José Roberto Tude Melo A NEUROCIRURGIA PEDIÁTRICA N O S É C U L O X X I Apoio Colaboração José Roberto Tude Melo A NEUROCIRURGIA PEDIÁTRICA N O S É C U L O X X I 1ª Edição 2015 A Neurocirurgia Pediátrica no século XXI Copyright © 2015 – José Roberto Tude Melo Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/98. Esta é uma obra independente de total mérito e responsabilidade de seu autor, produzida pela Editora UNA sob licença de seu responsável. É proibida a duplicação, reprodução ou transmissão desta, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na internet ou outros), sem a permissão expressa de seu responsável. Não é responsabilidade da editora nem do autor a ocorrência de eventuais perdas ou danos a pessoas ou bens que tenham origem no uso desta publicação. Apesar dos melhores esforços do autor, do editor e dos revisores, é inevitável que surjam erros no texto. Assim, são bem-vindas as comunicações de usuários sobre correções ou sugestões referentes ao conteúdo ou ao nível pedagógico que auxiliem o aprimoramento de edições futuras. Comentários de leitores podem ser encaminhados à editora pelo e-mail [email protected]. Esta obra foi revisada conforme determinação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde janeiro de 2009. Este projeto conta com o apoio da SBNPed 1ª edição Coordenação Editorial: Produção Gráfica: Revisão: Capa: Tell Coelho Eliane Godoy Cíntia Rocha TC Projeto Gráfico: Editora UNA - União Nacional de Autores Valorizando a Cultura Nacional Endereço para correspondências: Caixa Postal 8086 Rio de Janeiro – RJ – CEP: 21032-970 E-mail: [email protected] Site: http://www.editorauna.com.br Em regiões metropolitanas ligue sem DDD: 4062-0660 ramal 0852. Nas demais regiões use o DDD 41. ISBN: 978-85-6673809-4 Impresso no Brasil Printed in Brazil CIP (Cataloging-in-Publication) – Brasil – Catalogação na Publicação Ficha catalográfica feita na editora M528n Melo, José Roberto Tude A Neurocirurgia Pediátrica no século XXI / José Roberto Tude Melo – 1. ed – Rio de Janeiro : UNA, 2015. 160 p ; 14x21 cm. il. ISBN: 978-85-6673809-4 1. Neurocirurgia Pediátrica - Neurologia. I. Título CDD 616-083 CDU 616-083 Índice para catálogo sistemático: Neurologia: Neurocirurgia Pediátrica – 616-083 Dedico esta obra à Neurocirurgia Pediátrica Brasileira Agradeço a todos os colegas que colaboraram na escrita deste livro, pois sem a ajuda de todos, esta obra não teria se concretizado. Sumário História da Neurocirurgia Pediátrica no Brasil . . . . . . . . . . 11 Introdução A Neurocirurgia Pediátrica no mundo Referências 11 16 17 Hidrocefalia na Infância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Introdução Classificação e etiologia Quadro clínico Tratamento Conclusões Referências 19 22 24 25 27 27 Neuroendoscopia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 Introdução Terceiro-ventriculostomia endoscópica (TVE) Septostomia endoscópica Aquedutoplastia Tratamento endoscópico da hidrocefalia multisseptada Tratamento endoscópico dos cistos aracnoideos Biópsia endoscópica Ressecção tumoral endoscópica Referências 29 30 32 33 34 35 37 37 38 Disrafismos Cranianos e Espinhais . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 Introdução Embriologia Classificação Incidência e epidemiologia Etiologia Diagnóstico pré-natal Disrafismos cranianos Disrafismos espinhais abertos Disrafismos espinhais fechados ou ocultos Tratamento cirúrgico Referências 41 42 43 43 43 44 44 46 46 52 52 8 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Neurocirurgia Fetal – Atualidades e Perspectivas . . . . . . . . 55 Introdução Tipos de procedimentos neurocirúrgicos fetais Resultados e prognóstico Alterações neurológicas associadas Nível neurológico da lesão e desenvolvimento motor Resultados negativos dos procedimentos pré-natais Considerações finais Referências 55 56 57 57 58 60 62 62 Craniossinostoses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 Introdução A escafocefalia (EC) A trigonocefalia (TrG) A plagiocefalia (PLG) A Braquicefalia (BrC) Craniossinostoses sindrômicas Plagiocefalia postural (PP) Referências 65 68 69 71 72 73 74 75 Doenças Infecciosas e Parasitárias do Sistema Nervoso Central: Aspectos Cirúrgicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 Introdução 77 CISTICERCOSE 77 Epidemiologia Fisiopatologia Quadro clínico Diagnóstico Tratamento 77 78 78 78 79 TUBERCULOSE 79 Epidemiologia Fisiopatologia Tratamento neurocirúrgico da tuberculose 79 80 80 ABSCESSOS CEREBRAIS 81 Etiologia Quadro clínico Diagnóstico Tratamento Referências 81 82 82 83 84 Traumatismo Craniano na Infância . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 Conceitos/Dados epidemiológicos Abuso, agressões físicas e violência urbana 87 88 Sumário As quedas Acidentes com meios de transporte (acidentes de vias públicas) Diagnóstico e manejo da criança vítima de TCE Tratamento cirúrgico e prognóstico Referências 9 89 89 89 90 93 Paralisia Obstétrica do Plexo Braquial . . . . . . . . . . . . . . . . 95 Introdução Anatomia Fisiopatologia Diagnóstico Tratamento Referências 95 96 96 97 99 100 Neoplasias do Sistema Nervoso Central na Infância: Novas Perspectivas e Abordagens . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 Introdução Diagnóstico por imagem Cirurgia Biologia molecular Radioterapia Quimioterapia Reabilitação Referências 103 104 105 107 108 109 109 110 Tractografia e Neuronavegação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 Introdução Metodologia Resultados Caso 1 Caso 2 Discussão Conclusão Referências 113 114 115 116 118 119 120 121 Tratamento Cirúrgico da Epilepsia na Infância . . . . . . . . . . 125 Introdução Princípios Gerais e Conceitos Etiologia Seleção de pacientes para cirurgia de epilepsia na infância Sumário das principais síndromes epilépticas da infância e adolescência Técnicas cirúrgicas Técnicas gerais e preparo do paciente Lesionectomias Lobectomia temporal 125 126 127 128 129 130 130 131 132 10 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Hemisferectomias/Hemisferotomias Ressecções extratemporais Calosotomia/Estimulação elétrica vagal Transecções subpiais múltiplas Complicações/Prognóstico Conclusão Referências 132 133 133 134 134 135 135 Doenças Cerebrovasculares na Infância . . . . . . . . . . . . . 137 Introdução 137 MALFORMAÇÃO DA VEIA DE GALENO 138 Introdução Quadro Clínico Classificação Tratamento e Prognóstico 138 138 139 140 MOYAMOYA 140 Introdução Critérios diagnósticos Aspectos Clínicos Estudos Diagnósticos Tratamento Referências 140 141 142 143 145 146 Cuidados Operatórios em Neurocirurgia Pediátrica . . . . . . 149 Introdução Método 149 149 RESULTADOS E DISCUSSÃO 150 Cuidados gerais: 150 Abordagem da família Interface com anestesiologia Momento da operação, ambiente da sala Prevenção de contaminação pela pele Planejamento cirúrgico Posicionamento e preparo Hemostasia Pós-operatório 150 150 151 151 152 152 152 153 Cuidados específicos: 153 Fossa posterior Tumores encefálicos Craniossinostoses Neuroendoscopias DVP Disrafismos 153 154 154 155 156 156 Conclusão Referências 157 157 História da Neurocirurgia Pediátrica no Brasil Márcia Cristina da Silva1 José Francisco Manganelli Salomão2 Nelci Zanon3 Secretária Executiva – SBNPed (2013-15). Neocenter/ Hospital Vila da Serra. Hospital João XXIII – FHEMIG – Belo Horizonte, MG. 1 Departamento de Cirurgia Pediátrica. Setor de Neurocirurgia Pediátrica. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, Criança e do Adolescente Fernandes Figueira – Fundação Oswaldo Cruz – Rio de Janeiro, RJ. 2 Presidente – SBNPed (2013-15). Médica Responsável pela Equipe CENEPE. Neurocirurgiã – UNIFESP – São Paulo, SP. 3 *Os autores declaram não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na elaboração do presente capítulo. Introdução Augusto Brandão Filho, cirurgião carioca do início do século XX, pode ser considerado o precursor da neurocirurgia no Brasil, tendo sido o primeiro brasileiro a tentar o tratamento cirúrgico de tumores cerebrais em 1924.(1) Também realizou em 1928 a primeira angiografia cerebral no país, sob a orientação de Egas Moniz.(2) Também no Brasil, alguns fatos são dignos de nota no desenvolvimento da neurocirurgia pediátrica: no início dos anos 50 do século passado, Mário Coutinho, um discípulo de José Ribe Portugal, criou o primeiro serviço de neurocirurgia pediátrica em Porto Alegre, RS, no Hospital Santo Antônio, operando crianças vítimas de traumatismo, malformações congênitas e tumores do sistema nervoso central; Paulo Niemeyer, no Rio de Janeiro, descreveu sua técnica de amígdalo-hipocampectomia transventricular e iniciou o tratamento cirúrgico de 12 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI pacientes com epilepsia refratária, incluindo crianças.(3) Nos anos 60 do século XX, Gilberto Machado de Almeida, em São Paulo, despontou como um dos grandes líderes da neurocirurgia brasileira. Ele tinha um interesse especial na neurocirurgia pediátrica, tendo sido pioneiro na subespecialidade. Além disso, foi responsável pela formação de vários neurocirurgiões de destaque da neurocirurgia pediátrica brasileira. Machado de Almeida foi o presidente do 5º Congresso Anual da ISPN (International Society for Pediatric Neurosurgery/Sociedade Internacional de Neurocirurgia Pediátrica) que aconteceu em 1977 no Guarujá, SP. Nas décadas de 70, 80 e 90 do século passado, um número crescente de neurocirurgiões brasileiros completaram sua formação no exterior em países como os Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Alemanha e França, vários em importantes centros de neurocirurgia pediátrica. Muitos destes indivíduos demonstraram um interesse especial pela neurocirurgia pediátrica, o que levou a um aumento gradual das sessões da subespecialidade nos congressos da SBN (Sociedade Brasileira de Neurocirurgia). Em 1992, um grupo destes neurocirurgiões com especial interesse na neurocirurgia pediátrica e particularmente ativos dentro da sociedade fundou o Departamento de Neurocirurgia Pediátrica da SBN. Três anos depois, em 1995, aconteceu em São Paulo o primeiro Congresso Brasileiro de Neurocirurgia Pediátrica, sob a presidência do Dr. Hamilton Matushita, um sucesso de público e do ponto de vista de conteúdo científico, com a participação de palestrantes de renome, estrangeiros e brasileiros, e mais de trezentos inscritos. Desde então, a cada dois anos acontece o Congresso Brasileiro de Neurocirurgia Pediátrica em diferentes cidades do país, discutindo-se temas de importância na especialidade para neurocirurgiões e médicos de especialidades afins interessados na disciplina, de todo o país (Quadro 1). Pela necessidade de integração internacional e visibilidade, em 1999, durante o seu 3º congresso no Rio de Janeiro, o Departamento de Neurocirurgia Pediátrica da SBN se tornou a Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Pediátrica (SBNPed) (Quadro 2). Nunca houve no Brasil uma separação rígida entre neurocirurgiões que praticam a neurocirurgia geral e aqueles que praticam a neurocirurgia pediátrica, como ocorre em alguns países como a França e Canadá. Ainda são raros os neurocirurgiões brasileiros que se dedicam exclusivamente à neurocirurgia pediátrica, mas um grupo crescente História da Neurocirurgia Pediátrica no Brasil 13 Congressos da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Pediátrica (SBNPed). Quadro 1 Ano Local Presidente do Congresso 1995 São Paulo, SP Hamilton Matushita 1997 Brasília, DF Benicio Oton de Lima 1999 Rio de Janeiro, RJ José Francisco Manganelli Salomão 2001 Ribeirão Preto, SP Hélio Rubens Machado 2003 Recife, PE Artur Henrique Galvão Bruno da Cunha 2005 Belo Horizonte, MG Geraldo Pianetti Filho 2007 Curitiba, PR Silvio Machado 2009 Gramado, RS Jorge W. Junqueira Bizzi 2011 Búzios, RJ Antônio Rosa Bellas 2013 João Pessoa, PB Christian Diniz Ferreira 2015 (próximo congresso) Belém, PA Simone Rogério Presidentes da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Pediátrica (SBNPed). Quadro 2 Período Presidente 1999-2001 Hamilton Matushita 2001-2003 José Francisco Manganelli Salomão 2003-2005 Benicio Oton de Lima 2005-2007 Sergio Cavalheiro 2007-2009 Hélio Rubens Machado 2009-2011 Geraldo José R. Dantas Furtado 2011-2013 José Aloysio Costa Val Filho 2013-2015 Nelci Zanon-Collange 2015-2017 (presidente eleito) Artur Henrique Galvão Bruno da Cunha 14 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI tem demonstrado especial interesse na subespecialidade. Menção especial tem que ser feita a um grupo de desbravadores da neurocirurgia pediátrica do país, carinhosamente chamado de “G5”. São eles (em ordem alfabética): Benicio Oton de Lima, Hamilton Matushita, Hélio Rubens Machado, José Francisco Manganelli Salomão e Sérgio Cavalheiro. Este grupo, com persistência e perseverança, alçou a neurocirurgia pediátrica brasileira a níveis de excelência reconhecidos internacionalmente. E com sua liderança aumentam continuamente o grupo de interesse na subespecialidade, além de moldar as futuras gerações de neurocirurgiões pediátricos do país. Por mérito de todo o grupo, a SBNPed é atualmente uma sociedade reconhecida internacionalmente pela qualidade da produção científica e assistencial de seus membros, com participação ativa no cenário da neurocirurgia pediátrica brasileira e mundial. Algumas de suas realizações: – 1999 e 2001: Joint Meetings com o grupo francês de neurocirurgia pediátrica; – Em 2008, a SBNPed participou como invited society do congresso da ESPN (European Society for Pediatric Neurosurgery) em Montreux, Suíça, com participação significativa dos neurocirurgiões brasileiros no programa científico. – Em Amsterdã, em 2012, novamente a SBNPed foi convidada a participar, desta vez como joint section, no congresso bianual da ESPN. Também neste evento foi expressiva a participação dos neurocirurgiões brasileiros nos eventos, com palestras, apresentações orais e pôsteres de valor científico. – Em 2014, em Roma, mais uma vez a SBNPed foi convidada a participar do congresso bianual da ESPN em joint section, juntamente com a Sociedade Indiana de Neurocirurgia Pediátrica. Neste encontro, a participação brasileira também foi expressiva, com vinte e duas apresentações orais/pôsteres. Três neurocirurgiões brasileiros foram convidados pela comissão organizadora do congresso a proferir palestras como invited lecturers. A delegação brasileira foi a segunda em número de participantes presentes no evento. – A SBNPed participa ativamente da FLANC (Federación Latinoamericana de Sociedades de Neurocirugía), tendo elegido dois presidentes do capítulo de neurocirurgia pediátrica – Artur Henrique Galvão Bruno da Cunha/2002-04 e José Francisco Manganelli Salo- História da Neurocirurgia Pediátrica no Brasil 15 mão/2008-10. Também promoveu o III Congresso Latino-americano de Neurocirurgia Pediátrica em Porto de Galinhas, PE, em 2009 e cursos de educação continuada da FLANC em João Pessoa em 2013 e Belém em 2014. – Os esforços da SBNPed, e em especial do Dr. José Francisco Manganelli Salomão, trouxeram de volta ao Brasil, após 37 anos, o Annual Meeting da ISPN, Rio de Janeiro em Novembro de 2014. O Dr. Salomão presidiu este prestigioso evento. – A SBNPed igualmente tem orgulho de ter sido parte, junto com outras organizações e associações, da publicação da Resolução RDC nº 344 de 13 de dezembro de 2002 da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que aprova o regulamento técnico para a fortificação das farinhas de trigo e das farinhas de milho com ferro e ácido fólico, uma medida fundamental na prevenção de defeitos do tubo neural.(4) – Em colaboração com a ESPN (European Society for Pediatric Neurosurgery), a SBNPed organizou em 2004, na cidade de Florianópolis (SC), o primeiro curso do primeiro ciclo do Latin American Course of Pediatric Neurosurgery.(5) Este curso, voltado para os neurocirurgiões do Brasil e demais países da América Latina, segue os moldes de cursos idênticos, com a mesma programação, organizados pela ESPN desde 1986 no continente europeu. Ele compreende três ciclos com uma semana de duração em cada ciclo, abrangendo temas importantes da neurocirurgia pediátrica. A língua oficial do curso é a língua inglesa. O objetivo deste curso, tanto na Europa quanto no Brasil, é promover o desenvolvimento da neurocirurgia pediátrica através do ensino e treinamento de residentes e neurocirurgiões interessados no tema. Os cursos latino-americanos alcançaram grande sucesso dentro da comunidade neurocirúrgica do Brasil e países da América Latina, tendo comemorado em 2013 o 10º ano consecutivo de sua realização. A partir de 2014, o curso conta com o aval da SBN, tornando-se parte da formação dos neurocirurgiões brasileiros. A SBNPed continua sendo o Departamento de Neurocirurgia Pediátrica da SBN, influenciando decisões referentes à subespecialidade, como o conteúdo científico de congressos promovidos pela SBN, educação e indicação de centros de treinamento em neurocirurgia pediátrica. Apesar de jovem, é uma sociedade madura e atuante, com metas e projetos já atingidos e outros planejados para o futuro. Entre 16 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI eles a inclusão internacional da neurocirurgia pediátrica brasileira, utilização de tecnologias disponíveis para uma comunicação e divulgação de informações mais ágil para todos os neurocirurgiões interessados na especialidade, programas e políticas de prevenção de malformações congênitas do sistema nervosos central, programas e políticas de prevenção de acidentes pediátricos, participação no projeto Diretrizes da Associação Médica Brasileira, participação no Grupo Cooperativo de Tumores Cerebrais na Infância da SOBOPE e o treinamento de futuros neurocirurgiões pediátricos.(6, 7) A Neurocirurgia Pediátrica no mundo O primeiro hospital pediátrico na Europa foi fundado em 1802, em Paris, L’Hôpital des Enfants Malades. O primeiro serviço de neurocirurgia pediátrica foi fundado por Franc Ingraham no Children’s Hospital Medical Center em Boston, em 1929.(8) A primeira Sociedade de Neurocirurgia Pediátrica de que se tem notícia foi a Sociedade Europeia de Neurocirurgia Pediátrica – ESPN,(9) fundada em 1967, por ocasião do primeiro congresso de Neurocirurgia Pediátrica que ocorreu em Viena, na Áustria. A SBNPed é uma sociedade afiliada da ESPN.(10) A Sociedade Internacional de Neurocirurgia Pediátrica – ISPN foi fundada em 1972 por um grupo de neurocirurgiões visionários:(11) Raul Carrea (Argentina), Maurice Choux (França), Steen Flood (Noruega), Bruce Hendricks (Canadá), Wolfgang Koos (Áustria), Satoshi Matsumoto (Japão), Jean Pecker (Inglaterra), Anthony J. Raimondi (Estados Unidos), Jacques Rougerie (França), John Shaw (Inglaterra), Kenneth Till (Inglaterra). Anthony Raimondi organizou o primeiro congresso da ISPN em Chicago, 1972. Em 1973, em Londres, foi criada a revista oficial da ISPN – Child’s Brain. Em 1985, a Child’s Brain mudou seu nome e passou a chamar-se Child’s Nervous System, revista oficial da ISPN até hoje. Desde 2006, a SBNPed também tem a Child’s Nervous System como sua revista oficial, assim como a ESPN, as Sociedades Coreana, Japonesa e Chinesa de Neurocirurgia Pediátrica. A Child’s Nervous System é uma revista mensal, disponível tanto na versão digital quanto na versão impressa a todos os membros da ISPN. Ela trata de todos os assuntos ligados a neurociências em História da Neurocirurgia Pediátrica no Brasil 17 crianças: anomalias do desenvolvimento e crescimento, doenças degenerativas e hereditárias, neuropediatria, neuro-oncologia pediátrica, neuropsicologia, neuroanestesia, e neurocirurgia pediátrica. O próximo desafio da SBNPed é estabelecer critérios básicos para a formação de um neurocirurgião pediátrico no Brasil: na França, é exigido 1 ano de treinamento num centro de neurocirurgia pediátrica; para a AANS (American Association of Neurological Surgeons/Associação Americana de Cirurgiões Neurológicos), uma série de requisitos precisa ser cumprida para a obtenção do certificado em neurocirurgia pediátrica, entre eles, também, no mínimo 1 ano de treinamento em serviço especializado.(12) A SBNPed e seus membros têm ainda muitos desafios pela frente, mas também têm otimismo e a certeza de que o objetivo final é de que todas as crianças com patologias neurocirúrgicas sejam tratadas no Brasil com o melhor da tecnologia, da qualidade humana e técnica dos profissionais. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Gusmão SS, de Souza JG. História da neurocirurgia no Brasil. 2ª ed. São Paulo (SP): Sociedade Brasileira de Neurocirurgia; c2008. 229 p. Gusmão SS. História da neurocirurgia no Rio de Janeiro. Arq Neuropsiquiatr. 2002;60(2-A):333-337. Niemeyer P. The transventricular amygdala-hipocampectomy in temporal lobe epilepsy. In: Baldwin MBP (ed.). Temporal lobe epilepsy. Springfield: Charles C Thomas, 1958:461-482. ANVISA. RDC 344 de 13 de Dezembro de 2002. [Internet]. 2014 Jun [acesso em 15 jun. 2014]. Disponível em: http://anvisa.gov.br/alimentos/farinha.htm Latin American Course in Pediatric Neurosurgery. [Internet]. 2014 Jun [acesso em 15 jun. 2014]. Disponível em: http://rca.fmrp.usp.br/eventos/ neuroped/Home.html Machado HR. História da neurocirurgia pediátrica. In: Oliveira RS, Machado HR. Neurocirurgia pediátrica: fundamentos e estratégias. Rio de Janeiro (RJ): DiLivros Editora Ltda.; c2009. 436 p. Collange NZ. SBNPed – mensagem da presidente. [Internet]. 2014 Jun [acesso em 15 jun. 2014]. Disponível em: http://sbnped.org/sbnped/ Ciurea AV, Vasilescu G, Nuteanu L. Pediatric neurosurgery – a golden decade. Child’s Nerv Syst. 1999;15:807-813. European Society for Pediatric Neurosurgery. [Internet]. 2014 Jun [acesso em 15 jun. 2014]. Disponível em: http://espneurosurgery.org 18 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI 10. European Society for Pediatric Neurosurgery. [Internet]. 2014 Jun [acesso em 15 jun. 2014]. Disponível em: http://espneurosurgery.org/affiliated-societies 11. International Society for Pediatric Neurosurgery. The History of the ISPN. [Internet]. 2014 Jun [acesso em 15 jun. 2014]. Disponível em: http:// ispneurosurgery.org/about-us/the-history-of-the-ISPN 12. American Board of Pediatric Neurological Surgeons. Certification. [Internet]. 2014 Jun [acesso em 15 jun. 2014]. Disponível em: http://abpns.org/ certification.html Hidrocefalia na Infância Artur Henrique Galvão Bruno da Cunha Neurocirurgião pediátrico e preceptor da residência médica em neurocirurgia no Hospital da Restauração, em Recife, PE. Mestre em neuropsiquiatria pela Universidade Federal de Pernambuco. Membro titular da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN), da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Pediátrica (SBNPed) e da Sociedade Internacional de Neurocirurgia Pediátrica (ISPN). E-mail: [email protected]. *O autor declara não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na elaboração do presente capítulo. Introdução A hidrocefalia é uma patologia que ocorre mais comumente na população infantil, presente na forma congênita em 3 a 4 por 1000 nascidos vivos, resultando do desequilíbrio entre a produção e absorção do líquido cefalorraquídeo (LCR). Os relatos históricos fazem referência à hidrocefalia já na era hipocrática (468-377 a. C.). A Galeno foi atribuída à frase “water on the brain”. A relação entre o aumento anormal das dimensões do crânio e o acúmulo de LCR não esteve bem esclarecida até Vesalius (século XVI), que descreveu o acúmulo anormal de líquido dentro dos ventrículos cerebrais.(1, 2) O melhor conhecimento da anatomia cerebral e ventricular permitiu uma melhor compreensão da dinâmica do fluxo do LCR e os mecanismos causadores da hidrocefalia. Os séculos XVIII e XIX trouxeram esclarecimentos importantes sobre a fisiopatologia das hidrocefalias, em especial àquela causada por obstrução no trajeto do fluxo liquórico. Morgagni (1761) e outros autores descreveram casos de hidrocefalia adquiridos pós-meningite, formas congênitas e neoplásicas. Em 1768, Robert Whytt propôs a diferenciação entre hidrocefalia interna e externa. No século passado, nomes como Weed, Dandy, Blackfan, Bering, Davson, Milhorat, Pappenheimer, Cutler e outros trouxeram 20 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI contribuições importantes para o melhor entendimento da hidrocefalia.(1, 2) Estudos sobre a fisiologia do fluxo liquórico identificaram a existência de uma “via menor”, em que o LCR produzido principalmente nos plexos coroides seria drenado através do espaço perineural e direcionado ao sistema linfático, e pela via transependimária, perivascular, com absorção através dos capilares fenestrados periventriculares e coroideos. Durante a infância, a absorção liquórica progressivamente vai sendo assumida pelas granulações de Pacchioni, chegando ao sistema circulatório pelos seios venosos cerebrais através da chamada “via maior”.(3, 4) Os modernos meios diagnósticos por imagens foram refinando e esclarecendo os conhecimentos clínicos e auxiliando na formação das bases terapêuticas da hidrocefalia. A tecnologia evoluiu desde a pneumoencefalografia introduzida em 1918, depois com o advento da ultrassonografia, a chegada da tomografia computadorizada e, posteriormente, a ressonância nuclear magnética. Esta última permitindo a reconstrução de imagens dinâmicas do fluxo liquórico, com análises quantitativas e qualitativas.(1) A primeira referência histórica de uma derivação ventriculoperitoneal (DVP) é atribuída a Kausch (1908), tendo o paciente falecido em decorrência de hiperdrenagem. Hartwell (1910) utilizou a implantação temporária de um grosso fio de prata ligando o ventrículo lateral à cavidade peritoneal. A presença do corpo estranho provocava uma reação fibrótica. Com a retirada do fio, permanecia um tubo fibrótico que, em alguns casos, funcionava como conduto de derivação liquórica. Esta drenagem geralmente não funcionava por muito tempo. Nulsen e Spitz (1952) relataram um caso de sucesso de uma derivação ventrículo-jugular, com a utilização de um sistema valvular unidirecional usando uma mola e uma esfera de aço inoxidável.