadas e atribuições de culpa, ao lado da
ausência quase que completa de análises que tratem do que aconteceu, em que condi­
ções o episódio se deu, de suas conseqüências e de possíveis relações com aconteci­
mentos semelhantes.
A descrição dos relatos verbais apresentados na forma de manchetes pela impren­
sa fornece alguns subsídios para uma tentativa de análise a respeito dos processos
responsáveis pelo conhecimento socialmente produzido. A desinform ação, conforme
sugerido por Rakos, é uma constante. O relato apresentado informa pouco, ao enfatizar
aspectos específicos e não os gerais; ou dá informações inconsistentes, como a respei­
to do número de vítimas ou supostos culpados. O relato apresentado restringe ou m ani­
pula a informação, como a respeito das características das vítimas. Se considerarm os,
como faz Guerin, que grande parte do que se chama de conhecim ento socialm ente pro­
duzido é constituído de intraverbais sob controle de outras respostas verbais (neste caso
específico, as respostas verbais apresentadas através da imprensa), podemos supor que
esta desinformação ou manipulação da informação terá efeitos importantes na constru­
ção do que é definido como atitudes, opiniões ou crenças, pelo menos em relação a este
episódio.
Outra característica comum à maior parte dos relatos é que estes são apresenta­
dos sob a forma de uma descrição neutra da realidade, aparentando serem tatos sob
controle discriminativo do ambiente. A existência de um controle discriminativo exclusivo
pelo ambiente externo sobre a resposta de tatear permitiria, repetindo Skinner, que o
ouvinte inferisse "algo acerca das circunstâncias, independente das condições do falan­
te" (1974, p. 109). Este controle discrim inativo pelo ambiente é prejudicado quando, de
acordo com as sugestões de Guerin, os reforçadores que mantêm as respostas de tatear
são controlados por um grupo, dentro da comunidade verbal, ou por uma parcela desta.
Nesse caso, respostas de tato podem vir a ser emitidas como um tato distorcido, se
condições específicas do falante com petirem no controle discriminativo do tatear, o que
tem implicações óbvias para o tipo de conhecimento que é produzido sob estas condi­
ções. Como diz Skinner, a respeito desta possibilidade:
"O controle de estímulos não é apenas exagerado, mas ô inventado. Uma resposta que tenha recebido uma medida especial de reforço ô emitida na ausência
das circunstâncias sob as quais ela é caracteristicam ente reforçada (...) Numa
distorção ainda maior, uma resposta é emitida em circunstâncias que norm alm en­
te controlam uma resposta incompatível. "(1974, p. 185)
A análise de relatos verbais aqui apresentada mostra que, embora tenha sido
dado apenas um passo inicial, uma compreensão mais abrangente do fenômeno da
190 C'iicild<i Amorim
violência depende do conhecimento das variáveis que controlam a produção dos relatos
acerca deste fenômeno e das implicações do comportam ento de relatar.
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Sobre comportamento c coftiilç.lo
191
Capítulo 22
Contribuições do modelo de coerção de
Sidman para a análise da violência em São
Paulo: relação com o contexto sóciopolítico-econômíco
Danilo Niimo
Roberto Alves
Hmmco
IX/C/SI’
E s te trabalho pretendeu analisar o fenômeno da violência na cidade de São Paulo
durante uma década (1985 a 1995), relacionando-o com acontecimentos sócio-políticoeconômicos. Foram selecionadas algumas representações da violência colhidas em ins­
tituições estatísticas e órgãos oficiais. Faz-se, com os dados obtidos, uma análise
embasada na teoria behaviorista radical, utilizando-se, para isto, basicam ente, as obras
de dois pensadores: B. F. Skinner e Murray Sidman.
1.
Introdução
A História tem mostrado que a forma mais imediata e, pelo menos aparentemente,
mais eficaz de se conseguir alcançar um certo estado de ordenação social ó através da
coação ou punição. Várias culturas têm, para o controle social, desenvolvido métodos que
prevêem punições físicas (chibatadas, por exemplo), de restrição física (encarceramento),
retirada de bens (aplicações de multas), etc. Segundo Skinner (1989/1953)' "estritamente
1 CiluvAes c referCncias bibliográficas extraídas de obras traduzidas indicarflo o ano da obra consultada c o ano da
obra original
192
N a seyflo B ib lio g ra fia, a cnlrada dar-sc-il pela obra consultada e farrt rc le rín c ia í» obra original
P .m ilo N .im o c Roberto A lve s H.m.ico
i
definido, o governo é o uso do poder para puni?, (p.319)
Sendo a punição método de controle e modificação comportarnental tão dissemina­
do e corriqueiro, é possível, pois, que se pergunte:
"Por que punimos ? O que queremos obter? A principal razão é controlar outras
pessoas. Aqueles que relutam adm itir possibilidade de controle comportarnental
deveriam se perguntar p o r que desejam ver multas, ordens de prisão ou talvez
morte distribuídas para aqueles que praticam crimes contra a sociedade. Se o
propósito da punição não é controlar comportamento - desencorajar infratores e
outros criminosos potenciais de lazer a mesma coisa outra vez - então, a m otiva­
ção para a punição só pode ser revanche. Mas seguramente não procuramos revanche
ao punir uma criança que se comporia mal, ou aquela criança que coloca em perigo
si mesma ou os outros ao brincar com fogo, ou aquela que impulsivamente atra­
vessa correndo uma rua que tem tráfego intenso. Se não esperássemos impedi-las
de se com portar mal ou de arriscar tolamente suas vidas, deveríamos encarar a
punição de crianças como nada a não ser crueldade". (Sidman, 1995/1989, p. 80)
Pelo que se pode extrair do discurso acima, ó imprescindível que se encare a
punição como um ato no qual se age com a crença de levar as pessoas a agir diferente­
mente. Pune-se para pôr fim a uma conduta indesejada.
Sendo a punição tão presente e utilizada, ó possível que se faça perguntas a seu
respeito, tais como: ela funciona? Ela atinge seus propósitos? Ela é, realmente, uma
maneira efetiva de impedir ou de mudar comportamentos? Quais são as conseqüências
para o seu uso? Pode-se questionar, ainda, sobre como se pune; quais são as formas de
se punir?, etc. Sejam quais forem as repostas a estas questões, Sidman é muito claro
sobre um aspecto:
“(...) dados de laboratório sustentam fortemente a posição de que punição, embora
claramente efetiva no controle de comportamento, tem sérias desvantagens, e que
nós precisamos desesperadamente de alternativas." (Sidman, 1995/1989, p. 83)
A razão principal para esta busca de alternativas é a de que a punição enquanto
forma de controle de comportamento pode ser uma das explicações para o fenômeno da
violência, já que uma das formas de se reagir a ela é através da contra-agressão. Além
disso, um dos processos efetivos de aprendizagem é o de modelação, no qual o padrão
comportarnental é aprendido através da imitação do com portamento de outras pessoas
que obtêm reforçadores através de suas ações. Ora, pessoas que apresentam comporta­
mentos agressivos em geral obtêm reforços por intimidarem outras pessoas, coagindo-as,
dessa forma, a comportarem-se de uma forma proveitosa para quem agride.
Quando se age com violência, está-se punindo ou reforçando negativamente uma
resposta. Os resultados da violência para quem a sofre podem ser fuga, esquiva,
contracontrole, contra-agressão.
Dessa forma, pode-se entender a disseminação da violência como uma “reação em
cadeia", na qual aceita-se a agressão de quem é mais forte e passa-se a agredir aquele
que é mais fraco. Essa continuidade constante do processo de violência pode levar a se
acreditar que ela seja uma forma natural de controle.
Segundo Skinner (1989/1953), o governo é a mais clara agência de controle do
Sobre comportamento e cofiniç.lo
193
comportamento. Em sua concepção estrita, pode ser entendido como a agência que
exerce a função de punir quem não age conforme o institucionalizado. Nos grupos mais
organizados, o papel de punir fica delegado a órgãos especiais — policiais e militares, por
exemplo. Essa relação é baseada no poder, que ó distribuído a cada instância governa­
mental, sem que isso tire a capacidade centralizadora da maioria das formas de governo.
O governo adquire poder à medida que acelera e aperfeiçoa os processos controladores.
o poder da agência aumenta a cada intercâmbio. De fato, o crescimento do
p oder se acelera na medida em que o controle se torna cada vez mais eficiente.
Outras condições permanecendo constantes, o governo se torna mais forte no ato
de governar. Quando o homem forte coage outros a deixarem se controlar no seu
interesse, seu poder total aumenta. Quando um governo usa força para adquirir
riquezas, poderá também exercer controle econôm ico" (Skinner, 1989/1953, pp.
329 e 330)
Pessoas e/ou instituições que punem se tornam punidores condicionados e "sinais
de aviso" condicionado de que a punição virá. O comportamento de esquiva dos punidores
condicionados tende a ser o comportamento mais provável nessas condições. A esquiva
também é passível de generalização. Segundo Sidman:
"Esquiva é um comportamento geralmente mais adaptativo à punição do que a
fuga. Faz mais sentido im pedir um choque do que escapar depois que ele tenha
com eçado." {Sidman, 1995/1989, p. 137)
Embora a esquiva seja aprendida, a fuga ainda é mais reforçadora. A fuga da prisão
pode significar não um ato de depravação do condenado, mas uma fuga das esquivas que
ele precisaria fazer para “sobreviver" na cadeia. Assassinatos e suicídios são, relativamen­
te, comuns nessas instituições. Pois, que forma melhor de se livrar das esquivas se não
eliminando quem as torna necessárias? Ou, em último caso, eliminando a própria vida?
Por esses motivos ó preciso que se analise com muito critério todas as formas de com ­
portamento que tenham conseqüências aparentemente rebeldes, covardes ou deprava­
das.
Em 1972, o cientista americano John B. Calhoun e colaboradores fizeram um expe­
rimento com ratos tentando estudar as interações sociais que se estabelecem nas comu­
nidades com uma grande densidade demográfica. Para isso, manipularam a quantidade
de animais (variaram a quantidade de fêmeas e de machos) dentro dos recintos reserva­
dos para moradia, reprodução (ninhos), alimentação, etc. A experiência dividiu os ratos
em grupos que tinham seus arranjos sociais modificados radicalmente.
Observou-se que no cercado que foi reservado para alimentação a densidade era
muito grande e constante, tendo ató 60 dos 80 ratos do experimento em seu interior; nos
outros cercados a densidade era bem mais dispersa. Dessa forma;
"A alimentação e outras atividades biológicas foram assim transformadas em
atividades sociais em que a principal satisfação era a interação com outros ratos."
(Calhoun et al., 1962, p. 121)
A superpopulação, fenômeno que foi provocado através de obstáculos arquitetônicos
194 Danilo Namo cRobfrtoAlvci B.in,ico
e arranjos, tais como obrigar todos os animais a com er em lugares pequenos e superpovoados, demonstrou que nesses "antros de comportamento" as patologias sociais são
facilmente identificadas e têm uma grande variedade.
O experimento descreveu, dentre outros fenômenos observados, o homossexualismo,
canibalismo, o mau-trato das mães para com seus filhotes, chegando até ao abandono
total da cria, deixando-os morrer sem auxílio. Além disso, as lutas entre machos para
definir os mais fortes que dominam territorialmente os lugares (fenômeno natural da espé­
cie) se tornaram mais constantes e violentas. Comportamentos como hiperatividade e
depressão também foram encontrados.
Não se está sugerindo aqui que se faça uma comparação direta entre esse experi­
mento com a vida em sociedade dos seres humanos, porém pode-se encontrar fatos que
levam claramente a evidências de que as relações humanas nos grandes centros, como
estão se encaminhando, acarretam patologias e fenômenos sociais como os observados
nos experimentos, e que são, pelo que se pode observar, muito semelhantes às que
Calhoun observou em seus animais, principalmente no que se refere à violência entre os
membros do grupo.
Citou-se este trabalho para se mostrar que o fenômeno da violência nos grandes
centros pode também ser entendido pelo fato de serem grandes conglomerados de pes­
soas, não tendo infra-estrutura básica para que se possa viver em condições mínimas de
saúde física e mental. A teoria do reforço e a demonstração de que a violência pode ser
fruto, dentre outros motivos, da superpopulação devem, de fato, ser levadas em considera­
ção ao se analisar este fenômeno.
Quando se age com violência, está se punindo ou reforçando negativamente al­
guém ou algum animal. Os resultados da violência para quem está sendo agredido podem
ser fuga, esquiva, contracontrole, contra-agressão. Uma característica comum de ação de
quem foi agredido é a fuga. Ela é muito presente, pois quem sofre agressão quer, talvez,
antes de mais nada, se livrar dela. Isso é alcançado, muitas vezes, através da fuga.
É mais fácil, em várias circunstâncias, encontrar-se culpados ou motivos que redi­
mam de respo n sa bilid a d e instituiçõ e s, países, pessoas, governos. É d ifíc il, em
contraposição, que governantes e instituições admitam sua incapacidade de lidar com
problemas causados, muitas vezes, pelas relações que eles próprios estabeleceram com
quem se está entendendo como culpado pelos atos que cometeu. Segundo Sidman:
“A sociedade precisa algum dia acertar as contas com seu próprio papel em
criar tais ambientes. O que queremos de nossas instituições penais e mentais?
Elas devem servir como latas e cestas de lixo nas quais jogam os nossos refugos e
os esquecemos? Pretendemos que as prisões apenas punam aqueles que burlam
as leis, que nos protejam contra aqueles que nos mostraram perigosos e que sirvam como instrumento de revanche? Queremos que aqueles a quem confinamos
saiam sem mudanças, tendo aprendido apenas o que era necessário para a sobre­
vivência dentro das instituições ou gostaríam os que eles tivessem aprendido a
funcionar com sucesso do lado de fora? As posições públicas em relação a esta
questão têm sido inconsistentes e, freqüentemente, diferem completamente dos
tipos de instituições que de fato criamos". (Sidman, 1995/1989, p. 163)
É preciso, portanto, que se altere a forma de lidar com questões sociais, familiares
e interpessoais, pois as conhecidas poderiam estar fomentando a violência. Essa altera­
Sobre comportamento < cognição
195
ção é possível, somente, se houver uma modificação na estrutura da relação entre os
sujeitos e em sua relação com o ambiente. Para o Behaviorismo Radical, o homem não
pode ser considerado um ser isolado, que se desenvolveria independentemente do mun­
do, dos outros homens e dos fenômenos que o cercam. O homem só pode ser entendido
como tal se for levado em consideração que ele foi construído em relação com o meio em
que vive. Em outras palavras, o homem e o ambiente não podem ser entendidos indepen­
dentemente; ambos formam uma relação que os modifica e os constrói constantemente.
E ó nessa relação que se encontram as explicações para os fenômenos sociais.
2.
Histórico e Método
Pretendeu-se entender e descobrir se existe alguma relação entre as alterações de
alguns índices de medição da violência escolhidos com fatos políticos, econômicos e
sociais que marcaram o período de 1985 a 1995, e que de alguma forma retiravam da
população algum benefício, fosse por restrição física (tal como impedimento de viajar para
fora do país), ou por retirada de reforçadores (restrição de dinheiro através de planos
econômicos que diminuíram o poder aquisitivo da população). Foram feitas especulações,
sempre que possível, tentando-se explicar esses fenômenos à luz da teoria behaviorista
radical.
As manifestações da violência selecionadas para correlação com os fatos políti­
cos, econômicos e sociais foram furtos, roubos, seqüestros, furtos e roubos de veículos,
roubos a instituições financeiras, mortes por acidentes de veículos, mortes de policiais
militares em combate com civis, morte de civis em combate com policiais militares e
suicídios. Foram escolhidas essas expressões de violência e não outras, como violência
contra mulher, estelionato etc., pois houve a necessidade de se restringir a gama dos
fenômenos e porque acredita-se que as manifestações escolhidas refletem e abrangem
um leque amplo e representativo do fenômeno no Estado de São Paulo (escolhido para se
fazer a análise).
Os dados sobre os fatos econôm icos, políticos e sociais foram extraídos da
Enciclopaedia Britânica (Livros do Ano Barsa de 1985 a I994).
Para obtenção dos dados de violência, foram consultadas fontes de informação,
tais como o IBGE e outras instituições estatísticas, livros teóricos de outros autores,
experimentos psicológicos e psicobiológicos, etc. (e.g. Camargo, 1992; Wladvogel, 1992;
NEV, 1993; Carvalho, 1995; Hanashiro, Sinhoretto e Singer, 1995; Lipp, 1996; Sério e
Andery, 1996; Torres, 1996).
As leituras e pesquisas formaram a estrutura para que se pudesse separar em
categorias as diversas formas de violência apresentadas e as m aneiras de resolver os
problemas identificados. Após essa categorização, fez-se um levantamento estatístico
sobre as formas de violência e como elas têm se desenvolvido no decorrer do período
escolhido; fez-se um levantamento dos principais fatos sociais, políticos e econômicos
ocorridos no Brasil e em São Paulo nos dez anos analisados. Por último, relacionou-se os
procedimentos anteriores e fez-se uma análise crítica sobre o assunto, tentando encon­
trar algumas explicações e caminhos para que se possa entender m elhor o fenômeno da
violência.
19Ó
IX in lIo N iim o e Roberto A lv c t B.itnico
3. Resultados
As figuras apresentadas a seguir foram construídas com base nos dados obtidos
nas fontes estatísticas (citadas no pé das figuras), dos anos da década escolhida sobre
os quais a informação esteve disponível. Procurou-se priorizar os dados de freqüência de
ocorrência para a construção dos gráficos.
Principais ocorrências policiais registradas na Grande São Paulo
no período de 1984 a 1995 (Furtos)
149000
142000
139000
136000
133000
130000
O
=
127000
124000
121000
118000
115000
112000
109000
106000
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
A nos
Fonte: Secretaria da Segurança Pública. CAP - Coordenadoria de Anàllse e Planejamento
Principais ocorrências policiais registradas na Grande São Paulo
no período de 1984 a 1995 (Roubos)
73.000
70.000
67.000
64.000
g 61.000
13 58.000
g 55.000
CL 52.000
49.000
46.000
43.000
40.000
1984
1965
1 9 66
1 9 67
1968
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
Anos
Fonte: Secretaria da Segurança Pública. CAP - Coordenadoria de Análise e Planejamento
Sobre comportamento e cognl(3o
197
Principais ocorrências policiais registradas na Grande São Paufo
no período de 1984 a 1995 (Homicídios dolosos)
7500
7000
6500
6000
5500
5Ô00
4500
4000
3500
3000
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
Anos
Fonte: Secretaria da Segurança Pública. CAP • Coordenadoria de Análise e Planojamonto
Principais ocorrências policiais registradas na Grande São Paulo
no período de 1984 a 1995 (Furtos e roubos de veículos)
Furtos e roubos
de v e íc u lo s
105000 /
100000 /
95000 /
90000 ✓
85000 /
80000 /
75000 /
70000 /
65000
/I
60000 /
55000 /
50000 /
45000
40000
j■
■ í
1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 19
Anos
Fonte: Secretaria da Segurança Pública. CAP - Coordenadoria de Análise e Planejamento
198
Dan ilo N a m o e Roberto A lv e * Ranaco
Principais ocorrências policia is registradas na Grande São Paulo
1984 a 1990 (Roubos a instituições financeiras)
1
620
580
Roubos a inst finan.
540
500
460
420
380
340
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
Anos
Fonte: SecretariadaSegurança Pública. CAP- Coordenadorlade Análisee Planejamento
Civis m ortos em açõesda P o líc ia M ilita r no E s ta d o de S ão P au lo
1400
1250
1100
o
950
|
800
|
650
Õ
500
350
200
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
Anos
Fonte: artigo: AViolaçãodos DireitosHumanos FundamentaisnoBrasil publicadoemDireitosHumanos no
Brasil - UniversidadedeSôoPaulo(USP), Núcleode EstudosdaViolência(NEV) eComissãoTeotônio
Vilela (CTV) - 1993.
Sobre comportamento c coflniç.lo
199
Policiais Militares mortos em ação da Polícia Militar no Estado de São
P a u lo - 1 9 8 4 a 1992
1984 1965 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992
Ano
Fonte: artigo“Linchamentos: ADemocraciaMudouAlgumaCoisa?" PublicadonoanuárioDireitosHuma­
nosnoBrasil. Universidadede SfioPaulo(USP) - Núcleode Estudosda Violôncia (NEV) - Comlssflo
TeotAnloVilela (CTV) de 1995.
Seqüestros cometidos no Estado de São Paulo - 1 9 8 8 a 1991
Ano»
Fonte: artigo“AlgumasConsiderações SobreoSeqüestronoBrasil", publicadoemDireitos Humanos no
Brasil - UniversidadedeSôoPaulo(USP), Núcleode EstudosdaViolôncia (NEV) eComissãoTeotônio
Vilela (CTV) - 1995.
Linchamento do Estado de São Paulo - 1991 a 1993
1991
1992
1993
Anos
Fonte: artigo“Linchamentos: ADemocracia MudouAlgumaCoisa?”PublicadonoanuárioDireitosHuma­
nosnoBrasil. Universidadede SfloPaulo(USP) - Núcleode Estudosda Violência (NEV) - Comissão
TeotônioVilela (CTV) de 1995.
200
|).m ilo N .im o e Roberto A lv e * B.in.ico
Uma das suposições que pode ser feita baseada na análise da relação entre o
momento histórico nacional e a violência é que, em 1987 e 1990, houve uma alta genera­
lizada e acentuada nos índices que indicam a ocorrência desse fenômeno. É possível que
se relacione esses dois picos estatísticos com o contexto do país nessas ocasiões.
Após o período de ditadura militar, Josó Sarney assumiu a presidência da Repúbli­
ca devido à morte do Presidente Tancredo Neves. Sarney implantou, em 1985, um plano
de estabilização econômica que teve aprovação popular quase absoluta. Após um período
de grande euforia e otimismo, o plano começou a demonstrar problemas estruturais sé­
rios, que o tornaram inviável. O combate à inflação, que era seu principal objetivo, não foi
vitorioso. A perspectiva de que as coisas melhorariam após mais de 20 anos sob repres­
são e violência institucional começou a ser abalada. Porém, em 1986, a população acre­
ditou, mais uma vez, em um segundo plano de estabilização econômica que, assim como
o anterior, fracassou.
A população estava mais pobre do que antes, sem empregos e perspectivas futu­
ras. A inflação alcançou 26% em junho, recorde histórico no país. No ano seguinte ao de
1986, houve um aumento nos números que indicavam a violência em São Paulo.
Para tentar relacionar esse fenômeno de alta nos números da violência com os
planos econômicos através da teoria comportamental, pode-se, por exemplo, utilizar o
conceito de incontrolabilidade. A teoria e os experimentos de laboratório mostram que
sujeitos que sofrem com respostas emitidas sem reforço, ou sendo punidas por elas,
reagem com agressão, em um primeiro momento, e podem manifestar, depois, depressão
e extinção de comportamento. A população respondeu a estímulos sinalizadores de
reforçamento que não foram reforçados em seguida à resposta. Um exemplo pode ser
identificado nos “fiscais do Sarney", que eram cidadãos que foram às ruas, na ocasião do
Plano Cruzado, para fiscalizar os preços. Ao emitirem esse comportamento e não serem
reforçados, já que os preços começaram a subir apesar de suas atitudes e a inflação não
cessar, a reação foi, após os dois planos terem fracassado, de revolta.
Um outro fenômeno, passível de ser interpretado como incontrolabilidade, é a quan­
tidade de suicídios ocorridos nesse ano. Verificou-se um coeficiente de aproximadamente
4,6 suicídios por cada 100.000 habitantes, que é o terceiro maior índice dentre um período
de 1975 a 1991. Não se está supondo que os suicídios tenham ocorrido por causa direta
e exclusiva dos fracassos econômicos, mas deve-se levar este dado em conta ao se fazer
uma análise como a proposta neste trabalho. O suicídio como uma forma de com porta­
mento de fuga e esquiva também pode ser entendido como possível de ocorrer nesse
contexto.
Uma outra forma de se entender e explicar teoricamente atos de violência é a
privação. Sujeitos privados, principalmente de reforçadores primários (comida, sexo, des­
canso, etc.) ou de reforçadores generalizados que levem a reforçadores primários (tal
como dinheiro), agem de forma passível de punição para conseguirem o reforço que ne­
cessitam. Nesse caso, pode-se, por exemplo, relacionar todos os crimes que visam aqui­
sição de bens materiais com este conceito.
Quando um organismo animal é agredido, pode reagir de forma a agredir também
(contra-agressão). Esse fenômeno pode ser relacionado com a realidade social dos indi­
víduos pobres, sem emprego, sem saúde, segurança, etc. Esses fatos, que são gerado­
res de privação, podem levar essa população a agir com contra-agressão à comunidade,
cometendo crimes. Pode-se citar o experimento de John Calhoun, que constatou, em
laboratório, que a privação de espaço, privacidade, comida levaram os sujeitos do experi­
Sobre comportamento f cogni(<lo
201
mento (ratos noruegueses) a patologias sociais, como depressão, violôncia, etc. Atos de
vandalismo também podem ser entendidos, em parte, por esses motivos. Basta lembrar
dos saques seguidos de depredação, ocorridos na cidade de São Paulo em ocasião de
crise em um dos planos econômicos.
Voltando a relacionar o momento econômico de uma sociedade com picos de vio­
lôncia dentro dela, observou-se, em seguida ao governo Sarney, outra tentativa de estabi­
lização econômica, em 1990, com a entrada do governo Fernando C ollor de Melo. Essa
situação também exigiu uma resposta de custo bastante alto para a população, não sen­
do seguida de reforço, ou seja, a situação de esperança vivida pelos brasileiros na ocasião
da saída do Presidente Sarney e entrada de Collor foi frustrada. No caso de Collor, podese supor que o sentimento de decepção causado pelos estímulos que ele e o contexto
que o cercava propiciaram, foi ainda maior. Pois, ele havia sido eleito presidente pelo voto
popular, o que foi uma vitória democrática num país que vivera, até então, uma situação de
opressão política. Os efeitos de suas ações e insucessos levaram a um sentimento geral
de frustração, que foram parecidos com os de 1987, podendo-se relacionar a análise teórica
feita anteriormente para o ano de 1987 a esse. A taxa de suicídios, tal como em 1987, subiu
bastapte em 90, se aproximando de 4,2 suicídios para cada 100.000 habitantes.
O que se pode destacar como diferente ó que o momento vivido pela sociedade era
outro. O brasileiro já havia passado pela experiência de planos fracassados de estabiliza­
ção, o que o tornava mais cóptico, apesar da confiança em novas propostas. Esse ceticismo
pode ser constatado pelo fato de que, apesar da significativa diferença de votos recebida
por Collor em relação a seu opositor, Lula, os votos do perdedor não podem ser despreza­
dos. A votação em Lula pode representar a parcela da população que não acreditava na
forma apresentada por Collor, identificando-a com as anteriores.
Além disso, Collor fracassou em sua promessa de acabar com a inflação, sendo
deposto da presidência sob acusação de envolvimentos com corrupção. Todo o seu gover­
no foi formador de escândalos. Talvez o fato de já se ter vivido uma experiôncia parecida no
passado tenha sido o motivo de a reação da violôncia ter, da segunda vez, vindo mais
próxima das conseqüências dos estímulos emitidos, que foram os planos de estabiliza­
ção, as tentativas de se terminar com a inflação, etc. Os dados de violência obtidos em
1987 refletiram os acontecimentos de 1985 e 1986, pois Sarney começou seu governo em
1985; os dados de 1990 refletiram o próprio ano, já que Collor foi empossado no início
desse ano.
Tal como em 1987, a pobreza, o desemprego, a desigualdade social, etc. ocorriam
também em 1990, só que agravados pelo fato de o Plano Collor ter tirado de circulação
praticamente todo o dinheiro do país.
