A Neurocirurgia Pediátrica no século XXI

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José Roberto Tude Melo
A NEUROCIRURGIA
PEDIÁTRICA
N O
S É C U L O
X X I
Apoio
Colaboração
José Roberto Tude Melo
A NEUROCIRURGIA
PEDIÁTRICA
N O
S É C U L O
X X I
1ª Edição
2015
A Neurocirurgia Pediátrica no século XXI
Copyright © 2015 – José Roberto Tude Melo
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1ª edição
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Tell Coelho
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ISBN: 978-85-6673809-4
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CIP (Cataloging-in-Publication) – Brasil – Catalogação na Publicação
Ficha catalográfica feita na editora
M528n
Melo, José Roberto Tude
A Neurocirurgia Pediátrica no século XXI / José Roberto Tude Melo –
1. ed – Rio de Janeiro : UNA, 2015.
160 p ; 14x21 cm.
il.
ISBN: 978-85-6673809-4
1. Neurocirurgia Pediátrica - Neurologia. I. Título
CDD 616-083
CDU 616-083
Índice para catálogo sistemático:
Neurologia: Neurocirurgia Pediátrica – 616-083
Dedico esta obra à Neurocirurgia Pediátrica Brasileira
Agradeço a todos os colegas que colaboraram na
escrita deste livro, pois sem a ajuda de todos, esta
obra não teria se concretizado.
Sumário
História da Neurocirurgia Pediátrica no Brasil . . . . . . . . . . 11
Introdução
A Neurocirurgia Pediátrica no mundo
Referências
11
16
17
Hidrocefalia na Infância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Introdução
Classificação e etiologia
Quadro clínico
Tratamento
Conclusões
Referências
19
22
24
25
27
27
Neuroendoscopia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Introdução
Terceiro-ventriculostomia endoscópica (TVE)
Septostomia endoscópica
Aquedutoplastia
Tratamento endoscópico da hidrocefalia multisseptada
Tratamento endoscópico dos cistos aracnoideos
Biópsia endoscópica
Ressecção tumoral endoscópica
Referências
29
30
32
33
34
35
37
37
38
Disrafismos Cranianos e Espinhais . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Introdução
Embriologia
Classificação
Incidência e epidemiologia
Etiologia
Diagnóstico pré-natal
Disrafismos cranianos
Disrafismos espinhais abertos
Disrafismos espinhais fechados ou ocultos
Tratamento cirúrgico
Referências
41
42
43
43
43
44
44
46
46
52
52
8
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Neurocirurgia Fetal – Atualidades e Perspectivas . . . . . . . . 55
Introdução
Tipos de procedimentos neurocirúrgicos fetais
Resultados e prognóstico
Alterações neurológicas associadas
Nível neurológico da lesão e desenvolvimento motor
Resultados negativos dos procedimentos pré-natais
Considerações finais
Referências
55
56
57
57
58
60
62
62
Craniossinostoses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Introdução
A escafocefalia (EC)
A trigonocefalia (TrG)
A plagiocefalia (PLG)
A Braquicefalia (BrC)
Craniossinostoses sindrômicas
Plagiocefalia postural (PP)
Referências
65
68
69
71
72
73
74
75
Doenças Infecciosas e Parasitárias do Sistema Nervoso
Central: Aspectos Cirúrgicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
Introdução
77
CISTICERCOSE
77
Epidemiologia
Fisiopatologia
Quadro clínico
Diagnóstico
Tratamento
77
78
78
78
79
TUBERCULOSE
79
Epidemiologia
Fisiopatologia
Tratamento neurocirúrgico da tuberculose
79
80
80
ABSCESSOS CEREBRAIS
81
Etiologia
Quadro clínico
Diagnóstico
Tratamento
Referências
81
82
82
83
84
Traumatismo Craniano na Infância . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
Conceitos/Dados epidemiológicos
Abuso, agressões físicas e violência urbana
87
88
Sumário
As quedas
Acidentes com meios de transporte (acidentes de vias públicas)
Diagnóstico e manejo da criança vítima de TCE
Tratamento cirúrgico e prognóstico
Referências
9
89
89
89
90
93
Paralisia Obstétrica do Plexo Braquial . . . . . . . . . . . . . . . . 95
Introdução
Anatomia
Fisiopatologia
Diagnóstico
Tratamento
Referências
95
96
96
97
99
100
Neoplasias do Sistema Nervoso Central na Infância:
Novas Perspectivas e Abordagens . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
Introdução
Diagnóstico por imagem
Cirurgia
Biologia molecular
Radioterapia
Quimioterapia
Reabilitação
Referências
103
104
105
107
108
109
109
110
Tractografia e Neuronavegação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
Introdução
Metodologia
Resultados
Caso 1
Caso 2
Discussão
Conclusão
Referências
113
114
115
116
118
119
120
121
Tratamento Cirúrgico da Epilepsia na Infância . . . . . . . . . . 125
Introdução
Princípios Gerais e Conceitos
Etiologia
Seleção de pacientes para cirurgia de epilepsia na infância
Sumário das principais síndromes epilépticas da infância
e adolescência
Técnicas cirúrgicas
Técnicas gerais e preparo do paciente
Lesionectomias
Lobectomia temporal
125
126
127
128
129
130
130
131
132
10
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Hemisferectomias/Hemisferotomias
Ressecções extratemporais
Calosotomia/Estimulação elétrica vagal
Transecções subpiais múltiplas
Complicações/Prognóstico
Conclusão
Referências
132
133
133
134
134
135
135
Doenças Cerebrovasculares na Infância . . . . . . . . . . . . . 137
Introdução
137
MALFORMAÇÃO DA VEIA DE GALENO
138
Introdução
Quadro Clínico
Classificação
Tratamento e Prognóstico
138
138
139
140
MOYAMOYA
140
Introdução
Critérios diagnósticos
Aspectos Clínicos
Estudos Diagnósticos
Tratamento
Referências
140
141
142
143
145
146
Cuidados Operatórios em Neurocirurgia Pediátrica . . . . . . 149
Introdução
Método
149
149
RESULTADOS E DISCUSSÃO
150
Cuidados gerais:
150
Abordagem da família
Interface com anestesiologia
Momento da operação, ambiente da sala
Prevenção de contaminação pela pele
Planejamento cirúrgico
Posicionamento e preparo
Hemostasia
Pós-operatório
150
150
151
151
152
152
152
153
Cuidados específicos:
153
Fossa posterior
Tumores encefálicos
Craniossinostoses
Neuroendoscopias
DVP
Disrafismos
153
154
154
155
156
156
Conclusão
Referências
157
157
História da Neurocirurgia
Pediátrica no Brasil
Márcia Cristina da Silva1
José Francisco Manganelli Salomão2
Nelci Zanon3
Secretária Executiva – SBNPed (2013-15). Neocenter/
Hospital Vila da Serra. Hospital João XXIII – FHEMIG – Belo
Horizonte, MG.
1
Departamento de Cirurgia Pediátrica. Setor de Neurocirurgia
Pediátrica. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, Criança e do
Adolescente Fernandes Figueira – Fundação Oswaldo Cruz – Rio
de Janeiro, RJ.
2
Presidente – SBNPed (2013-15). Médica Responsável pela
Equipe CENEPE. Neurocirurgiã – UNIFESP – São Paulo, SP.
3
*Os autores declaram não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na
elaboração do presente capítulo.
Introdução
Augusto Brandão Filho, cirurgião carioca do início do século XX,
pode ser considerado o precursor da neurocirurgia no Brasil, tendo
sido o primeiro brasileiro a tentar o tratamento cirúrgico de tumores
cerebrais em 1924.(1) Também realizou em 1928 a primeira angiografia cerebral no país, sob a orientação de Egas Moniz.(2)
Também no Brasil, alguns fatos são dignos de nota no desenvolvimento da neurocirurgia pediátrica: no início dos anos 50 do século
passado, Mário Coutinho, um discípulo de José Ribe Portugal, criou
o primeiro serviço de neurocirurgia pediátrica em Porto Alegre, RS,
no Hospital Santo Antônio, operando crianças vítimas de traumatismo,
malformações congênitas e tumores do sistema nervoso central; Paulo
Niemeyer, no Rio de Janeiro, descreveu sua técnica de amígdalo-hipocampectomia transventricular e iniciou o tratamento cirúrgico de
12
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
pacientes com epilepsia refratária, incluindo crianças.(3) Nos anos 60
do século XX, Gilberto Machado de Almeida, em São Paulo, despontou como um dos grandes líderes da neurocirurgia brasileira. Ele tinha
um interesse especial na neurocirurgia pediátrica, tendo sido pioneiro
na subespecialidade. Além disso, foi responsável pela formação de
vários neurocirurgiões de destaque da neurocirurgia pediátrica brasileira. Machado de Almeida foi o presidente do 5º Congresso Anual
da ISPN (International Society for Pediatric Neurosurgery/Sociedade
Internacional de Neurocirurgia Pediátrica) que aconteceu em 1977
no Guarujá, SP.
Nas décadas de 70, 80 e 90 do século passado, um número crescente de neurocirurgiões brasileiros completaram sua formação no
exterior em países como os Estados Unidos, Canadá, Reino Unido,
Alemanha e França, vários em importantes centros de neurocirurgia
pediátrica. Muitos destes indivíduos demonstraram um interesse especial pela neurocirurgia pediátrica, o que levou a um aumento gradual
das sessões da subespecialidade nos congressos da SBN (Sociedade
Brasileira de Neurocirurgia). Em 1992, um grupo destes neurocirurgiões com especial interesse na neurocirurgia pediátrica e particularmente ativos dentro da sociedade fundou o Departamento de
Neurocirurgia Pediátrica da SBN. Três anos depois, em 1995, aconteceu em São Paulo o primeiro Congresso Brasileiro de Neurocirurgia
Pediátrica, sob a presidência do Dr. Hamilton Matushita, um sucesso
de público e do ponto de vista de conteúdo científico, com a participação de palestrantes de renome, estrangeiros e brasileiros, e mais de
trezentos inscritos. Desde então, a cada dois anos acontece o Congresso
Brasileiro de Neurocirurgia Pediátrica em diferentes cidades do país,
discutindo-se temas de importância na especialidade para neurocirurgiões e médicos de especialidades afins interessados na disciplina, de
todo o país (Quadro 1). Pela necessidade de integração internacional
e visibilidade, em 1999, durante o seu 3º congresso no Rio de Janeiro,
o Departamento de Neurocirurgia Pediátrica da SBN se tornou a Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Pediátrica (SBNPed) (Quadro 2).
Nunca houve no Brasil uma separação rígida entre neurocirurgiões que praticam a neurocirurgia geral e aqueles que praticam a neurocirurgia pediátrica, como ocorre em alguns países como a França e
Canadá. Ainda são raros os neurocirurgiões brasileiros que se dedicam
exclusivamente à neurocirurgia pediátrica, mas um grupo crescente
História da Neurocirurgia Pediátrica no Brasil
13
Congressos da Sociedade Brasileira de
Neurocirurgia Pediátrica (SBNPed).
Quadro 1
Ano
Local
Presidente do Congresso
1995
São Paulo, SP
Hamilton Matushita
1997
Brasília, DF
Benicio Oton de Lima
1999
Rio de Janeiro, RJ
José Francisco Manganelli Salomão
2001
Ribeirão Preto, SP
Hélio Rubens Machado
2003
Recife, PE
Artur Henrique Galvão Bruno da
Cunha
2005
Belo Horizonte, MG
Geraldo Pianetti Filho
2007
Curitiba, PR
Silvio Machado
2009
Gramado, RS
Jorge W. Junqueira Bizzi
2011
Búzios, RJ
Antônio Rosa Bellas
2013
João Pessoa, PB
Christian Diniz Ferreira
2015
(próximo
congresso)
Belém, PA
Simone Rogério
Presidentes da Sociedade Brasileira de
Neurocirurgia Pediátrica (SBNPed).
Quadro 2
Período
Presidente
1999-2001
Hamilton Matushita
2001-2003
José Francisco Manganelli Salomão
2003-2005
Benicio Oton de Lima
2005-2007
Sergio Cavalheiro
2007-2009
Hélio Rubens Machado
2009-2011
Geraldo José R. Dantas Furtado
2011-2013
José Aloysio Costa Val Filho
2013-2015
Nelci Zanon-Collange
2015-2017
(presidente eleito)
Artur Henrique Galvão Bruno da Cunha
14
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
tem demonstrado especial interesse na subespecialidade. Menção especial tem que ser feita a um grupo de desbravadores da neurocirurgia
pediátrica do país, carinhosamente chamado de “G5”. São eles (em
ordem alfabética): Benicio Oton de Lima, Hamilton Matushita, Hélio
Rubens Machado, José Francisco Manganelli Salomão e Sérgio Cavalheiro. Este grupo, com persistência e perseverança, alçou a neurocirurgia pediátrica brasileira a níveis de excelência reconhecidos
internacionalmente. E com sua liderança aumentam continuamente
o grupo de interesse na subespecialidade, além de moldar as futuras
gerações de neurocirurgiões pediátricos do país.
Por mérito de todo o grupo, a SBNPed é atualmente uma sociedade reconhecida internacionalmente pela qualidade da produção
científica e assistencial de seus membros, com participação ativa no
cenário da neurocirurgia pediátrica brasileira e mundial. Algumas de
suas realizações:
– 1999 e 2001: Joint Meetings com o grupo francês de neurocirurgia pediátrica;
– Em 2008, a SBNPed participou como invited society do congresso
da ESPN (European Society for Pediatric Neurosurgery) em Montreux,
Suíça, com participação significativa dos neurocirurgiões brasileiros
no programa científico.
– Em Amsterdã, em 2012, novamente a SBNPed foi convidada a
participar, desta vez como joint section, no congresso bianual da ESPN.
Também neste evento foi expressiva a participação dos neurocirurgiões brasileiros nos eventos, com palestras, apresentações orais e pôsteres de valor científico.
– Em 2014, em Roma, mais uma vez a SBNPed foi convidada a
participar do congresso bianual da ESPN em joint section, juntamente
com a Sociedade Indiana de Neurocirurgia Pediátrica. Neste encontro, a participação brasileira também foi expressiva, com vinte e duas
apresentações orais/pôsteres. Três neurocirurgiões brasileiros foram
convidados pela comissão organizadora do congresso a proferir palestras como invited lecturers. A delegação brasileira foi a segunda em
número de participantes presentes no evento.
– A SBNPed participa ativamente da FLANC (Federación Latinoamericana de Sociedades de Neurocirugía), tendo elegido dois presidentes do capítulo de neurocirurgia pediátrica – Artur Henrique
Galvão Bruno da Cunha/2002-04 e José Francisco Manganelli Salo-
História da Neurocirurgia Pediátrica no Brasil
15
mão/2008-10. Também promoveu o III Congresso Latino-americano
de Neurocirurgia Pediátrica em Porto de Galinhas, PE, em 2009 e
cursos de educação continuada da FLANC em João Pessoa em 2013
e Belém em 2014.
– Os esforços da SBNPed, e em especial do Dr. José Francisco
Manganelli Salomão, trouxeram de volta ao Brasil, após 37 anos, o
Annual Meeting da ISPN, Rio de Janeiro em Novembro de 2014. O Dr.
Salomão presidiu este prestigioso evento.
– A SBNPed igualmente tem orgulho de ter sido parte, junto com
outras organizações e associações, da publicação da Resolução RDC
nº 344 de 13 de dezembro de 2002 da ANVISA (Agência Nacional
de Vigilância Sanitária), que aprova o regulamento técnico para a
fortificação das farinhas de trigo e das farinhas de milho com ferro e
ácido fólico, uma medida fundamental na prevenção de defeitos do
tubo neural.(4)
– Em colaboração com a ESPN (European Society for Pediatric
Neurosurgery), a SBNPed organizou em 2004, na cidade de Florianópolis (SC), o primeiro curso do primeiro ciclo do Latin American
Course of Pediatric Neurosurgery.(5) Este curso, voltado para os neurocirurgiões do Brasil e demais países da América Latina, segue os
moldes de cursos idênticos, com a mesma programação, organizados
pela ESPN desde 1986 no continente europeu. Ele compreende três
ciclos com uma semana de duração em cada ciclo, abrangendo temas
importantes da neurocirurgia pediátrica. A língua oficial do curso é a
língua inglesa. O objetivo deste curso, tanto na Europa quanto no
Brasil, é promover o desenvolvimento da neurocirurgia pediátrica
através do ensino e treinamento de residentes e neurocirurgiões interessados no tema. Os cursos latino-americanos alcançaram grande
sucesso dentro da comunidade neurocirúrgica do Brasil e países da
América Latina, tendo comemorado em 2013 o 10º ano consecutivo
de sua realização. A partir de 2014, o curso conta com o aval da SBN,
tornando-se parte da formação dos neurocirurgiões brasileiros.
A SBNPed continua sendo o Departamento de Neurocirurgia
Pediátrica da SBN, influenciando decisões referentes à subespecialidade, como o conteúdo científico de congressos promovidos pela SBN,
educação e indicação de centros de treinamento em neurocirurgia
pediátrica. Apesar de jovem, é uma sociedade madura e atuante, com
metas e projetos já atingidos e outros planejados para o futuro. Entre
16
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
eles a inclusão internacional da neurocirurgia pediátrica brasileira,
utilização de tecnologias disponíveis para uma comunicação e divulgação de informações mais ágil para todos os neurocirurgiões interessados na especialidade, programas e políticas de prevenção de
malformações congênitas do sistema nervosos central, programas e
políticas de prevenção de acidentes pediátricos, participação no projeto Diretrizes da Associação Médica Brasileira, participação no Grupo
Cooperativo de Tumores Cerebrais na Infância da SOBOPE e o treinamento de futuros neurocirurgiões pediátricos.(6, 7)
A Neurocirurgia Pediátrica no mundo
O primeiro hospital pediátrico na Europa foi fundado em 1802, em
Paris, L’Hôpital des Enfants Malades. O primeiro serviço de neurocirurgia pediátrica foi fundado por Franc Ingraham no Children’s Hospital Medical Center em Boston, em 1929.(8)
A primeira Sociedade de Neurocirurgia Pediátrica de que se tem
notícia foi a Sociedade Europeia de Neurocirurgia Pediátrica – ESPN,(9)
fundada em 1967, por ocasião do primeiro congresso de Neurocirurgia Pediátrica que ocorreu em Viena, na Áustria. A SBNPed é uma
sociedade afiliada da ESPN.(10)
A Sociedade Internacional de Neurocirurgia Pediátrica – ISPN
foi fundada em 1972 por um grupo de neurocirurgiões visionários:(11)
Raul Carrea (Argentina), Maurice Choux (França), Steen Flood
(Noruega), Bruce Hendricks (Canadá), Wolfgang Koos (Áustria),
Satoshi Matsumoto (Japão), Jean Pecker (Inglaterra), Anthony J. Raimondi (Estados Unidos), Jacques Rougerie (França), John Shaw (Inglaterra), Kenneth Till (Inglaterra). Anthony Raimondi organizou o
primeiro congresso da ISPN em Chicago, 1972. Em 1973, em Londres, foi criada a revista oficial da ISPN – Child’s Brain. Em 1985, a
Child’s Brain mudou seu nome e passou a chamar-se Child’s Nervous System, revista oficial da ISPN até hoje. Desde 2006, a SBNPed também
tem a Child’s Nervous System como sua revista oficial, assim como a
ESPN, as Sociedades Coreana, Japonesa e Chinesa de Neurocirurgia
Pediátrica. A Child’s Nervous System é uma revista mensal, disponível
tanto na versão digital quanto na versão impressa a todos os membros
da ISPN. Ela trata de todos os assuntos ligados a neurociências em
História da Neurocirurgia Pediátrica no Brasil
17
crianças: anomalias do desenvolvimento e crescimento, doenças degenerativas e hereditárias, neuropediatria, neuro-oncologia pediátrica,
neuropsicologia, neuroanestesia, e neurocirurgia pediátrica.
O próximo desafio da SBNPed é estabelecer critérios básicos para
a formação de um neurocirurgião pediátrico no Brasil: na França, é
exigido 1 ano de treinamento num centro de neurocirurgia pediátrica;
para a AANS (American Association of Neurological Surgeons/Associação Americana de Cirurgiões Neurológicos), uma série de requisitos precisa ser cumprida para a obtenção do certificado em
neurocirurgia pediátrica, entre eles, também, no mínimo 1 ano de
treinamento em serviço especializado.(12)
A SBNPed e seus membros têm ainda muitos desafios pela frente,
mas também têm otimismo e a certeza de que o objetivo final é de que
todas as crianças com patologias neurocirúrgicas sejam tratadas no
Brasil com o melhor da tecnologia, da qualidade humana e técnica
dos profissionais.
Referências
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
Gusmão SS, de Souza JG. História da neurocirurgia no Brasil. 2ª ed. São
Paulo (SP): Sociedade Brasileira de Neurocirurgia; c2008. 229 p.
Gusmão SS. História da neurocirurgia no Rio de Janeiro. Arq Neuropsiquiatr.
2002;60(2-A):333-337.
Niemeyer P. The transventricular amygdala-hipocampectomy in temporal
lobe epilepsy. In: Baldwin MBP (ed.). Temporal lobe epilepsy. Springfield:
Charles C Thomas, 1958:461-482.
ANVISA. RDC 344 de 13 de Dezembro de 2002. [Internet]. 2014 Jun [acesso
em 15 jun. 2014]. Disponível em: http://anvisa.gov.br/alimentos/farinha.htm
Latin American Course in Pediatric Neurosurgery. [Internet]. 2014 Jun
[acesso em 15 jun. 2014]. Disponível em: http://rca.fmrp.usp.br/eventos/
neuroped/Home.html
Machado HR. História da neurocirurgia pediátrica. In: Oliveira RS,
Machado HR. Neurocirurgia pediátrica: fundamentos e estratégias. Rio de
Janeiro (RJ): DiLivros Editora Ltda.; c2009. 436 p.
Collange NZ. SBNPed – mensagem da presidente. [Internet]. 2014 Jun
[acesso em 15 jun. 2014]. Disponível em: http://sbnped.org/sbnped/
Ciurea AV, Vasilescu G, Nuteanu L. Pediatric neurosurgery – a golden decade.
Child’s Nerv Syst. 1999;15:807-813.
European Society for Pediatric Neurosurgery. [Internet]. 2014 Jun [acesso em
15 jun. 2014]. Disponível em: http://espneurosurgery.org
18
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
10. European Society for Pediatric Neurosurgery. [Internet]. 2014 Jun [acesso em
15 jun. 2014]. Disponível em: http://espneurosurgery.org/affiliated-societies
11. International Society for Pediatric Neurosurgery. The History of the ISPN.
[Internet]. 2014 Jun [acesso em 15 jun. 2014]. Disponível em: http://
ispneurosurgery.org/about-us/the-history-of-the-ISPN
12. American Board of Pediatric Neurological Surgeons. Certification. [Internet].
2014 Jun [acesso em 15 jun. 2014]. Disponível em: http://abpns.org/
certification.html
Hidrocefalia na Infância
Artur Henrique Galvão Bruno da Cunha
Neurocirurgião pediátrico e preceptor da residência médica em
neurocirurgia no Hospital da Restauração, em Recife, PE.
Mestre em neuropsiquiatria pela Universidade Federal de
Pernambuco. Membro titular da Sociedade Brasileira de
Neurocirurgia (SBN), da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia
Pediátrica (SBNPed) e da Sociedade Internacional de
Neurocirurgia Pediátrica (ISPN).
E-mail: [email protected].
*O autor declara não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na elaboração
do presente capítulo.
Introdução
A hidrocefalia é uma patologia que ocorre mais comumente na população infantil, presente na forma congênita em 3 a 4 por 1000 nascidos vivos, resultando do desequilíbrio entre a produção e absorção
do líquido cefalorraquídeo (LCR). Os relatos históricos fazem referência à hidrocefalia já na era hipocrática (468-377 a. C.). A Galeno
foi atribuída à frase “water on the brain”. A relação entre o aumento
anormal das dimensões do crânio e o acúmulo de LCR não esteve
bem esclarecida até Vesalius (século XVI), que descreveu o acúmulo
anormal de líquido dentro dos ventrículos cerebrais.(1, 2) O melhor
conhecimento da anatomia cerebral e ventricular permitiu uma
melhor compreensão da dinâmica do fluxo do LCR e os mecanismos
causadores da hidrocefalia. Os séculos XVIII e XIX trouxeram esclarecimentos importantes sobre a fisiopatologia das hidrocefalias, em
especial àquela causada por obstrução no trajeto do fluxo liquórico.
Morgagni (1761) e outros autores descreveram casos de hidrocefalia
adquiridos pós-meningite, formas congênitas e neoplásicas. Em 1768,
Robert Whytt propôs a diferenciação entre hidrocefalia interna e
externa. No século passado, nomes como Weed, Dandy, Blackfan,
Bering, Davson, Milhorat, Pappenheimer, Cutler e outros trouxeram
20
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
contribuições importantes para o melhor entendimento da hidrocefalia.(1, 2)
Estudos sobre a fisiologia do fluxo liquórico identificaram a existência de uma “via menor”, em que o LCR produzido principalmente
nos plexos coroides seria drenado através do espaço perineural e direcionado ao sistema linfático, e pela via transependimária, perivascular,
com absorção através dos capilares fenestrados periventriculares e
coroideos. Durante a infância, a absorção liquórica progressivamente
vai sendo assumida pelas granulações de Pacchioni, chegando ao sistema circulatório pelos seios venosos cerebrais através da chamada
“via maior”.(3, 4) Os modernos meios diagnósticos por imagens foram
refinando e esclarecendo os conhecimentos clínicos e auxiliando na
formação das bases terapêuticas da hidrocefalia. A tecnologia evoluiu
desde a pneumoencefalografia introduzida em 1918, depois com o
advento da ultrassonografia, a chegada da tomografia computadorizada e, posteriormente, a ressonância nuclear magnética. Esta última
permitindo a reconstrução de imagens dinâmicas do fluxo liquórico,
com análises quantitativas e qualitativas.(1)
A primeira referência histórica de uma derivação ventriculoperitoneal (DVP) é atribuída a Kausch (1908), tendo o paciente falecido
em decorrência de hiperdrenagem. Hartwell (1910) utilizou a implantação temporária de um grosso fio de prata ligando o ventrículo lateral à cavidade peritoneal. A presença do corpo estranho provocava
uma reação fibrótica. Com a retirada do fio, permanecia um tubo
fibrótico que, em alguns casos, funcionava como conduto de derivação
liquórica. Esta drenagem geralmente não funcionava por muito tempo.
Nulsen e Spitz (1952) relataram um caso de sucesso de uma derivação
ventrículo-jugular, com a utilização de um sistema valvular unidirecional usando uma mola e uma esfera de aço inoxidável.(2)
Em 1955, Scott, Wyces, Murtach, Reyes, Jackson e Snodgrass
experimentaram diversos modelos de DVP e lombo-peritoneais (DLP),
com bons resultados em 9 a 39% dos casos.(1) O desenvolvimento de
cateteres de polietileno e posteriormente de silicone (Holter, 1955),
assim como das válvulas unidirecionais, permitiram um melhor desempenho das derivações. Scarff (1963) publicou uma série de duzentos
e trinta pacientes tratados com DVP, considerando bons resultados
em 55%, porém referindo complicações obstrutivas em 58% e uma
mortalidade associada ao procedimento de 13%.(1) Raimondi (1973)
Hidrocefalia na Infância
21
desenvolveu um modelo denominado one piece: um cateter sem conexões com uma válvula em fenda na extremidade distal. Este modelo
tinha como vantagem reduzir ao mínimo a manipulação do cateter e
a sua exposição à contaminação.(2) Contudo, foram frequentes os casos
de hiperdrenagem e slit ventricle syndrome associados a este modelo.
Inúmeros modelos e marcas de válvulas com diferentes tecnologias
estão disponíveis hoje para o tratamento da hidrocefalia. Válvulas mais
modernas permitem ser programadas e reajustadas por dispositivos
magnéticos remotos, com ou sem mecanismos antissifão para evitar
hipo ou hiperdrenagem. Como prevenção às graves complicações
infeciosas, alguns fabricantes oferecem cateteres impregnados com
antibióticos. Porém, toda esta evolução tecnológica ainda não tem sido
capaz de evitar as complicações mecânicas e infeciosas que acompanham os implantes valvulares.
Dandy, em 1922, descreveu a técnica da terceiro-ventriculostomia,
modificada por ele próprio alguns anos depois e utilizada também por
Mixter (1923). A técnica consiste na criação de uma comunicação
entre o terceiro ventrículo e as cisternas basais. O procedimento foi
abandonado devido aos resultados desastrosos. Fukushima (1973)
publicou trabalhos com a utilização de um endoscópico flexível. A
terceiro-ventrículo-cisternostomia endoscópica (TVE) voltou a ser utilizada, sendo popularizada a partir da década de 90, com o advento
de modernos equipamentos de neuroendoscopia. A TVE vem apresentando bons resultados no tratamento de casos selecionados de hidrocefalia, especialmente as chamadas obstrutivas.(3, 5, 6)
Com o conhecimento que o plexo coroide seria o principal responsável pela produção liquórica, Lespinasse (1910) propôs a coagulação desta estrutura e Hildebrand (1923) realizou a ressecção completa
no tratamento de hidrocefalias. Esta técnica popularizada por Dandy
(1918) foi abandonada devido aos maus resultados, porém reintroduzida ao arsenal cirúrgico por Putman (1943) e Scarff (1963), através
de abordagens endoscópicas.(1-3) O desenvolvimento da moderna medicina fetal vem permitindo a abordagem da hidrocefalia e da mielomeningocele entre a 24ª e 32ª semana de gestação. Cavalheiro et al.