(2) Em 1955, Scott, Wyces, Murtach, Reyes, Jackson e Snodgrass experimentaram diversos modelos de DVP e lombo-peritoneais (DLP), com bons resultados em 9 a 39% dos casos.(1) O desenvolvimento de cateteres de polietileno e posteriormente de silicone (Holter, 1955), assim como das válvulas unidirecionais, permitiram um melhor desempenho das derivações. Scarff (1963) publicou uma série de duzentos e trinta pacientes tratados com DVP, considerando bons resultados em 55%, porém referindo complicações obstrutivas em 58% e uma mortalidade associada ao procedimento de 13%.(1) Raimondi (1973) Hidrocefalia na Infância 21 desenvolveu um modelo denominado one piece: um cateter sem conexões com uma válvula em fenda na extremidade distal. Este modelo tinha como vantagem reduzir ao mínimo a manipulação do cateter e a sua exposição à contaminação.(2) Contudo, foram frequentes os casos de hiperdrenagem e slit ventricle syndrome associados a este modelo. Inúmeros modelos e marcas de válvulas com diferentes tecnologias estão disponíveis hoje para o tratamento da hidrocefalia. Válvulas mais modernas permitem ser programadas e reajustadas por dispositivos magnéticos remotos, com ou sem mecanismos antissifão para evitar hipo ou hiperdrenagem. Como prevenção às graves complicações infeciosas, alguns fabricantes oferecem cateteres impregnados com antibióticos. Porém, toda esta evolução tecnológica ainda não tem sido capaz de evitar as complicações mecânicas e infeciosas que acompanham os implantes valvulares. Dandy, em 1922, descreveu a técnica da terceiro-ventriculostomia, modificada por ele próprio alguns anos depois e utilizada também por Mixter (1923). A técnica consiste na criação de uma comunicação entre o terceiro ventrículo e as cisternas basais. O procedimento foi abandonado devido aos resultados desastrosos. Fukushima (1973) publicou trabalhos com a utilização de um endoscópico flexível. A terceiro-ventrículo-cisternostomia endoscópica (TVE) voltou a ser utilizada, sendo popularizada a partir da década de 90, com o advento de modernos equipamentos de neuroendoscopia. A TVE vem apresentando bons resultados no tratamento de casos selecionados de hidrocefalia, especialmente as chamadas obstrutivas.(3, 5, 6) Com o conhecimento que o plexo coroide seria o principal responsável pela produção liquórica, Lespinasse (1910) propôs a coagulação desta estrutura e Hildebrand (1923) realizou a ressecção completa no tratamento de hidrocefalias. Esta técnica popularizada por Dandy (1918) foi abandonada devido aos maus resultados, porém reintroduzida ao arsenal cirúrgico por Putman (1943) e Scarff (1963), através de abordagens endoscópicas.(1-3) O desenvolvimento da moderna medicina fetal vem permitindo a abordagem da hidrocefalia e da mielomeningocele entre a 24ª e 32ª semana de gestação. Cavalheiro et al. (2011) publicaram um interessante artigo, referindo bons resultados em 75% dos casos, com redução dos casos de dependência de válvulas e de malformação de Chiari II.(4) 22 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Classificação e etiologia A primeira tentativa de classificação da hidrocefalia distinguia dois tipos: 1) interna: caracterizada pelo acúmulo de LCR nos ventrículos, com aumento progressivo da pressão intracraniana; 2) externa: apresentando acúmulo de LCR nos espaços subdural e subaracnóideo, acompanhado de um córtex mais fino, um espaço subaracnóideo alargado e o volume ventricular variando de normal a dilatado.(1) Outra classificação divide a hidrocefalia em comunicantes e não comunicantes ou obstrutivas. Na primeira, a falha estaria na reabsorção liquórica nas cisternas basais, espaço subaracnóideo e granulações aracnoides. Na segunda, ocorreria uma obstrução ao fluxo liquórico dentro do sistema ventricular. Raimondi acrescentou um terceiro grupo: o constritivo, explicando a hidrocefalia na má formação de Arnold-Chiari, com a constrição do tronco encefálico e da metade inferior do cerebelo dentro do forame Magno, com consequente obliteração das cisternas Magnas, medular, pontina e ambiens.(1) Russel (1949) propôs a seguinte classificação etiológica: Obstrutivas: bloqueio ventricular (interno e não comunicante): 1. anomalias congênitas (estenose de aqueduto, Dandy-Walker, malformações da veia de Galeno); 2. bloqueio pós-inflamatório (ventriculites); 3. bloqueio pós-hemorrágico (hemorragia intraventricular); 4. tumores ventriculares e da fossa posterior. Bloqueio cisternal (externo e comunicante): 1. anomalias congênitas (cistos aracnoides); 2. bloqueio pós-inflamatório (meningite basal); 3. bloqueio pós-hemorrágico (hemorragia subaracnóidea); 4. trombose venosa (trombose de seios venosos); 5. tumores difusos (meningite carcinomatosa). Não obstrutivas: atrofias cerebrais (hidrocefalia “ex-vácuo”). Funcional: 1. hipersecretórias (papiloma de plexo coroide); 2. absorção insuficiente (aplasia congênita das granulações aracnoides).(1, 2) Raimondi classificou a hidrocefalia considerando o aumento anormal do volume de LCR intracraniano, independente da pressão hidrostática ou barométrica: Intraparenquimatosa: a. Intracelular. b. Extracelular. Hidrocefalia na Infância 23 Extraparenquimatosa: a. subaracnóidea (transitória, estado inicial de hidrocefalia comunicante, transformação de cisto aracnoide regional ou localizado); b. cisternal (cisto da cisterna Magna, cisto da cisterna basal ou sagital, cisto da fissura Silviana com ou sem displasia parenquimatosa); c. intraventricular (monoventricular, biventricular, triventricular e tetraventricular).(2) McCullough (1989) citou uma classificação etiológica ainda bastante utilizada nos estudos e publicações nos últimos anos: I. hidrocefalias congênitas: associadas à espinha bífida, não associadas à espinha bífida e associadas a tumores; II. hidrocefalias adquiridas: pós-hemorrágicas, pós-meningite, hidrocefalia de manifestação tardia (late onset) e hidrocefalias associadas a tumores.(1) Considerando a hidrocefalia um complexo patofisiológico envolvendo diversos mecanismos, Oi (2011) propôs uma ampla classificação baseada em três aspectos: o paciente, o LCR e o tratamento (Multi-categorical Hydrocephalus Classification). A classificação apresenta dez categorias com cinquenta e quatro subtipos: I. início: 1. congênito, 2. adquirida, 3. fetal, 4. neonatal, 5. infantil, 6. criança e 7. adulto; II. causas: 1. primária, 2. secundária e 3. idiopática; III. lesões subjacentes: 1. disgenesia, 2. pós-hemorragia, 3. pósmeningite, 4. pós-traumática, 5. lesão expansiva e 6. outras; IV. sintomatologia: 1. macrocefalia, 2. normocefalia, 3. microcefalia, 4. oculta, 5. sintomática, 6. evidente, 7. comatoso, 8. estupor, 9. demência, 10. retardo mental, 11. sindrômico, 12. hidrocefaliaparkinsonismo e 13. outros; V. patofisiologia – dinâmica liquórica: 1. comunicante, 2. não comunicante, 3. obstrutiva, 4. não obstrutiva, 5. externa, 6. interna, 7. localizada, 8. intersticial e 9. compartimento isolado; VI. patofisiologia – dinâmica da pressão intracraniana: 1. alta pressão e 2. pressão normal; VII. cronologia: 1. aguda, 2. crônica, 3. longa evolução, 4. progressiva e 5. compensada; VIII. pós-derivação: 1. dependente de derivação, 2. independente de derivação, 3. síndrome de ventrículo em fenda e 4. hematoma subdural pós-derivação; IX. pós-ventriculostomia endoscópica: 1. TVE dependente e 2. TVE independente; e X. outros, ou combinações de vários subtipos.(3) 24 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Quadro clínico Os sinais e sintomas da hidrocefalia variam de acordo com a faixa etária do paciente, a causa primária ou doença de base, a presença de outras malformações ou lesões cerebrais associadas, dimensão da obstrução ao trânsito liquórico e nível da pressão intracraniana. No recém-nascido, a irritabilidade, letargia, vômitos e um crescimento anormalmente rápido da calota craniana são os achados mais comuns. A aferição periódica do perímetro cefálico é muito importante na suspeita de hidrocefalia, lembrando que estudos radiológicos têm mostrado que existem casos que a dilatação ventricular anormal e aumento da pressão intracraniana podem preceder a macrocrania. No lactente e até o final do 2º ano de vida, uma cuidadosa observação do paciente pode levantar fortes suspeitas de hidrocefalia descompensada. Uma desproporção craniofacial, abaulamento da fontanela independente da posição do paciente, congestão venosa superficial no couro cabeludo e face, sinal do sol poente e estrabismo convergente são achados bastante indicativos. A fontanela anterior, enquanto aberta, deve ser periodicamente examinada, registando-se o tamanho, a forma e a tensão, esta última nas posições sentada, deitada e de pé. Uma fontanela anterior ampla, tensa e abaulada, na posição sentada ou de pé, em um paciente tranquilo, levanta uma forte suspeita de hipertensão intracraniana. Ainda observando a cabeça do paciente, podem ser encontrados afastamento das suturas cranianas, o sinal do “pote rachado”, hipertonia e diminuição da mobilidade dos membros inferiores. O peso anormal da cabeça, hipotonia cervical e o atraso neuropsicomotor podem interferir no controle da posição da cabeça, assim como no desenvolvimento da marcha. A associação de lesões expansivas ou deformidades na fossa posterior podem manifestar-se através de distúrbios respiratórios e bradicardias. A partir do 2º e 3º anos de vida, já é possível identificar mais claramente a hidrocefalia nas formas aguda e crônica. A forma aguda tem uma evolução rápida e progressiva, com a presença de cefaleia, vômitos, sintomas oculomotores, deterioração do nível de consciência, convulsões e edema de papila. A forma crônica caracteriza-se por cefaleias ocasionais, que lenta e progressivamente vão se tornando mais frequentes, vômitos matinais, progressiva deterioração da marcha, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e alterações com- Hidrocefalia na Infância 25 portamentais. O edema de papila pode estar presente, porém a ausência deste achado não afasta um estado de hipertensão intracraniana crônica. Alguns pacientes apresentam progressivo comprometimento da acuidade visual, podendo evoluir para cegueira irreversível. A presença de sequelas neurológicas varia de acordo com a faixa etária e velocidade de instalação da hidrocefalia, da perda de tecido neuronal, das lesões associadas e da oportunidade e complicações do tratamento. Os casos mais graves podem evoluir para importante comprometimento neuropsicomotor, com completa dependência para as atividades de vida diária. Tratamento A hidrocefalia pode ser tratada de forma transitória ou definitiva, através de condutas invasivas e não invasivas. Nas condutas transitórias não invasivas são utilizadas drogas com a finalidade de inibir a produção liquórica, diminuir o conteúdo de água do cérebro ou estimular a absorção. A acetazolamida e a furosemida podem reduzir a produção liquórica em 50 a 60%, como redutoras da anidrase carbônica. As doses preconizadas para a acetazolamida são entre 50 a 150 mg/kg/dia e para a furosemida é de 1 mg/kg/dia. Além do limitado efeito sobre o controle da hidrocefalia e da hipertensão intracraniana, foram observados efeitos colaterais como acidose metabólica, desmielinização e nefrocalcinose. Os diuréticos osmóticos, como o Isossorbide, Manitol, Urea e Glicerol atuam diminuindo o conteúdo de água do cérebro. Podem ser utilizados como medida provisória nas hidrocefalias comunicantes, porém são ineficientes nos hidrocéfalos volumosos pela diminuição parenquimal. Entre os efeitos colaterais mais importantes observou-se o chamado efeito rebote, hipernatremia e desidratação. Os corticoides como a dexametasona e a metilprednisolona têm sido indicados para estimular a absorção do LCR, diminuindo a resposta inflamatória. A heparina e a hialuronidase tem sido utilizada para desobstrução das granulações aracnoides.(1, 2) Punções lombares seriadas têm sido utilizadas para o tratamento de hidrocefalias pós-hemorrágicas intraventriculares e nas chamadas hidrocefalias de pressão normal. O objetivo é o alívio da PIC, redução da proteína e sangue no LCR e prevenção da formação de fibrina. As 26 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI complicações mais frequentes são meningite, osteomielite e hipernatremia.(1, 2) As punções ventriculares através da fontanela anterior podem ser muito úteis em situações de emergência para alívio da hipertensão intracraniana. O uso frequente desta via, além do risco de complicações infecciosas, tem sido associado à formação de cavidades porencefálicas e epilepsia. Uma alternativa seria a realização de uma ventriculostomia, com o implante de um cateter ventricular acoplado a um reservatório subcutâneo com uma câmara para punções repetidas.(1, 2) O cateter ventricular pode também ser acoplado a um reservatório externo, a chamada drenagem ventricular externa (DVE). Este procedimento é indicado nas hemorragias intraventriculares, nas hidrocefalias infecciosas, na monitorização da PIC e na impossibilidade provisória de uma derivação permanente. Infecções, hematomas intracranianos, crises convulsivas e deslocamento do cateter são as complicações mais frequentes.(2) O tratamento definitivo da hidrocefalia pode ser através da remoção de processos obstrutivos (neoplásicos, granulomatosos, etc.), do implante de derivações extracranianas, como a DVP ou ventrículoatriais (DVA), ou através de derivações internas com o uso da neuroendoscopia.(5, 6) A técnica derivativa mais utilizada é a DVP. O LCR, através de um sistema com válvula unidirecional é desviado para absorção na cavidade peritoneal. A segunda alternativa é a DVA, com o implante do cateter distal no átrio cardíaco direito. A DVA é uma técnica mais complexa que a DVP, com menor incidência de complicações, porém de maior gravidade, como trombose venosa, endocardite, septicemia, tromboembolismo, nefrite e convulsões. A DLP, com a utilização de sistemas valvulares específicos, tem indicação em alguns casos de hidrocefalia comunicante e no tratamento de pseudotumor cerebri. Escoliose, aracnoidite, radiculopatias e Chiari I sintomático são algumas das complicações relacionadas à DLP. A pleura, a vesícula biliar e o seio sagital superior têm sido também utilizados nas derivações liquóricas.(1, 2, 5) Na TVE, através de uma trepanação frontal parassagital, se introduz um neuroendoscópio guiado por vídeo, e se realiza uma abertura no assoalho do terceiro ventrículo. A derivação interna através da TVE exige o espaço subaracnóideo patente à absorção liquórica. O problema é que não existe nenhum teste eficaz para avaliar esta patência, e mesmo em pacientes rigorosamente selecionados o percentual de Hidrocefalia na Infância 27 sucesso não vai além de 80%. O insucesso está mais presente nas hidrocefalias associadas à hemorragia intraventricular, infecções e a pacientes com idade inferior a 6 meses.(5) Conclusões Apesar dos avanços no diagnóstico e tratamento, a hidrocefalia na infância permanece sendo um grande desafio para a neurocirurgia pediátrica. Para a sociedade em geral, o desafio é o alto custo a médio e longo prazo da patologia e complicações do tratamento. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. Da Cunha AHGB, Eikmann SH. Classificação etiológica de 62 casos de hidrocefalia operados no IMIP em 1993. Revista do IMIP. 1995;(01):36-41. Drake JM, Saint-Rose C. The Shunt Book. Blackwell Science Inc (USA). 1995. OI S. Classification of hydrocephalus: critical analysis of classification categories and advantages of “multi-categorical hydrocephalus classification” (Mc HC). Child’s Nerv Syst. 2011;27(10):1523-1533. Cavalheiro S, Moron AF, Almodin CG, Suriano IC, Hisaba V, Dastoli P et al. Fetal hydrocephalus. Child’s Nerv Syst. 2011;27(10):1575-1583. Oi S, Di Rocco C. Proposal of “evolution theory in cerebrospinal fluid dynamics” and minor pathway hydrocephalus in developing immature brain. Child’s Nerv Syst. 2006;22(7):662-669. Cinalli G, Spennato P, Nastro A, Aliberti F, Trischitta V, Ruggiero C et al. Hydrocephalus in aqueductal stenosis. Child’s Nerv Syst. 2011;27(10):1621-1642. Neuroendoscopia Alexandre Varella Giannetti Neurocirurgião. Pós-Doutor pela Columbia University e Weill Cornel Medical College (EUA). Doutor em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor Adjunto da UFMG. *O autor declara não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na elaboração do presente capítulo. Introdução Com o desenvolvimento dos sistemas de óticas e câmeras nos últimos 30 anos, o endoscópio foi agregado ao arsenal de técnicas em neurocirurgia. A neuroendoscopia pode ser classificada em: 1) neuroendoscopia pura: quando todo o procediemento é feito sob visão do endoscópio e os instrumentos passam por dentro de canais de trabalho acoplados à camisa ou trocáter que também contém a ótica; 2) microcirurgia controlada pela endoscopia: em que o endoscópio serve como instrumento de magnificação e iluminação substituindo o microscópio, mas os instrumentos cirúrgicos são os mesmos da microcirurgia convencional e penetram o campo paralelamente ao endoscópio; 3) microcirurgia assistida pela endoscopia: em que todo o procedimento é realizado como na microcirurgia convencional e o endoscópio serve de auxiliar para visualizar porções do campo operatório as quais o microscópio não permite acesso.(1) Este artigo se restringe à técnica de neuroendoscopia pura, a qual requer uma cavidade e um meio translúcido. Portanto, condições patológicas que envolvam o sistema liquórico (hidrocefalias e os cistos aracnoideos) são ideais para o uso de tal técnica. Uma vez que estas doenças predominam na criança e adolescente, a neuroendoscopia torna-se importante na neurocirurgia pediátrica. 30 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Terceiro-ventriculostomia endoscópica (TVE) A TVE é o procedimento neuroendoscópico mais frequentemente realizado. Ela se baseia na abertura do assoalho do terceiro ventrículo, permitindo a saída do líquor do sistema ventricular ao espaço subaracnóideo. Sua indicação está reservada para o alívio da hidrocefalia relacionada a mecanismo obstrutivo localizado em qualquer ponto desde a porção posterior do terceiro ventrículo até as aberturas do quarto ventrículo. Além disto, são condições necessárias: a patência do espaço subaracnóideo e preservação da absorção liquórica no nível das granulações aracnóideas. Se por um lado os exames de imagem, em especial a ressonância magnética, permitem a identificação precisa de algum mecanismo obstrutivo nos locais acima relacionados, por outro, ainda não há método complementar que avalie com precisão a circulação cisternal e absorção liquóricas. Portanto, se em associação ao mecanismo obstrutivo intraventricular houver alguma condição patológica interferindo com a circulação liquórica no espaço subarancoideo ou da absorção do líquor, então esta poderia impedir o bom resultado da TVE. A técnica da TVE consiste na introdução do endoscópio através de trepanação frontal paramediana, em geral direita, logo à frente da sutura coronal. Penetrando o ventrículo lateral, direciona-se ao terceiro ventrículo passando pelo forame de Monro. Logo em seguida identificam-se as estruturas do assoalho do terceiro ventrículo, assim dispostos no sentido anteroposterior: quiasma óptico, tuber cinéreo com o recesso infindibular de coloração alaranjada e os corpos mamilares. A perfuração no tuber cinéreo é feita a meia distância entre o infundíbulo e os corpos mamilares. Tal fenestração pode ser feita com monopolar ou bipolar, mas sem acionamento do pedal, para evitar cauterização e lesão do topo da artéria basilar subjacente. Em seguida o estoma é alargado com uso de cateter balão. Ao final pode-se descer com o endoscópio até o interior da cisterna pré-pontina no sentido de alargar o estoma e observar se o espaço subaracnóideo é patente. Detalhes técnicos podem variar entre os autores, como o uso de cateter específico do tipo duplo balão em forma de oito ou o simples Fogart 3F ou o uso de pinça de preensão para perfuração e alargamento do orifício.(2) A taxa de sucesso da TVE depende da etiologia da hidrocefalia. Os melhores índices são observados em hidrocefalia secundária à este- Neuroendoscopia 31 nose de aqueduto, tumores na porção posterior do terceiro ventrículo ou da fossa posterior. Spennato et al. fizeram uma revisão da literatura e observaram taxa média de sucesso de 68% em pacientes portadores de estenose de aqueduto. Entretanto, as séries não eram específicas da faixa pediátrica.(2) Sainte-Rose fez um estudo comparativo entre a realização da TVE em crianças portadoras de tumores da fossa posterior. Quando o procedimento endoscópico foi realizado antes da abordagem do tumor, a chance do desenvolvimento de hidrocefalia em longo prazo foi de 6,6%. Por outro lado, nos casos em que foi feita drenagem ventricular externa ou a simples ressecção do tumor tentando restabelecer a circulação liquórica, o índice de hidrocefalia que necessitou tratamento posterior foi de 26,8%. Embora não tenha sido trabalho prospectivo e randomizado, o autor concluiu que a TVE era superior a qualquer outra abordagem no manejo da hidrocefalia secundária aos tumores da fossa posterior.(3) O’Brien e colaboradores analisaram cento e setenta casos de TVE primárias, isto é, como primeiro tratamento de hidrocefalia de diversas etiologias. Os autores obtiveram índice de sucesso em torno de 70%. Contudo, quando analisaram os pacientes com hidrocefalia secundária a hemorragia intraventricular ou meningite, a taxa foi de apenas 27% e 0% respectivamente, corroborando mais uma vez a importância da etiologia obstrutiva. Estes autores analisaram também sessenta e três casos em que a TVE foi realizada na presença de disfunção (mecânica ou infecciosa) de sistema de derivação ventrículoperitoneal (DVP). A taxa de sucesso foi de 78%, demonstrando que apesar do sistema valvular e possível menor circulação de líquor no espaço subaracnóideo previamente, isto não seria empecilho para o funcionamento da TVE.(4) Se por um lado a etiologia é bem definida como fator de prognóstico para o sucesso da TVE, a literatura médica ainda apresenta dúvidas quanto ao papel da idade da criança. Inicialmente alguns autores mencionaram que idade inferior a 2 anos seria fator de pior prognóstico. Posteriormente surgiram trabalhos advogando evitar o procedimento em crianças com menos de 1 ano de vida, e mais recentemente, alguns pensam que a idade limite seria de 6 meses. Koch-Wiewrodt e Wagner publicaram uma série de vinte e oito crianças submetidas a TVE antes de 1 ano de vida. Ao compararem a média de idade daquelas que tiveram sucesso com aquelas cujo procedimento falhou, não 32 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI houve diferença estatística. Contudo, ao analisarem a chance de falha mês a mês, notaram uma tendência de crescimento da taxa de sucesso após 2 a 4 meses de vida. Tal observação foi notada também quando separaram os doentes com estenose de aqueduto e ao fazerem uma coletânea dos casos encontrados na literatura da época.(5) Outras pequenas séries são a favor da TVE em qualquer idade.(6, 7) Septostomia endoscópica A septostomia endoscópica consiste na abertura do septo pelúcido, permitindo a comunicação entre os dois ventrículos laterais. Sua principal indicação está relacionada à dilatação assimétrica de um dos ventrículos laterais. Esta condição pode ser observada em duas ocasiões: 1) existe a obstrução (qualquer que seja a etiologia: inflamatória, cicatricial, congênita ou tumoral) do forame de Monro com dilatação do ventrículo lateral correspondente; 2) um paciente é portador de DVP e ocorre a obstrução do forame de Monro do ventrículo lateral no qual o cateter ventricular está inserido. A consequência é o isolamento deste ventrículo, e o dispositivo drena apenas esta cavidade que se torna pequena. As demais cavidades ventriculares voltariam a dilatar, em especial, o ventrículo contralateral. Na primeira situação, ao se comunicar o ventrículo lateral com o oposto, o líquor iria escoar pelo forame de Monro contralateral. Na segunda situação, o cateter ventricular passaria a drenar todos os ventrículos novamente. A septostomia é mais simples e menos arriscada que a foraminoplastia do Monro, pois neste caso haveria o risco de lesão do fórnix na tentativa de desobstrução do forame. Além disto, existiria o risco potencial de restenose. Finalmente, a septostomia pode ser indicada naquele caso em que há obstrução dos dois forames de Monro e necessidade de tratamento da hidrocefalia com sistema de DVP. Na intenção de evitar a inserção de dois sistemas, a septostomia pode ser indicada. A técnica consiste em entrar no ventrículo lateral e por meio de monopolar ou bipolar fazer uma ampla abertura no septo pelúcido. Embora seja dito que deva ser de 1 cm de diâmetro, não existe trabalho comparando as dimensões de diferentes aberturas e seu potencial risco de fechamento. Uma vez que o septo pelúcido encontra-se deslocado para o lado do menor ventrículo, ao se penetrar pela trepana- Neuroendoscopia 33 ção tradicional de 2 cm além da linha mediana, o ângulo de visão não será adequado e a fenestração tecnicamente mais difícil. Para contornar tal dificuldade, há algumas propostas na literatura: 1) Colocar o orifício de trépano mais lateralmente (cerca de 4 a 7 cm ou de preferência usando o neuronavegador). Esta tem a vantagem de se trabalhar na maior cavidade, contudo existe o risco de ao se perfurar o septo, ocasionar lesão no núcleo caudado ou do tálamo contralateral. Em observação pessoal, tenho notado que se a obstrução é no forame de Monro do lado dilatado, ao se drenar parte do líquor pelo endoscópio o septo tende a retornar para a linha mediana e distanciar da parede do ventrículo contralateral e assim existe menor risco de lesão desta parede. Por outro lado, quando se trata de ventrículo contendo o cateter de DVP do lado oposto, a retirada do líquor não é acompanhada de deslocamento do septo. 