Um aspecto importante a se notar é que os índices de violência tiveram uma ten­
dência generalizada de alta no período analisado neste trabalho. Porém, é imprescindível
que se verifique quanto esse aumento foi importante, ou seja, deve-se observar quanto a
população cresceu percentualmente para poder se constatar o verdadeiro crescimento da
violência. Sabe-se que a população da Grande São Paulo cresceu entre 1985 e 1995,
20%. Dos índices analisados, nem todos têm a mesma amplitude de anos a serem com ­
parados, porém alguns a têm. Esses índices são: furtos, que diminuíram percentualmente
8%; os roubos cresceram 21%; homicídios dolosos subiram 109%; furto e roubo de
veículos aumentaram 87%. Roubos a instituições financeiras têm dados de 1984 a 1992
(subiram 44% nesse período). Há mais dois índices que têm dados de 1984 até 1992: civis
mortos por PMs, que subiu 282% e finalmente, PMs mortos por civis, que cresceu 25%.
202
D anilo N a m o e Roberto A lv e * Banaco
Não é difícil notar que houve um aumento real da violência. Na maioria dos casos,
essa elevação nos índices foi brutal. Um desses índices, furtos, no entanto, decresceu.
Os roubos praticamente se mantiveram sem aumento; talvez pelo fato de terem se torna­
do tão comuns, é possível que o que tenha diminuído tenha sido o registro das queixas
nas delegacias.
O maior aumento foi o de civis mortos por policiais militares, que cresceu 282%. O
que se pode extrair desse fato ó que a PM pode estar agindo com muito mais violência do
que agia. Pode ser que a pressão popular por mais segurança tenha contribuído para esse
crescimento. Porém, o que mais interessa ó que, apesar desse salto violento na mortan­
dade, a criminalidade não diminuiu, pelo contrário, aumentou.
Não se pode esquecer que a PM existe para combater e prevenir a marginalidade.
Pois bem, se ela mata mais que 280% do que matava civis há onze anos atrás, supõe-se,
pela lógica que diz que se combate criminalidade com o rigor de ação da polícia voltada
aos criminosos, que as mortes de civis não eram de inocentes, mas de criminosos. Por­
tanto, o índice de homicídios, roubos, furtos e roubos de carros, etc. deveria diminuir. A
violência da polícia não consegue pôr fim à criminalidade. No Carandiru, foram mortos 111
presos por causa de uma rebelião; seria de se esperar que elas acabassem após tam a­
nha demonstração de terror. O fato é que isso não aconteceu.
No Rio de Janeiro, foram mortas 21 pessoas na favela de Vigário Geral em uma
ação da polícia no local, na busca e represália ao tráfico de drogas e para vingar a morte
de colegas. Não é preciso muito para se constatar que o tráfico não acabou nem diminuiu
após essa ação. Nas proximidades da Igreja da Candelária, também no Rio de Janeiro,
foram mortas oito crianças de rua enquanto dormiam; policiais foram acusados pela cha­
cina. Basta andar pelas calçadas do Rio e de todo o país para se observar que os meninos
de rua não sumiram delas por medo do que aconteceu.
Um estudo publicado em outubro de 1996 pelo IPEA (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada) e ENCE (Escola Nacional de Ciências Estatísticas) aponta que a
violência em todo o país, inclusive e, principalmente, em São Paulo, tem crescido tanto
que chega a diminuir a expectativa de vida do brasileiro, que podia estar em 66 anos, e é
de 65. A violência é a causa de 70% das mortes de homens com idade entre 15 e 29 anos.
Homicídios, suicídios e acidentes de automóveis são os principais motivos de mortes
violentas.
As mortes sempre têm ocorrido com menos freqüência do que o crescim ento da
população no país; esta tem sido uma tendência histórica. Porém, ela se inverteu nos
últimos anos. Para se ter uma idéia, no período de 1980 a 1991, a população cresceu
23%, enquanto a mortalidade de homens entre 15 e 29 anos cresceu 51 %. Na capital do
Estado, 54,4% das causas de mortes nas idades entre 15 e 24 anos foram causadas por
assassinatos. Se for considerada a faixa de 15 a 34 anos, os homicídios são responsáveis
por 41,2% das mortes ocorridas na cidade. Se for tomado o total da população, entre faixa
etária, sexo, nível sócio-econômico, etc., os homicídios são responsáveis por 8,1% das
mortes. Esse percentual coloca os assassinatos como a terceira maior causa de mortes,
só perdendo para as causadas por doenças coronárias (12,1 %) e as cerebro-vasculares
(8 ,2 % ).
Como Skinner fala (1989/1953), a agência controladora Governo é representada
pelas leis que devem expressar os anseios da sociedade a quem elas se referem. Portan­
to, a repressão à criminalidade é instituída pela lei, que determina punição a quem a
transgride. Essa determinação pode, como diz Sidman (1995/1989), atestar a incom pe­
Sobrc comport.im cnlo c cognifilo
203
tência da sociedade em lidar com os "desajustados", que podem ser exemplificados pelos
presidiários, doentes mentais e pobres. Conclui*se, assim, que se deve mudar o procedi­
mento em relação ao tratamento da violência.
O reforço imediato é mais poderoso que o a longo prazo. Por esse motivo ó mais
fácil para a sociedade "tirar da frente" quem está sendo um estorvo a ela, do que investir a
longo prazo em estruturas que diminuam, de fato, a criação desses extratos da socieda­
de. Ocorreram, na cidade de São Paulo, no segundo semestre de 1996, alguns crimes
que foram extensivamente noticiados pela imprensa (por exemplo, a morte de uma moça
em um bar da capital) que, associados aos índices crescentes da violência que foram
divulgados na época, fizeram a sociedade se mobilizar em um movimento de paz contra a
violência: Reage São Paulo, Chega de Violência. O que se reivindicava era mais empenho
do Governo do Estado no combate à violência. Esse combate se daria com a diminuição
da impunidade, com maiores investimentos na Polícia Militar etc.
A história se repete. Tende-se a tentar identificar o problema no assassino, no
ladrão, no estuprador, quando se deveria focalizar as atenções na estrutura social. Não se
está recriminando os movimentos populares, pelo contrário, são uma forma de pressão
importante para maior dedicação das autoridades em relação a problemas sociais. O que
se está sugerindo é que este esforço seja direcionado, também, e, principalmente, para o
âmago da questão.
Um outro aspecto a se notar é que a sociedade se mobiliza, principalmente, quan­
do está envolvida emocionalmente com algum fato. Quando esse fato se distancia no
tempo e dos noticiários, começam a ser esquecidos. Não se pode deixar de notar a
importância dos meios de comunicação de massa que, praticamente, ditam o que se tem
acesso, quando, e até que momento. A grande quantidade de informações acerca da
violência é a forma, muitas vezes, de descaso e desdém com que são tratadas, podem
contribuir para uma postura de indiferença, raras exceções feitas a notícias publicitariamente
lucrativas. Morte de PC Farias, assassinato de Daniela Perez, etc. são dois exemplos.
4.
Conclusão
O com positor João Bosco escreveu uma canção que retrata, poeticamente, esse
fenômeno da banalização e do descaso em relação a alguns aspectos sociais. Eles po­
dem ter a falta de atenção da população por motivos como os falados acima (passagem
do tempo e da emoção, falta de divulgação por parte da imprensa, etc.), ou pelo excesso
de exposição a fatos semelhantes. A estrofe inicial da música é a seguinte:
"Tá lá um corpo estendido no chão.
Em vez de um rosto, uma foto de um gol.
Em vez de reza, uma praga de alguém.
E um silêncio servindo de am ém ."
Essa banalização pode ser explicada, em parte, também, pelo fato de que, muitas
vezes, a violência não se faz sentir diretamente por algumas pessoas. Por esse motivo,
elas não dão muita atenção ao fenômeno, não conseguindo imaginar que suas conse­
qüências podem afetá-las diretamente. O reforço imediato é tão poderoso que os pais, ao
agirem no incentivo da manutenção do status quo que está institucionalizado, estão cons-
204
rXm lIo N d in o e Roberto A lv e t B.m«ico
truindo uma herança que seus próprios filhos e netos irão viver e sofrer.
Hoje já se sofre as conseqüências do que se construiu há dez anos, e assim será
nos próximos vinte, trinta anos, se não forem tomadas atitudes concretas de investim en­
tos de recursos e esforço social e humano, com o qual realmente será possível modificar
a estrutura atual. Para isso, deve-se, dentre outras coisas, investir realmente na melhoria
das condições de vida da população. Educação, saúde, habitação são estruturas funda­
mentais para que se diminua a pobreza e a exclusão social. Juntamente com essas
atitudes óbvias, deve-se reorganizar aspectos que fazem de São Paulo um pólo atrativo de
mão-de-obra. Precisa-se encontrar alternativas para que, no caso da capital, se diminua a
densidade demográfica. A descentralização das indústrias e das oportunidades de empre­
gos deve ser considerada, pois a conglomeração traz privações concretas, o que contri­
bui, também, para o aumento da violência.
O ser humano é um organismo que não foge às regras naturais. Porém, ele não
pode ser comparado aos outros animais no que diz respeito à sua capacidade de transfor­
mação do meio em que vive. Essa capacidade pode ser levada em consideração também
no que diz respeito a mudanças de atitude, de reflexão e compreensão do que o cerca.
Ele desenvolveu comportamento verbal e cultura. Não se deve permitir que se elimine
como espécie, já que tem condições de prever o que irá acontecer se continuar agindo
como tem feito há tantos milênios. Talvez, um dos papéis dos psicólogos, analistas de
comportamento e estudiosos da área que se preocupa com a convivência social e com a
sobrevivência da espécie, seja de esclarecer a população, oferecendo informações para
que ela possa compreender o que está ocorrendo. Assim, poder-se-á alterar, de forma
eficaz e ética, o quadro atual. Para que se consiga, concretamente, melhorar ou eliminar,
pelo menos parte, dos problemas que afligem, não somente nossa casa, nosso bairro e
cidade, mas toda a humanidade.
Bibliografia
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20Ó
D an ilo N rtm o e Roberto A lv e *
B.hihco
Capítulo 23
Comportamento infantil anti-social:
programa de intervenção junto à família
Luizii Mtirínho
U H /P R
N
as últimas décadas, parece vir aumentando o número de famílias que encon­
tram dificuldades para educar suas crianças. As reclamações mais freqüentes que os
pais apresentam em relação à atividade de educar os seus filhos incluem saber como
estabelecer limites ao comportamento infantil, como desenvolver comportamentos e ati­
tudes que consideram relevantes e como proceder quando problemas comportamentais
aparecem. Em geral, fora dos meios acadêmicos, ignora-se quais devem ser os com po­
nentes para uma educação infantil adequada e efetiva.
Quando os pais não têm conhecim entos e/ou habilidades que lhes possibilitem
atuar eficientemente na educação de suas crianças, em geral, adotam uma disciplina de
educação infantil considerada severa e inconsistente, podendo ocasionar um problema
comportamental infantil bastante preocupante: o comportamento anti-social. Conseqüên­
cia da disciplina parental inadequada, o comportamento anti-social infantil e do adoles­
cente é uma queixa bastante freqüente e não apresenta bom prognóstico. A maioria dos
casos não tratados evolui para um padrão de adolescente delinqüente e, posteriormente,
de adulto transgressor. Para aquelas crianças que deixam de se com portar de maneira
anti-social, restam as seqüelas deixadas pela desordem, relacionadas a déficits em ha­
bilidades e atrasos no desenvolvimento. Isso sugere a extrema importância de a interven­
ção ser realizada o mais cedo possível.
Sobre comport.m icnto e cotfmçSo
207
Dada a influência que o comportamento parental tem sobre o com portam ento da
criança, a estratégia para o tratamento infantil mais extensamente avaliada nas últimas
décadas tem sido o treino de pais (Silvares & Marinho, 1998). A primeira revisão crítica
dos estudos na área, realizada por 0 ’Dell em 1974, concluiu que este enfoque era a
intervenção ao comportamento infantil que mais êxito havia apresentado. Publicações
posteriores (Dishion & Patterson, 1992; Eisenstadt, Eyberg, McNeil, Funderburk &
Newcomb, 1993; Serketich & Dumas, 1996; Webster-Stratton, 1991,1994 e 1996, entre
outros) demonstraram a eficácia da intervenção junto a pais de crianças que apresenta­
vam comportamentos anti-sociais, agressividade e desobediência.
Dentro desse enfoque, na Universidade Estadual de Londrina (UEL), vêm sendo
desenvolvidos e aperfeçoados, desde 1995 (Marinho, 1995; Marinho, Ausec, Maggio &
Silva, 1996; Marinho, Silvares, Ausec, Maggio, Silva e Gabassi, 1998), program as de
orientação a pais que atendam às necessidades da clientela que procura psicoterapia
infantil em sua clfnica-escola. Além disso, tais programas sào passíveis de serem aplica­
dos sob as condições físicas e de recursos humanos e financeiros, características dos
centros de atendimento gratuito brasileiros.
O presente trabalho apresenta, então, a avaliação do impacto que um programa
de orientação elaborado, para ser aplicado em situação grupai, junto a pais de crianças
com problemas de comportamento diversos, teve na produção de mudanças no com por­
tamento infantil anti-social.
1.
Características familiares e comportamento infantil anti-social
Segundo Patterson, Reid & Dishion (1992), eventos anti-sociais são ao mesmo
tempo aversivos e contingentes. No caso de comportamento anti-social infantil, a defini­
ção refere-se à apresentação, pela criança, de estímulos aversivos contingentes ao com ­
portamento de outras pessoas, em geral, da família. Alguns exemplos destes eventos
aversivos são: lamuriar-se, gritar, provocar, ameaçar, bater, desobedecer, fazer birra, co­
agir e uma série de outros com portam entos que têm em com um o fato de serem
contingentemente aversivos para a pessoa que se relaciona com a criança que assim se
comporta. Esses comportamentos podem variar muito quanto à gravidade, à cronicidade
e à freqüência.
Segundo indicam aíguns autores (Kazdin, 1993; Patterson & colaboradores, 1992,
Patterson, De Baryshe & Ramsy, 1989), o comportamento anti-social parece ser a evolu­
ção de uma característica que se desenvolve cedo na vida e mesmo nos casos em que
não se mantém na adolescência e na fase adulta, causa assim mesmo graves conse­
qüências ao desenvolvimento do jovem.
Esse comportamento infantil tem sido extensivamente correlacionado a caracte­
rísticas parentais e a variáveis contextuais presentes, especialmente nos anos da infân­
cia e/ou da adolescência do indivíduo.
Diversos estudos empíricos identificaram algumas variáveis familiares com o es­
tando consistentemente correlacionadas a formas primitivas de comportam ento anti-so­
cial e a posterior delinqüência. As principais delas, apresentadas por Patterson & colabo­
radores (1992, p.2), fruto de anos de investigação, são:
“(I) Pais de crianças anti-sociais foram nào contingentes em suas interações com
208 M.iri.i l.ui/ti Marinho
suas crianças-problema (eles falharam no uso de punição efetiva para com porta­
m ento desviante e de reforçamento para comportamento pró-social);
(II) eles tendem a se r irritáveis em suas interações com membros da família em
geral."
Ao usar reforços e punições de forma não-contingente (ou seja, não apresentar
consistentemente reforços positivos em conseqüência de conduta sociável da criança e
punição diante de comportamento anti-social), os pais treinam 'diretam ente a criança
para comportar-se anti-socialmente. Segundo Patterson (1982), o efeito destas práticas
ineptas dos pais é permitir diariamente inúmeras interações com membros da família nas
quais a conduta coerciva da criança é reforçada.
Além dessa caracterização das famílias de crianças anti-sociais como apresen­
tando disciplina severa e inconsistente (ou consistentemente inadequada), outros auto­
res (Kazdin, 1993; Loeber& Dishion, 1983; Patterson & colaboradores, 1989) incluem o
pouco envolvimento positivo da família com a criança e o pobre monitoramento e supervi­
são das atividades desta como fatores relevantes no desenvolvimento desse problema de
comportamento infantil.
Por outro lado, pesquisas têm demonstrado que essa conduta parental de se
engajar numa prática constante e mal-adaptada de manejo fam iliar está altam ente
correlacionada a variáveis referidas como perturbadoras. Esses perturbadores potenciais
incluem: história de conduta anti-social em outros membros da família (como nos avós
da criança, por exemplo), variáveis demográficas, representando desvantagens no status
socioeconômico e estressores, como desemprego, violência familiar, conflitos conjugais
e divórcio (Patterson & colaboradores, 1989).
Estudos indicam também que, se um dos pais apresenta com portam ento anti­
social, a criança é colocada sob um risco significativo de apresentar também conduta
anti-social e se ambos os pais apresentam este padrão de comportamento, os riscos
para a criança aumentam ainda mais (Patterson & colaboradores, 1992; Elder, Caspi &
Downy apud Patterson & colaboradores, 1989).
Embora esses opressores possam ter efeitos diretos sobre o com portam ento in­
fantil, o maior impacto parece ser mediado pelas práticas de manejo familiar. Quando
pais anti-sociais ou com fraca capacidade de manejo da criança são colocados diante de
um estresse agudo e prolongado, rupturas importantes na prática de administração fam i­
liar são fáceis de ocorrer e é esta ruptura que coloca a criança em situação de risco.
Assim, existe evidência de que a prática de disciplina parental possa ser um mecanismo
im portante na transm issão de com portam ento anti-social de uma geração a outra
(Patterson & colaboradores, 1992).
Além da conduta anti-social em si, essas crianças tendem a m anifestar também
outros problemas comportam entais e do desenvolvimento. Em geral, como dito acima,
apresentam dificuldades acadêmicas, podem abandonar a escola mais cedo e ter defici­
ências em áreas específicas, como ler. Além disso, o déficit em habilidades sociais para
relacionar-se com os colegas e com os adultos e a freqüente rejeição pelo grupo de
pares coloca estes jovens em grande risco de manifestar relacionam ento interpessoal
pobre. Também têm sido identificadas algumas características cognitivas associadas ao
comportamento agressivo e anti-social, como déficit e distorções nas habilidades de
solução de problemas, predisposição a atribuir intenções hostis aos demais, ressenti­
mento e suspeita (Kazdin, 1993).
Sobre comportiimeuto e cognição 209
Observa-se também uma alta incidência de comorbidade entre o com portam ento
anti-social e problemas na atenção, hiperatividade (entre 45% e 70% dos casos) e de­
pressão, provavelmente decorrente da rejeição pelos pares e pelos adultos (Kazdin, 1993;
Kazdin, Siegel & Bass, 1992; Kandel apud Patterson & colaboradores, 1992).
Em suma, Patterson & colaboradores (1989) comentam que o desenvolvimento do
com portamento anti-socia) é marcado por uma seqüência mais ou menos previsível de
experiências. Inicialmente, as práticas de ação ineficientes dos pais são vistas como
determinantes do problema de comportamento na criança. Em segundo lugar, essa con­
duta com portam ental infantil leva ao fracasso acadêmico (desobediência e falta de
autocontrole pela criança obstruem diretam ente o aprendizado) e à rejeição pelos cole­
gas (provocada por comportamento agressivo e coercivo) os quais legam, por sua vez, ao
aumento no risco de depressão e ao envolvimento com grupos de "rejeitados" (este ter­
ceiro passo ocorrendo normalmente durante o final da infância e o início da adolescên­
cia). Os estudos indicam ainda que as crianças que seguem esta seqüência de desen­
volvimento apresentam alta tendência para ^dotarem o comportamento de um delinqüente
crônico, em virtude do fato de as ações da criança anti-social produzirem um conjunto de
reações do ambiente social que causam disrupção no processo da socialização infantil.
Essa gama de dificuldades e conseqüências decorrentes do com portam ento in­
fantil anti-social tem levado pesquisadores a investigarem am plam ente o problem a. Na
verdade, o "transtorno de conduta” representa, segundo Kazdin (1993), o problema mais
freqüentemente abordado na prática clínica e na investigação aplicada, tanto em crianças
como em adolescentes. O autor comenta que nas últimas décadas têm sido avaliadas
uma série de formas de terapia, de medicamentos e de programas com base familiar,
escolar e comunitária para tratamento dessa problemática. No entanto, salienta que ain­
da se necessita dem onstrar como os tratamentos obtêm os seus efeitos e com que
clientela eles funcionam melhor.
Além dessas lacunas na pesquisa, Kazdin (1993) alega que o desenvolvimento e a
identificação de tratamentos eficazes para o comportamento infantil anti-social é relevan­
te ao menos por duas razões principais. Em primeiro lugar, está o sofrim ento dos jovens
que apresentam esta disfunção, A taxa de prevalência em geral é alta e embora nem
todos os jovens continuem com esse padrão com portamental, a maioria sofre, como
salientado acima, de problemas comportamentais e sociais significativos na vida adulta.
Aqueles que mantêm o padrão de conduta anti-social, por outro lado, o fazem durante
toda a vida e, nestes casos, a disfunção tende a continuar através das gerações.
Em segundo lugar, o comportamento anti-social freqüentemente gera conseqüên­
cias graves para os demais. Entre as vítimas dessas crianças e adolescentes incluemse os irmãos, os colegas, os pais, os professores e pessoas desconhecidas, alvos de
atos anti-sociais e agressivos. Quando a conduta anti-social se mantém por mais tempo
como padrão de comportamento do indivíduo, este pode passar a produzir vítimas de
violação, assassinatos, brigas, incêndios, dirigir embriagado, maus-tratos do cônjuge e
dos filhos, com portamentos que são realizados, em geral, muito mais freqüentem ente
por indivíduos com história de com portamento anti-social do que por outras pessoas.
Devido a essa grande quantidade de vítimas, o tratamento eficaz desse problema
de comportamento pode ter resultados significativos e abrangentes, indo além dos bene­
fícios diretos ao indivíduo que assim se comporta.
Quanto aos modelos de intervenção, dados de pesquisa (Patterson & colaborado­
res, 1992; Wilson & Hernstein apud Patterson & colaboradores, 1989; Kazdzin, 1991)
210 M.irúi l.ui/ti Mtirinho
têm indicado resultados menos positivos junto a adolescentes anti-sociais, no sentido de
que a generalização, na maioria das vezes, não ocorre (nem entre ambientes nem na
manutenção no tempo). Considera-se, então, que tratamento bem-sucedido parece ser
possível para crianças e pré-adolescentes, com intervenção através de mudanças nos
com portamentos dos pais no sentido de melhorar a prática de manejo familiar.
2.
O Programa de Intervenção Familiar
Conforme comentado acima, o presente programa de orientação não foi elaborado
para atender a queixas específicas de comportam ento infantil anti-social. No entanto, a
maioria dos problem as de comportam ento apresentadas pelas crianças eram do tipo
externalizante, podendo ser avaliados como anti-sociais em diferentes níveis de intensi­
dade e de freqüência de ocorrência.
2.1. Sujeitos
O programa foi aplicado junto a 12 pais (oito mães e dois casais) de crianças com
idades entre 7 e 12 anos que aguardavam em lista de espera na clínica-escola da UEL ou
que responderam aos anúncios de divulgação do trabalho. As crianças apresentavam os
seguintes problemas de comportamento, segundo relato dos pais:
Tabela 1 - Descrição das queixas apresentadas pelos pais, na entrevista clínica inicial,
em relação às crianças encaminhadas.
CÇ
IDADE
SEXO
QUEIXAS
1
8 anos
masc.
Agitado, teimoso, desobediente, indisciplinado, faz chantagens, briga
muito.
2
12 anos
masc.
Teimoso, irresponsável, desorganizado, briga muito, faz provocações
dificuldades de relacionamento com a mâe, nâo gosta de estudar.
3
7 anos
masc.
Bagunceiro, agressivo, desobediente, preguiçoso, perturba os cole­
gas, nflo tem amigos, muito medo do pai.
4
9 anos
fem.
Rebelde, mente muito, nâo consegue deixar a chupeta, carência
afetiva.
5
8 anos
masc.
Indisciplinado, impaciente, falta de concentração, teimoso, perde coi­
sas, destról objetos, lento para copiar na escola.
6
7 anos
fem.
Sonâmbula, fala sozinha, reclama do dores.
Náo tom amigos, é efeminado, retraído, preocupado com homos­
sexualidade.
7
8 anos
masc.
8
8 anos
fem.
Excessivamente birrenta, desobediente, desorganizada, ciumenta.
9
12 anos
fem.
Timlda, retraída, envergonhada, ciumenta, quer sempre ganhar nas
brincadeiras.
10
7 anos
masc.
Agitado, sem autocontrole, agressivo, destrói objetos, egoísta,
carente afetivamente, nflo consegue deixar a
mamadeira.
Sobre comport.imcnto e coRniçfio
211
Embora o grupo se caracterizasse pela não-homogeneidade das queixas, pode-se
observar na tabela anterior que a maioria das crianças (com exceção das identificadas
como n08 6 ,7 e 9) apresentava problemas relacionados a comportamento anti-social.
2.2. Intervenção
A intervenção foi realizada na clínica-escola da UEL, sob o formato de grupo de
pais, em 12 sessões de aproximadamente 90 minutos de duração cada uma. Não houve
participação direta das crianças nas sessões de intervenção.
O tratamento, elaborado por Marinho (1999), baseou-se nos programas desenvol­
vidos por Patterson (1974) e por Forehand & McMahon (1981) e foi dividido em três
fases:
FASE I — Atenção Diferencial (cinco sessões): os pais foram ensinados a observar o
comportamento da criança, a diferenciar entre comportamento infantil adequado e inade­
quado e a ser agentes mais efetivos de reforçamento. Isso foi feito incrementando a
freqüência, a variedade e a extensão de suas recompensas sociais e reduzindo a freqüência
de comportamentos verbais concorrentes, tais como comandos, críticas e questionamentos.
Os pais foram instruídos também a ignorar menores instâncias de comportamento infantil
inapropriado.
FASE II - Treino em Solução de Problema (cinco sessões): os pais foram ensinados a
analisar funcionalmente o com portamento infantil considerado inadequado e a elaborar
planos de ação com base na análise feita. As ações envolviam, em geral, reforçar compor­
tamento adequado incompatível e o estabelecimento de contrato de contigências com a
criança.
FASE III - Assuntos Diversos (duas sessões): foram discutidos assuntos de interesse
dos pais, como sexualidade, religião e drogas.
3.
Resultados e Conclusão
Os com portamentos infantis e parentais foram avaliados por diversas medidas e
instrumentos nos momentos de linha de base, imediatamente após o término do progra­
ma e no seguimento de 3 e de 9 meses. Porém, diante dos objetivos do presente traba­
lho, serão apresentados somente os dados obtidos com a aplicação do Child Behavior
C hecklist(CBCL), referente à avaliação do Comportamento Delinqüente e do Com porta­
mento Agressivo. O CBCL faz parte de um conjunto de avaliações formuladas porAchenbach
(Achenbach & McConaugh, 1997; Achenbach, 1991,1993), e destina-se à obtenção de
taxas padronizadas de problemas comportamentais de crianças e adolescentes de 14-18
anos de idade, a partir do relato dos pais. É composto por 138 itens, sendo 20 destinados
à avaliação da competência social e 118 à avaliação dos problemas de comportamento.
212
M a ria l.u i/.i M a rin h o
□ linha de base
□ seguim 3M
□ pós-trat
II]s e g u im 9 M
Delinqüente
Agressivo
Figura 1 - Escores m é d io s l das cria n ça s em Comportamento Delinqüente e
Comportamento Agressivo no CBCL, segundo avaliação pelos pais nos momentos de
linha de base, pós-tratamento e segmentos de 3 e de 9 meses.
Conforme observa-se na figura acima, segundo a avaliação feita pelos pais, as
crianças apresentaram redução tanto no comportamento classificado como delinqüente
como no comportamento agressivo.
Esse fato possivelmente tenha ocorrido porque os conhecimentos discutidos e as
habilidades desenvolvidas com os pais durante as sessões ajudaram-nos a ser menos
severos na educação infantil, mas em contrapartida ser mais firmes, consistentes e
contigentemente reforçadores. Essas características parentais são consideradas impor­
tantes na produção de crianças com comportam ento pró-social.