(2011) publicaram um interessante artigo, referindo bons resultados
em 75% dos casos, com redução dos casos de dependência de válvulas e de malformação de Chiari II.(4)
22
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Classificação e etiologia
A primeira tentativa de classificação da hidrocefalia distinguia dois
tipos: 1) interna: caracterizada pelo acúmulo de LCR nos ventrículos,
com aumento progressivo da pressão intracraniana; 2) externa: apresentando acúmulo de LCR nos espaços subdural e subaracnóideo,
acompanhado de um córtex mais fino, um espaço subaracnóideo alargado e o volume ventricular variando de normal a dilatado.(1) Outra
classificação divide a hidrocefalia em comunicantes e não comunicantes ou obstrutivas. Na primeira, a falha estaria na reabsorção liquórica
nas cisternas basais, espaço subaracnóideo e granulações aracnoides.
Na segunda, ocorreria uma obstrução ao fluxo liquórico dentro do
sistema ventricular. Raimondi acrescentou um terceiro grupo: o constritivo, explicando a hidrocefalia na má formação de Arnold-Chiari,
com a constrição do tronco encefálico e da metade inferior do cerebelo dentro do forame Magno, com consequente obliteração das cisternas Magnas, medular, pontina e ambiens.(1)
Russel (1949) propôs a seguinte classificação etiológica:
Obstrutivas: bloqueio ventricular (interno e não comunicante):
1. anomalias congênitas (estenose de aqueduto, Dandy-Walker, malformações da veia de Galeno); 2. bloqueio pós-inflamatório (ventriculites); 3. bloqueio pós-hemorrágico (hemorragia intraventricular);
4. tumores ventriculares e da fossa posterior.
Bloqueio cisternal (externo e comunicante): 1. anomalias congênitas (cistos aracnoides); 2. bloqueio pós-inflamatório (meningite
basal); 3. bloqueio pós-hemorrágico (hemorragia subaracnóidea);
4. trombose venosa (trombose de seios venosos); 5. tumores difusos
(meningite carcinomatosa).
Não obstrutivas: atrofias cerebrais (hidrocefalia “ex-vácuo”).
Funcional: 1. hipersecretórias (papiloma de plexo coroide); 2. absorção insuficiente (aplasia congênita das granulações aracnoides).(1, 2)
Raimondi classificou a hidrocefalia considerando o aumento anormal do volume de LCR intracraniano, independente da pressão hidrostática ou barométrica:
Intraparenquimatosa:
a. Intracelular. b. Extracelular.
Hidrocefalia na Infância
23
Extraparenquimatosa:
a. subaracnóidea (transitória, estado inicial de hidrocefalia comunicante, transformação de cisto aracnoide regional ou localizado);
b. cisternal (cisto da cisterna Magna, cisto da cisterna basal ou sagital,
cisto da fissura Silviana com ou sem displasia parenquimatosa); c. intraventricular (monoventricular, biventricular, triventricular e tetraventricular).(2)
McCullough (1989) citou uma classificação etiológica ainda bastante utilizada nos estudos e publicações nos últimos anos: I. hidrocefalias congênitas: associadas à espinha bífida, não associadas à espinha
bífida e associadas a tumores; II. hidrocefalias adquiridas: pós-hemorrágicas, pós-meningite, hidrocefalia de manifestação tardia (late onset)
e hidrocefalias associadas a tumores.(1)
Considerando a hidrocefalia um complexo patofisiológico envolvendo diversos mecanismos, Oi (2011) propôs uma ampla classificação baseada em três aspectos: o paciente, o LCR e o tratamento
(Multi-categorical Hydrocephalus Classification). A classificação apresenta
dez categorias com cinquenta e quatro subtipos: I. início: 1. congênito, 2. adquirida, 3. fetal, 4. neonatal, 5. infantil, 6. criança e
7. adulto; II. causas: 1. primária, 2. secundária e 3. idiopática;
III. lesões subjacentes: 1. disgenesia, 2. pós-hemorragia, 3. pósmeningite, 4. pós-traumática, 5. lesão expansiva e 6. outras; IV. sintomatologia: 1. macrocefalia, 2. normocefalia, 3. microcefalia,
4. oculta, 5. sintomática, 6. evidente, 7. comatoso, 8. estupor,
9. demência, 10. retardo mental, 11. sindrômico, 12. hidrocefaliaparkinsonismo e 13. outros; V. patofisiologia – dinâmica liquórica: 1. comunicante, 2. não comunicante, 3. obstrutiva, 4. não
obstrutiva, 5. externa, 6. interna, 7. localizada, 8. intersticial e 9. compartimento isolado; VI. patofisiologia – dinâmica da pressão
intracraniana: 1. alta pressão e 2. pressão normal; VII. cronologia: 1. aguda, 2. crônica, 3. longa evolução, 4. progressiva e 5. compensada; VIII. pós-derivação: 1. dependente de derivação,
2. independente de derivação, 3. síndrome de ventrículo em fenda e
4. hematoma subdural pós-derivação; IX. pós-ventriculostomia
endoscópica: 1. TVE dependente e 2. TVE independente; e X. outros, ou combinações de vários subtipos.(3)
24
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Quadro clínico
Os sinais e sintomas da hidrocefalia variam de acordo com a faixa
etária do paciente, a causa primária ou doença de base, a presença de
outras malformações ou lesões cerebrais associadas, dimensão da obstrução ao trânsito liquórico e nível da pressão intracraniana. No
recém-nascido, a irritabilidade, letargia, vômitos e um crescimento
anormalmente rápido da calota craniana são os achados mais comuns.
A aferição periódica do perímetro cefálico é muito importante na suspeita de hidrocefalia, lembrando que estudos radiológicos têm mostrado
que existem casos que a dilatação ventricular anormal e aumento da
pressão intracraniana podem preceder a macrocrania.
No lactente e até o final do 2º ano de vida, uma cuidadosa observação do paciente pode levantar fortes suspeitas de hidrocefalia descompensada. Uma desproporção craniofacial, abaulamento da
fontanela independente da posição do paciente, congestão venosa
superficial no couro cabeludo e face, sinal do sol poente e estrabismo
convergente são achados bastante indicativos. A fontanela anterior,
enquanto aberta, deve ser periodicamente examinada, registando-se
o tamanho, a forma e a tensão, esta última nas posições sentada, deitada e de pé. Uma fontanela anterior ampla, tensa e abaulada, na
posição sentada ou de pé, em um paciente tranquilo, levanta uma forte
suspeita de hipertensão intracraniana. Ainda observando a cabeça do
paciente, podem ser encontrados afastamento das suturas cranianas,
o sinal do “pote rachado”, hipertonia e diminuição da mobilidade dos
membros inferiores. O peso anormal da cabeça, hipotonia cervical e
o atraso neuropsicomotor podem interferir no controle da posição da
cabeça, assim como no desenvolvimento da marcha. A associação de
lesões expansivas ou deformidades na fossa posterior podem manifestar-se através de distúrbios respiratórios e bradicardias.
A partir do 2º e 3º anos de vida, já é possível identificar mais claramente a hidrocefalia nas formas aguda e crônica. A forma aguda
tem uma evolução rápida e progressiva, com a presença de cefaleia,
vômitos, sintomas oculomotores, deterioração do nível de consciência,
convulsões e edema de papila. A forma crônica caracteriza-se por
cefaleias ocasionais, que lenta e progressivamente vão se tornando
mais frequentes, vômitos matinais, progressiva deterioração da marcha, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e alterações com-
Hidrocefalia na Infância
25
portamentais. O edema de papila pode estar presente, porém a
ausência deste achado não afasta um estado de hipertensão intracraniana crônica. Alguns pacientes apresentam progressivo comprometimento da acuidade visual, podendo evoluir para cegueira irreversível.
A presença de sequelas neurológicas varia de acordo com a faixa etária e velocidade de instalação da hidrocefalia, da perda de tecido neuronal, das lesões associadas e da oportunidade e complicações do
tratamento. Os casos mais graves podem evoluir para importante comprometimento neuropsicomotor, com completa dependência para as
atividades de vida diária.
Tratamento
A hidrocefalia pode ser tratada de forma transitória ou definitiva,
através de condutas invasivas e não invasivas. Nas condutas transitórias não invasivas são utilizadas drogas com a finalidade de inibir a
produção liquórica, diminuir o conteúdo de água do cérebro ou estimular a absorção. A acetazolamida e a furosemida podem reduzir a
produção liquórica em 50 a 60%, como redutoras da anidrase carbônica. As doses preconizadas para a acetazolamida são entre 50 a
150 mg/kg/dia e para a furosemida é de 1 mg/kg/dia. Além do limitado efeito sobre o controle da hidrocefalia e da hipertensão intracraniana, foram observados efeitos colaterais como acidose metabólica,
desmielinização e nefrocalcinose. Os diuréticos osmóticos, como o
Isossorbide, Manitol, Urea e Glicerol atuam diminuindo o conteúdo
de água do cérebro. Podem ser utilizados como medida provisória nas
hidrocefalias comunicantes, porém são ineficientes nos hidrocéfalos
volumosos pela diminuição parenquimal. Entre os efeitos colaterais
mais importantes observou-se o chamado efeito rebote, hipernatremia
e desidratação. Os corticoides como a dexametasona e a metilprednisolona têm sido indicados para estimular a absorção do LCR, diminuindo a resposta inflamatória. A heparina e a hialuronidase tem sido
utilizada para desobstrução das granulações aracnoides.(1, 2)
Punções lombares seriadas têm sido utilizadas para o tratamento
de hidrocefalias pós-hemorrágicas intraventriculares e nas chamadas
hidrocefalias de pressão normal. O objetivo é o alívio da PIC, redução
da proteína e sangue no LCR e prevenção da formação de fibrina. As
26
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
complicações mais frequentes são meningite, osteomielite e hipernatremia.(1, 2) As punções ventriculares através da fontanela anterior
podem ser muito úteis em situações de emergência para alívio da
hipertensão intracraniana. O uso frequente desta via, além do risco
de complicações infecciosas, tem sido associado à formação de cavidades porencefálicas e epilepsia. Uma alternativa seria a realização
de uma ventriculostomia, com o implante de um cateter ventricular
acoplado a um reservatório subcutâneo com uma câmara para punções repetidas.(1, 2) O cateter ventricular pode também ser acoplado a
um reservatório externo, a chamada drenagem ventricular externa
(DVE). Este procedimento é indicado nas hemorragias intraventriculares, nas hidrocefalias infecciosas, na monitorização da PIC e na
impossibilidade provisória de uma derivação permanente. Infecções,
hematomas intracranianos, crises convulsivas e deslocamento do cateter são as complicações mais frequentes.(2)
O tratamento definitivo da hidrocefalia pode ser através da remoção de processos obstrutivos (neoplásicos, granulomatosos, etc.), do
implante de derivações extracranianas, como a DVP ou ventrículoatriais (DVA), ou através de derivações internas com o uso da neuroendoscopia.(5, 6) A técnica derivativa mais utilizada é a DVP. O LCR,
através de um sistema com válvula unidirecional é desviado para absorção na cavidade peritoneal. A segunda alternativa é a DVA, com o
implante do cateter distal no átrio cardíaco direito. A DVA é uma técnica mais complexa que a DVP, com menor incidência de complicações, porém de maior gravidade, como trombose venosa, endocardite,
septicemia, tromboembolismo, nefrite e convulsões. A DLP, com a
utilização de sistemas valvulares específicos, tem indicação em alguns
casos de hidrocefalia comunicante e no tratamento de pseudotumor cerebri. Escoliose, aracnoidite, radiculopatias e Chiari I sintomático são
algumas das complicações relacionadas à DLP. A pleura, a vesícula
biliar e o seio sagital superior têm sido também utilizados nas derivações liquóricas.(1, 2, 5)
Na TVE, através de uma trepanação frontal parassagital, se introduz um neuroendoscópio guiado por vídeo, e se realiza uma abertura
no assoalho do terceiro ventrículo. A derivação interna através da TVE
exige o espaço subaracnóideo patente à absorção liquórica. O problema é que não existe nenhum teste eficaz para avaliar esta patência,
e mesmo em pacientes rigorosamente selecionados o percentual de
Hidrocefalia na Infância
27
sucesso não vai além de 80%. O insucesso está mais presente nas
hidrocefalias associadas à hemorragia intraventricular, infecções e a
pacientes com idade inferior a 6 meses.(5)
Conclusões
Apesar dos avanços no diagnóstico e tratamento, a hidrocefalia na
infância permanece sendo um grande desafio para a neurocirurgia
pediátrica. Para a sociedade em geral, o desafio é o alto custo a médio
e longo prazo da patologia e complicações do tratamento.
Referências
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Neuroendoscopia
Alexandre Varella Giannetti
Neurocirurgião. Pós-Doutor pela Columbia University e Weill
Cornel Medical College (EUA). Doutor em Medicina pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor
Adjunto da UFMG.
*O autor declara não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na elaboração
do presente capítulo.
Introdução
Com o desenvolvimento dos sistemas de óticas e câmeras nos últimos
30 anos, o endoscópio foi agregado ao arsenal de técnicas em neurocirurgia. A neuroendoscopia pode ser classificada em: 1) neuroendoscopia pura: quando todo o procediemento é feito sob visão do
endoscópio e os instrumentos passam por dentro de canais de trabalho
acoplados à camisa ou trocáter que também contém a ótica; 2) microcirurgia controlada pela endoscopia: em que o endoscópio serve como
instrumento de magnificação e iluminação substituindo o microscópio,
mas os instrumentos cirúrgicos são os mesmos da microcirurgia convencional e penetram o campo paralelamente ao endoscópio; 3) microcirurgia assistida pela endoscopia: em que todo o procedimento é
realizado como na microcirurgia convencional e o endoscópio serve
de auxiliar para visualizar porções do campo operatório as quais o
microscópio não permite acesso.(1)
Este artigo se restringe à técnica de neuroendoscopia pura, a qual
requer uma cavidade e um meio translúcido. Portanto, condições patológicas que envolvam o sistema liquórico (hidrocefalias e os cistos aracnoideos) são ideais para o uso de tal técnica. Uma vez que estas
doenças predominam na criança e adolescente, a neuroendoscopia
torna-se importante na neurocirurgia pediátrica.
30
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Terceiro-ventriculostomia endoscópica (TVE)
A TVE é o procedimento neuroendoscópico mais frequentemente
realizado. Ela se baseia na abertura do assoalho do terceiro ventrículo,
permitindo a saída do líquor do sistema ventricular ao espaço subaracnóideo. Sua indicação está reservada para o alívio da hidrocefalia
relacionada a mecanismo obstrutivo localizado em qualquer ponto
desde a porção posterior do terceiro ventrículo até as aberturas do
quarto ventrículo. Além disto, são condições necessárias: a patência
do espaço subaracnóideo e preservação da absorção liquórica no nível
das granulações aracnóideas. Se por um lado os exames de imagem,
em especial a ressonância magnética, permitem a identificação precisa
de algum mecanismo obstrutivo nos locais acima relacionados, por
outro, ainda não há método complementar que avalie com precisão
a circulação cisternal e absorção liquóricas. Portanto, se em associação
ao mecanismo obstrutivo intraventricular houver alguma condição
patológica interferindo com a circulação liquórica no espaço subarancoideo ou da absorção do líquor, então esta poderia impedir o bom
resultado da TVE.
A técnica da TVE consiste na introdução do endoscópio através de
trepanação frontal paramediana, em geral direita, logo à frente da sutura
coronal. Penetrando o ventrículo lateral, direciona-se ao terceiro ventrículo passando pelo forame de Monro. Logo em seguida identificam-se
as estruturas do assoalho do terceiro ventrículo, assim dispostos no sentido anteroposterior: quiasma óptico, tuber cinéreo com o recesso infindibular de coloração alaranjada e os corpos mamilares. A perfuração
no tuber cinéreo é feita a meia distância entre o infundíbulo e os corpos
mamilares. Tal fenestração pode ser feita com monopolar ou bipolar,
mas sem acionamento do pedal, para evitar cauterização e lesão do topo
da artéria basilar subjacente. Em seguida o estoma é alargado com uso
de cateter balão. Ao final pode-se descer com o endoscópio até o interior da cisterna pré-pontina no sentido de alargar o estoma e observar
se o espaço subaracnóideo é patente. Detalhes técnicos podem variar
entre os autores, como o uso de cateter específico do tipo duplo balão
em forma de oito ou o simples Fogart 3F ou o uso de pinça de preensão
para perfuração e alargamento do orifício.(2)
A taxa de sucesso da TVE depende da etiologia da hidrocefalia.
Os melhores índices são observados em hidrocefalia secundária à este-
Neuroendoscopia
31
nose de aqueduto, tumores na porção posterior do terceiro ventrículo
ou da fossa posterior. Spennato et al. fizeram uma revisão da literatura
e observaram taxa média de sucesso de 68% em pacientes portadores
de estenose de aqueduto. Entretanto, as séries não eram específicas da
faixa pediátrica.(2)
Sainte-Rose fez um estudo comparativo entre a realização da TVE
em crianças portadoras de tumores da fossa posterior. Quando o procedimento endoscópico foi realizado antes da abordagem do tumor, a
chance do desenvolvimento de hidrocefalia em longo prazo foi de 6,6%.
Por outro lado, nos casos em que foi feita drenagem ventricular externa
ou a simples ressecção do tumor tentando restabelecer a circulação liquórica, o índice de hidrocefalia que necessitou tratamento posterior foi de
26,8%. Embora não tenha sido trabalho prospectivo e randomizado, o
autor concluiu que a TVE era superior a qualquer outra abordagem no
manejo da hidrocefalia secundária aos tumores da fossa posterior.(3)
O’Brien e colaboradores analisaram cento e setenta casos de TVE
primárias, isto é, como primeiro tratamento de hidrocefalia de diversas etiologias. Os autores obtiveram índice de sucesso em torno de
70%. Contudo, quando analisaram os pacientes com hidrocefalia
secundária a hemorragia intraventricular ou meningite, a taxa foi de
apenas 27% e 0% respectivamente, corroborando mais uma vez a
importância da etiologia obstrutiva. Estes autores analisaram também
sessenta e três casos em que a TVE foi realizada na presença de disfunção (mecânica ou infecciosa) de sistema de derivação ventrículoperitoneal (DVP). A taxa de sucesso foi de 78%, demonstrando que
apesar do sistema valvular e possível menor circulação de líquor no
espaço subaracnóideo previamente, isto não seria empecilho para o
funcionamento da TVE.(4)
Se por um lado a etiologia é bem definida como fator de prognóstico para o sucesso da TVE, a literatura médica ainda apresenta dúvidas quanto ao papel da idade da criança. Inicialmente alguns autores
mencionaram que idade inferior a 2 anos seria fator de pior prognóstico. Posteriormente surgiram trabalhos advogando evitar o procedimento em crianças com menos de 1 ano de vida, e mais recentemente,
alguns pensam que a idade limite seria de 6 meses. Koch-Wiewrodt e
Wagner publicaram uma série de vinte e oito crianças submetidas a
TVE antes de 1 ano de vida. Ao compararem a média de idade daquelas que tiveram sucesso com aquelas cujo procedimento falhou, não
32
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
houve diferença estatística. Contudo, ao analisarem a chance de falha
mês a mês, notaram uma tendência de crescimento da taxa de sucesso
após 2 a 4 meses de vida. Tal observação foi notada também quando
separaram os doentes com estenose de aqueduto e ao fazerem uma
coletânea dos casos encontrados na literatura da época.(5) Outras
pequenas séries são a favor da TVE em qualquer idade.(6, 7)
Septostomia endoscópica
A septostomia endoscópica consiste na abertura do septo pelúcido,
permitindo a comunicação entre os dois ventrículos laterais. Sua principal indicação está relacionada à dilatação assimétrica de um dos
ventrículos laterais. Esta condição pode ser observada em duas ocasiões: 1) existe a obstrução (qualquer que seja a etiologia: inflamatória,
cicatricial, congênita ou tumoral) do forame de Monro com dilatação
do ventrículo lateral correspondente; 2) um paciente é portador de
DVP e ocorre a obstrução do forame de Monro do ventrículo lateral
no qual o cateter ventricular está inserido. A consequência é o isolamento deste ventrículo, e o dispositivo drena apenas esta cavidade que
se torna pequena. As demais cavidades ventriculares voltariam a dilatar, em especial, o ventrículo contralateral. Na primeira situação, ao
se comunicar o ventrículo lateral com o oposto, o líquor iria escoar
pelo forame de Monro contralateral. Na segunda situação, o cateter
ventricular passaria a drenar todos os ventrículos novamente. A septostomia é mais simples e menos arriscada que a foraminoplastia do
Monro, pois neste caso haveria o risco de lesão do fórnix na tentativa
de desobstrução do forame. Além disto, existiria o risco potencial de
restenose. Finalmente, a septostomia pode ser indicada naquele caso
em que há obstrução dos dois forames de Monro e necessidade de
tratamento da hidrocefalia com sistema de DVP. Na intenção de evitar a inserção de dois sistemas, a septostomia pode ser indicada.
A técnica consiste em entrar no ventrículo lateral e por meio de
monopolar ou bipolar fazer uma ampla abertura no septo pelúcido.
Embora seja dito que deva ser de 1 cm de diâmetro, não existe trabalho comparando as dimensões de diferentes aberturas e seu potencial
risco de fechamento. Uma vez que o septo pelúcido encontra-se deslocado para o lado do menor ventrículo, ao se penetrar pela trepana-
Neuroendoscopia
33
ção tradicional de 2 cm além da linha mediana, o ângulo de visão não
será adequado e a fenestração tecnicamente mais difícil. Para contornar tal dificuldade, há algumas propostas na literatura: 1) Colocar o
orifício de trépano mais lateralmente (cerca de 4 a 7 cm ou de preferência usando o neuronavegador). Esta tem a vantagem de se trabalhar
na maior cavidade, contudo existe o risco de ao se perfurar o septo,
ocasionar lesão no núcleo caudado ou do tálamo contralateral. Em
observação pessoal, tenho notado que se a obstrução é no forame de
Monro do lado dilatado, ao se drenar parte do líquor pelo endoscópio
o septo tende a retornar para a linha mediana e distanciar da parede
do ventrículo contralateral e assim existe menor risco de lesão desta
parede. Por outro lado, quando se trata de ventrículo contendo o cateter de DVP do lado oposto, a retirada do líquor não é acompanhada
de deslocamento do septo. 2) Penetrar na distância habitual da linha
mediana, mas do lado do menor ventrículo. Os autores que advogam
tal abordagem acreditam que haveria menor dificuldade de perfurar
o septo, e ao mesmo tempo menor chance de lesão da parede do ventrículo contralateral.(8) Contudo, apesar desta vantagem teórica, acredito que a entrada em cavidade de pequenas dimensões é sempre mais
difícil e desvantajosa para navegação, mesmo com o auxílio do neuronavegador. 3) Abordar através de orifício parieto-occipital do lado
do ventrículo dilatado. Ao seguir o corpo do ventrículo atinge-se a
porção mais anterior e ampla do septo, em ângulo mais perpendicular
com o septo do que na abordagem frontal parassagital.(9)
Aquedutoplastia
A aquedutoplastia endoscópica consiste na abertura do aqueduto cerebral que se encontra estenótico, seja congenitamente, após algum processo inflamatório ou por compressão tumoral. Em tal situação
desenvolve-se dilatação triventricular. Se por um lado a abertura do
aqueduto seria a via mais fisiológica por restabelecer o trajeto natural
da circulação liquórica, a experiência demonstrou que tanto a chance
de reestenose ou risco de lesão dos núcleos oculomotores na parede
do aqueduto seriam maiores que os riscos de realização da TVE. Por
esta razão, esta técnica foi abandonada quando diante do quadro
acima mencionado.(10)
34
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Por outro lado, existe o caso do quarto ventrículo isolado, no qual
há a estenose do aqueduto e obstrução das saídas do quarto ventrículo
com consequente dilatação do mesmo. Nesta situação, a aquedutoplastia passa a ser técnica importante na tentativa de evitar um sistema
de DVP com cateter no interior do quarto ventrículo. A técnica consiste na abordagem suboccipital, o mais baixo possível, ligeiramente
paramediana (para evitar o seio occipital) transcerebelar ou mais raramente pela cisterna magna e abertura do forame de Magendie. Dentro do quarto ventrículo segue-se cranialmente até visualização da
obstrução aquedutal. Por meio de monopolar usado apenas como
instrumento rígido, perfura-se a estenose. A dilatação pode ser feita
com balão, mas há o risco de lesar os núcleos oculomotores. A experiência dos diversos autores mostrou que apenas a abertura pode ser
seguida de importante chance de reestenose. Desta maneira, advogase o uso de um stent que consiste na introdução de um cateter ventricular, mantendo a comunicação entre o quarto e o terceiro ventrículos.
Este cateter é fixado e obstruído na porção distal, junto à musculatura
cervical.(10)
Tratamento endoscópico da
hidrocefalia multisseptada
A hidrocefalia multisseptada é uma condição associada, na maioria
das vezes, a quadro infeccioso ventricular precedido ou não de hemorragia ventricular, sendo mais comum, mas não exclusivo, no primeiro
ano de vida. Em tal condição, formam-se septações no interior do sistema ventricular e/ou obstrução das vias naturais como os forames
de Monro, aqueduto e aberturas do quarto ventrículo. Aracnoidite
e/ou obstrução ao nível das granulações aracnóideas podem estar
associadas. Portanto, devido ao comprometimento na circulação liquórica subaracnóidea e da absorção, a grande maioria dos pacientes
necessitará de um sistema de DVP. Uma vez que os ventrículos encontravam-se compartimentalizados, na era pré-endoscópica, a solução
era a inserção de sistemas bilaterais com ou sem conectores em Y entre
os cateteres ventriculares e o componente distal da DVP. Tudo isto
aumentava a incidência de complicações mecânicas e infecciosas. A endoscopia nestes casos tem o objetivo de abrir os diversos septos (podendo
Neuroendoscopia
35
se associar a aquedutoplastia e septostomia acima mencionadas). Uma
vez que todas as cavidades estejam se comunicando, um único sistema
de DVP será suficiente para a drenagem liquórica.
Um paciente com este quadro pode se apresentar já com um sistema de DVP ou não. No primeiro caso, a cirurgia se restringe à comunicação das cavidades. No segundo, o procedimento cirúrgico
inicia-se como na inserção de uma DVP convencional. No final da
cirurgia quando se faria a punção ventricular seguida de conexão com
a válvula, interrompe-se este tempo cirúrgico, passando-se ao neuroendoscópio. Finalizada a abertura dos septos, a introdução do cateter
ventricular é feita paralela ao trocáter do endoscópio e sua extremidade é colocada sob visão endoscópica no local considerado mais
apropriado. Orifícios extranumerários podem ser feitos ao longo do
cateter que passa em geral por mais de uma cavidade. Tecnicamente,
a abertura dos septos é semelhante à da septostomia do septo pelúcido.
Com o monopolar ou bipolar, cauteriza-se a parede do septo e realiza-se a sua perfuração. Passando-se com o endoscópio na cavidade
seguinte e por meio de seu movimento de báscula para explorar a
referida cavidade, o trocáter amplia a abertura septal. Acredita-se que
quanto mais largas e maiores os números de aberturas, menor a chance
de fechamento das mesmas.(9)
Tratamento endoscópico dos cistos aracnoideos
Cistos aracnoideos são formações congênitas relacionadas a um defeito
na aracnoide em que o líquor fica aprisionado, podendo aumentar
com o tempo, chegando a exercer efeito de massa e/ou prejudicar a
circulação liquórica ventricular. Classicamente, eles foram sempre
tratados com sistemas de derivações para o peritônio, apresentando,
contudo, algumas desvantagens como dificuldade técnica de inserção
do cateter proximal e/ou as complicações mecânicas e infecciosas
como em qualquer dispositivo de DVP. Outra opção terapêutica é a
microcirurgia ou marsupialização do cisto, mas que tem o inconveniente de ser um procedimento de maior porte. O tratamento neuroendoscópico consiste em: 1) abrir a parede do cisto comunicando-o a
uma cisterna (cisto-cisternostomia) ou cavidade ventricular (cisto-ventriculostomia); 2) restabelecer a circulação liquórica de possível hidro-
36
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
cefalia associada. A abertura das paredes do cisto pode ser feita com
monopolar ou bipolar, sem acionamento do pedal e corrente elétrica,
seguida de dilatação com cateter balão. Microtesouras e pinças de
preensão também podem ser usadas para perfuração da membrana
e posterior alargamento da fenestração.
O cisto de fossa média é descrito como o mais frequente, sendo a
maioria assintomática e com história natural benigna. Quando o tratamento é indicado, a técnica endoscópica consiste em trepanação
temporal, entrada no cisto e realização de aberturas na sua parede
medial, entre a borda livre do tentório e o nervo oculomotor, entre
este último e a artéria carótida interna e entre esta e o nervo óptico.