2) Penetrar na distância habitual da linha mediana, mas do lado do menor ventrículo. Os autores que advogam tal abordagem acreditam que haveria menor dificuldade de perfurar o septo, e ao mesmo tempo menor chance de lesão da parede do ventrículo contralateral.(8) Contudo, apesar desta vantagem teórica, acredito que a entrada em cavidade de pequenas dimensões é sempre mais difícil e desvantajosa para navegação, mesmo com o auxílio do neuronavegador. 3) Abordar através de orifício parieto-occipital do lado do ventrículo dilatado. Ao seguir o corpo do ventrículo atinge-se a porção mais anterior e ampla do septo, em ângulo mais perpendicular com o septo do que na abordagem frontal parassagital.(9) Aquedutoplastia A aquedutoplastia endoscópica consiste na abertura do aqueduto cerebral que se encontra estenótico, seja congenitamente, após algum processo inflamatório ou por compressão tumoral. Em tal situação desenvolve-se dilatação triventricular. Se por um lado a abertura do aqueduto seria a via mais fisiológica por restabelecer o trajeto natural da circulação liquórica, a experiência demonstrou que tanto a chance de reestenose ou risco de lesão dos núcleos oculomotores na parede do aqueduto seriam maiores que os riscos de realização da TVE. Por esta razão, esta técnica foi abandonada quando diante do quadro acima mencionado.(10) 34 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Por outro lado, existe o caso do quarto ventrículo isolado, no qual há a estenose do aqueduto e obstrução das saídas do quarto ventrículo com consequente dilatação do mesmo. Nesta situação, a aquedutoplastia passa a ser técnica importante na tentativa de evitar um sistema de DVP com cateter no interior do quarto ventrículo. A técnica consiste na abordagem suboccipital, o mais baixo possível, ligeiramente paramediana (para evitar o seio occipital) transcerebelar ou mais raramente pela cisterna magna e abertura do forame de Magendie. Dentro do quarto ventrículo segue-se cranialmente até visualização da obstrução aquedutal. Por meio de monopolar usado apenas como instrumento rígido, perfura-se a estenose. A dilatação pode ser feita com balão, mas há o risco de lesar os núcleos oculomotores. A experiência dos diversos autores mostrou que apenas a abertura pode ser seguida de importante chance de reestenose. Desta maneira, advogase o uso de um stent que consiste na introdução de um cateter ventricular, mantendo a comunicação entre o quarto e o terceiro ventrículos. Este cateter é fixado e obstruído na porção distal, junto à musculatura cervical.(10) Tratamento endoscópico da hidrocefalia multisseptada A hidrocefalia multisseptada é uma condição associada, na maioria das vezes, a quadro infeccioso ventricular precedido ou não de hemorragia ventricular, sendo mais comum, mas não exclusivo, no primeiro ano de vida. Em tal condição, formam-se septações no interior do sistema ventricular e/ou obstrução das vias naturais como os forames de Monro, aqueduto e aberturas do quarto ventrículo. Aracnoidite e/ou obstrução ao nível das granulações aracnóideas podem estar associadas. Portanto, devido ao comprometimento na circulação liquórica subaracnóidea e da absorção, a grande maioria dos pacientes necessitará de um sistema de DVP. Uma vez que os ventrículos encontravam-se compartimentalizados, na era pré-endoscópica, a solução era a inserção de sistemas bilaterais com ou sem conectores em Y entre os cateteres ventriculares e o componente distal da DVP. Tudo isto aumentava a incidência de complicações mecânicas e infecciosas. A endoscopia nestes casos tem o objetivo de abrir os diversos septos (podendo Neuroendoscopia 35 se associar a aquedutoplastia e septostomia acima mencionadas). Uma vez que todas as cavidades estejam se comunicando, um único sistema de DVP será suficiente para a drenagem liquórica. Um paciente com este quadro pode se apresentar já com um sistema de DVP ou não. No primeiro caso, a cirurgia se restringe à comunicação das cavidades. No segundo, o procedimento cirúrgico inicia-se como na inserção de uma DVP convencional. No final da cirurgia quando se faria a punção ventricular seguida de conexão com a válvula, interrompe-se este tempo cirúrgico, passando-se ao neuroendoscópio. Finalizada a abertura dos septos, a introdução do cateter ventricular é feita paralela ao trocáter do endoscópio e sua extremidade é colocada sob visão endoscópica no local considerado mais apropriado. Orifícios extranumerários podem ser feitos ao longo do cateter que passa em geral por mais de uma cavidade. Tecnicamente, a abertura dos septos é semelhante à da septostomia do septo pelúcido. Com o monopolar ou bipolar, cauteriza-se a parede do septo e realiza-se a sua perfuração. Passando-se com o endoscópio na cavidade seguinte e por meio de seu movimento de báscula para explorar a referida cavidade, o trocáter amplia a abertura septal. Acredita-se que quanto mais largas e maiores os números de aberturas, menor a chance de fechamento das mesmas.(9) Tratamento endoscópico dos cistos aracnoideos Cistos aracnoideos são formações congênitas relacionadas a um defeito na aracnoide em que o líquor fica aprisionado, podendo aumentar com o tempo, chegando a exercer efeito de massa e/ou prejudicar a circulação liquórica ventricular. Classicamente, eles foram sempre tratados com sistemas de derivações para o peritônio, apresentando, contudo, algumas desvantagens como dificuldade técnica de inserção do cateter proximal e/ou as complicações mecânicas e infecciosas como em qualquer dispositivo de DVP. Outra opção terapêutica é a microcirurgia ou marsupialização do cisto, mas que tem o inconveniente de ser um procedimento de maior porte. O tratamento neuroendoscópico consiste em: 1) abrir a parede do cisto comunicando-o a uma cisterna (cisto-cisternostomia) ou cavidade ventricular (cisto-ventriculostomia); 2) restabelecer a circulação liquórica de possível hidro- 36 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI cefalia associada. A abertura das paredes do cisto pode ser feita com monopolar ou bipolar, sem acionamento do pedal e corrente elétrica, seguida de dilatação com cateter balão. Microtesouras e pinças de preensão também podem ser usadas para perfuração da membrana e posterior alargamento da fenestração. O cisto de fossa média é descrito como o mais frequente, sendo a maioria assintomática e com história natural benigna. Quando o tratamento é indicado, a técnica endoscópica consiste em trepanação temporal, entrada no cisto e realização de aberturas na sua parede medial, entre a borda livre do tentório e o nervo oculomotor, entre este último e a artéria carótida interna e entre esta e o nervo óptico. Séries mais recentes na literatura apresentam taxas de sucesso em torno de 87,5% a 90% na redução dos sintomas e 50% a 71,9% de redução do volume do cisto.(11, 12) Cisto aracnóideo suprasselar apresenta-se quase sempre associado à hidrocefalia. O tratamento consiste na entrada por trepanação frontal paramediana, logo à frente da sutura coronal. Uma vez dentro do ventrículo lateral, nota-se o topo do cisto ocupando o forame de Monro que está dilatado. Faz-se a perfuração do cisto (ventrículo-cistostomia) e uma vez dentro da cavidade do cisto, dirige-se até sua base por trás do dorso selar, onde são feitas fenestrações ao lado da artéria basilar (cisto-cisternosotomia). Dados da literatura mostram que quando se realizam ambas as aberturas superior e inferior (ventrículo-cisto-cisternostomia), a taxa de sucesso é maior (ventrículo-cisto-cisternostomia [92%] x ventrículo-cistostomia [84%]).(13) O cisto aracnóideo supracerebelar também está associado à hidrocefalia por compressão do aqueduto na grande maioria das vezes em que é sintomático. A técnica endoscópica consiste na TVE convencional para tratar a hidrocefalia, seguida de comunicação do sistema ventricular com o cisto (ventrículo-cistostomia), seja na topografia do átrio do ventrículo lateral, seja na região posterior do terceiro ventrículo. Se por um lado a redução do cisto poderia ser acompanhada de desobstrução do aqueduto com consequente tratamento da hidrocefalia, opta-se pela TVE simultânea por ser esta mais garantida. A taxa de sucesso no tratamento deste tipo de cisto é em torno de 72,2%.(14) Os cistos inter-hemisféricos são os menos frequentes, e são abordados por trepanação frontal ou parietal, dependendo do local onde ele mais se aproxima da calvária. Frequentemente apresentam septos Neuroendoscopia 37 no seu interior, os quais devem ser abertos. Finalmente, na porção mais inferior da parede, são feitas fenestrações e comunicações com o ventrículo lateral (seja no corno anterior, seja no átrio) ou com o terceiro ventrículo e/ou ainda com uma cisterna.(15) Biópsia endoscópica Lesões intraventriculares ou paraventriculares aflorando na parede da cavidade apresentam uma grande lista de diagnósticos diferenciais, os quais podem ser tratados conservadoramente ou por meio de ressecção cirúrgica. Desta maneira, estabelecer o diagnóstico é fundamental. Fazer a biópsia por meio de craniotomia pode ser desvantajoso, pois envolve uma cirurgia de grande porte e com algum risco em uma patologia que às vezes é de manejo clínico. Por causa disto, a biópsia estereotáxica surgiu como um método eficaz de estabelecimento do diagnóstico e com baixo risco. A biópsia endoscópica apresenta os mesmos benefícios da técnica estereotáxica, além da vantagem de poder tratar a hidrocefalia (em geral com TVE), que em geral se associa a estas patologias. Ademais, a biópsia estereotáxica em lesões junto à parede ventricular associa-se a leve aumento do risco de sangramento. Já na técnica endoscópica, se o sangramento ocorrer, poderá ser mais facilmente detectado e contornado. A biópsia é realizada com o uso de pinça própria, que passa por dentro do canal de trabalho do trocáter. São retirados tantos fragmentos quanto se julgar necessário, sendo importante retirar espécimes da superfície e da profundidade da lesão. Havendo sangramento, este pode ser contornado com irrigação de soro fisiológico ou com o bipolar ou monopolar. Os resultados de positividade da biópsia endoscópica variam de 82,8% a 94,7%. A taxa de complicações está em torno de 3,4% a 6,0% e mortalidade de 0 a 3,4%.(16-18) Ressecção tumoral endoscópica A partir do crescimento progressivo das técnicas endoscópicas, surgiu o interesse em ressecar lesões intraventriculares por meio deste método menos invasivo. Embora não sejam condições absolutas para que o procedimento tenha êxito, o ideal é que a lesão: 1) seja pouco vascu- 38 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI larizada, 2) tenha consistência amolecida, 3) tenha até 2 cm de diâmetro e 4) exista dilatação ventricular. O cisto coloide do terceiro ventrículo é uma das lesões que se enquadram perfeitamente nestas condições. Vários autores publicaram excelentes resultados com menor morbidade utilizando esta técnica, embora, em longo prazo, o índice de recorrência pareça ser maior que na microcirurgia.(19, 20) O paralelismo dos instrumentos dificultando seu manuseio, o baixo diâmetro dos mesmos e o sangramento que turva o meio e dificulta a visualização requerendo a lavagem frequente ainda deixam a técnica de ressecção endoscópica muito limitada. Atualmente já existe um modelo de endoscópio que permite o uso de um aspirador ultrassônico no seu interior, aumentando a eficiência da ressecção.(21) Acredita-se que o desenvolvimento de novos instrumentos poderá aumentar o potencial desta técnica na ressecção de lesões intra e paraventriculares. Referências 1. Perneczky A, Fries G. Endoscope-assisted brain surgery: part 1 – evolution, basic concept, and current technique. Neurosurgery. 1998;42:219-225. 2. Spennato P, Tazi S, Bekaert O, Cinalli G, Decq P. Endoscopic third ventriculostomy for idiopathic stenosis. 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Introdução O termo disrafismo deriva dos vocábulos gregos dys + rhapheˉ, que significam fusão incompleta ou fechamento defeituoso da região dorsal mediana do embrião. Esses defeitos comprometem o ectoderma cutâneo, ectoderma neural, mesoderma e por vezes o endoderma, resultando em inúmeras malformações congênitas, que variam em grau de severidade. As malformações congênitas que acometem a coluna vertebral são, de maneira geral, referidas como espinha bífida, enquanto que as cranianas, que incluem a anencefalia, suas variações e algumas formas mais raras, são chamadas crânio bífido. A maioria dos defeitos espinais tem como resultado o ancoramento medular, definido como a fixação da medula espinal a estruturas rígidas que impedem sua ascensão fisiológica. O estiramento da medula decorrente do ancoramento provoca disfunção medular atribuída a comprometimento dos mecanismos de oxidação e redução, que se processam nos citocromos a, a3, conforme demonstrado por Yamada.(1) O acometimento do sistema nervoso, perceptível ou não por ocasião do nascimento, pode evoluir progressivamente ao longo de meses ou anos e tornar-se irreversível. 42 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Embriologia A organização do tubo neural dos vertebrados compreende três estágios embrionários: a gastrulação, a neurulação primária e a neurulação secundária. A gastrulação é a formação do embrião trilaminar, ou gástrula e, nesta fase, desenvolvem-se o mesoderma e a notocorda, indutora de todo o processo de neurulação. Segue-se a neurulação primária, durante a qual ocorre uma série de flexões e dobras da placa neural, cujos bordos se apõem e se fundem na linha média dorsal para formar o tubo neural primário. A configuração dorsoventral do tubo neural é mediada por sinais emanados do notocorda e que incluem, dentre outras, a proteína Sonic Hedgehog (Shh) e sua antagonista Wnt.(2) De acordo com a teoria tradicional, o fechamento do tubo neural iniciaria no nível da vesícula rombencefálica, progredindo como um zíper em sentidos rostral e caudal. As extremidades do tubo neural, chamadas neuroporos, seriam as últimas a fechar e aí se desenvolveriam os defeitos do fechamento do tubo neural (DTN). Este modelo tem sido contestado, e diversas ondas de oclusão, com múltiplos neuroporos, têm sido propostas, o que explicaria a existência de malformações múltiplas e defeitos distantes dos neuroporos classicamente descritos.(3) A neurulação secundária segue-se ao fechamento do tubo neural, com células mesenquimais indiferenciadas se desenvolvendo caudais ao neuroporo posterior, quando o embrião já está totalmente recoberto por epiderme. A massa celular caudal, também conhecida como eminência caudal, une-se ao tubo neural primário no nível da segunda vértebra sacra do embrião. Essa massa sólida sofre inúmeras cavitações que coalescem e formam o chamado ventrículo terminal, que involui no 52º dia pós-ovulação. Os seus resquícios originarão o cone medular e o filamento terminal, em um processo chamado de regressão caudal ou degeneração retrogressiva. O espectro dos DTN é muito amplo e entre as formas mais graves estão as lesões abertas do neuroporo rostral, como a anencefalia. Dentre as menos agressivas estão alguns dos chamados disrafismos espinhais ocultos. Disrafismos Cranianos e Espinhais 43 Classificação Os disrafismos podem ser divididos em cranianos e espinhais, podendo eventualmente acometer ambos os compartimentos, como na cranioraquisquise. Estes podem também ser classificados em abertos ou fechados (ocultos), dependendo da exposição ou não de tecido neural. Podem ainda ser agrupados de acordo com a fase do desenvolvimento embrionário, em defeitos da gastrulação, da neurulação primária e da neurulação secundária. Incidência e epidemiologia Os disrafismos cranianos e espinais variam de 0,2 a 10 ocorrências por 1000 nascidos vivos, dependendo da região onde foi obtida a amostra.(4) Dentre todos, a anencefalia e a mielomeningocele são as mais comuns, correspondendo a 40% e 50% de todos os casos, respectivamente.(5) O risco de recidiva do defeito é de 5%, podendo triplicar em gestações subsequentes.(6) Esta estimativa pode ser reduzida com mudança dos hábitos dietéticos e suplementação dietética préconcepcional com ácido fólico. É importante ressaltar que a ingestão de ácido fólico não tem nenhum efeito sobre os chamados disrafismos fechados. Etiologia Os disrafismos abertos são multifatoriais, coexistindo causas genéticas e ambientais em proporções não determinadas. Essas podem incluir, além de alterações no metabolismo dos folatos, a ingestão de medicamentos teratogênicos como carbamazepina e ácido valpróico, doenças como diabetes mellitus gestacional e gravidez adolescente, dentre outros.(7) No Brasil, houve expressiva redução dos casos de DTN após a introdução de ácido fólico nas farinhas de trigo e mandioca comercializadas.(8) A recomendação para uso do ácido fólico por mulheres férteis e capazes de procriar apenas há poucos anos vem sendo adotada em nosso país. 44 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Diagnóstico pré-natal O diagnóstico de DTN pode ser estabelecido por ultrassonografia gestacional (USG) de rotina a partir do primeiro trimestre de gestação.(9) Nas mielomeningoceles, a USG é capaz de detectar a presença de espinha bífida cística e hidrocefalia além de alterações peculiares do crânio fetal, como o sinal do limão e alterações cerebelares relacionadas à malformação de Chiari do tipo II (MCh II).(9) Níveis elevados de alfa-fetoproteína e beta-HCG podem ser detectados no sangue e no líquido amniótico de gestantes portadoras de defeitos abertos. Esses, quando associados a exames de imagem, permitem reconhecer até 99% dos casos de anencefalia.(10) Os disrafismos espinais fechados, ou ocultos, raramente têm diagnóstico pré-natal, explicável por serem recobertos por pele íntegra. Imagens por ressonância nuclear magnética (RNM) também podem ser obtidas antes do parto, porém ainda não se confirmou sua superioridade como alternativa à USG, devendo ser reservada à complementação diagnóstica em casos específicos. Disrafismos cranianos A anencefalia é caracterizada por falha no revestimento craniano com exposição do tecido neural que, durante a vida intrauterina, sofre a ação do líquido amniótico. Embora possa haver algum desenvolvimento cerebral, ocorre uma destruição progressiva do mesmo, com subsequente hemorragia e fibrose, originando uma massa neuroglial amorfa desprovida de qualquer funcionalidade. A anencefalia representa 40% de todos os disrafismos, acometendo preferencialmente o sexo feminino.(5) A extensão da lesão óssea permite a distinção entre os dois tipos mais comuns; a meroacrania e a holoacrania. Na primeira, há acometimento da porção rostral do cérebro e calvária e os recémnascidos podem ter alguns reflexos primitivos, sobrevivendo dias ou semanas.(7) Na holoacrania, há acometimento da porção posterior do cérebro e calvária. Várias estruturas do sistema nervoso, incluindo o diencéfalo, nervos ópticos, cerebelo e tronco encefálico também podem estar malformados. Aproximadamente 33% dos fetos com anencefalia possuem malformações em outros órgãos e o sistema cardiovascular é o mais acometido. O diagnóstico pré-natal é estabelecido por Disrafismos Cranianos e Espinhais 45 USG, sendo mais acurado entre o segundo e terceiro trimestre de gestação, quando é possível observar a ausência da calvária acima das órbitas proeminentes.(9) A cranioraquisquise é um raro defeito da neurulação primária no qual o tubo neural permanece aberto em toda a sua extensão (Figura 1). Geralmente resulta em aborto espontâneo ou natimortos.(11) A iniencefalia é frequentemente incluída dentre os disrafismos, porém sua patogênese ainda não é bem compreendida. Trata-se de um defeito grave da região cervical, em que arcos neurais bífidos se associam a hiperextensão do crânio e hipoplasia da escama occipital. Há também encurtamento do pescoço.(12) Na maioria dos casos a medula é malformada. A iniencefalia costuma associar-se à anencefalia, resultando em natimortos. Figura 1 Cranioraquisquise. As encefaloceles, muitas vezes descritas como crânio bífido, têm origem embrionária controvertida. São protrusões de elementos intracranianos através de defeitos da calvária ou da base do crânio. Essas protrusões podem ser epitelizadas ou não, e conter meninges, líquido cefalorraquidiano (LCR) e encéfalo em proporções variadas. Teorias mais modernas acreditam que haja um defeito na separação entre o neuroectoderma e o tecido de revestimento, comprometendo a inter- 46 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI posição do mesoderma, responsável pela formação do crânio, levando a herniação secundária das meninges e tecido cerebral através da falha de ossificação.(13) Essas anomalias podem ser classificadas de acordo com o conteúdo, com a localização da protrusão e com a localização do defeito craniano. Correspondem a aproximadamente 10% dos DTN, caso assim consideradas.(5) Tomografia computadorizada (TC) e RNM são importantes para o diagnóstico e planejamento cirúrgico. O estudo dos vasos intracranianos, principalmente das veias, pode revelar importantes malformações, como persistência de seios venosos embrionários. O momento ideal para o tratamento cirúrgico é definido pelas características da lesão, que devem ser corrigidas precocemente quando houver presença de hemorragia, fístula liquórica ou exposição do tecido neural. Disrafismos espinhais abertos A mielomeningocele (MM) é a forma mais comum de disrafismos espinal aberto. Ela é mais comum na região lombar e há discreto predomínio do sexo feminino. Sua principal característica é a porção aberta do tubo neural, denominada placódio ou placa neural, envolta por aracnoide e fixada a tecido epitelial displásico. As raízes emergem anteriormente, sendo as sensitivas mais lateralizadas que as motoras. A MM pode se associar a outros disrafismos e também à hidrocefalia, presente em até 80% dos casos, e a anomalias de outros estágios do desenvolvimento embrionário, além daquelas que compõem o espectro da MCh II. O tratamento cirúrgico tem como objetivo a reparação das barreiras anatômicas, a preservação funcional e a prevenção do ancoramento medular. A cirurgia deve ser realizada com a maior brevidade possível. O tratamento da hidrocefalia pode ser concomitante à correção do defeito.(14) É importante ressaltar que, apesar da baixa mortalidade cirúrgica, as comorbidades persistem ao longo da vida dos pacientes, o que reforça a necessidade de acompanhamento multidisciplinar. Disrafismos espinhais fechados ou ocultos Os disrafismos espinais ocultos compreendem um heterogêneo grupo de lesões, cuja incidência anda não é bem conhecida. Suas manifes- Disrafismos Cranianos e Espinhais 47 tações podem ser insidiosas e a expressão clínica, muito discreta. Estigmas cutâneos de linha média estão presentes em mais da metade dos casos. As assinaturas cutâneas mais comuns são lipomas, desvios do sulco glúteo, pele displásica, verrucosidades, hipertricose, hemangiomas, crateras, apêndices cutâneos e nevo pigmentar. O diagnóstico é estabelecido por imagens, principalmente a RNM e TC. Os sinais e sintomas são, em sua maioria, decorrentes de ancoramento medular. Dores, infecções urinárias de repetição, úlcera tróficas em pés e deformidades neuro-ortopédicas, como pé torto e escoliose, são frequentemente observadas. Disrafismos espinais ocultos são relacionados aos diversos estágios da formação do sistema nervoso. Defeitos da gastrulação: De acordo com Pang e cols. durante a gastrulação, os precursores do notocorda, ao invés de se fundirem, permanecem separados e se desenvolvem independentemente por variável extensão, induzindo a formação de duas hemimedulas.(15) O canal espinal pode estar alargado e associado a vários defeitos de segmentação, tais como: hemivértebras, vértebras em borboleta, Síndrome de Klippel-Feil e outras. O espaço interposto entre as hemimedulas é preenchido por células pluripotenciais que podem originar de tecidos oriundos das três camadas primitivas, inclusive de estruturas intestinais que originariam os chamados cistos neuroentéricos.(15) As MMF correspondem a 3,8% dos disrafismos espinhais fecha(16) dos. A MMF do tipo I é a diastematomielia e a do tipo II corresponde à diplomielia.(15) Na MMF I há dois sacos durais, contendo cada um uma metade da medula espinal, separadas por uma trave óssea. Na MMF II há duas hemimedulas contidas em um único estojo dural, separadas por uma trave fibrosa. A sintomatologia é relacionada à medula ancorada, dores e escoliose. A principal assinatura cutânea é a hipertricose.(16) Os cistos neuroentéricos se apresentam com síndrome de compressão medular associada à espinha bífida anterior ou posterior em até 50% dos casos.(16) A RNM mostra um cisto com alto conteúdo protéico com sinal discretamente hiperintenso nas sequências T1 e T2. Os cistos são revestidos por epitélio de origem endodérmica, e são vistos mais frequentemente na região cervical ou cervico-torácica, anteriormente à medula espinal. O tratamento cirúrgico é a ressecção da lesão. 48 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Defeitos da neurulação primária: Os disrafismos espinais ocultos oriundos deste período embrionário decorrem de lesões focais e segmentares consequentes à disjunção prematura ou à disjunção incompleta do tubo neural, que por vezes ocorrem simultaneamente.