Assim, conclui-se que trabalhos desenvolvidos junto à família, que tenham objetivo
de auxiliá-la no desenvolvimento de formas mais efetivas e adequadas de lidar com seus
filhos, podem funcionar como tratamento ou prevenção de com portamento anti-social
infantil.
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Sobre comportamento e cognição
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Capítulo 24
A criança abandonada e a família substituta
M,iri/<i dti SilVii Santos Hmto
Vr.UPR
1.
Introdução
A
utores que estudaram as instituições totais para crianças abandonadas e infratoras (Guirado, 1986; Violante, 1985; Campos, 1981; Rizzini, 1985; W eber& Kossobudzki,
1995) concordam que instituições não são adequadas para compensar a falta da família.
Quanto maior for a instituição, mais impessoal e desumano torna-se o tratamento dado a
essas crianças, acrescentando à realidade de criança abandonada, a condição de "mais
um interno" entre tantos outros, o que evidentemente não trará qualquer benefício para sua
história de desenvolvimento como indivíduo único, alguém que poderia vir a ter os mesmos
direitos como cidadão. As instituições do tipo total conforme Goffman descreveu são
impessoais desde a sua arquitetura ató o seu funcionamento, potencializando nos seus
internos os efeitos negativos do rompimento dos vínculos afetivos anteriores.
2.
O que é uma casa-lar?
Existem outros tipos de instituições e aquela que se tornou nosso objeto de estudo
foi o Lar Anália Franco de Londrina, cujo funcionamento tem como característica as unidades-íares ou casas-lares, onde vivem grupos de 10 a 12 crianças de zero a 17 anos,
216
M .iri/.i li.i Silv.i S.idIoí l in.ilo
juntamente com um casal de laristas e seus filhos biológicos. Interessou-nos sobretudo
conhecer como se dá a educação e o desenvolvimento das crianças que lá vivem, tendo
em vista o modelo “família nuclear". Nossa hipótese principal é a de que esse modelo
favorece o desenvolvimento da criança mais do que os modelos existentes em maior
número na nossa sociedade: o orfanato. Legalmente, esse modelo de instituição ó previs­
to no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) quando diz que "o bem-estar da criança
ocorre no seio de sua própria família": no entanto, quando não é possível para a família
fornecer à criança tais condições, como última opção resta a internação da mesma em
instituição que em sua organização e funcionamento, guarde o mais possível a semelhan­
ça com o ambiente familiar”. (FUNABEM - "A Questão do Menor", 1983).
3.
Desenvolvimento do estudo
Para estudarmos essa realidade, adotamos como metodologia a abordagem eco­
lógica e o enfoque longitudinal por se tratar de um processo dinâmico no tempo e pelo fato
de que essas duas dimensões de análise permitem obter uma rede de informações mais
rica e completa desses relacionamentos. Como estratégias de coleta dessas inform a­
ções, utilizou-se junto aos laristas observações e registros das reuniões grupais: para as
crianças e os adolescentes, foram feitas entrevistas e aplicado um questionário que avaliou-lhes o autoconceito; entrevistou-se também os professores para a obtenção de dados
referentes à percepção deles sobre as crianças e adolescentes. O período de novembro
de 1995 a novembro de 1996 foi utilizado para a coleta das informações. O critério de
seleção da população a ser estudada foram todas as crianças e adolescentes internos,
não-deficientes mentais, na faixa etária entre 8 e 17 anos, encaminhados pelo Conselho
Tutelar, Fórum, pais ou familiares e que tivessem na instituição há pelo menos um ano prazo possível para adaptação ao sistema de funcionamento e rotina das casas-tares.
4.
Resultados
A amostra selecionada foi de 20 internos sendo 55% feminina e 45% masculina;
desses, 45% é de cor parda, 35% branco, 15% negro e 5% mestiço; a idade ao serem
levados para o internamento foi 40% entre mais de 6 anos e menos de 10 anos, 30% com
menos de 2 anos; o tempo de internamento no Lar mostrou 30% entre mais de 2 e menos
de 6 anos, 25% entre mais de 10 e menos de 14 anos e 25% entre mais de 14 e menos de
18 anos. Com relação ao trabalho, 50% trabalha no próprio Lar em atividades como auxi­
liar de berçário, cozinha, Departamento de Pessoal, auxiliar de aulas de reforço; 40% não
trabalham e apenas 10% trabalham fora do Lar. Entre os motivos que levaram ao
internamento estão 35% abandono por parte de um ou ambos os pais, 25% a mãe e o pai
morreram, 10% a mãe morreu, 10% a mãe é deficiente mental, e seguidos de 5% cada,
temos os seguintes motivos a mãe morreu, pai alcoolista, mãe e pai alcoolistas, mãe
morreu e o pai é doente, mãe é presa e o pai desaparecido. Sobre o recebimento de
visitas, têm-se: 75% nunca recebem, 15% recebem e 10% são esporádicas. Quanto à
escolaridade, 30% cursam a 5* série, 20% a 4° série e 15% a 7a série, enquanto que os
35% restantes cursam da pré-escola até 8a série. Verificou-se que a maioria da amostra
cursa 4a, 5a e 7a séries estando na faixa etária entre 13 e 18 anos, o que indica um leve
Sobre comportamento e cognição
217
rebaixamento entre escolaridade e idade. Em relação à escolaridade, foram feitas entre­
vistas com oito professores de três escolas públicas freqüentadas pela amostra. Os
objetivos foram verificar junto aos professores qual a percepção diante das crianças e
adolescentes do Lar e como definiam o desempenho acadêmico destes. Interessante
notar que não existe uma opinião generalizada sobre o fato de serem crianças de institui­
ção, porém, foram constantes as críticas sobre o desinteresse da instituição em assuntos
escolares e quanto à higiene de algumas crianças. Dos 20 elementos da amostra, três
meninos foram citados como "problema" no sentido de "excesso comportamental” do tipo
"agressivo", "revoltado", "gosta de aparecer” , etc.; quatro meninas foram citadas como
"problemas" com referência a "déficit comportamental", tais como “fechada", "não-participante", “isolada", "quieta", “tímida". Desses sete elementos, dois estão um ano adianta­
dos quanto à seriação, uma está sete anos defasada, tendo sido sugerido uma avaliação
psicopedagógica e, os cinco restantes, a média de rebaixamento é de dois anos o que
está de acordo com os 51,31% encontrados nas escolas públicas urbanas do Paraná
pela Secretaria do Estado da Educação. (Folha de Londrina, Caderno Folha Paraná, 26/
11/96). Foi aplicado também um questionário sobre o autoconceito de crianças e adoles­
centes e observou-se que, na pontuação geral, a amostra situa-se na média 55% e no alto
autoconceito 45%, indicando que o fato de serem internos de uma instituição como o Lar
Anália Franco não diminui o conceito positivo que têm sobre si. Além disso, o vínculo
afetivo estabelecido com os casais laristas é benéfico, não tendo sido encontradas dife­
renças a favor de uma maior escolaridade por parte dos laristas, ao fator maior idade
cronológica ou maior tempo de experiência. Pelo acompanhamento através de reuniões
de apoio psicológico junto aos laristas, ficou claro que a vinculação afetiva ocorre de
ambos os lados, sendo extremamente penoso e frustrante para o larista, quando uma
criança vai para a adoção. Parece que comportamentos, do tipo ponderação, assertividade,
autonomia para decisões emergentes, afetividade, estabilidade quanto ao humor por parte
dos laristas, sáo os fatores estreitamente relacionados com exposição pessoal de senti­
mentos, respeito e disciplina por parte das crianças e adolescentes do Lar.
5.
Conclusões
É possível concluir-se que quando não existe para a criança outra alternativa, como
retorno aos pais biológicos ou adoção, a família substituta, num lar substituto, mais do
que uma instituição do tipo orfanato, pode ser a saída para que o desenvolvim ento se
complete de forma que ela possa receber amor e ter um modelo positivo de família, para
no futuro reproduzi-lo junto aos seus filhos.
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220
M a r i/ a il.i Silva Santos í inato
Capítulo 25
Contingências dc reforçamento vagamente
definidas: construindo prematuramente a
velhice
Rooscvclt R. Sltirlintf
R . esumo: O conceito de velhice apóia*se nas características biofisíológicas e
também num determinado repertório comportamental exibido pela pessoa. Esse último,
em especial a perda da competência social, pode ser prematuramente instalado em fun­
ção da exclusão do idoso(a) do controle social exercido através de contingências de
reforçamento precisas que atuam nas etapas anteriores de vida do indivíduo. Esta exclu­
são sugere estar sob o governo de padrões comportamentais culturalmente determinados
que instalam a expectativa e a tolerância à deterioração do desempenho pessoal e social
do idoso. O tratamento do tema apóia-se nos conceitos de estilo pessoal e flutuação de
comportamento os quais são, respectivamente, produtos de contingências de reforçamento
vagamente definidas e reforçamentos não-contingentes.
Palavras-chave: terceira idade, contingências de reforçamento, estilo pessoal,
flutuação de comportamento, variabilidade de comportamento.
O recente crescimento da parcela da população denominada de "terceira idade"
tem sido o resultado e, ao mesmo tempo, o estímulo para os avanços das ciências
biomédicas dedicadas ao estudo do prolongamento da vida humana e da melhoria da
qualidade de vida do idoso(a). Crescem as especialidades que tratam das especificidades
desta fase da vida como, por exemplo, a geriatria, a gerontologia e a psiquiatria geriátrica.
Sobre com|»orf.imenlo e cogniçdo
221
No campo das ciências biomédicas e abordagens afins, esforços têm sido feitos no estu­
do e descrição dos fenômenos fisiológicos e neuropsicológicos que têm seu aparecim en­
to e/ou se intensificam nessa idade (Kaplan, Sadock e Grebb, 1997; Neri, 1997)1.
Na literatura em português, Neri (1993, 1995) tem organizado e publicado, com
extensão e precisão, o estado atual dos estudos sobre o envelhecimento numa perspec­
tiva socio-psicológica, cujo tratamento sugere ser predominantemente desenvolvimentista
e cognitivista. A essa autora remetemos o leitor interessado em obter um panorama mais
vasto sobre o tema.
A utilidade desses estudos sobre a terceira idade é inegável. Conhecer as variáveis
fisiológicas, neuropsicológicas e sociopsicológicas que caracterizam o processo do enve­
lhecimento ó importante para a formação de um saber científico e para a concepção e
condução de políticas de saúde, sociais e institucionais, que sejam eficazes para esse
contingente cada vez maior da população. Mas, como diz Skinner (1995) em seu bemhumorado livro "Viva bem a velhice", esses estudos “(...) infelizm ente não conduzem
diretamente a conselhos práticos, porque nâo nos dizem porque as pessoas idosas fa­
zem o que fazem ou como podem ser induzidas a fazer algo diferente", (p. 27)
No Brasil, os estudos e/ou teorizações sobre a velhice com base na ciência do
comportamento ainda são em pequeno número, quando comparados à produção total na
área. Nesse artigo, estarem os prim ariam ente enfocando, dentro da perspectiva
comportamental, a competência social como um dos fatores de qualidade de vida do
idoso (Neri, 1995).
É fato bem estabelecido que quando dizemos “velho ou velha” - aqui utilizando
deliberadamente a denominação popular do idoso(a) - estamos nos referindo a algo mais
do que a idade cronológica; denominamos com essas palavras também um estereótipo ou
padrão comportamental ou, ainda, conforme escreve Skinner (1995):
"Ao invés de contar os anos, ó mais útil distinguir entre as idades a p artir do que
é caracteristicamente realizado em cada uma delas" (p. 29). É comum vermos
essa denominação aplicada a pessoas adultas e até jovens: "Fulano parece um
velho, beltrana se veste como uma velha". O inverso também acontece: "Fulana tem
70 anos e não tem nada de velha”. Esse fenômeno é objeto de uma série de "expli­
cações" populares como, por exemplo, a de que velhice está na "cabeça", ele tem
"espírito jovem", etc.
Essas "explicações" têm o mérito de reconhecer que o comportam ento é também
parte determinante do conceito social de velhice - ou da própria velhice, ainda que o faça
em termos mentalistas. Ademais do envelhecimento biológico, ser velho é uma maneira
de comportar-se: uma maneira de vestir, de conduzir a vida social, de seleção de tarefas,
divertimentos e lazer, de falar, de alimentar-se, etc.
Perguntamos então como isso ocorre? Que variáveis controlariam esse envelheci­
mento com portamental? Uma abordagem possível é buscarmos essas variáveis no meio
social propriamente dito. Uma abordagem sociopsicológica, que parece ser representativa
do tratamento teórico que esse tema tem recebido, pode ser vista em Neri (1995, página
37 e seguintes), sobre o que ela denomina "ideologia da velhice". De um ponto de vista
1 Uma boa amostragem dosse tratamento do tema foi apresentada durante o VI Congresso Brasileiro de
Psiquiatria Clinica, realizado em Curitiba, em 1997.
999
Rooscvdl R. St.irlI hjí
comportarnental, podemos dizer que a sociedade oferece uma boa estruturação do com ­
portamento para a infância e adolescência e para a vida adulta, tanto do ponto de vista das
tarefas quanto do lazer. A escola, os brinquedos, o parque de diversões, os clubes, os
barzinhos, o trabalho, o namoro, todas essas atividades estruturam o comportamento
dessas etapas da vida humana, proporcionando contingências reforçadoras constantes e
adaptadas às capacidades biológicas e comportamentais de cada uma delas. A grande
mídia - em imagens ou impressa — concentra a sua oferta de entretenimento para essas
faixas etárias. Como a velhice em grandes números é um fenômeno recente na história da
humanidade (Neri, 1993; Kaplan, 1997), é compreensível que não existam ainda ofertas
sociais bem definidas para essa população. É recente a oferta, ainda em caráter tentativo,
de clubes da terceira idade, universidades da terceira idade e turismo dirigido, dentre
poucas outras.
Como clínico, esta tem sido uma das dificuldades que tenho encontrado no trata­
mento psicológico dos idosos. Na minha experiência, de maneira geral, os pacientes
respondem muito bem ao manejo clínico mas, quando da alta, cessados portanto os
estímulos e contingências especiais providas pela terapia e pelo terapeuta, o idoso vê-se
submetido às mesmas contingências que, em primeiro lugar, contribuíram para a instala­
ção das suas dificuldades.
O problema da generalização e manutenção de comportamentos aprendidos em
situação especial na transposição para o ambiente natural do paciente é uma questão
ainda não bem firmada tecnicamente e constitui um relevante problema para a prática
clínica (Stokes e Baer,1977; Milan e Mitchel, 1996). Os novos comportamentos e/ou re­
pertórios aprendidos na terapia para permitir ao cliente manipular com melhor adequação
o seu ambiente estarão eles mesmos submetidos às contingências proporcionadas pela
sociedade e serão por elas mantidos ou alterados. A correlação de forças, presumindo-se
um ambiente social adverso ao idoso, é francamente desfavorável a esse último. Ironica­
mente, as dificuldades do idoso(a) em manter os novos com portamentos diante dessas
contingências vem corroborar a hipótese que estamos considerando.
Mudanças socioculturais são lentas e submetidas às vicissitudes da história. Seria
então relevante perguntarmos que outras variáveis, passíveis de manipulação por uma
pessoa ou pequeno grupo - por exemplo, o grupo lam iliar - , pudessem tam bém atuar
nesse contexto como fontes de reforços para a manutenção da competência social do
idoso(a) em seu ambiente natural. Vale a pena observar que a família surge, nessa hipóte­
se, como um candidato "natural" a esse papel, mas um exame da literatura revela dificul­
dades razoáveis para essa função (Milan e Mitchel, 1996).
Uma possível resposta está nos conceitos de estilo p essoale flutuação de com por­
tamento, conceitos que, embora básicos e essenciais por permitirem um entendimento
científico e instrumental da variabilidade observada no comportamento humano, não apa­
recem com freqüência nos estudos da nossa área, em especial nas suas aplicações
clínicas e que, por esta razão, examinarei aqui com certa extensão (Baldwin e Baldwín,
1986).
Esses fenômenos ocorrem quando o comportamento das pessoas está sob o go­
verno de contingências de reforçamento vagamente definidas, o estilo pessoal, e de
reforçamento não-contingente ou aleatório, a flutuação de comportamento. Baldwin e
Baldwin (1986) definem contingências de reforçamento vagamente definidas como aque­
las que:
Sobre comportamento e cognição
223
"permitem reforçamento para qualquer uma entre várias respostas de uma am ­
pla classe vagamente definida (...) ligam entre si os dois extremos do continuum
entre (1) o reforçamento não-contingente, randômico, que produz comportamento
supersticioso ou comportamento passivo, e (2) as contingências estritamente defi­
nidas, que produzem comportamento precisamente especificado." (p. 237)
Para ilustrar, tomemos um exemplo dentre tantos outros: a classe operante "vestirse adequadamente”. Comportamentos emitidos nessa classe estão sob controle final de
uma única conseqüência: a aprovação (reforço) ou a desaprovação (coerção) social (Sidman,
1995). Reduzido ao seu básico, esse operante especifica precisamente, para cada soci­
edade e para cada ópoca, quais as partes do corpo que podem ser mostradas sem cober­
tura nos vários contextos da vida social. Assim, na nossa sociedade e época, pernas
femininas podem ser mostradas num casamento, mas as masculinas não. O torso mas­
culino pode ser mostrado num evento esportivo, mas o feminino não, e assim por diante,
Essas especificações reduzem a variabilidade de comportamentos possíveis no
vestir-se e controlam a ação de reforçamentos não-contingentes, aleatórios. Mas não
especificam precisam ente como devem estar cobertas as partes do corpo que não p o ­
dem ser mostradas. Portanto, um número muito grande de respostas pode ser emitida e
receber reforço social. Numa sociedade complexa, estas respostas podem estar sob
controle da aprovação de grupos sociais específicos, como, por exemplo, o grupo de
adolescentes, dos executivos, grupos excêntricos como punks, os quais, por sua vez,
determinam subclasses de "vestuário adequado" mas que se mantêm dentro das
especificações básicas daquela sociedade.
Assim ó que a cor, o tecido, a forma do vestuário, podem variar amplamente dentro
desses limites e produzir reforçamento. Sob o governo das variáveis da sua história
ambiental, cada pessoa ou grupo de pessoas pode então desenvolver um estilo pessoal e
mantê-lo por reforçamento social. Os mesmos Baldwin e Baldwin assim definem estilo
pessoat.
"O estilo pessoal surge em tarefas instrumentais que podem ser realizadas de
uma variedade de modos. Qualquer resposta, dentro da classe de respostas, p ro ­
duzirá reforçamento. Não importa qual subconjunto da classe de resposta é em iti­
do. Uma pessoa pode aprender a realizar um subconjunto da classe de respostas
e, uma segunda pessoa, um outro subconjunto da classe. Cada uma emite o
operante, mas num estilo diferente. ” (p. 237)
As contingências de reforçamento produzidas por modelos, facilitadores, regras ou
reforçamento diferencial limitam a variabilidade de comportamentos, mas a presença de
contingências reforçadoras vagamente definidas aumenta essa variabilidade gerando esti­
los pessoais. Além disso, reforços aleatórios podem introduzir mudanças ao longo do
tempo, que denominamos flutuações de comportamento. Essas variações são, por sua
própria ocorrência fortuita, imprevisíveis e seu impacto social varia desde o excêntrico,
criativo, até o agressivo, patológico, quando flutuam além dos limites considerados aceitá­
veis por uma sociedade. Dentro do nosso exemplo e dentre inúmeras possibilidades, uma
pessoa vê a foto de alguém experimentando um paletó, ainda sem as mangas; acha
interessante e tira as mangas do seu paletó. O seu grupo de referência reforça esse
comportamento achando-o engraçado, talvez pelo inusitado, com a vantagem de estabe­
224
Rooscvclt R. St.irlinfl
lecer uma diferença entre esse grupo e os "caretas" e provocar nesse último uma reação
de desaprovação, o que lhes reforça a “identidade" e “independência". Em busca dos
mesmos reforços, outros reproduzem esse modelo e instala-se um novo estilo que será
ou não difundido naquela cultura dependendo da força relativa e da resiliência das pautas
comportamentais que governam essa classe de respostas em particular.
Vejamos agora como esses mecanismos indicam funcionaF naquilo que estou dis­
cutindo como sendo uma construção prematura da velhice.
As palavras "velho ou velha" eliciam respondentes de certa ambivalência: ao lado do
componente aversivo evocado - a decadência e a morte - eliciam também, devido à rela­
tiva fragilidade, impotência e a dependência associadas à idade avançada, padrões de
comportamento de proteção. De fato e em parte, parece existir uma semelhança entre os
padrões comportamentais respondentes e operantes eliciados/evocados pelo idoso e pela
criança. Uma evidência direta e corriqueira desse fato é dada pela observação de que os
adultos tendem a tratar os idosos com os mesmos comportam entos verbais e gestuais
com que tratam as crianças. Somos condicionados a ter com relação à criança, pelas
limitações da sua etapa biopsicológica e variáveis culturais, comportamentos que podem
ser descritos como tolerantes, complacentes, diretivos e "maternais", no sentido de vê-la
como dependente e relativamente incapaz (Deps, 1993). Efetivamente, uma conjunção de
fatores socioeconômicos e biológicos reduz a maioria dos idosos a essa condição e o
próprio idoso, contingenciado pelo modelo oferecido pela cultura como adequado a esse
contexto, emite comportamentos cuja topografia reproduz o padrão infantil.
Enquanto meninos e adolescentes e na idade adulta, estamos sob constante mo­
delagem e controle do meio ambiente que define com precisão as respostas que são
aceitáveis para as diversas classes de comportamentos social. Quando, por exemplo,
uma criança mastiga o alimento com a boca aberta, proporcionamos contingências de
controle operantes (e respondentes) que possam inibir esse comportamento no futuro.
Num púbere ou adulto, essas contingências são proporcionadas com maior intensidade
ainda. Mas esse mesmo comportamento é tolerado no velho porque ele é velho. “Ensina­
mos" hábitos de higiene pessoal a um menino, mantemos esse comportamento por coerção nos adultos mas toleramos no velho (Sidman, 1995). Diverte-nos que a fala de uma
criança possa estar auto-orientada, ou seja, que ela "fale sozinha" e, na verdade, reforça­
mos esse comportamento (Skinner, 1978). Esse mesmo comportamento coibimos no
jovem e no adulto, mas, novamente, aceitamos no velho. Outros tantos exemplos, segura­
mente de conhecimento geral, podem ser vistos no Quadro 1. Sob tais condições, o
com portamento do idoso cai sob o governo de contingências reforçadoras vagamente
definidas e/ou aleatórias.
Q uadro 1 - Exemplos de comportamentos e classes operantes controladas na direção
do adequado cultural para os membros jovens e adultos e "toleradas" nos idosos(as).
Usar roupa suja
Ficar “agarrando” em casa
Cuspir no chão
Comer "fazendo barulho
Falar sozinho
Responder agressivamente
Mastigar com a boca aberta
Ficar "sem fazer nada"
Ficar "reclamando da vida"
Recusar medicação
Choramingar
Não tomar banho
Sobre comportamento e cogniçilo
225
Ora, consideremos agora que a classe operante "alimentar-se", do ponto de vista
estritamente biofisiológico, é reforçada negativamente pela cessação do estímulo aversivo
da fome (e também, ó claro, pelo reforço positivo provido pela biologia e/ou pela cultura).
Mas esse reforço pode ser obtido através de comportamentos com diferentes topografias:
podemos alimentarmo-nos com garfo e faca, manipulados dessa ou daquela forma, atra­
vés de "pauzinhos", como os orientais, levando o alimento diretamente à boca com as
mãos ou ainda levando a boca ao alimento. Cada sociedade treina seus membros na
maneira "correta", modelando seus membros mais jovens, coibindo os adultos e, pelo
menos na nossa sociedade, dispensando os velhos do desempenho socialmente adequa­
do. Porque são velhos. Ao deixarmos de prover aos idosos os controles apropriados o que
estamos de fato fazendo é excluí-los da nossa sociedade: já não são mais nossos sócios
e, portanto, estão dispensados de seguir as nossas regras.
Para considerarmos somente este desempenho, alimentar-se, pela ausência de
contingências de reforçamento bem especificadas, estilos pessoais podem dar lugar a
flutuações de comportamento sujeitas a reforços não-contingentes, seguindo a linha de
menor resistência, ou seja, a ditada ppla menor latência entre o com portam ento e o seu
reforço com o menor dispêndio de energia possível. Quando essas flutuações ultrapas­
sam determinado limite, o idoso já não faz mais suas refeições com a família. Sua forma
de alimentar-se tornou-se aversiva para os membros mais jovens. Quando esta exclusão
acontece, as contingências que mantêm outras classes operantes cessam sua ação e
outros desempenhos ou habilidades sociais - como, por exemplo, a precisão da fala,
habilidades conversacionais, hábitos posturais - seguem o mesmo cam inho (Figura 1).
Continuando o processo, chega o momento em que a perda progressiva das habilidades
sociais tornam a convivência com o idoso, no seu todo, aversiva e aí é o momento de
interná-lo num asilo, onde existe a expectativa de desempenho deficitário, fechando o
ciclo.
Fiaura 1 - Ciclo descendente de instalação da velhice comoortamental
SUPRESSÃO DE CONTINGÊNCIAS
ESTRITAMENIT DEFINIDAS
■ Respondentes de '^iena"
■ Ambiente sob controle aversivo
circular pelos respondentes
"amor, ódio e reparação"
■ Ativação da "proteção"
■ Inadequação das funções
conseqüenclais, operantes
e estabelecedoras
■ Processos verbais negativos
226
Roosevelt R. St.irlinjt
■ Extinção da classe operante
■ Flutuação do comportamento
■ Resposta ambiental de esquiva
ou fuga
■ Isolamento do idoso(a)
■ Extinção de outras classes
operantes das habilidades
sociais
Com o propósito de facilitar a leitura para um público mais heterogêneo, procurei
recorrer o mínimo possível ao vocabulário mais especdico da análise do comportamento.
Entretanto, cresce nos meios profissionais a prática de diagnosticar uma categoria cha­
mada depressão do idoso e, seguindo-se ao diagnóstico, cresce a oferta de terapia
farmacológica para esses quadros. Sem o propósito de abrir uma até necessária discus­
são sobre o tema, desejaria marcar alguns pontos que me parecem relevantes para a
hipótese que examinamos nesse artigo.
Cavalcante (1997), baseada em Dougher e Hackbert (1994), apresenta uma formu­
lação de notável abrangência e coesão conceituai sobre o fenômeno da depressão, à qual
remeto o leitor interessado.
Os citados autores utilizam como parâmetros para sua análise três padrões de
interação funcional que indivíduos “deprimidos" mantêm com o ambiente - as funções
conseqüenciais, as respondentes e as estabelecedoras - e os processos verbais associ­
ados. Para os propósitos deste artigo, apresento um resumo de parte desse trabalho no
Apêndice 1, Quadros 2a e 2b, nos quais utilizo para analisar alguns padrões de interação
do idoso(a) com o ambiente, as mesmas categorias que aqueles autores, originalmente,
utilizaram para examinar o paciente “deprimido"2. A comparação ó relevante porque, exa­
minando o construto "depressão" decomposto nos seus padrões de interação social, a
correspondência daquela análise com as contingências às quais se vê submetido o idoso(a)
sugere fortemente que a “depressão do idoso" pode ser uma decorrência necessária do
modelo cultural que o marginaliza e, nessa hipótese, a farmacoterapia corresponderia a
um controle químico do comportamento, prático e conveniente, mas de modo algum cura­
tivo, necessário ou mesmo desejável para a maior parte dos quadros apresentados (Beck,
Rush, Shaw e Emery, 1982; Johnsgàrd, 1989, Agency for Health Care Policy and Research,
1993; Blackburn, 1994, Antonuccio, Danton e DeNelsky, 1995).