Séries mais recentes na literatura apresentam taxas de sucesso em
torno de 87,5% a 90% na redução dos sintomas e 50% a 71,9% de
redução do volume do cisto.(11, 12)
Cisto aracnóideo suprasselar apresenta-se quase sempre associado
à hidrocefalia. O tratamento consiste na entrada por trepanação frontal paramediana, logo à frente da sutura coronal. Uma vez dentro do
ventrículo lateral, nota-se o topo do cisto ocupando o forame de Monro
que está dilatado. Faz-se a perfuração do cisto (ventrículo-cistostomia)
e uma vez dentro da cavidade do cisto, dirige-se até sua base por trás
do dorso selar, onde são feitas fenestrações ao lado da artéria basilar
(cisto-cisternosotomia). Dados da literatura mostram que quando se
realizam ambas as aberturas superior e inferior (ventrículo-cisto-cisternostomia), a taxa de sucesso é maior (ventrículo-cisto-cisternostomia
[92%] x ventrículo-cistostomia [84%]).(13)
O cisto aracnóideo supracerebelar também está associado à hidrocefalia por compressão do aqueduto na grande maioria das vezes em
que é sintomático. A técnica endoscópica consiste na TVE convencional para tratar a hidrocefalia, seguida de comunicação do sistema
ventricular com o cisto (ventrículo-cistostomia), seja na topografia do
átrio do ventrículo lateral, seja na região posterior do terceiro ventrículo. Se por um lado a redução do cisto poderia ser acompanhada de
desobstrução do aqueduto com consequente tratamento da hidrocefalia, opta-se pela TVE simultânea por ser esta mais garantida. A taxa
de sucesso no tratamento deste tipo de cisto é em torno de 72,2%.(14)
Os cistos inter-hemisféricos são os menos frequentes, e são abordados por trepanação frontal ou parietal, dependendo do local onde
ele mais se aproxima da calvária. Frequentemente apresentam septos
Neuroendoscopia
37
no seu interior, os quais devem ser abertos. Finalmente, na porção
mais inferior da parede, são feitas fenestrações e comunicações com
o ventrículo lateral (seja no corno anterior, seja no átrio) ou com o
terceiro ventrículo e/ou ainda com uma cisterna.(15)
Biópsia endoscópica
Lesões intraventriculares ou paraventriculares aflorando na parede da
cavidade apresentam uma grande lista de diagnósticos diferenciais, os
quais podem ser tratados conservadoramente ou por meio de ressecção
cirúrgica. Desta maneira, estabelecer o diagnóstico é fundamental.
Fazer a biópsia por meio de craniotomia pode ser desvantajoso, pois
envolve uma cirurgia de grande porte e com algum risco em uma
patologia que às vezes é de manejo clínico. Por causa disto, a biópsia
estereotáxica surgiu como um método eficaz de estabelecimento do
diagnóstico e com baixo risco. A biópsia endoscópica apresenta os
mesmos benefícios da técnica estereotáxica, além da vantagem de
poder tratar a hidrocefalia (em geral com TVE), que em geral se associa a estas patologias. Ademais, a biópsia estereotáxica em lesões junto
à parede ventricular associa-se a leve aumento do risco de sangramento. Já na técnica endoscópica, se o sangramento ocorrer, poderá
ser mais facilmente detectado e contornado.
A biópsia é realizada com o uso de pinça própria, que passa por
dentro do canal de trabalho do trocáter. São retirados tantos fragmentos quanto se julgar necessário, sendo importante retirar espécimes da
superfície e da profundidade da lesão. Havendo sangramento, este
pode ser contornado com irrigação de soro fisiológico ou com o bipolar ou monopolar. Os resultados de positividade da biópsia endoscópica variam de 82,8% a 94,7%. A taxa de complicações está em torno
de 3,4% a 6,0% e mortalidade de 0 a 3,4%.(16-18)
Ressecção tumoral endoscópica
A partir do crescimento progressivo das técnicas endoscópicas, surgiu
o interesse em ressecar lesões intraventriculares por meio deste método
menos invasivo. Embora não sejam condições absolutas para que o
procedimento tenha êxito, o ideal é que a lesão: 1) seja pouco vascu-
38
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
larizada, 2) tenha consistência amolecida, 3) tenha até 2 cm de diâmetro e 4) exista dilatação ventricular. O cisto coloide do terceiro
ventrículo é uma das lesões que se enquadram perfeitamente nestas
condições. Vários autores publicaram excelentes resultados com menor
morbidade utilizando esta técnica, embora, em longo prazo, o índice
de recorrência pareça ser maior que na microcirurgia.(19, 20) O paralelismo dos instrumentos dificultando seu manuseio, o baixo diâmetro
dos mesmos e o sangramento que turva o meio e dificulta a visualização requerendo a lavagem frequente ainda deixam a técnica de ressecção endoscópica muito limitada. Atualmente já existe um modelo
de endoscópio que permite o uso de um aspirador ultrassônico no seu
interior, aumentando a eficiência da ressecção.(21) Acredita-se que o
desenvolvimento de novos instrumentos poderá aumentar o potencial
desta técnica na ressecção de lesões intra e paraventriculares.
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Disrafismos Cranianos
e Espinhais
José Francisco Manganelli Salomão
Marcelo Pousa
Antônio Rosa Bellas
Setor de Neurocirurgia Pediátrica. Departamento de Cirurgia
Pediátrica.
Instituto Nacional de Saúde da Mulher, Criança e do Adolescente
Fernandes Figueira. Fundação Oswaldo Cruz (IFF/Fiocruz), Rio de
Janeiro, RJ.
E-mail: [email protected].
*Os autores declaram não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na
elaboração do presente capítulo.
Introdução
O termo disrafismo deriva dos vocábulos gregos dys + rhapheˉ, que significam fusão incompleta ou fechamento defeituoso da região dorsal
mediana do embrião. Esses defeitos comprometem o ectoderma cutâneo, ectoderma neural, mesoderma e por vezes o endoderma, resultando
em inúmeras malformações congênitas, que variam em grau de severidade. As malformações congênitas que acometem a coluna vertebral
são, de maneira geral, referidas como espinha bífida, enquanto que as
cranianas, que incluem a anencefalia, suas variações e algumas formas
mais raras, são chamadas crânio bífido. A maioria dos defeitos espinais
tem como resultado o ancoramento medular, definido como a fixação
da medula espinal a estruturas rígidas que impedem sua ascensão fisiológica. O estiramento da medula decorrente do ancoramento provoca
disfunção medular atribuída a comprometimento dos mecanismos de
oxidação e redução, que se processam nos citocromos a, a3, conforme
demonstrado por Yamada.(1) O acometimento do sistema nervoso, perceptível ou não por ocasião do nascimento, pode evoluir progressivamente ao longo de meses ou anos e tornar-se irreversível.
42
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Embriologia
A organização do tubo neural dos vertebrados compreende três estágios embrionários: a gastrulação, a neurulação primária e a neurulação secundária. A gastrulação é a formação do embrião trilaminar,
ou gástrula e, nesta fase, desenvolvem-se o mesoderma e a notocorda,
indutora de todo o processo de neurulação. Segue-se a neurulação
primária, durante a qual ocorre uma série de flexões e dobras da placa
neural, cujos bordos se apõem e se fundem na linha média dorsal para
formar o tubo neural primário. A configuração dorsoventral do tubo
neural é mediada por sinais emanados do notocorda e que incluem,
dentre outras, a proteína Sonic Hedgehog (Shh) e sua antagonista
Wnt.(2)
De acordo com a teoria tradicional, o fechamento do tubo neural
iniciaria no nível da vesícula rombencefálica, progredindo como um
zíper em sentidos rostral e caudal. As extremidades do tubo neural,
chamadas neuroporos, seriam as últimas a fechar e aí se desenvolveriam os defeitos do fechamento do tubo neural (DTN). Este modelo
tem sido contestado, e diversas ondas de oclusão, com múltiplos neuroporos, têm sido propostas, o que explicaria a existência de malformações múltiplas e defeitos distantes dos neuroporos classicamente
descritos.(3)
A neurulação secundária segue-se ao fechamento do tubo neural,
com células mesenquimais indiferenciadas se desenvolvendo caudais
ao neuroporo posterior, quando o embrião já está totalmente recoberto
por epiderme. A massa celular caudal, também conhecida como eminência caudal, une-se ao tubo neural primário no nível da segunda
vértebra sacra do embrião. Essa massa sólida sofre inúmeras cavitações que coalescem e formam o chamado ventrículo terminal, que
involui no 52º dia pós-ovulação. Os seus resquícios originarão o cone
medular e o filamento terminal, em um processo chamado de regressão caudal ou degeneração retrogressiva.
O espectro dos DTN é muito amplo e entre as formas mais graves
estão as lesões abertas do neuroporo rostral, como a anencefalia. Dentre as menos agressivas estão alguns dos chamados disrafismos espinhais ocultos.
Disrafismos Cranianos e Espinhais
43
Classificação
Os disrafismos podem ser divididos em cranianos e espinhais, podendo
eventualmente acometer ambos os compartimentos, como na cranioraquisquise. Estes podem também ser classificados em abertos ou fechados (ocultos), dependendo da exposição ou não de tecido neural. Podem
ainda ser agrupados de acordo com a fase do desenvolvimento embrionário, em defeitos da gastrulação, da neurulação primária e da neurulação secundária.
Incidência e epidemiologia
Os disrafismos cranianos e espinais variam de 0,2 a 10 ocorrências
por 1000 nascidos vivos, dependendo da região onde foi obtida a
amostra.(4) Dentre todos, a anencefalia e a mielomeningocele são as
mais comuns, correspondendo a 40% e 50% de todos os casos, respectivamente.(5) O risco de recidiva do defeito é de 5%, podendo triplicar em gestações subsequentes.(6) Esta estimativa pode ser reduzida
com mudança dos hábitos dietéticos e suplementação dietética préconcepcional com ácido fólico. É importante ressaltar que a ingestão
de ácido fólico não tem nenhum efeito sobre os chamados disrafismos
fechados.
Etiologia
Os disrafismos abertos são multifatoriais, coexistindo causas genéticas
e ambientais em proporções não determinadas. Essas podem incluir,
além de alterações no metabolismo dos folatos, a ingestão de medicamentos teratogênicos como carbamazepina e ácido valpróico, doenças
como diabetes mellitus gestacional e gravidez adolescente, dentre
outros.(7)
No Brasil, houve expressiva redução dos casos de DTN após a
introdução de ácido fólico nas farinhas de trigo e mandioca comercializadas.(8) A recomendação para uso do ácido fólico por mulheres
férteis e capazes de procriar apenas há poucos anos vem sendo adotada em nosso país.
44
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Diagnóstico pré-natal
O diagnóstico de DTN pode ser estabelecido por ultrassonografia
gestacional (USG) de rotina a partir do primeiro trimestre de gestação.(9) Nas mielomeningoceles, a USG é capaz de detectar a presença
de espinha bífida cística e hidrocefalia além de alterações peculiares
do crânio fetal, como o sinal do limão e alterações cerebelares relacionadas à malformação de Chiari do tipo II (MCh II).(9)
Níveis elevados de alfa-fetoproteína e beta-HCG podem ser detectados no sangue e no líquido amniótico de gestantes portadoras de
defeitos abertos. Esses, quando associados a exames de imagem, permitem reconhecer até 99% dos casos de anencefalia.(10) Os disrafismos
espinais fechados, ou ocultos, raramente têm diagnóstico pré-natal,
explicável por serem recobertos por pele íntegra. Imagens por ressonância nuclear magnética (RNM) também podem ser obtidas antes
do parto, porém ainda não se confirmou sua superioridade como
alternativa à USG, devendo ser reservada à complementação diagnóstica em casos específicos.
Disrafismos cranianos
A anencefalia é caracterizada por falha no revestimento craniano com
exposição do tecido neural que, durante a vida intrauterina, sofre a
ação do líquido amniótico. Embora possa haver algum desenvolvimento cerebral, ocorre uma destruição progressiva do mesmo, com
subsequente hemorragia e fibrose, originando uma massa neuroglial
amorfa desprovida de qualquer funcionalidade. A anencefalia representa 40% de todos os disrafismos, acometendo preferencialmente o
sexo feminino.(5) A extensão da lesão óssea permite a distinção entre
os dois tipos mais comuns; a meroacrania e a holoacrania. Na primeira,
há acometimento da porção rostral do cérebro e calvária e os recémnascidos podem ter alguns reflexos primitivos, sobrevivendo dias ou
semanas.(7) Na holoacrania, há acometimento da porção posterior do
cérebro e calvária. Várias estruturas do sistema nervoso, incluindo o
diencéfalo, nervos ópticos, cerebelo e tronco encefálico também podem
estar malformados. Aproximadamente 33% dos fetos com anencefalia possuem malformações em outros órgãos e o sistema cardiovascular é o mais acometido. O diagnóstico pré-natal é estabelecido por
Disrafismos Cranianos e Espinhais
45
USG, sendo mais acurado entre o segundo e terceiro trimestre de gestação, quando é possível observar a ausência da calvária acima das
órbitas proeminentes.(9)
A cranioraquisquise é um raro defeito da neurulação primária no
qual o tubo neural permanece aberto em toda a sua extensão (Figura 1).
Geralmente resulta em aborto espontâneo ou natimortos.(11) A iniencefalia é frequentemente incluída dentre os disrafismos, porém sua
patogênese ainda não é bem compreendida. Trata-se de um defeito
grave da região cervical, em que arcos neurais bífidos se associam a
hiperextensão do crânio e hipoplasia da escama occipital. Há também
encurtamento do pescoço.(12) Na maioria dos casos a medula é malformada. A iniencefalia costuma associar-se à anencefalia, resultando
em natimortos.
Figura 1 Cranioraquisquise.
As encefaloceles, muitas vezes descritas como crânio bífido, têm
origem embrionária controvertida. São protrusões de elementos intracranianos através de defeitos da calvária ou da base do crânio. Essas
protrusões podem ser epitelizadas ou não, e conter meninges, líquido
cefalorraquidiano (LCR) e encéfalo em proporções variadas. Teorias
mais modernas acreditam que haja um defeito na separação entre o
neuroectoderma e o tecido de revestimento, comprometendo a inter-
46
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
posição do mesoderma, responsável pela formação do crânio, levando
a herniação secundária das meninges e tecido cerebral através da falha
de ossificação.(13) Essas anomalias podem ser classificadas de acordo
com o conteúdo, com a localização da protrusão e com a localização
do defeito craniano. Correspondem a aproximadamente 10% dos
DTN, caso assim consideradas.(5) Tomografia computadorizada (TC)
e RNM são importantes para o diagnóstico e planejamento cirúrgico.
O estudo dos vasos intracranianos, principalmente das veias, pode
revelar importantes malformações, como persistência de seios venosos
embrionários. O momento ideal para o tratamento cirúrgico é definido pelas características da lesão, que devem ser corrigidas precocemente quando houver presença de hemorragia, fístula liquórica ou
exposição do tecido neural.
Disrafismos espinhais abertos
A mielomeningocele (MM) é a forma mais comum de disrafismos espinal aberto. Ela é mais comum na região lombar e há discreto predomínio do sexo feminino. Sua principal característica é a porção aberta
do tubo neural, denominada placódio ou placa neural, envolta por
aracnoide e fixada a tecido epitelial displásico. As raízes emergem anteriormente, sendo as sensitivas mais lateralizadas que as motoras. A MM
pode se associar a outros disrafismos e também à hidrocefalia, presente
em até 80% dos casos, e a anomalias de outros estágios do desenvolvimento embrionário, além daquelas que compõem o espectro da MCh II.
O tratamento cirúrgico tem como objetivo a reparação das barreiras
anatômicas, a preservação funcional e a prevenção do ancoramento
medular. A cirurgia deve ser realizada com a maior brevidade possível.
O tratamento da hidrocefalia pode ser concomitante à correção do
defeito.(14) É importante ressaltar que, apesar da baixa mortalidade
cirúrgica, as comorbidades persistem ao longo da vida dos pacientes,
o que reforça a necessidade de acompanhamento multidisciplinar.
Disrafismos espinhais fechados ou ocultos
Os disrafismos espinais ocultos compreendem um heterogêneo grupo
de lesões, cuja incidência anda não é bem conhecida. Suas manifes-
Disrafismos Cranianos e Espinhais
47
tações podem ser insidiosas e a expressão clínica, muito discreta. Estigmas cutâneos de linha média estão presentes em mais da metade dos
casos. As assinaturas cutâneas mais comuns são lipomas, desvios do
sulco glúteo, pele displásica, verrucosidades, hipertricose, hemangiomas, crateras, apêndices cutâneos e nevo pigmentar. O diagnóstico é
estabelecido por imagens, principalmente a RNM e TC. Os sinais e
sintomas são, em sua maioria, decorrentes de ancoramento medular.
Dores, infecções urinárias de repetição, úlcera tróficas em pés e deformidades neuro-ortopédicas, como pé torto e escoliose, são frequentemente observadas. Disrafismos espinais ocultos são relacionados aos
diversos estágios da formação do sistema nervoso.
Defeitos da gastrulação: De acordo com Pang e cols. durante a
gastrulação, os precursores do notocorda, ao invés de se fundirem,
permanecem separados e se desenvolvem independentemente por
variável extensão, induzindo a formação de duas hemimedulas.(15)
O canal espinal pode estar alargado e associado a vários defeitos de
segmentação, tais como: hemivértebras, vértebras em borboleta, Síndrome de Klippel-Feil e outras. O espaço interposto entre as hemimedulas é preenchido por células pluripotenciais que podem originar de
tecidos oriundos das três camadas primitivas, inclusive de estruturas
intestinais que originariam os chamados cistos neuroentéricos.(15)
As MMF correspondem a 3,8% dos disrafismos espinhais fecha(16)
dos. A MMF do tipo I é a diastematomielia e a do tipo II corresponde à diplomielia.(15) Na MMF I há dois sacos durais, contendo cada
um uma metade da medula espinal, separadas por uma trave óssea.
Na MMF II há duas hemimedulas contidas em um único estojo dural,
separadas por uma trave fibrosa. A sintomatologia é relacionada à
medula ancorada, dores e escoliose. A principal assinatura cutânea é
a hipertricose.(16)
Os cistos neuroentéricos se apresentam com síndrome de compressão medular associada à espinha bífida anterior ou posterior em
até 50% dos casos.(16) A RNM mostra um cisto com alto conteúdo
protéico com sinal discretamente hiperintenso nas sequências T1 e
T2. Os cistos são revestidos por epitélio de origem endodérmica, e são
vistos mais frequentemente na região cervical ou cervico-torácica,
anteriormente à medula espinal. O tratamento cirúrgico é a ressecção
da lesão.
48
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Defeitos da neurulação primária: Os disrafismos espinais ocultos
oriundos deste período embrionário decorrem de lesões focais e segmentares consequentes à disjunção prematura ou à disjunção incompleta do tubo neural, que por vezes ocorrem simultaneamente.(17)
Os lipomas do cone medular são exemplo de malformações relacionadas à disjunção prematura. Neste caso, células mesenquimais
indiferenciadas se insinuam pelo ponto de separação entre o ectoderma
cutâneo e a placa neural e se diferenciam em células gordurosas quando
em contato com o placódio neural. Os lipomas do cone medular são
disrafismos espinais acompanhados de massas adiposas subcutâneas
(Figura 2).
Figura 2 Disrafismo espinhal fechado.
Pang define três tipos de lipomas, considerando as relações entre
o cone medular e a massa gordurosa: no tipo dorsal, a lesão se adere
à face posterior da medula, poupando a porção distal do cone e as
raízes nervosas; no tipo transicional, a adesão rostral é idêntica à dos
lipomas dorsais, mas a porção caudal mergulha obliquamente e envolve
a extremidade do cone medular, mantendo as raízes nervosas ventral
e lateralmente ao mesmo. O chamado lipoma caótico tem uma implantação semelhante às duas formas anteriores na sua face posterior e
rostral, mas na porção caudal envolve as estruturas neurais na face
ventral, onde os planos são mal definidos.(17)
Disrafismos Cranianos e Espinhais
49
Quando os pacientes são sintomáticos, não há dúvidas quanto à
indicação cirúrgica. No entanto, a intervenção cirúrgica é contestada
por alguns autores quando os pacientes são assintomáticos.(18) As evidências de que mais de 40% das lesões progridem ao longo de 10 anos
de observação, parece ser um argumento bastante forte para justificar
a indicação cirúrgica em pacientes assintomáticos.(17)
As fístulas neuroectodérmicas (FNE) ou seios dérmicos são exemplos de malformações da disjunção incompleta entre os ectodermas
cutâneo e neural, onde se estabelece uma continuidade entre a epiderme e o interior do canal espinal.(19) Essas malformações devem ser
diferenciadas das fossetas sacrococcígeas simples, que são depressões
cutâneas no sulco interglúteo e que não tem indicação cirúrgica.
A estrutura histológica das FNE mostra que suas paredes são revestidas por remanescentes do epitélio cutâneo. Assinaturas cutâneas
como tufos de pelos ou orifícios através dos quais há drenagem de
LCR ou secreções sero-purulentas são frequentemente observados.
Um grande percentual de casos associa-se a cistos dermoides e epidermoides. As formas de apresentação clínicas são diversas, podendo
incluir meningites de repetição, abscessos e empiemas intrarraquidianos, além de sinais e sintomas relacionados à medula ancorada. Por
RNM pode-se identificar o trajeto subcutâneo, geralmente orientado
em sentido rostral, associado a cistos dermoides, epidermoides e a
medula ancorada. O tratamento deve ser instituído tão logo o diagnóstico seja estabelecido.
Um peculiar tipo de defeitos da disjunção incompleta é a chamada
mielosquise dorsal limitada (MDL). Pang e colaboradores assim denominaram lesões até então mal compreendidas e rotuladas sob diversas
denominações. As MDL podem ser não saculares ou saculares. As
últimas podem ser confundidas com meningoceles e até mesmo com
mielomeningoceles. As não saculares se apresentam com assinaturas
cutâneas como crateras, hemangiomas, hipertricose e nevos melanóticos, sem solução de continuidade da pele, que pode ser recoberta
apenas por epitélio escamoso muito fino, assemelhado a uma queimadura de cigarro.(20) As saculares costumam ter o domo revestido por
epitélio escamoso ou cicatricial, sem placódio neural e sem comunicação com o exterior. Caracteristicamente, uma haste fibroneurovascular conecta as paredes do cisto ou a base da lesão cutânea ao tecido
nervoso, ancorando a medula (Figura 3).
50
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Figura 3 Haste fibroneurovascular penetrando a dura-máter e
ancorando o cone medular.
Os pacientes são, na maioria das vezes, assintomáticos ou oligossintomáticos. A natureza progressiva dessas lesões faz com que o tratamento cirúrgico seja indicado e o mesmo consiste em secção da haste
próximo à sua implantação no tecido nervoso.(21)
Os apêndices neuroectodérmicos, também conhecidos como
“cauda humana”, são raras e curiosas malformações, representadas
por uma estrutura apendicular mediana revestida por pele íntegra,
geralmente na região lombo-sacro e quase que invariavelmente
associada a um lipoma em sua base, geralmente contínuo com o canal
espinal.(22) Apesar de serem por alguns relacionados à persistência de
caudas vestigiais,(23) tais apêndices são estigmas cutâneos de outras
formas de disrafismos, geralmente lipomas do cone medular.
Defeitos da neurulação secundária: As principais anomalias da
neurulação secundária são relacionadas ao filamento terminal e podem
se apresentar como fibrolipomas, ou como filamento terminal curto
ou espessado, considerando-se no último caso um diâmetro superior
a 3 mm. As anomalias do filamento terminal são muitas vezes assintomáticas e, por vezes, achados incidentais em adultos submetidos à
investigação da coluna lombar. O tratamento consiste na secção do
filo, preconizada também em pacientes assintomáticos, por se tratar
de um ato operatório relativamente simples e de baixa morbidade.
As síndromes relacionadas à agenesia caudal podem representar
até 16% dos disrafismos fechados e abrangem várias anomalias, muitas
Disrafismos Cranianos e Espinhais
51
vezes relacionadas ao diabetes materno. Agenesia caudal, regressão
caudal e hipoplasia caudal são aqui considerados sinônimos. Essas anomalias se relacionam à diferenciação retrogressiva da eminência caudal.
A proximidade do tubo neural secundário com a cloaca primitiva pode
resultar em malformações associadas do sistema urogenital e da porção
inferior do trato intestinal. Assim sendo, alguns pacientes apresentam-se
com o chamado complexo OEIS (onfalocele, extrofia de cloaca, ânus
imperfurado e deformidades espinais), outros com associação VATER
(anomalias vertebrais, imperfuração anal, fístula traqueoesofágica e
malformações renais ou radiais) e outras situações em que anomalias
anorretais são bastante frequentes. Pacientes com agenesia sacral exibem características como fenda interglútea curta, glúteos achatados,
cintura pélvica estreita e atrofia distal de membros inferiores em forma
de “garrafa de champanhe invertida” (Figura 4).
Figura 4 Tomografia computadorizada da coluna vertebral mostrando
agenesia de vértebras lombares inferiores e de peças sacras.
Deformidades dos pés são frequentemente observados.(24) Bexiga
neurogênica é observada em todos os pacientes. As anomalias vertebrais mais graves podem comprometer os segmentos inferiores da
coluna torácica, enquanto que as formas mais brandas acometem
unicamente o cóccix. Quanto maior o número de segmentos envolvidos e quanto mais alto o comprometimento vertebral, mais severos os
sinais e sintomas.
52
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
O canal vertebral pode ser estreito por hiperostose ou estenose
dural. Em alguns casos, o cone vertebral termina abruptamente, não
se distinguindo a sua extremidade. Filamento terminal espessado, mielocistocele e lipomas transicionais podem ser encontrados em associação.(24) Por vezes, hidromielia terminal é observada, associada ou não
a lipomas, representando a persistência do ventrículo terminal.
Tratamento cirúrgico
O momento ideal para o tratamento dos disrafismos depende da forma
de apresentação dos mesmos. Disrafismos abertos devem ser tratados
o mais precocemente possível de modo a prevenir infecções e evitar
maior comprometimento neurológico. Os resultados iniciais da correção intrauterina da MM sugerem que a hidrocefalia, a MCh II e o
déficit motor possam ser revertidos ou atenuados.(25) No entanto, tratase de uma técnica ainda em evolução, com intercorrências maternas
e fetais ainda não solucionadas e que deverá ser mais bem avaliada
em longo prazo. O tratamento mais tardio é reservado a pacientes
com lesões totalmente fechadas, sem risco de ruptura iminente e também àqueles assintomáticos, principalmente quando as indicações
cirúrgicas são controvertidas.
Há que se considerar o risco de deterioração neurológica tardia,
principalmente durante os estirões de crescimento. Há também que
se considerar que as sequelas decorrente da medula ancorada podem
ser irreversíveis e provocar acentuado impacto na qualidade de vida
dos pacientes.
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Neurocirurgia Fetal –
Atualidades e Perspectivas
Nelci Zanon1
Luanda André Collange Grecco2
Giselle Coelho Resende Caselato3
Denise Pedreira4
Neurocirurgiã Pediátrica. Médica responsável pelo Centro de
Neurocirurgia Pediátrica (CENEPE) e Doutora em Neurocirurgia
pela Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP.
1
Postal Address: CENEPE, Pediatric Neurosurgery Center. Rua
Capitão Mor Roque Barreto, 47 – Bela Vista. CEP: 01323-030
– São Paulo, SP – Brazil. Fax 55 11 3505 6079.
E-mail: [email protected].
Fisioterapeuta. Centro de Neurocirurgia Pediátrica (CENEPE),
São Paulo, SP. E-mail: [email protected].
2
Neurocirurgiã Pediátrica. Médica Centro de Neurocirurgia
Pediátrica (CENEPE) e do Hospital Santa Marcelina, Itaquera, SP.
3
Ginecologista e Obstetra, especialista em Fetoscopia, Médica
do Centro de Medicina fetal e perinatal do Hospital Samaritano,
São Paulo, SP.
4
*Os autores declaram não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na
elaboração do presente capítulo.
Introdução
Os procedimentos cirúrgicos fetais estão despertando o interesse de
médicos, familiares e pesquisadores. Dentre as doenças com indicação neurocirúrgica, a mielomeningocele (MM) pode ser considerada
a primeira malformação fetal não letal tratada por cirurgia intrauterina.(1-2) A MM é um tipo de defeito do fechamento do tubo neural
que envolve o não fechamento dos arcos vertebrais posteriores, com
protusão da medula espinhal.(3) Embora possa ser observada uma
redução da incidência desta malformação nas últimas décadas, a esti-
56
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
mativa é de aproximadamente um a cada 1000 nascidos vivos.(3) A divulgação do papel do ácido fólio na prevenção das malformações do
sistema nervoso central teve um papel importante sobre a redução
da sua incidência.
Existe a necessidade clara do tratamento cirúrgico para o reparo
da MM para fechamento do tubo neural. Convencionalmente a cirurgia era realizada após o nascimento, nos primeiros dias de vida, preferencialmente nas primeiras 24 horas de vida. A cirurgia fetal em
humanos tem os primeiros relatos na década de 90, mas passou a ser
considerada padrão ouro após a publicação do estudo MOMS.(2) Este
estudo controlado teve uma relevância científica indiscutível na área.
O benefício potencial da cirurgia fetal consiste na melhora do prognóstico global da criança, podendo ser considerada como um fator de
neuroproteção.(2) Embora existam benefícios potenciais para a criança,
os procedimentos cirúrgicos pré-natais envolvendo a cirurgia fetal a
céu aberto, com abertura do útero e exposição do feto, estão associados com efeitos adversos para a mãe e para o bebê.(4) Com o intuito
principal de reduzir o risco materno, alguns pesquisadores estão estudando a viabilidade de técnicas minimamente invasivas, através da
fetoscopia.(5-6)
O objetivo desta revisão foi determinar os efeitos obtidos com os
procedimentos neurocirúrgicos fetais, principalmente nos casos de
MM, oferecendo uma análise crítica sobre os achados disponíveis na
literatura científica e uma perspectiva do futuro destes procedimentos.