(17) Os lipomas do cone medular são exemplo de malformações relacionadas à disjunção prematura. Neste caso, células mesenquimais indiferenciadas se insinuam pelo ponto de separação entre o ectoderma cutâneo e a placa neural e se diferenciam em células gordurosas quando em contato com o placódio neural. Os lipomas do cone medular são disrafismos espinais acompanhados de massas adiposas subcutâneas (Figura 2). Figura 2 Disrafismo espinhal fechado. Pang define três tipos de lipomas, considerando as relações entre o cone medular e a massa gordurosa: no tipo dorsal, a lesão se adere à face posterior da medula, poupando a porção distal do cone e as raízes nervosas; no tipo transicional, a adesão rostral é idêntica à dos lipomas dorsais, mas a porção caudal mergulha obliquamente e envolve a extremidade do cone medular, mantendo as raízes nervosas ventral e lateralmente ao mesmo. O chamado lipoma caótico tem uma implantação semelhante às duas formas anteriores na sua face posterior e rostral, mas na porção caudal envolve as estruturas neurais na face ventral, onde os planos são mal definidos.(17) Disrafismos Cranianos e Espinhais 49 Quando os pacientes são sintomáticos, não há dúvidas quanto à indicação cirúrgica. No entanto, a intervenção cirúrgica é contestada por alguns autores quando os pacientes são assintomáticos.(18) As evidências de que mais de 40% das lesões progridem ao longo de 10 anos de observação, parece ser um argumento bastante forte para justificar a indicação cirúrgica em pacientes assintomáticos.(17) As fístulas neuroectodérmicas (FNE) ou seios dérmicos são exemplos de malformações da disjunção incompleta entre os ectodermas cutâneo e neural, onde se estabelece uma continuidade entre a epiderme e o interior do canal espinal.(19) Essas malformações devem ser diferenciadas das fossetas sacrococcígeas simples, que são depressões cutâneas no sulco interglúteo e que não tem indicação cirúrgica. A estrutura histológica das FNE mostra que suas paredes são revestidas por remanescentes do epitélio cutâneo. Assinaturas cutâneas como tufos de pelos ou orifícios através dos quais há drenagem de LCR ou secreções sero-purulentas são frequentemente observados. Um grande percentual de casos associa-se a cistos dermoides e epidermoides. As formas de apresentação clínicas são diversas, podendo incluir meningites de repetição, abscessos e empiemas intrarraquidianos, além de sinais e sintomas relacionados à medula ancorada. Por RNM pode-se identificar o trajeto subcutâneo, geralmente orientado em sentido rostral, associado a cistos dermoides, epidermoides e a medula ancorada. O tratamento deve ser instituído tão logo o diagnóstico seja estabelecido. Um peculiar tipo de defeitos da disjunção incompleta é a chamada mielosquise dorsal limitada (MDL). Pang e colaboradores assim denominaram lesões até então mal compreendidas e rotuladas sob diversas denominações. As MDL podem ser não saculares ou saculares. As últimas podem ser confundidas com meningoceles e até mesmo com mielomeningoceles. As não saculares se apresentam com assinaturas cutâneas como crateras, hemangiomas, hipertricose e nevos melanóticos, sem solução de continuidade da pele, que pode ser recoberta apenas por epitélio escamoso muito fino, assemelhado a uma queimadura de cigarro.(20) As saculares costumam ter o domo revestido por epitélio escamoso ou cicatricial, sem placódio neural e sem comunicação com o exterior. Caracteristicamente, uma haste fibroneurovascular conecta as paredes do cisto ou a base da lesão cutânea ao tecido nervoso, ancorando a medula (Figura 3). 50 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Figura 3 Haste fibroneurovascular penetrando a dura-máter e ancorando o cone medular. Os pacientes são, na maioria das vezes, assintomáticos ou oligossintomáticos. A natureza progressiva dessas lesões faz com que o tratamento cirúrgico seja indicado e o mesmo consiste em secção da haste próximo à sua implantação no tecido nervoso.(21) Os apêndices neuroectodérmicos, também conhecidos como “cauda humana”, são raras e curiosas malformações, representadas por uma estrutura apendicular mediana revestida por pele íntegra, geralmente na região lombo-sacro e quase que invariavelmente associada a um lipoma em sua base, geralmente contínuo com o canal espinal.(22) Apesar de serem por alguns relacionados à persistência de caudas vestigiais,(23) tais apêndices são estigmas cutâneos de outras formas de disrafismos, geralmente lipomas do cone medular. Defeitos da neurulação secundária: As principais anomalias da neurulação secundária são relacionadas ao filamento terminal e podem se apresentar como fibrolipomas, ou como filamento terminal curto ou espessado, considerando-se no último caso um diâmetro superior a 3 mm. As anomalias do filamento terminal são muitas vezes assintomáticas e, por vezes, achados incidentais em adultos submetidos à investigação da coluna lombar. O tratamento consiste na secção do filo, preconizada também em pacientes assintomáticos, por se tratar de um ato operatório relativamente simples e de baixa morbidade. As síndromes relacionadas à agenesia caudal podem representar até 16% dos disrafismos fechados e abrangem várias anomalias, muitas Disrafismos Cranianos e Espinhais 51 vezes relacionadas ao diabetes materno. Agenesia caudal, regressão caudal e hipoplasia caudal são aqui considerados sinônimos. Essas anomalias se relacionam à diferenciação retrogressiva da eminência caudal. A proximidade do tubo neural secundário com a cloaca primitiva pode resultar em malformações associadas do sistema urogenital e da porção inferior do trato intestinal. Assim sendo, alguns pacientes apresentam-se com o chamado complexo OEIS (onfalocele, extrofia de cloaca, ânus imperfurado e deformidades espinais), outros com associação VATER (anomalias vertebrais, imperfuração anal, fístula traqueoesofágica e malformações renais ou radiais) e outras situações em que anomalias anorretais são bastante frequentes. Pacientes com agenesia sacral exibem características como fenda interglútea curta, glúteos achatados, cintura pélvica estreita e atrofia distal de membros inferiores em forma de “garrafa de champanhe invertida” (Figura 4). Figura 4 Tomografia computadorizada da coluna vertebral mostrando agenesia de vértebras lombares inferiores e de peças sacras. Deformidades dos pés são frequentemente observados.(24) Bexiga neurogênica é observada em todos os pacientes. As anomalias vertebrais mais graves podem comprometer os segmentos inferiores da coluna torácica, enquanto que as formas mais brandas acometem unicamente o cóccix. Quanto maior o número de segmentos envolvidos e quanto mais alto o comprometimento vertebral, mais severos os sinais e sintomas. 52 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI O canal vertebral pode ser estreito por hiperostose ou estenose dural. Em alguns casos, o cone vertebral termina abruptamente, não se distinguindo a sua extremidade. Filamento terminal espessado, mielocistocele e lipomas transicionais podem ser encontrados em associação.(24) Por vezes, hidromielia terminal é observada, associada ou não a lipomas, representando a persistência do ventrículo terminal. Tratamento cirúrgico O momento ideal para o tratamento dos disrafismos depende da forma de apresentação dos mesmos. Disrafismos abertos devem ser tratados o mais precocemente possível de modo a prevenir infecções e evitar maior comprometimento neurológico. Os resultados iniciais da correção intrauterina da MM sugerem que a hidrocefalia, a MCh II e o déficit motor possam ser revertidos ou atenuados.(25) No entanto, tratase de uma técnica ainda em evolução, com intercorrências maternas e fetais ainda não solucionadas e que deverá ser mais bem avaliada em longo prazo. O tratamento mais tardio é reservado a pacientes com lesões totalmente fechadas, sem risco de ruptura iminente e também àqueles assintomáticos, principalmente quando as indicações cirúrgicas são controvertidas. Há que se considerar o risco de deterioração neurológica tardia, principalmente durante os estirões de crescimento. Há também que se considerar que as sequelas decorrente da medula ancorada podem ser irreversíveis e provocar acentuado impacto na qualidade de vida dos pacientes. Referências 1. 2. 3. 4. Yamada S, Zinke DE, Sanders DC. Pathophysiology of “tethered cord syndrome”. J Neurosurg. 1981;54:494-503. Ulloa F, Marti E. 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J Neurosurg Pediatr. 2014;13:355-361. Neurocirurgia Fetal – Atualidades e Perspectivas Nelci Zanon1 Luanda André Collange Grecco2 Giselle Coelho Resende Caselato3 Denise Pedreira4 Neurocirurgiã Pediátrica. Médica responsável pelo Centro de Neurocirurgia Pediátrica (CENEPE) e Doutora em Neurocirurgia pela Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP. 1 Postal Address: CENEPE, Pediatric Neurosurgery Center. Rua Capitão Mor Roque Barreto, 47 – Bela Vista. CEP: 01323-030 – São Paulo, SP – Brazil. Fax 55 11 3505 6079. E-mail: [email protected]. Fisioterapeuta. Centro de Neurocirurgia Pediátrica (CENEPE), São Paulo, SP. E-mail: [email protected]. 2 Neurocirurgiã Pediátrica. Médica Centro de Neurocirurgia Pediátrica (CENEPE) e do Hospital Santa Marcelina, Itaquera, SP. 3 Ginecologista e Obstetra, especialista em Fetoscopia, Médica do Centro de Medicina fetal e perinatal do Hospital Samaritano, São Paulo, SP. 4 *Os autores declaram não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na elaboração do presente capítulo. Introdução Os procedimentos cirúrgicos fetais estão despertando o interesse de médicos, familiares e pesquisadores. Dentre as doenças com indicação neurocirúrgica, a mielomeningocele (MM) pode ser considerada a primeira malformação fetal não letal tratada por cirurgia intrauterina.(1-2) A MM é um tipo de defeito do fechamento do tubo neural que envolve o não fechamento dos arcos vertebrais posteriores, com protusão da medula espinhal.(3) Embora possa ser observada uma redução da incidência desta malformação nas últimas décadas, a esti- 56 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI mativa é de aproximadamente um a cada 1000 nascidos vivos.(3) A divulgação do papel do ácido fólio na prevenção das malformações do sistema nervoso central teve um papel importante sobre a redução da sua incidência. Existe a necessidade clara do tratamento cirúrgico para o reparo da MM para fechamento do tubo neural. Convencionalmente a cirurgia era realizada após o nascimento, nos primeiros dias de vida, preferencialmente nas primeiras 24 horas de vida. A cirurgia fetal em humanos tem os primeiros relatos na década de 90, mas passou a ser considerada padrão ouro após a publicação do estudo MOMS.(2) Este estudo controlado teve uma relevância científica indiscutível na área. O benefício potencial da cirurgia fetal consiste na melhora do prognóstico global da criança, podendo ser considerada como um fator de neuroproteção.(2) Embora existam benefícios potenciais para a criança, os procedimentos cirúrgicos pré-natais envolvendo a cirurgia fetal a céu aberto, com abertura do útero e exposição do feto, estão associados com efeitos adversos para a mãe e para o bebê.(4) Com o intuito principal de reduzir o risco materno, alguns pesquisadores estão estudando a viabilidade de técnicas minimamente invasivas, através da fetoscopia.(5-6) O objetivo desta revisão foi determinar os efeitos obtidos com os procedimentos neurocirúrgicos fetais, principalmente nos casos de MM, oferecendo uma análise crítica sobre os achados disponíveis na literatura científica e uma perspectiva do futuro destes procedimentos. Tipos de procedimentos neurocirúrgicos fetais Especificamente nos casos de MM, os procedimentos neurocirúrgicos fetais podem ser realizados através de cirurgias a céu aberto ou por meio de fetoscopia. A cirurgia a céu aberto consiste em correção da MM após laparotomia materna e abertura do útero e das membranas amnióticas. Atualmente, este procedimento é amplamente divulgado na literatura, com resultados demonstrados em um grande estudo controlado aleatorizado, o estudo MOMS.(2) Outra possibilidade de correção pré-natal é a cirurgia pela técnica de fetoscopia. A fetoscopia tem sido utilizada por meio de uma entrada percutânea tripla, até ser atingido o interior da cavidade uterina.(5, 7, 8) Neurocirurgia Fetal – Atualidades e Perspectivas 57 Em ambas as técnicas, a principal complicação é a rotura prematura das membranas. Atualmente, vem sendo estudada uma variação da técnica de correção do defeito propriamente dito, por via endoscópica, que poderá permitir a correção da MM, minimizando as limitações da cirurgia fetal aberta. Pesquisadores investigaram, em modelo animal, uma abordagem simplificada de fechamento do defeito para ser aplicada através de fetoscopia, utilizando um patch de celulose e uma técnica de fechamento de camada única.(9) Esta técnica foi recentemente aplicada com sucesso em humanos, porém os resultados ainda são preliminares.(8) Resultados e prognóstico Alterações neurológicas associadas O principal desfecho dos importantes estudos encontrados na literatura sobre reparação fetal da MM, refere-se à redução da necessidade de derivação ventriculoperitoneal (DVP) para o tratamento da hidrocefalia. Quando presente é considerada uma comorbidade que compromete o prognóstico global da criança. As cirurgias fetais demonstram um efeito positivo sobre a necessidade de colocação da DVP,(2, 10) com redução variando entre 30% e 50%. No estudo MOMS(2) houve a necessidade de colocação da DVP em 40% dos casos tratados no período pré-natal e em 82% nos casos tratados no período pós-natal. No estudo observacional realizado por Bruner et al.,(11) envolvendo 29 crianças tratadas com reparo intrauterino da MM, observou-se que o método de reparação aberta foi superior ao método de fetoscopia (59% vs 91%). Em estudos preliminares brasileiros, envolvendo o reparo da MM por meio da fetoscopia com um método de fechamento simplificado, observou-se a redução da herniação cerebelar nos três casos relatados de fechamento do defeito, o que possivelmente se traduzirá numa tendência para redução da incidência de hidrocefalia.(8) Dos seis casos com fechamento completo da MM por fetoscopia, apenas um caso apresentou necessidade de colocação da DVP nos primeiros 6 meses de vida. Acredita-se que a redução da incidência de hidrocefalia é resultante da redução da malformação de Arnold-Chiari tipo II, com con- 58 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI sequente melhora do fluxo do líquido.(2, 12) No estudo MOMS,(2) a herniação foi observada em 64% dos casos operados no período prénatal (6% de casos graves) e em 96% dos casos operados após o nascimento (22% de casos graves). Além da malformação de Arnold-Chiari, a cirurgia fetal aparentemente repercuti em redução da incidência de seringomielia, com 39% de casos tratados por cirurgia fetal e 58% em casos operados após o nascimento.(2) Nível neurológico da lesão e desenvolvimento motor O nível neurológico da lesão pode ser considerado como um dos principais fatores determinantes do prognóstico funcional nos casos de MM, além de apresentar uma forte correlação com a incidência de malformações neurológicas e deformidades ortopédicas. Os níveis neurológicos mais baixos (níveis lombar baixo e sacral) estão relacionados com um prognóstico de marcha independente e uma melhor qualidade de vida. A mudança do nível neurológico pode modificar o prognóstico global da criança. Um único segmento medular pode determinar se a criança será ou não capaz de andar sem recurso auxiliar de marcha, como, por exemplo, a transição lombo-sacral (L5 ou S1). Independente da técnica empregada, cirurgia a céu aberto (MOMS)(2, 10) ou por fetoscopia,(8, 13, 14) o reparo feito no período prénatal parece ser capaz de resultar na mudança do nível da lesão. Na cirurgia a céu aberto observa-se uma mudança de dois níveis ou mais em 32% (12% na cirurgia pós-natal), um nível em 11% (9% na cirurgia pós-natal), nenhuma diferença em 23% (25% na cirurgia pós-natal), um nível pior em 21% (25% na cirurgia pós-natal) e dois níveis piores em 13% (28% na cirurgia pós-natal). No estudo de Verbeek e colaboradores,(13) dezenove casos de reparo fetal da MM por uma técnica de fetoscopia foram comparados com casos operados no período neonatal. Os treze casos bem-sucedidos apresentaram uma melhora neurológica de dois níveis, melhor função muscular e uma melhor preservação sensitiva. Dos quatro casos operados pela técnica de fetoscopia com fechamento simplificado, um não apresentou mudança do nível, um caso apresentou uma melhora de um nível e dois apresentaram uma melhora de dois ou mais níveis medulares. Neurocirurgia Fetal – Atualidades e Perspectivas 59 Embora exista um número restrito de estudos controlados e aleatorizados comparando a cirurgia fetal e a cirurgia pós-natal, os dados disponíveis na literatura demonstram resultados promissores dos procedimentos fetais. Acredita-se que a melhora do nível da lesão pode contribuir significantemente no prognóstico global da criança em médio e longo prazo, mas estudos adicionais com acompanhamento adequado necessitam ser desenvolvidos para demonstrar este possível benefício. Os estudos envolvendo correções fetais apresentam uma nova teoria sobre as causas do comprometimento neuromotor. Autores descrevem que as sequelas neuromotoras não são decorrentes isoladamente da malformação, mas que a exposição do tecido neurológico durante a gestação e o parto podem agravar as sequelas neurológicas.(2, 8, 10-14) Os resultados dos estudos envolvendo o reparo pré-natal demonstram que a intervenção é capaz de repercutir positivamente sobre o desenvolvimento motor, mas não sobre o desenvolvimento cognitivo, quando comparada com a correção pós-natal. No estudo MOMS, a avaliação de acompanhamento com 30 meses demonstrou uma melhora motora (64.0 vs 58.3 na Bayley Psychomotor Development Index e 7.4 vs 7.0 na Peabody Developmental Motor Scale) dos casos tratados no período pré-natal. Estudos observacionais demonstram melhoras motoras e desenvolvimento cognitivo normal em pequenas séries de casos.(10) Em nossa pequena série de casos em que o reparo foi realizado por meio da técnica de fetoscopia, com fechamento simplificado utilizando um patch de celulose, observou-se promissores resultados sobre o desenvolvimento motor. O desenvolvimento motor foi considerado normal até o 6º mês de idade corrigida (período de acompanhamento até a presente data). As etapas motoras adquiridas nos primeiros 6 meses de vida não requerem a posição ortostática ou um deslocamento efetivo, mas um bom controle de tronco. Este pode ter sido um dos motivos que permitiu um desenvolvimento motor normal até esta idade. Antes das pesquisas envolvendo o reparo fetal, o prognóstico de marcha estava totalmente definido na literatura, sendo secundário ao nível neurológico da lesão e comprometido pelos fatores secundários, como deformidades ortopédicas, obesidade e déficits intelectuais. Aparentemente, a cirurgia fetal está oferecendo uma nova vertente para o prognóstico de deambulação. O reparo fetal a céu aberto possibilitou uma melhora da locomoção quando comparado com os casos 60 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI operados no período pós-natal (42% vs 21% de casos andando de forma independente, respectivamente). Quando os dados são analisados especificamente, observa-se uma menor taxa de crianças não deambuladoras (29% vs 43%) e uma maior taxa de deambulação com órteses (29% vs 36%) e deambulação sem órteses (42% vs 21%) nos casos de correção fetal.(2) Provavelmente, estes achados sejam decorrentes da melhora do nível neurológico discutida anteriormente. Resultados negativos dos procedimentos pré-natais Como em todos os procedimentos cirúrgicos, existem os riscos convencionais como a infecção e os riscos específicos como a ruptura prematura das membranas. Pelo fato de se entrar na cavidade uterina, isto acarreta uma probabilidade maior de ruptura das membranas e este talvez seja o maior desafio a ser vencido pela cirurgia fetal, tanto a céu aberto, quanto na minimamente invasiva através de fetoscopia. A ruptura prematura das membranas implica num risco secundário ao feto que é a prematuridade. Quanto menor a prematuridade, melhor o prognóstico para o recém-nascido. O potencial infeccioso, inerente a qualquer procedimento cirúrgico, embora mínimo, pode existir. Ele também deve ser considerado, mas a cirurgia pós-natal, que é mandatária em todos os casos de MM não operados intraútero, também apresentam esse risco, sendo maior quanto mais tempo o recém-nascido ficar aguardando a cirurgia para fechamento da MM. Sabemos pela literatura e pela prática clínica que os melhores resultados de correção pós-natal da MM acontecem nas primeiras horas de vida, ideal nas primeiras 24 horas. Num continente como a América Latina, onde a saúde púbica não é acessível a todos, em particular no Brasil, ainda vivemos uma realidade cruel para o seguimento menos favorecido da população, em que recém-nascidos ficam esperando para realizar o fechamento da MM (dias, semanas e, em casos mais graves, meses, por falta de vagas em centros especializados). Não faltam médicos, faltam unidades de terapia intensiva neonatal onde existam centros para correção neurocirúrgica da MM nas primeiras 24 horas de vida. Isso representa uma perda social irreparável para essas famílias e um custo financeiro inestimável ao estado. Uma Neurocirurgia Fetal – Atualidades e Perspectivas 61 cirurgia sem complicações da MM nas primeiras 24 horas de vida terá uma internação média de 10 a 15 dias, enquanto uma cirurgia após semanas aguardando, com infecção, poderá ficar internada de 3 a 6 meses, com vários procedimentos cirúrgicos. Com a cirurgia antenatal, esse risco seria amplamente diminuído, pois o fechamento ocorreria antes do nascimento, antes das 27-28 semanas de gestação. O risco de ruptura do útero, uma das principais complicações maternas da cirurgia a céu aberto (pois para o fechamento da MM é realizada a abertura do útero e posterior fechamento do mesmo, aguardando a maturação e crescimento do bebê), praticamente inexiste na fetoscopia. Este risco existe não apenas durante a gestação em curso no momento da cirurgia, mas se estende a gestações subsequentes e pode chegar a 15%,(15) sendo este um dos principais motivos da baixa aceitação da cirurgia pré-natal a céu aberto entre os obstetras. Com o uso da videolaparoscopia ou fetoscopia esse risco não existe, pois são utilizadas apenas três pequenas entradas no abdome gravídico: uma para a ótica e duas para os instrumentos cirúrgicos. Essas não são incisões, ou cortes, são punções para a entrada dos canais de trabalho, por via percutânea (Figura 1). Figura 1 Punções para a entrada dos canais de trabalho, por via percutânea. 62 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Considerações finais A cirurgia por vídeo, considerada minimamente invasiva, vem ganhando espaço em todas as especialidades médicas, e na neurocirurgia, em particular, transformou a história do tratamento da hidrocefalia complexa, reduzindo o número de derivações necessárias para o tratamento da hidrocefalia. No campo da medicina fetal, a fetoscopia tem se destacado em vários fatores, como: 1) uso de laser para o tratamento das bridas amnióticas, minimizando ou tratando preventivamente deformidades potencialmente graves aos fetos; 2) uso do laser para tratar transfusão feto-fetal – interrompendo as conexões vasculares entre gêmeos que dividem a mesma placenta. Acreditamos que ainda existam muitos desafios a serem vencidos, como, por exemplo, a semana ideal para o fechamento na tentativa de observar os melhores benefícios, possíveis tratamentos preventivos e o risco da prematuridade. Outra questão importante é em relação ao líquido amniótico, a partir de qual semana ele passa a ser deletério à medula exposta? Uma importante adversidade é em relação aos recursos necessários para o sucesso da fetoscopia. São primordiais centros tecnológicos especializados em “terapia fetal” com recursos apropriados e a instrução da equipe multiprofissional em neonatologia e neurocirurgia pediátrica. 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Neurocirurgia Fetal – Atualidades e Perspectivas 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 63 Bealer JF, Raisanen J, Skarsgard ED, Long SR, Wong K, Filly RA et al. The incidence and spectrum of neurological injury after open fetal surgery. J Pediatr Surg. 1995;30(8):1150-1154. Kohl T, Tchatcheva K, Merz W, Wartenberg HC, Heep A, Muller A et al. Percutaneous fetoscopic patch closure of human spina bifida aperta: advances in fetal surgical techniques may obviate the need for early postnatal neurosurgical intervention. Surg Endosc. Apr 2009;23(4):890-895. Pedreira DA, Zanon N, de Sá RA, Acacio GL, Ogeda E, Belem TM, Chmait RH, Kontopoulos E, Quintero RA. Fetoscopic single-layer repair of open spina bifida using a cellulose patch: preliminary clinical experience. J Matern Fetal Neonatal Med. 2014;13. Sanchez e Oliveira Rde C, Valente PR, Abou-Jamra RC, Araújo A, Saldiva PH, Pedreira DA. 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Membro Titular da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia e Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Pediátrica (SBNPed). Membro afiliado estrangeiro da Sociedade Europeia de Neurocirurgia Pediátrica. E-mail: [email protected]. *O autor declara não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na elaboração do presente capítulo. Introdução As craniossinostoses (CS) são malformações congênitas, ocorrendo na incidência de 1:2000 nascidos vivos, caracterizadas pelo fechamento precoce de uma ou mais suturas cranianas, que resultam em uma deformidade craniana ou craniofacial e graus variados de desproporção volumétrica entre o crânio e o encéfalo.