Nesse ponto, o leitor ou leitora poderá adiantar as conclusões, creio. Se a velhice
biológica é um fato irreversível, embora cada vez mais possível de ser retardada com
melhor qualidade de vida, o conjunto do corpo teórico e das técnicas comportamentais
disponíveis indicam que a velhice comportamental pode ser retardada com maior facilida­
de ainda, e a qualidade de vida do idoso melhorada, se estabelecermos e implantarmos
contingências de reforçamento com especificação suficiente para manter-lhe as habilida­
des sociais o mais intactas possível no seu ambiente natural3. Grande parte dessa velhice
ó desnecessária e prematura. As contingências que mantêm os comportamentos com ­
placentes e os respondentes de "pena" no ambiente social do idoso são, provavelmente,
importantes variáveis na instalação e manutenção desse fenômeno.
O desenho e a testagem de um programa terapêutico baseado nas hipóteses aqui
discutidas serão o segmento lógico dessa discussão.
É certo que, à medida que avança o processo natural de envelhecimento, existe um
declínio progressivo dos recursos biológicos e psicossociais à disposição da pessoa.
Conhecer essas alterações e sua evolução é essencial para o desenho de um programa
terapêutico que possa exigir do idoso desempenhos compatíveis com as suas condições
irredutíveis, não lhe impondo tarefas além das suas possibilidades.
2 Tratando-se de uma adaptaçflo, eventuais impropriedades conceituais ou de interpretação das formula­
ções originais sâo de minha Inteira responsabilidade.
3 Um conjunto de estratégias para tal propósito pode ser visto na apresentação critica do Milan, MA e Mitchol,
ZP, opus cit.
Sobro comport.imcnto c coflniç.lo
227
Por outro lado, existem fortes indicações de que as capacidades físicas e psicoló­
gicas do idoso(a) sâo culturalmente subestimadas. Se admitirmos que o que faz de um
indivíduo uma pessoa ó a sua inserção o mais plena possível numa sociedade, representa
uma perda individual e social privarmos ambos, prematuramente, da expressão e ação
dessa pessoa, que oferece à com unidade humana a riqueza única da sua história
pessoal.
Este artigo é uma versão ampliada da palestra de mesmo título apresentada duran­
te o VII Encontro da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Com portamental
(ABPMC) em Campinas, SP, de 10 a 13 de setembro de 1998.
S u m m ary : Besides biophysioíogicaí characteristics particular patterns of behav­
ior play an important pari in defining ‘old age'. Social skills can be prem aturely lost
through the exclusion of the aged from the social control provided by precisely
defined contingencies. This exclusion may be controlled by cultural models that
6trengthen and justify the expected decay on the social performance of the aged.
The concepts of personal style, resulting from vaguely definod contingencies and
behavior drifting, resulting from random, non-contingent reinforcements are tho
variables considered in this analysis.
Key w o rd s: aged, reinforcement contingencies, personal style, behavior drifting,
behavior variance.
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Sobre comportamento e cognição
229
Apêndice 1 - Quadros 2a e 2b
Quadro 2a - Adaptação e resumo dos padrões de interação com o ambiente apresenta­
dos por indivíduos classificados como deprimidos, segundo Dougher e Hakbert apud Cavalcante, opus cit.
Funções conseqüências
BAIXADENSIDADEDE
REFORÇAMENTO
• repertório social in a d e ­
quado.
• comportamento inadequa­
do para a obtenção e m a­
nutenção da interação so­
cial.
EXTINÇÃO
• oferta reduzida de reforça­
dores
• repertório inadequado pa­
ra obter fontes alternativas
de reforçamento
• e s tim u la ç ã o a v e rs iv a
inevitável
PUNIÇÃO
• comportamentodefensivo
FREQÜÊNCIAAUMENTADA DE
COMPORTAMENTODE“SOFRIMENTO" (RECLAMAÇÃO, CHO­
RO, irritabilidade)
• com portam entos de “so­
frimento” mantidos por re­
forçamento negativo.
ou retaliatório tam b ém
punido
• escassez de reforçamen­
to social
• freqüência reduzida ou ní­
vel cronicamente baixo de
comportamento
• inibição das respostas de
fuga ou esquiva.
• desamparo aprendido
• no longo prazo, respostas
de fuga e esquiva aum en­
tadas no am biente
Quadro 2b - Adaptação e resumo dos padrões de interação com o ambiente apresenta*
dos por indivíduos classificados como deprimidos, segundo Dougher e Hakbert apud Ca­
valcante, opus cit.
Funções respondentes
REFORÇAMENTO INSUFICIENTE,
EXTINÇÁO E PUNIÇÃO FUNCIO­
NAM COMO ESTÍMULOS
INCONDICIONADOS QUE ELICIAM
UM CONJUNTO DE
RESPONDENTES [TRISTEZA,
FRUSTRAÇÃO, RAIVA]
230
Rooíevelt R. StarlinR
• Estímulos discriminativos
relevantes (ou estímulos
associados com punição
ou reforçamento não-disponível) funcionam como
eliciadores condiciona­
dos.
• Seleção e potencialização da eficiência evocativa
de estímulos congruentes
com o seu estado afetivo
negativo.
Funções estabelecedoras (ou supressivas)
EVENTOS OU CONDIÇÕES QUE
PRODUZEM BAIXAS TAXAS DE
RESPOSTA OU ESTADOS
AFETIVOS 'DEPRESSIVOS”
SERVEM COMO FUNÇÕES DE
• limitações biológicas, psi­
cológicas e socioculturais
pod em induzir estado s
em ocionais que selecio­
n am os e s tím u lo s aos
quais o idoso reage.
SUPRESSÃO
• redução do reforçamento;
d im in u iç ã o da p r o b a ­
bilidade de respostas que
tenham produzido relorçadores estabelecidos no
passado; dim inuição da
eficiência evocativa de estím ulos discrim inativos
associados aos reforça­
dores estabelecidos.
Processos verbais
AUTO-ESQUEMA E AUTOVERDALIZAÇAO NEGATIVAS
• varáv eis socioculturais
controlam a composição
da classe de equivalência
velho(a).
• funções associadas aos
descritores negativos (eu,
velho, fim, m orte, inútil)
controlam e estabelecem
um feedback positivo dos
processos verbais e autoesquem a negativos.
Sobre comportamento c coRnição
231
Seção V
Educação: ensino e suas
implicações
Capítulo 26
Uma proposta de ensino de análise
experimental do comportamento
Vcrônka ttcm icr / Uydu
A
apresentação que farei tem como objetivo descrever, mais do que propor,
uma forma de ensinar Análise Experimental do Comportamento (AEC). O que quero dizer
ó que a minha fala consistirá de um relato do programa que vem sendo desenvolvido já,
há alguns anos, na disciplina de Psicologia Experimental do curso de Psicologia da
Universidade Estadual de Londrina, ministrada por docentes do Departamento de Psico­
logia Geral e Análise do Comportamento.
Em 1992, quando da implantação de um currículo novo que se adequasse ao
regime seriado anual do curso, a Profa. Dra. Dione de Resende e eu decidimos propor
uma forma de estruturar a disciplina que permitisse fazer com que o aluno tivesse opor­
tunidade de se envolver com o fazer ciôncia. Isso foi operacionalizado na forma de atividades
práticas diversificadas, conforme detalharei a seguir. Convém destacar que essa propos­
ta de prática diversificada foi estendida para outras disciplinas do currículo, como, por
exemplo, Psicobiologia e Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade.
A ementa da disciplina aprovada naquela ocasião ó:
Teórica: O comportam ento e o contexto de interação. Comportam ento operante:
estrutura e função. Esquemas de reforço. Controle de estím ulos: condicionam ento
pavloviano, discriminação e generalização de estímulos. Modelagem e aprendizagem de
acordo com o modelo. Controle de estímulos aversivo: esquiva, fuga e supressão condici­
Soürt* comportamento c coRnição
235
onada. Discriminações condicionais e de contexto; formação de classes de estímulos
equivalentes. Análise funcional de estados motivacionais e de estados subjetivos. Agên­
cias sociais de controle. Prática: Pesquisa experimental envolvendo a aplicação dos
princípios básicos na análise experimental do comportamento.
As aulas práticas iniciais consistem em desenvolver exercícios de laboratório
(replicações) de acordo com manuais técnicos da área (por exemplo, Guidi & Bauermeister,
1979; Gomide & Dobrianskyj, 1988). São realizados exercícios de treino de bebedouro,
m odelagem da resposta de pressão à barra, esquema de reforço contínuo e esquemas
de reforço intermitente e extinção.
As atividades práticas do segundo semestre do programa são diversificadas e
arranjadas de tal forma que o aluno tenha a oportunidade de propor e desenvolver um
projeto de pesquisa na sua íntegra. Grupos de até quatro alunos planejam, juntamente
com os professores, projetos de pesquisa que envolvem temas relacionados a:
1) subprojetos de estudos da linha de pesquisa do professor;
2) análise experimental de comportamento com animais de laboratório ou seres hum a­
nos; ou até
3) análise experimental de comportam ento aplicada a situações, como, por exemplo,
escolas de Ensino Fundamental. Os alunos são orientados na form ulação de um
problema de caracter científico e em respondê-lo m etodologicamente. Além disso,
eles têm a oportunidade de apresentar os resultados em eventos científicos e ou
publicá-los em periódico científico. A Tabela 1 apresenta alguns dos temas dos traba­
lhos desenvolvidos pelos alunos das primeiras turmas de Psicologia Experimental e o
ano da sua divulgação.
Tabela 1 - Temas de pesquisas desenvolvidas pelos alunos de Psicologia Experimental
da Universidade Estadual de Londrina e ano de divulgação e respectivos resultados.
Temas
Ano de
divulgação
Efeitos da punição sobre a taxa de resposta de alternação em esque­
ma concorrente de reforço simétrico em universitários
1993
Efeitos da densidade de reforço sobre a taxa de escolha reforçada
concorrentemente em universitários
1993
Efeitos da punição sobre a taxa de resposta de alternação em esque­
ma concorrente de reforço simétrico em universitários
1994
Efeitos da punição sobre a resposta de escolha do esquema com
maior densidade de reforço em universitários
1994
Comparação de dois procedimentos na aquisição de uma cadeia
comportamental em ratos
1994
Treino discriminativo: comparação entre procedimentos que requerem
ou não extinção das respostas diante do SD
1994
23ó
Verônlc.i Hemler I l.tydu
Comportamento governado por regras e aquisição de cadeias repetidas
1995
Ensino da linguagem de sinais a pessoas ouvintes: efeito do tipo de
estímulo pareado no treino e teste
1995
Formação de classes de estímulos equivalentes do tipo visual-gustativo
1995
0 efeito do stress no comportam ento de ratos Wistar testados no
labirinto em cruz-elevado
1995
Resolução de problemas aritméticos apresentados visual e
auditivamente
1995
Análise experimental do efeito de variáveis semânticas na resolução de
problemas aritméticos
1996
Recombinação de sílabas e discriminação condicional na superação de
dificuldades de leitura
1997
Recordações de nomes de objetos: estabelecim ento de relações de
pessoas conhecidas e desconhecidas
1997
Alguns aspectos da estrutura do currículo do curso têm contribuído para que o
aluno possa desenvolver toda a seqüência de atividades de um projeto de pesquisa. Um
desses aspectos é o fato de que o aluno cursa, simultaneamente, as disciplinas de
Planejamento em Pesquisa e de Estatística. Na parte prática da disciplina de Planejamento
de Pesquisa, os alunos recebem orientações quanto aos aspectos formais de elabora­
ção do projeto e do relato científico de seus estudos e na de Estatística eles são orienta­
dos quanto ao tratamento e análise dos dados por eles coletados.
No final de 1992, ano de implantação do programa, foi realizada uma reunião com
todas as turmas da disciplina, na qual os alunos tiveram a oportunidade de apresentar o
trabalho por eles desenvolvidos. Essa apresentação foi obrigatória, tendo sido avaliada
pelos professores. Alguns desses estudos foram apresentados, no ano seguinte, no XI
Simpósio de Estagiários do Centro de Ciências Biológicas da UEL.
No ano seguinte, a apresentação dos trabalhos deixou de ser obrigatória e progra­
mou-se, para o início de 1994, um evento que envolveu a participação de alunos da
disciplina de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade, o I Seminário Interno de
Psicologia Experimental.
Em 1995, o Departamento decidiu que passaria a realizar eventos anuais que
integrassem os seminários internos organizados nas diferentes disciplinas do curso.
Esse evento que ora é denominado de Simpósio Interno de Psicologia Geral e Análise do
Comportamento, vem sendo realizado, desde então, de forma regular é foi promovido
este ano (1997) pela terceira vez.
Sobre comportamento e cognição
237
O programa da disciplina de Psicologia Experimental, descrito anteriormente, está
sendo mantido ató a presente data, tendo-se como principais resultados os seguintes
fatos:
a) a maioria dos trabalhos desenvolvidos na prática diversificada é apresentada no Simpósio
Interno de Psicologia Geral e Análise do Comportamento com publicação dos resu­
mos nos cadernos do evento;
b) os estudos que se destacam, quanto ao aspecto metodológico e à contribuição à
ciência, são apresentados em congressos nacionais, como na Reunião Anual de Psi­
cologia da Sociedade Brasileira de Psicologia e no Congresso Brasileiro Multidisciplinar
de Educação Especial;
c) alunos que se sobressaem quanto ao seu envolvimento nas atividades dos projetos,
são convidados a participar das pesquisas dos docentes do departamento como cola­
boradores na modalidade de atividade acadêmica complementar e/ou como bolsistas
de iniciação científica;
d) foram publicados, no periódico editado pelo Departamento de Psicologia Geral e Aná­
lise do Comportam ento - Torre de Babel: Reflexões e Pesquisa em Psicologia - arti­
gos completos com trabalhos desenvolvidos pelos alunos.
A principal dificuldade que temos tido para manter a proposta é conseqüência de
um problema que está afetando as atividades de ensino e pesquisa em um grande núme­
ro de universidades brasileiras, qual seja, a aposentadoria de professores, principalm en­
te os doutores.
Um outro problema que também está relacionado com a rotatividade de docentes
ó o fato de que nem sempre se consegue conciliar as orientações da parte da disciplina
de Planejamento em Pesquisa, que é ministrada pelo Departamento de Ciências da
Informação (Biblioteconomia), com a fase em que o aluno requer estas orientações para
o seu projeto de pesquisa.
Conclusão
Apesar das dificuldades enfrentadas para a manutenção do program a, acredito
que os resultados sejam positivos. Talvez nos falte ainda um pouco de carism a para
tornar a AEC mais atraente ao aluno. No entanto, creio que a possibilidade de o aluno se
envolver com pesquisas de verdade e não de "faz de conta" é um caminho.
Como um testemunho disso, eu gostaria de ler um trecho da fala do Prof. Dr. Ari
Bassi do Nascimento ao realizar a abertura do III Simpósio Interno realizado no início
deste mês.
"Muita gente 'esquentou e ainda esquenta a cabeça' no momento de definir o
problema que deve dar origem ao projeto de pesquisa. Desenvolver projetos de
pesquisa foi onde mais se concentraram as práticas diversificadas. Todavia, colo­
carem ação essas práticas requereu e requer um exercício de pensar 'coreografado'
por alunos e professores. A contribuição capital das práticas diversificadas culmi­
nou na realização desses exercícios. Nem sempre conseguimos projetos capazes
de revolucionar qualquer coisa, mas, sem dúvida, estamos conseguindo mudar
gradualmente a concepção de nossos alunos sobre o que é fazer ciência. Mesmo
que os resultados de nossos projetos e experimentos não revolucionem os meios
238
Verô n ica Hendcr I laydu
acadêmicos e sociais, eles são as condições sine qua non para o desenvolvimen­
to de um modo de pensar chamado ciência. Nenhum projeto será revolucionário se
seus autores não forem capazes de conceber o mundo em volta de seu objetivo
de estudo sob o enfoque da ciência. Se o desenvolvimento dessa concepção
pode ser facilitado pelas contingências e exercícios dessas práticas, entâo podese dizer que os objetivos daqueles que idealizaram essas práticas e, principal­
mente, daqueles que as executam, estão sendo atingidos.
A prova de que isto está acontecendo ó este simpósio, que somado aos outros
dois anteriores, constituem-se em veículos autênticos de comunicação dos traba­
lhos desenvolvidos por alunos e professores deste departamento. A reunião de
pessoas cujos objetivos sejam os de comunicar dados de pesquisa caracterizase como um foro apropriado para a iniciação aos debates científicos. Ao exporem
e discutirem seus dados, alunos, professores e pesquisadores ficam à mercê da
discussão científica. O mais importante disso tudo é que se criam condições em
que acertos são privilegiados, falhas não obstruem, mas abrem caminhos novos,
e erros são encarados somente como alternativas descartáveis na busca do aper­
feiçoamento. "
Quero aproveitar esta oportunidade para agradecer e homenagear a Profa. Dra.
Dione de Rezende (também aposentada, atualmente), que plantou sementes muito fér­
teis em nosso Departamento, como ó o caso desse programa de ensino de AEC que
acabei de apresentar e o caso da revista Torre de Babel: Reflexões e Pesquisa em Psico­
logia, que estamos editando. Quanto a nossa revista, cabe acrescentar que ela nasceu
exatamente da idéia de se criar um periódico que pudesse publicar os trabalhos da
prática diversificada desenvolvidos pelos alunos da disciplina de Psicologia Experim en­
tal. Estamos, no momento, editando o seu quarto volume e contando com a colaboração
de grandes nomes da Psicologia no Brasil, como Dr. César Ades, Dr. José Lino Oliveira
Bueno, Dr. Roberto Alves Banaco, Dr. Fernando César Capovilla, Dra. Paula Inez da
Cunha Gomide, e a nossa querida Dra. Lygia Maria de Castro M. Machado, que infeliz­
mente não está mais aqui para nos premiar com a sua presença.
Bibliografia
GUIDI, M. A. & BAUERMEISTER, H. B. Exercícios de Laboratório em Psicologia. São
Paulo: Martins Fontes, 1979.
GOMIDE, P. I. C. & DROBIANSKYJ, L. N. Análise Experimental do Comportamento:
manual de laboratório. 2a Ed. São Paulo: Edicon, UFPR, Scientia et Labor, 1988.
Sobre comportamento c cogniçdo
239
Capítulo 27
Algumas concepções de profissionais de
educação sobre Behaviorismo1
Miirid Ester Rodrigues *
UhUPR
E m nossa trajetória acadêmica e profissional, observamos que, apesar das con­
tribuições que o Behaviorismo e a Análise do Comportamento podem oferecer para a
Educação (entre outras), são uma filosofia e ciência sub-utilizados e, muitas vezes, apre­
sentados de modo equivocado, na literatura e na fala de profissionais de Educação (bem
como em outras áreas). Alguns estudos sobre o assunto serão apresentados neste traba­
lho, que não pretende esgotá-lo, e sim, fornecer algumas informações a respeito de um
assunto vasto e abrangente, com múltipla determinação e múltiplas implicações.
Vários autores nacionais e estrangeiros preocuparam-se em estudar a questão da
imagem negativa do behaviorismo e das deturpações a ele associados. Skinner (1982)
enumerou as principais críticas feitas ao Behaviorismo e refutou-as uma a uma, ao longo
do livro. Bass (1998) enumerou o que seriam as 11 principais deturpações sobre a análise
do comportamento na literatura em geral. DeBell e Harless (1992) catalogaram o que
chamaram de os cinco mitos mais freqüentes sobre a análise do com portam ento, na
literatura em Psicologia.
1Trabalho apresentado em 1998 na ABPMC
2 A autora agradece aos seus alunos da disciplina Psicologia da Educação dos Cursos de Pedagogia, Letras
e Biologia do ano de 1997, na Unioeste-Campos Cascavel/PR, pelo auxílio na coleta de dados e à Professora
Doutora Melania Moroz, pela leitura atenta e sugestões valiosas.
240
M d riii hster RodriflUfs
Carmo (1996) discutiu o que chamou de "confusões" e deturpações conceituais
cornumente presentes em publicações de Psicologia e Educação, como a não-distinção
entre Behaviorism o M etodológico e Radical e o “ mito" do homem passivo para o
Behaviorismo.
França (no prelo), em texto não publicado, analisou o livro de Alvite (1987), intitulado
Didática e Psicologia: crítica ao psicologismo na educação e que seria um exemplo de má
interpretação das idóias de Skinner.
Além de estudos sobre incorreção e deturpação na literatura, existem também
estudos sobre atitudes enviesadas e concepções equivocadas ou incorretas, por parte de
alunos de Psicologia e de Educação, acerca da modificação do comportamento. Woolfolk
et al (1977), por exemplo, realizaram experimentos, com estudantes de graduação e de
pós-graduação da área de Pedagogia, identificando vieses e tendenciosidades de estu­
dantes, na avaliação dos métodos de um professor relacionados à abordagem teórica em
questão.
Fora da área educacional especificamente, também foram realizados estudos se­
melhantes, como o de Turkat, Harris e Forehand (1979), que procuraram examinar a atitu­
de de indivíduos no que diz respeito à modificação do comportamento, relacionando-a a
um possível efeito da maciça descrição negativa pela mídia. Os autores realizaram ainda,
um exame de todos os artigos sobre modificação de comportamento indexados no New
York Times, entre 1fl de janeiro de 1973 e 15 de abril de 1977, e encontraram que, em 48%
dos 27 artigos encontrados, havia associações incorretas com procedimentos como lava­
gem cerebral, psicocirurgia, privação sensorial e tortura chinesa.
Otta et al (1983) empreenderam um estudo com estudantes de Psicologia, na mes­
ma linha de identificar vieses e tendenciosidades. O estudo mostrou o efeito polarizador
negativo do nome de um psicólogo behaviorista, quando comparado com um representan­
te de outra linha psicológica.
Os estudos acima (tanto os sobre a literatura quanto os sobre concepções de
estudantes e outros) indicam a existência de incorreções, desentendimentos ou nãoentendimentos, deturpações, confusões, enfim, desconhecimento a respeito de uma dada
abordagem teórica da Psicologia.
No entanto, há também estudos, especialmente alguns dos mais recentes, cujos
resultados oferecem suporte a um tipo complementar de interpretação dos fatos. Essa
interpretação seria a de que, em alguns casos, existe conhecimento do behaviorismo (ou
pelo menos, acesso a informações corretas), mas esse conhecimento não vem acom pa­
nhado de concordância ou adesão à abordagem, devido principalmente a diferenças e
discordâncias entre a visão de Homem e visão de “mundo" behaviorista e as visões dom i­
nantes na cultura.
Silva (1987) acredita que o que embaça a compreensão dos textos de Skinner é a
rejeição e o preconceito a priori da teoria, e da figura do behaviorista polarizada negativa­
mente no nome de Skinner (já apontados no estudo de Otta et al, 1983). O preconceito
existiria pela dificuldade muito grande de aceitação do determinismo do comportamento
humano, embutido na análise do comportamento,
Skinner afrontou a nossa ideologia da liberdade com a mesma força, senão
maior, com que Freud confrontou a visão de sexo no século X IX e essa afronta é
insuportável... O acinte é insuportável porque é feito sem rodeios ou eufemismos,
até as últimas conseqüências. O determinismo que, em outros autores, fica implí­
Sobrc comportamento c cofinlç.lo
241
cito ou escamoteado, é exposto de forma cruel aos nossos ouvidos habituados ao
som altivo e afetivo da palavra liberdade... (Silva, 1987p. 2)
DeBell e Harless (1992) estudaram cinco grupos de sujeitos, estudantes de Psico­
logia mais e menos avançados. Os resultados indicaram que, apesar da variação no nível
de educação em Psicologia, mantiveram-se alguns equívocos. Os resultados de DeBell e
Harless (1992) apontam para a direção de que, pelo menos no que se refere aos mitos,
mais ou menos educação não interfere na dissolução das distorções, elas continuam
existindo. Lamal (1995) replicou parcialmente o estudo de DeBell e Harless (1992) e en­
controu resultados semelhantes. Lamal (1995) aplicou o mesmo questionário num préteste e num pós-teste, antes e depois do seu curso de Análise do Comportamento. Os
equívocos presentes no pró-teste permaneceram no pós-teste, ou seja, o curso não teve
efeito em mudar essas concepções.
Miguel e Nakamura (1996) pesquisaram concepções de estudantes de Psicologia
da PUC-SP sobre o tema. Encontraram entendimento dos estudantes acerca dos princi­
pais pressupostos do Behaviorismo Radical, uma vez que apareceu um número reduzido
de concepções incorretas no estudo. Porém, o conhecimento das proposições teóricas
não leva à sua concordância, segundo os autores, devido à diferença da visão de homem
behaviorista e à visão de homem predominante na nossa cultura.
Os estudos de De Bell e Harless (1992), Lamal (1995) e Miguel e Nakamura (1996)
trazem resultados diferenciados quanto ao suposto “conhecimento” dos estudantes sobre
o behaviorismo, porém, são inequívocos ao apontar para o fato de que acesso a informa­
ções acuradas não ó garantia, nem de adesão à abordagem nem de ausência de possí­
veis distorções.
Outro grupo de problemas apontados para a exclusão do Behaviorismo em vários
campos, diz respeito a eventos relacionados à própria comunidade behaviorista. Morris
(1985) afirmou que, apesar das extensas incorreções e deturpações sobre o Behaviorismo,
a comunidade behaviorista tem feito poucas e acanhadas tentativas de se fazer ouvir.
Além disso, o nosso vocabulário seria repleto de oportunidades para más interpretações.
Foxx (1996) publicou um artigo que discute a imagem negativa do Behaviorismo
relacionada à linguagem da teoria utilizada. Ele sugere que o analista do comportamento
se torne uma espécie de diplomata tradutor da sua abordagem para o mundo nãocomportamental. O campo específico dos distúrbios de desenvolvimento ou da educação
especial ilustraria bem a questão da imagem do behaviorismo (pelo menos nos EUA).
Como conseqüência para esse estado de coisas, para sobreviver nesse campo, analistas
do comportamento têm sido forçados a renunciar, esconder ou rejeitar sua orientação
(Foxx, 1996 p. 153).
Além de apontar para a contribuição do analista do comportamento na construção
da imagem negativa do behaviorismo, a análise de Foxx também aponta falta de conheci­
mento gerando distorção, ou seja, quanto mais contundente a crítica menor seria o grau
de entendimento do Behaviorismo. Este também foi o raciocínio de Skinner, como vere­
mos na próxima citação: ... Na minha experiência, o ceticismo de psicólogos e filósofos
sobre a adequação do behaviorismo está numa função inversa à extensão do seu conhe­
cimento sobre ele (Skinner, 1988 p. 472).
Carrara (1998) afirma que existe uma parcela de críticas que não pode ser conside­
rada apenas inconseqüente, e efetuou um trabalho de compilamento dessas críticas de
acordo com sua incidência maior e menor em periódicos da literatura especializada e de
242
M .ir ia bster Rodrigues
acordo com sua inserção em macro-categorias, como relativas ao método, à filosofia da
ciência, a procedimentos e a questões de caráter ético. O autor considera importante que
os analistas do comportamento se detenham mais a analisar críticas do que a rebatê-las,
com vistas a obter possíveis benefícios para a teoria e prática behaviorista após uma
"análise crítica das críticas", favorecendo uma revisão e uma metacrítica.
Com pelo menos duas grandes posições, senão expostas, ao menos indicadas
pela literatura, a de que os equívocos associados ao Behaviorismo são basicamente pro­
duto de desconhecimento da abordagem e a de que a fonte dos equívocos (e até mesmo
dos desentendim entos) é a discordância em relação a pressupostos básicos do
Behaviorismo (como a visão de homem), uma das perguntas que nos surgem é a seguin­
te: Professores não conhecem o Behaviorismo ou não concordam com seus pressupos­
tos? (Presumindo que a discordância seja acompanhada de conhecimento.)
Na tentativa de angariar mais dados sobre o assunto e tentar encontrar mais ele­
mentos para responder essa questão, efetuamos um estudo piloto com 119 sujeitos, na
região oeste do Paraná que relataremos, a seguir, juntamente com os resultados.
1.