Tipos de procedimentos neurocirúrgicos fetais
Especificamente nos casos de MM, os procedimentos neurocirúrgicos
fetais podem ser realizados através de cirurgias a céu aberto ou por
meio de fetoscopia. A cirurgia a céu aberto consiste em correção da
MM após laparotomia materna e abertura do útero e das membranas
amnióticas. Atualmente, este procedimento é amplamente divulgado
na literatura, com resultados demonstrados em um grande estudo
controlado aleatorizado, o estudo MOMS.(2)
Outra possibilidade de correção pré-natal é a cirurgia pela técnica
de fetoscopia. A fetoscopia tem sido utilizada por meio de uma entrada
percutânea tripla, até ser atingido o interior da cavidade uterina.(5, 7, 8)
Neurocirurgia Fetal – Atualidades e Perspectivas
57
Em ambas as técnicas, a principal complicação é a rotura prematura
das membranas. Atualmente, vem sendo estudada uma variação da
técnica de correção do defeito propriamente dito, por via endoscópica,
que poderá permitir a correção da MM, minimizando as limitações
da cirurgia fetal aberta. Pesquisadores investigaram, em modelo animal, uma abordagem simplificada de fechamento do defeito para ser
aplicada através de fetoscopia, utilizando um patch de celulose e uma
técnica de fechamento de camada única.(9) Esta técnica foi recentemente aplicada com sucesso em humanos, porém os resultados ainda
são preliminares.(8)
Resultados e prognóstico
Alterações neurológicas associadas
O principal desfecho dos importantes estudos encontrados na literatura sobre reparação fetal da MM, refere-se à redução da necessidade
de derivação ventriculoperitoneal (DVP) para o tratamento da hidrocefalia. Quando presente é considerada uma comorbidade que compromete o prognóstico global da criança. As cirurgias fetais demonstram
um efeito positivo sobre a necessidade de colocação da DVP,(2, 10) com
redução variando entre 30% e 50%. No estudo MOMS(2) houve a
necessidade de colocação da DVP em 40% dos casos tratados no
período pré-natal e em 82% nos casos tratados no período pós-natal.
No estudo observacional realizado por Bruner et al.,(11) envolvendo 29
crianças tratadas com reparo intrauterino da MM, observou-se que o
método de reparação aberta foi superior ao método de fetoscopia (59%
vs 91%).
Em estudos preliminares brasileiros, envolvendo o reparo da MM
por meio da fetoscopia com um método de fechamento simplificado,
observou-se a redução da herniação cerebelar nos três casos relatados
de fechamento do defeito, o que possivelmente se traduzirá numa tendência para redução da incidência de hidrocefalia.(8) Dos seis casos
com fechamento completo da MM por fetoscopia, apenas um caso
apresentou necessidade de colocação da DVP nos primeiros 6 meses
de vida.
Acredita-se que a redução da incidência de hidrocefalia é resultante da redução da malformação de Arnold-Chiari tipo II, com con-
58
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
sequente melhora do fluxo do líquido.(2, 12) No estudo MOMS,(2) a
herniação foi observada em 64% dos casos operados no período prénatal (6% de casos graves) e em 96% dos casos operados após o nascimento (22% de casos graves). Além da malformação de Arnold-Chiari,
a cirurgia fetal aparentemente repercuti em redução da incidência de
seringomielia, com 39% de casos tratados por cirurgia fetal e 58% em
casos operados após o nascimento.(2)
Nível neurológico da lesão e
desenvolvimento motor
O nível neurológico da lesão pode ser considerado como um dos principais fatores determinantes do prognóstico funcional nos casos de MM,
além de apresentar uma forte correlação com a incidência de malformações neurológicas e deformidades ortopédicas. Os níveis neurológicos mais baixos (níveis lombar baixo e sacral) estão relacionados com
um prognóstico de marcha independente e uma melhor qualidade de
vida. A mudança do nível neurológico pode modificar o prognóstico
global da criança. Um único segmento medular pode determinar se a
criança será ou não capaz de andar sem recurso auxiliar de marcha,
como, por exemplo, a transição lombo-sacral (L5 ou S1).
Independente da técnica empregada, cirurgia a céu aberto
(MOMS)(2, 10) ou por fetoscopia,(8, 13, 14) o reparo feito no período prénatal parece ser capaz de resultar na mudança do nível da lesão. Na
cirurgia a céu aberto observa-se uma mudança de dois níveis ou mais
em 32% (12% na cirurgia pós-natal), um nível em 11% (9% na cirurgia pós-natal), nenhuma diferença em 23% (25% na cirurgia pós-natal),
um nível pior em 21% (25% na cirurgia pós-natal) e dois níveis piores
em 13% (28% na cirurgia pós-natal). No estudo de Verbeek e colaboradores,(13) dezenove casos de reparo fetal da MM por uma técnica de
fetoscopia foram comparados com casos operados no período neonatal. Os treze casos bem-sucedidos apresentaram uma melhora neurológica de dois níveis, melhor função muscular e uma melhor
preservação sensitiva. Dos quatro casos operados pela técnica de fetoscopia com fechamento simplificado, um não apresentou mudança do
nível, um caso apresentou uma melhora de um nível e dois apresentaram uma melhora de dois ou mais níveis medulares.
Neurocirurgia Fetal – Atualidades e Perspectivas
59
Embora exista um número restrito de estudos controlados e aleatorizados comparando a cirurgia fetal e a cirurgia pós-natal, os dados
disponíveis na literatura demonstram resultados promissores dos procedimentos fetais. Acredita-se que a melhora do nível da lesão pode
contribuir significantemente no prognóstico global da criança em
médio e longo prazo, mas estudos adicionais com acompanhamento
adequado necessitam ser desenvolvidos para demonstrar este possível
benefício.
Os estudos envolvendo correções fetais apresentam uma nova teoria sobre as causas do comprometimento neuromotor. Autores descrevem que as sequelas neuromotoras não são decorrentes isoladamente
da malformação, mas que a exposição do tecido neurológico durante
a gestação e o parto podem agravar as sequelas neurológicas.(2, 8, 10-14)
Os resultados dos estudos envolvendo o reparo pré-natal demonstram
que a intervenção é capaz de repercutir positivamente sobre o desenvolvimento motor, mas não sobre o desenvolvimento cognitivo, quando
comparada com a correção pós-natal. No estudo MOMS, a avaliação
de acompanhamento com 30 meses demonstrou uma melhora motora
(64.0 vs 58.3 na Bayley Psychomotor Development Index e 7.4 vs 7.0 na Peabody Developmental Motor Scale) dos casos tratados no período pré-natal.
Estudos observacionais demonstram melhoras motoras e desenvolvimento cognitivo normal em pequenas séries de casos.(10)
Em nossa pequena série de casos em que o reparo foi realizado por
meio da técnica de fetoscopia, com fechamento simplificado utilizando
um patch de celulose, observou-se promissores resultados sobre o desenvolvimento motor. O desenvolvimento motor foi considerado normal
até o 6º mês de idade corrigida (período de acompanhamento até a
presente data). As etapas motoras adquiridas nos primeiros 6 meses de
vida não requerem a posição ortostática ou um deslocamento efetivo,
mas um bom controle de tronco. Este pode ter sido um dos motivos
que permitiu um desenvolvimento motor normal até esta idade.
Antes das pesquisas envolvendo o reparo fetal, o prognóstico de
marcha estava totalmente definido na literatura, sendo secundário ao
nível neurológico da lesão e comprometido pelos fatores secundários,
como deformidades ortopédicas, obesidade e déficits intelectuais. Aparentemente, a cirurgia fetal está oferecendo uma nova vertente para
o prognóstico de deambulação. O reparo fetal a céu aberto possibilitou uma melhora da locomoção quando comparado com os casos
60
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
operados no período pós-natal (42% vs 21% de casos andando de
forma independente, respectivamente). Quando os dados são analisados especificamente, observa-se uma menor taxa de crianças não deambuladoras (29% vs 43%) e uma maior taxa de deambulação com
órteses (29% vs 36%) e deambulação sem órteses (42% vs 21%) nos
casos de correção fetal.(2) Provavelmente, estes achados sejam decorrentes da melhora do nível neurológico discutida anteriormente.
Resultados negativos dos
procedimentos pré-natais
Como em todos os procedimentos cirúrgicos, existem os riscos convencionais como a infecção e os riscos específicos como a ruptura
prematura das membranas. Pelo fato de se entrar na cavidade uterina,
isto acarreta uma probabilidade maior de ruptura das membranas e
este talvez seja o maior desafio a ser vencido pela cirurgia fetal, tanto
a céu aberto, quanto na minimamente invasiva através de fetoscopia.
A ruptura prematura das membranas implica num risco secundário
ao feto que é a prematuridade. Quanto menor a prematuridade, melhor
o prognóstico para o recém-nascido.
O potencial infeccioso, inerente a qualquer procedimento cirúrgico, embora mínimo, pode existir. Ele também deve ser considerado,
mas a cirurgia pós-natal, que é mandatária em todos os casos de MM
não operados intraútero, também apresentam esse risco, sendo maior
quanto mais tempo o recém-nascido ficar aguardando a cirurgia para
fechamento da MM. Sabemos pela literatura e pela prática clínica que
os melhores resultados de correção pós-natal da MM acontecem nas
primeiras horas de vida, ideal nas primeiras 24 horas. Num continente
como a América Latina, onde a saúde púbica não é acessível a todos,
em particular no Brasil, ainda vivemos uma realidade cruel para o
seguimento menos favorecido da população, em que recém-nascidos
ficam esperando para realizar o fechamento da MM (dias, semanas e,
em casos mais graves, meses, por falta de vagas em centros especializados).
Não faltam médicos, faltam unidades de terapia intensiva neonatal
onde existam centros para correção neurocirúrgica da MM nas primeiras 24 horas de vida. Isso representa uma perda social irreparável
para essas famílias e um custo financeiro inestimável ao estado. Uma
Neurocirurgia Fetal – Atualidades e Perspectivas
61
cirurgia sem complicações da MM nas primeiras 24 horas de vida terá
uma internação média de 10 a 15 dias, enquanto uma cirurgia após
semanas aguardando, com infecção, poderá ficar internada de 3 a 6
meses, com vários procedimentos cirúrgicos. Com a cirurgia antenatal,
esse risco seria amplamente diminuído, pois o fechamento ocorreria
antes do nascimento, antes das 27-28 semanas de gestação.
O risco de ruptura do útero, uma das principais complicações
maternas da cirurgia a céu aberto (pois para o fechamento da MM é
realizada a abertura do útero e posterior fechamento do mesmo, aguardando a maturação e crescimento do bebê), praticamente inexiste na
fetoscopia. Este risco existe não apenas durante a gestação em curso
no momento da cirurgia, mas se estende a gestações subsequentes e
pode chegar a 15%,(15) sendo este um dos principais motivos da baixa
aceitação da cirurgia pré-natal a céu aberto entre os obstetras. Com
o uso da videolaparoscopia ou fetoscopia esse risco não existe, pois são
utilizadas apenas três pequenas entradas no abdome gravídico: uma
para a ótica e duas para os instrumentos cirúrgicos. Essas não são
incisões, ou cortes, são punções para a entrada dos canais de trabalho,
por via percutânea (Figura 1).
Figura 1 Punções para a entrada dos canais de trabalho, por via
percutânea.
62
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Considerações finais
A cirurgia por vídeo, considerada minimamente invasiva, vem
ganhando espaço em todas as especialidades médicas, e na neurocirurgia, em particular, transformou a história do tratamento da hidrocefalia complexa, reduzindo o número de derivações necessárias para
o tratamento da hidrocefalia.
No campo da medicina fetal, a fetoscopia tem se destacado em
vários fatores, como: 1) uso de laser para o tratamento das bridas
amnióticas, minimizando ou tratando preventivamente deformidades
potencialmente graves aos fetos; 2) uso do laser para tratar transfusão
feto-fetal – interrompendo as conexões vasculares entre gêmeos que
dividem a mesma placenta.
Acreditamos que ainda existam muitos desafios a serem vencidos,
como, por exemplo, a semana ideal para o fechamento na tentativa
de observar os melhores benefícios, possíveis tratamentos preventivos
e o risco da prematuridade. Outra questão importante é em relação
ao líquido amniótico, a partir de qual semana ele passa a ser deletério
à medula exposta? Uma importante adversidade é em relação aos
recursos necessários para o sucesso da fetoscopia. São primordiais
centros tecnológicos especializados em “terapia fetal” com recursos
apropriados e a instrução da equipe multiprofissional em neonatologia
e neurocirurgia pediátrica.
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Craniossinostoses
José Roberto Tude Melo
Mestre em Medicina pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Doutor em Medicina (Programa CAPES-PDEE Brasil/França).
Coordenador da Unidade de Neurocirurgia Pediátrica do Hospital
Martagão Gesteira (Salvador-Bahia). Supervisor da Divisão de
Neurocirurgia Pediátrica do Hospital São Rafael (Salvador, BA).
Neurocirurgião do Hospital Universitário Prof. Edgard Santos –
UFBA. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia
e Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Pediátrica (SBNPed).
Membro afiliado estrangeiro da Sociedade Europeia de
Neurocirurgia Pediátrica.
E-mail: [email protected].
*O autor declara não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na elaboração
do presente capítulo.
Introdução
As craniossinostoses (CS) são malformações congênitas, ocorrendo na
incidência de 1:2000 nascidos vivos, caracterizadas pelo fechamento
precoce de uma ou mais suturas cranianas, que resultam em uma
deformidade craniana ou craniofacial e graus variados de desproporção volumétrica entre o crânio e o encéfalo.(1, 2) O diagnóstico pode
ser suspeitado desde a fase intrauterina, por meio da ultrassonografia
(US) ou ressonância magnética (RM) fetal, em que se pode observar
assimetrias cranianas ou craniofaciais.(3, 4)
Existem inúmeras classificações para as CS, podendo ser divididas
em sindrômicas (associadas a malformações faciais e por vezes extracranianas) ou não sindrômicas; isolada ou simples (quando comprometem uma única sutura) ou completa e complexas se associadas a
outras malformações (comprometimento de múltiplas suturas), entre
outras.(5, 6)
A classificação provavelmente mais utilizada baseia-se na sutura
comprometida (aquela que fechou precocemente), podendo apresentar
66
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
4 tipos principais, a saber: escafocefalia ou dolicocefalia (fechamento
precoce da sutura sagital), trigonocefalia (fechamento precoce da sutura
metópica), plagiocefalia (fechamento precoce da sutura coronal ou
lambdoide, unilateral), braquicefalia ou turricefalia (fechamento precoce das suturas coronais e/ou lambdoides).(5) Estas deformidades cranianas quando não tratadas podem trazer danos psicológicos a estas
crianças, fazendo com que evitem o convívio social devido à sua aparência fora do habitual.(6)
Quanto à etiologia, forças biomecânicas, alterações genéticas e
expressões locais de fatores de crescimento têm sido consideradas.
Algumas hipóteses são aventadas, como distúrbios metabólicos (raramente levam a uma CS, como o raquitismo carencial, descrito em
casos de oxicefalia), uso de alguns anticonvulsivantes durante a gestação, hipertireoidismo, tabagismo materno durante a gestação, idade
avançada dos pais em algumas CS (sobretudo as sindrômicas), gemelaridade, posicionamento e apresentação do feto, CS familiar, aberrações cromossômicas, causa idiopática, entre outras.(1, 2, 5) O diagnóstico
é eminentemente clínico, porém, na maioria dos serviços, a confirmação por método de imagem (sobretudo a Tomografia de Crânio com
reconstrução tridimensional) faz-se de rotina. Algumas malformações
podem estar associadas, como malformações do sistema nervoso central (SNC), cardíacas e de vias urinárias. Associadas ou não às síndromes, estas malformações em SNC podem estar presentes em cerca de
0,6% dos portadores de escafocefalia, 4,3% dos portadores de trigonocefalia, 2,2% nas plagiocefalia e 4,5% nos casos de braquicefalia
não sindrômica.(5)
O tratamento das CS geralmente é cirúrgico, e tem como escopo
principal corrigir a distorção craniana e evitar a progressão e deformidade craniofacial,(5, 6) impedindo eventuais distúrbios cognitivos futuros, associados ou não, como ocorre em alguns casos, a um aumento
da pressão intracraniana (PIC). Além de equipe neurocirúrgica treinada, torna-se fundamental uma equipe multidisciplinar habilitada
para o manejo destas crianças, sendo que o sangramento intraoperatório, nos casos das reconstruções cranianas, é a principal complicação.
Existem diversas técnicas cirúrgicas para a correção das CS, a depender do centro de referência analisado, experiência do neurocirurgião,
severidade da deformidade craniana ou craniofacial, associação ou
não com síndromes genéticas e idade da criança no momento do diag-
Craniossinostoses
67
nóstico. Estas cirurgias variam desde a suturectomia (retirada da sutura
comprometida sem reconstrução craniana, podendo ser realizada via
endoscópica ou não), uso de molas para expansão e a reconstrução e
remodelagem craniana, com variadas técnicas(5, 6, 12-15). Quanto ao resultado final, algumas escalas são utilizadas para avaliar o resultado póscirúrgico, que se baseia na reconstrução craniana final, do ponto de
vista estético (Quadro 1).(12, 15)
Avaliação do aspecto craniano após reconstrução
craniana ou craniofacial de pacientes portadores de
craniossinostose(15)
Quadro 1
Resultado
cirúrgico
Graduação
Parâmetros
Grau I
Excelente resultado pós-cirúrgico, sem
evidências de deformidades cranianas,
estando os pais ou responsáveis
completamente satisfeitos com os resultados.
Satisfatório
Grau II
Bom resultado pós-cirúrgico, com evidências
mínimas ou moderadas de deformidades
cranianas, sem indicação de nova abordagem
cirúrgica. Os pais ou responsáveis estão
satisfeitos com os resultados.
Satisfatório
Grau III
Regular resultado pós-cirúrgico, com
evidências de deformidades cranianas a
ponto de se questionar a indicação de
reabordagem cirúrgica. Os pais ou
responsáveis não estão completamente
satisfeitos com os resultados.
Não
satisfatório
Grau IV
Resultado pós-cirúrgico inaceitável, com
evidências de grandes deformidades
cranianas, com indicação de reabordagem
cirúrgica. Os pais ou responsáveis não estão
satisfeitos com os resultados.
Não
satisfatório
De forma geral, essas crianças possuem um melhor resultado póscirúrgico quando operadas por volta dos 6-8 meses de idade, lembrando que em algumas situações são necessárias inúmeras correções
cirúrgicas (como nos casos das CS sindrômicas) para obtenção de
resultados satisfatórios.(5, 6, 14, 15) Cada caso deve ser avaliado individu-
68
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
almente, considerando a presença ou não de outras malformações,
associação com síndromes, outras comorbidades, experiência da equipe
cirúrgica e anestésica, grau de severidade da CS, presença ou não de
aumento da PIC, entre outras questões.
A escafocefalia (EC)
Dentre os 5 tipos principais de CS, a escafocefalia (EC) é a mais frequente, predominando entre 40 e 60%(6, 7, 8, 15). A EC geralmente não
está associada a síndromes, ocorrendo por fechamento precoce da
sutura sagital, o que leva a um aumento do comprimento do crânio e
redução da largura. O crânio adquire uma característica alongada,
podendo existir um predomínio de crescimento (conhecido como bossa
ou projeção) frontal ou occipital, ainda podendo existir um afilamento
ou alargamento frontal (Figura 1).
Figura 1 Visão superior de um crânio com escafocefalia: aumento do
comprimento e redução da largura.
Existe então, além do alongamento craniano no sentido anteroposterior, a formação de uma crista na sutura sagital, palpável e por
vezes visível.(5, 6)
Craniossinostoses
69
Um dos principais critérios clínicos estabelecidos para diagnóstico
da EC é o index craniano (IC), representado pela razão da medida
máxima da extensão lateral (largura) e do comprimento craniano (largura/comprimento x 100). Considerando como valores normais de IC
entre 76 a 78%, as crianças portadoras de EC apresentam IC entre 60
a 67%, sendo um dos critérios mais utilizados atualmente para graduar
as EC.(9-11) Alguns autores criticam este método por não ser específico
para o diagnóstico de EC, podendo falhar em predizer este diagnóstico,
sugerindo que outros meios mais fidedignos sejam utilizados, considerando mensurações realizadas a partir da tomografia do crânio (TC).(11)
Outros trabalhos destacam a importância da realização da TC
nestas crianças, pois, além de confirmar a suspeita do diagnóstico,
auxilia sobretudo na classificação do grau de severidade da EC, de
acordo com as mensurações realizadas, podendo auxiliar na escolha
do melhor tratamento.(6, 11) O tratamento cirúrgico, independente da
técnica ou método escolhido, visa diminuir o alongamento craniano
e aumentar o diâmetro lateral (Figuras 2 e 3).(15)
Figuras 2 e 3 Esquema operatório da técnica de reconstrução
craniana (“H de Renier”) utilizada na escafocefalia para diminuir o
alongamento craniano e aumentar o diâmetro lateral.
A trigonocefalia (TrG)
A TrG é a segunda em frequência, ocorrendo pelo fechamento precoce
da sutura metópica, representando cerca de 20 a 26% das CS.(5, 15) Esta
deformidade geralmente é evidente desde o nascimento, em que o crânio
adquire um aspecto triangular, geralmente associado a um hipotelorismo
70
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
(Figura 4). Esta distância interna entre os cantos dos olhos (distância
intercantal interna) pode ser considerada normal quando a média estiver
entre 2 e 2,5 cm no primeiro ano de vida.(16) Assim como na EC, existe
na TrG o predomínio do sexo masculino, sendo a sua ocorrência mais
frequente em gestações gemelares e na apresentação fetal sentada na
ocasião do nascimento.(5) Diante destes fatos, assim como nas EC, existe
a suspeita de associação com fatores mecânicos externos (na fase intraútero).(5) A abordagem cirúrgica deve ser feita por equipe treinada em
cirurgia craniofacial, para a correção da deformidade fronto-orbitária.
Inúmeras técnicas são descritas, como a técnica da Concha (Shell technique)
e outras reconstruções cranianas mais complexas(17, 18) (Figuras 5 e 6).
Figura 4 Aspecto típico da trigonocefalia, com fechamento
precoce da sutura metópica e hipotelorismo.
Figura 5 Visão superior: desenho esquemático da Shell technique.
Craniossinostoses
71
Figura 6 Alargamento do frontal, após a realização da Shell technique.
A plagiocefalia (PLG)
A PLG ocorre por fechamento precoce de uma das suturas coronais,
levando a uma assimetria craniofacial, que deve ser diferenciada da
assimetria craniana que ocorre à custa do posicionamento do recémnascido, conhecida como plagiocefalia postural, que será discutida
mais adiante. A PLG coronal ocorre predominantemente em meninas,
e diferente das anteriores (EC e TrG), não parece estar associada a
fatores mecânicos intrauterinos.(5) Em nossa casuística, a PLG anterior
foi a terceira CS mais frequente, junto com a braquicefalia.(15) Nestes
casos, a criança apresenta uma assimetria craniofacial em que ocorre,
do lado acometido, um recuo da região frontal e da órbita isolateral,
estando esta órbita pouco elevada, podendo associar-se a uma bossa
temporal. A base do nariz está deslocada. Do lado da sutura coronal
não comprometida pode-se observar uma bossa e avanço do frontal,
o que acentua ainda mais esta assimetria facial(5) (Figura 7). A correção
Figura 7 Plagiocefalia coronal esquerda. Sinal do “olho de Arlequim”.
72
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
cirúrgica consiste em uma remodelagem bilateral do rebordo supraorbitário, com um avanço frontal unilateral, com formação de uma
nova fronte. A junção fronto-malar do lado recuado deverá sofrer um
avanço, com apoio de um pequeno fragmento ósseo.(18)
A Braquicefalia (BrC)
A BrC, nas maiores séries descritas na literatura, corresponde a aproximadamente 5,3% das CS.(5) Conhecida como “crânio curto”, ocorre
pelo fechamento precoce das suturas coronais (bilateralmente). O crânio apresenta um aspecto curto, devido a um defeito de expansão do
frontal para frente, sendo as arcadas supraorbitárias recuadas, com
achatamento frontal baixo, sendo que a parte superior do frontal, por
vezes, evolui com aspecto proeminente, superpondo a face e elevando-se exageradamente, sendo conhecida também como turricefalia
(Figura 8). Nas turricefalias, além do fechamento das coronais, existe
também um achatamento posterior. Alguns autores sugerem que, nestes casos, deve ser avaliada a possibilidade da correção posterior, antes
da anterior.(18) A correção cirúrgica, quando se opta pela reconstrução
craniana, pode ser realizada, entre outras opções, pelo avanço frontoorbitário em monobloco, ou utilização da técnica de Paul-Tessier ou
pela técnica da “fronte-flutuante”, entre outras técnicas de avanço
fronto-orbitário.(18)
Figura 8 Crânio braquicefálico evidenciando fechamento das
suturas coronais (bilaterais), defeito de expansão do frontal, com
achatamento frontal baixo, sendo que a parte superior do frontal
apresenta aspecto proeminente.
Craniossinostoses
73
Craniossinostoses sindrômicas (Figura 9)
As principais síndromes descritas, associadas às CS, são as síndromes
de Apert, Crouzon, Saethre-Chotzen, Pfeiffer e Carpenter. As principais características estão descritas no Quadro 2.(5)
Principais síndromes associadas a
craniossinostoses(5)
Quadro 2
Síndromes
Principais aspectos encontrados
Apert
Craniossinostose geralmente por fechamento precoce das
suturas coronais (bilateral). Pode existir alargamento das
suturas metópica e sagital nos primeiros meses de vida.
Hipertelorismo com exorbitismo. Hipoplasia do maxilar
superior, com inversão do fechamento da arcada dentária
(prognatismo). Sindactilia que pode estar presente nas
quatro extremidades. Malformações cerebrais
constantes, com hidrocefalia geralmente não progressiva.
Hipertensão intracraniana em aproximadamente 45% dos
pacientes. Comprometimento auditivo em 56% dos casos.
Crouzon
Craniossinostose associada a uma hipoplasia facial.
Geralmente existe um fechamento precoce bilateral das
suturas coronais. Hipertelorismo com exorbitismo, recuo
do maxilar superior e do frontal (hipoplasia maxilar); nariz
em bico. Inversão do fechamento da arcada dentária
(prognatismo). Em aproximadamente 68% dos casos
existe associação com aumento da pressão intracraniana.
Em 25% dos casos pode existir hidrocefalia.
SaethreChotzen
Craniossinostose variada, geralmente bicoronal, associada
à implantação baixa de orelhas e assimetria facial com
hipertelorismo, ptose palpebral uni ou bilateral. Orelhas
pequenas e redondas. Sindactilia parcial associada à
clinodactilia. Prega palmar única. Anomalias em coluna
vertebral e em palato. Importante atraso cognitivo e
déficit auditivo. Alargamento do hálux e criptorquidia.
Pfeiffer
Craniossinostose variada, porém geralmente com
comprometimento das suturas coronais (bilateral) e
sagital, associada a hipertelorismo com exorbitismo e
estrabismo. Orelhas com implantação baixa. Braquicefalia
associada a sindactilias membranosas. Hipoplasia do
maxilar superior. Alargamento dos polegares e hálux, com
desvio tipo varo. As formas severas podem apresentar um
crânio em trevo. Hidrocefalia quase constante.
74
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Figura 9 Crânio em trevo (tomografia do crânio, visão frontal, em
reconstrução tridimensional). Observar o aspecto trilobar, com
protuberância frontal e bitemporal. Pode estar presente nas formas
mais graves da síndrome de Pfeiffer.
Plagiocefalia postural (PP)
O dismorfismo craniano posicional, ou plagiocefalia postural, vem
aumentando progressivamente desde o aconselhamento em evitar o
decúbito ventral em neonatos e durante os primeiros meses de vida,
devido ao risco de morte súbita. Pelo posicionamento em decúbito
dorsal, existe uma assimetria craniana devido ao mau hábito em manter a criança deitada, sempre na mesma posição. A PP ocorre por
fatores mecânicos externos, sobre um crânio ainda bastante maleável,
caracterizado por achatamento da região occipital, associado a uma
bossa frontal isolateral e deslocamento do pavilhão auricular deste
mesmo lado. Pode ocorrer desde a fase intrauterina, nos casos de posição única fetal prolongada, gestação múltipla, malformações uterinas,
macrocefalia, fetos grandes. Por vezes, quando pós-natais, estas assimetrias são decorrentes de posição viciosa no berço, torcicolo, alterações
neurológicas que podem levar a uma menor mobilidade do recémnascido, entre outras.(19-21) Geralmente o diagnóstico é feito nos primeiros 2-4 meses de vida, tornando-se menos frequente à medida que
Craniossinostoses
75
estes lactentes vão crescendo.(21) Crianças com déficits neurológicos
apresentam maior risco em desenvolver PP, mas o oposto não é observado, ou seja, a PP levando a déficits neurológicos.(21)
O diagnóstico é eminentemente clínico, não sendo necessários
exames radiológicos para confirmar o diagnóstico de PP. Quanto ao
tratamento, aquelas crianças com idade < 4 meses, que são modificadas regularmente de posição, seguindo as orientações médicas, apresentam melhores resultados no remodelamento craniano. Naquelas
crianças que persistem com deformidade craniana após os 5-6 meses
de vida, questionava-se o uso de capacetes para remodelar o crânio,
porém esta técnica tem caído em desuso, e estudos mais recentes não
têm mostrado benefícios com o seu uso.(21)
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Doenças Infecciosas e
Parasitárias do Sistema
Nervoso Central:
Aspectos Cirúrgicos
Geraldo José Ribeiro Dantas Furtado
Mestre em Saúde Materno-infantil. Neurocirurgião Pediátrico.
Prof. Adjunto de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências
Médicas – Universidade de Pernambuco. Tutor de Medicina da
Faculdade Pernambucana de Saúde – FPS. Coordenador do
Serviço de Neurocirurgia Pediátrica do Instituto de Medicina
Integral Prof. Fernando Figueira – IMIP
*O autor declara não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na elaboração
do presente capítulo.