(1, 2) O diagnóstico pode ser suspeitado desde a fase intrauterina, por meio da ultrassonografia (US) ou ressonância magnética (RM) fetal, em que se pode observar assimetrias cranianas ou craniofaciais.(3, 4) Existem inúmeras classificações para as CS, podendo ser divididas em sindrômicas (associadas a malformações faciais e por vezes extracranianas) ou não sindrômicas; isolada ou simples (quando comprometem uma única sutura) ou completa e complexas se associadas a outras malformações (comprometimento de múltiplas suturas), entre outras.(5, 6) A classificação provavelmente mais utilizada baseia-se na sutura comprometida (aquela que fechou precocemente), podendo apresentar 66 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI 4 tipos principais, a saber: escafocefalia ou dolicocefalia (fechamento precoce da sutura sagital), trigonocefalia (fechamento precoce da sutura metópica), plagiocefalia (fechamento precoce da sutura coronal ou lambdoide, unilateral), braquicefalia ou turricefalia (fechamento precoce das suturas coronais e/ou lambdoides).(5) Estas deformidades cranianas quando não tratadas podem trazer danos psicológicos a estas crianças, fazendo com que evitem o convívio social devido à sua aparência fora do habitual.(6) Quanto à etiologia, forças biomecânicas, alterações genéticas e expressões locais de fatores de crescimento têm sido consideradas. Algumas hipóteses são aventadas, como distúrbios metabólicos (raramente levam a uma CS, como o raquitismo carencial, descrito em casos de oxicefalia), uso de alguns anticonvulsivantes durante a gestação, hipertireoidismo, tabagismo materno durante a gestação, idade avançada dos pais em algumas CS (sobretudo as sindrômicas), gemelaridade, posicionamento e apresentação do feto, CS familiar, aberrações cromossômicas, causa idiopática, entre outras.(1, 2, 5) O diagnóstico é eminentemente clínico, porém, na maioria dos serviços, a confirmação por método de imagem (sobretudo a Tomografia de Crânio com reconstrução tridimensional) faz-se de rotina. Algumas malformações podem estar associadas, como malformações do sistema nervoso central (SNC), cardíacas e de vias urinárias. Associadas ou não às síndromes, estas malformações em SNC podem estar presentes em cerca de 0,6% dos portadores de escafocefalia, 4,3% dos portadores de trigonocefalia, 2,2% nas plagiocefalia e 4,5% nos casos de braquicefalia não sindrômica.(5) O tratamento das CS geralmente é cirúrgico, e tem como escopo principal corrigir a distorção craniana e evitar a progressão e deformidade craniofacial,(5, 6) impedindo eventuais distúrbios cognitivos futuros, associados ou não, como ocorre em alguns casos, a um aumento da pressão intracraniana (PIC). Além de equipe neurocirúrgica treinada, torna-se fundamental uma equipe multidisciplinar habilitada para o manejo destas crianças, sendo que o sangramento intraoperatório, nos casos das reconstruções cranianas, é a principal complicação. Existem diversas técnicas cirúrgicas para a correção das CS, a depender do centro de referência analisado, experiência do neurocirurgião, severidade da deformidade craniana ou craniofacial, associação ou não com síndromes genéticas e idade da criança no momento do diag- Craniossinostoses 67 nóstico. Estas cirurgias variam desde a suturectomia (retirada da sutura comprometida sem reconstrução craniana, podendo ser realizada via endoscópica ou não), uso de molas para expansão e a reconstrução e remodelagem craniana, com variadas técnicas(5, 6, 12-15). Quanto ao resultado final, algumas escalas são utilizadas para avaliar o resultado póscirúrgico, que se baseia na reconstrução craniana final, do ponto de vista estético (Quadro 1).(12, 15) Avaliação do aspecto craniano após reconstrução craniana ou craniofacial de pacientes portadores de craniossinostose(15) Quadro 1 Resultado cirúrgico Graduação Parâmetros Grau I Excelente resultado pós-cirúrgico, sem evidências de deformidades cranianas, estando os pais ou responsáveis completamente satisfeitos com os resultados. Satisfatório Grau II Bom resultado pós-cirúrgico, com evidências mínimas ou moderadas de deformidades cranianas, sem indicação de nova abordagem cirúrgica. Os pais ou responsáveis estão satisfeitos com os resultados. Satisfatório Grau III Regular resultado pós-cirúrgico, com evidências de deformidades cranianas a ponto de se questionar a indicação de reabordagem cirúrgica. Os pais ou responsáveis não estão completamente satisfeitos com os resultados. Não satisfatório Grau IV Resultado pós-cirúrgico inaceitável, com evidências de grandes deformidades cranianas, com indicação de reabordagem cirúrgica. Os pais ou responsáveis não estão satisfeitos com os resultados. Não satisfatório De forma geral, essas crianças possuem um melhor resultado póscirúrgico quando operadas por volta dos 6-8 meses de idade, lembrando que em algumas situações são necessárias inúmeras correções cirúrgicas (como nos casos das CS sindrômicas) para obtenção de resultados satisfatórios.(5, 6, 14, 15) Cada caso deve ser avaliado individu- 68 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI almente, considerando a presença ou não de outras malformações, associação com síndromes, outras comorbidades, experiência da equipe cirúrgica e anestésica, grau de severidade da CS, presença ou não de aumento da PIC, entre outras questões. A escafocefalia (EC) Dentre os 5 tipos principais de CS, a escafocefalia (EC) é a mais frequente, predominando entre 40 e 60%(6, 7, 8, 15). A EC geralmente não está associada a síndromes, ocorrendo por fechamento precoce da sutura sagital, o que leva a um aumento do comprimento do crânio e redução da largura. O crânio adquire uma característica alongada, podendo existir um predomínio de crescimento (conhecido como bossa ou projeção) frontal ou occipital, ainda podendo existir um afilamento ou alargamento frontal (Figura 1). Figura 1 Visão superior de um crânio com escafocefalia: aumento do comprimento e redução da largura. Existe então, além do alongamento craniano no sentido anteroposterior, a formação de uma crista na sutura sagital, palpável e por vezes visível.(5, 6) Craniossinostoses 69 Um dos principais critérios clínicos estabelecidos para diagnóstico da EC é o index craniano (IC), representado pela razão da medida máxima da extensão lateral (largura) e do comprimento craniano (largura/comprimento x 100). Considerando como valores normais de IC entre 76 a 78%, as crianças portadoras de EC apresentam IC entre 60 a 67%, sendo um dos critérios mais utilizados atualmente para graduar as EC.(9-11) Alguns autores criticam este método por não ser específico para o diagnóstico de EC, podendo falhar em predizer este diagnóstico, sugerindo que outros meios mais fidedignos sejam utilizados, considerando mensurações realizadas a partir da tomografia do crânio (TC).(11) Outros trabalhos destacam a importância da realização da TC nestas crianças, pois, além de confirmar a suspeita do diagnóstico, auxilia sobretudo na classificação do grau de severidade da EC, de acordo com as mensurações realizadas, podendo auxiliar na escolha do melhor tratamento.(6, 11) O tratamento cirúrgico, independente da técnica ou método escolhido, visa diminuir o alongamento craniano e aumentar o diâmetro lateral (Figuras 2 e 3).(15) Figuras 2 e 3 Esquema operatório da técnica de reconstrução craniana (“H de Renier”) utilizada na escafocefalia para diminuir o alongamento craniano e aumentar o diâmetro lateral. A trigonocefalia (TrG) A TrG é a segunda em frequência, ocorrendo pelo fechamento precoce da sutura metópica, representando cerca de 20 a 26% das CS.(5, 15) Esta deformidade geralmente é evidente desde o nascimento, em que o crânio adquire um aspecto triangular, geralmente associado a um hipotelorismo 70 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI (Figura 4). Esta distância interna entre os cantos dos olhos (distância intercantal interna) pode ser considerada normal quando a média estiver entre 2 e 2,5 cm no primeiro ano de vida.(16) Assim como na EC, existe na TrG o predomínio do sexo masculino, sendo a sua ocorrência mais frequente em gestações gemelares e na apresentação fetal sentada na ocasião do nascimento.(5) Diante destes fatos, assim como nas EC, existe a suspeita de associação com fatores mecânicos externos (na fase intraútero).(5) A abordagem cirúrgica deve ser feita por equipe treinada em cirurgia craniofacial, para a correção da deformidade fronto-orbitária. Inúmeras técnicas são descritas, como a técnica da Concha (Shell technique) e outras reconstruções cranianas mais complexas(17, 18) (Figuras 5 e 6). Figura 4 Aspecto típico da trigonocefalia, com fechamento precoce da sutura metópica e hipotelorismo. Figura 5 Visão superior: desenho esquemático da Shell technique. Craniossinostoses 71 Figura 6 Alargamento do frontal, após a realização da Shell technique. A plagiocefalia (PLG) A PLG ocorre por fechamento precoce de uma das suturas coronais, levando a uma assimetria craniofacial, que deve ser diferenciada da assimetria craniana que ocorre à custa do posicionamento do recémnascido, conhecida como plagiocefalia postural, que será discutida mais adiante. A PLG coronal ocorre predominantemente em meninas, e diferente das anteriores (EC e TrG), não parece estar associada a fatores mecânicos intrauterinos.(5) Em nossa casuística, a PLG anterior foi a terceira CS mais frequente, junto com a braquicefalia.(15) Nestes casos, a criança apresenta uma assimetria craniofacial em que ocorre, do lado acometido, um recuo da região frontal e da órbita isolateral, estando esta órbita pouco elevada, podendo associar-se a uma bossa temporal. A base do nariz está deslocada. Do lado da sutura coronal não comprometida pode-se observar uma bossa e avanço do frontal, o que acentua ainda mais esta assimetria facial(5) (Figura 7). A correção Figura 7 Plagiocefalia coronal esquerda. Sinal do “olho de Arlequim”. 72 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI cirúrgica consiste em uma remodelagem bilateral do rebordo supraorbitário, com um avanço frontal unilateral, com formação de uma nova fronte. A junção fronto-malar do lado recuado deverá sofrer um avanço, com apoio de um pequeno fragmento ósseo.(18) A Braquicefalia (BrC) A BrC, nas maiores séries descritas na literatura, corresponde a aproximadamente 5,3% das CS.(5) Conhecida como “crânio curto”, ocorre pelo fechamento precoce das suturas coronais (bilateralmente). O crânio apresenta um aspecto curto, devido a um defeito de expansão do frontal para frente, sendo as arcadas supraorbitárias recuadas, com achatamento frontal baixo, sendo que a parte superior do frontal, por vezes, evolui com aspecto proeminente, superpondo a face e elevando-se exageradamente, sendo conhecida também como turricefalia (Figura 8). Nas turricefalias, além do fechamento das coronais, existe também um achatamento posterior. Alguns autores sugerem que, nestes casos, deve ser avaliada a possibilidade da correção posterior, antes da anterior.(18) A correção cirúrgica, quando se opta pela reconstrução craniana, pode ser realizada, entre outras opções, pelo avanço frontoorbitário em monobloco, ou utilização da técnica de Paul-Tessier ou pela técnica da “fronte-flutuante”, entre outras técnicas de avanço fronto-orbitário.(18) Figura 8 Crânio braquicefálico evidenciando fechamento das suturas coronais (bilaterais), defeito de expansão do frontal, com achatamento frontal baixo, sendo que a parte superior do frontal apresenta aspecto proeminente. Craniossinostoses 73 Craniossinostoses sindrômicas (Figura 9) As principais síndromes descritas, associadas às CS, são as síndromes de Apert, Crouzon, Saethre-Chotzen, Pfeiffer e Carpenter. As principais características estão descritas no Quadro 2.(5) Principais síndromes associadas a craniossinostoses(5) Quadro 2 Síndromes Principais aspectos encontrados Apert Craniossinostose geralmente por fechamento precoce das suturas coronais (bilateral). Pode existir alargamento das suturas metópica e sagital nos primeiros meses de vida. Hipertelorismo com exorbitismo. Hipoplasia do maxilar superior, com inversão do fechamento da arcada dentária (prognatismo). Sindactilia que pode estar presente nas quatro extremidades. Malformações cerebrais constantes, com hidrocefalia geralmente não progressiva. Hipertensão intracraniana em aproximadamente 45% dos pacientes. Comprometimento auditivo em 56% dos casos. Crouzon Craniossinostose associada a uma hipoplasia facial. Geralmente existe um fechamento precoce bilateral das suturas coronais. Hipertelorismo com exorbitismo, recuo do maxilar superior e do frontal (hipoplasia maxilar); nariz em bico. Inversão do fechamento da arcada dentária (prognatismo). Em aproximadamente 68% dos casos existe associação com aumento da pressão intracraniana. Em 25% dos casos pode existir hidrocefalia. SaethreChotzen Craniossinostose variada, geralmente bicoronal, associada à implantação baixa de orelhas e assimetria facial com hipertelorismo, ptose palpebral uni ou bilateral. Orelhas pequenas e redondas. Sindactilia parcial associada à clinodactilia. Prega palmar única. Anomalias em coluna vertebral e em palato. Importante atraso cognitivo e déficit auditivo. Alargamento do hálux e criptorquidia. Pfeiffer Craniossinostose variada, porém geralmente com comprometimento das suturas coronais (bilateral) e sagital, associada a hipertelorismo com exorbitismo e estrabismo. Orelhas com implantação baixa. Braquicefalia associada a sindactilias membranosas. Hipoplasia do maxilar superior. Alargamento dos polegares e hálux, com desvio tipo varo. As formas severas podem apresentar um crânio em trevo. Hidrocefalia quase constante. 74 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Figura 9 Crânio em trevo (tomografia do crânio, visão frontal, em reconstrução tridimensional). Observar o aspecto trilobar, com protuberância frontal e bitemporal. Pode estar presente nas formas mais graves da síndrome de Pfeiffer. Plagiocefalia postural (PP) O dismorfismo craniano posicional, ou plagiocefalia postural, vem aumentando progressivamente desde o aconselhamento em evitar o decúbito ventral em neonatos e durante os primeiros meses de vida, devido ao risco de morte súbita. Pelo posicionamento em decúbito dorsal, existe uma assimetria craniana devido ao mau hábito em manter a criança deitada, sempre na mesma posição. A PP ocorre por fatores mecânicos externos, sobre um crânio ainda bastante maleável, caracterizado por achatamento da região occipital, associado a uma bossa frontal isolateral e deslocamento do pavilhão auricular deste mesmo lado. Pode ocorrer desde a fase intrauterina, nos casos de posição única fetal prolongada, gestação múltipla, malformações uterinas, macrocefalia, fetos grandes. Por vezes, quando pós-natais, estas assimetrias são decorrentes de posição viciosa no berço, torcicolo, alterações neurológicas que podem levar a uma menor mobilidade do recémnascido, entre outras.(19-21) Geralmente o diagnóstico é feito nos primeiros 2-4 meses de vida, tornando-se menos frequente à medida que Craniossinostoses 75 estes lactentes vão crescendo.(21) Crianças com déficits neurológicos apresentam maior risco em desenvolver PP, mas o oposto não é observado, ou seja, a PP levando a déficits neurológicos.(21) O diagnóstico é eminentemente clínico, não sendo necessários exames radiológicos para confirmar o diagnóstico de PP. Quanto ao tratamento, aquelas crianças com idade < 4 meses, que são modificadas regularmente de posição, seguindo as orientações médicas, apresentam melhores resultados no remodelamento craniano. Naquelas crianças que persistem com deformidade craniana após os 5-6 meses de vida, questionava-se o uso de capacetes para remodelar o crânio, porém esta técnica tem caído em desuso, e estudos mais recentes não têm mostrado benefícios com o seu uso.(21) Referências 1. Rennier D, Arnaud E, Marchac D. Craniostenoses: introduction. Neurochirurgie. 2006;(52):149-150. 2. Rennier D, Arnaud E, Marchac D. Les craniostenoses: physiopathologie. Neurochirurgie. 2006;(52):195-199. 3. Simanovsky N, Hiller N, Koplewitz B, Rozovsky K. Effectiveness of ultrasonographic evaluation of the cranial sutures in children with suspected craniosynostosis. Eur Radiol. 2009;19: 687-692. 4. Fjortoft MI, Sevely A, Boetto S, Kessler S, Sarramon MF, Rollland M. Prenatal diagnosis of craniosynostosis: value of MR imaging. Neuroradiology. 2007;49:515-521. 5. Rennier D, Arnaud E, Marchac D. Classification des craniostenoses. Neurochirurgie. 2006;(52):200-227. 6. 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Van Wijk RM, van Vlimmeren LA, Groothuis-Oudshoorn, Van der Ploeg CPB, Ijzerman MJ, Boere-Boonekamp MM. Helmet therapy in infants with positional skull deformation: randomised controlled trial. BMJ. 2014;348: g2741. Doenças Infecciosas e Parasitárias do Sistema Nervoso Central: Aspectos Cirúrgicos Geraldo José Ribeiro Dantas Furtado Mestre em Saúde Materno-infantil. Neurocirurgião Pediátrico. Prof. Adjunto de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas – Universidade de Pernambuco. Tutor de Medicina da Faculdade Pernambucana de Saúde – FPS. Coordenador do Serviço de Neurocirurgia Pediátrica do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira – IMIP *O autor declara não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na elaboração do presente capítulo. Introdução CISTICERCOSE Epidemiologia Cisticercose é a parasitose helmíntica que mais comumente afeta o sistema nervoso, sendo causada por infecção através da larva adulta da Taenia solium, o Cysticercus cellulosae. É considerada endêmica na maioria dos países em desenvolvimento. Sua incidência e prevalência são associadas diretamente com condições insatisfatórias de higiene e saneamento básico. Em estudo recente, baseado em 136 publicações abrangendo o período de 1915 a 2002, foi observada a incidência 0,03 a 13,4% de neurocisticercose na prática neurológica e neurocirúrgica e de até 9% em achados de autopsias com prevalência de 4,56:100.000 na prática clínica e 0,41:1000.000 em achados de necropsia.(1, 2) 78 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Fisiopatologia No sistema nervoso central (SNC), aonde chega através da circulação sanguínea e linfática, em especial em pequenos vasos sanguíneos entre a substância cinzenta e a branca, o parasita apresenta desenvolvimento em quatro estágios: 1. vesicular, que representa a sua forma ativa; 2. coloidal que representa a fase degenerativa inicial; 3. granular, que representa o início da involução e 4. calcificação, que representa o estágio final do processo de degeneração. Pode alojar-se no parênquima, na parede do sistema ventricular, nas meninges e no espaço subaracnóideo, causando efeito de massa proporcional ao volume e à localização da vesícula e efeito tóxico perifocal, evoluindo com o desenrolar da reação inflamatória para a imobilização do parasita seguida de fibrose residual, formação de granuloma e posterior calcificação.(3, 4) Quadro clínico Os sinais e sintomas da neurocisticercose são inespecíficos, e dependem basicamente da localização do cisticerco no SNC (efeito de massa e obstrução de vias liquóricas ou espaço subaracnóideo) e da intensidade da reação inflamatória, sendo as crises epilépticas (62%), síndrome de hipertensão intracraniana (38%), meningite cisticercótica (35%) e distúrbios psíquicos (11%), as manifestações mais comuns.(5) Diagnóstico O diagnóstico na atualidade é feito preferencialmente com o uso de tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética nuclear (RM), que demonstram claramente a presença da lesão parasítica. O exame do líquido cefalorraquidiano (LCR), apesar de ser de importância no diagnóstico biológico da neurocisticercose, deve ser obviamente evitado nos casos de hipertensão intracraniana. Os achados mais eloquentes são a eosinofilia e a reação de fixação de complemento positiva. Técnicas imunológicas alternativas como as reações de imunofluorescência, hemaglutinação, imunoenzimáticas (ELISA – EnzymeLinked Immunosorbent Assay) e blotting com glicoproteínas purificadas (EITB – Enzyme-Linked Immunotransfer Blot) propiciaram maior precisão do exame do LCR no diagnóstico.(6) Doenças Infecciosas e Parasitárias do Sistema Nervoso Central 79 Tratamento O tratamento clínico da cisticercose tem como objetivo a redução da resposta inflamatória, portanto, nem todos os pacientes devem ser tratados, pois os cistos podem já estar em fase de calcificação. Antihelmínticos, em especial o praziquantel e posteriormente o albendazol foram usados em larga escala no tratamento da neurocisticercose com a justificativa de poderem diminuir as lesões císticas com consequente melhora na sintomatologia, notadamente em relação às crises convulsivas e hidrocefalia, a despeito de poderem causar efeitos adversos severos em outros órgãos. Entretanto, não existem, até o presente, evidências que assegurem que o uso dessas substâncias apresente efeitos benéficos definitivos na evolução dessa parasitose do SNC.(7, 8) O tratamento cirúrgico está indicado nos casos de hidrocefalia quando o cisticerco leva à obstrução das vias liquóricas, lesões císticas que causem sintomas locais devido ao efeito de massa, notadamente aquelas maiores de 2 cm e compressão medular. O tratamento da hidrocefalia pode ser realizado através da derivação ventriculoperitoneal, lembrando que em alguns casos as revisões dos sistemas valvulares são mais frequentes. Na presença do cisticerco intraventricular, a neuroendoscopia é o método de eleição, permitindo de forma minimamente invasiva a remoção do parasita.(9-12) TUBERCULOSE Epidemiologia A tuberculose é considerada uma doença negligenciada por ainda se apresentar como problema grave de saúde pública. Vem se mantendo presente sobretudo em associação com baixos níveis socioeconômicos. A tuberculose do SNC é uma das mais temidas formas na infância, devido à alta morbimortalidade. No Brasil, devido à vacinação com BCG em praticamente todas as crianças ao nascer, a incidência de meningoencefalite tuberculosa é baixa, representando aproximadamente 1% das formas extrapulmonares. Pode acometer qualquer faixa etária, especialmente nos pacientes HIV positivos, mas o faz, preferencialmente, em crianças menores de 6 anos de idade.(13, 14) 80 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Fisiopatologia O comprometimento neurológico pela tuberculose ocorre devido à disseminação hematogênica de focos infecciosos distantes de Mycobacterium tuberculosis, levando à formação de granulomas e exsudação do conteúdo caseoso desses para as meninges, causando aracnoidite sobretudo nas regiões basais, tendo como consequência a obstrução das vias liquóricas e hidrocefalia, comprometimento dos III, VI e VII nervos cranianos, além do quiasma óptico, causando paresias, paralisias e amaurose, além de envolvimento das artérias carótida interna e cerebral média, comprometendo a irrigação de áreas extensas do parênquima cerebral.(15) Tratamento neurocirúrgico da tuberculose A hidrocefalia é uma das mais comuns complicações da meningite tuberculosa (MT), podendo aparecer precocemente em crianças, com incidência entre 80 a 85% dos casos, podendo ser comunicante (a forma mais comum) ou não comunicante.(16) O tratamento deve ser inicialmente clínico e consiste na utilização de três a quatro drogas: isoniazida, rifampicina, juntamente com pirazinamida e/ou etionamida, não havendo na atualidade um regime universalmente aceito em relação ao tempo de utilização das medicações. O uso de corticosteroides como terapia adjuvante tende a diminuir a resposta inflamatória à tuberculoproteína, responsável pelo edema, vasculite e aracnoidite.(15, 16) Havendo a progressão da hidrocefalia e o desenvolvimento de hipertensão intracraniana, é necessário a drenagem liquórica através de derivação ventriculoperitoneal (hidrocefalia comunicante) ou da terceiro-ventriculostomia endoscópica nos casos de hidrocefalia não comunicante. Crianças mais jovens, notadamente abaixo de 5 anos, geralmente desenvolvem a hidrocefalia na fase aguda da doença e são frequentemente admitidas em estado grave de hipertensão intracraniana, necessitando de derivação imediatamente. Entretanto, deve-se ter em mente que a indicação indiscriminada de derivações em todos os pacientes que apresentem ventriculomegalia associada à meningite tuberculosa pode ser desnecessária, já que a maioria dos pacientes irá melhorar de sua condição com tratamento clínico.(16) Doenças Infecciosas e Parasitárias do Sistema Nervoso Central 81 Os abscessos tuberculosos (tuberculomas) apresentam em seu conteúdo purulento encapsulado a presença de bacilos viáveis, o que os diferencia dos clássicos granulomas tuberculosos. Apresentam sintomatologia neurológica semelhante a um abscesso de qualquer outra etiologia, podendo ser múltiplos e ainda localizados no encéfalo ou medula espinhal. O tratamento neurocirúrgico dessas lesões vem diminuindo na atualidade devido aos regimes terapêuticos medicamentosos utilizados, mas é indicado nos casos de rápida evolução com hipertensão intracraniana ou disfunção medular, secundária ao efeito de massa, apesar de tratamento medicamentoso adequado. O tratamento consiste na drenagem por punção a céu aberto ou com estereotaxia, ou ainda remoção completa da lesão através de craniotomia, sobretudo nos abscessos multiloculados.(16, 17) ABSCESSOS CEREBRAIS O abscesso cerebral (AC) consiste em uma coleção encapsulada de pus, localizada no parênquima cerebral. Podem aparecer em vários focos, caracterizando abscessos múltiplos. Nas fases iniciais, existe uma cerebrite supurativa regional, que evolui para necrose central com espessamento das margens da lesão até a formação da cápsula. Etiologia Crianças portadoras de cardiopatias cianóticas congênitas são particularmente propensas a apresentarem abscessos cerebrais, assim como aquelas que apresentam focos infecciosos adjacentes a regiões cranianas (sinusites, otites ou mastoidites), que representam portas de entrada para o desenvolvimento dessas lesões nos lobos temporal, frontal e cerebelo, predominantemente. Menos frequentemente podem ser resultado de uma contaminação cirúrgica ou de um ferimento penetrante de crânio. Casos de disseminação hematogênica de afecções a distância também são encontrados. Em algumas ocasiões não é possível determinar o foco inicial.