Resultados
Os 119 sujeitos possuíam formação diversificada, variando de 2a grau em magisté­
rio a pós-graduação - nível Mestrado, tendo em comum o fato de serem profissionais de
educação. A atuação predominante dos profissionais era em instituições públicas de en­
sino (74%) e a maioria atuava em sala de aula (68,06%).
Quando perguntados sobre a simpatia ou afiliação que teriam em relação a diferen­
tes teorias psicológicas, o Behaviorismo apresentou a maior porcentagem de notas 0 e a
menor porcentagem de notas 10. A menor porcentagem de notas 0 foi para o Humanismo
e a maior porcentagem de notas 10 foi para o Sócio-lnteracionismo. Esses dados confir­
mam hipótese prévia de que o Behaviorismo não é uma abordagem muito simpática entre
professores de modo geral e sugerindo que o Sócio-lnteracionismo tem maior penetra­
ção, conforme Tabela 1 .
Tabela 1 - Simpatia ou afiliação a diferentes teorias psicológicas em %:
Notus
00
01
02
03
04
05
06
07
Hehuv.
Cognit
(icstall
lluimin
1’sicnn
Sricio-lnl.
7.5 9
1,28
4
1.26
3.84
0
3 ,79
2 .46
0
8,86
0
4
.1.79
4 .93
8 ,86
2 ,56
10,66
8 ,86
1.23
1,25
5,06
3,84
14,66
2,53
4,93
0
20,25
12,82
14,66
12,65
13,58
6,25
15.18
14,10
16
10.12
13,58
1 1.39
15.38
9,33
15,18
12,34
1.26
2 ,46
2,5
2,5
5
08
8 ,86
20,51
13.33
20,25
17,28
1 1,25 26,25
09
10
5,06 7,59
8,97 16,66
8
5,33
10,12 1 1,39
8,64 18.51
13,75 31.25
Ao somarmos as notas de 0 a 5 e as de 6 a 10, observamos que o Behaviorismo
recebeu a maior porcentagem de "notas baixas" (51,83%) e a Gestalt ficou em 2a lugar
(47,98%). O Sócio-lnteracionismo ficou com a maior parte das "notas altas" (80,75%) e o
Cognitivismo com o 2a lugar (75,64%). O Behaviorismo ficou em último lugar no valor da
porcentagem de notas de 5 a 10 (48,10%), conforme tabela 2.
Sobre comportamento e cogniçdo
243
Tabela 2 - Simpatia ou afiliação a diferentes teorias psicológicas em %:
C la s s if ic a ç ã o d a
N o tas d e 0 a 5
C la s s if ic a ç ã o d a
N o ta s d e 6 a 10
a lM iit la g c m
( b a ix a s )
u lt o r r ia g c m
( a lt a s )
Bchav.
5 1.83
Sricio-Int.
87,5
Gcstalt
47,98
Cognit.
75,64
Human.
32,88
Psican.
70,37
Psican.
29.59
Human.
67.08
Cognit.
24,34
Cícstalt
52
12.5
Bchav.
48,10
. Sóeio-lnl.
Dentre os sujeitos em questão, o Behaviorismo foi mais estudado pelos que haviam
cursado Pedagogia (85,71 % dos pedagogos sem pós-graduação declararam ter estudado
Behaviorismo e 78,26% dos pedagogos com pós-graduação também o fizeram). Foi me­
nos estudado em cursos fora da área, como licenciaturas (dos que fizeram outros cursos
com pós, 37% declararam ter estudado e dos que fizeram outros cursos superiores sem
pós, 35% responderam sim).
Quanto à abordagem psicológica com a qual o trabalho de profissionais de educa­
ção era mais identificado, o sócio-interacionismo foi o mais mencionado, com 42,69% de
identificações principais, seguido da tendência eclético/mesclada de 24,71% dos partici­
pantes. O B ehaviorism o apareceu com o ide n tifica ção principal para 7,86% dos
respondentes.
Na questão sobre a crença na contribuição do Behaviorismo para a Educação, a
maioria acredita que o Behaviorismo oferece contribuições para a educação (60,78%)
sim, e 30,39% acredita que oferece um pouco de contribuições. Dos respondentes,
8,82% acha que o Behaviorismo não oferece contribuições e 14,28% não respondeu à
questão, conforme gráfico 1. O questionário solicitou uma justificativa para a resposta,
porém, a maior parte dos respondentes não justificou a resposta dada ou ainda, apresen­
tou justificativa de “conteúdo vazio" (não-analisável). Isso aponta para o fato de que, embo­
ra acreditem que o Behaviorismo oferece contribuições para a Educação, por algum moti­
vo, não justificam a própria opinião.
Gráfico 1 - Crença na contribuição do Behaviorismo para a Educação em porcentagem
Crença contribuição do Behaviorismo
244
M .m .i fcster kodriguet
A última questão foi subdividida em 21 questões, que eram afirmações na maior
parte incorretas sobre Behaviorismo, subsidiando-se principalmente das principais críti­
cas ao Behaviorismo arroladas por Skinner (1982). Também foram criadas algumas ques­
tões a partir de afirmações sobre a prática behaviorista na Educação encontradas em
Matuí (1995); Del Rio (1996) e Becker (1993).
Do conjunto de 19 afirmações incorretas apresentadas aos sujeitos, 12 foram res­
pondidas incorretamente e sete foram respondidas corretamente. Foram consideradas
corretas as questões com mais de 60% de acerto (respostas não). Dessas sete ques­
tões respondidas corretamente, apenas duas foram respondidas com porcentagem de
acerto acima de 70%. Nenhum "acerto" foi superior a 75%. Dentre as afirmações corretas,
nenhuma foi respondida corretamente (acima de 60% de acerto). No total, das 21 (19
incorretas e duas corretas) questões apresentadas, apenas sete foram respondidas
corretamente, conforme Tabelas 3 e 4.
Ainda em relação à questão 7, as afirmações que geraram a maior quantidade de
erros (também acima de 60%) foram a 2 ,1 8 e 19 (Tabela 3), ou seja, os respondentes, de
modo geral acreditam que o Behaviorismo ó a Psicologia do estímulo-resposta (7.2), que
a abordagem em questão crê que tudo deve ser ensinado e mostrado (7.18) e que o aluno
deve ser interessado, disciplinado e concentrado, capaz de captar o conhecim ento que
está sendo transmitido (7.19).
As afirmações em que prevaleceram as maiores quantidades de acerto (acima de
60%) foram a 3, 4, 7, 8, 10, 12 e 15 (Tabela 3), ou seja, os sujeitos discordam que o
Behaviorismo vê o aluno como tabula rasa, incapaz de criar soluções novas (7.3). Discor­
dam que sirva a uma pedagogia conteudista tradicional que não leva em consideração os
pensamentos e cognições do aluno (7.4). Não acreditam que seja superficial (7.7); que
desconsidere a ação do aluno, não permitindo trocas de pontos de vista entre estudante e
professor (7.8). Não acreditam que seja “antidemocrático por natureza", tratando-se de
uma visão manipuladora das pessoas (7.10). Também não concordam que "desumanize o
homem" (7.12) nem que seja indiferente ao calor e riqueza da vida humana, sendo incom­
patível com a criação e gozo da arte, música, amor etc.(7.15).
Tabela 3 - Porcentagem de erros e acertos das afirmações incorretas da questão 7.
Incorreta
Erro
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
30,84
60,86
14,28
21,81
30,27
44,54
17,92
14,54
24,77
20,72
36,89
14,67
24,07
15,23
Acerto
Não sei
Outras *
50,46
19,81
72,32
67,27
56,88
36,36
63,20
74,54
153,21
63,96
39,80
66,05
53,70
56,19
17,75
*11,32
13,39
10,90
12,84
19,09
18,86
10,90
20,18
15,31
23,30
19,26
22,22
28,57
10,08
12,26
5,88
7,56
8,4
7,56
10,92
7,56
8,4
6,72
13,44
8,4
10,18
11,76
Sobrr comportamento c cogniçdo
245
15
16
17
18
19
21,69
26,66
30,18
62,26
74,76
63,20
53,33
30,18
22,64
12,14
15,09
20
39,62
15,09
13,08
10,92
11,76
10,92
10,92
10,08
Tabela 4 - Porcentagem de erros e acertos das afirmações corretas da questão 7.
Corretas
Acerto
Erro
1
2
44,95
54,12
32,11
34,86
Não sei Outras**
22,93
11,00
8,4
8,4
Com relação aos acertos e erros, ou ao “conhecimento" dos sujeitos em relação
aos itens apresentados na questão 7, efetuamos um agrupamento do número de acertos
e erros de cada sujeito, por porcentagem, que permite melhor visualização dos dados:
Tabela 5 - Na bruto e porcentagens de sujeitos para grupos de porcentagens de acerto.
0 a 5 acertos
0 a 25%
Nfl bruto e %
de sujeitos
29 sujeitos
25,21%
6 a 10 acertos 11 a 15 acertos 16 a 21 acertos
51 a 75%
76 a 100%
26 a 50%
29 sujeitos
25,21%
38 sujeitos
33,04%
19 sujeitos
16,52%
Tabela 6 - NHbruto e porcentagens de sujeitos para grupos de porcentagens de erro.
Nfi bruto e %
de sujeitos
0 a 5 erros
0 a 25%
6 a 10 erros
26 a 50%
11 a 15 erros
51 a 75%
16 a 21 erros
76 a 100%
59 sujeitos
51,3%
42 sujeitos
36,52%
8 sujeitos
6,95%
6 sujeitos
5,21%
As tabelas 5 e 6 permitem observar que a quantidade de acertos de cada sujeito
concentrou-se levemente na faixa que vai de 51 a 75% de acertos. Metade dos sujeitos
(49,56%) concentram-se na faixa que vai de 51 a 100% de acertos. Apenas 16,52% apre­
sentaram o que poderia ser considerado um bom desempenho, acertando mais de 76%
das questões, conforme Tabela 5. A porcentagem de erros foi maior na faixa que vai de 0
a 5 erros (51,30%), seguido de 36,52% de sujeitos que erraram de 6 a 10 questões.
Apenas 14 sujeitos (12,17%) erraram mais de 51 a 100% das questões, conforme
Tabela 6.
24ô
H fc r Rodrigues
2.
Conclusões
O s resultados mostram, em geral, que os profissionais aqui pesquisados não se
identificam com o Behaviorismo no seu trabalho e não são simpáticos a essa abordagem .
Apesar disso e em aparente contradição, consideram que o Behaviorismo seja uma
abordagem que possa oferecer contribuições à Educação, porém, não justificaram essa
crença no espaço destinado a isso. Isso revela a necessidade de aprimoramento do ins­
trumento para explorar esse aspecto em particular, ou seja, que contribuição seria essa?
Outro ponto que poderia ser investigado em um futuro trabalho, provavelmente de
cunho histórico, ó a asserção comum de que o Behaviorismo tenha influenciado a educa­
ção e, indo mais além, que o tenha feito negativamente.
O conjunto de sujeitos responde de forma predominantemente incorreta a maioria
das questões, ao tomarmos como parâmetro para acerto um índice acima de 60% para
cada questão. Caso tivéssemos considerado corretas as questões respondidas com ape­
nas mais de 50% de acerto, 13 seriam respondidas corretamente, e a margem de acerto
subiria para 63%. Os resultados tomariam uma outra direção.
Com relação ao desempenho por sujeito, metade deles acertaram mais de 51%
das questões, porém com poucos acertos acima de 76%, o que caracterizaria um bom
"conhecimento" sobre o assunto. A concentração de erros por sujeito não foi grande.
Como conseqüência, podemos dizer que não acertaram muito, mas também não com ete­
ram tantos enganos.
Esse resultado demonstra que os professores da amostra não são totalmente
"desconhecedores do assunto", mas não permite dizer que haja conhecimento acurado
sobre a abordagem. Isso remete nos à necessidade de avaliarmos de que maneira ocorre
a formação nessa abordagem (e se ocorre).
Esses dados não são generalizáveis e fazem parte de um estudo piloto, mas estão
de acordo com a literatura da área exposta anteriormente, demonstrando haver senão
ausência de conhecimento, pelo menos a existência de um conhecimento inacurado a
respeito da abordagem. Porém, vale ressaltar que isso possa ser válido também para
outras abordagens, em bora não sejam especialm ente alvo de crítica tal com o o
Behaviorismo. Existem, obviamente, críticas justificadas ao Behaviorismo, especialmente
as provindas de dentro da própria teoria, como existem em relação a qualquer outra teoria;
entretanto, a profusão das críticas injustificadas é imensa e merece continuar a ser objeto
de escrutínio.
Aqui, consideram os importante fazer algumas considerações, prim eiram ente
metodológicas. A primeira seria a possibilidade de estudos como o de De Bell (1992),
Lamal (1995), e o presente estudo, entre outros, realmente poderem mec//rconhecimento.
Algumas poucas questões do tipo verdadeiro-falso ou sim-não são limitadas para esse
objetivo, como confirma De Bell e Harless (1992) em relação a sua pesquisa: “Uma óbvia
limitação do nosso estudo ó o fato de uma abordagem relativamente simples ter sido
utilizada para testar o conhecimento das idéias de Skinner” (De Bell e Harless, 1992
p.72). Uma outra limitação do presente estudo é o fato de as questões representarem em
sua maioria, assertivas incorretas ou críticas negativas e injustificadas em relação à
abordagem. Isso pode ter influenciado os respondentes de alguma maneira não completa­
mente conhecida, talvez com uma tendência maior a responder não, e, em conseqüência,
acertar maior número de questões. Num próximo estudo, seria necessário mesclar o
mesmo número de questões corretas e incorretas.
Sobre comportamento e cognlçilo
247
O presente estudo teve como principal indicativo apontar a necessidade do delineamento de outras investigações (quantitativas e qualitativas) a respeito do mesmo proble­
ma e de problemas correlatos. Com relação à presente metodologia, verifica-se a neces­
sidade de aplicação a um número maior de sujeitos, e de reformulações no instrumento
utilizado para aumentar a sua capacidade de medir conhecimento sobre a teoria em ques­
tão.
Com relação ao problema, poderíamos dizer que pesquisar conhecimento relacio­
nado à imagem negativa do Behaviorismo pode ser confundido com assumir que a crítica
ó sempre injustificada e que as concepções somente são desfavoráveis porque as pes­
soas não conhecem ou não entendem a abordagem, o que não pode ser considerado
correto em todos os casos. Conhecimento não é a única variável envolvida nesta questão
nem todos os que criticam a abordagem a desconhecem.
Mesmo com o aumento da adequação do instrumento, não nos parece possível que
o esforço deva ser o de apenas medir conhecimento, não só pela extrema dificuldade da
tarefa mas também e principalmente porque esse "conhecimento” , quer seja correto,
incorreto ou datado, é o conhecimento que os sujeitos possuem, baseado nas inform a­
ções que já possuem ou nas fontes a que têm acesso imediato.
Também parece ser necessária a realização de estudos teóricos, através de uma
análise da literatura em Psicologia Educacional, especialmente de textos com caráter
didático, para verificar como a teoria é apresentada e quais são as incorreções e deturpa­
ções mais comuns. Na nossa experiência, verificamos que é árdua a tarefa de encontrar
um texto didático que dispense a não menos dispendiosa tarefa de gastar tempo corrigin­
do críticas inacuradas, imprecisas e que revelam, senão a existência de desconhecim en­
to da teoria, a existência de um conhecim ento inacurado ou, ainda, datado, referindose ao Behaviorismo atual com críticas dirigidas ao Behaviorismo do início do século.
Outra vertente de investigações que se faz necessária é a dos determinantes da
"oposição" generalizada em relação ao Behaviorismo. O conhecimento não é o único fator
ligado a esse fenômeno; a literatura já sinalizou que a discordância pode persistir mesmo
quando existe conhecimento sobre a abordagem. Portanto, uma vez constatado o fato
(oposição generalizada), é necessário explicar sua ocorrência. O fenôm eno em análise
está possivelmente ligado a inúmeros fatores que merecem ser analisados com mais
vagar, um a um. O conhecimento ou ausência de conhecimento, embora sejam fatores
determinantes muito importantes e sempre lembrados, não parecem ser os únicos e tal­
vez nem os principais (uma vez que o problema persiste mesmo quando há “conhecimen­
to" ou quando um número de concepções incorretas pequena aparece). Entre esses ou­
tros fatores a serem analisados, estão o próprio desenvolvimento histórico do Behaviorismo
e fatores característicos da abordagem.
Resumindo, é necessário, além de verificar a existência de incorreções, deturpa­
ções e oposição em relação à abordagem, analisar o seu processo de formação, tanto na
história do sujeito como no da teoria.
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Sobre comporf.imento e cognição
249
Anexo
Afirmações incorretas:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
Afirma a inexistência d© comportamentos inatos.
É a psicologia do estímulo resposta.
Vê o aluno como tábula rasa, incapaz de criar soluções novas.
Serve a uma pedagogia conteudista tradicional que não leva em consideração os
pensamentos e cognições do aluno.
Não considera as intenções, propósitos, desejos e a vontade humana.
Privilegia o uso de aulas expositivas
É superficial e não lida com as profundezas da mente.
Desconsidera a ação do aluno, não permitindo as trocas de ponto de vista entre estu­
dante e professor.
Seus resultados, na maior parte obtidos em laboratório, não podem ser transpostos
para situações naturais de vida diária.
É arrtidemocrático por natureza, trata-se de uma visão manipuladora das pessoas e
seus resultados podem ser usados por pessoas autoritárias e ditadores em potencial.
Suas conclusões e realizações tecnológicas poderiam ter sido obtidas pelo senso
comum.
Desumaniza o homem
Reduz o objeto de estudo da Psicologia
Encara idéias abstratas, como a moralidade ou justiça, como ficções.
É indiferente ao calor e riqueza da vida humana, é incompatível com a criação e gozo
da arte, música, amor, etc.
Apregoa a eficiência e a necessidade de utilização da punição e coerção nas escolas.
A pedagogia reprodutivista e acrítica tem como referencial psicológico o Behaviorismo.
Acredita que tudo deve ser ensinado e mostrado.
O aluno deve ser interessado, disciplinado e concentrado, capaz de captar o conheci­
mento que está sendo transmitido.
Afirmações corretas:
1.
2.
Embasa a instrução programada
Acredita que a motivação é produto externo (vem de fora e não de dentro do sujeito).
250
M d rid fcster Rodrigues
Capítulo 28
Contingências e regras familiares que
minimizam problemas de estudos: a família
pró-saber
Mürid Miühit
/
lübncr
Mdckcnzic
O
s problemas de um indivíduo, para a Análise do Comportamento, sempre se
referirão a comportamentos. Comportamentos de um indivíduo, por sua vez, sempre serão
frutos de três tipos de histórias: a ontogenética, filogenética e a cultural.
N este texto, a te r-m e-e i ã história o n to ge n é tica, na ca ra cte riza ç ã o e nos
determinantes do que venham a ser problemas de estudo, no modelo de tríplice contingên­
cia, com especial ênfase às contingências e regras que podem minimizá-los, sobretudo
no tocante à participação dos pais na vida escolar de seus filhos. Antes, porém, é neces­
sário definir problemas de estudo, diferenciando-os dos problemas de aprendizagem.
Os aspectos preponderantes que caracterizam um problema de aprendizagem es­
tão no repertório do indivíduo, na ausência ou falhas em habilidades pré-requisitos. Mas o
fato de o repertório ser o "foco" ou característica do problema de aprendizagem, não quer
dizer que esses problemas não estejam relacionados às condições de estímulos antece­
dentes ou conseqüentes; pelo contrário, condições de ensino impróprias às característi­
cas de uma criança podem maximizar a permanência de dificuldades, assim como condi­
ções de ensino adequadas podem minimizá-las. Além disso, problemas de aprendiza­
gem, mesmo fortemente determinados e caracterizados por déficits no repertório, não
estão desvinculados das condições conseqüentes ou de reforçamento, que podem au­
mentar ou diminuir a probabilidade de que os problemas se mantenham ou voltem a ocor­
rer (Hübner e Marinotti, no prelo).
Sobre comportamento c coflniffio
251
Os problem as de estudo, por sua vez, têm suas ca racte rística s e fatores
determinantes quase sempre relacionados às condições de estímulos diante das quais o
problema ocorre e às condições conseqüentes que o seguem.
Denominam-se aqui problemas de estudo aqueles referentes a insucessos de alu­
nos em suas vidas escolares, mesmo quando se identifica que o aluno tem todos os prérequisitos e habilidades para "ir bem na escola". São os chamados alunos “inteligentes",
que aprendem rápido, mas que, ainda assim, tiram notas ou conceitos abaixo do espera­
do pela escola em quase todas as matérias. Esse ó um dos primeiros indicadores de que
o problema ó possivelmente de estudo e não de aprendizagem.
Geralmente, o problema de estudo está diretamente relacionado ao comportam en­
to extra - classe de fixar os conteúdos trabalhados em aula, ou seja, ao comportamento
de estudar. Ocorre mais freqüentemente após a quarta série do Ensino Fundamental,
quando o exigido para um bom desempenho nas avaliações escolares não permite mais
que o aluno se limite apenas a trabalhar os conteúdos em classe. O volume de matéria e
número de disciplinas requerem uma atuação do aluno complementar a sua em aula, que
chamo de com portam ento de estudar.
Como todo comportamento, é multideterminado. No presente texto, entretanto, será
analisada a participação dos pais como um dos determinantes, e seus diferentes efeitos
sobre o comportamento de estudar de seus filhos.
A fundamentação desta análise comportamental origina-se do trabalho de 17 anos
de consultório, quando foram atendidas em torno de 300 famílias com queixas relativas ao
desempenho escolar de seus filhos.
Após tantos anos de atendimento, fui percebendo que havia, basicamente, dois
padrões antagônicos de família: aquela que chamei de "pró-saber", porque as contingên­
cias e regras relativas à vida escolar de seus filhos favoreciam um clima agradável e
estimulador para a busca do conhecimento, e aquela família "anti-saber", com contingên­
cias basicamente aversivas e regras que visavam apenas o cum prim ento de tarefas e
obtenção de notas. A família "pró-saber" tem como conceito de estudo algo como o de
Freire (1982) “como uma atitude diante da vida de quem indaga e busca conhecer" e não
somente "tirar boas notas, fazer lição de casa e estudar para as provas". É uma família
que propicia a curiosidade em seus filhos, desde pequenos, valorizando e criando situa­
ções para que eles explorem ao seu redor, perguntem, consultem, estabeleçam relações
e desenvolvam, enfim, o pensamento científico - observar, levantar suposições, perguntar,
testar, interpretar e perguntar novamente (Luz e Marques, 1989). Em sua rotina e decisões
é uma família que sempre valoriza e respeita as atividades relacionadas à vida escolar de
seus filhos. A família “anti-saber”, por sua vez, ou se preocupa excessivamente com as
notas dos filhos, valorizando apenas o produto final, ou demonstra, por várias atitudes e
decisões, que a busca de conhecimento não é prioridade no contexto familiar.
Para não criar a idéia de um modelo dicotômico de família, passo agora a uma
análise mais específica dos diferentes tipos de atuações familiares, reconhecendo, contu­
do, ser impossível retratar o complexo contínuo que existe entre o padrão "pró- saber" e o
“anti-saber".
A atuação dos pais em relação ao comportamento de estudar dos filhos pode se
dar, pelo modelo de tríplice contingência, nas condições antecedentes ou conseqüentes a
este comportamento.
252
M .iri.i M .ir lli.i I Iübncr
1.
A atuação de pais nas condições antecedentes ao comportamen­
to de estudar
Classicamente, as condições antecedentes ao comportamento de estudar envol­
vem os estímulos do ambiente de estudo (aspectos físicos do local de estudo, horários,
materiais, etc.). Tais estímulos podem serdiscrim inativos para o comportamento de estu­
dar ou difusos e incompatíveis. Os pais, nesse sentido, podem funcionar como propiciadores
de condições favorecedoras ou dificultadoras.
Um exemplo curioso ilustra, como condições inadequadas do ambiente físico,
provocadas pelos pais, podem gerar inadequações em alguns dos hábitos diários de estu­
do dos filhos. Um cliente da quinta série do Ensino Fundamental tinha sua mala escolar
em constante desorganização, ora com objetos estranhos e sujos, que dificultavam a
localização e a limpeza do material que ele iria precisar no momento, ora sem o material
necessário, que o aluno dizia não saber onde estava. Um belo dia, além de incompleta,
sem o material necessário, o professor deste aluno encontrou um garfo sujo de comida e
uma meia de futebol na mala escolar de seu aluno. Argumentando com ele sobre a
inadequação daqueles objetos, resolveu perguntar-lhe, só para fortalecer seu argumento,
se em sua casa as panelas, por exemplo, eram guardadas no banheiro. Qual não foi a
surpresa do professor quando o aluno respondeu que sim. Verificou-se, posteriormente,
que a casa do aluno vivia em reforma, não havendo lugar certo para quase nada. Os pais,
neste sentido, estavam propiciando em casa um modelo de desorganização, que dificulta­
va o aparecimento do comportamento de estudar, pela diminuição da probabilidade de um
de seus pré-requisitos, que é o de localizar o material, por exemplo, e de encontrá-lo em
um estado agradável para se trabalhar.
A rotina de vida, que interfere na distribuição dos horários para o estudo, é uma
outra condição antecedente que os pais podem arranjar de modo a ajudar ou atrapalhar
os estudos. Uma rotina sobrecarregada de atividade extraclasse ("moda” nas famílias de
nível socioeconômico médio e alto e condição de sobrevivência nas famílias pobres, em
que os filhos, mesmo pequenos, trabalham) é uma condição obviamente dificultadora.
Mas o problema maior aparece quando os pais dão prioridade a outras atividades na vida
de seus filhos, em detrimento da escola, e programam saídas, viagens, passeios, visitas,
justamente em dias que os filhos teriam que estudar para uma avaliação, fazer um traba­
lho na casa de amigos ou em sua casa. Ao contrário, quando pais consultam seus filhos
sobre suas ocupações escolares para o estabelecimento da agenda de lazer ou mesmo
para tomar pequenas decisões, demonstram-lhes que a escola é prioridade e que o com ­
portamento de estudar é importante e respeitado.
Um outro tipo de participação dos pais que julgo importante é aquela referente ao
fornecimento dos recursos e instrumentos para o estudar, tais como materiais para traba­
lhos, pequenas providências no dia-a-dia, como comprar uma cartolina ou um livro solici­
tado pelo professor. Quando os pais respondem a estas solicitações com boa vontade e
presteza, as condições de estímulos discriminativos para o pronto cumprimento do com ­
promisso do filho são claramente estabelecidas e o valor dado pelos pais à escola fica
claramente explícito. Se, ao contrário, diante dessas solicitações, os pais fazem com en­
tários queixosos sobre custos, trabalho que dá, etc., e, por outro lado, respondem pronta­
mente a uma solicitação do filho para comprar uma calça nova, desnecessária, até a
"mensagem" e modelo passado é que, no fundo, as "coisas" de escola não são tão impor­
tantes assim. Atendi a um pré-adolescente cuja família apresentava este padrão: valoriza­
Sobre comportiimcnto c coflniç.lo
253
va a demonstração de aparências acima do nível socioeconômico que tinham e, por isto,
sacrificavam o orçamento para se apresentar bem-vestidos, mas economizavam na com­
pra de livros, lápis e cadernos. Certa vez, estes pais demoraram cerca de dois meses para
providenciar uma pequena caneta tinteiro que eu havia solicitado para o seu filho (como
parte de um trabalho para melhorar a sua letra e tornar a escrita mais reforçadora) e no
mesmo período haviam feito inúmeros programas sociais.
Na questão do estabelecimento de horários para os estudos, considero que uma
fixação destes é uma condição de estímulos que aumenta a probabilidade de que o com ­
portamento de estudar ocorra. Nesses anos de atendimento, os alunos que tinham uma
agenda de estudos estudavam mais do que aqueles que náo se programavam. A forma de
fazê-lo, entre pais e filhos, depende, ó claro, da faixa etária dos filhos. Imaginando um
processo de estabelecimento de hábitos de estudos, concluo que um procedimento de
fading-outde controle e supervisão do cumprimento desses horários pelos pais é eficaz.