Introdução
CISTICERCOSE
Epidemiologia
Cisticercose é a parasitose helmíntica que mais comumente afeta o
sistema nervoso, sendo causada por infecção através da larva adulta
da Taenia solium, o Cysticercus cellulosae. É considerada endêmica na
maioria dos países em desenvolvimento. Sua incidência e prevalência
são associadas diretamente com condições insatisfatórias de higiene e
saneamento básico. Em estudo recente, baseado em 136 publicações
abrangendo o período de 1915 a 2002, foi observada a incidência 0,03
a 13,4% de neurocisticercose na prática neurológica e neurocirúrgica
e de até 9% em achados de autopsias com prevalência de 4,56:100.000
na prática clínica e 0,41:1000.000 em achados de necropsia.(1, 2)
78
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Fisiopatologia
No sistema nervoso central (SNC), aonde chega através da circulação
sanguínea e linfática, em especial em pequenos vasos sanguíneos entre
a substância cinzenta e a branca, o parasita apresenta desenvolvimento
em quatro estágios: 1. vesicular, que representa a sua forma ativa;
2. coloidal que representa a fase degenerativa inicial; 3. granular, que
representa o início da involução e 4. calcificação, que representa o estágio final do processo de degeneração. Pode alojar-se no parênquima,
na parede do sistema ventricular, nas meninges e no espaço subaracnóideo, causando efeito de massa proporcional ao volume e à localização da vesícula e efeito tóxico perifocal, evoluindo com o desenrolar
da reação inflamatória para a imobilização do parasita seguida de
fibrose residual, formação de granuloma e posterior calcificação.(3, 4)
Quadro clínico
Os sinais e sintomas da neurocisticercose são inespecíficos, e dependem basicamente da localização do cisticerco no SNC (efeito de massa
e obstrução de vias liquóricas ou espaço subaracnóideo) e da intensidade da reação inflamatória, sendo as crises epilépticas (62%), síndrome de hipertensão intracraniana (38%), meningite cisticercótica
(35%) e distúrbios psíquicos (11%), as manifestações mais comuns.(5)
Diagnóstico
O diagnóstico na atualidade é feito preferencialmente com o uso de
tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética nuclear
(RM), que demonstram claramente a presença da lesão parasítica.
O exame do líquido cefalorraquidiano (LCR), apesar de ser de importância no diagnóstico biológico da neurocisticercose, deve ser obviamente evitado nos casos de hipertensão intracraniana. Os achados
mais eloquentes são a eosinofilia e a reação de fixação de complemento
positiva. Técnicas imunológicas alternativas como as reações de imunofluorescência, hemaglutinação, imunoenzimáticas (ELISA – EnzymeLinked Immunosorbent Assay) e blotting com glicoproteínas purificadas
(EITB – Enzyme-Linked Immunotransfer Blot) propiciaram maior precisão
do exame do LCR no diagnóstico.(6)
Doenças Infecciosas e Parasitárias do Sistema Nervoso Central
79
Tratamento
O tratamento clínico da cisticercose tem como objetivo a redução da
resposta inflamatória, portanto, nem todos os pacientes devem ser
tratados, pois os cistos podem já estar em fase de calcificação. Antihelmínticos, em especial o praziquantel e posteriormente o albendazol
foram usados em larga escala no tratamento da neurocisticercose com
a justificativa de poderem diminuir as lesões císticas com consequente
melhora na sintomatologia, notadamente em relação às crises convulsivas e hidrocefalia, a despeito de poderem causar efeitos adversos
severos em outros órgãos. Entretanto, não existem, até o presente, evidências que assegurem que o uso dessas substâncias apresente efeitos
benéficos definitivos na evolução dessa parasitose do SNC.(7, 8) O tratamento cirúrgico está indicado nos casos de hidrocefalia quando o
cisticerco leva à obstrução das vias liquóricas, lesões císticas que causem sintomas locais devido ao efeito de massa, notadamente aquelas
maiores de 2 cm e compressão medular. O tratamento da hidrocefalia
pode ser realizado através da derivação ventriculoperitoneal, lembrando que em alguns casos as revisões dos sistemas valvulares são
mais frequentes. Na presença do cisticerco intraventricular, a neuroendoscopia é o método de eleição, permitindo de forma minimamente
invasiva a remoção do parasita.(9-12)
TUBERCULOSE
Epidemiologia
A tuberculose é considerada uma doença negligenciada por ainda se
apresentar como problema grave de saúde pública. Vem se mantendo
presente sobretudo em associação com baixos níveis socioeconômicos.
A tuberculose do SNC é uma das mais temidas formas na infância,
devido à alta morbimortalidade. No Brasil, devido à vacinação com
BCG em praticamente todas as crianças ao nascer, a incidência de
meningoencefalite tuberculosa é baixa, representando aproximadamente 1% das formas extrapulmonares. Pode acometer qualquer faixa
etária, especialmente nos pacientes HIV positivos, mas o faz, preferencialmente, em crianças menores de 6 anos de idade.(13, 14)
80
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Fisiopatologia
O comprometimento neurológico pela tuberculose ocorre devido à
disseminação hematogênica de focos infecciosos distantes de Mycobacterium tuberculosis, levando à formação de granulomas e exsudação do
conteúdo caseoso desses para as meninges, causando aracnoidite sobretudo nas regiões basais, tendo como consequência a obstrução das vias
liquóricas e hidrocefalia, comprometimento dos III, VI e VII nervos
cranianos, além do quiasma óptico, causando paresias, paralisias e
amaurose, além de envolvimento das artérias carótida interna e cerebral média, comprometendo a irrigação de áreas extensas do parênquima cerebral.(15)
Tratamento neurocirúrgico da tuberculose
A hidrocefalia é uma das mais comuns complicações da meningite
tuberculosa (MT), podendo aparecer precocemente em crianças, com
incidência entre 80 a 85% dos casos, podendo ser comunicante (a forma
mais comum) ou não comunicante.(16)
O tratamento deve ser inicialmente clínico e consiste na utilização
de três a quatro drogas: isoniazida, rifampicina, juntamente com pirazinamida e/ou etionamida, não havendo na atualidade um regime
universalmente aceito em relação ao tempo de utilização das medicações. O uso de corticosteroides como terapia adjuvante tende a diminuir a resposta inflamatória à tuberculoproteína, responsável pelo
edema, vasculite e aracnoidite.(15, 16)
Havendo a progressão da hidrocefalia e o desenvolvimento de
hipertensão intracraniana, é necessário a drenagem liquórica através
de derivação ventriculoperitoneal (hidrocefalia comunicante) ou da
terceiro-ventriculostomia endoscópica nos casos de hidrocefalia não
comunicante. Crianças mais jovens, notadamente abaixo de 5 anos,
geralmente desenvolvem a hidrocefalia na fase aguda da doença e são
frequentemente admitidas em estado grave de hipertensão intracraniana, necessitando de derivação imediatamente. Entretanto, deve-se
ter em mente que a indicação indiscriminada de derivações em todos
os pacientes que apresentem ventriculomegalia associada à meningite
tuberculosa pode ser desnecessária, já que a maioria dos pacientes irá
melhorar de sua condição com tratamento clínico.(16)
Doenças Infecciosas e Parasitárias do Sistema Nervoso Central
81
Os abscessos tuberculosos (tuberculomas) apresentam em seu conteúdo
purulento encapsulado a presença de bacilos viáveis, o que os diferencia
dos clássicos granulomas tuberculosos. Apresentam sintomatologia neurológica semelhante a um abscesso de qualquer outra etiologia, podendo
ser múltiplos e ainda localizados no encéfalo ou medula espinhal. O tratamento neurocirúrgico dessas lesões vem diminuindo na atualidade devido
aos regimes terapêuticos medicamentosos utilizados, mas é indicado nos
casos de rápida evolução com hipertensão intracraniana ou disfunção
medular, secundária ao efeito de massa, apesar de tratamento medicamentoso adequado. O tratamento consiste na drenagem por punção a
céu aberto ou com estereotaxia, ou ainda remoção completa da lesão
através de craniotomia, sobretudo nos abscessos multiloculados.(16, 17)
ABSCESSOS CEREBRAIS
O abscesso cerebral (AC) consiste em uma coleção encapsulada de
pus, localizada no parênquima cerebral. Podem aparecer em vários
focos, caracterizando abscessos múltiplos. Nas fases iniciais, existe uma
cerebrite supurativa regional, que evolui para necrose central com
espessamento das margens da lesão até a formação da cápsula.
Etiologia
Crianças portadoras de cardiopatias cianóticas congênitas são particularmente propensas a apresentarem abscessos cerebrais, assim como
aquelas que apresentam focos infecciosos adjacentes a regiões cranianas (sinusites, otites ou mastoidites), que representam portas de entrada
para o desenvolvimento dessas lesões nos lobos temporal, frontal e
cerebelo, predominantemente. Menos frequentemente podem ser
resultado de uma contaminação cirúrgica ou de um ferimento penetrante de crânio. Casos de disseminação hematogênica de afecções a
distância também são encontrados. Em algumas ocasiões não é possível determinar o foco inicial.(18-21)
Quadro clínico
Além de um quadro infeccioso precedente ou concomitante, deve-se
suspeitar da presença do abscesso cerebral em crianças que apresentam comprometimento gradual do nível de consciência ou letargia
82
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
desproporcional à gravidade de um quadro infeccioso relativamente
simples, como uma mastoidite ou otite. A febre pode estar ausente no
momento do diagnóstico, embora relatada na história prévia. O desenvolvimento de sinais focais neurológicos com sinais de hipertensão
intracraniana sugere a localização do abscesso. Crises convulsivas são
frequentes e também possuem valor localizatório.(18-21)
Diagnóstico
O diagnóstico dos abscessos cerebrais é feito a partir do quadro clínico
já referido acima, associado a exames laboratoriais e de neuroimagem.
Os exames hematológicos são inespecíficos, apontando para um quadro infeccioso. O estudo do LCR também pode ser pobre em achados,
sobretudo quando não associados a uma meningite prévia, e não deve
ser realizado na vigência de hipertensão intracraniana. A comprovação do abscesso é dada pelos exames de neuroimagem. O aspecto
radiológico pode variar de acordo com a fase do diagnóstico, desde
uma cerebrite inicial (por volta do quarto dia de evolução da doença),
até uma fase de coleção localizada, com uma cápsula bastante vascularizada (de 11 a 14 dias).
Apresentam caracteristicamente uma área de edema cerebral, inicialmente mais difuso na fase de cerebrite, e em seguida contornando
a cápsula. Nas fases iniciais, apenas uma área de hipodensidade com
efeito de massa é demonstrada à TC de crânio. Nas fases mais avançadas, praticamente todos os abscessos apresentam na TC contrastada
o anel em volta da lesão, característico da captação do contraste pela
cápsula vascularizada. Nas fases iniciais, caracteristicamente na RM,
são demonstradas hipointensidade em T1 e hiperintensidade de sinal
em T2, que evoluem para acentuação dessas características nas fases
mais tardias, com a formação de anel hiperintenso em T1 não contrastado e hipointenso em T2 em torno da área central de necrose.(22, 23)
Tratamento
A despeito de persistirem questões sobre o tratamento ideal dos abscessos cerebrais, a combinação de aspiração cirúrgica livre ou com
estereotaxia única ou repetida, de acordo com a evolução da lesão, e
em alguns casos a remoção completa da coleção purulenta, incluindo
Doenças Infecciosas e Parasitárias do Sistema Nervoso Central
83
a cápsula através de craniotomia para alívio da hipertensão intracraniana e obtenção de material para cultura e antibiograma, associada
a antibioticoterapia por cerca de seis semanas com monitorização por
TC de crânio com contraste representa, na maioria das séries existentes na literatura, um método eficaz e eficiente de tratamento. A escolha do método de abordagem cirúrgica não parece influenciar na
determinação do sucesso do tratamento, estando relacionado sobretudo às condições do paciente, preferência do cirurgião ou estrutura
disponível para sua realização. O estado do paciente e a rapidez com
que é iniciado o tratamento são mais diretamente relacionados ao
resultado. Os critérios para indicação de repetição da punção-aspiração e escolha do antibiótico não são, até a presente data, consenso nos
diversos serviços neurocirúrgicos. Alguns autores defendem ainda o
uso exclusivo de antibioticoterapia em abscessos únicos < 2,5 cm de
diâmetro.(21)
A escolha do antibiótico é na maioria das vezes feita de modo
empírico em seu início, sendo essa escolha relacionada principalmente
ao foco inicial de contaminação, até que sejam obtidas culturas e antibiogramas específicos, lembrando que com frequência essas provas
microbiológicas apresentam resultados negativos. Não existem evidências científicas através de estudos randomizados controlados que avaliem a eficiência dos diversos protocolos de antibióticos empregados
no tratamento dos abscessos cerebrais. A associação do metronidazol
com cefalosporinas de terceira geração, notadamente cefotaxime ou
ceftriaxone, associada a um terceiro antibiótico (a depender das culturas), tem se mostrado satisfatória, mesmo levando-se em conta os
efeitos tóxicos que algumas vezes forçam a interrupção do tratamento
antes de completar o período de seis semanas.(21-23)
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Traumatismo Craniano
na Infância
José Roberto Tude Melo
Mestre em Medicina pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Doutor em Medicina (Programa CAPES-PDEE Brasil/França).
Coordenador da Unidade de Neurocirurgia Pediátrica do Hospital
Martagão Gesteira (Salvador, BA). Supervisor da Divisão de
Neurocirurgia Pediátrica do Hospital São Rafael (Salvador, BA).
Neurocirurgião do Hospital Universitário Prof. Edgard Santos
(UFBA). Membro Titular da Sociedade Brasileira de
Neurocirurgia e Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Pediátrica
(SBNPed). Membro afiliado estrangeiro da Sociedade Europeia
de Neurocirurgia Pediátrica.
E-mail: [email protected]
*O autor declara não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na elaboração
do presente capítulo.
Conceitos/Dados epidemiológicos
Apesar do número crescente de crianças e adolescentes vítimas de
trauma craniencefálico (TCE), no Brasil existem poucos estudos sobre
o tema, principalmente concernente aos fatores que avaliam o prognóstico, tomando por vezes resultados subestimados quanto aos dados
epidemiológicos e com isso dificultando a decisão de condutas no
diagnóstico e tratamento.(1, 2) O grupo de pacientes na faixa pediátrica
(crianças e adolescentes) é o segundo grupo mais atingido em alguns
estados brasileiros, precedido apenas pelos adultos em idade produtiva.(3) Quanto às causas do trauma, destacam-se três grandes grupos,
a saber: agressões físicas e violência urbana (com ou sem o uso de
armas brancas ou de fogo), as quedas (da própria altura ou de uma
altura maior) e os acidentes com meios de transporte (incluindo os
acidentes automobilísticos, atropelamentos, motociclísticos, ciclísticos
e outros transportes não motorizados).(1)
88
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Abuso, agressões físicas e violência urbana
Em crianças, sobretudo até os 2 anos de idade, torna-se fundamental
averiguar os “traumatismos não acidentais”, conhecidos também como
“traumas cranianos por abuso” ou “maus-tratos”, incluídos neste grupo
a síndrome do bebê sacudido ou chacoalhado, síndrome da criança espancada e síndrome da criança sacudida seguida de impacto, ou seja, aqueles que ocorrem por violência física proposital, destacada por alguns
autores como principal causa de óbito na população pediátrica.(4, 5) As
crianças vítimas de maus-tratos devem ser atendidas como portadoras
de TCE grave, assim como os traumatismos obstétricos e os politraumatizados.(2, 5) Habitualmente o mecanismo envolvido neste tipo de trauma
(síndrome do bebê sacudido ou chacoalhado) ocorre por um movimento
de aceleração e desaceleração do crânio, enquanto o agressor segura a
criança pelo tórax ou braços. Esta sucessão de movimentos de impulsão
propiciados pelo agressor ainda pode resultar na colisão do crânio contra outro objeto.(4, 6) As lesões mais frequentemente associadas a este tipo
de trauma são as hemorragias retinianas bilaterais (com variação entre
47 e 85%) e os hematomas subdurais (HSD), presentes em 80 a 90% dos
casos (Figura 1). Neste grupo de pacientes torna-se fundamental um
exame oftalmológico acurado, além da tomografia computadorizada
(TC) do crânio e avaliação radiológica completa do esqueleto para um
Figura 1 Tomografia de crânio evidenciando hematoma subdural,
hemorragia subaracnóidea e em corpo caloso, em lactente com
suspeita de maus-tratos e chacoalhamento. Observa-se ponta de
cateter ventricular para monitorar a pressão intracraniana.
Traumatismo Craniano na Infância
89
melhor diagnóstico das lesões decorrentes deste tipo de trauma.(4-6) Outros
tipos de agressões físicas em crianças mais velhas e adolescentes, decorrentes da violência urbana, são destacados em diversos estudos, tornando-se importante a avaliação de políticas públicas de segurança.(1, 2)
As quedas
As quedas são as causas mais frequentes de TCE na população pediátrica, predominando entre os pré-escolares (entre 2 e 6 anos de
idade).(1, 2, 7) Podem ser divididas em quedas da própria altura e quedas
de alturas superiores, sendo que as segundas costumam ter um mecanismo envolvendo movimento (cinética) maior, com consequências
geralmente mais graves.(7) As quedas de altura em crianças com menos
de 5 anos de idade podem estar relacionadas com quedas do colo da
mãe (ou outro cuidador), berço, cama ou escada. Após esta faixa etária,
associam-se mais frequentemente com as quedas de lajes, escadas, cama,
muros e árvores.(1, 8) Quanto à biomecânica envolvida nas quedas, pode
existir uma força de aceleração maior ou menor, com consequente
parada após a colisão contra um objeto fixo ou não, rígido ou maleável.
A consistência deste obstáculo de colisão, assim como a sua cinética (se
móvel ou fixo), influenciarão na gravidade do traumatismo.(7)
Acidentes com meios de transporte
(acidentes de vias públicas)
Destacam-se como principais: os acidentes automobilísticos, os atropelamentos, os acidentes motociclísticos e os acidentes ciclísticos.(1)
Entre os acidentes com meios de transporte, os atropelamentos destacam-se como importante causa de TCE entre crianças (principalmente
após 5 ou 6 anos de idade) e adolescentes, podendo ser este tipo de
traumatismo um fator diretamente relacionado a um pior prognóstico,
devido ao mecanismo do trauma e biomecânica envolvidos.(1, 2, 8)
Diagnóstico e manejo da criança vítima de TCE
O atendimento e manejo pré-hospitalar e hospitalar baseia-se em protocolos estandardizados que devem ser rigorosamente seguidos. O des-
90
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
conhecimento ou não cumprimento destes protocolos é inconcebível
para aqueles que agem na fase de atendimento pré-hospitalar ou hospitalar.(2) Quanto à definição da gravidade do TCE, a escala de coma de
Glasgow (ECGl) ainda é a mais utilizada, por vezes de difícil aplicação
em crianças abaixo dos 2 anos de idade, apesar de adaptações.(1, 2, 9)
A partir da história clínica e identificação da causa e mecanismo
do trauma (biomecânica), avaliando de forma concomitante a ECGl,
definem-se as condutas e etapas a serem seguidas. A TC é o exame de
escolha para definição e diagnóstico de lesões agudas decorrentes do
TCE, sendo indicada em todas as crianças vítimas de abuso (independente do escore na ECGl), nos casos de TCE com ECGl < 14, nas
vítimas de politraumatismo e naquelas com médio e alto risco de possuírem lesões intracranianas, mesmo em ECGl = 15.(2, 10) Quando
presentes, as principais lesões identificadas na TC de crianças vítimas
de TCE leve são as fraturas e os hematomas subgaleais, e por vezes,
os hematomas epidurais (HED). Os achados tomográficos em vítimas
de TCE moderado e grave vão desde as fraturas e afundamentos cranianos, inchaço cerebral, HED e HSD, contusões cerebrais e lesões
axonais difusas.(2, 9, 10) A TC de corpo inteiro pode ser ponderada em
crianças com TCE grave e/ou politraumatizadas, assim como nas
vítimas de abuso (síndrome do bebê sacudido).(2, 5, 9)
Tratamento cirúrgico e prognóstico
A prevenção ao TCE continua sendo a principal forma de tratamento,
entretanto, alguns estudos realizados no Brasil ainda evidenciam um
grande número de pais que colocam em risco a vida dos seus filhos ao
posicionarem estes em assento inadequado quando ocupantes do veículo, pela não utilização da faixa de pedestre, no caso das vítimas de
atropelamentos, e ausência do capacete nos adolescentes vítimas de acidentes de moto ou outros veículos de duas rodas.(2)
As lesões craniencefálicas pós-traumáticas podem ser divididas
em primárias, agravo secundário e lesão secundária. A primária é
decorrente de lesão anatômica direta sobre o crânio no momento do
impacto, enquanto a secundária ocorre ao nível de célula nervosa
devido a uma resposta inflamatória caracterizada pela produção de
radicais livres e neurotransmissores excitatórios.(2) Concernente às
lesões primárias, podemos subdividi-las em focais (fraturas e afunda-
Traumatismo Craniano na Infância
91
mentos cranianos, HED, HSD e contusão cerebral isolados) e difusas
(inchaço cerebral, lesão axonal difusa, contusões cerebrais esparsas,
hemorragia subaracnóidea traumática e determinados HSD).(9)
No caso de crianças com ECGl < 8 (TCE grave), todas devem ser
intubadas, posicionadas com colar cervical e acesso venoso de bom
calibre.(9) Sobretudo no caso de lesões cerebrais difusas, estará indicada
a monitorização invasiva da pressão intracraniana (PIC). No caso de
crianças com importante instabilidade hemodinâmica e distúrbios graves da coagulação, em que a monitorização invasiva da PIC poderia
ser catastrófica, pode-se realizar a monitorização não invasiva da PIC,
por meio de doppler transcraniano (até a estabilização do quadro).(2, 9, 11)
Deve-se almejar o controle da PIC (mantendo valores <15-20 mmHg,
ou inferiores no caso de neonatos e lactentes), PPC (pressão de perfusão
cerebral > 50 mmHg) e consequentemente otimizar o fluxo sanguíneo
cerebral (FSC). Pode-se considerar que a permanência de PIC elevada
ou valores baixos de PPC sejam indicativos da necessidade de manobras mais agressivas para o seu controle, como a craniectomia descompressiva.(1, 2, 12) O uso da microdiálise cerebral em crianças vítimas de
TCE grave ainda necessita de maiores estudos para definição de sua
eficácia e importância na terapêutica destes pacientes, mas pode ser
mais um meio para esclarecimentos sobre o metabolismo cerebral,
auxiliando no paradigma do tratamento destas vítimas.(13)
Em lesões cranianas (ósseas) pós-traumáticas, como as fraturas e
afundamentos (Figura 2), existe grande controvérsia quanto ao manejo
conservador ou cirúrgico.
Figura 2 Tomografia do crânio com reconstrução óssea,
evidenciando fratura e afundamento craniano.
92
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Considerar conduta cirúrgica quando apresentarem a região do
afundamento maior que a espessura da tabua óssea adjacente, assim
como em determinados traumas abertos com laceração do escalpe e
comunicação com o meio externo, presença de déficits neurológicos
decorrentes deste afundamento, afundamentos ósseos fora dos seios
venosos durais, presença de sinais tomográficos que sugiram laceração
da dura-máter e naqueles que comprometam a estética da criança.(14, 15, 16)
Nos HED deve-se considerar o estado neurológico da criança (ECGl)
e sinais de localização (como, por exemplo, anisocorias e déficits neurológicos), e o volume do hematoma (Figura 3).
Considerar a possibilidade de cirurgia nos casos de rebaixamento
do sensório e déficits neurológicos focais associados ao hematoma, e
quando a espessura deste na TC de crânio for > 15 mm ou com desvio da linha média > 5 mm.(17)
Figura 3 Volumoso hematoma epidural, em lactente vítima de queda
da cama dos pais.
Classicamente os hematomas epidurais são drenados por craniotomias.(17)
No caso dos HSD, geralmente considerados cirúrgicos quando
possuírem espessura > 10 mm, a depender do quadro clínico (sobretudo quando ECGl < 12); lembrar a avaliação do índice de Zumkeller
e aventar a possibilidade, especialmente no caso de crianças abaixo
Traumatismo Craniano na Infância
93
de 2 anos de idade, de TCE por abuso (síndrome do bebê sacudido).
Nestes casos, a cirurgia pode variar desde uma punção transfontanela
para evacuação do hematoma, sobretudo em crianças com traumas
muito graves e hemodinamicamente instáveis, seguido pelas derivações
subdurais subgaleais, subdurais peritoneais, craniotomias e até as craniectomias descompressivas. As craniotomias para drenagem destes
hematomas estará indicada caso sejam agudos, possuam efeito de
massa (associados a inchaço cerebral e desvio da linha média), lembrando que caso a opção seja de craniectomia descompressiva, esta
deve ser considerada o mais breve possível.(5, 12)
Salienta-se que alguns fatores associados a um pior prognóstico
devem ser combatidos, ou ao menos evitados, para reduzir os danos
cerebrais secundários, como a hipóxia, hipotensão, hipotermia acidental, hiperglicemia e distúrbios da coagulação.(9, 18) Além da ECGl,
algumas escalas foram criadas no escopo de mensurar o risco de morte
ou avaliar o prognóstico em crianças vítimas de TCE, a saber: PRISMA,
Pediatric Trauma Score (PTS), Necker Cranial Injury Scale (NCIS), entre
outras.(2, 9) Algumas delas destacam os fatores modificáveis de prognóstico, ou seja, em que o profissional que cuida desta criança pode agir
e consequentemente reduzir o risco de morte ou melhorar o prognóstico destas vítimas.(2, 9, 18) As sequelas neurológicas em crianças vítimas
de TCE variam desde déficits mínimos até a completa dependência,
variando de acordo com a biomecânica e gravidade do trauma, rapidez e eficiência do atendimento e tratamento (pré-hospitalar e hospitalar). Concernente à letalidade, pode atingir valores altíssimos em
vítimas de TCE grave (30%), sendo ainda maior nas vítimas de trauma
craniano por abuso (síndrome do bebê sacudido).(4, 6, 9)
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Paralisia Obstétrica
do Plexo Braquial
Paulo Ronaldo Jube Ribeiro1
Fábio Veiga de Castro Sparapani 2
Neurocirurgião do Hospital da Criança em Goiânia.
Coordenador da residência em neurocirurgia do Hospital Alberto
Rassi (HGG) de Goiânia. Mestre em neurocirurgia pela EPM/
UNIFESP.
1
Coordenador do setor de cirurgia do sistema nervoso
periférico da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. Mestre e
Doutor pela USP/SP
2
*Os autores declaram não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na
elaboração do presente capítulo.
Introdução
A paralisia obstétrica do plexo braquial constitui atualmente numa
lesão menos frequente(1) em que a maioria dos pacientes (80 a 90%)
tem uma recuperação parcial ou completa da lesão.(2, 3) Em 1768, Smellie
descreveu um recém-nascido com paralisa bilateral dos braços. Em
1872, Duchenne descreveu quatro casos e criou o termo “paralisa obstétrica”. Em 1874, Erb descreveu a paralisia C5/C6, e ainda em 1885,
Klumpke descreveu a paralisia de tronco inferior. A primeira descrição
cirúrgica foi de 1903, por Kennedy, mas os resultados ruins e pobres
levaram ao abandono de tentativas cirúrgicas e o recomendado era o
seguimento clínico, até que nos anos 80, com a microcirurgia, Gilbert
descreveu as técnicas de reconstrução do plexo braquial.
A lesão do plexo braquial pode decorrer do estiramento ou na
avulsão das raízes da medula, e os fatores de risco são:
• Distocia de ombro – aumenta em quase cem vezes o risco;
• Macrossomia fetal – fetos com mais de 4,5 kg têm quatorze
vezes maior risco;
96
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
•
•
•
•
•
Apresentação de vertex;
Parto com fórceps ou sob instrumentação – nove vezes o risco;
Diabetes;
Parto prolongado;
Multiparidade.
A cesárea diminui o risco, mas não o elimina totalmente e é responsável por apenas 1% dos casos, e parece estar relacionado a uma
maior hipotonia do feto.(4)
Anatomia
O plexo braquial é formado por raízes de C5 a T1 em 75% da população, sendo que ele pode ter a participação de raízes de C4 (22%),
ou ainda de T2 (1%). A lesão mais frequente acomete o tronco superior, que é formado por raízes de C5 a C6, e corresponde a 60% das
lesões, sendo conhecida como paralisa de Erb. Quando há lesão de
C7 associada é tida como Erb estendida, e são mais 20 a 30% das
lesões. A lesão total do plexo, envolvendo raízes de C5 a T1, ocorre
de 15 a 20%, e a paralisia do tronco inferior é rara e envolve C8 e T1,
sendo conhecida como Klumpke (Quadro 1).(3)
Quadro 1
Lesões do plexo braquial.
Denominação
Raízes
Acometidas
Déficit
ERB – Tronco
Superior
C5 e C6
Abdução e rotação externa do ombro
Flexão do antebraço
ERB Estendida –
Tronco Superior
e Médio
C5 a C7
Os acima acrescidos de déficits na
extensão do cotovelo e dedos
Klumpke
C8 a T1
Intrínsecos da mão e flexores dos
dedos
Total
C5 a T1
Todo o membro
Fisiopatologia
Geralmente a lesão decorre de uma flexão do pescoço com o ombro
fixado ou pela tração longitudinal do braço, o que explica o acometimento preferencial do tronco superior.
Paralisia Obstétrica do Plexo Braquial
97
Diagnóstico
O diagnóstico é feito logo após o nascimento, devido à presença da
paralisia, com a perda dos movimentos no membro superior, e pode
ser avaliado ainda pela perda dos reflexos profundos e assimetria nos
reflexos de Moro e da torção cervical. A presença de síndrome de
Horner, caracterizada por enoftalmia, miose, ptose, e anidrose facial,
indica, nestes casos, lesão de C8 e T1, e apresentam um pior prognóstico.(3, 5) Com o passar do tempo, somente a miose será facilmente
reconhecida na criança.
Os principais diagnósticos diferenciais são: fratura de clavícula, fratura de úmero, lesões cervicais e medulares, e ainda, a paralisia cerebral.