(18-21) Quadro clínico Além de um quadro infeccioso precedente ou concomitante, deve-se suspeitar da presença do abscesso cerebral em crianças que apresentam comprometimento gradual do nível de consciência ou letargia 82 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI desproporcional à gravidade de um quadro infeccioso relativamente simples, como uma mastoidite ou otite. A febre pode estar ausente no momento do diagnóstico, embora relatada na história prévia. O desenvolvimento de sinais focais neurológicos com sinais de hipertensão intracraniana sugere a localização do abscesso. Crises convulsivas são frequentes e também possuem valor localizatório.(18-21) Diagnóstico O diagnóstico dos abscessos cerebrais é feito a partir do quadro clínico já referido acima, associado a exames laboratoriais e de neuroimagem. Os exames hematológicos são inespecíficos, apontando para um quadro infeccioso. O estudo do LCR também pode ser pobre em achados, sobretudo quando não associados a uma meningite prévia, e não deve ser realizado na vigência de hipertensão intracraniana. A comprovação do abscesso é dada pelos exames de neuroimagem. O aspecto radiológico pode variar de acordo com a fase do diagnóstico, desde uma cerebrite inicial (por volta do quarto dia de evolução da doença), até uma fase de coleção localizada, com uma cápsula bastante vascularizada (de 11 a 14 dias). Apresentam caracteristicamente uma área de edema cerebral, inicialmente mais difuso na fase de cerebrite, e em seguida contornando a cápsula. Nas fases iniciais, apenas uma área de hipodensidade com efeito de massa é demonstrada à TC de crânio. Nas fases mais avançadas, praticamente todos os abscessos apresentam na TC contrastada o anel em volta da lesão, característico da captação do contraste pela cápsula vascularizada. Nas fases iniciais, caracteristicamente na RM, são demonstradas hipointensidade em T1 e hiperintensidade de sinal em T2, que evoluem para acentuação dessas características nas fases mais tardias, com a formação de anel hiperintenso em T1 não contrastado e hipointenso em T2 em torno da área central de necrose.(22, 23) Tratamento A despeito de persistirem questões sobre o tratamento ideal dos abscessos cerebrais, a combinação de aspiração cirúrgica livre ou com estereotaxia única ou repetida, de acordo com a evolução da lesão, e em alguns casos a remoção completa da coleção purulenta, incluindo Doenças Infecciosas e Parasitárias do Sistema Nervoso Central 83 a cápsula através de craniotomia para alívio da hipertensão intracraniana e obtenção de material para cultura e antibiograma, associada a antibioticoterapia por cerca de seis semanas com monitorização por TC de crânio com contraste representa, na maioria das séries existentes na literatura, um método eficaz e eficiente de tratamento. A escolha do método de abordagem cirúrgica não parece influenciar na determinação do sucesso do tratamento, estando relacionado sobretudo às condições do paciente, preferência do cirurgião ou estrutura disponível para sua realização. O estado do paciente e a rapidez com que é iniciado o tratamento são mais diretamente relacionados ao resultado. Os critérios para indicação de repetição da punção-aspiração e escolha do antibiótico não são, até a presente data, consenso nos diversos serviços neurocirúrgicos. Alguns autores defendem ainda o uso exclusivo de antibioticoterapia em abscessos únicos < 2,5 cm de diâmetro.(21) A escolha do antibiótico é na maioria das vezes feita de modo empírico em seu início, sendo essa escolha relacionada principalmente ao foco inicial de contaminação, até que sejam obtidas culturas e antibiogramas específicos, lembrando que com frequência essas provas microbiológicas apresentam resultados negativos. Não existem evidências científicas através de estudos randomizados controlados que avaliem a eficiência dos diversos protocolos de antibióticos empregados no tratamento dos abscessos cerebrais. A associação do metronidazol com cefalosporinas de terceira geração, notadamente cefotaxime ou ceftriaxone, associada a um terceiro antibiótico (a depender das culturas), tem se mostrado satisfatória, mesmo levando-se em conta os efeitos tóxicos que algumas vezes forçam a interrupção do tratamento antes de completar o período de seis semanas.(21-23) Referências 1. 2. 3. Matushita H, Pinto FCG, Cardeal DD, Teixeira MJ. Hydrocephalus in neurocysticercosis. Child’s Nerv Syst. 2011;27:1709-1721. Agapejev S. Aspectos clínico-epidemiológicos da neurocisticercose no Brasil: análise crítica. Arq Neuro Psiquiatr. vol. 61 no. 3B. São Paulo Set. 2003. Sotelo S, Guerreiro V, Rubio F. Neurocysticercosis; a new classification based on active and inactive forms. 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Traumatismo Craniano na Infância José Roberto Tude Melo Mestre em Medicina pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutor em Medicina (Programa CAPES-PDEE Brasil/França). Coordenador da Unidade de Neurocirurgia Pediátrica do Hospital Martagão Gesteira (Salvador, BA). Supervisor da Divisão de Neurocirurgia Pediátrica do Hospital São Rafael (Salvador, BA). Neurocirurgião do Hospital Universitário Prof. Edgard Santos (UFBA). Membro Titular da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia e Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Pediátrica (SBNPed). Membro afiliado estrangeiro da Sociedade Europeia de Neurocirurgia Pediátrica. E-mail: [email protected] *O autor declara não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na elaboração do presente capítulo. Conceitos/Dados epidemiológicos Apesar do número crescente de crianças e adolescentes vítimas de trauma craniencefálico (TCE), no Brasil existem poucos estudos sobre o tema, principalmente concernente aos fatores que avaliam o prognóstico, tomando por vezes resultados subestimados quanto aos dados epidemiológicos e com isso dificultando a decisão de condutas no diagnóstico e tratamento.(1, 2) O grupo de pacientes na faixa pediátrica (crianças e adolescentes) é o segundo grupo mais atingido em alguns estados brasileiros, precedido apenas pelos adultos em idade produtiva.(3) Quanto às causas do trauma, destacam-se três grandes grupos, a saber: agressões físicas e violência urbana (com ou sem o uso de armas brancas ou de fogo), as quedas (da própria altura ou de uma altura maior) e os acidentes com meios de transporte (incluindo os acidentes automobilísticos, atropelamentos, motociclísticos, ciclísticos e outros transportes não motorizados).(1) 88 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Abuso, agressões físicas e violência urbana Em crianças, sobretudo até os 2 anos de idade, torna-se fundamental averiguar os “traumatismos não acidentais”, conhecidos também como “traumas cranianos por abuso” ou “maus-tratos”, incluídos neste grupo a síndrome do bebê sacudido ou chacoalhado, síndrome da criança espancada e síndrome da criança sacudida seguida de impacto, ou seja, aqueles que ocorrem por violência física proposital, destacada por alguns autores como principal causa de óbito na população pediátrica.(4, 5) As crianças vítimas de maus-tratos devem ser atendidas como portadoras de TCE grave, assim como os traumatismos obstétricos e os politraumatizados.(2, 5) Habitualmente o mecanismo envolvido neste tipo de trauma (síndrome do bebê sacudido ou chacoalhado) ocorre por um movimento de aceleração e desaceleração do crânio, enquanto o agressor segura a criança pelo tórax ou braços. Esta sucessão de movimentos de impulsão propiciados pelo agressor ainda pode resultar na colisão do crânio contra outro objeto.(4, 6) As lesões mais frequentemente associadas a este tipo de trauma são as hemorragias retinianas bilaterais (com variação entre 47 e 85%) e os hematomas subdurais (HSD), presentes em 80 a 90% dos casos (Figura 1). Neste grupo de pacientes torna-se fundamental um exame oftalmológico acurado, além da tomografia computadorizada (TC) do crânio e avaliação radiológica completa do esqueleto para um Figura 1 Tomografia de crânio evidenciando hematoma subdural, hemorragia subaracnóidea e em corpo caloso, em lactente com suspeita de maus-tratos e chacoalhamento. Observa-se ponta de cateter ventricular para monitorar a pressão intracraniana. Traumatismo Craniano na Infância 89 melhor diagnóstico das lesões decorrentes deste tipo de trauma.(4-6) Outros tipos de agressões físicas em crianças mais velhas e adolescentes, decorrentes da violência urbana, são destacados em diversos estudos, tornando-se importante a avaliação de políticas públicas de segurança.(1, 2) As quedas As quedas são as causas mais frequentes de TCE na população pediátrica, predominando entre os pré-escolares (entre 2 e 6 anos de idade).(1, 2, 7) Podem ser divididas em quedas da própria altura e quedas de alturas superiores, sendo que as segundas costumam ter um mecanismo envolvendo movimento (cinética) maior, com consequências geralmente mais graves.(7) As quedas de altura em crianças com menos de 5 anos de idade podem estar relacionadas com quedas do colo da mãe (ou outro cuidador), berço, cama ou escada. Após esta faixa etária, associam-se mais frequentemente com as quedas de lajes, escadas, cama, muros e árvores.(1, 8) Quanto à biomecânica envolvida nas quedas, pode existir uma força de aceleração maior ou menor, com consequente parada após a colisão contra um objeto fixo ou não, rígido ou maleável. A consistência deste obstáculo de colisão, assim como a sua cinética (se móvel ou fixo), influenciarão na gravidade do traumatismo.(7) Acidentes com meios de transporte (acidentes de vias públicas) Destacam-se como principais: os acidentes automobilísticos, os atropelamentos, os acidentes motociclísticos e os acidentes ciclísticos.(1) Entre os acidentes com meios de transporte, os atropelamentos destacam-se como importante causa de TCE entre crianças (principalmente após 5 ou 6 anos de idade) e adolescentes, podendo ser este tipo de traumatismo um fator diretamente relacionado a um pior prognóstico, devido ao mecanismo do trauma e biomecânica envolvidos.(1, 2, 8) Diagnóstico e manejo da criança vítima de TCE O atendimento e manejo pré-hospitalar e hospitalar baseia-se em protocolos estandardizados que devem ser rigorosamente seguidos. O des- 90 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI conhecimento ou não cumprimento destes protocolos é inconcebível para aqueles que agem na fase de atendimento pré-hospitalar ou hospitalar.(2) Quanto à definição da gravidade do TCE, a escala de coma de Glasgow (ECGl) ainda é a mais utilizada, por vezes de difícil aplicação em crianças abaixo dos 2 anos de idade, apesar de adaptações.(1, 2, 9) A partir da história clínica e identificação da causa e mecanismo do trauma (biomecânica), avaliando de forma concomitante a ECGl, definem-se as condutas e etapas a serem seguidas. A TC é o exame de escolha para definição e diagnóstico de lesões agudas decorrentes do TCE, sendo indicada em todas as crianças vítimas de abuso (independente do escore na ECGl), nos casos de TCE com ECGl < 14, nas vítimas de politraumatismo e naquelas com médio e alto risco de possuírem lesões intracranianas, mesmo em ECGl = 15.(2, 10) Quando presentes, as principais lesões identificadas na TC de crianças vítimas de TCE leve são as fraturas e os hematomas subgaleais, e por vezes, os hematomas epidurais (HED). Os achados tomográficos em vítimas de TCE moderado e grave vão desde as fraturas e afundamentos cranianos, inchaço cerebral, HED e HSD, contusões cerebrais e lesões axonais difusas.(2, 9, 10) A TC de corpo inteiro pode ser ponderada em crianças com TCE grave e/ou politraumatizadas, assim como nas vítimas de abuso (síndrome do bebê sacudido).(2, 5, 9) Tratamento cirúrgico e prognóstico A prevenção ao TCE continua sendo a principal forma de tratamento, entretanto, alguns estudos realizados no Brasil ainda evidenciam um grande número de pais que colocam em risco a vida dos seus filhos ao posicionarem estes em assento inadequado quando ocupantes do veículo, pela não utilização da faixa de pedestre, no caso das vítimas de atropelamentos, e ausência do capacete nos adolescentes vítimas de acidentes de moto ou outros veículos de duas rodas.(2) As lesões craniencefálicas pós-traumáticas podem ser divididas em primárias, agravo secundário e lesão secundária. A primária é decorrente de lesão anatômica direta sobre o crânio no momento do impacto, enquanto a secundária ocorre ao nível de célula nervosa devido a uma resposta inflamatória caracterizada pela produção de radicais livres e neurotransmissores excitatórios.(2) Concernente às lesões primárias, podemos subdividi-las em focais (fraturas e afunda- Traumatismo Craniano na Infância 91 mentos cranianos, HED, HSD e contusão cerebral isolados) e difusas (inchaço cerebral, lesão axonal difusa, contusões cerebrais esparsas, hemorragia subaracnóidea traumática e determinados HSD).(9) No caso de crianças com ECGl < 8 (TCE grave), todas devem ser intubadas, posicionadas com colar cervical e acesso venoso de bom calibre.(9) Sobretudo no caso de lesões cerebrais difusas, estará indicada a monitorização invasiva da pressão intracraniana (PIC). No caso de crianças com importante instabilidade hemodinâmica e distúrbios graves da coagulação, em que a monitorização invasiva da PIC poderia ser catastrófica, pode-se realizar a monitorização não invasiva da PIC, por meio de doppler transcraniano (até a estabilização do quadro).(2, 9, 11) Deve-se almejar o controle da PIC (mantendo valores <15-20 mmHg, ou inferiores no caso de neonatos e lactentes), PPC (pressão de perfusão cerebral > 50 mmHg) e consequentemente otimizar o fluxo sanguíneo cerebral (FSC). Pode-se considerar que a permanência de PIC elevada ou valores baixos de PPC sejam indicativos da necessidade de manobras mais agressivas para o seu controle, como a craniectomia descompressiva.(1, 2, 12) O uso da microdiálise cerebral em crianças vítimas de TCE grave ainda necessita de maiores estudos para definição de sua eficácia e importância na terapêutica destes pacientes, mas pode ser mais um meio para esclarecimentos sobre o metabolismo cerebral, auxiliando no paradigma do tratamento destas vítimas.(13) Em lesões cranianas (ósseas) pós-traumáticas, como as fraturas e afundamentos (Figura 2), existe grande controvérsia quanto ao manejo conservador ou cirúrgico. Figura 2 Tomografia do crânio com reconstrução óssea, evidenciando fratura e afundamento craniano. 92 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Considerar conduta cirúrgica quando apresentarem a região do afundamento maior que a espessura da tabua óssea adjacente, assim como em determinados traumas abertos com laceração do escalpe e comunicação com o meio externo, presença de déficits neurológicos decorrentes deste afundamento, afundamentos ósseos fora dos seios venosos durais, presença de sinais tomográficos que sugiram laceração da dura-máter e naqueles que comprometam a estética da criança.(14, 15, 16) Nos HED deve-se considerar o estado neurológico da criança (ECGl) e sinais de localização (como, por exemplo, anisocorias e déficits neurológicos), e o volume do hematoma (Figura 3). Considerar a possibilidade de cirurgia nos casos de rebaixamento do sensório e déficits neurológicos focais associados ao hematoma, e quando a espessura deste na TC de crânio for > 15 mm ou com desvio da linha média > 5 mm.(17) Figura 3 Volumoso hematoma epidural, em lactente vítima de queda da cama dos pais. Classicamente os hematomas epidurais são drenados por craniotomias.(17) No caso dos HSD, geralmente considerados cirúrgicos quando possuírem espessura > 10 mm, a depender do quadro clínico (sobretudo quando ECGl < 12); lembrar a avaliação do índice de Zumkeller e aventar a possibilidade, especialmente no caso de crianças abaixo Traumatismo Craniano na Infância 93 de 2 anos de idade, de TCE por abuso (síndrome do bebê sacudido). Nestes casos, a cirurgia pode variar desde uma punção transfontanela para evacuação do hematoma, sobretudo em crianças com traumas muito graves e hemodinamicamente instáveis, seguido pelas derivações subdurais subgaleais, subdurais peritoneais, craniotomias e até as craniectomias descompressivas. As craniotomias para drenagem destes hematomas estará indicada caso sejam agudos, possuam efeito de massa (associados a inchaço cerebral e desvio da linha média), lembrando que caso a opção seja de craniectomia descompressiva, esta deve ser considerada o mais breve possível.(5, 12) Salienta-se que alguns fatores associados a um pior prognóstico devem ser combatidos, ou ao menos evitados, para reduzir os danos cerebrais secundários, como a hipóxia, hipotensão, hipotermia acidental, hiperglicemia e distúrbios da coagulação.(9, 18) Além da ECGl, algumas escalas foram criadas no escopo de mensurar o risco de morte ou avaliar o prognóstico em crianças vítimas de TCE, a saber: PRISMA, Pediatric Trauma Score (PTS), Necker Cranial Injury Scale (NCIS), entre outras.(2, 9) Algumas delas destacam os fatores modificáveis de prognóstico, ou seja, em que o profissional que cuida desta criança pode agir e consequentemente reduzir o risco de morte ou melhorar o prognóstico destas vítimas.(2, 9, 18) As sequelas neurológicas em crianças vítimas de TCE variam desde déficits mínimos até a completa dependência, variando de acordo com a biomecânica e gravidade do trauma, rapidez e eficiência do atendimento e tratamento (pré-hospitalar e hospitalar). Concernente à letalidade, pode atingir valores altíssimos em vítimas de TCE grave (30%), sendo ainda maior nas vítimas de trauma craniano por abuso (síndrome do bebê sacudido).(4, 6, 9) Referências 1. 2. 3. Melo JRT. Estudo descritivo das características do traumatismo craniencefálico no Hospital Geral do Estado da Bahia/Salvador [Dissertação de Mestrado]. Salvador, Bahia, Brasil: Universidade Federal da Bahia; 2004. Melo JRT. Fatores preditivos para o prognóstico em crianças e adolescentes vítimas de trauma craniencefálico grave: análise em dois centros de referência e proposta de escala para avaliação inicial [Tese de Doutorado]. Salvador, Bahia, Brasil: Universidade Federal da Bahia; 2010. Melo JRT, Silva RA, Moreira ED Jr. Characteristics of patients with head injury at Salvador City (Bahia-Brazil). Arq Neuropsiquiatr. 2004;62(3A):711-714. 94 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 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Em 1872, Duchenne descreveu quatro casos e criou o termo “paralisa obstétrica”. Em 1874, Erb descreveu a paralisia C5/C6, e ainda em 1885, Klumpke descreveu a paralisia de tronco inferior. A primeira descrição cirúrgica foi de 1903, por Kennedy, mas os resultados ruins e pobres levaram ao abandono de tentativas cirúrgicas e o recomendado era o seguimento clínico, até que nos anos 80, com a microcirurgia, Gilbert descreveu as técnicas de reconstrução do plexo braquial. A lesão do plexo braquial pode decorrer do estiramento ou na avulsão das raízes da medula, e os fatores de risco são: • Distocia de ombro – aumenta em quase cem vezes o risco; • Macrossomia fetal – fetos com mais de 4,5 kg têm quatorze vezes maior risco; 96 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI • • • • • Apresentação de vertex; Parto com fórceps ou sob instrumentação – nove vezes o risco; Diabetes; Parto prolongado; Multiparidade. A cesárea diminui o risco, mas não o elimina totalmente e é responsável por apenas 1% dos casos, e parece estar relacionado a uma maior hipotonia do feto.(4) Anatomia O plexo braquial é formado por raízes de C5 a T1 em 75% da população, sendo que ele pode ter a participação de raízes de C4 (22%), ou ainda de T2 (1%). A lesão mais frequente acomete o tronco superior, que é formado por raízes de C5 a C6, e corresponde a 60% das lesões, sendo conhecida como paralisa de Erb. Quando há lesão de C7 associada é tida como Erb estendida, e são mais 20 a 30% das lesões. A lesão total do plexo, envolvendo raízes de C5 a T1, ocorre de 15 a 20%, e a paralisia do tronco inferior é rara e envolve C8 e T1, sendo conhecida como Klumpke (Quadro 1).(3) Quadro 1 Lesões do plexo braquial. Denominação Raízes Acometidas Déficit ERB – Tronco Superior C5 e C6 Abdução e rotação externa do ombro Flexão do antebraço ERB Estendida – Tronco Superior e Médio C5 a C7 Os acima acrescidos de déficits na extensão do cotovelo e dedos Klumpke C8 a T1 Intrínsecos da mão e flexores dos dedos Total C5 a T1 Todo o membro Fisiopatologia Geralmente a lesão decorre de uma flexão do pescoço com o ombro fixado ou pela tração longitudinal do braço, o que explica o acometimento preferencial do tronco superior. Paralisia Obstétrica do Plexo Braquial 97 Diagnóstico O diagnóstico é feito logo após o nascimento, devido à presença da paralisia, com a perda dos movimentos no membro superior, e pode ser avaliado ainda pela perda dos reflexos profundos e assimetria nos reflexos de Moro e da torção cervical. A presença de síndrome de Horner, caracterizada por enoftalmia, miose, ptose, e anidrose facial, indica, nestes casos, lesão de C8 e T1, e apresentam um pior prognóstico.(3, 5) Com o passar do tempo, somente a miose será facilmente reconhecida na criança. Os principais diagnósticos diferenciais são: fratura de clavícula, fratura de úmero, lesões cervicais e medulares, e ainda, a paralisia cerebral. As lesões associadas mais comuns são: hipóxia, paralisia do nervo facial ou frênico, fratura de úmero, da clavícula ou fratura cervical, luxação do ombro e o torcicolo. Uma vez feito o diagnóstico da paralisia obstétrica do plexo braquial é imperativo que seja feita a localizaçao anatômica e mensurada a gravidade da lesão, pois isto será determinante no prognóstico da possível recuperação espontânea. A progressão dos movimentos nos primeiros 3 a 6 meses é fundamental para este prognóstico.(5) Na avaliação clínica, o nível pode ser determinado pelos seguintes movimentos básicos: • • • • • C5 – Abdução do ombro e rotação externa do ombro C6 – Flexão do cotovelo C7 – Extensão do cotovelo C8 – Extensão dos punhos e dos dedos T1 – Musculatura intrínseca dos dedos A história natural da lesão mostra que até 90% das lesões apresentam recuperação quase completa até 2 meses. O aparecimento da função do bíceps entre 3 e 6 meses está associado a uma possível recuperação espontânea. Caso não ocorra ou ocorra após o 6º mês, o prognóstico de recuperação já decai muito, e a função presente no 9º mês é bem próxima do resultado final esperado da recuperação espontânea. O exame clínico das crianças é muito difícil, pois elas cooperam pouco e geralmente não obedecem a ordens, o que demanda muita paciência, além de exames clínicos repetidos, para não cansar a criança e se obter um exame mais fidedigno. 98 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI É importante adotar escalas de avaliação para que se possam repetir sistematicamente os exames. A escala mais utilizada é a Escala da Motricidade Ativa de Toronto (Quadro 2): Flexão do cotovelo; Extensão do cotovelo; Extensão do punho; Extensão do polegar; Extensão dos dedos. Estas avaliações devem ser repetidas com 3, 6 e 9 meses. No 9º mês, adota-se o Teste do Biscoito (Cookie Test), que consiste na capacidade da criança segurar um biscoito e levá-lo à boca sem flexionar a cabeça mais que 45 graus, o que significa que ela é capaz de fazer a abdução do ombro, a flexão do cotovelo e a rotação externa do úmero. Os exames subsidiários que podem ajudar são: radiografias do ombro, coluna cervical e tórax; ressonância magnética do plexo braquial e da coluna cervical; mielografia por ressonância ou por tomografia, que apresentam o mesmo valor preditivo e sensibilidade para o diagnóstico de pseudomeningoceles, que são características das avulsões, mas não são patognômonicas. Quadro 2 Escala da Motricidade Ativa de Toronto Escala Motora Toronto Observação Nota na escala Nota convertida (Toronto scale) Ação sem a gravidade Sem contração 1 0 Contração, sem movimento 2 0,3 Movimento < ou = à metade da amplitude 3 0,3 Movimento > ou = à metade da amplitude 4 0,6 Movimento < ou = à metade da amplitude 5 0,6 Movimento < ou = à metade da amplitude 6 1,3 Movimento pleno 7 2,0 Ação contra a gravidade Eletroneuromiografia (ENMG): muitos acreditam que os estudos por ENMG são menos úteis aqui que nos adultos, e que o diagnóstico clínico é o mais importante. Porém, um tipo de ENMG bastante precoce, Paralisia Obstétrica do Plexo Braquial 99 realizada após o 10º dia e antes dos 60 dias de vida, pode ajudar no prognóstico das lesões,(6) já que muitas vezes os prognósticos da ENMG tradicional são mais animadores que a recuperação realmente obtida. Tratamento O tratamento fisioterápico deve ser instituído assim que se fizer o diagnóstico para manter as articulações, ligamentos e musculatura com um grau adequado de mobilidade e estimulação. Não há tratamento medicamentoso. A indicação cirúrgica segue o fluxograma do final do capítulo.