Há pais que persistem no controle e nas ordens, mesmo quando os filhos já dem onstra­
ram a habilidade de tomar iniciativa para o estudo. Algumas das implicações dessa per­
sistência são: o aparecimento do comportamento de esperar pela ordem para começar e
o estabelecimento de situações aversivas para os pais e filhos, pois ser constantemente
cobrado é desagradável e cobrar, sem ser atendido, também (e é isto o que normalmente
passa a ocorrer.)
2.
Regras como estímulos antecedentes
Tendo em vista que as regras são estímulos verbais antecedentes que controlam
comportamento, e que elas são traduzidas nos discursos e instruções, vale a pena anali­
sar algumas regras relativas ao estudar vigentes na famílias "pró-saber” e “anti- saber".
Importante, entretanto, lembrar que a Análise do Comportamento vêm estudando as com ­
plexas imbricações entre regras e contingências, entre o com portamento verbal e nãoverbal, objeto de outras publicações (Assis, 1995, Hübner, 1997b, Hübner, 1997c). Tais
complexidades alertam para o fato de que o efeito das regras sobre o comportamento vai
depender de muitos fatores, dentre eles, a história de coerência ou incoerência entre
regras e contingências, e seus efeitos combinam-se com os efeitos das contingências.
Além disso, nem sempre é simples distinguir um com portamento governado por regras
daquele controlado por contingências. Costumo dar o seguinte exemplo: um filho pode se
sentar à escrivaninha e estudar para uma prova pela longa experiência de estudar e tirar
notas altas ou pode estar fazendo isso sob controle de uma ordem ou conselho que a mãe
acabara de dar. Ou por ambos (Hübner, 1997a).
Um exemplo de regras incoerentes com as contingências é aquela em que os
próprios pais dão uma regra que anuncia uma conseqüência reforçadora e, em seguida,
punem o comportamento que seguiu a regra. É o caso de pais que verbalizam a importân­
cia de se falar a verdade, que é ela que importa e nem tanto o fato. Apesar de ter consta­
tado ser verdade que o filho lhe acaba de contar (uma nota baixa, por exemplo), punem
severamente o filho quando ele a apresenta. Um dos possíveis efeitos dessa incongruên­
cia é se estabelecer uma desconfiança na regra ou instrução, chegando até a se com portar às avessas do instruído (Assis, 1995). Regras e contingências incoerentes são muito
freqüentes em crianças e jovens que estão tendo problemas de estudo. Por outro lado, se
pais forem fontes de regras confiáveis e coerentes com as contingências de vida, o efeito
254
M>iri<i
H übner
de suas falas sobre seus filhos serão fortes e isso também poderá gerar uma sensibilida­
de às contingências, criando o que se pode cham ar de ambiente equilibrado nas duas
fontes possíveis de controle: o de regras e o de contingências.
Mas há ainda uma peculiaridade humana que a Análise do Comportamento vêm
encontrando: por sermos seres verbais, o poder das regras pode ser maior e sobrepor-se
às contingências. Nesse sentido, há muitos exemplos de regras que aumentam a proba­
bilidade de ocorrência de comportamentos de estudo. Um deles é especialmente válido
para os meninos: a de que tanto meninos como meninas precisam ser trabalhados para
desenvolverem comportamentos acadêmicos, como os de estudo, e que sentar para estu­
dar não ó "coisa de menina”. Há um conceito vigente de que meninos são mesmo mais
travessos, moleques, "outdoors", e que “estudo em casa” ó mesmo uma atividade mais
compatível com meninas, que são mais “indoor", mais caseiras. Esse conceito, transfor­
mado em regra, acaba por gerar comportamentos de pais em relação aos meninos que
toleram, nâo exigem, não treinam o estudar em casa. A conseqüência é que acabamos
por ter um maior número de meninos maus alunos: no trabalho de orientação de hábitos
de estudos em consultório, a maioria sempre foi masculina!
Em termos gerais, discursos anti-escola e anti-estudo podem gerar ou, pelo me­
nos, manter o comportamento anti-escola e anti-estudo. Atendi a um pai norte- americano
que insistia em menosprezar a escola brasileira dos filhos e destacar a supremacia das
escolas norte-americanas. Gradativamente, seu filho passava a se interessar menos pela
escola que ele freqüentava, deixando de cumprir tarefas e passando a fazer comentários
depreciativos sobre sua própria escola.
3.
Atuação dos pais nas condições conseqüentes ao comporta­
mento de estudar
O maior problema aqui, típico das famílas que geram o comportamento “anti-saber” ,
refere-se ao uso do sistema aversivo, que consiste na apresentação de conseqüências
desagradáveis ou irritantes ao aluno, ou retirada de reforçadores positivos, pois esse sis­
tema reduz, como já é sabido, a probabilidade de ocorrência do comportamento. As bron­
cas, os sermões, os castigos, a retirada de privilégios e a humilhação são procedimentos
conhecidíssimos pelos pais e professores e largamente empregados e veementemente
defendidos por etes, quando se trata de fazer os filhos e alunos estudarem.
Mas os efeitos do sistema aversivo são, no mímino, alarmantes, quando se trata de
uma área em que se quer ensinar algo e não eliminar algo: - supressão de respostas (o
“branco" em provas, por exemplo); - aparecimento de respostas emocionais de ansiedade
e medo; - respostas de fuga (desligar-se, d esistir); - respostas de esquiva respostas de
lentidão, adjuntivos, procrastinação, autom atismos); - autoconhecim ento deficiente
(Sidman, 1995).
Por outro lado, nesse aspecto de conseqüências, em combinação com as condi­
ções antecedentes, a Psicologia é quase uníssona em concluir que o incentivo, aliado ao
combinado claro de limites e uma disposição dos pais e professores para serem "dicas
eficientes", "continentes" e modeladores auxiliares dos conteúdos escolares, são as me­
lhores essências das contingências que aumentam o interesse de alunos pelo estudar.
Elogios sinceros, graduais, imediatos, relacionados a ações e não a traços fatalis­
tas de “personalidade", esvanecidos e contextualizados são algumas facetas de interações
Sobre comportamento e cognífilo
255
“pró-saber”, ou seja, de contingências que aumentam a probabilidade do comportamento
de estudar, ao invés de eliminá-lo ou reduzi-lo ao mímimo desejável.
Os pais atendidos que conseguiram mudar do sistema aversivo para o sistema de
reforçamento e instruções claras foram aqueles com os melhores resultados na evolução
da vida escolar e satisfação de seus filhos.
Bibliografia
ASSIS, F.R.P. (1995). Efeitos de História Passada no Segmento de Instruções sob Dife­
rentes Esquemas de Reforçamento: uma Contribuição ao Estudo da Interação
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SIDMAN, M. (1995). Coerção e suas implicações. Campinas: Editorial Psy.
25ó
M .iri.i M .irth d I lübncr
Seção VI
A compatibilidade entre
a Ciência do
Comportamento e a
perspectiva biológica
Capítulo 29
A ecologia comportamental e as relações
sexuais entre os organismos
A ri liassi Niiscimcnlo
U H /P R
E
cologia pode ser entendida por um sistema ecológico o qual representa um
local geograficam ente delimitado, contendo seres bióticos e abióticos que trocam ener­
gia e matéria entre si. A maneira pela qual os organismos estabelecem as relações de
trocas constitui o com portamento ecológico. Na Natureza, ou em um nicho ecológico, a
disponibilidade e a abundância de qualquer recurso irão determinar o que um organismo
fará, quão freqüente ele o fará, quanto daquele recurso ele usará e o que mais ele fará.
Disponibilidade e abundância referem-se a como um dado recurso está espacial e temporalmente distribuído e quão relutante ele o ó para ser capturado. Isto ó, essas dimensões
são os determinantes da taxa de encontros e de capturas. Alguns fatores cíclicos, tais
como fenômenos naturais, afetam diretamente a disponibilidade de certos recursos. Es­
ses fatores podem ser as estações do ano, o ciclo claro-escuro, a temperatura quentefria, o clima seco-úmido, etc. Outros fatores, tais como o aum ento da população e o
aumento do número de competidores, podem diminuir a abundância do recurso. Investi­
gações de campo e de laboratório mostram que os animais com portam-se diferencialmente quando colocados sob restrições de vários recursos, como água, comida ou com ­
panheiros, por exemplo. O animal pode adotar várias estratégias para minimizar a priva­
ção, reduzir o tempo ou energia gastos lorrageando, evitar ser com ido enquanto busca
uma oportunidade para ter acesso a um dado recurso e distribuir outros recursos
energéticos em outras atividades. De acordo com a teoria do forrageio, a exploração dos
Sobre com port.im rnto f cojjnlç.lo
259
recursos dá-se através de estratégias que tendem à otimização (Caraco, 1980; Charnov,
1976; Collier & Johnson, 1990; Hursh, 1980; MacArthur & Pianka, 1966; Pyke, Pullían &
Charnov, 1977; Shoener, 1971).
Considere-se uma situação do dia a dia absolutamente simples. Um indivíduo
começa a descascar laranjas. Usa temporariamente uma estratégia de descascar, mas
decide mudá-ia; o processo tradicional estava monótono e muito demorado. Apóia a
laranja verticalm ente contra uma superfície e faz dois cortes longitudinais de forma a
conseguir quatro quartos. Se isso náo fora difícil, a tarefa de retirar intacto os gomos de
cada quarto o fora. Na tentativa, os gomos arrebentaram e o suco vazou. Com parado à
primeira estratégia, na segunda, perdeu-se mais tempo e conseguiu-se menos suco.
Pelo menos para aquele tipo de laranja, mudar a torma de descascá-la foi uma tentativa
que não reduziu a razão custo/benefício e não valia a pena ser repetida.
A situação descrita é elementar, corriqueira e não parece relacionada à Ecologia
Comportamental. Parece correto, exceto por uma propriedade importante. Todas as ve­
zes que o custo de um comportamento excede seu benefício, a estratégia mais apropri­
ada é abandoná-lo? Na maioria das vezes, sim, mas estabelecer regras gerais, aplicá­
veis a todos os comportamentos só com base em alguns indícios, parecerá ingenuidade.
Dois fatores devem ser considerados. O primeiro é o de que reconhecidamente os esque­
mas de reforços têm efeitos impressionantes sobre o comportamento e em alguns casos
parecem ser eles mesmos as contingências responsáveis pela manutenção desse (Zeiler,
1984). Isso quer dizer que há muitas situações em que se sabe que o com portam ento
produz um evento reforçador fraco ou nenhum a curto prazo, mas produz efeitos aversivos
a longo prazo e mesmo assim o comportam ento tende a se manter (Ainslíe, 1987). A
segunda é a mais interessante, porque se trata de observar o com portam ento sem as
interferências das mudanças culturais e do comportamento verbal.
Para se estudar Ecologia Comportamental, é preciso ter claro que comportamento
e morfologia foram modelados por pressões seletivas. Talvez agora o exemplo da laranja
seja útil. A estratégia de cortá-la em quatro partes resultou em benefícios que não com ­
pensaram os custos, por isso, ela podia ser facilmente abandonada. É assim quo funci­
ona a seleção natural? Mais ou menos, a diferença é que muitas vezes são necessárias
equações matemáticas extremamente complexas para dizer ou para prever como a seleção
funciona. Pode até parecer tautológico, mas aparentemente estratégias que minimizam
a razão custo-benefício foram as selecionadas e se elas foram selecionadas é porque
maximizaram a razão benefício-custo. De qualquer forma, a analogia com o corte da
laranja pode ser, em essência, verdadeira. Vamos supor que estejam os querendo dar
a lg u m a s re sp o sta s a c e rto s assun tos, com o “ P or que os seres h um anos são
monogâmicos?” , ou "Por que os homens violam mais as regras da fidelidade conjugal que
as mulheres?", ou "Por que os pais e não as mães têm conflitos sobre paternidade?", ou
ainda “Por que há estilos diferentes de forrageio, levando a noção de que os organismos
otimizam a distribuição de atividades diferentes ao longo do tempo e de recursos?" Se­
jam quais forem as respostas que deveríamos dar a essas questões, dois pontos têm
que ser considerados: qualquer uma das estratégias de com portam ento usada acima é
conseqüência da seleção natural e uma análise de custo-benefício das demandas ecoló­
gicas do hábitat do organism o é necessária se queremos dar pelo menos uma resposta
aproximada a elas.
Vamos escolher a primeira e a segunda questões. Somos monogâm icos (?) mas
adotamos uma estratégia reprodutiva variada (ERV). Colocadas dessa forma, as duas
2Ó0
A ri B.issi Niitcirnento
questões se fundiram em uma só. Mas não é só umá questão sintática. Seria difícil
analisar uma sem um vínculo mais íntimo com a outra. Os membros da espécie humana
reproduzem-se sexuadamente através de fecundação interna. Portanto, eles formam pa­
res e por trás disso supõe-se haver uma vida de amor e monogamia (Diamond, 1992).
Forma de reprodução e ligação aos pares duradoura são produtos da seleção natural,
mas a seleção não olha para futuro, nem mesmo tenta produzir uma melhoria geral. Um
certo ato pode fazer ou não sentido genético, mas esse sentido deve ser entendido num
“sentido" absolutamente imediatista. Vamos supor que haja uma gene para a "fidelidade"
e que uma mulher que o possua deixa um número maior de descendentes. Nesse caso,
aquele gene irá prosperar e os herdeiros dele tenderão a se comportar de forma a ser "fiel’'
(Wright, 1994). Gene para alguma coisa é usado num sentido muito figurativo. É uma
supersimplificação e não se pode esperar imperativos do genótipo, principalmente depois
que se descobriu a norma de reação do fenótipo.
Mas homens e mulheres formam laços mútuos e duradouros? A resposta é uma
próxima de sim. Isso depende de se estabelecer comparações com outras espécies que
também se reproduzem sexuadamente. Mas se há algo que facilitou a formação de laços
duradouros entre os casais, esse algo é o grau de investimento parental (GIP). É o am or
que os pais (não as mães) sentem pelos filhos; que é muito mais do que acontece com
os chimpanzés machos, por exemplo, que mal reconhecem seus filhotes. Trivers (1972),
no entanto, tratou os sexos como se fossem duas espécies distintas, sendo o sexo
oposto uma fonte relevante para a produção de um número máximo de filhos sobreviven­
tes. Isso quer dizer que há uma exploração mútua entre homens e m ulheres e, para
W right (1994), ambos parecem destinados a se infelicitar mutuamente.
Por que se tem um grau de investimento parental alto nos filhos? Primeiro, se isso
náo tivesse sido lucrativo para espécie, esse tipo de investimento não teria sobrevivido,
embora isso não responda à pergunta. Algo parecido pode ser verdade para a fidelidade.
Genes que fazem m achos amar os filhos foram os que persistiram àqueles que preferi­
ram o alheamento. Krebs e Davis (1993) dão uma visão ecológica mais pragmática para
a questão do investimento parental. Cada sexo é obrigado a tom ar uma decisão sobre
ficar para cuidar do filhote ou desertar. Fatores ecológicos determinarão os custos e
benefícios de qualquer que seja a decisão, mas a melhor decisão para um sexo depende­
rá da decisão tomada pelo outro sexo. Por exemplo, se a fêmea (só ela produz lactação)
fica, pode ser lucrativo para o macho deserdar, mas se ela deserda, então o macho fica.
Por outro lado, os filhotes são - geralmente - muito vulneráveis. Assim, a neotonia e
cuidados parentais constituem um complexo de interrelações e se você quiser saber o
que causou o que estará diante de uma daquelas questões dramáticas para as quais
nossas respostas parecem sempre insuficientes. Mas se deve começar pela vulnerabilidade
dos bebês. Portanto, a estratégia masculina do tipo vagar, seduzir e abandonar não
poderia ter prosperado distintamente, pois os filhos certamente seriam devorados. Ter os
filhos vivos pode ter sido um dos benefícios que secundariam ente levou os machos à
m onogamia, na espécie humana e em outras que adotam o sistema de casam ento.
Wright (1994) fornece uma hipótese interessante sobre a neotonia. As mulheres ficaram
eretas (os homens também) e isso obrigou-as a andar verticalmente, e além disso outras
m udanças, como pelve mais estreita, formada pelo colo do útero, vagina e vulva mais
estreitas, aconteceram. Mas as cabeças dos bebês estavam cada vez maiores. Nascer
prem aturam ente pode ter sido uma sa(da para o impasse, mas quanto mais prem aturo
mais vulnerável, mais dependente e maior o investimento parental. Já ao nascer, bebês
Sobre comportamento e cognição
261
chim panzés agarram-se as suas mães, as quais ficam com as mãos livres para se
m ovimentar e coletar alimentos.
O cérebro humano cresceu e a monogamia tornou-se aparentemente dependente
de uma programação cultural mais precoce. O aprendizado vertical ocorre mais durante a
fase dos primeiros anos de vida do bebê em contato com seus pais. Usando a linguagem
de Wríght (1994), pode-se pensar que a seleção natural fez um cálculo de custo-benefício entre sobrevivência e investimentos parentais e transformou essa estratégia em emo­
ção. Algo como o que os pais sentem pelos filhos, mas que também favorece e fortalece
os laços da unidade materno-paterna. Não se deve focalizar a atenção na emoção e sim
no que ela representa: quer seja, um período de gestação longo, um bebê com depen­
dência longa de leite materno e um investimento masculino bastante alto. Quando o GIP
é baixo, o macho quer realmente sexo, mas a fêmea parece não ter tanta certeza. Ela
pode querer fazer uma avaliação sobre as qualidades dos genes dos machos, ela pode
deixá-lo lutar com outros machos para tê-la ou pode ainda simplesmente observá-lo. Os
presentes são uma parte importante do jogo. Fêmeas de uma espécie de insetos exigem
que os machos tragam-lhes um inseto morto para que a cópula ocorra. Se o macho não
term inar antes que ela devore o inseto, ele poderá ser abandonado por ela. Mas se ele
terminar antes que ela, poderá lhe tirar o presente e guardá-lo para um próximo encontro.
Buss (1989) investigou 37 culturas e descobriu que, em todas, as mulheres prestavam
mais atenção às perspectivas financeiras dos parceiros.
Ambição e disposição para o trabalho parecem im pressionar muito as mulheres,
mas por que elas desconfiam tanto dos homens? A questão principal é a da publicidade
dos machos e a outra questão é das estratégias reprodutivas. Zahavi (1975 e 1977)
sugeriu que a comunicação é algo importante entre dois organismos. Para facilitá-la,
eles usam sinais fáceis, rápidos e conspícuos. Quando um macho se anuncia a uma
fêmea como tendo genes bons, o anúncio deve ser verossímil. Na natureza, o anúncio é
preditor de genes bons. Há algumas características, principalm ente em pássaros que
estabelecem pares monogâmicos, que se prestam a essa publicidade. Entre elas estão
canto alto, cores brilhantes, plumagem exuberante e cauda comprida. Mas por que ma­
chos iriam se exibir com esses indicadores e por que as fêmeas iriam acreditar que esse
indicadores são preditores de genes bons? Essas característícas, em vez de qualidades,
sugerem defeitos. Não parece paradoxal que machos estivessem anunciando-se como
portadores de qualidades excepcionais, se eles parecem mais suscetíveis à predação e
às intempéries da natureza? Uma cauda longa não iria facilitar a fuga de um predador,
mas a despeito disso qualquer macho que consiga sobreviver com tantos “defeitos" deve
ter genes bons para outras demandas. Ele provou ser hábil para fugir de predadores, ser
um caçador exímio de alimentos e resistir às doenças. Talvez seja por isso que a fêmea
acredite na honestidade de sua propaganda.
Trivers (1974) mencionou que uma maneira eficiente de enganar alguém é acredi­
tar no que se diz. Isso significa estar “cego de amor" por uma mulher e alguns meses
depois ela pode deixar de ser tão adorável. Mas a estratégia sexual vagar, seduzir, aban­
donar não parece ser uma estratégia evolutiva distinta, pois uma reserva de mulheres
potencialmente enganáveis não era comum na época dos caçadores-coletores (Wright,
1994). O que se tem então é apenas uma preferência por variar parceiros sexuais. A
espécie humana adota a ERV. Ela não está para a m onogamia do gibão nem para a
prom iscuidade do chimpanzé. Mas deste último não se pode falar em adultério, pois na
organização social deles nâo se adota o casamento. O sexo extraconjugal (SEC) não é
262
A r i Btittl N a ic im e n to
uma aberração, mas ocorre num freqüência considerável. Evolutivamente, pode-se usara
teoria do jogo para tentar explicar o SEC. Essa teoria diz que vence o jogo aquele que
aum entar o tamanho de sua prole. As estratégias são diferentes entre espécies e entre
os sexos. Elas podem ir da fidelidade pura à promiscuidade plena, ou usar uma estraté­
gia mista. Por causa das diferenças biológicas e do GIP entre machos e fêmeas, o
número de filhos que cada sexo pode ter conta para a primeira assimetria entre eles. Um
homem já chegou a ter 888 filhos, mas uma mulher só conseguir 69 (todos trigêmeos). A
segunda assimetria é sobre a (in)certeza da paternidade. Para evitar que a fêmea prati­
que adultério, machos de várias espécies desenvolveram rituais sofisticados de punição.
Na nossa sociedade, as leis sobre adultério sempre tiveram a função de proteger a honra
do homem e essas leis e outros rituais constituem a terceira assimetria entre homens e
mulheres. A despeito dessas assimetrias e da eficácia de práticas contraceptivas, o
número de filhos cujos pais biológicos não são aqueles que constam do registro de
nascimento é relativamente alto. Em países como Inglaterra e EUA, varia entre 5 a 30%,
mas supõe-se que a estimativa média mais ponderável seja de 25%. Isso quer dizer que
de cada 100 bebês que nascem, 25 a 30 deles foram concebidos de um outro homem
que não aquele com o qual a mãe estava casada! O que não deveria ser uma surpresa,
pois 32% dos jovens recém-casados praticam adultério, uma porcentagem muito próxi­
ma à das gaivotas de Michigan, que adotam o sistema de casamento, mas 35% delas se
envolvem em SEC. Todavia, a porcentagem de filhos cujos pais biológicos e pais legais
são diferentes nem de longe é um preditor razoável da porcentagem de adultério. Por fim,
a evolução parece ter caminhado em duas direções: machos que competem pelos ovos
escassos da fêmea e fêmeas que competem por investimentos parentais escassos dos
machos (Diamond, 1992).
Homens não são seletivos quando se trata apenas de sexo. Se querem namorar,
tanto homens quanto mulheres têm exigências em comum: querem alguém com um grau
médio de inteligência. Mas se querem sexo extraconjugal, os interesses são diferentes.
Homens querem alguém com uma inteligência abaixo da média e mulheres querem al­
guém com inteligência acima da média. Mulheres preferem homens mais velhos, mas
homens preferem mulheres mais novas. Sabe-se que a capacidade de reprodução na
mulher diminui com a idade e até hoje a Psicologia Evolutiva não conseguiu dem onstrar
que uma mulher na fase pós-menopausa fosse sexualmente atrativa para homens.
Quando se trata da infidelidade, como se comportam homens e mulheres? Eles
são muito diferentes e os seus ciúmes também. Homens concentram -se na infidelidade
sexual e as mulheres na infidelidade emocional. Homens têm muitas dificuldades ao
imaginar a mulher tendo relações sexuais com outro homem, mas as mulheres estão
muito mais preocupadas com o envolvimento emocional deles com uma outra mulher
(Diamond, 1992; Wright, 1994). Como conseqüência disso, poderia haver uma perda de
investimentos e os recursos poderiam ser divididos ou migrarem para uma outra mulher.
Homens têm um número maior de filhos se for aceitável que eles possam ter um
número maior de esposas. Mas por que as mulheres enganam os homens se isso não
lhes resulta em um número maior de filhos? Essa pergunta pode parecer incoerente
porque há incentivos para se reduzir o número de filhos por casal. As mulheres de Nayar
- uma região do sul da índia - têm relações extraconjugais freqüentemente, tão freqüentes
que seus maridos não dormem com elas, mas com as irmãs deles. Não que hajam
relações incestuosas, mas fazendo assim eles têm a certeza de estar cuidando de pelos
menos % do patrimônio genético da família. Apesar disso, o número de filhos dessas
Soba* comportamento e co#»Mo
2Ó3
m ulheres não é m aior do que o número de filhos de m ulheres que não adotam esse
tipo de estratégia sexual. Há algum as hipóteses sobre os porquês as m ulheres enga­
nam os hom ens. A prim eira é a “extração de recursos". Quanto mais disposta a
prestar favores sexuais, m aior será a probalidade de a fêmea conseguir algum tipo de
ganho. Chim panzés oferecem carne às fêmeas que estejam no cio e som ente quando
há indicativos de que elas realm ente estejam nesse período. Na mulher, a ovulação é
escondida, mas ela é capaz de m im etizar uma receptividade sexual com o se estives­
se perm anentem ente no cio. Usando essa estratégia, ela poderia ganhar m uitos pre­
sentes desde que se m ostrasse receptiva a homens que tivessem algo a lhe oferecer.
A outra hipótese é a da "semente da confusão" (Diamond, 1992). O ferecer-se sexual­
m ente a vários hom ens poderia resultar em m uitas vantagens, tais com o ter a segu­
rança de que seu bebê não seria m orto por um outro hom em dom inante, te r vários
hom ens cuidando de seu bebê, ganhar presentes de vários hom ens, etc. Mas ta m ­
bém há alguns problemas. Por exemplo, uma das hipóteses para a ovulação escondi­
da diz que a m ulher pode ter aprendido uma associação entre cio e as dores do parto
e com risco de se m orrer ao dar a luz. Além do mais, ter uma esposa que seja
receptiva sexualm ente durante todo o tem po deve ter provocado uma resposta para­
nóica no hom em em relação à certeza da paternidade. Portanto, essa certeza pode­
ria ser garantida se o homem ficasse mais tempo ao lado da m ulher (D iom and, 1992).
Essa pode ter sido uma razão forte para que laços m onogâm icos se estreitassem
entre o par homem-m ulher.
O a d u lté rio pode a c a rre ta r c o n se q ü ê n cia s p sico ló g ica s, m as há a lguns
parâm etros físicos que dão a m edida exata da força que o adultério teve na história
evolutiva da espécie. Para se discutir alguns, é necessário considerar a organização
so cia l dos p rim a ta s. O o ra n g o ta n g o vive so lita ria m e n te , o g ib ã o form a pares
m onogâm icos, o gorila estabelece haréns, o chim panzé vive na mais com pleta das
prom iscuidades. H om ens supostam ente são m onogâm icos, mas talvez mais por fo r­
ça das im posições legais. O prim eiro parâm etro a ser analisado - tom ado proporcio­
nalm ente ao tam anho do corpo - é o peso dos testículos. Um hom em pesando 70
quilos tem um par de testículos de 48 g. Já o gorila que pesa 200 quilos tem um par
de testículos de menos que 48 g. Surpresa, o chim panzé que pesa mais ou menos 60
quilos tem um par de testículos pesando mais de 1 quilo! Por que é assim ? Na o rga­
nização dos chim panzés, uma fêm ea no cio pode ter m uitas relações sexuais com
várias machos em seqüência. Assim, quanto m aior a quantidade de esperm atozóides
que os m achos põem no jogo, m aior a probabilidade de passarem seus genes à
frente. O número de esperm atozóides é a segunda medida física e parece sugerir que
a infidelidade das m ulheres seja um problem a que vem de há m uito tem po. Já se
chegou a pensar que a quantidade de esperm atozóides fosse determ inada em função
do tempo desde a última vez que o homem teve relação sexual, mas a verdade parece
outra. B aker & Bellls (1989) descobriram que a quantidade de e sperm atozóides de­
pende m uito do lapso de tem po que a parceira de um homem esteve longe, mas
surpreendentem ente, quanto m aiores tenham sido as chances de ela ter coletado
esperm atozóides de outros hom ens, então m aior será a quantidade que ele irá libe­
rar.