As lesões associadas mais comuns são: hipóxia, paralisia do nervo facial
ou frênico, fratura de úmero, da clavícula ou fratura cervical, luxação do
ombro e o torcicolo. Uma vez feito o diagnóstico da paralisia obstétrica
do plexo braquial é imperativo que seja feita a localizaçao anatômica e
mensurada a gravidade da lesão, pois isto será determinante no prognóstico da possível recuperação espontânea. A progressão dos movimentos
nos primeiros 3 a 6 meses é fundamental para este prognóstico.(5)
Na avaliação clínica, o nível pode ser determinado pelos seguintes
movimentos básicos:
•
•
•
•
•
C5 – Abdução do ombro e rotação externa do ombro
C6 – Flexão do cotovelo
C7 – Extensão do cotovelo
C8 – Extensão dos punhos e dos dedos
T1 – Musculatura intrínseca dos dedos
A história natural da lesão mostra que até 90% das lesões apresentam recuperação quase completa até 2 meses.
O aparecimento da função do bíceps entre 3 e 6 meses está associado a uma possível recuperação espontânea. Caso não ocorra ou
ocorra após o 6º mês, o prognóstico de recuperação já decai muito, e
a função presente no 9º mês é bem próxima do resultado final esperado da recuperação espontânea.
O exame clínico das crianças é muito difícil, pois elas cooperam
pouco e geralmente não obedecem a ordens, o que demanda muita
paciência, além de exames clínicos repetidos, para não cansar a criança
e se obter um exame mais fidedigno.
98
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
É importante adotar escalas de avaliação para que se possam repetir sistematicamente os exames. A escala mais utilizada é a Escala da
Motricidade Ativa de Toronto (Quadro 2): Flexão do cotovelo; Extensão do cotovelo; Extensão do punho; Extensão do polegar; Extensão
dos dedos.
Estas avaliações devem ser repetidas com 3, 6 e 9 meses.
No 9º mês, adota-se o Teste do Biscoito (Cookie Test), que consiste
na capacidade da criança segurar um biscoito e levá-lo à boca sem
flexionar a cabeça mais que 45 graus, o que significa que ela é capaz
de fazer a abdução do ombro, a flexão do cotovelo e a rotação externa
do úmero.
Os exames subsidiários que podem ajudar são: radiografias do
ombro, coluna cervical e tórax; ressonância magnética do plexo braquial e da coluna cervical; mielografia por ressonância ou por tomografia, que apresentam o mesmo valor preditivo e sensibilidade para
o diagnóstico de pseudomeningoceles, que são características das avulsões, mas não são patognômonicas.
Quadro 2
Escala da Motricidade Ativa de Toronto
Escala
Motora
Toronto
Observação
Nota na
escala
Nota convertida
(Toronto scale)
Ação sem a gravidade
Sem contração
1
0
Contração, sem movimento
2
0,3
Movimento < ou = à metade da amplitude
3
0,3
Movimento > ou = à metade da amplitude
4
0,6
Movimento < ou = à metade da amplitude
5
0,6
Movimento < ou = à metade da amplitude
6
1,3
Movimento pleno
7
2,0
Ação contra a gravidade
Eletroneuromiografia (ENMG): muitos acreditam que os estudos
por ENMG são menos úteis aqui que nos adultos, e que o diagnóstico
clínico é o mais importante. Porém, um tipo de ENMG bastante precoce,
Paralisia Obstétrica do Plexo Braquial
99
realizada após o 10º dia e antes dos 60 dias de vida, pode ajudar no prognóstico das lesões,(6) já que muitas vezes os prognósticos da ENMG tradicional são mais animadores que a recuperação realmente obtida.
Tratamento
O tratamento fisioterápico deve ser instituído assim que se fizer o diagnóstico para manter as articulações, ligamentos e musculatura com
um grau adequado de mobilidade e estimulação. Não há tratamento
medicamentoso. A indicação cirúrgica segue o fluxograma do final do
capítulo.(7)
Os pacientes com lesões completas envolvendo C8 e T1 devem
ter indicação cirúrgica o mais breve possível, sendo razoável indicá-lo
por volta do 2º ou 3º mês de vida.
Os objetivos cirúrgicos são, por ordem de importância:
• Recuperação da função da mão, flexão do cotovelo e, por
último, a estabilização do ombro, ou seja, a sequência diametralmente oposta à desejada nas lesões envolvendo adultos.
As opções cirúrgicas são:
I) Neurólise: consiste na exploração e dissecção do plexo braquial,
sendo sua indicação limitada aos casos em que existe uma regeneração
neural comprovada, em andamento.
II) Enxerto do nervo: consiste na ressecção do neuroma formado e
colocação de enxertos, geralmente do nervo sural ou cutâneos, entre os
cotos viáveis, fornecendo um arcabouço para o crescimento axonal.
III) Neurotização ou transferência de nervos: tem o objetivo de
transferir a função de um nervo motor “redundante” ou parte de uma
função menos vital para outro nervo não funcionante, e tem boa indicação nas avulsões de raízes, lesões irreparáveis por outros meios e
lesões muito extensas. Tem as vantagens de oferecer uma inervação
doadora próxima da receptora, com um trajeto curto, seletivo (só
motor ou só sensitivo) e com potencial de recuperação maior. Tem a
desvantagem de poder gerar déficits na área doadora.
O tratamento fisioterápico pós-operatório é fundamental e deve
respeitar as características de cada tipo de cirurgia. Não se pode esquecer as deformidades articulares, especialmente a da articulação
100
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
glenoumeral, que estas crianças podem vir a desenvolver e que necessitam da avaliação de um ortopedista experiente.
Paralisia
obstétrica
T1 funcionante e
sem síndrome de
Horner
Escala de
Toronto aos 3
meses
Avulsão de T1 ou
com síndrome de
Horner
Falha
OK
Escala de
Toronto aos 6
meses
Sem
Progresso
Indicação
de cirurgia
de nervo
Progresso
“Cookie teste”
aos 9 meses
Falha
OK
Sem cirurgia
primária de nervo
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Neoplasias do Sistema
Nervoso Central na Infância:
Novas Perspectivas
e Abordagens
Benicio Oton de Lima
Neurocirurgião do Hospital de Base do Distrito Federal e do
Hospital da Criança de Brasília. Mestre pela Universidade de
Brasília (UNB). E-mail: [email protected].
*O autor declara não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na elaboração
do presente capítulo.
Introdução
Tumores do sistema nervoso central (SNC) são um grupo diverso de
doenças que juntas constituem o tumor sólido mais comum da infância. Alguns têm um péssimo prognóstico enquanto outros podem ser
curados. Melhoras sensíveis foram alcançadas na sobrevida de crianças e adolescentes com câncer. Entre 1975 e 2002, a mortalidade por
câncer infantil diminuiu mais de 50%.(1) A causa da maioria dos tumores do SNC na infância é desconhecida. O tratamento tem melhor
resultado quando o diagnóstico é feito corretamente, bem como o
estadiamento da neoplasia. O tratamento ideal de uma criança com
um tumor no SNC implica na atuação conjunta da neurocirurgia,
neuropatologia, neurorradiologia, oncologia pediátrica, radioterapia,
endocrinologia, fisioterapia e psicologia, todos com experiência em
tratar essa patologia. Mais de 70% das crianças com tumores do SNC
vão sobreviver mais de 5 anos, dependendo do tipo do tumor e do seu
estadiamento. Podem ocorrer sequelas tanto pela presença do tumor
quanto pelo tratamento aplicado.(2) Graças aos novos conhecimentos,
temos novas perspectivas no diagnóstico, no manejo cirúrgico, no tratamento oncológico e na reabilitação dessas crianças.
104
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Diagnóstico por imagem
O desenvolvimento das técnicas de neuroimagem facilitaram o diagnóstico e manejo dos tumores do SNC. Se antes da tomografia computadorizada (TC) e da ressonância magnética (RM) de crânio os
tumores intracranianos só eram diagnosticados quando causavam
hipertensão intracraniana e sinais focais, hoje em dia são frequentes
os diagnósticos de tumores com sintomas mínimos ou mesmos encontrados de maneira incidental. A descoberta incidental de tumores do
SNC pequenos provavelmente aumenta as chances de sobrevida dos
pacientes.(3) As modernas técnicas de RM como espectroscopia, perfusão e RM funcional permitem que além da informação anatômica
sejam obtidas informações fisiológicas sobre o metabolismo e hemodinâmica do tumor. Esses dados ajudam no manejo clínico das crianças com neoplasias do SNC.
Perfusão: tumores cerebrais crescem mais rápido que a formação
de vasos e ocorre hipóxia e liberação de citocinas angiogênicas. Os
vasos tumorais assim produzidos são histologicamente anormais e mais
permeáveis que o normal, além de serem mais desorganizados e tortuosos.(4) Tais alterações do fluxo sanguíneo são vistas na RM-perfusão
dinâmica, ajudando a distinguir tumores de alto grau de malignidade,
com alta perfusão, daqueles de baixo grau. Tal técnica permite também identificar áreas de tumor com alta perfusão, guiando a biópsia
estereotáxica. Como as áreas de captação do contraste não representam as margens reais do tumor, provavelmente a RM-perfusão seja
mais sensitiva definindo a real extensão da neoplasia. Isso pode ajudar
no planejamento cirúrgico e radioterápico, diferenciar radionecrose
de recorrência (radionecrose tem baixa perfusão) e na resposta à radioterapia (se houver diminuição na perfusão significa resposta ao tratamento, mesmo se o tumor continua a captar contraste).
Espectroscopia: com essa técnica de RM podemos estudar o perfil metabólico de uma determinada região do cérebro, geralmente
dominada por cinco picos metabólicos: colina (Cho, que reflete a formação de membrana celular), creatina (Cr, que traduz síntese de energia), N-acetil-aspartato (NAA, marcador de células neuronais), lactato
(produzido no metabolismo anaeróbio e visto em necrose ou infarto)
e lipídios (resultado de destruição de mielina ou células. Nos tumores
cerebrais geralmente observa-se um pico de Cho e queda da NAA.(5)
Neoplasias do Sistema Nervoso Central na Infância
105
O uso da espectroscopia pode ajudar a diferenciar o edema circundando uma lesão de um tumor infiltrativo.
Difusão: com essa técnica, obtêm-se imagens que refletem a taxa
de difusão de água em um determinado voxel (pixel tridimensional).
Tem duas grandes aplicações: Na RM ponderada em difusão obtêm-se
informações sobre danos a partes do sistema nervoso central. Na RM
de tensor de difusão obtêm-se informações sobre os tratos nervosos.
Com ajuda dessas técnicas, pode-se avaliar se a neoplasia infiltra ou
desloca tratos importantes como o piramidal e ajudar na indicação e
planejamento cirúrgico.
RM funcional: essa técnica localiza áreas eloquentes do córtex
cerebral responsáveis pela fala, força, memória. É mais utilizada para
mapear a área da fala, sendo comum alterações da região da fala
determinadas pelo tumor. É um exame que não é preciso em crianças
mais jovens. A associação das diferentes técnicas de obtenção de imagens de RM proporciona aumento na informação diagnóstica não
invasiva quando comparada à RM convencional.(6) Com diagnóstico
mais preciso, consequentemente há benefício para o tratamento da
criança portadora de tumor do SNC, com maior ressecção da lesão e
melhor preservação do tecido nervoso.
Cirurgia
A neurocirurgia moderna para tumores do SNC tem evoluído para
maximizar a ressecção segura do tumor, minimizando os riscos de
lesão funcional ao tecido nervoso. O uso de microscópio cirúrgico e
aspirador ultrassônico para ressecção dos tumores já faz parte do cotidiano do neurocirurgião pediátrico. O diagnóstico preciso da lesão, o
conhecimento da história natural da neoplasia e um centro de atendimento multidisciplinar para a criança com um tumor cerebral são
essenciais para obter melhores resultados. É importante lembrar que
grandes avanços também ocorreram na anestesiologia e no manejo
pós-operatório em unidades de terapia intensiva, sem os quais os resultados neurocirúrgicos não seriam obtidos. O princípio que a sobrevida
aumenta com uma maior ressecção deve ser contrabalançado com o
risco de perda funcional em ressecções radicais. Vários avanços tecnológicos foram desenvolvidos no sentido de aumentar a identificação
106
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
do tumor durante a cirurgia e ao mesmo tempo preservar a anatomia
e a função cerebral, como a monitorização e estimulação neurofisiológica transoperatória, neuronavegação, ultrassom transoperatório,
neuroendoscopia e ressecção guiada por fluorescência.(7)
Monitorização fisiológica transoperatória: em crianças mais jovens
não é possível a realização da craniotomia com o paciente acordado,
tecnologia restrita a ser usada em adolescentes e adultos, quando se
tenta mapear a área da linguagem. Em tumores próximos ao córtex
motor, a melhor maneira de mapear a área motora é a estimulação
elétrica cortical e subcortical durante a craniotomia aberta e observar
os efeitos na criança. Essa estimulação permite identificar as vias motoras durante a ressecção da neoplasia,(8) limitando a ressecção do tumor
para preservar a função, se necessário. Em crianças abaixo de 5 anos,
o cérebro imaturo pode dificultar a identificação da área rolândica.
A monitorização neurofisiológica ajuda na ressecção de tumores da
fossa posterior, tanto na identificação das grandes vias neurais quanto
nos nervos cranianos.
Neuronavegação: a cirurgia guiada por neuronavegação baseada
em RM pré-operatória é útil desde a incisão da pele, no planejamento
da craniotomia e na correta localização da lesão. Se a RM pré-operatória usar técnicas de tensor de difusão, com tractografia, ajudam
sobremaneira no planejamento da ressecção tumoral. A neuronavegação torna-se menos confiável após abertura da dura-máter e drenagem de líquor, pelos desvios que podem ocorrer. A neuronavegação
ajuda em planejar a via de acesso mais adequadamente, posicionando
melhor a craniotomia, evitando erros de trajetória e profundidade;
traça a menor e melhor rota intracerebral, reduzindo o risco de lesão
funcional; aumenta a chance de ressecção total da neoplasia.
Ultrassom transoperatório: é consenso que a ultrassonografia transoperatória ajuda na localização e delimitação do tumor, no planejamento do acesso transcortical, na avaliação do grau de ressecção.(9)
Além disso, é um instrumento de baixo preço e fácil uso, não depende
de deslocamentos cerebrais que ocorrem após drenagem de líquor,
pois fornece a imagem em tempo real. O ultrassom pode ser usado
em conjunto com a neuronavegação, com fusão de imagens da RM,
melhorando a eficiência do método. A ressonância magnética transoperatória, que pode determinar se ainda há tumor residual, tem limitações, principalmente pelo seu alto custo.
Neoplasias do Sistema Nervoso Central na Infância
107
Microscopia confocal: a tecnologia que permite diagnosticar um
tumor cerebral in vivo e identificar as margens tumorais durante a
cirurgia são inovações que aumentam a chance de obter uma ressecção mais radical com menor morbidade.(10) Em tumores extra-axiais,
a microcirurgia delimita os bordos do tumor. Para lesões intra-axiais,
torna-se difícil a separação entre o tumor e o tecido normal. Essa tecnologia já vem sendo usada para identificação e ressecção de tumores
na mucosa gastrointestinal, mucosa da bexiga, pele e olho. Consiste
em injeção de fluorosceína que demarca o tumor, sendo mais bem
visualizada em um microscópio construído com a tecnologia confocal,
já disponível comercialmente por fabricantes tradicionais de microscópios cirúrgicos. Outros agentes além da fluorosceína também podem
ser utilizados para marcação do tumor in vivo, como a indocianina
verde e o ácido aminolevulínico. Essa tecnologia deve facilitar a ressecção tumoral, principalmente de suas margens.
Neuroendoscopia: o uso da neuroendoscopia, que inicialmente
foi empregado basicamente para tratamento da hidrocefalia, tem se
diversificado com o passar do tempo. Hoje é o padrão de técnica cirúrgica no tratamento dos tumores de hipófise, substituindo o uso do
microscópio convencional. Passou a ser utilizado para ressecção de
tumores intraventriculares, contando com o uso de aspiradores ultrassônicos de tamanho e forma adequados para serem utilizados com o
neuroendoscópio. Tem sido utilizado também para realização de biópsia de tumores ventriculares.(11) Em alguns tumores como os cordomas
e craniofaringiomas, por vezes, é possível uma ressecção radical da
lesão por via endonasal com uso do neuroendoscópio. Tumores císticos também podem ser tratados por neuroendoscopia.
Biologia molecular
Os tumores do SNC na infância têm um comportamento biológico
diferente, mesmo para tumores com o mesmo diagnóstico histopatológico. A grande evolução das últimas duas décadas, que continua nos
dias atuais no campo da biologia molecular e genética, veio ajudar o
nosso conhecimento sobre essas patologias. Atualmente se consegue
entender melhor por que uma criança portadora de um meduloblastoma clássico visto na coloração tradicional de hematoxilina e eosina
tem comportamento biológico diverso de outra criança com mesmo
108
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
tipo de tumor, mas com achados de imuno-histoquímica diferentes.
Esse conhecimento que ainda está em evolução ajuda no uso de terapias diferentes, com objetivo de obter uma melhora na qualidade de
vida nas crianças com neoplasias do SNC. Meduloblastoma, como é
o tumor mais frequente na faixa pediátrica, tem sido o tumor mais
estudado. A classificação anterior dos subgrupos de meduloblastoma
em alto risco e risco padrão não reflete a realidade do comportamento
histológico do tumor, pois crianças com risco padrão por vezes têm
tumores com comportamento agressivo. Classificação em subgrupos
de acordo com o perfil imuno-histoquímico tem sido usada, mas com
a ressalva de que novos conhecimentos podem trazer novas classificações. Meduloblastomas com expressão de beta-catenina do subgrupo
WNT têm o melhor prognóstico, enquanto aqueles com expressão do
proto-oncogene MYC têm o pior prognóstico.(12) A associação do perfil imuno-histoquímico com o achado histopatológico na coloração
clássica de hematoxilina e eosina e, é claro, o quadro clínico da criança
nos dão uma ideia mais acertada sobre o prognóstico e nos ajuda a
planejar uma forma de tratamento mais adequado para a criança.
O médico assistente da criança com neoplasia do SNC por vezes se
confunde com o grande número de marcadores biomoleculares existentes, mas o conhecimento dos mais importantes com relação a um
determinado tipo de tumor ajuda no manejo da criança, principalmente
no programa de tratamento pós-operatório e no prognóstico, sendo
estimulado a estudar os achados imuno-histoquímicos de cada caso.
Radioterapia
Apesar dos efeitos da radioterapia ionizante sobre um cérebro em
desenvolvimento, a maioria das crianças com tumores do SNC necessita de tratamento radioterápico ao longo do tratamento. O tratamento
muitas vezes é associado à quimioterapia, devendo ser programado
em conjunto com o Oncologista Pediátrico quanto à modalidade, dose
e volume da radioterapia. Uma dose adequada de radiação na neoplasia deve ser balanceada com a menor dose possível para o restante
do SNC. Técnicas modernas como a radioterapia conformacional
podem reduzir o risco de irradiação não desejada sobre o tecido nervoso normal. A discussão do caso com o cirurgião e oncologista deve
ser feita para proteger estruturas nervosas eloquentes. Em alguns casos
Neoplasias do Sistema Nervoso Central na Infância
109
está indicada a radioterapia intersticial, com implante de cateteres
dentro do leito tumoral e uso de material radioativo que libera alta
dose de radiação à neoplasia limitando a dose que chega ao tecido
normal. A radiocirurgia é pouco utilizada em pediatria, mas pode ser
usada em alguns casos selecionados. A radioterapia causa vários efeitos adversos na população pediátrica. Disfunção do eixo hipotálamohipofisário não é rara, incluindo baixa estatura e pan-hipopituitarismo.
Crianças com risco de déficit hormonal devem ser tratadas por endocrinologista experiente em tais problemas. Toxicidade ionizante inclui
radionecrose, mielopatia, leucoencefalopatia, lesão vascular, sequelas
neuropsicológicas, anormalidades ósseas e dentárias, baixa visual, ototoxidade e indução de tumores secundários.(13) Apesar dos riscos, a
radioterapia é importante no controle de neoplasias do SNC em crianças, melhorando a sobrevida e qualidade de vida. A técnica de radioterapia adequada pode reduzir os efeitos colaterais do tratamento.
Quimioterapia
Os diferentes esquemas de quimioterapia existentes refletem os diferentes tumores do SNC na infância. Tumores conhecidamente radiossensíveis como o meduloblastoma e o germinoma recebem quimioterapia
para reduzir a dose de radiação mantendo a taxa de cura. Em crianças
abaixo de 3 anos, quando não se pode usar radiação como tratamento,
tenta-se a quimioterapia para mantê-las até uma idade em que possam
ser tratadas com radioterapia. O meduloblastoma foi o primeiro tumor
pediátrico a mostrar resposta à quimioterapia em trabalhos prospectivos.(14) Por outro lado, tumores como o glioma difuso de tronco continuam incuráveis. Os grandes avanços no conhecimento da biologia
molecular dos tumores estão desviando o foco do tratamento quimioterápico para alvos moleculares cruciais para a proliferação do tumor,
provavelmente menos tóxicos e mais efetivos. Espera-se que tal resposta
funcione na prática clínica em um futuro próximo.
Reabilitação
O tratamento de uma criança com um tumor do SNC não acaba após
a cirurgia ou após o tratamento radioterápico e quimioterápico. Crianças tratadas de um tumor do SNC têm morbidade elevada pelos efei-
110
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
tos tardios do tratamento. O aumento de sobrevida aumentou também
a morbidade tardia. O apoio do médico assistente à criança e à família ajuda na reabilitação. Os efeitos relacionados ao tratamento incluem
tumores secundários, déficit cognitivo, déficit endocrinológico, dificuldades psicossociais. Conhecendo os potenciais riscos de efeitos tardios
do tratamento do tumor, um plano de acompanhamento e prevenção
deve ser feito baseado no tipo e idade ao diagnóstico. A monitorização
e tratamento precoce de eventuais problemas tardios irá melhorar a
qualidade de vida do paciente. Essa monitorização deve envolver médicos, enfermeiras, assistentes sociais, psicólogos e membros da família
para melhores resultados.(15)
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Tractografia e
Neuronavegação
Giselle Coelho Resende Caselato1
Filipe Kunzler3
Lucas Lessa2
Ricardo Rogério2
Sidnei Epelman4
Nelci Zanon1
Neurocirurgiã, CENEPE – Centro de Neurocirurgia Pediátrica,
São Paulo, SP.
1
Departamento de Radiologia, Hospital Beneficência
Portuguesa, São Paulo, SP.
2
Departamento de Cirurgia Geral, Hospital Regional Asa Norte,
Brasília, DF.
3
Departamento de Oncologia, Hospital Santa Marcelina, São
Paulo, SP.
4
*Os autores declaram não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na
elaboração do presente capítulo.
Introdução
Diffusion tensor imaging (DTI)(1-4) é um método não invasivo promissório
de ressonância magnética (RM) para estudo da organização anatômica
dos principais tratos de substância branca de forma não invasiva. A localização e visualização acuradas dos tratos deslocados ou infiltrados
em relação às lesões intracranianas são cruciais para o planejamento
do tratamento(5) e potencialmente definidoras do prognóstico pós-operatório. Adicionalmente às áreas corticais eloquentes, estruturas profundas, tais como os principais tratos conectados a estas áreas
eloquentes, devem ser preservadas durante a cirurgia. Imagens de DTI
mostrando diferenças na anisotropia de tecidos permitem a diferenciação entre a substância branca e cinzenta,(6) além de terem a capacidade de identificar a orientação das fibras em cada voxel.(7)
114
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
A sequência DTI pode ser aplicada para identificar os principais
tratos de substância branca, tais como o trato piramidal ou óptico,
dando informações sobre o curso normal, deslocamento ou interrupções nas fibras próximas a um tumor, bem como alargamento dos
feixes devido ao edema ou a infiltração tumoral.(8) Assim, esta sequência
pode ser utilizada não apenas para a compreensão da conectividade
cortical, da localização tractográfica e sua relação com a anatomia
cortical e anormalidades cerebrais,(9, 11) mas também pode permitir a
visualização pré-operatória dos tratos em pacientes com lesões expansivas.(8) Desta forma, os novos avanços se direcionam para as aplicações
de DTI no pré, intra e pós-operatório, objetivando fornecer informações relevantes à área afetada pelo tumor.(10)
A capacidade de imagens de DTI mostrarem alterações secundárias da substância branca causadas por diferentes lesões tumorais e
doenças cerebrais, bem como seu potencial como método de planejamento para o tratamento e acompanhamento dos pacientes, tem
sido amplamente discutida na literatura científica, com análise de
pacientes com gliomas supratentoriais, comprometendo áreas eloquentes.(7, 12, 13) Apesar de todos estes notáveis avanços, o planejamento cirúrgico que combina a tractografia e neuronavegação ainda permanece
uma tarefa desafiadora para os neurocirurgiões. O principal objetivo
deste estudo é apresentar a experiência dos autores e avaliar os possíveis benefícios da neuronavegação associada à tractografia durante
cirurgias intracranianas, enfatizando a sua utilização na população
pediátrica.
Metodologia
Dezesseis pacientes com lesões intracranianas foram submetidos à
cirurgia, guiada por neuronavegação associada à tractografia, no
período de janeiro de 2011 a maio de 2014, no Centro de Neurocirurgia Pediátrica/CENEPE, São Paulo – Brasil. Os dados radiológicos
dos pacientes foram provenientes do equipamento da General Eletric (Millwalkee, Wi, US), modelo HDXT de 1,5 Tesla. A tractografia neuronavegável foi realizada com o uso do software fibertracking
(Brainlab®). A escolha dos tratos foi feita com base na região de interesse, onde os feixes puderam ser facilmente diferenciados.
Tractografia e Neuronavegação
115
A seleção do trato se baseou na anisotropia fracional (AF) e no
comprimento das fibras como parâmetros principais obtidos na região
de interesse, previamente estabelecida. Após esta etapa, realizou-se a
segmentação manual da lesão e a fusão entre as sequências de RM
(como, por exemplo, T1 pós-contraste e DTI), possibilitando assim o
preparo do sistema de neuronavegação.
A fixação craniana foi obtida através do uso de fixador de cabeça
tipo Mayfield com três pinos para pacientes acima de 4 anos e através
do suporte de cabeça pediátrico tipo ferradura com fitas adesivas para
aqueles com idade inferior. Para as cirurgias com utilização de endoscópio e de aspirador ultrassônico, foi realizada a calibragem do sistema
de neuronavegação a estes equipamentos. O sistema de neuronavegação usado foi Vector Vision BrainlabR.
Resultados
Neste estudo foram analisados dezesseis pacientes pediátricos submetidos à cirurgia ou biópsia de lesões cerebrais no período de janeiro
de 2011 a maio de 2014. O sistema de neuronavegação associado à
tractografia foi utilizado em todas as abordagens. Dos dezesseis pacientes, doze eram do sexo masculino e quatro do sexo feminino, representando uma relação masculino/feminino de 3/1. A faixa etária foi
de 2-12 anos com média de 7 anos. Quanto à localização, onze pacientes apresentavam lesões supratentoriais e cinco infratentoriais.
Foram submetidos à cirurgia com objetivo de ressecção lesional
doze pacientes (75%). Os quatro casos restantes (25%) foram submetidos à biópsia, sendo realizada por via endoscópica (dois pacientes) e
através de punção por agulha fina, com sistema varioguide (dois pacientes). Considerando os procedimentos cirúrgicos realizados em onze
pacientes submetidos à cirurgia com fim curativo, a excisão lesional
completa foi alcançada em oito pacientes (72,7%) e parcial em três
(27,3%). A mortalidade perioperatória foi nula e não houve evidência
de novos déficits neurológicos no período pós-operatório. A localização lesional foi precisa em todos os casos, com boa acurácia. Surpreendentemente nós observamos que as referências intraoperatórias
foram mantidas mesmo após ressecção de grande volume lesional,
sem apresentar significativo brain shift.
116
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Caso 1
Paciente de 12 anos, sexo masculino, previamente hígido começou a
apresentar cefaleia e vômitos com 15 dias de duração e início de diplopia. As imagens de RM evidenciaram lesão volumosa em fossa posterior com hidrocefalia supratentorial (Figura 1). As imagens de RM do
neuroeixo não apresentaram alterações.
Figura 1 Imagem (RM) em corte sagital T1 após contraste
demonstrara volumoso tumor na fossa posterior, no interior
do IV ventrículo.
A fossa posterior foi abordada com paciente na posição sentada,
acesso telovelotonsilar. O estudo histológico demonstrou ependimoma
grau II (WHO). As imagens de ressonância magnética no período pósoperatório demonstraram presença de lesão residual. Como decisão
multidisciplinar, a conduta inicial foi o uso de quimioterapia e avaliação de resposta após dois ciclos (Vincristina, Carboplatina, Ciclofosfamida, Mesna e Etoposide). A RM foi repetida após três ciclos,
evidenciando lesão estável. Uma nova cirurgia foi proposta, sendo
realizada com neuronavegação e tractografia, obtendo-se ressecção
completa (Figura 2).
Tractografia e Neuronavegação
117
Figura 2 Ressecção completa do tumor. Cirurgia realizada com
neuronavegação e Tractografia.
O segundo acesso cirúrgico foi telovelar, paciente em posição
prona, com cabeça fixa ao suporte (três pinos). A calibração do bipolar foi realizada e a cirurgia foi guiada durante todo o período, com
tempo total de 2 horas. A localização da lesão residual foi mais efetivamente determinada com a combinação de tractografia e neuronavegação (Figura 3).
Figura 3
Localização
tumoral precisa,
após ser realizada
a calibração
(correspondente
ao sistema de
neuronavegação)
do bipolar.
118
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Caso 2
Paciente de 2 anos, sexo feminino, começou a apresentar cefaleia e
vômitos, refratários ao tratamento medicamentoso, associado à prostração progressiva. As imagens de RM evidenciaram lesão volumosa
em corno occipital do ventrículo lateral direito (Figura 4).
Figura 4 Volumosa lesão
intraventricular, ocupando o
Carrefour do ventrículo
lateral direito, com
captação heterogênea de
contraste e edema
perilesional importante.