(7) Os pacientes com lesões completas envolvendo C8 e T1 devem ter indicação cirúrgica o mais breve possível, sendo razoável indicá-lo por volta do 2º ou 3º mês de vida. Os objetivos cirúrgicos são, por ordem de importância: • Recuperação da função da mão, flexão do cotovelo e, por último, a estabilização do ombro, ou seja, a sequência diametralmente oposta à desejada nas lesões envolvendo adultos. As opções cirúrgicas são: I) Neurólise: consiste na exploração e dissecção do plexo braquial, sendo sua indicação limitada aos casos em que existe uma regeneração neural comprovada, em andamento. II) Enxerto do nervo: consiste na ressecção do neuroma formado e colocação de enxertos, geralmente do nervo sural ou cutâneos, entre os cotos viáveis, fornecendo um arcabouço para o crescimento axonal. III) Neurotização ou transferência de nervos: tem o objetivo de transferir a função de um nervo motor “redundante” ou parte de uma função menos vital para outro nervo não funcionante, e tem boa indicação nas avulsões de raízes, lesões irreparáveis por outros meios e lesões muito extensas. Tem as vantagens de oferecer uma inervação doadora próxima da receptora, com um trajeto curto, seletivo (só motor ou só sensitivo) e com potencial de recuperação maior. Tem a desvantagem de poder gerar déficits na área doadora. O tratamento fisioterápico pós-operatório é fundamental e deve respeitar as características de cada tipo de cirurgia. Não se pode esquecer as deformidades articulares, especialmente a da articulação 100 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI glenoumeral, que estas crianças podem vir a desenvolver e que necessitam da avaliação de um ortopedista experiente. Paralisia obstétrica T1 funcionante e sem síndrome de Horner Escala de Toronto aos 3 meses Avulsão de T1 ou com síndrome de Horner Falha OK Escala de Toronto aos 6 meses Sem Progresso Indicação de cirurgia de nervo Progresso “Cookie teste” aos 9 meses Falha OK Sem cirurgia primária de nervo Referências 1. Foad SL, Melhlman CT, Ying J. The epidemiology of neonatal brachial plexus palsy in the United States. J Bone Joint Surg Am. 2008;90(06):12581264. Paralisia Obstétrica do Plexo Braquial 2. 3. 4. 5. 6. 7. 101 Greenwald AG, Schutte PC, Shiveley JL. Brachial plexus birth palsy: a 10 year report on the incidence and prognosis. 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Mestre pela Universidade de Brasília (UNB). E-mail: [email protected]. *O autor declara não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na elaboração do presente capítulo. Introdução Tumores do sistema nervoso central (SNC) são um grupo diverso de doenças que juntas constituem o tumor sólido mais comum da infância. Alguns têm um péssimo prognóstico enquanto outros podem ser curados. Melhoras sensíveis foram alcançadas na sobrevida de crianças e adolescentes com câncer. Entre 1975 e 2002, a mortalidade por câncer infantil diminuiu mais de 50%.(1) A causa da maioria dos tumores do SNC na infância é desconhecida. O tratamento tem melhor resultado quando o diagnóstico é feito corretamente, bem como o estadiamento da neoplasia. O tratamento ideal de uma criança com um tumor no SNC implica na atuação conjunta da neurocirurgia, neuropatologia, neurorradiologia, oncologia pediátrica, radioterapia, endocrinologia, fisioterapia e psicologia, todos com experiência em tratar essa patologia. Mais de 70% das crianças com tumores do SNC vão sobreviver mais de 5 anos, dependendo do tipo do tumor e do seu estadiamento. Podem ocorrer sequelas tanto pela presença do tumor quanto pelo tratamento aplicado.(2) Graças aos novos conhecimentos, temos novas perspectivas no diagnóstico, no manejo cirúrgico, no tratamento oncológico e na reabilitação dessas crianças. 104 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Diagnóstico por imagem O desenvolvimento das técnicas de neuroimagem facilitaram o diagnóstico e manejo dos tumores do SNC. Se antes da tomografia computadorizada (TC) e da ressonância magnética (RM) de crânio os tumores intracranianos só eram diagnosticados quando causavam hipertensão intracraniana e sinais focais, hoje em dia são frequentes os diagnósticos de tumores com sintomas mínimos ou mesmos encontrados de maneira incidental. A descoberta incidental de tumores do SNC pequenos provavelmente aumenta as chances de sobrevida dos pacientes.(3) As modernas técnicas de RM como espectroscopia, perfusão e RM funcional permitem que além da informação anatômica sejam obtidas informações fisiológicas sobre o metabolismo e hemodinâmica do tumor. Esses dados ajudam no manejo clínico das crianças com neoplasias do SNC. Perfusão: tumores cerebrais crescem mais rápido que a formação de vasos e ocorre hipóxia e liberação de citocinas angiogênicas. Os vasos tumorais assim produzidos são histologicamente anormais e mais permeáveis que o normal, além de serem mais desorganizados e tortuosos.(4) Tais alterações do fluxo sanguíneo são vistas na RM-perfusão dinâmica, ajudando a distinguir tumores de alto grau de malignidade, com alta perfusão, daqueles de baixo grau. Tal técnica permite também identificar áreas de tumor com alta perfusão, guiando a biópsia estereotáxica. Como as áreas de captação do contraste não representam as margens reais do tumor, provavelmente a RM-perfusão seja mais sensitiva definindo a real extensão da neoplasia. Isso pode ajudar no planejamento cirúrgico e radioterápico, diferenciar radionecrose de recorrência (radionecrose tem baixa perfusão) e na resposta à radioterapia (se houver diminuição na perfusão significa resposta ao tratamento, mesmo se o tumor continua a captar contraste). Espectroscopia: com essa técnica de RM podemos estudar o perfil metabólico de uma determinada região do cérebro, geralmente dominada por cinco picos metabólicos: colina (Cho, que reflete a formação de membrana celular), creatina (Cr, que traduz síntese de energia), N-acetil-aspartato (NAA, marcador de células neuronais), lactato (produzido no metabolismo anaeróbio e visto em necrose ou infarto) e lipídios (resultado de destruição de mielina ou células. Nos tumores cerebrais geralmente observa-se um pico de Cho e queda da NAA.(5) Neoplasias do Sistema Nervoso Central na Infância 105 O uso da espectroscopia pode ajudar a diferenciar o edema circundando uma lesão de um tumor infiltrativo. Difusão: com essa técnica, obtêm-se imagens que refletem a taxa de difusão de água em um determinado voxel (pixel tridimensional). Tem duas grandes aplicações: Na RM ponderada em difusão obtêm-se informações sobre danos a partes do sistema nervoso central. Na RM de tensor de difusão obtêm-se informações sobre os tratos nervosos. Com ajuda dessas técnicas, pode-se avaliar se a neoplasia infiltra ou desloca tratos importantes como o piramidal e ajudar na indicação e planejamento cirúrgico. RM funcional: essa técnica localiza áreas eloquentes do córtex cerebral responsáveis pela fala, força, memória. É mais utilizada para mapear a área da fala, sendo comum alterações da região da fala determinadas pelo tumor. É um exame que não é preciso em crianças mais jovens. A associação das diferentes técnicas de obtenção de imagens de RM proporciona aumento na informação diagnóstica não invasiva quando comparada à RM convencional.(6) Com diagnóstico mais preciso, consequentemente há benefício para o tratamento da criança portadora de tumor do SNC, com maior ressecção da lesão e melhor preservação do tecido nervoso. Cirurgia A neurocirurgia moderna para tumores do SNC tem evoluído para maximizar a ressecção segura do tumor, minimizando os riscos de lesão funcional ao tecido nervoso. O uso de microscópio cirúrgico e aspirador ultrassônico para ressecção dos tumores já faz parte do cotidiano do neurocirurgião pediátrico. O diagnóstico preciso da lesão, o conhecimento da história natural da neoplasia e um centro de atendimento multidisciplinar para a criança com um tumor cerebral são essenciais para obter melhores resultados. É importante lembrar que grandes avanços também ocorreram na anestesiologia e no manejo pós-operatório em unidades de terapia intensiva, sem os quais os resultados neurocirúrgicos não seriam obtidos. O princípio que a sobrevida aumenta com uma maior ressecção deve ser contrabalançado com o risco de perda funcional em ressecções radicais. Vários avanços tecnológicos foram desenvolvidos no sentido de aumentar a identificação 106 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI do tumor durante a cirurgia e ao mesmo tempo preservar a anatomia e a função cerebral, como a monitorização e estimulação neurofisiológica transoperatória, neuronavegação, ultrassom transoperatório, neuroendoscopia e ressecção guiada por fluorescência.(7) Monitorização fisiológica transoperatória: em crianças mais jovens não é possível a realização da craniotomia com o paciente acordado, tecnologia restrita a ser usada em adolescentes e adultos, quando se tenta mapear a área da linguagem. Em tumores próximos ao córtex motor, a melhor maneira de mapear a área motora é a estimulação elétrica cortical e subcortical durante a craniotomia aberta e observar os efeitos na criança. Essa estimulação permite identificar as vias motoras durante a ressecção da neoplasia,(8) limitando a ressecção do tumor para preservar a função, se necessário. Em crianças abaixo de 5 anos, o cérebro imaturo pode dificultar a identificação da área rolândica. A monitorização neurofisiológica ajuda na ressecção de tumores da fossa posterior, tanto na identificação das grandes vias neurais quanto nos nervos cranianos. Neuronavegação: a cirurgia guiada por neuronavegação baseada em RM pré-operatória é útil desde a incisão da pele, no planejamento da craniotomia e na correta localização da lesão. Se a RM pré-operatória usar técnicas de tensor de difusão, com tractografia, ajudam sobremaneira no planejamento da ressecção tumoral. A neuronavegação torna-se menos confiável após abertura da dura-máter e drenagem de líquor, pelos desvios que podem ocorrer. A neuronavegação ajuda em planejar a via de acesso mais adequadamente, posicionando melhor a craniotomia, evitando erros de trajetória e profundidade; traça a menor e melhor rota intracerebral, reduzindo o risco de lesão funcional; aumenta a chance de ressecção total da neoplasia. Ultrassom transoperatório: é consenso que a ultrassonografia transoperatória ajuda na localização e delimitação do tumor, no planejamento do acesso transcortical, na avaliação do grau de ressecção.(9) Além disso, é um instrumento de baixo preço e fácil uso, não depende de deslocamentos cerebrais que ocorrem após drenagem de líquor, pois fornece a imagem em tempo real. O ultrassom pode ser usado em conjunto com a neuronavegação, com fusão de imagens da RM, melhorando a eficiência do método. A ressonância magnética transoperatória, que pode determinar se ainda há tumor residual, tem limitações, principalmente pelo seu alto custo. Neoplasias do Sistema Nervoso Central na Infância 107 Microscopia confocal: a tecnologia que permite diagnosticar um tumor cerebral in vivo e identificar as margens tumorais durante a cirurgia são inovações que aumentam a chance de obter uma ressecção mais radical com menor morbidade.(10) Em tumores extra-axiais, a microcirurgia delimita os bordos do tumor. Para lesões intra-axiais, torna-se difícil a separação entre o tumor e o tecido normal. Essa tecnologia já vem sendo usada para identificação e ressecção de tumores na mucosa gastrointestinal, mucosa da bexiga, pele e olho. Consiste em injeção de fluorosceína que demarca o tumor, sendo mais bem visualizada em um microscópio construído com a tecnologia confocal, já disponível comercialmente por fabricantes tradicionais de microscópios cirúrgicos. Outros agentes além da fluorosceína também podem ser utilizados para marcação do tumor in vivo, como a indocianina verde e o ácido aminolevulínico. Essa tecnologia deve facilitar a ressecção tumoral, principalmente de suas margens. Neuroendoscopia: o uso da neuroendoscopia, que inicialmente foi empregado basicamente para tratamento da hidrocefalia, tem se diversificado com o passar do tempo. Hoje é o padrão de técnica cirúrgica no tratamento dos tumores de hipófise, substituindo o uso do microscópio convencional. Passou a ser utilizado para ressecção de tumores intraventriculares, contando com o uso de aspiradores ultrassônicos de tamanho e forma adequados para serem utilizados com o neuroendoscópio. Tem sido utilizado também para realização de biópsia de tumores ventriculares.(11) Em alguns tumores como os cordomas e craniofaringiomas, por vezes, é possível uma ressecção radical da lesão por via endonasal com uso do neuroendoscópio. Tumores císticos também podem ser tratados por neuroendoscopia. Biologia molecular Os tumores do SNC na infância têm um comportamento biológico diferente, mesmo para tumores com o mesmo diagnóstico histopatológico. A grande evolução das últimas duas décadas, que continua nos dias atuais no campo da biologia molecular e genética, veio ajudar o nosso conhecimento sobre essas patologias. Atualmente se consegue entender melhor por que uma criança portadora de um meduloblastoma clássico visto na coloração tradicional de hematoxilina e eosina tem comportamento biológico diverso de outra criança com mesmo 108 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI tipo de tumor, mas com achados de imuno-histoquímica diferentes. Esse conhecimento que ainda está em evolução ajuda no uso de terapias diferentes, com objetivo de obter uma melhora na qualidade de vida nas crianças com neoplasias do SNC. Meduloblastoma, como é o tumor mais frequente na faixa pediátrica, tem sido o tumor mais estudado. A classificação anterior dos subgrupos de meduloblastoma em alto risco e risco padrão não reflete a realidade do comportamento histológico do tumor, pois crianças com risco padrão por vezes têm tumores com comportamento agressivo. Classificação em subgrupos de acordo com o perfil imuno-histoquímico tem sido usada, mas com a ressalva de que novos conhecimentos podem trazer novas classificações. Meduloblastomas com expressão de beta-catenina do subgrupo WNT têm o melhor prognóstico, enquanto aqueles com expressão do proto-oncogene MYC têm o pior prognóstico.(12) A associação do perfil imuno-histoquímico com o achado histopatológico na coloração clássica de hematoxilina e eosina e, é claro, o quadro clínico da criança nos dão uma ideia mais acertada sobre o prognóstico e nos ajuda a planejar uma forma de tratamento mais adequado para a criança. O médico assistente da criança com neoplasia do SNC por vezes se confunde com o grande número de marcadores biomoleculares existentes, mas o conhecimento dos mais importantes com relação a um determinado tipo de tumor ajuda no manejo da criança, principalmente no programa de tratamento pós-operatório e no prognóstico, sendo estimulado a estudar os achados imuno-histoquímicos de cada caso. Radioterapia Apesar dos efeitos da radioterapia ionizante sobre um cérebro em desenvolvimento, a maioria das crianças com tumores do SNC necessita de tratamento radioterápico ao longo do tratamento. O tratamento muitas vezes é associado à quimioterapia, devendo ser programado em conjunto com o Oncologista Pediátrico quanto à modalidade, dose e volume da radioterapia. Uma dose adequada de radiação na neoplasia deve ser balanceada com a menor dose possível para o restante do SNC. Técnicas modernas como a radioterapia conformacional podem reduzir o risco de irradiação não desejada sobre o tecido nervoso normal. A discussão do caso com o cirurgião e oncologista deve ser feita para proteger estruturas nervosas eloquentes. Em alguns casos Neoplasias do Sistema Nervoso Central na Infância 109 está indicada a radioterapia intersticial, com implante de cateteres dentro do leito tumoral e uso de material radioativo que libera alta dose de radiação à neoplasia limitando a dose que chega ao tecido normal. A radiocirurgia é pouco utilizada em pediatria, mas pode ser usada em alguns casos selecionados. A radioterapia causa vários efeitos adversos na população pediátrica. Disfunção do eixo hipotálamohipofisário não é rara, incluindo baixa estatura e pan-hipopituitarismo. Crianças com risco de déficit hormonal devem ser tratadas por endocrinologista experiente em tais problemas. Toxicidade ionizante inclui radionecrose, mielopatia, leucoencefalopatia, lesão vascular, sequelas neuropsicológicas, anormalidades ósseas e dentárias, baixa visual, ototoxidade e indução de tumores secundários.(13) Apesar dos riscos, a radioterapia é importante no controle de neoplasias do SNC em crianças, melhorando a sobrevida e qualidade de vida. A técnica de radioterapia adequada pode reduzir os efeitos colaterais do tratamento. Quimioterapia Os diferentes esquemas de quimioterapia existentes refletem os diferentes tumores do SNC na infância. Tumores conhecidamente radiossensíveis como o meduloblastoma e o germinoma recebem quimioterapia para reduzir a dose de radiação mantendo a taxa de cura. Em crianças abaixo de 3 anos, quando não se pode usar radiação como tratamento, tenta-se a quimioterapia para mantê-las até uma idade em que possam ser tratadas com radioterapia. O meduloblastoma foi o primeiro tumor pediátrico a mostrar resposta à quimioterapia em trabalhos prospectivos.(14) Por outro lado, tumores como o glioma difuso de tronco continuam incuráveis. Os grandes avanços no conhecimento da biologia molecular dos tumores estão desviando o foco do tratamento quimioterápico para alvos moleculares cruciais para a proliferação do tumor, provavelmente menos tóxicos e mais efetivos. Espera-se que tal resposta funcione na prática clínica em um futuro próximo. Reabilitação O tratamento de uma criança com um tumor do SNC não acaba após a cirurgia ou após o tratamento radioterápico e quimioterápico. Crianças tratadas de um tumor do SNC têm morbidade elevada pelos efei- 110 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI tos tardios do tratamento. O aumento de sobrevida aumentou também a morbidade tardia. O apoio do médico assistente à criança e à família ajuda na reabilitação. Os efeitos relacionados ao tratamento incluem tumores secundários, déficit cognitivo, déficit endocrinológico, dificuldades psicossociais. Conhecendo os potenciais riscos de efeitos tardios do tratamento do tumor, um plano de acompanhamento e prevenção deve ser feito baseado no tipo e idade ao diagnóstico. A monitorização e tratamento precoce de eventuais problemas tardios irá melhorar a qualidade de vida do paciente. Essa monitorização deve envolver médicos, enfermeiras, assistentes sociais, psicólogos e membros da família para melhores resultados.(15) Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Smith MA, Seibel NL, Altekruse SF et al. Outcomes for children and adolescents with cancer: challenges for the twenty-first century. J Clin Oncol. 2010;28(15):2625-2634. Kulkarni AV, Piscione J, Shams I, Bouffet E. Long-term quality of life in children treated for posterior fossa brain tumors. J Neurosurg Pediatr. 2013;12(3):235-240. Solheim O, Torsteinsen M, Johannesen TB, Jakola AS. 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Introdução Diffusion tensor imaging (DTI)(1-4) é um método não invasivo promissório de ressonância magnética (RM) para estudo da organização anatômica dos principais tratos de substância branca de forma não invasiva. A localização e visualização acuradas dos tratos deslocados ou infiltrados em relação às lesões intracranianas são cruciais para o planejamento do tratamento(5) e potencialmente definidoras do prognóstico pós-operatório. Adicionalmente às áreas corticais eloquentes, estruturas profundas, tais como os principais tratos conectados a estas áreas eloquentes, devem ser preservadas durante a cirurgia. Imagens de DTI mostrando diferenças na anisotropia de tecidos permitem a diferenciação entre a substância branca e cinzenta,(6) além de terem a capacidade de identificar a orientação das fibras em cada voxel.(7) 114 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI A sequência DTI pode ser aplicada para identificar os principais tratos de substância branca, tais como o trato piramidal ou óptico, dando informações sobre o curso normal, deslocamento ou interrupções nas fibras próximas a um tumor, bem como alargamento dos feixes devido ao edema ou a infiltração tumoral.(8) Assim, esta sequência pode ser utilizada não apenas para a compreensão da conectividade cortical, da localização tractográfica e sua relação com a anatomia cortical e anormalidades cerebrais,(9, 11) mas também pode permitir a visualização pré-operatória dos tratos em pacientes com lesões expansivas.(8) Desta forma, os novos avanços se direcionam para as aplicações de DTI no pré, intra e pós-operatório, objetivando fornecer informações relevantes à área afetada pelo tumor.(10) A capacidade de imagens de DTI mostrarem alterações secundárias da substância branca causadas por diferentes lesões tumorais e doenças cerebrais, bem como seu potencial como método de planejamento para o tratamento e acompanhamento dos pacientes, tem sido amplamente discutida na literatura científica, com análise de pacientes com gliomas supratentoriais, comprometendo áreas eloquentes.(7, 12, 13) Apesar de todos estes notáveis avanços, o planejamento cirúrgico que combina a tractografia e neuronavegação ainda permanece uma tarefa desafiadora para os neurocirurgiões. O principal objetivo deste estudo é apresentar a experiência dos autores e avaliar os possíveis benefícios da neuronavegação associada à tractografia durante cirurgias intracranianas, enfatizando a sua utilização na população pediátrica. Metodologia Dezesseis pacientes com lesões intracranianas foram submetidos à cirurgia, guiada por neuronavegação associada à tractografia, no período de janeiro de 2011 a maio de 2014, no Centro de Neurocirurgia Pediátrica/CENEPE, São Paulo – Brasil. Os dados radiológicos dos pacientes foram provenientes do equipamento da General Eletric (Millwalkee, Wi, US), modelo HDXT de 1,5 Tesla. A tractografia neuronavegável foi realizada com o uso do software fibertracking (Brainlab®). A escolha dos tratos foi feita com base na região de interesse, onde os feixes puderam ser facilmente diferenciados. Tractografia e Neuronavegação 115 A seleção do trato se baseou na anisotropia fracional (AF) e no comprimento das fibras como parâmetros principais obtidos na região de interesse, previamente estabelecida. Após esta etapa, realizou-se a segmentação manual da lesão e a fusão entre as sequências de RM (como, por exemplo, T1 pós-contraste e DTI), possibilitando assim o preparo do sistema de neuronavegação. A fixação craniana foi obtida através do uso de fixador de cabeça tipo Mayfield com três pinos para pacientes acima de 4 anos e através do suporte de cabeça pediátrico tipo ferradura com fitas adesivas para aqueles com idade inferior. Para as cirurgias com utilização de endoscópio e de aspirador ultrassônico, foi realizada a calibragem do sistema de neuronavegação a estes equipamentos. O sistema de neuronavegação usado foi Vector Vision BrainlabR. Resultados Neste estudo foram analisados dezesseis pacientes pediátricos submetidos à cirurgia ou biópsia de lesões cerebrais no período de janeiro de 2011 a maio de 2014. O sistema de neuronavegação associado à tractografia foi utilizado em todas as abordagens. Dos dezesseis pacientes, doze eram do sexo masculino e quatro do sexo feminino, representando uma relação masculino/feminino de 3/1. A faixa etária foi de 2-12 anos com média de 7 anos. Quanto à localização, onze pacientes apresentavam lesões supratentoriais e cinco infratentoriais. Foram submetidos à cirurgia com objetivo de ressecção lesional doze pacientes (75%). Os quatro casos restantes (25%) foram submetidos à biópsia, sendo realizada por via endoscópica (dois pacientes) e através de punção por agulha fina, com sistema varioguide (dois pacientes). Considerando os procedimentos cirúrgicos realizados em onze pacientes submetidos à cirurgia com fim curativo, a excisão lesional completa foi alcançada em oito pacientes (72,7%) e parcial em três (27,3%). A mortalidade perioperatória foi nula e não houve evidência de novos déficits neurológicos no período pós-operatório. A localização lesional foi precisa em todos os casos, com boa acurácia. Surpreendentemente nós observamos que as referências intraoperatórias foram mantidas mesmo após ressecção de grande volume lesional, sem apresentar significativo brain shift. 116 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Caso 1 Paciente de 12 anos, sexo masculino, previamente hígido começou a apresentar cefaleia e vômitos com 15 dias de duração e início de diplopia. As imagens de RM evidenciaram lesão volumosa em fossa posterior com hidrocefalia supratentorial (Figura 1). As imagens de RM do neuroeixo não apresentaram alterações. Figura 1 Imagem (RM) em corte sagital T1 após contraste demonstrara volumoso tumor na fossa posterior, no interior do IV ventrículo. A fossa posterior foi abordada com paciente na posição sentada, acesso telovelotonsilar. O estudo histológico demonstrou ependimoma grau II (WHO). As imagens de ressonância magnética no período pósoperatório demonstraram presença de lesão residual. Como decisão multidisciplinar, a conduta inicial foi o uso de quimioterapia e avaliação de resposta após dois ciclos (Vincristina, Carboplatina, Ciclofosfamida, Mesna e Etoposide). A RM foi repetida após três ciclos, evidenciando lesão estável. Uma nova cirurgia foi proposta, sendo realizada com neuronavegação e tractografia, obtendo-se ressecção completa (Figura 2). Tractografia e Neuronavegação 117 Figura 2 Ressecção completa do tumor. Cirurgia realizada com neuronavegação e Tractografia. O segundo acesso cirúrgico foi telovelar, paciente em posição prona, com cabeça fixa ao suporte (três pinos). A calibração do bipolar foi realizada e a cirurgia foi guiada durante todo o período, com tempo total de 2 horas. A localização da lesão residual foi mais efetivamente determinada com a combinação de tractografia e neuronavegação (Figura 3). Figura 3 Localização tumoral precisa, após ser realizada a calibração (correspondente ao sistema de neuronavegação) do bipolar. 