Pressões seletivas parecem ter forçado o desenvolvim ento de arm as muito in­
teligentes nesse jogo. Quanto mais atento os hom ens se tornam à am eaça da infide­
lidade, m ais exím ia a m ulher se torna em persuadi-lo do contrário e em dem onstrar
264 Ari
Ihitti N.ncimrnto
que lhe é totalm ente dedicada. Afinal, a infidelidade descoberta pode desencadear
violências, abandonos de lares, divórcios e perdas de investim entos parental. Assim,
o desenvolvim ento dessas arm as sugere que a evolução favoreceu que as m ulheres
não sejam cronicam ente interessadas em sexo após casadas. (W right, 1996)
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2óó
ArJ B d iii N.ucimento
Capítulo 30
Fisiologia & Behaviorismo Radical:
considerações sobre a caixa preta1
M .ircus licntcs
t /c
C arvalho N e to
IA7’
U N f-S n
E m 1996, a revista The Behavior A n a ly s t(Baer, 1996; Bullock, 1996; Donahoe,
1996; Poling & Byrne, 1996; Reese, 1996a e 1996b) abriu espaço para discutir uma
questão aparentem ente bem esclarecida e até superada na área: Qual seria, afinal, o
lugar dos eventos fisiológicos dentro do modelo behaviorista, particularm ente
em sua versão skinneriana? Parle desse renascimento temático possivelmente pode
ser creditado ao destaque que as chamadas "Ciências do Cérebro" e a Farmacologia
Comportarnental tiveram nas últimas décadas, tanto dentro dos meios acadêmicos quan­
to na imprensa em geral. A relação entre a Análise do Comportamento e a fisiologia
parecia ser, ainda, merecedora de esclarecimentos, seja no que tange repensar estraté­
gias de pesquisa para dar conta do fenômeno comportarnental de maneira mais completa
(um bom exemplo dessa tendência parece ser o modelo "psicobiológico" proposto por
Donahoe & Palmer, 1994?) seja para tentar desfazer, uma vez mais, velhos mitos, como
o que sugere que o behaviorista trabalharia com um "organismo vazio", em que o substrato
1 O presente artigo foi parcialmente baseado no trabalho de final de curso da disciplina “Comportamento o
Aprendizagem" ministrada pela Professora Dra. Maria Helena Hunziker, a quem o autor agradece as valiosas
sugestões e criticas. Estou Igualmente em dívida com o Prolossor Dr. Emmanuel Zagury Tourinho pela
revisão atenta do manuscrito, criticas e alternativas apontadas.
3 Para uma critica a tal modelo, ver Cavalcante, 1997.
Sobrr comportamento e coflniç.lo
267
biológico do com portamento seria tratado como um conteúdo inexistente ou irrelevante
de uma "caixa preta". Valhas perguntas foram novamente formuladas: nosso conheci­
mento seria autônomo, supérfluo, superficial ou com plem entar ao da fisiologia? De que
forma nosso conhecim ento funcional sobre a ação se articularia (ou não) com os dados
sobre os mecanismos fisiológicos? O presente ensaio se propõe a responder tais ques­
tões resgatando o posicionamento de B. F. Skinner sobre o tema.
1.
Psicologia, Behaviorismo & Fisiologia
A disciplina psicológica tem uma longa e estreita relação com a fisiologia. Para
não ir tão longe (os interessados em retroceder um pouco mais podem consultar Boring,
1979; Herrnstein & Boring, 1971 eM illenson, 1975, por exemplo), partir-se-á da fundação
do primeiro laboratório de Psicologia em Leipzig, na Alemanha, em 1879. A Psicologia
chamada de científica ou acadêmica ó em geral associada à criação desse por William
W undt3 (Marx & Hillix, 1993). Wundt (1832-1920) estendeu os métodos, aparelhos e
técnicas das ciências naturais, em particular os da fisiologia, aos fenômenos tradicional­
mente designados como "psíquicos" ou "mentais" (herdados da filosofia)4. Muitos dos
avanços posteriores em psicologia estavam intimamente relacionados aos novos instru­
mentos que agora essa disciplina dispunha. Entretanto, a reformulação do instrumental
exploratório/investigativo nos moldes das ciências naturais desvinculada de uma reforma
também nas concepções de objeto da Psicologia, sua natureza e seus pressupostos,
acabou dando uma nova roupagem às mesmas questões metafísicas que acompanham
a área desde de seus primórdios na filosofia (o uso equivocado e quase estéril de tal
instrumental naturalista pelos psicólogos é ampla e acidamente discutido por Politzer,
1975, e em tom mais cordial pelo próprio W atson em 1913).
A despeito disso, a inauguração da Psicologia Científica havia se dado pelas mãos
de um fisiólogo e estava atrelada à sua forma de produção de conhecimento.
Em 1913, J. B. Watson (1913/1971 )5 publica seu clássico manifesto behaviorista.
Nesse material, Watson critica a Psicologia instrospeccionista (derivada das concep­
ções de Wundt) e oferece uma nova perspectiva sobre o saber psicológico. Elege o
comportamento dos organismos como legítimo, digno e viável objeto de estudo da Psico­
logia e o ambiente (imediato e evolutivo), com suas dimensões fisicamente mensuráveis,
como fonte explicativa para ele. Watson não era fisiólogo, mas foi profundamente influen­
ciado por um em especial: I. P. Pavlov®. Watson não dispunha, quando do lançamento de
sua psicologia, de um corpo empírico desenvolvido para legitimar sua nova ciência e
acabou se apropriando então das novas descobertas de Pavlov na área da fisiologia.
Pavlov estava interessado inicialmente no processo digestivo. Um dos primeiros estágios
desse processo envolve a salivaçào. O comportam ento de salivar era entendido como
eliciado por certos agentes físico-químicos através do contato direto com a mucosa bucal. Acontece que esse mesmo comportamento ocorria na ausência de qualquer contato
3 Para uma vlsâo discordante ver Heidbreder, 1975.
4 Essa relação encontra-se muito bem descrita em Figueiredo, 1991 e 1992.
6 Quando duas datas (orem apresentadas, a primeira Indicará a data da publicação original e a segunda a
data da ediçào consultada.
6 Entretanto, Isso nâo se deu desde o início da proposta do Watson (ver Marx & Hillix, 1993).
2Ó8
M .ir c u i Iten tfs dc C .irv a llio N e to
direto desse tipo. Apelava-se, então, para eventos "psíquicos", não-físicos, ocorridos dentro
do organismo, possivelmente “em sua cabeça", para explicar o fenômeno (tal salivação
era chamada de "salivação psíquica", ver Marx e Hillix, 1993, por exemplo). Pavlov levou
o mistério para o laboratório e concluiu que uma história de pareamento entre um estímu­
lo incondicionado e um neutro acabava por transferir o controle do salivar para eventos
ambientais que originalmente não estavam relacionados com o controle daquele com por­
tamento específico7. 0 modelo explicativo foi chamado de condicionamento "pavloviano"
ou "reflexo" (hoje chamado também de "clássico"). Watson adotou o condicionam ento
p a v lo v ia n o co m o via p riv ile g ia d a p ara d e s trln c h a r e c o m p re e n d e r p ro c e s s o s
com portamentais complexos. Além disso, Watson (1924) dedicou parte de seu trabalho
a descrever o aparelho biológico sobre o qual a história de condicionam ento atuaria.
No final dos anos 20 e início dos 30, um outro behaviorista, herdeiro direto de
Watson e Pavlov, inicia seus trabalhos. B. F. Skinner (1904-1990) começa sua carreira
dentro da Psicologia com uma estreita relação com a fisiologia, sendo nela que encontra­
ria seus principais interlocutores iniciais, durante o seu doutoramento em Harvard, e dela
extrairia uma das suas primeiras linhas de pesquisa em Psicologia: o reflexo (Iversen,
1992). Entretanto, Skinner já no final dos anos 30 defendia uma noçãô de reflexo diferente
da utilizada tradicionalmente em fisiologia e tentava articular uma unidade de análise
independente desta para a sua ciôncia do comportamento:
“Provisoriamente, então, nós podemos definir um reflexo como uma correlação
observada entre estímulo e resposta. Quando nós dizemos, p o r exemplo, que
Robert Whytt descobriu o reflexo pupilar, nós não queremos dizer que ele desco­
briu a contração da íris ou o efeito da luz sobre a retina, mas apenas que ele fo i o
prim eiro a estabelecer a relação necessária entre estes dois eventos. Dada a
concepção de comportamento até aqui adotada, o reflexo pupilar não é nada mais
do que essa relação. Uma vez apresentada uma correlação específica entre estím ulo-resposta, nós podemos, é claro, investigar os fatos fisiológicos de sua m edi­
ação. A informação ali revelada irá suplem entar nossa definição, mas ela não irá
afetar o status do reflexo como uma correlação." (Skinner, 1931/1961. P. 3 3 1)H
Em 1938, Skinner por várias vezes dedica-se a esclarecer a relação entre as duas
disciplinas e escreve um capítulo inteiro sobre o assunto (ver o capítulo XXI intitulado
"Behavior and The Nervous System"). Diz ele:
"Se o leitor tiver aceitado a formulação de comportamento dada no capítulo um
sem muitas reservas, e se tiver sido razoavelmente bem -sucedido em excluir os
pontos estranhos a essa visão apresentada a ele através de outras form ulações
' A explicação de Pavlov nflo era estritamente funcional. Especulava a partir dos seus dados sobre o
funcionamento do sistema nervoso e fazia das regularidades obtidas entre a açflo do organismo e o seu
meio um instrumento para Interir possiveta bases neurais para elas (Millenaon, 1975).
" "Tentatively, then, we may define a reflex as an observed correlatlon of stimulus and response. When we
say, for example, that Robert Whytt discovered the puplllary reflex, we do not mean that he discovered either
the contraction of irls or the impingement of llght upon the retina, but rather that he first stated the necessary
relationship between these two events. So far as behavior Is concerned, the pupillary reflex Is nothing more
than this relationship. Once glven a specific stimulus-response correlatlon, we may, of course, Investlgate
the physiological facts of its mediation. The information there revealed will supplement our definltlon, but it will
not aftect the status of reflex as a correlation." (Skinner, 1931/1961. P. 331)
Sobre comportamento
e cogniçdo 269
com as quais ele está mais familiarizado, ele provavelm ente nào sentiu falta de
qualquer m enção ao sistema nervoso nas páginas precedentes. Ao lidar com o
com portam ento como um dado cientifico em si mesmo e o procedim ento para
examiná-lo de acordo com as práticas científicas estabelecidas, alguôm natural­
mente não esperaria encontrar neurônios, sinapses, ou qualquer outro aspecto da
economia interna do organisrho. ^ntidades deste tipo ficam fora do cam po do
com portamento como aqui definido." (Skinner, 1938, p. 418)°
Skinner (1938) defende a adoção de uma análise funcional para o fenômeno
comportarnental, estabelecendo correlações entre eventos ambientais (estímulos) e even­
tos envolvendo a atividade do organismo ou "o que ele faz" (respostas). O autor defende
uma forma independente de investigação para uma disciplina igualmente independente.
Desse rompimento com as noções de reflexo vigentes em fisiologia e em Psicologia, e
com toda uma vasta tradição mentalista em ambas as áreas, nasce uma nova ciência do
com portamento: a Análise Experimental do Comportamento. Em parte, Skinner rejeita o
modelo fisiológico por investir em uma maneira alternativa e externalista de se estudar o
com portamento em si mesmo. Em parte, Skinner critica sistem aticam ente o tipo de
explicação fisiológica desprovida de base empírica, muito comum na época, que recorre­
ria a entidades fisiológicas inferidas a partir de correlações entre estímulos e respostas,
como o chamado "sistema nervoso conceituai", por exemplo. A posição skinneriana so­
bre o tema parece ter profundas raízes nessa elaboração inicial; entretanto, o presente
trabalho tem mais um caráter descritivo do que histórico. Uma análise privilegiando a
segunda opção fica para um momento posterior. Agora a preocupação seria com a carac­
terização mais completa possível do tema, sem grandes preocupações com mapeamento
temporal.
2.
Behaviorismo Radical & Fisiologia
Skinner retomou periodicamente a questão do lugar dos eventos fisiológicos em
sua Ciência do Comportamento. Dizia ele em um dos seus últimos artigos:
"Duas ciências estabelecidas, cada uma com seu objeto de estudo claram en­
te definido, têm uma relação com o com portamento humano. Uma delas é uma
fisiologia do body-cum -brain uma questão de órgãos, tecidos e células, e as alte ­
rações elétricas e químicas que ocorrem dentro deles. A outra é um grupo de três
ciências lidando com a variação e a seleção que determina a condição do bodycum-brain em qualquer momento: a seleção natural do comportam ento das espé­
cies (etologia); o condicionamento operante do comportamento do indivíduo (aná­
lise do com portam ento) e a evolução dos am bientes sociais que prepara o com -
®Mlf the reader has accepted tho formulation of behavior glven In Chaptor One without too many reservatlons,
and if he has been reasonably successful in excluding extraneous poJnts of view urged upon him by other
formulatlons with whlch he is familiar, he has probably not telt the lack of any mentlon of nervous systom In
the precedlng pages. In regarding behavior as a sclentific datum in its own right and in proceeding to examine
it In accordance with established sclentific practicos, one naturraly does expect to encounter neurones,
synapses, or any other aspect of internai economy of tho organism. Entltles of that sort lie outside the field
of behavior as here deflned." (Skinner, 1938, p. 418)
270
Miircut Rentes de Cirv.ilho Neto
portamento operante e grandemente expande seu alcance (uma parte da antropo­
logia). As três estariam relacionadas desta maneira: fisiologia estuda o produto do
qual as ciências da variação e seleção estudam a produção. O corpo funciona
como ele faz p o r causa das leis da física e da química; ele faz o que ele faz p or
causa da sua exposição às contingências de variação e seleção. A fisiologia nos
diz com o o corpo funciona; as ciências da variação e seleção nos dizem porque
ele ó um corpo que trabalha desta maneira. "(Skinner, 1990, p. 1 208)'°
Explicitamente não se trata de uma negação da existência ou importância do
conteúdo da caixa preta. A questão para Skinner parece ser simplesmente de divisão do
trabalho. Os eventos fisiológicos existem e seu estudo ó essencial para uma com preen­
são completa da atividade de qualquer organismo. Quanto à noção de caixa preta, diz
Skinner (1969/1984):
"Nâo há dúvida sobre a existência de órgãos sensoriais, nervos e cérebro, ou
de sua participação no comportamento. O organismo nâo é nem vazio nem
indevassável; que se abra a caixa p reta ." (p. 382)
Note-se que a expressão final é “que se abra a caixa preta" e não “abrirem os a
caixa preta". Skinner (1990) não só fraciona a investigação do fenômeno comportamental,
como visto anteriormente, mas também designa que disciplina deveria cuidar de cada
pedaço. Sugere que cada ciência deveria atuar sobre o fragmento do fenômeno que teria
mais com petência instrumental para investigar (Skinner, 1974/1991 a; 1989/1991 b). Ou
seja, apesar de reconhecer a m ultiplicidade de níveis ou fatores na determinação do
comportamento, Skinner defende a independência ou autonomia entre as diversas ciênci­
as dedicadas aos seu estudo, pelo menos inicialmente. Entretanto, tal independência
seria relativa no que diz respeito à fisiologia, e em particular às ciências do cérebro:
"Uma análise do com portamento essencialm ente é uma afirm ação de fatos a
serem explicados pelo estudo do sistema nervoso. Ela mostra ao fisiólogo aquilo
que ele deve procurar. A recíproca nâo ó verdadeira. Podemos prever e controlar o
comportamento sem saber como nossas variáveis dependentes e independentes
estão ligadas. As descobertas fisiológicas nâo podem refutar uma análise e xperi­
m ental ou invalidar seus avanços tecnológicos. ” (Skinner, 1990. p. 384)
Curiosamente esse ponto já havia sido apontado quase que integralm ente por
Skinner ainda nos anós 30:
10 "Two establllshed sciences, each with a clearly defined sub|ect matter, have a bearlng on human behavior.
One is a physlology of the body-cum-brain a matter of organs, tiasues, and cells, and the electrlcal and
chemlcal changes that occur withln them. The other is a group of three sciences concerned with the
variatlon and selection that determine tho condltion of that body-cum-brain at any moment: the natural
selection of the behavior of species (ethology), the operant conditioning of the behavior of the Individual
(behavior analysis), and the evolulion of the social environments that prime operant behavior and greatly
expand its range (a part of anthropology). The three could be said to be related in thls way: physlology
studies the product of whlch the sciences of variatlon and selection study the productlon. The body works
as It does because of the laws of physics and chemistry; it does what it does because ot Its exposure to
contlngencies of variatlon and selection. Physiology tell us how the body works; the sciences of variatlon
and selection tell us why it Is a body that works that way." (Skinner, 1990, p. 1208)
Sobre comportamento e copniçào
271
"Uma ciência quantitativa do com portam ento pode s e r considerada com o um
tipo de termodinâmica do sistema nen/oso. Ela fornece descrições da atividade do
sistema nervoso com grande possibilidade de generalidade. A neurologia não pode
provar que essas leis estão erradas se elas são válidas ao nível do com portam en­
to. As leis do comportamento nào somente são independentes da base neurológi­
ca, elas efetivam ente impõem certas condições lim itadoras sobre qualquer ciên­
cia que se ocupa do estudo da economia interna do organismo. A contribuição que
uma ciência do comportamento faz à neurologia é fornecer um quantitativo e rigo­
roso program a antes dele. " (Skinner, 1938, p. 4 3 2 )'1
O analista comportamental, ou outro profissional de fora da fisiologia, forneceria
um modelo externo a partir do qual os fisiólogos investigariam seu objeto. Skinner (1974/
1991 a) aproveita o tópico para criticar os modelos cognitivistas que, segundo ele, apenas
atrasariam a investigação fisiológica necessária:
"A descrição behaviorista também está perto da fisiologia: e/a estabelece a
tarefa do fisiólogo. O mentalismo, p or outro lado, prestou um grande desserviço ao
conduzir os fisiólogos a pistas falsas, levando-os a procurar os correlatos neurais
de imagens, lembranças, consciência, e tc." (p. 179)
A crítica ao mentalismo estará presente ao longo de todo o trabalho de Skinner.
Sua interpretação da chamada "revolução cognitiva’’ e seu impacto na condução das
pesquisas sobre o funcionamento do cérebro está permeada de uma objeção da mesma
natureza: o mentalismo indicaria falsos ou equivocados caminhos que só desviariam os
pesquisadores dos eventos concretos e relevantes para a com preensão do fenôm eno
estudado.
A análise comportamental, diferentemente da fisiologia como já foi previamente
sugerido, seria verdadeiramente autônoma. Seu objetivo seria descrever relações funcio­
nais entre o organismo intacto (com sua base genética) e seu ambiente (histórico e
imediato). Para cum prir seus objetivos principais de “previsão e controle” bastaria isso:
"Não acredito realmente no 'organismo vazio'. Essa expressão não é minha.
Espero, quanto a este particular, que alguma coisa seja investigada, tão rápido
quanto for possível. Ao mesmo tempo, nào quero pedir apoio da fisiologia quando
minha formulação falhar. Se não posso dar uma definição clara da relação entre o
comportamento e as variáveis antecedentes, não traz nenhuma ajuda para mim a
especulação sobre alguma coisa que esteja dentro do organismo e que venha
p ree n ch era falha. Tanto quanto sei, o organismo ô irrelevante seja com o terreno
de processos fisiológicos, seja como local de atividades mentais. Nós com eça­
mos com um organismo como um produto genético. Ele adquire uma história
""A quantitativo Science of behavior may regarded as a sort of thermodynamics of the nervous system. It
provides descriptions of the activity of the nervous system of the greatest po&aibte generality. Neurology
cannot prove these laws wrong if they are valld at the levei of behavior. Not only are laws of behavior
Independent of neurological support, they actually impose certain limiting condltions upon any Science
which undertakes to study the internai economy of the organism, The contribution that a science of
behavior makes to neurology is a rigorous and quantitativo statement of the program before it." (Skinner,
1938. p. 432)
272
M .ircu s Ketite* de C\irv<ilho N e to
muito rapidamente e nós, estudiosos do comportamento, devemos lidar com ele
como um organism o com uma história." (Skinner, 1968/1979, p. 116)
A questão não seria de ignorar o conteúdo fisiológico no estudo do com portam en­
to, mas de ignorá-lo nos estudos de análise experimental do com portam ento12. Há obvi­
amente lacunas a serem preenchidas por outras ciências comportamentais, entre elas a
ciência interessada no que ocorre dentro do organismo que se comporta:
"A relação entre uma análise do comportam ento (...) e a fisiologia é muito
simples. Cada uma dessas ciências possui Instrumentos e métodos apropriados
à parte de um episódio comportarnental. Falhas são inôvitáveis em um relato
comportarnental. Por exemplo, o estímulo e a resposta são separados tem poral e
espacialmente, e assim o reforçamento ocorre num dia e o com portam ento mais
forte no outro. As falhas só podem ser preenchidas com instrum entos e métodos
da fisiologia."(Skinner, 1989/1991b, p. 89)
Acrescenta ainda:
"O fisiólogo do futuro nos dirá tudo quanto pode ser conhecido acerca do que
está ocorrendo no interior do organism o em ação. Sua descrição constituirá um
progresso importante em relação a uma análise comportarnental, porque esta ó
necessariamente ‘histórica - quer dizer, está limitada às relações funcionais que
revelam lacunas temporais. Faz-se hoje algo que virá a afetar amanhã o com por­
tamento de um organismo. Não importa quão claramente se possa estabelecer
esse fato, falta uma etapa, e devemos esperar que o fisiólogo a estabeleça. Ele é
capaz de m ostrar como um organism o se modifica quando é exposto às contin­
gências de reforço e p or que então o organismo modificado se comporta diferente,
em data possivelmente muito posterior. O que ele descobrir não pode invalidar as
leis de uma ciência do comportamento, mas tornará o quadro da ação humana
mais com pleto."(Skinner, 1974/1991a, p. 183)
Um último tópico dessa fase descritiva envolve dois dos principais objetivos da
ciência comportarnental de Skinner: a previsão e o controle do fenômeno. Skinner na
década de 50 (1953/1965) sugeriu que a fisiologia tinha pouco a oferecer a uma tecnologia
do com portam ento e que uma manipulação direta das contingências seria muito mais
eficaz e precisa para seu controle. Reconhece, entretanto, que a fisiologia do futuro
poderia atingir o mesmo sucesso na sua modificação:
"Numa explanação mais avançada de um organismo comportante as variáveis
'históricas' serão substituídas pelas 'causais'. Quando pudermos obsen/ar o esta­
do momentâneo de um organismo, seremos capazes de usá-lo, em vez da história
responsável p o r ele, na previsão do comportamento. Quando puderm os gerar ou
usar um estado diretamente, seremos capazes de usá-lo para controlar o com por­
tamento. Entretanto, assim nem a ciência nem a tecnologia do com portam ento
13 Entenda-se que esse posicionamento nâo se refere às áreas de fronteira entre comportamento/flslologla
(Skinner, 1969).
^obrr comport.imcnto e cofjniçSo
273
desaparecerão. As manipulações fisiológicas simplesmente serão acrescentadas
ao armamento do cientista do comportamento. A farmacologia já prenunciou essa
situação. Uma droga muda o comportam ento de um organismo de uma maneira
tal que ele se comporta diferentemente. Poderíamos ter feito a mesma m udança
m anipulando variáveis am bientais padrão, mas agora a droga perm ite que evite­
mos tal manipulação. ” (Skinner, 1969/1984, p. 384)
Skinner (1974/1991 a) tinha sérias dúvidas sobre a possibilidade da manipulação
direta do aparato fisiológico de uma forma refinada, precisa e prática o suficiente para
lidar com pequenas e sutis unidades com portamentais no cotidiano. No entanto, a cita­
ção acima ó no mínimo dúbia, pois se a primeira afirmativa estiver correta, aquela que
prevê uma “substituição" no futuro das variáveis “históricas" adotadas pelo behaviorismo
pelas "causais" de com petência da fisiologia para lidar praticam ente com o com porta­
mento, então a segunda afirmativa, ao final do texto, descrevendo uma convivência pací­
fica de caráter complementar entre ambas parece discutível. Por quê? Há ao que parece
duas razões:
1*) Existe uma longa tradição na cultura ocidental na qual os problemas psicológicos
"reais" estariam situados em lugares “profundos” dentro dos organism os, sendo o
comportamento apenas um sintoma13. Uma tecnologia “internalista" seria consumida
sem muitos custos adicionais de mudança na visão predominante de Homem e m un­
do. Ainda temos em relação à saúde um modelo módico estabelecido essencialm en­
te voltado para causas, e conseqüentes intervenções, dentro do organismo. O m ode­
lo funcional externalista soa senão estranho pelo menos pouco econôm ico para a
maior parte das pessoas.
2a) A modificação de padrões comportamentais através de mudanças no am biente ex­
terno, principalmente em certas práticas culturais, exige a alteração de um conjunto
amplo de variáveis interligadas, em sua maioria perfeitamente cristalizadas pelo tem ­
po. O custo seria alto para quem se dispõe a alterá-las e provavelmente indesejável
para quem mantém, não por acaso, tais práticas. Certam ente, com o m odelo
fu n c io n a lis ta não só o c o m p o rta m e n to -a lv o se ria m o d ific a d o . A e s tru tu ra
comportamental modificada implicaria modificação nas contingências estabelecidas
pelas agências controladoras que, por sua vez, conservavam tais práticas sob con­
trole de algumas variáveis. Almeida (1998) tem apontado as dificuldades de se lidar
com as variáveis originais e efetivas presentes na cultura no caso de distúrbios alimentares, como anorexia e bulimia. A autora explicita a fragilidade, principalm ente
na manutenção dos sucessos obtidos, dos tratamentos que lidam apenas com o
ambiente mais imediato ou individual. O retorno aos padrões anteriores à terapia
parece já ser aceito com uma incômoda naturalidade. Há ao que parece uma enorme
diferença entre receitar um remédio para uma anoréxica e mandá-la para casa (ou
mantê-la no hospital) e alterar as práticas sociais que desencadearam e ainda man­
têm o seu comportamento. A incidência majoritária desses chamados “distúrbios"
em adolescentes do sexo feminino e de classe média para cima parece indicar que
há padrões culturais adoecidos afetando essa faixa da população e não sim plesm en­
te um distúrbio orgânico qualquer. Há diferentes conseqüências program adas para
lidar com (a) um universo restrito e de preferência obedecendo aos limites do próprio
13 Para uma discussão sobre a vlsâo tradicional dos “problemas psicológicos" e seus conseqüentes trata­
mentos, ver Skinner, 1995/1961b.
274
M .ircu s Bcntes de C arvalho N e to
indivíduo, "dentro" do próprio indivíduo seria o ideal, e (b) discutir e reformar os equívo­
cos externalistas da indústria kamikaze da beleza; do sistema educacional coerciti­
vo e paradoxalmente acéfalo; da economia "globalizada", na qual, irônica e tragica­
mente, cada vez menos indivíduos têm a possibilidade de ser pessoas; das fábricas
religiosas de distúrbios sortidos; das famílias convertidas em verdadeiras montadoras
de patologias, etc. Acreditar que alterar um comportamento, asséptica e m icroscopi­
cam ente, via adm inistração de remédios ou intervenção cirúrgica, e reestruturar o
mundo que o controla teriam um mesmo peso no futuro, soa perigosamente otimista,
a não ser que o futuro nos reserve muitas boas surpresas.
Em behaviorismo watsoniano e skinneriano, mudar o com portam ento exige uma
mudança no mundo. O modelo clínico herdado da Medicina criou, a meu ver, um impasse
para a terapia com portamental, pois as causas reais estão tão fora do cliente quanto do
consultório e são predominantemente coletivas. Freqüentemente, esquecem os que a
maior parte do ambiente que nos constrói e destrói é composto por outras pessoas, é
cultural. O messianismo ambientalista/social skinneriano, corajosamente explicitado em
Ciência e Comportamento Humano em 1953 (1953/1965), parece estar sendo abdicado.