Foi indicada a cirurgia, sendo realizada tractografia e neuronavegação. Devido à localização lesional, foram selecionados o tracto corticoespinhal e a radiação óptica à direita de modo a auxiliar na
decisão do acesso cirúrgico mais adequado (Figura 5). Como foi determinada a posição da radiação óptica ipsilateral à lesão, a trajetória
para abordagem cirúrgica foi definida e optou-se pela abordagem
occipitoparietal, sendo a craniotomia baseada na neuronavegação.
Figura 5 Localização do trato corticoespinhal e da radiação óptica à
direita.
Tractografia e Neuronavegação
119
A abordagem foi realizada com o aspirador ultrassônico calibrado,
sendo decisiva a cirurgia a quatro mãos, um neurocirurgião operando
com visão microscópica e equipamentos calibrados e o outro acompanha pelo neuronavegador, orientando a proximidade das fibras planejadas. Além de uma ressecção precisa, houve uma redução do tempo
cirúrgico, quando comparado à cirurgia convencional, compreendendo
4 horas no total.
A ressecção foi completa e o diagnóstico histológico obtido foi
carcinoma do plexo coroide. A paciente foi submetida à quimioterapia
adjuvante (MTX, Carboplatina e etoposide; 2º ciclo: MTX + Ciclofosfamida e etoposide; 3º ciclo: ciclo + vincristina + carboplatina) e
após completar 3 anos de idade (1 ano de follow-up) foi submetida à
radioterapia. As imagens de RM com follow-up de 2 anos evidenciam
excelente aspecto. A criança apresenta-se assintomática, com adequado
desenvolvimento neuropsicomotor.
Discussão
A tractografia de substância branca baseada em DTI tem se tornado
uma ferramenta amplamente aceita para estudo da arquitetura dos
tratos do cérebro humano.(1, 2, 5, 7) Especificamente na população pediátrica, há poucas evidências do uso de DTI com enfoque no tratamento
e resultados funcionais de ressecções lesionais, porém sua utilização
é crescente. A análise retrospectiva de gliomas ópticos pediátricos
demonstrou vantagens na preservação de vias visuais.(15) Há também
notáveis estudos em relação a aparência radiológica de tumores de
fossa posterior usando DTI.(16) Casos clínicos têm mostrado que esta
sequência auxilia tanto no planejamento da ressecção cirúrgica quanto
na diferenciação de gliomas ópticos e de craniofaringiomas não infiltrantes, localizados centralmente.(17) Certamente o número de pacientes investigados neste estudo é pequeno para generalizar os efeitos do
método nos resultados clínicos; no entanto, foi importante para permitir a definição das margens seguras para ressecção e consequentemente minimizar os possíveis déficits neurológicos.
Existem algumas revisões analisando os tratos supratentoriais(18)
combinados à neuronavegação para ressecção de tumores intraparenquimatosos e de áreas eloquentes. Em alguns casos, a tractografia foi
comparada com mapeamento subcortical feita pela estimulação
120
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
cerebral direta e permitiu a identificação precisa dos tratos de fibras
eloquentes e melhora do desempenho e segurança cirúrgica, mantendo
uma alta taxa de preservação funcional.
Os resultados desta nova ferramenta podem ser influenciados por
alguns fatores técnicos(19) tais como os limiares da anisotropia fracional
utilizados para iniciar e cessar a marcação dos tratos(20) ou pelas características do tumor, tais como a histologia, a presença de edema e a
localização.(21)
A tractografia neuronavegável, como cada método novo, invariavelmente traz ao conhecimento científico uma mistura de novas fontes
de erro ao mesmo tempo em que proporciona um aumento de controle sobre o procedimento cirúrgico. A tractografia tem três principais
pontos fracos:(22) pode subestimar a espessura dos tratos,(19) não ser
capaz de demonstrar a anatomia distorcida das fibras infiltradas por
tumores(23) e perder sua confiabilidade quando o brain shift ocorre.(24, 25)
Além disso, o programa utilizado para produzir as imagens de tractografia nem sempre é implementado juntamente ao software de aquisição da RM e a conversão de imagem entre as plataformas pode
também produzir erros adicionais.
Métodos que objetivam a redução do brain shift também devem
ser empregados. Primeiramente, os pontos de referência devem ser
revisados durante a cirurgia para garantir a acurácia da navegação.
Em segundo lugar, o tamanho da craniotomia deve ser limitado ao
mínimo necessário para expor a área tumoral.(18) Em terceiro lugar, é
importante enfatizar algumas limitações inerentes ao uso da tractografia, tais como: a existência de diversos padrões de alteração estrutural quando o tumor envolve os tratos da substância branca e nenhuma
medida clínica objetiva corresponde exclusivamente a um trato específico. Desta forma, o neurocirurgião deve programar sua própria
cirurgia, tentando, dessa forma, reduzir tais limitações.
Conclusão
A navegação nos permitiu integrar e entender a correlação entre os
dados pré e intraoperatórios. A capacidade da localização precisa é
amplificada com a tractografia, reduzindo a morbidade e mortalidade.
Não foram identificados problemas quanto à obtenção ou manuten-
Tractografia e Neuronavegação
121
ção de referenciais (mesmo nos casos de crianças pequenas em que o
crânio não foi fixado com pinos) ou com o emprego da técnica. No
entanto, a avaliação e a determinação das regiões de interesse devem
ser realizadas pelo neurocirurgião, pois além de ter um bom conhecimento anatômico das áreas envolvidas, define o posicionamento do
paciente e a melhor abordagem, caso a caso, sendo fatores fundamentais para uma ressecção bem-sucedida.
Surpreendentemente, o brain shift não foi notável em nossa casuística, independentemente da localização lesional e da fixação craniana,
quando comparado à navegação convencional, sem tractografia. Um
achado interessante, pois não houve perda dos referenciais no período
intraoperatório, porém não foi avaliado de forma quantitativa. Esta
experiência preliminar representou o início de um estudo piloto no
Brasil utilizando tractografia e neuronavegação para a abordagem de
lesões intracranianas na população pediátrica. A explicação para estes
achados necessitará do planejamento de estudos clínicos futuros, em
que se comparem a posição dos tratos imediatamente após a ressecção
e após um período maior (como, por exemplo, 24 ou 48 horas após a
cirurgia) para que se possa definir quantitativamente a velocidade de
retorno dos tratos à sua posição original.
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Tratamento Cirúrgico da
Epilepsia na Infância
Marcelo Volpon Santos1
Hélio Rubens Machado2
Ricardo Santos de Oliveira3
Neurocirurgião, Médico Assistente da Divisão de Neurocirurgia
Pediátrica
1
Professor Titular e Chefe da Divisão de Neurocirurgia
Pediátrica
2
Professor Associado da Divisão de Neurocirurgia Pediátrica
Departamento de Cirurgia e Anatomia. Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP
3
*Os autores declaram não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na
elaboração do presente capítulo.
Introdução
A moderna era da epilepsia inicia-se na segunda metade do século
XIX, fruto do trabalho de três neurologistas britânicos – Sir William
Richard Gowers, Russell Reynolds e o notável Sir John Hughlings
Jackson. Nesse período, os conceitos básicos da epileptologia foram
desenvolvidos. Vale ressaltar que já nessa época, mais precisamente
em 1886, a ressecção cortical como tratamento para a epilepsia já fora
descrita por Sir Victor Horsley,(1) e que, poucos anos após, no início do
século XX, Walter Dandy já realizava complexas cirurgias de epilepsia, como hemisferectomias.(2) Apesar do trabalho destes pioneiros, a
difusão da cirurgia para epilepsia intratável ocorreu realmente na
década de 1950, com as publicações de Wilder Penfield e Theodore
Rasmussen.(3, 4) Atualmente, a cirurgia como modalidade de tratamento
para pacientes com epilepsia intratável, seja ela paliativa ou curativa,
está plenamente incorporada ao arsenal terapêutico dos centros que
lidam com esta patologia em todo o mundo e apresenta excelentes
resultados.
126
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Princípios Gerais e Conceitos
Define-se epilepsia como o estado de crises convulsivas recorrentes,
sendo doença crônica que atinge indivíduos em todas as faixas etárias,
e acomete 1 a 2% das crianças.(5, 6) Na infância, a epilepsia é mais
comum nos primeiros anos de vida, e sua incidência diminui progressivamente com o aumento da idade, ocorrendo em cerca de 100 crianças para cada 100.000 nascimentos no primeiro ano de vida, em 40
crianças para cada 100.000 nascimentos nos 9 anos subsequentes, e
em cerca de 20 indivíduos para cada 100.000 adolescentes.(7)
Em 75% destes casos, as crises epilépticas serão bem controladas
em um ano; nos 25% restantes, a epilepsia será refratária ao tratamento clínico-farmacológico e o tratamento cirúrgico deverá ser aventado, se possível.(8)
Alguns conceitos devem ser estabelecidos para se compreender o
verdadeiro papel da cirurgia no tratamento da epilepsia; são eles:(6)
– Zona epileptogênica: área cortical responsável pela geração de
crises, cuja remoção é suficiente para deixar o paciente livre de convulsões.
– Zona sintomatogênica: área cortical responsável pelos sintomas
das crises epilépticas, quase sempre contida ou próxima à zona epileptogênica, mas cuja remoção não é necessária para controle das
crises.
– Zona irritativa: área cortical envolvida na geração de descargas
epileptiformes interictais.
– Zona de início ictal: área em que se detecta, na eletroencefalografia, o início da crise.
– Lesão epileptogênica: área ou lesão anatômica visível macroscopicamente ou em exames de imagem, que pode ser responsável pela
geração de crises, e que geralmente está incluída na zona epileptogênica, mas pode ser menor que ela.
Deste modo, depreende-se facilmente que o objetivo da cirurgia
de epilepsia é a ressecção completa da zona epileptogênica, e assim
possibilitar ao paciente maior chance de cura ou controle da doença.
Entretanto, não é possível demarcar com exatidão esta zona em todos
os pacientes, e muitos deles serão candidatos a cirurgias paliativas, que
efetivamente têm também um impacto favorável na redução do número
Tratamento Cirúrgico da Epilepsia na Infância
127
e morbidade das crises epilépticas. Embora o controle total das crises
seja o objetivo comum de qualquer indicação cirúrgica, a redução
destas e da quantidade de medicamentos anticonvulsivantes, per se, já
propicia melhora comportamental e do desenvolvimento intelectual
e cognitivo.
Sabe-se que a precocidade da indicação cirúrgica é o fator isolado
mais importante na obtenção de bons resultados, e que as drogas
antiepilépticas não alteram o prognóstico da doença, portanto, o tratamento cirúrgico não deve ser protelado. Finalmente, é válido ressaltarmos as diferenças entre a epilepsia na infância e em adultos.(9)
Embora existam muitas semelhanças, e grande parte do conhecimento
em epilepsia infantil é extrapolado de trabalhos em adultos, há diferenças relevantes que influenciam tanto na avaliação pré-operatória
quanto no tratamento cirúrgico escolhido. Crianças têm um limiar
epiléptico mais baixo, que resulta em maior ocorrência de epilepsia
catastrófica (e consequente atraso no desenvolvimento). Em relação
ao substrato patológico, a epilepsia lesional é relativamente mais
comum na faixa etária pediátrica, em oposição à esclerose mesial temporal, cuja incidência é várias vezes superior no adulto. Por outro lado,
a semiologia e a eletrofisiologia na epilepsia pediátrica também é distinta: auras e manifestações focais precoces, importantes na localização
da origem das crises em adultos, são raras em crianças, e as epilepsias
generalizadas são mais prevalentes na infância.
Etiologia
Diferentemente da epilepsia nos adultos, na infância, a esclerose mesial
temporal tem menor incidência, ocorrendo em 39% das crianças versus
87% nos adultos.(7) Dentre os fatores etiológicos, a displasia cortical é
majoritariamente a mais frequente, seguida pelos tumores cerebrais,
gliose e por fim a esclerose mesial, respectivamente (Tabela 1). Acrescem-se a estas causas as facomatoses, a encefalite de Rasmussen, a
epilepsia mioclono-astática e a Síndrome de Ohtahara (encefalopatia
epilética infantil de início precoce caracterizada eletrograficamente
por atividade surto-supressão).
128
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Fatores etiológicos observados nos pacientes
submetidos à cirurgia no Centro de Cirurgia de Epilepsia
(CIREP) Pediátrico, HC-USP-Ribeirão Preto, de 1994 a
setembro de 2009.
Tabela 1
Etiologia
Displasia cortical
92
Tumor
48
EMT
44
Gliose
47
Rasmussen
25
Esclerose tuberosa
13
Porencefalia
13
Normal
8
Sturge-Weber
8
Atrofia difusa
6
MAV
3
Sem diagnóstico
6
Total
313
Seleção de pacientes para cirurgia
de epilepsia na infância
De maneira geral, o objetivo principal da cirurgia de epilepsia pediátrica é o controle das crises, de preferência total; porém, como afirmado acima, muitas vezes o controle parcial das crises já propicia
melhora comportamental e cognitiva. Estima-se que 90% do crescimento e maturação cerebral ocorram até os 5 anos de idade, e intensa
atividade sinaptogênica e dendrítica permanece até os 7 anos de idade,
tornando este período propício para melhor recuperação pós-operatória.(7) Ressalta-se que na infância a ocorrência de plasticidade neuronal é máxima, e várias áreas corticais eloquentes têm ótima
capacidade de reorganizar seus circuitos, além de poder haver representatividade funcional em ambos os hemisférios cerebrais,(10) o que
permite que a recuperação seja extraordinária. Portanto, de maneira
geral, é imperativo que a cirurgia seja indicada precocemente e reali-
Tratamento Cirúrgico da Epilepsia na Infância
129
zada em centros especializados, com equipe multidisciplinar experiente
e programa de reabilitação bem estabelecido. Deve-se avaliar a real
presença de intratabilidade clínica, identificação do local de início
ictal, sua etiologia e possibilidade de remoção cirúrgica. É necessário
ainda que se possa determinar um prognóstico cirúrgico, para melhor
tomada de decisão, tanto pela equipe médica quanto pelos familiares
do paciente.
Os pacientes candidatos à cirurgia para tratamento de epilepsia
intratável devem passar por rigoroso protocolo de avaliação pré-operatória, a fim de se identificar com precisão a área a ser ressecada e evitar possíveis complicações, especialmente cognitivas. A evolução das
técnicas de neuroimagem e o refinamento dos métodos eletrofisiológicos permitiram cumprir estes objetivos. No Centro de Cirurgia de
Epilepsia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP (CIREP), todos os pacientes são submetidos ao seguinte protocolo:
– Avaliação clínica/neurológica pormenorizada; eletroencefalografia (EEG) de escalpo; ressonância nuclear magnética de crânio
(RNM); videoeletroencefalografia (Vídeo-EEG) ictal e interictal; avaliação neuropsicológica e psiquiátrica; avaliação social. Em casos selecionados, tomografia computadorizada por emissão de fóton único
(SPECT), RNM funcional, avaliação eletrográfica invasiva (eletrodos
corticais) e teste de Wada.
Sumário das principais síndromes
epilépticas da infância e adolescência
Com efeito, a epilepsia na faixa etária pediátrica apresenta-se mais
complexa, podendo coexistir, em um só paciente, crises tônicas ou
clônicas, crises de ausência, crises generalizadas ou parciais complexas.(7) Crises generalizadas podem ter início focal e serem assim passíveis de tratamento cirúrgico curativo. A maioria dos pacientes
encaixa-se em uma das síndromes epilépticas descritas no Quadro 1.
A partir disso, é possível, conseguintemente, avaliar a indicação de
tratamento cirúrgico.
130
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Síndromes epilépticas passíveis de tratamento
cirúrgico.(7)
Quadro 1
Síndromes
epilépticas
Síndromes
hemisféricas
Malformações
focais
Síndrome de
West
Sturge-Weber
Displasias focais
tipo I e II
DNT
Síndrome de
Lennox-Gastaut
Encefalite de
Rasmussen
Heterotopias
Gangliogliomas
Síndrome de
LandauKleffner
Malformações
do
desenvolvimento
cortical
Esclerose
tuberosa
Gangliocitomas
displasicos
Isquemias
hemisféricas
Tumores
Hamartomas
hipotalâmicos
Oligodendrogliomas
Xantoastrocitomas
Cavernomas
Técnicas cirúrgicas
Após o estabelecimento da intratabilidade da epilepsia e a conclusão
da avaliação pré-operatória completa em determinada criança, o tratamento cirúrgico dever ser oferecido, de acordo com os resultados
obtidos nesta avaliação, e orientado principalmente pela doença subjacente e pela região a ser abordada. Um painel geral das indicações
de cada cirurgia encontra-se no Quadro 2.
Do ponto de vista do tipo de cirurgia empregada, a lobectomia
temporal, mesmo sendo menos frequente em crianças que em adultos,
ainda é o procedimento mais realizado nesta faixa etária, seguido pelas
hemisferotomias e outras ressecções (Tabela 2).
Técnicas gerais e preparo do paciente
As técnicas cirúrgicas gerais seguem os padrões estabelecidos na prática neurocirúrgica pediátrica. Costumamos permitir a presença de
familiares próximos, junto à criança, até o centro cirúrgico e logo após
a cirurgia na sala de recuperação, de maneira a minimizar os fatores
de estresse. Procedimentos anestésicos habituais, como acessos veno-
Tratamento Cirúrgico da Epilepsia na Infância
131
Principais indicações dos diferentes procedimentos
cirúrgicos para tratamento da epilepsia infantil.
Quadro 2
Procedimento
cirúrgico
Indicações
Lesionectomias
Lesões focais (tumores, displasias focais, MAV, etc.).
Lobectomia
temporal
Todas as epilepsias temporais, devendo ser
individualizadas.
Ressecções
extratemporais
Zona epileptogênica compreendendo outros lobos
cerebrais, podendo ser fruto de lesão focal ou de
alterações epileptogênicas em todo o lobo (frontal,
parietal, occipital, ínsula).
Calosotomia
Hemiplegia infantil, síndrome de Lennox-Gastaut,
epilepsia do lobo frontal, epilepsias multifocais.
Estimulação
elétrica vagal
Síndrome de Lennox-Gastaut, síndrome de LandauKleffner, epilepsia multifocal, drop attacks.
Hemisferectomia
Epilepsia hemisférica unilateral, como a encefalite de
Rasmussen, Sturge-Weber, hemimegaloencefalia,
epilepsia hemiplégica hemiconvulsiva, porencefalia,
atrofia hemisférica.
Quadrantectomia
posterior
Lesões extensas envolvendo o quadrante posterior
(displasias corticais, Sturge-Weber, outras
malformações).
sos, monitorização invasiva da pressão arterial, cardioscopia, intubação
orotraqueal, infusão de drogas, transfusões, sondas gástricas e vesicais,
devem ser realizados de acordo com o procedimento a ser realizado
e com os protocolos de cada serviço.
Lesionectomias
São ressecções focais indicadas na presença de lesões definidas (como
tumores, angiomas cavernosos e displasias) em que haja prefeita congruência entre a área da lesão e a zona epileptogênica.(11) As displasias
corticais focais constituem armadilhas a estas ressecções, uma vez que
é contumaz a ocorrência de lesões não visíveis à RNM. Assim, em
alguns casos, pode ser preferível a realização da chamada tailored resection (ressecção padronizada), devendo-se delimitar a área de ressecção
por meio de eletrocorticografia intraoperatória e/ou avaliação invasiva com eletrodos subdurais.(11)
132
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
Lobectomia temporal
Realizada de modo individualizado para as patologias do lobo temporal, de acordo com os limites da lesão em questão (na infância, a
esclerose mesial temporal responde por 40% dos casos, seguida das
displasias corticais com outros 40% e os tumores com 20%).(8) Por vezes
é necessária ressecção temporal até a transição com o lobo occipital,
e uma parcela dos casos apresenta apenas epilepsia temporal neocortical, não sendo necessária a ressecção padrão. A lobectomia temporal
anteromesial clássica(12) é mais indicada nos casos de esclerose mesial
ou tumores amígdalo-hipocampais. Em nosso serviço, utilizamos a
técnica de lobectomia temporal que envolve a ressecção de 4 a 4,5 cm
(hemisfério não dominante) ou 3,5 a 4 cm (hemisfério dominante) a
partir da ponta do lobo temporal, ressecando-se a amígdala e o hipocampo após a entrada no corno temporal do ventrículo lateral.
Procedimentos cirúrgicos realizados no Centro de
Cirurgia de Epilepsia (CIREP) Pediátrico, HC-USP-Ribeirão
Preto, de 1994 a setembro de 2009.
Tabela 2
Tipo de Cirurgia
n
Lobectomia temporal
94
Hemisferectomia
75
Lesionectomia
58
Calosotomia/VNS
19
Ressecção multilobar
05
Lobectomia frontal
18
Corticectomia focal
14
Lobectomia occipital
09
Quadrantectomia posterior
21
Reoperações
20
Total
313
Hemisferectomias/Hemisferotomias
Em 1983, Rasmussen publicou trabalho em que descrevia sua elegante
técnica de desconexão hemisférica associada a pequenas ressecções.(5)
Tratamento Cirúrgico da Epilepsia na Infância
133
Desde então várias técnicas foram desenvolvidas, como a hemidecorticação, a parassagital (Delalande),(14) a transsilviana (Schramm),(15) e
a peri-insular (Villemure).(16)
A técnica cirúrgica a ser escolhida dependerá da conformação do
cérebro patológico, e também da familiaridade e experiência da equipe
cirúrgica. A não ser em casos selecionados, em nosso serviço temos
empregado a hemisferotomia funcional peri-insular descrita por
Villemure,(16) que envolve a ressecção do opérculo frontoparietal, acesso
ao ventrículo lateral para calosotomia completa, desconexão frontal
e fornicectomia, ressecção temporal mesial e corticectomia da ínsula.
A hemisferectomia é o procedimento cirúrgico de escolha para os casos
de encefalite de Rasmussen, hemimegaloencefalias, atrofias e porencefalias hemisféricas, sequelas de isquemia de troncos arteriais, dentre
outras patologias.(16)
Ressecções extratemporais
Constituem a maior porcentagem dos procedimentos cirúrgicos para
epilepsia em crianças, e referem-se a lobectomias isoladas (frontal total
ou parcial – paramediana, frontopolar e de convexidade lateral, parietal, occipital), corticectomias delimitadas ou ressecções multilobares.(9)
A patologia mais frequente nestes casos é a displasia cortical, seguida
pelas neoplasias e demais síndromes epilépticas.(8) Neste contexto,
assume extrema importância o estudo eletrofisiológico, devendo-se
realizar avaliação invasiva com implantação de eletrodos corticais
sempre que necessário, inclusive para monitorização de áreas eloquentes, especialmente motoras e de linguagem. O prognóstico depende
da doença de base e da extensão da ressecção.
Calosotomia/Estimulação elétrica vagal
São procedimentos paliativos que visam diminuir a frequência e a
morbidade das crises epilépticas, especialmente dos traumatismos ocasionados pelos drop attacks e outras crises atônicas e mesmo tônicas.
A calosotomia pode ser total ou parcial, e envolve a realização de craniotomia frontoparietal parassagital com desconexão sob técnica
microcirúrgica.(8) Devido aos seus riscos inerentes, relacionados prin-
134
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
cipalmente à retração cerebral, além de resultados desanimadores,
este procedimento vem sendo abandonado e/ou substituído pela estimulação vagal. A estimulação elétrica vagal consiste na implantação
de eletrodos no nervo vago cervical e, apesar de seu mecanismo exato
não ser conhecido, acredita-se que ele ocorra a partir dos impulsos
transmitidos a núcleos epileptogênicos do cerebelo, giro do cíngulo,
diencéfalo e centros do tronco (núcleos da rafe, locus ceruleus, formação
reticular).(16)
Transecções subpiais múltiplas
Descritas por Morell em 1989,(17) consistem na confecção de múltiplas
linhas de secção transcortical superficial, com o objetivo de interromper as conexões corticais horizontais e diminuir a propagação e disseminação da atividade epiléptica, e de maneira a preservar a função
da área transectada. Utilizada principalmente em cirurgias que envolvem áreas eloquentes, oferece resultados satisfatórios em cerca de 40%
dos casos,(8) sendo também indicada em casos de síndrome de LandauKleffner, embora, nestes casos, o resultado seja controverso.(8)
Complicações/Prognóstico
A cirurgia de epilepsia na infância, à primeira vista, acarreta maior
risco de complicações, uma vez que impõe a crianças muitas vezes
debilitadas o risco de uma cirurgia de grande porte, além do potencial
risco de instalação ou piora de déficits neurológicos. No entanto, se
observarmos a evolução destas crianças em longo prazo, veremos uma
frequência inaceitável de traumatismos, ocorrência de status epilepticus,
morte súbita e declínio cognitivo, dentre outros problemas, complicações estas que podem ser evitadas pelo tratamento cirúrgico. Há uma
baixa incidência no que se refere à ocorrência de complicações operatórias agudas, como hemorragias, hidrocefalia e infecções, e, consensualmente, consideram-se as cirurgias para tratamento da epilepsia
bastante seguras. Com relação ao prognóstico, este depende sobremaneira da patologia de base e da extensão da ressecção cirúrgica. A porcentagem de sucesso geral é alta, alcançando, na nossa casuística,
liberdade de crises (Engel I) em 64,8% dos casos,(8) e pode ser ainda
Tratamento Cirúrgico da Epilepsia na Infância
135
maior em determinadas situações, como a epilepsia temporal, por
exemplo, que tem resultados semelhantes aos adultos.(9) Em caso de
manutenção do quadro epiléptico, a avaliação clínica e subsidiária
descrita deve ser repetida e a reoperação deve ser considerada.
Conclusão
A cirurgia de epilepsia na infância tornou-se método eficaz no tratamento desta condição, e deve ser indicada nos casos de epilepsia intratável, preferencialmente o mais precoce possível. As peculiaridades da
epilepsia na criança devem ser consideradas para se obter resultados
otimizados. A epilepsia extratemporal encerra maior número de casos
comparativamente aos adultos, porém o lobo temporal ainda predomina como sede do início ictal, e dessa forma, os resultados obtidos
são muito animadores. A opção cirúrgica deve levar vários fatores em
consideração, como a idade da criança, patologia de base e aspectos
eletrofisiológicos. A plasticidade neuronal e a possibilidade do lado
contralateral assumir funções superiores são importantes aliados do
cirurgião e potencializam a recuperação pós-operatória, propiciando
o objetivo final comum de uma criança sem crises e sem déficits neurológicos.
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Doenças Cerebrovasculares
na Infância
Hamilton Matushita(1a)
Tamlyn Tiemi Matushita(2)
Daniel Cardeal(1b)
Fernanda Andrade(1c)
Divisão de Neurocirurgia Pediátrica Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
1
Professor Livre Docente Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, Responsável pela Divisão de
Neurocirurgia Pediátrica.
a
Médico Assistente da Divisão de Neurocirurgia Pediátrica
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo
b
Doutora pela Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo, Médico Assistente.
c
Acadêmica de Medicina da Faculdade de Medicina do ABC.
2
*Os autores declaram não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na
elaboração do presente capítulo.
Introdução
O acidente vascular cerebral (AVC) constitui na manifestação clínica
comum às doenças cerebrovasculares. O AVC é definido como a oclusão súbita ou ruptura de artérias ou veias, resultando em danos cerebrais focais ou globais, cujos sinais perdurem por 24 ou mais horas ou
que leve a óbito, sem causa aparente, outra que não de origem cerebrovascular. O AVC pode ter origem isquêmica ou hemorrágica,
embora estes mecanismos possam ser concomitantes. O AVC em crianças difere dos ocorridos em adultos. A apresentação pode ser sutil,
principalmente na infância, e uma variedade de fatores etiológicos
específicos está associada a sua origem. O diagnóstico de AVC em
crianças frequentemente é atrasado devido a sua relativa infrequência
138
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
e da falta de familiaridade com este diagnóstico. Revisaremos neste
artigo duas das principais doenças cerebrovasculares que comprometem as crianças.
MALFORMAÇÃO DA VEIA DE GALENO
Introdução
As malformações da veia de Galeno (MVG) são raras e constituem
1% de todas as malformações cerebrovasculares. Estas malformações
vasculares manifestam-se precocemente na infância, têm origem congênita e caracterizam-se pela presença da dilatação da veia de Galeno,
decorrente de grandes aferências arteriais e malformações dos sistemas de drenagem venosa. Acredita-se que a origem embriológica da
MVG decorra da persistência da veia mediana do prosencéfalo de
Markowski.(1) Esta veia embrionária é precursora da veia de Galeno e
drena as veias coroideias do plexo coroide na vida embrionária durante
o primeiro trimestre gestacional. Esta veia não drena o córtex cerebral
profundo, através de veias cerebrais internas. A persistência da veia
de Markowski mantém as artérias nutridoras de sua parede, levando
ao desenvolvimento de fístulas diretas arteriovenosas. Estas artérias
fazem parte do círculo límbico formado pelas artérias pericalosas anteriores e posteriores ao redor do corpo caloso. As veias cerebrais internas não drenam para a veia de Galeno malformada e seguem curso
lateral para veias temporais. Angiograficamente, não existe refluxo
pra as veias cerebrais internas nas verdadeiras malformações da veia
de Galeno.(2)
Quadro Clínico
A manifestação clínica está relacionada com a idade, embora atualmente muitos casos sejam diagnosticados no período pré-natal, devido
ao amplo uso do ultrassom durante o período gestacional.(3) Durante
o período neonatal, a forma mais comum de apresentação da MVG
são as manifestações cardíacas, relacionadas à insuficiência cardíaca
congestiva.(4) A ocorrência de desvio sanguíneo através da fístula arteriovenosa cerebral, maior que 25% do débito cardíaco, leva à sobrecarga cardíaca. A combinação de alto débito cardíaco necessário para
Doenças Cerebrovasculares na Infância
139
compensar a fístula arteriovenosa e a alta pressão endocárdica pode
ocasionar isquemia e infarto miocárdico. No cérebro, o fluxo sanguíneo preferencial para a fístula ocasiona o roubo de fluxo arterial, que
combinado à hipertensão venosa e disfunção miocárdica leva à isquemia e infartos cerebrais. A mortalidade de crianças com diagnóstico
pré-natal de MVG é de 25%.(3)
Macrocrania e ventriculomegalia estão presentes em crianças
menores de 2 anos de idade. Atualmente admite-se que a ventriculomegalia decorra da alteração hidrodinâmica do líquor, em função da
diminuição de sua absorção nas vilosidades aracnoides, ocasionadas
pela hipertensão venosa nos seios sagitais.(5)
Classificação
O planejamento terapêutico e o prognóstico das crianças dependem
da classificação. Yasargil(2) classificou a MVG em quatro tipos, dependendo da localização da fístula: tipo I (fístula interna pura, única ou
múltipla, nutridas pelas artérias pericalosas ou artérias cerebrais posteriores); tipo II (existe o envolvimento de artérias talamoperfurantes);
tipo III (forma mista dos tipos I e II); e tipo IV (não representa a MVG
verdadeira, pois está associada à malformação arteriovenosa) (Figura 1).
Lasjaunias et al.(6) propuseram classificação anatômica em dois tipos.
Figura 1 Malformação da Veia de Galeno tipo III de Yasargil – A.
Angiografia carotídea interna direita em perfil, B. Angiografia vertebral
esquerda em anteroposterior.
140
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
MVG verdadeira (quando existe fístula direta arteriovenosa) e MVG
falsas (quando associadas à MAV adjacentes). As MVG verdadeiras
são subclassificadas em Murais e Coroideias, dependendo da nutrição
arterial.
Tratamento e Prognóstico
O tratamento da MVG ainda encontra-se em evolução. Por tratar-se
de lesões profundas e de grande complexidade vascular, o tratamento
cirúrgico não tem resultado muito melhor em relação a sua evolução
natural. Revisão da literatura realizado por Johnston et al.(7) reuniu
noventa e dois pacientes não tratados, que mostrou mortalidade de
77,2% e com apenas 7% de crianças normais. Neste estudo a mortalidade em neonatos foi de 96%. As principais causas de mortalidade
foram complicações cardíacas em neonatos e infartos cerebrais repetidos e contínuos em crianças maiores, decorrentes do roubo de fluxo
sanguíneo cerebral. As tentativas de tratamento cirúrgico das MVG
apresentam resultados ruins. Hoffman et al.,(8) em tratamento cirúrgico
para oclusão da fístula, apresentou mortalidade de 57%, sendo mais
alto no subgrupo de neonatos (87%). Em revisões destas séries da literatura, a mortalidade está relacionada com a idade. Decorrente das
dificuldades da oclusão cirúrgica da fístula e das dificuldades técnicas
cirúrgicas, novas técnicas de tratamento se desenvolveram baseadas
num conceito mais racional, que é o tratamento endovascular.
O tratamento endovascular inclui técnicas transarteriais, transvenosas e transtorculares. Estas técnicas têm apresentado resultados superiores à oclusão microcirúrgica. No entanto, ainda apresentam taxas
de morbidade e mortalidade altas. Lasjaunias et al.(9) relataram mortalidade de 8% e morbidade de 75% com técnicas de oclusão transarterial.
MOYAMOYA
Introdução
A doença Moyamoya (DMM), por definição, constitui de doença
cerebrovascular estenótica, idiopática, progressiva, bilateral dos vasos
do polígono de Willis (PW). O nome oficial da doença, oclusão espon-
Doenças Cerebrovasculares na Infância
141
tânea do PW, faz referência ao evento principal da doença, entretanto,
a doença é mais conhecida pelos eventos secundários da mesma, ou
seja, pela formação de rede de circulação colateral que se forma na
base do cérebro. Esta circulação colateral, formada de vasos finos e
delicados, aparece nos exames angiográficos com aspectos nebulosos
formados por pequenos vasos. Esta aparência mal definida dos vasos
fez com que Suzuki et al.,(10) em 1966, utilizasse a palavra japonesa
Moyamoya – que significa: coisas mal definidas, obscuras, nebulosas,
como a baforada da “fumaça de cigarro” – para definir esta vasculopatia.
Critérios diagnósticos
Os critérios diagnósticos da DMM foram estabelecidos pelo Ministério de Saúde e Bem-estar do Japão, cuja última revisão está a seguir
relatada(11):
1. A angiografia cerebral por cateterismo (ACC) é indispensável para
o diagnóstico (exceto como será discutido posteriormente) e deve
apresentar os seguintes achados:
a. Estenose ou oclusão da porção terminal da ACI ou da porção
proximal das ACA e ACM.
b. Rede vascular anormal demonstrada na fase arterial nas vizinhanças da lesão estenótica ou oclusiva.
c. Estes achados devem ser bilaterais.
2. Quando a RNM ou Angio-RNM claramente demonstrarem os
seguintes achados, a angiografia convencional não é mandatória:
a. Estenose ou oclusão da porção terminal da ACI ou da porção
proximal das ACA e ACM e rede vascular anormal nos gânglios da base na Angio-RNM.
b. A rede vascular anormal também pode ser diagnosticada
quando mais de duas “ausências de sinal de fluxo” forem detectadas nos gânglios da base na RNM.
c. Os achados a e b devem ser bilaterais.
d. Devido à ocorrência de lesões vasculares similares secundárias
a outras doenças serem particularmente prováveis em adultos,
o diagnóstico baseado em RNM e Angio-RNM sem a ACC é
recomendada somente em crianças.
142
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
3. Devido à etiologia da DMM ser desconhecida, doenças cerebrovasculares associadas com as seguintes doenças ou condições não
devem ser diagnosticadas como DMM: arterioesclerose, doença
autoimune, meningites, neoplasia cerebral, Síndrome de Down
(SDw), Neurofibromatose 1 (NF1), Trauma cranioencefálico,
Radioterapia, ou outras doenças conhecidas.
As Categorias Diagnósticas da Doença de Moyamoya são:
DMM Definitivo – devem preencher os critérios diagnósticos da
angiografia convencional ou da RNM e Angio-RNM, e todas as doenças cerebrovasculares conhecidas devem ser excluídas. Em crianças,
contudo, um caso com: (a) Estenose ou oclusão da porção terminal da
artéria carótida interna e da porção proximal da artéria cerebral anterior ou media e com (b) Rede vascular anormal demonstrada na fase
arterial nas vizinhanças da lesão estenótica ou oclusiva demonstradas
quer seja na angiografia convencional ou na Angio-RNM de um lado;
e com estenose significante da porção terminal da artéria carótida
interna contralateral também é definitivo, conquanto que outras doenças cerebrovasculares conhecidas sejam excluídas.
DMM Provável – preenchem os critérios 1a, b ou 2a, b mais o
critério 3, mas com envolvimento unilateral.
Outras denominações são utilizadas (Pseudomoyamoya, Síndrome
Moyamoya, Quase-Moyamoya, Vasculopatia “Moyamoya-like”, Fenômeno Moyamoya, “Rui-Moyamoya disease”, e “Akin-to-Moyamoya
disease”) quando as alterações angiográficas são similares e aparecem
em outras vasculites do sistema nervoso central algumas condições
adquiridas e associadas a algumas doenças congênitas.
Aspectos Clínicos
A DMM é encontrada principalmente na população da Ásia Oriental,
tendo muitos casos sido relatados predominantemente no Japão,
Coreia, e China. Embora a DMM tenha sido considerada, até recentemente, mais prevalente na população asiática, pode afetar indivíduos de
muitas etnias, e existe incidência crescente na população americana e
europeia. Embora a etiopatogenia da DMM seja desconhecida, fatores
Doenças Cerebrovasculares na Infância
143
genéticos e adquiridos (ambientais) têm sido implicados na doença.
Algumas doenças genéticas cromossômicas apresentam alterações
esteno-oclusivas similares no PW, como a Neurofibromatose 1, Síndrome de Down, Anemia de Fanconi, e Anemia Falciforme. A estimativa de formas familiares na população japonesa é de 10%.
Os sinais e sintomas da DMM são divididos em cinco categorias:
Episódio Isquêmico Transitório, Infarto isquêmico, Hemorragia, Crise
epiléptica e outros. Embora existam variações étnicas na apresentação
clínica dos pacientes, na faixa pediátrica há um nítido predomínio das
manifestações isquêmicas, e em adultos o predomínio é para as hemorragias intracranianas. Os eventos isquêmicos na DMM resultam de um
descompasso entre o fluxo sanguíneo regional e as demandas metabólicas cerebrais. Como as demandas metabólicas e o fluxo sanguíneo
cerebral (FSC) correspondente são maiores em crianças do que em
adultos, pequenas quedas do FSC em crianças podem ter maiores repercussões isquêmicas.(12)
Estudos Diagnósticos
A doença ou a síndrome pode ser diagnosticada por suas características radiológicas observadas na ACC ou na Angio-RNM e RNM.
A característica fundamental consiste na estenose ou oclusão bilateral
da ACI intracraniana, associada à formação de circulação colateral
na base do cérebro. Variações das técnicas de Angio-RNM (3D-TOF
ou 2D-TOF) podem priorizar a melhor visibilização da estenose arterial ou dos vasos Moyamoya na base do cérebro(13) (Figuras 2 A e B).
Em RNM de rotina podem ser observadas imagens hipointensas vasculares na base do cérebro e o “sinal da Hera”, esta última refletindo
a vasodilatação de vasos corticais. A DMM é uma doença progressiva
e os achados angiográficos refletem várias fases da evolução da doença.
Estas alterações são recíprocas entre as alterações esteno-oclusivas dos
vasos do PW e o desenvolvimento da circulação colateral compensatória. Seguem abaixo as alterações morfológicas da circulação cerebral
na DMM (Figuras 2 C e D) (Quadro 1).(14)
O estudo do metabolismo e perfusão cerebral pode ser utilizado
na determinação de indicação cirúrgica e para estimar a melhora
hemodinâmica pós-operatória. O estado hemodinâmico instável é
144
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
caracterizado por: diminuição do FSC, aumento do VSC, e aumento
da Fração de extração de O2. Estes pacientes apresentam baixa reserva
circulatória e apresentam estado de Misery perfusion.
Figura 2 Doença Moyamoya – A. RNM em T1 coronal demonstrando
vasos moyamoya em núcleos da base, mais evidentes à direita; B.
Angio-RNM em visão coronal evidenciando estenose da ACI e de ramos
proximais da ACA e ACM bilateral, e vasos moyamoya na base do
cérebro; C e D – ACC demonstrando moyamoya estágio III de Suzuki.
Quadro 1
Estadiamento Angiográfico da DMM(14)
Estágio
Alterações angiográficas
Estágio 1
Estenose da bifurcação da ACI
Estágio 2
Início dos vasos Moyamoya. Todos os vasos cerebrais estão
dilatados
Estágio 3
Intensificação dos vasos Moyamoya. Estenose da ACM e
ACA é observada.
Estágio 4
Diminuição dos vasos Moyamoya. Estenose da ACP é
observada
Estágio 5
Redução dos vasos Moyamoya. Falta de todas as artérias
cerebrais
Estágio 6
Desaparecimento dos vasos Moyamoya. FSC nutrição
arterial cerebral somente pela Artéria Carótida Externa
Doenças Cerebrovasculares na Infância
145
Tratamento
Apesar de não haver evidências comprovadas, por estudos pareados
e randomizados, das vantagens da revascularização cerebral sobre o
tratamento clínico, ou mesmo da necessidade de qualquer forma de
tratamento sobre o curso natural da doença, a maioria dos autores,
baseados em casuísticas próprias, geralmente indica tratamento cirúrgico para a DMM em crianças. Revisão de literatura recente realizado
por Fung et al.(15) identificou cinquenta e sete trabalhos, no OvidMedline, que corresponderam a 1448 pacientes. A maioria dos trabalhos era de autores japoneses e 10% de instituições ocidentais. As
revascularizações cerebrais indiretas foram os procedimentos mais
realizados: isoladamente em 73% e combinados com revascularização
direta em 23%. A qualidade dos trabalhos revisados por Fung et al.(15)
foi relativamente ruim, evidência grau III, de acordo com Scottish
Intercollegiate Guidelines Network Grading Scheme (1998), portanto,
orientação para cirurgia foi de recomendação grau C. No entanto,
trabalhos relatados de instituições únicas ou múltiplas e cooperativos
têm mostrado que a revascularização cerebral cirúrgica é efetiva e
segura, podendo reverter parâmetros hemodinâmicos pré-operatórios,
prevenir a deterioração neurológica e influir na melhora da qualidade
de vida em longo prazo.(12, 16, 17)
A hipoperfusão cerebral é um estímulo poderoso para formação de
circulação colateral, e o curso benigno de alguns pacientes pode ocorrer,
pois a oclusão carotídea pode ser lenta o suficiente para que ocorram
as alterações compensatórias. A configuração anatômica dos vasos cerebrais também auxilia na evolução da doença. Pacientes com PW incompleto, presumivelmente, teriam menor oportunidades de compensar os
efeitos da obstrução do sistema carotídeo. Portanto, pacientes que apresentam perfusão adequada do cérebro com seus vasos colaterais desenvolvidos em tempo e quantidade adequados têm menores chances de
desenvolverem sintomas isquêmicos e menores necessidades de cirurgia.
As indicações de consenso na literatura mundial, para o tratamento
cirúrgico da DMM, incluem: progressão dos sintomas, evidências de
infartos múltiplos, e evidências de queda do FSC.
O objetivo do tratamento cirúrgico na DMM é o restabelecimento
do FSC para a região isquêmica. Muitas técnicas cirúrgicas foram
desenvolvidas para o tratamento da DMM. Estas técnicas podem ser
146
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
divididas em dois grandes grupos: revascularização cerebral direta e
indireta. Revisão de literatura realizada por Fung et al.(15) evidenciou
cinquenta e sete estudos sobre a DMM, correspondente a 2218 hemisférios operados. Destes, 4% foram operados por técnica direta, 73%
por técnica indireta, e 23% com combinação direta e indireta. Obtiveram melhora dos sintomas 87% dos pacientes, e não houve diferença
significativa entre as técnicas diretas e indiretas, embora, a formação
colateral foi significantemente maior nas técnicas diretas.
Referências
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Cuidados Operatórios em
Neurocirurgia Pediátrica
José Aloysio Costa Val1
Leopoldo Mandic Furtado2
1
Mestre em Cirurgia pela Faculdade de Medicina da UFMG.
Serviço de Neurocirurgia Pediátrica do Biocor e Vila da Serra
Nova Lima, MG
1, 2
*Os autores declaram não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na
elaboração do presente capítulo.
Introdução
A neurocirurgia pediátrica difere da neurocirurgia convencional por
características distintas: trata crianças com variedade de porte e desenvolvimento físico (do recém-nato prematuro ao adolescente) e contempla doenças por vezes inexistentes entre os adultos. De outro modo,
algumas características das crianças a tornam mais susceptíveis a complicações operatórias: baixa tolerância a sangramentos, pele fina e tela
subcutânea escassa, sistema imunológico em desenvolvimento, crânio
delgado, intolerância à hipotermia, tênue equilíbrio hidroeletrolítico
e o desenvolvimento emocional incompleto. Por este motivo, a prática
da neurocirurgia pediátrica é diversa e baseada em detalhes, que se
manifestam pelos cuidados que envolvem o manejo da criança no pré,
intra e no pós-operatório. Neste trabalho, procuramos compilar estes
cuidados, baseados na experiência acumulada em nosso Serviço, que
geram maior segurança e melhor resultado.
Método
Entre 1994 e 2014 cerca de duas mil e quinhentas neurocirurgias
infantis foram realizadas pela equipe de Neurocirurgia Pediátrica do
Hospital Biocor e Vila da Serra. Durante este período, além das
150
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
técnicas convencionais, diversas outras foram desenvolvidas e aperfeiçoadas para tratar estas crianças. Muitos destes procedimentos foram
padronizados, envolvendo todas as etapas do tratamento. As técnicas,
que englobam os cuidados pré, intra e pós-operatórios, foram divididas em dois grupos: cuidados gerais, presentes em boa parte dos procedimentos, e específicos, para cada procedimento em particular.
Estes cuidados foram compilados e descritos a seguir.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Cuidados gerais:
Abordagem da família
A comunicação em pediatria é realizada com os pais, sobretudo com
a mãe, ou cuidadores. Desespero, inconformismo e incompreensão
são constantes e devem ser gerenciados pelo neurocirurgião pediátrico.
Explicação prolongada da enfermidade, do procedimento, do pósoperatório, repetidas vezes se necessário, devem sempre ocorrer. O auxílio da psicologia hospitalar por vezes é imprescindível. Caso ocorra
complicação é necessário esclarecer à família e estar sempre presente,
por mais desagradável e injusta que seja a situação. Jamais se pode
perder a paciência, sobretudo com a mãe. No momento da alta, explicar exaustivamente os cuidados, necessidade de retorno e possíveis
intercorrências.
Interface com anestesiologia
Assim como o neurocirurgião, o ideal é que o anestiosologista seja
treinado e tenha prática em neurocirurgia pediátrica. Muitas intervenções, como as craniossinostoses, por exemplo, apresentam uma
complexidade técnica diversa, e o anestiosologista deve conhecer os
tempos da operação e antever possíveis intercorrências. A avaliação
pré-anestésica deve sempre ser realizada, preferencialmente pelo profissional que realizará o procedimento. O preparo da sala e dos equipamentos anestésicos deve ser dedicado à pediatria. A prevenção da
hipotermia e hipovolemia é preocupação constante. O cuidado com
alergias específicas, como látex, exige intervenção em ambiente isento
de látex (latex free). O uso de ácido tranaxêmico na indução anestésica,
Cuidados Operatórios em Neurocirurgia Pediátrica
151
podendo ajudar no controle do sangramento, é um exemplo da interação.(4)
Momento da operação, ambiente da sala
Idealmente as crianças pequenas devem ser operadas pela manhã,
evitando-se jejum prolongado e hipoglicemia. Caso não seja possível,
orientar ingestão de líquidos claros até 4 horas antes. A criança não
pode ser exposta a salas com refrigeração sem estarem e serem mantidas aquecidas. O uso de mantas térmicas, por meio de ar quente,
permite aquecimento difuso pelo corpo. O acesso à sala deve ser restrito sobretudo em situações de baixo peso e prematuridade.
Prevenção de contaminação pela pele
Em toda cirurgia eletiva a pele da criança deve ser descolonizada com
solução de clorexidine por banho nos três dias que antecedem. A tricotomia é mínima e realizada após a indução anestésica, apenas no
local da incisão(8) (Figura 1).
Figura 1 Cuidados no posicionamento: craniossinostose
(não é realizada tricotomia).
O curativo é feito pela equipe cirúrgica e manipulado por esta ou
pela enfermagem treinada. Na medida do possível devem-se evitar
152
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
procedimentos, sobretudo próteses, em crianças por muito tempo hospitalizadas, pela colonização da pele por bactérias nosocomiais.
Planejamento cirúrgico
Em determinadas situações, é necessário prever de antemão as dificuldades e já planejar possíveis cenários. O exemplo mais comum são
tumores em crianças de baixo peso. Por vezes, é necessário que o procedimento seja realizado em diversos tempos, em momentos distintos.
A opção de se terminar o procedimento em segurança, antes de se
perder o controle, deve já ter sido colocada para a família e ser tomada
pelo cirurgião sem constrangimento. Situações em que o prosseguimento pode acarretar riscos, como em lipomas medulares ou sangramento em neuroendoscopia, também podem levar a abortar o
procedimento.
Posicionamento e preparo
A criança é muito frágil, e o posicionamento deve ser cuidadoso, prevenindo lesões secundárias. Proteção aos olhos, extremidades ósseas
e articulações deve ser partilhada entre a equipe cirúrgica e anestésica
(Figura 1). O uso de soluções iodadas deve ser evitado em crianças
muito pequenas, pela chance de absorção cutânea (hiperiodismo). A
fixação por três pinos deve ser evitada em crianças abaixo de 3 anos.
Hemostasia
Em todo o tempo cirúrgico a preocupação com a hemostasia deve
acontecer, pois a perda de pequenos volumes é representativa para as
crianças menores. O que se economiza em um momento pode significar segurança quando a perda ocorrer. A abertura da pele cuidadosa,
centímetro a centímetro, uso de ponteira de diatermia cutânea (tipo
ColoradoR), hemostasia rigorosa antes de prosseguir para o plano
seguinte são a prática. Nos momentos subsequentes são mantidos os
mesmos cuidados (Figura 2).
O manuseio do osso deve ser sempre realizado com materiais
delicados (fresas, brocas), dedicados à pediatria, sempre novos. Todo
sangramento deve ser controlado antes de se seguir adiante. O uso de
hemostáticos de fibrina propicia controle rápido de sangramento.
Cuidados Operatórios em Neurocirurgia Pediátrica
153
Figura 2 Hemostasia rigorosa e proteção
do seio ao dissecar a fontanela anterior.
A cera de osso deve ser usada com parcimônia, pois predispõe à contaminação e granulomas. O uso de craniótomo piezossônico é de
auxílio em situações específicas, como a retirada do rebordo orbitário.(5, 6) A aspiração constante, como utilizada em adultos, deve ser
desencorajada, pois se perde a noção do volume do sangramento.
Pós-operatório
Atenção à família, esclarecimento de todo o processo pós-cirúrgico,
das possíveis intercorrências hospitalares e, após a alta, retirada dos
pontos, medicação necessária criam um ambiente favorável para boa
evolução. Sobretudo no relacionamento com a mãe, é necessária muita
paciência. Todos os ambientes que a criança permaneça devem ser
humanizados e preparados para a faixa etária.
Cuidados específicos:
Fossa posterior
A craniotomia deve ser sempre realizada, com a reposição do retalho
ósseo, minimizando a chance de fístula e propiciando planos diferenciados em eventual reoperação. A dissecção muscular látero-inferior
deve ser muito cuidadosa pela proximidade do plexo venoarterial
154
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
vertebral, medializado nas crianças. O uso de substitutos durais deve
ser considerado, pois a dura-máter quase sempre retrai e é muito difícil se conseguir material autógeno para plastia.
Na vigência de Chiari II atentar ao posicionamento do seio transverso, inferior e direcionado caudalmente, e à presença de outros seios
acessórios, que tornam a abertura dural extremamente difícil e perigosa, com sangramento incontrolável se não previsto. Em lesões que
envolvem o tronco e pares cranianos, o uso de monitorização eletrofisiológica é recomendável, adaptado à faixa etária.
Tumores encefálicos
O maior erro é abordar os tumores com a mesma técnica de adultos.
O ideal é otimizar o acesso com auxílio de neuronavegação ou estereotaxia, poupando tempo e lesão tissular. Em crianças menores de 2
anos é impossível a fixação em três pinos e instalação de arco de estereotaxia, favorecendo a neuronavegação magnética.
Durante a microscopia, o sangramento deve ser mantido sob controle todo o tempo. Aspiração ultrassônica deve ser usada com parcimônia, em áreas controladas e sempre com o domínio do sangramento.
Por vezes, é necessário encerrar o procedimento, com a criança ainda
bem, e retomá-lo posteriormente. Esta possibilidade deve ser antecipada à família.
Craniossinostoses
Talvez a mais icônica das operações, pois é uma técnica diversa, extensa
em crianças pequenas. A interação com a anestesiologia, o cuidado
com posicionamento, normotermia, presença do sangue na sala, acesso
venoso eficiente (duas veias periféricas) sempre muito difícil, cateterização arterial para PIA e sondagem vesical são pressupostos básicos
para iniciar o procedimento. A incisão de pele deve ser planejada, já
que há mudança da conformação craniana, permitindo fechamento
sem tensão e com bom aspecto estético. Hemostasia rigorosa em todos
os planos, só prosseguindo com o campo exangue (Figura 2). Caso
haja sangramento, agudo ou continuado, as medidas compensatórios
pelo anestesiologista devem preceder a manifestação clínica. Deve-se
trabalhar para evitar a hemotransfusão, porém realizá-la quando
Cuidados Operatórios em Neurocirurgia Pediátrica
155
necessário. O uso de materiais de fixação óssea absorvíveis é mais
seguro, eficiente e causa menos complicações. O fechamento de pele
pode ser realizado com fios cutâneos absorvíveis, pela extensão da
ferida e o desgaste emocional em retirá-los. Porém, como este material
causa reação inflamatória, a família deve ser esclarecida dos cuidados
específicos. Idealmente a criança deve ser enviada extubada ao CTI
infantil. O blefarohematoma extenso, sempre presente nas abordagens
orbitárias, deve ser antecipado aos pais e não necessita medidas terapêuticas específicas.
Neuroendoscopias
Posicionamento correto, com a cabeça acima do nível do coração e
em posição neutra, deve ser observado pela equipe cirúrgica e anestésica. O estudo prévio dos exames para o posicionamento correto do
ponto de entrada é particularmente importante. Mesmo nas abordagens tradicionais, não é incomum um aumento dos cornos frontais em
lactentes, o que torna as medidas clássicas inúteis. Assim, o ponto de
entrada deve ser definido caso a caso. Em abordagens em outras regiões do crânio, o cuidado é o mesmo. O uso da neuronavegação magnética é útil em situações especiais (ventrículos pequenos, deformados,
multicistos etc.).(7) Na região frontal, é aconselhável a minicraniotomia
pela fontanela anterior, com melhor aspecto estético e menos chance
de fístula(2) (Figura 3). Irrigação é por solução à temperatura corporal,
sempre checada pela equipe. Em crianças macrocéfalas e com ventri-
Figura 3 Minicraniotomia para neuroendoscopia.
156
A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI
culomegalia deve ser constante para evitar o desabamento do encéfalo.
Durante a ventriculoscopia é necessária atenção à anatomia. As estruturas cerebrais por vezes são diminutas, muito mais próximas e friáveis.
Uso de neuroendoscópio delicado e cuidado técnico são necessários.
Em crianças muito pequenas é aconselhável que o neurocirurgião já
seja experiente na técnica. Ao retirar o neuroendoscópio, ocluir imediatamente a abertura cortical, evitando entrada de ar e saída de líquor.
Fechamento hermético dos planos, podendo ser necessário o uso de
plástica dural e selante de fibrina nas crianças com pouco córtex.
DVP
A lógica é tornar a cirurgia importante, sempre realizada por cirurgião
experiente. Idealmente deve ser a primeira cirurgia do dia, com restrição de acesso a sala.(3) A técnica simples, de preferência com apenas
duas incisões, parietal e abdominal.(1) A prótese deve ser conhecida e
previamente escolhida pelo cirurgião. Deve ser aberta no último instante e instalada imediatamente. A trepação do tamanho suficiente
apenas para a passagem do cateter. O procedimento o mais rápido
possível, sem ser corrido. No pós-operatório, crianças macrocéfalas
devem ser mantidas em decúbito horizontal pelo risco de hiperdrenagem. Evitar o decúbito sobre o reservatório como prevenção à escara
de pele e exposição do sistema.
Disrafismos
Inicialmente sempre considerar as crianças como alérgicas a látex e
tornar o ambiente cirúrgico isento deste composto (latex free). Nas mielomenigoceles, o procedimento deve ser eletivo, após cesariana eletiva.
O neurocirurgião pode estar presente ao parto, ou orientar a UTI no
pós-natal imediato quanto aos cuidados na situação específica. É realizado o US transfontanela logo após o nascimento, servido como
parâmetro para exames futuros. A operação é realizada pela equipe
cirúrgica principal em sala limpa, por técnica microcirúrgica, o que
leva em melhor resultado funcional e melhor prognóstico. O uso de
substituto durais, quando não há dura-máter disponível, deve ser considerado, pois previne fístula liquórica e a medula ancorada subsequente. O auxílio da cirurgia plástica pode ser interessante quando há
Cuidados Operatórios em Neurocirurgia Pediátrica
157
pouca pele. No pós-operatório a criança é mantida com a cabeceira
plana e o decúbito mudado constantemente. O curativo é mantido
sob visão e trocado pela equipe cirúrgica ou pela enfermagem treinada. O US é repetido diariamente e o aumento do sistema ventricular é parâmetro para a DVP, antecipando os sintomas de hipertensão
intracraniana. Nas medulas ancoradas por disrafismo aberto ou
fechado são tomados os mesmos cuidados relativos ao látex. A família
deve ser prevenida que pode haver piora do quadro clínico no pósoperatório, mesmo que temporário.
A monitorização eletrofisiológica é rotina e o entrosamento com
a neurofisiologia é necessário, já que a interpretação pode ser confusa.
A identificação dos planos cirúrgicos pode ser muito difícil, mas fundamental para a progressão da cirurgia. Por vezes, é necessário abortar a operação, sobretudo em lipomas que se continuam com a medula
sem plano de clivagem. O fechamento deve ser o mais hermético possível, mais uma vez recorrendo a substituto durais quando necessário.
É necessário evitar deixar planos mortos. No pós-operatório é mantido
a cabeceira plana por 48/72 horas e o decúbito mudado de 3 em 3
horas, a ferida monitorada pelo risco de contaminação e SVA usada
se necessário. A fisioterapia é precoce.
Conclusão
A neurocirurgia pediátrica requer cuidados especiais, baseado em
detalhes que compreendem o pré, intra e pós-operatório. Atenção à
família, sobretudo à mãe, compreensão e respeito às particularidades
fisiológicas das crianças e adaptação da prática diária a estas particularidades devem nortear as técnicas que envolvem o procedimento.
Esforços devem ser feitos para padronizar estas ações no serviço e
constituir uma prática diária e intuitiva, natural para todos envolvidos
no tratamento. A observação destas técnicas beneficia as crianças e
potencializam a chance de boa evolução.
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(James Lowell)
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