No lugar dele, adotou-se uma triste tendência varejista de intervenção humana. Não por
acaso, os co gn itivista s am pliam suas legiões a cada ano e a cham ada "terapia
comportamental cognitiva”, também. Afinal, não são as coisas concretas que estão erra­
das e precisam de conserto e sim nossas "representações" sobre ele... Para que mudar
"o que está aí fora" se podemos simplesmente mudar o que está "aqui dentro" sem
maiores atritos? Nada mais cômodo. O sonho acabou, mas não por causa de John
Lennon.
O
debate sobre o lugar do fisiológico em uma análise do com portam ento parece
fazer mais sentido, ou pelo menos ser mais atual, em termos das intervenções derivadas
de cada tradição do que dos papéis que cada uma assumiria no esclarecim ento do
fenôm eno com portamental. Em relação ao prim eiro tópico, realmente ainda teríam os
muitos pontos obscuros a resolver. Considerar o tema efetivamente um problema já seria
um bom começo.
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Sobre comport.im enlo e coflnlç.lo
277
Capítulo 31
Mecanismos fisiológicos do reforço
lábio l.cyscr Qonçalvcs
Maria Tcrvsa Araújo Silva
IA /’
I N ovos instrumentos e novos métodos continuarão a ser ideados e even­
tualmente chegaremos a saber mais acerca das espécies de processos fisiológi­
cos, químicos ou elétricos que ocorrem quando uma pessoa age. O fisiólogo do
futuro nos dirá tudo quanto pode ser conhecido acerca do que está ocorrendo no
interior do organismo em ação. Sua descrição constituirá um progresso importante
em relação a uma análise comportamental, porque esta é necessariamente "histó­
rica" - quer dizer, está limitada às relações funcionais que revelam lacunas tem po­
rais. Faz-se hoje algo que virá a afetar amanhã o comportamento de um organismo.
Nâo importa quão claramente se possa estabelecer esse fato, falta uma etapa, e
devemos esperar que o fisiólogo a estabeleça. Ele será capaz de mostrar como um
organismo se modifica quando é exposto às contingências de reforço e p o r que
então o organism o modificado se comporta de forma diferente, em data possivel­
mente muito posterior. O que ele descobrir não pode invalidar as leis de uma ciên­
cia do comportamento, mas tornará o quadro da ação humana mais completo, "p.
183 (Skinner, 1982)
278
I áblo L eyícr Qonçulves e M .irl.i I c it m A ra ú jo Sllv.i
1.
Introdução
Desde alguns anos, a Análise Experimental do Comportamento vem dem onstran­
do a importância do ambiente no controle do comportamento, quer em animais quer em
humanos. Dentro dessa perspectiva teórica, a idéia de estímulo reforçador, ou seu efeito,
reforço, guarda especial função nos m ecanismos de controle do com portam ento. Esse
estímulo ó definido como um evento ambiental que aumenta a freqüência do com porta­
mento ao quat se segue (Ferster, Culbertson, & Boren, 1977). Nesse sentido, o estímulo
reforçador acaba por selecionar os comportam entos mais adaptados ao ambiente, au­
mentando suas freqüências. O reforço pode ser positivo (quando, após determinado com ­
portamento, o estímulo é apresentado) ou negativo (quando, após determinado comporta­
mento, um estím ulo aversivo ó retirado). Alóm disso, o estímulo reforçador pode ser
primário ou secundário (também chamado de condicionado). Reforçadores primários são
aqueles eventos ambientais que adquiriram essa função através da história filogenética
de determinada espécie e, portanto, são comuns à maioria dos indivíduos de uma m es­
ma espécie (por exemplo, comida ou água). Já o reforçador condicionado faz parte da
história ontogenética do organismo e, portanto, pode variar de um indivíduo para o outro
(o m ecanismo pelo qual um estímulo pode se tornar um reforçador condicionado será
abordado mais adiante, quando nos referirmos ao modelo de Reforço Condicionado).
Quando pensamos em tecnologia de controle e modificação do comportamento, o
estabelecimento de relações funcionais entre comportamento e eventos ambientais nos
bastam. Utilizando-se princípios como o reforço, somos capazes de modificar com porta­
m entos indesejáveis de um organismo, substituindo-os por com portamentos mais ade­
quados. No entanto, a fim de compreenderm os melhor essa relação entre am biente e
comportam ento, faz-se necessário conhecer o que Skinner (1989) chama de "segundo
elo", ou seja, o mecanismo fisiológico pelo qual determinado evento ambiental modifica o
organismo, fazendo com que este passe a se com portar de maneira diferente (Skinner,
1982). Além disso, em algumas situações, como, por exemplo, no abuso de drogas, a
relação causai entre ambiente e comportam ento pode estar modificada, como veremos
mais adiante, pela ação direta da droga no mecanismo fisiológico do reforço. Nesse
caso, o estudo desse "segundo elo" torna-se não apenas interessante para a com preen­
são do comportamento, mas imprescindível para sua modificação.
Sendo assim, o presente trabalho busca resumir alguns dados, principalm ente
vindos do estudo da ação de fármacos no sistema nervoso central, que parecem apontar
para a existência de um mecanismo dopaminérgico do reforço positivo, ou seja, parecem
sugerir hipóteses sobre o que se modifica no organismo quando um estímulo reforçador é
apresentado.
2.
Como medir um valor reforçador
A primeira questão que se apresenta no estudo de reforçadores é quanto determi­
nado estímulo, de fato, reforça. Ou seja, como distinguir entre a função reforçadora de
estímulos e outras funções. O fator mais importante desta distinção é o cham ado valor
reforçador, ou seja, a quantificação da propriedade de reforçar, medida principalm ente
através da força das respostas que o estímulo controla. Nesse sentido, torna-se neces­
sário distinguir entre os estímulos que controlam respostas mais fortes, e, portanto, que
Sobrf comportamento c cognição
279
têm um maior valor reforçador, de estímulos que controlam o comportamento de maneira
mais frágil. Alguns métodos experimentais foram desenvolvidos para responder a essa
questào.
A primeira solução que surgiu na área para resolver o problema de medir o valor
reforçador foi simplesmente utilizar como variável dependente a taxa de uma determinada
resposta, por exemplo, pressionar uma barra, e como variável independente as dim en­
sões de um estímulo reforçador, por exemplo, quantidade de pelotas de comida. Podese, então, medir a taxa com que um rato pressiona uma barra quando recebe uma, duas
ou três pelotas de comida, por exemplo. No entanto, esse método apresenta alguns
problemas. Outras variáveis poderiam estar influenciando a taxa de respostas, como, por
exemplo, uma possível estimulação ou prejuízo motor, quando testamos o efeito de de­
term inadas drogas sobre o valor reforçador. A fim de diferenciar o efeito motor do efeito
sobre o valor reforçador, outras soluções experimentais foram adotadas’ .
Dentre essas soluções, são de especial importância aquelas que se valem de
duas respostas similares, porém, concorrentes. Nesses modelos, temos duas respostas
de topografia semelhante, isto é, os movimentos exigidos são praticamente os mesmos,
porém as duas classes de respostas não podem ser efetuadas ao mesmo tempo (nor­
m almente o local onde essas respostas são emitidas é diferente; por exemplo, duas
barras em lados opostos da caixa experimental). Cada uma das respostas leva à apre­
sentação de estímulos reforçadores diferentes, em qualidade e/ou quantidade. Assim,
poderíamos ter um experimento em que, ao pressionar uma barra no lado direito da caixa
experimental, um rato recebesse imediatamente uma pelota de alimento, enquanto que,
ao pressionar a barra do lado esquerdo, recebesse três pelotas de alim ento (diferença
quantitativa) ou então uma gota de solução de sacarose (diferença qualitativa). Assim,
através da com paração entre as taxas de resposta nas duas barras, teríam os como
analisar as diferenças entre o valor reforçador dos dois estím ulos2. A importância de
existir duas respostas diz respeito ao controle do nlvel de estim ulação motora, uma vez
que a simples estimulação motora deverá afetar igualmente as duas classes de respos­
tas, sendo o estím ulo reforçador a única diferença entre elas. Esse método tem sido
empregado em uma série de procedimentos experimentais, dentre eles, se destacando o
de Reforço Condicionado (RC) e o de Preferência Condicionada de Lugar (CPP).
Outra solução importante diz respeito ao uso de reforçadores condicionados. Esse
é outro ponto comum entre os dois procedimentos acima referidos. Um estímulo neutro,
quando apresentado logo antes de um reforçador primário, passa a ter a propriedade de
reforçar o comportam ento, passando a ser um estímulo reforçador condicionado ou se­
cundário (Millenson & Leslie, 1979). Para o estudo dos mecanismos fisiológicos do refor­
ço, a utilização de reforçadores condicionados é de extrema utilidade, uma vez que per­
mite elim inar variáveis como sabor e saciação. Além disso, em um ambiente natural, os
reforçadores condicionados desempenham um papel fundamental na manutenção do com­
' Para uma discussão mais abrangente sobre a diferenciação entre efeitos motores e motivaclonals, ver
Wlse (1982); e Heyman o Beor (1987)
3 Note-se que o conceito de valor reforçador é um conceito relativo: podemos dizer, ó claro, se um estímulo
ó reforçador ou não sem necessidade de comparação, mas só podemos dizer quanto um estímulo ó
reforçador quando o comparamos a um ou mais estímulos. Esta relatividade do conceito acresconta um
caráter interessante à sua aplicação prática. Quando temos um organismo em uma situação onde apenas
um estimulo reforçador está presente, esse será o estímulo que controlará seu comportamento; por outro
lado, se outro reforçador, de maior valor, for acrescentado ao ambiente, multo provavelmente o estimulo
inicial terá sua função diminuída.
280
M b io l.eyser Qonç<ilves e M .irl.i Teres.i A r.iú jo Silv.i
portamento, permitindo que o organismo se comporte mesmo na ausência de reforçadores
primários. No entanto, faz-se necessário notar que a função do reforçador condicionado é
efêmera quando se quebra a estabilidade da relação entre o reforçador condicionado e o
reforçador primário, o que impõe certas limitações aos procedimentos que utilizam esses
reforçadores.
O procedimento de Reforço Condicionado (RC) tem sido utilizado para o estudo da
influência de drogas sobre o valor de reforçadores condicionados em ratos. O procedi­
mento constitui-se de três fases: Pré-exposição, Condicionamento e Teste. Na Pré-exposição, os sujeitos são colocados em uma caixa experimental com duas barras, uma luz
ambiente, uma cam painha e duas luzes de estímulo. Tanto a luz am biente quanto as
luzes de estímulo permanecem ligadas. Nesse ambiente, a pressão em uma das barras
resulta na apresentação de um estímulo sonoro (TONE) de 3 s de duração; a pressão na
outra barra leva à apresentação de um estímulo constituído de 3 s, no qual as luzes de
estímulo se apagam (LO, do inglês lights-off), e mede-se então a freqüência de pressão
a cada uma das barras. Na fase seguinte, Condicionamento, as barras são retiradas e ó
feito um pareamento entre o estímulo LO e um reforçador primário (uma pelota de com i­
da), ou seja, o estímulo LO é apresentado a cada certo período de tempo, seguido pela
apresentação de uma pelota de comida. Inicialmente todas as apresentações de LO são
seguidas de uma pelota; em um segundo momento, no entanto, a proporção é alterada e
passa-se a um paream ento intermitente, em que a pelota só é apresentada a cada três
apresentações de LO, o que garante uma maior resistência à função reforçadora. Na fase
de Teste, volta-se à situação de Pré-exposição. O valor reforçador ó dado pela proporção
entre a freqüência de respostas dadas no Teste e na Pré-exposição, na barra que tem
como conseqüência a apresentação do estímulo LO. A outra barra funciona como contro­
le dos efeitos motores das substâncias, uma vez que se houver um efeito que apenas
aumenta a atividade motora do sujeito tem-se um aumento nas respostas das duas
barras, enquanto que se o efeito for seletivo sobre o valor reforçador tem-se um aumento
seletivo na barra de LO.
O procedimento de Preferência Condicionada de Lugar (CPP) guarda bastante
semelhança com o RC. Nele, também temos as três fases: Pré-exposição, Condiciona­
mento e Teste. O equipamento mais freqüentemente utilizado na CPP é uma caixa dividi­
da ao meio e com as paredes pintadas, por exemplo, de branco em um lado e de preto no
outro. A resposta medida é a locomoção pelos dois lados da caixa, medida esta realiza­
da na Pré-exposição e no Teste. Na fase de Condicionamento, o mais comum é que o
rato receba a droga estudada e seja confinado em um dos lados da caixa, em geral, o
lado menos preferido. Note-se que nesse caso o pareamento feito é entre os efeitos da
droga e o lado da caixa. Uma diferença, então, entre os procedimentos de CPP e de RC
é que neste o que se mede é a influência da droga sobre o valor de um reforçador condi­
cionado, enquanto naquele, o que se mede é a capacidade da droga de transform ar um
estímulo neutro (lado da caixa) em um reforçador condicionado. Mede-se, portanto, o
valor da droga enquanto reforçador primário. Uma variante do procedimento de CPP é a
preferência induzida por comida, na qual o pareamento, tal como no RC, é feito entre
pelotas de comida (reforçador primário) e o lado da caixa (estímulo neutro). Mais uma
vez, a resposta concorrente, locomover-se no lado da caixa que não foi pareado, é utiliza­
da como um controle do aumento da atividade motora.
Sobre vomportamcnto e cognifílo 281
3.
Dados empíricos
Há um conjunto de dados que sugerem fortemente a participação do sistema
dopaminérgico na mediação do reforço positivo. Esses dados vêm de quatro fontes prin­
cipais:
1) estudos sobre auto-estimulação intracraniana (ICSS);
2) estudos sobre drogas de abuso;
3) estudos de drogas neurolépticas e
4) estudos sobre a anedonia induzida por estresse moderado crônico (CMS).
3.1. Estimulação Intracraniana (ICSS)
Uma das primeiras descobertas que apontam para a existência de mecanismos
fisiológicos subjacentes ao reforço foi a de que pequenos estímulos elétricos em áreas
específicas do cérebro do rato apresentavam a mesma propriedade de estím ulos
reforçadores, ou seja, aum entar a freqüência de comportamentos aos quais se seguiam
(Olds, 1956). A isso, denominou-se auto-estimulação intracraniana (ICSS, do inglês
intracraniaí se lf stimuíation). Nos estudos seguintes, pôde-se verificar que apenas em
uma pequena parte do cérebro os estímulos elétricos funcionavam como reforçadores,
dando a idéia de que haveria um circuito cerebral específico que estaria mediando a
função reforçadora, tanto de estímulos elétricos quanto de estímulos ambientais (Wise &
Bozarth, 1987; Wise & Rompre, 1989). Os principais componentes desse circuito seriam
o Núcleo Accumbens g o Tegumento Ventral, bem como sua ligação (Feixe Prosencefálico
Mediai), embora outras áreas possam ainda estar envolvidas.
Os estudos com ICSS dão, ainda, substrato para o conceito de valor reforçador
(Koob, 1993) na medida em que variações na freqüência e na intensidade dos estímulos
elétricos estão diretamente relacionados à taxa de resposta que a ICSS é capaz de
manter. Usualmente, a forma utilizada para avaliar o valor reforçador de ICSS é o método
anteriormente referido, no qual simplesmente se mede a taxa de respostas dadas sob
controle de determinada estimulação, inicialmente, dessa medida extraíam -se duas in­
formações importantes: o número máximo de respostas, índice da capacidade motora do
animal, e a relação entre intensidade ou freqüência de estimulação e a taxa de respos­
tas, que nos dá a idéia de valor reforçador. Como já foi visto anteriorm ente, esse tipo de
medida não parece ser o mais eficiente para a distinção entre capacidade motora e valor
reforçador. No entanto, como veremos a seguir, esse tipo de procedimento tem se m os­
trado eficaz no estudo do efeito de drogas sobre o funcionamento do chamado circuito do
reforço.
3.2. Abuso de drogas
Neste ponto, faz-se necessário introduzir alguns conceitos específicos do estudo
da ação de drogas sobre o sistema nervoso central. A primeira noção importante é a de
que esse sistema é constituído de células específicas denominadas neurônios. Essas
células têm a propriedade de receber e transmitir impulsos de outros neurônios. A trans­
missão entre um neurônio e outro dá-se em um pequeno espaço chamado fenda sináptica
e se caracteriza pela liberação de uma substância produzida no próprio neurônio (chama­
do de neurotransmissor como, por exemplo, a dopamina), e que atua em um outro neurônio.
282 f áblo l.eyicr C/onç.ilve* r M.iri.i Terc$.i Araújo Silv.»
A atuação do neurotransmissor dá-se através de receptores presentes na membrana
celular tanto do neurônio que o liberou (chamados de receptores pró-sinápticos) quanto
em outros neurônios (receptores pós-sinápticos). No caso específico da dopam ina, os
tipos de receptores são divididos em duas grandes famílias chamadas de receptores D1
e D2. Após a liberação, o neurotransmissor permanece na fenda sináptica até que seja
recaptado (levado novamente para dentro do neurônio) ou metabolizado (inativado através
da ação de enzimas). A atuação de drogas pode se dar em qualquer um dos passos da
neurotransmissão, ou seja, temos drogas que agem diretamente nos receptores, ou ain­
da, drogas que atuam na síntese, liberação, recaptação ou m e ta b olizaçã o do
neurotransmissor. Quanto às drogas que atuam sobre a neurotransmissão, é importante
distinguirmos as que atuam no mesmo sentido do neurotransmissor, ou seja, somam
seu efeito ao efeito do neurotransmissor, chamadas de drogas agonistas, e aquelas que
atuam no sentido oposto ao do neurotransmissor, chamadas de drogas antagonistas.
Como vimos anteriormente, a manutenção do comportamento pode ser entendida,
na perspectiva da Análise Experimental do Comportamento, por dois princípios: o de
reforço positivo (apresentação de um estímulo reforçador) e o de reforço negativo (retirada
de um estímulo aversivo). Portanto, quando nos perguntamos porque pessoas abusam
de drogas (comportamento), temos apenas duas possibilidades:
1) esse comportamento pode estar sendo reforçado positivamente e/ou
2) esse comportamento pode estar sendo reforçado negativamente. De fato, quando fala­
mos de abuso de drogas como estimulantes psicomotores (anfetamina e cocaína,
entre outros), as duas coisas parecem andar juntas. O mecanismo de reforço negativo
pode estar presente, por exemplo, quando ao tornar a droga o indivíduo se vê livre de
sintomas de abstinência, em uma situação em que já é dependente. Já o m ecanismo
de reforço positivo parece estar implícito na própria atuação da droga no sistema ner­
voso central, sendo este o aspecto que iremos enfocar neste texto.
A influência de drogas no circuito do reforço pode se dar de duas maneiras:
1) funcionando como reforçador primário e
2) interferindo no valor reforçador de outros estímulos. No primeiro caso, as pesquisas
sobre o comportam ento de auto-administração têm contribuído com dados im portan­
tes, basicamente, ratos são treinados a pressionar uma barra tendo como conseqüên­
cia a liberação de uma pequena quantidade de determinada droga por via endovenosa
ou por cânula intracerebral. De uma maneira geral, agonistas dopam inérgicos são
capazes de manter o comportamento de pressionar a barra sem que haja qualquer
outra conseqüência para esse comportamento, ou seja, estariam funcionando como
reforçadores primários. Drogas dopaminérgicas, como a cocaína e anfetamina, são
auto-adm inistradas por ratos (embora essas drogas atuem tam bém em outros
neurotransmissores, estamos considerando, principalmente, sua influência sobre o
sistema dopaminérgico, uma vez que a auto-administração é bloqueada por antagonis­
tas dopaminérgicos específicos como descrito por Koob, 1993). Além disso, essas
mesmas drogas são capazes de gerar preferência condicionada de lugar, mais uma
vez indicando que estariam funcionando como reforçadores primários, efeito também
bloqueado por antagonistas dopaminérgicos.
No segundo caso, efeito de drogas sobre outros reforçadores, dados vindos do
estudo de ICSS e de RC são bastante coerentes. No primeiro, estudos têm mostrado que
drogas como a cocaína são capazes de alterar a relação entre a ICSS e a taxa de
respostas, no sentido de facilita r a ICSS, ou seja, em intensidades m enores de
Sobre comportiimento c c o ruíÇ iIo
283
estimulação, consegue-se uma maior taxa de respostas do que sem a adm inistração da
droga (Koob, 1993). Da mesma forma, no procedimento de RC, drogas como a anfetamina
aumentam a eficácia de reforçadores condicionados, ou seja, ratos sob o efeito da
anfetamina apresentam uma preferência maior pela barra do reforçador condicionado do
que ratos que não receberam a droga. Alóm disso, drogas mais específicas que atuam
seletivamente como agonistas do receptor D2, como o quinpirole e a bromocriptina, tam ­
bém são capazes de aumentar a eficácia de reforçadores condicionados, indicando que
esse receptor deve ser de especial importância no mecanismo fisiológico do reforço
(Beninger, 1991).
3.3. Drogas neurolépticas
A relação entre comportamento operante e drogas neurolépticas, ou antipsicóticas,
tem sido amplamente estudada. De uma maneira geral, o efeito dessas drogas tem sido
o de suprimir, ou diminuir, comportamentos mantidos por reforço positivo. Duas hipóte­
ses principais foram levantadas para explicar essa relação. A primeira ó a de que
neurolópticos, na sua maioria, drogas antagonistas do sistema dopam inórgico, afetam o
sistema motor, no sentido de diminuir, ou dificultar, qualquer atividade motora. Na segun­
da hipótese (chamada de Hipótese da Anedonia), neurolópticos estariam impedindo a
aquisição e manutenção do comportamento por estímulos reforçadores, via interferência
direta nos circuitos cerebrais ligados ao reforço (Wise, 1982). Alguns dados nos levam a
favorecer a segunda hipótese.
O primeiro dado ó que antagonistas dopaminérgicos em dose baixa retardam a
aquisição de um comportamento operante. Ou seja, animais que receberam doses bai­
xas de neurolópticos atingem a mesma taxa de respostas que animais que não recebe­
ram a droga; mas há uma diferença no tempo de aquisição do operante: enquanto os
animais em condição controle atingiram um desempenho assintótico na segunda ses­
são, animais que receberam neurolópticos só atingiram a assíntota na quinta sessão.
Outro dado interessante ó o chamado efeito semelhante à extinção. Animais bem treina­
dos para emitir um determinado operante em um procedimento de ICSS, quando recebem
uma dose de um neuroléptico, por exemplo, pimozida, apresentam um padrão de respos­
tas semelhante a animais colocados sob extinção, ou seja, inicialmente a taxa de respos­
tas se mantém, passando a cair com o decorrer do tempo. Alóm disso, os neurolópticos
têm o efeito oposto ao de estimulantes psicomotores, ou seja, eles dificultam o reforço por
ICSS, exigindo intensidades maiores para se obter a mesma taxa de respostas. Wise e
Bozarth (1987) dão-nos o exemplo de um procedimento bastante elegante para favorecer a
Hipótese da Anedonia - os autores descrevem um experimento realizado por Ettenberg e
Camp. Nesse experimento, constituído por uma tentativa por dia em uma pista, animais
que receberam neurolópticos a cada três dias apresentaram um padrão de extinção seme­
lhante ao de animais que deixaram de receber o estímulo reforçador a cada três dias, ou
seja, os animais tiveram uma maior resistência à extinção do que animais que receberam
reforço contínuo. Assim, através da administração do neuroléptico, o autor foi capaz de
simular o efeito do reforço intermitente sobre a resistência à extinção.
No procedimento de Preferência Condicionada de Lugar (CPP), os neurolópticos
normalmente diminuem ou eliminam a CPP induzida tanto por drogas como por comida.
No RC, os resultados têm sido semelhantes: assim, doses de 0,2 mg/kg de pimozida
impedem o aumento da eficácia (valor reforçador) de reforçadores condicionados, induzi­
284
I «íbio l.cytcr C/onç.ilves c M a rl.i Icrew A m ú | o Silv.i
do pela bromocriptina, um agonista dopaminérgico (Ranaldi & Beninger, 1993).
3.4. Anedonia Induzida por Estresse Moderado Crônico (CMS)
A Anedonia Induzida por Estresse Moderado Crônico (CMS, do inglês chronicm ild
stress) é tido como um dos melhores modelos animais de depressão. Nesse modelo,
ratos são expostos a estressores moderados, como, por exemplo, m udanças no ciclo
luz/escuro, luz estroboscópica, gaiola molhada, entre outros, por um período prolongado
de tempo (seis a doze semanas) e de maneira imprevisível (Willner, 1991; Willner, Muscat,
& Papp, 1992a; Willner, Muscat, & Papp, 1992b). Ao longo desse período, os animais
são submetidos a um teste em que se mede a quantidade de uma solução de sacarose
(1 %) ingerida em um período de uma hora. Essa medida é tomada como uma estimativa
do número de lambidas (resposta) reforçadas (reforço contínuo) pela solução de sacarose,
de forma que temos, portanto, em última análise, uma medida simples de taxa de res­
postas em função do reforço. Note-se que, neste caso, como veremos mais adiante,
nossa variável independente não ó o estímulo reforçador, mas a sensibilidade do animal
ao mesmo reforçador.
Os resultados geralmente encontrados nesse modelo indicam uma dim inuição
progressiva do consumo de sacarose, na medida em que o animal é submetido ao regime
de estresse. Esse dado é tomado como uma dim inuição da sensibilidade do animal ao
reforço pela sacarose. De fato, quando ratos submetidos ao regime de estresse são
expostos ao procedimento de CPP, há uma diminuição da preferência tanto induzida por
comida ou sacarose (Papp, Muscat, & Willner, 1993) quanto induzida por drogas, como
o quinpirole (como vimos antes, um agonista seletivo dos receptores D2). Também no
procedimento de ICSS, ratos expostos ao CMS apresentam um aum ento de cerca de
50% no limiar de reforço (Willner et al., 1992b). Nesse sentido, o CMS se apresenta
como um exemplo em que eventos am bientais afetam a sensibilidade do organism o ao
reforço.
A reversão do efeito do CMS é conseguida através da administração crônica (cerca
de quatro semanas) de antidepressivos como a fluoxetina (Prozac, Eutor), imipramina
(Tofranil) e amitriptilina (Tryptanol), entre outros (Willner et al., 1992b; Willner, Towell, &
Sophokleous, 1987). Um dado interessante é de que o efeito dos antidepressivos é bloque­
ado por antagonistas dopaminérgicos (Sampson, Willner, & Muscat, 1991), enquanto o
mecanismo de ação de algumas dessas drogas, como, por exemplo, a fluoxetina, atua
predominantemente sobre outro neurotransmissor, a serotonina, indicando que o efeito de
antidepressivos pode se dar de maneira indireta. A hipótese mais provável do mecanismo
de açào do CMS ó a de que os estressores estariam levando a um aumento da estimulação
em vias dopaminérgicas, que teria como efeito, através de um mecanismo de adaptação de
longo prazo, a diminuição da sensibilidade de receptores D2 (Willner et al., 1992b).
4.
Conclusão
De uma maneira geral, a partir dos dados apresentados, podemos concluir que é
razoável pensar na existência de um mecanismo dopaminérgico anatomicamente espe­
cífico que parece estar subjacente ao processo de reforço do comportamento. O reco­
nhecimento da existência desse mecanismo tem algumas implicações.
Sobre comportamento e cognição
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A primeira implicação ó para uma análise funcional do abuso de drogas, na medida
em que se faz necessário pensar na droga de abuso, principalmente estim ulantes
psicomotores, como um reforçador p e r se, além de considerar outros reforçadores que
poderiam estar atuando no ambiente do dependente.
A segunda implicação ó quanto ao uso de neurolópticos que, interferindo diretamente
nos