118 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Caso 2 Paciente de 2 anos, sexo feminino, começou a apresentar cefaleia e vômitos, refratários ao tratamento medicamentoso, associado à prostração progressiva. As imagens de RM evidenciaram lesão volumosa em corno occipital do ventrículo lateral direito (Figura 4). Figura 4 Volumosa lesão intraventricular, ocupando o Carrefour do ventrículo lateral direito, com captação heterogênea de contraste e edema perilesional importante. Foi indicada a cirurgia, sendo realizada tractografia e neuronavegação. Devido à localização lesional, foram selecionados o tracto corticoespinhal e a radiação óptica à direita de modo a auxiliar na decisão do acesso cirúrgico mais adequado (Figura 5). Como foi determinada a posição da radiação óptica ipsilateral à lesão, a trajetória para abordagem cirúrgica foi definida e optou-se pela abordagem occipitoparietal, sendo a craniotomia baseada na neuronavegação. Figura 5 Localização do trato corticoespinhal e da radiação óptica à direita. Tractografia e Neuronavegação 119 A abordagem foi realizada com o aspirador ultrassônico calibrado, sendo decisiva a cirurgia a quatro mãos, um neurocirurgião operando com visão microscópica e equipamentos calibrados e o outro acompanha pelo neuronavegador, orientando a proximidade das fibras planejadas. Além de uma ressecção precisa, houve uma redução do tempo cirúrgico, quando comparado à cirurgia convencional, compreendendo 4 horas no total. A ressecção foi completa e o diagnóstico histológico obtido foi carcinoma do plexo coroide. A paciente foi submetida à quimioterapia adjuvante (MTX, Carboplatina e etoposide; 2º ciclo: MTX + Ciclofosfamida e etoposide; 3º ciclo: ciclo + vincristina + carboplatina) e após completar 3 anos de idade (1 ano de follow-up) foi submetida à radioterapia. As imagens de RM com follow-up de 2 anos evidenciam excelente aspecto. A criança apresenta-se assintomática, com adequado desenvolvimento neuropsicomotor. Discussão A tractografia de substância branca baseada em DTI tem se tornado uma ferramenta amplamente aceita para estudo da arquitetura dos tratos do cérebro humano.(1, 2, 5, 7) Especificamente na população pediátrica, há poucas evidências do uso de DTI com enfoque no tratamento e resultados funcionais de ressecções lesionais, porém sua utilização é crescente. A análise retrospectiva de gliomas ópticos pediátricos demonstrou vantagens na preservação de vias visuais.(15) Há também notáveis estudos em relação a aparência radiológica de tumores de fossa posterior usando DTI.(16) Casos clínicos têm mostrado que esta sequência auxilia tanto no planejamento da ressecção cirúrgica quanto na diferenciação de gliomas ópticos e de craniofaringiomas não infiltrantes, localizados centralmente.(17) Certamente o número de pacientes investigados neste estudo é pequeno para generalizar os efeitos do método nos resultados clínicos; no entanto, foi importante para permitir a definição das margens seguras para ressecção e consequentemente minimizar os possíveis déficits neurológicos. Existem algumas revisões analisando os tratos supratentoriais(18) combinados à neuronavegação para ressecção de tumores intraparenquimatosos e de áreas eloquentes. Em alguns casos, a tractografia foi comparada com mapeamento subcortical feita pela estimulação 120 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI cerebral direta e permitiu a identificação precisa dos tratos de fibras eloquentes e melhora do desempenho e segurança cirúrgica, mantendo uma alta taxa de preservação funcional. Os resultados desta nova ferramenta podem ser influenciados por alguns fatores técnicos(19) tais como os limiares da anisotropia fracional utilizados para iniciar e cessar a marcação dos tratos(20) ou pelas características do tumor, tais como a histologia, a presença de edema e a localização.(21) A tractografia neuronavegável, como cada método novo, invariavelmente traz ao conhecimento científico uma mistura de novas fontes de erro ao mesmo tempo em que proporciona um aumento de controle sobre o procedimento cirúrgico. A tractografia tem três principais pontos fracos:(22) pode subestimar a espessura dos tratos,(19) não ser capaz de demonstrar a anatomia distorcida das fibras infiltradas por tumores(23) e perder sua confiabilidade quando o brain shift ocorre.(24, 25) Além disso, o programa utilizado para produzir as imagens de tractografia nem sempre é implementado juntamente ao software de aquisição da RM e a conversão de imagem entre as plataformas pode também produzir erros adicionais. Métodos que objetivam a redução do brain shift também devem ser empregados. Primeiramente, os pontos de referência devem ser revisados durante a cirurgia para garantir a acurácia da navegação. Em segundo lugar, o tamanho da craniotomia deve ser limitado ao mínimo necessário para expor a área tumoral.(18) Em terceiro lugar, é importante enfatizar algumas limitações inerentes ao uso da tractografia, tais como: a existência de diversos padrões de alteração estrutural quando o tumor envolve os tratos da substância branca e nenhuma medida clínica objetiva corresponde exclusivamente a um trato específico. Desta forma, o neurocirurgião deve programar sua própria cirurgia, tentando, dessa forma, reduzir tais limitações. Conclusão A navegação nos permitiu integrar e entender a correlação entre os dados pré e intraoperatórios. A capacidade da localização precisa é amplificada com a tractografia, reduzindo a morbidade e mortalidade. Não foram identificados problemas quanto à obtenção ou manuten- Tractografia e Neuronavegação 121 ção de referenciais (mesmo nos casos de crianças pequenas em que o crânio não foi fixado com pinos) ou com o emprego da técnica. No entanto, a avaliação e a determinação das regiões de interesse devem ser realizadas pelo neurocirurgião, pois além de ter um bom conhecimento anatômico das áreas envolvidas, define o posicionamento do paciente e a melhor abordagem, caso a caso, sendo fatores fundamentais para uma ressecção bem-sucedida. Surpreendentemente, o brain shift não foi notável em nossa casuística, independentemente da localização lesional e da fixação craniana, quando comparado à navegação convencional, sem tractografia. Um achado interessante, pois não houve perda dos referenciais no período intraoperatório, porém não foi avaliado de forma quantitativa. Esta experiência preliminar representou o início de um estudo piloto no Brasil utilizando tractografia e neuronavegação para a abordagem de lesões intracranianas na população pediátrica. A explicação para estes achados necessitará do planejamento de estudos clínicos futuros, em que se comparem a posição dos tratos imediatamente após a ressecção e após um período maior (como, por exemplo, 24 ou 48 horas após a cirurgia) para que se possa definir quantitativamente a velocidade de retorno dos tratos à sua posição original. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Basser PJ, Jones DK. Diffusion-tensor MRI: theory, experimental design and data analysis – a technical review. NMR Biomed. 2002;15(7-8):456-467. Mori S, Zhang J. Principles of diffusion tensor imaging and its applications to basic neuroscience research. Neuron. 2006;51(5):527-539. Dijkhuizen RM, van der Marel K, Otte WM, Hoff EI, van der Zijden JP, van der Toorn A, van Meer MP. Functional MRI and diffusion tensor imaging of brain reorganization after experimental stroke. Transl Stroke Res. 2012 Mar;3(1):36-43. Epub 2012 Jan 24. 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Tractografia e Neuronavegação 123 21. Goebell E, Paustenbach S, Vaeterplein O, Ding XQ , Heese O, Fiehler J et al. Low-grade and anaplastic gliomas: differences in architecture evaluated with diffusion-tensor MR imaging. Radiology. 2006;239:217-222. 22. Bozzao A, Romano A, Angelini A, D’Andrea G, Calabria LF, Coppola V, Mastronardi L, Fantozzi LM, Ferrante L. Identification of the pyramidal tract by neuronavigation based on intraoperative magnetic resonance tractography: correlation with subcortical stimulation. Eur Radiol. 2010;20(10):2475-2481. 23. Schonberg T, Pianka P, Hendler T, Pasternak Osaf Y. Characterization of displaced white matter by brain tumors using combined DTI and fMRI. Neuroimage. 2006;30(4):1100-1111. 24. Dorward NL, Alberti O, Velani B, Gerritsen FA, Harkness WF, Kitchen ND, Thomas DG. Postimaging brain distortion: magnitude, correlates, and impact on neuronavigation. J Neurosurg. 1998;88(4):656-662. 25. Roberts DW, Hartov A, Kennedy FE, Miga MI, Paulsen KD. Intraoperative brain shift and deformation: a quantitative analysis of cortical displacement in 28 cases. Neurosurgery. 1998;43(4):749-758. Tratamento Cirúrgico da Epilepsia na Infância Marcelo Volpon Santos1 Hélio Rubens Machado2 Ricardo Santos de Oliveira3 Neurocirurgião, Médico Assistente da Divisão de Neurocirurgia Pediátrica 1 Professor Titular e Chefe da Divisão de Neurocirurgia Pediátrica 2 Professor Associado da Divisão de Neurocirurgia Pediátrica Departamento de Cirurgia e Anatomia. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP 3 *Os autores declaram não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na elaboração do presente capítulo. Introdução A moderna era da epilepsia inicia-se na segunda metade do século XIX, fruto do trabalho de três neurologistas britânicos – Sir William Richard Gowers, Russell Reynolds e o notável Sir John Hughlings Jackson. Nesse período, os conceitos básicos da epileptologia foram desenvolvidos. Vale ressaltar que já nessa época, mais precisamente em 1886, a ressecção cortical como tratamento para a epilepsia já fora descrita por Sir Victor Horsley,(1) e que, poucos anos após, no início do século XX, Walter Dandy já realizava complexas cirurgias de epilepsia, como hemisferectomias.(2) Apesar do trabalho destes pioneiros, a difusão da cirurgia para epilepsia intratável ocorreu realmente na década de 1950, com as publicações de Wilder Penfield e Theodore Rasmussen.(3, 4) Atualmente, a cirurgia como modalidade de tratamento para pacientes com epilepsia intratável, seja ela paliativa ou curativa, está plenamente incorporada ao arsenal terapêutico dos centros que lidam com esta patologia em todo o mundo e apresenta excelentes resultados. 126 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Princípios Gerais e Conceitos Define-se epilepsia como o estado de crises convulsivas recorrentes, sendo doença crônica que atinge indivíduos em todas as faixas etárias, e acomete 1 a 2% das crianças.(5, 6) Na infância, a epilepsia é mais comum nos primeiros anos de vida, e sua incidência diminui progressivamente com o aumento da idade, ocorrendo em cerca de 100 crianças para cada 100.000 nascimentos no primeiro ano de vida, em 40 crianças para cada 100.000 nascimentos nos 9 anos subsequentes, e em cerca de 20 indivíduos para cada 100.000 adolescentes.(7) Em 75% destes casos, as crises epilépticas serão bem controladas em um ano; nos 25% restantes, a epilepsia será refratária ao tratamento clínico-farmacológico e o tratamento cirúrgico deverá ser aventado, se possível.(8) Alguns conceitos devem ser estabelecidos para se compreender o verdadeiro papel da cirurgia no tratamento da epilepsia; são eles:(6) – Zona epileptogênica: área cortical responsável pela geração de crises, cuja remoção é suficiente para deixar o paciente livre de convulsões. – Zona sintomatogênica: área cortical responsável pelos sintomas das crises epilépticas, quase sempre contida ou próxima à zona epileptogênica, mas cuja remoção não é necessária para controle das crises. – Zona irritativa: área cortical envolvida na geração de descargas epileptiformes interictais. – Zona de início ictal: área em que se detecta, na eletroencefalografia, o início da crise. – Lesão epileptogênica: área ou lesão anatômica visível macroscopicamente ou em exames de imagem, que pode ser responsável pela geração de crises, e que geralmente está incluída na zona epileptogênica, mas pode ser menor que ela. Deste modo, depreende-se facilmente que o objetivo da cirurgia de epilepsia é a ressecção completa da zona epileptogênica, e assim possibilitar ao paciente maior chance de cura ou controle da doença. Entretanto, não é possível demarcar com exatidão esta zona em todos os pacientes, e muitos deles serão candidatos a cirurgias paliativas, que efetivamente têm também um impacto favorável na redução do número Tratamento Cirúrgico da Epilepsia na Infância 127 e morbidade das crises epilépticas. Embora o controle total das crises seja o objetivo comum de qualquer indicação cirúrgica, a redução destas e da quantidade de medicamentos anticonvulsivantes, per se, já propicia melhora comportamental e do desenvolvimento intelectual e cognitivo. Sabe-se que a precocidade da indicação cirúrgica é o fator isolado mais importante na obtenção de bons resultados, e que as drogas antiepilépticas não alteram o prognóstico da doença, portanto, o tratamento cirúrgico não deve ser protelado. Finalmente, é válido ressaltarmos as diferenças entre a epilepsia na infância e em adultos.(9) Embora existam muitas semelhanças, e grande parte do conhecimento em epilepsia infantil é extrapolado de trabalhos em adultos, há diferenças relevantes que influenciam tanto na avaliação pré-operatória quanto no tratamento cirúrgico escolhido. Crianças têm um limiar epiléptico mais baixo, que resulta em maior ocorrência de epilepsia catastrófica (e consequente atraso no desenvolvimento). Em relação ao substrato patológico, a epilepsia lesional é relativamente mais comum na faixa etária pediátrica, em oposição à esclerose mesial temporal, cuja incidência é várias vezes superior no adulto. Por outro lado, a semiologia e a eletrofisiologia na epilepsia pediátrica também é distinta: auras e manifestações focais precoces, importantes na localização da origem das crises em adultos, são raras em crianças, e as epilepsias generalizadas são mais prevalentes na infância. Etiologia Diferentemente da epilepsia nos adultos, na infância, a esclerose mesial temporal tem menor incidência, ocorrendo em 39% das crianças versus 87% nos adultos.(7) Dentre os fatores etiológicos, a displasia cortical é majoritariamente a mais frequente, seguida pelos tumores cerebrais, gliose e por fim a esclerose mesial, respectivamente (Tabela 1). Acrescem-se a estas causas as facomatoses, a encefalite de Rasmussen, a epilepsia mioclono-astática e a Síndrome de Ohtahara (encefalopatia epilética infantil de início precoce caracterizada eletrograficamente por atividade surto-supressão). 128 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Fatores etiológicos observados nos pacientes submetidos à cirurgia no Centro de Cirurgia de Epilepsia (CIREP) Pediátrico, HC-USP-Ribeirão Preto, de 1994 a setembro de 2009. Tabela 1 Etiologia Displasia cortical 92 Tumor 48 EMT 44 Gliose 47 Rasmussen 25 Esclerose tuberosa 13 Porencefalia 13 Normal 8 Sturge-Weber 8 Atrofia difusa 6 MAV 3 Sem diagnóstico 6 Total 313 Seleção de pacientes para cirurgia de epilepsia na infância De maneira geral, o objetivo principal da cirurgia de epilepsia pediátrica é o controle das crises, de preferência total; porém, como afirmado acima, muitas vezes o controle parcial das crises já propicia melhora comportamental e cognitiva. Estima-se que 90% do crescimento e maturação cerebral ocorram até os 5 anos de idade, e intensa atividade sinaptogênica e dendrítica permanece até os 7 anos de idade, tornando este período propício para melhor recuperação pós-operatória.(7) Ressalta-se que na infância a ocorrência de plasticidade neuronal é máxima, e várias áreas corticais eloquentes têm ótima capacidade de reorganizar seus circuitos, além de poder haver representatividade funcional em ambos os hemisférios cerebrais,(10) o que permite que a recuperação seja extraordinária. Portanto, de maneira geral, é imperativo que a cirurgia seja indicada precocemente e reali- Tratamento Cirúrgico da Epilepsia na Infância 129 zada em centros especializados, com equipe multidisciplinar experiente e programa de reabilitação bem estabelecido. Deve-se avaliar a real presença de intratabilidade clínica, identificação do local de início ictal, sua etiologia e possibilidade de remoção cirúrgica. É necessário ainda que se possa determinar um prognóstico cirúrgico, para melhor tomada de decisão, tanto pela equipe médica quanto pelos familiares do paciente. Os pacientes candidatos à cirurgia para tratamento de epilepsia intratável devem passar por rigoroso protocolo de avaliação pré-operatória, a fim de se identificar com precisão a área a ser ressecada e evitar possíveis complicações, especialmente cognitivas. A evolução das técnicas de neuroimagem e o refinamento dos métodos eletrofisiológicos permitiram cumprir estes objetivos. No Centro de Cirurgia de Epilepsia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP (CIREP), todos os pacientes são submetidos ao seguinte protocolo: – Avaliação clínica/neurológica pormenorizada; eletroencefalografia (EEG) de escalpo; ressonância nuclear magnética de crânio (RNM); videoeletroencefalografia (Vídeo-EEG) ictal e interictal; avaliação neuropsicológica e psiquiátrica; avaliação social. Em casos selecionados, tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT), RNM funcional, avaliação eletrográfica invasiva (eletrodos corticais) e teste de Wada. Sumário das principais síndromes epilépticas da infância e adolescência Com efeito, a epilepsia na faixa etária pediátrica apresenta-se mais complexa, podendo coexistir, em um só paciente, crises tônicas ou clônicas, crises de ausência, crises generalizadas ou parciais complexas.(7) Crises generalizadas podem ter início focal e serem assim passíveis de tratamento cirúrgico curativo. A maioria dos pacientes encaixa-se em uma das síndromes epilépticas descritas no Quadro 1. A partir disso, é possível, conseguintemente, avaliar a indicação de tratamento cirúrgico. 130 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Síndromes epilépticas passíveis de tratamento cirúrgico.(7) Quadro 1 Síndromes epilépticas Síndromes hemisféricas Malformações focais Síndrome de West Sturge-Weber Displasias focais tipo I e II DNT Síndrome de Lennox-Gastaut Encefalite de Rasmussen Heterotopias Gangliogliomas Síndrome de LandauKleffner Malformações do desenvolvimento cortical Esclerose tuberosa Gangliocitomas displasicos Isquemias hemisféricas Tumores Hamartomas hipotalâmicos Oligodendrogliomas Xantoastrocitomas Cavernomas Técnicas cirúrgicas Após o estabelecimento da intratabilidade da epilepsia e a conclusão da avaliação pré-operatória completa em determinada criança, o tratamento cirúrgico dever ser oferecido, de acordo com os resultados obtidos nesta avaliação, e orientado principalmente pela doença subjacente e pela região a ser abordada. Um painel geral das indicações de cada cirurgia encontra-se no Quadro 2. Do ponto de vista do tipo de cirurgia empregada, a lobectomia temporal, mesmo sendo menos frequente em crianças que em adultos, ainda é o procedimento mais realizado nesta faixa etária, seguido pelas hemisferotomias e outras ressecções (Tabela 2). Técnicas gerais e preparo do paciente As técnicas cirúrgicas gerais seguem os padrões estabelecidos na prática neurocirúrgica pediátrica. Costumamos permitir a presença de familiares próximos, junto à criança, até o centro cirúrgico e logo após a cirurgia na sala de recuperação, de maneira a minimizar os fatores de estresse. Procedimentos anestésicos habituais, como acessos veno- Tratamento Cirúrgico da Epilepsia na Infância 131 Principais indicações dos diferentes procedimentos cirúrgicos para tratamento da epilepsia infantil. Quadro 2 Procedimento cirúrgico Indicações Lesionectomias Lesões focais (tumores, displasias focais, MAV, etc.). Lobectomia temporal Todas as epilepsias temporais, devendo ser individualizadas. Ressecções extratemporais Zona epileptogênica compreendendo outros lobos cerebrais, podendo ser fruto de lesão focal ou de alterações epileptogênicas em todo o lobo (frontal, parietal, occipital, ínsula). Calosotomia Hemiplegia infantil, síndrome de Lennox-Gastaut, epilepsia do lobo frontal, epilepsias multifocais. Estimulação elétrica vagal Síndrome de Lennox-Gastaut, síndrome de LandauKleffner, epilepsia multifocal, drop attacks. Hemisferectomia Epilepsia hemisférica unilateral, como a encefalite de Rasmussen, Sturge-Weber, hemimegaloencefalia, epilepsia hemiplégica hemiconvulsiva, porencefalia, atrofia hemisférica. Quadrantectomia posterior Lesões extensas envolvendo o quadrante posterior (displasias corticais, Sturge-Weber, outras malformações). sos, monitorização invasiva da pressão arterial, cardioscopia, intubação orotraqueal, infusão de drogas, transfusões, sondas gástricas e vesicais, devem ser realizados de acordo com o procedimento a ser realizado e com os protocolos de cada serviço. Lesionectomias São ressecções focais indicadas na presença de lesões definidas (como tumores, angiomas cavernosos e displasias) em que haja prefeita congruência entre a área da lesão e a zona epileptogênica.(11) As displasias corticais focais constituem armadilhas a estas ressecções, uma vez que é contumaz a ocorrência de lesões não visíveis à RNM. Assim, em alguns casos, pode ser preferível a realização da chamada tailored resection (ressecção padronizada), devendo-se delimitar a área de ressecção por meio de eletrocorticografia intraoperatória e/ou avaliação invasiva com eletrodos subdurais.(11) 132 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Lobectomia temporal Realizada de modo individualizado para as patologias do lobo temporal, de acordo com os limites da lesão em questão (na infância, a esclerose mesial temporal responde por 40% dos casos, seguida das displasias corticais com outros 40% e os tumores com 20%).(8) Por vezes é necessária ressecção temporal até a transição com o lobo occipital, e uma parcela dos casos apresenta apenas epilepsia temporal neocortical, não sendo necessária a ressecção padrão. A lobectomia temporal anteromesial clássica(12) é mais indicada nos casos de esclerose mesial ou tumores amígdalo-hipocampais. Em nosso serviço, utilizamos a técnica de lobectomia temporal que envolve a ressecção de 4 a 4,5 cm (hemisfério não dominante) ou 3,5 a 4 cm (hemisfério dominante) a partir da ponta do lobo temporal, ressecando-se a amígdala e o hipocampo após a entrada no corno temporal do ventrículo lateral. Procedimentos cirúrgicos realizados no Centro de Cirurgia de Epilepsia (CIREP) Pediátrico, HC-USP-Ribeirão Preto, de 1994 a setembro de 2009. Tabela 2 Tipo de Cirurgia n Lobectomia temporal 94 Hemisferectomia 75 Lesionectomia 58 Calosotomia/VNS 19 Ressecção multilobar 05 Lobectomia frontal 18 Corticectomia focal 14 Lobectomia occipital 09 Quadrantectomia posterior 21 Reoperações 20 Total 313 Hemisferectomias/Hemisferotomias Em 1983, Rasmussen publicou trabalho em que descrevia sua elegante técnica de desconexão hemisférica associada a pequenas ressecções.(5) Tratamento Cirúrgico da Epilepsia na Infância 133 Desde então várias técnicas foram desenvolvidas, como a hemidecorticação, a parassagital (Delalande),(14) a transsilviana (Schramm),(15) e a peri-insular (Villemure).(16) A técnica cirúrgica a ser escolhida dependerá da conformação do cérebro patológico, e também da familiaridade e experiência da equipe cirúrgica. A não ser em casos selecionados, em nosso serviço temos empregado a hemisferotomia funcional peri-insular descrita por Villemure,(16) que envolve a ressecção do opérculo frontoparietal, acesso ao ventrículo lateral para calosotomia completa, desconexão frontal e fornicectomia, ressecção temporal mesial e corticectomia da ínsula. A hemisferectomia é o procedimento cirúrgico de escolha para os casos de encefalite de Rasmussen, hemimegaloencefalias, atrofias e porencefalias hemisféricas, sequelas de isquemia de troncos arteriais, dentre outras patologias.(16) Ressecções extratemporais Constituem a maior porcentagem dos procedimentos cirúrgicos para epilepsia em crianças, e referem-se a lobectomias isoladas (frontal total ou parcial – paramediana, frontopolar e de convexidade lateral, parietal, occipital), corticectomias delimitadas ou ressecções multilobares.(9) A patologia mais frequente nestes casos é a displasia cortical, seguida pelas neoplasias e demais síndromes epilépticas.(8) Neste contexto, assume extrema importância o estudo eletrofisiológico, devendo-se realizar avaliação invasiva com implantação de eletrodos corticais sempre que necessário, inclusive para monitorização de áreas eloquentes, especialmente motoras e de linguagem. O prognóstico depende da doença de base e da extensão da ressecção. Calosotomia/Estimulação elétrica vagal São procedimentos paliativos que visam diminuir a frequência e a morbidade das crises epilépticas, especialmente dos traumatismos ocasionados pelos drop attacks e outras crises atônicas e mesmo tônicas. A calosotomia pode ser total ou parcial, e envolve a realização de craniotomia frontoparietal parassagital com desconexão sob técnica microcirúrgica.(8) Devido aos seus riscos inerentes, relacionados prin- 134 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI cipalmente à retração cerebral, além de resultados desanimadores, este procedimento vem sendo abandonado e/ou substituído pela estimulação vagal. A estimulação elétrica vagal consiste na implantação de eletrodos no nervo vago cervical e, apesar de seu mecanismo exato não ser conhecido, acredita-se que ele ocorra a partir dos impulsos transmitidos a núcleos epileptogênicos do cerebelo, giro do cíngulo, diencéfalo e centros do tronco (núcleos da rafe, locus ceruleus, formação reticular).(16) Transecções subpiais múltiplas Descritas por Morell em 1989,(17) consistem na confecção de múltiplas linhas de secção transcortical superficial, com o objetivo de interromper as conexões corticais horizontais e diminuir a propagação e disseminação da atividade epiléptica, e de maneira a preservar a função da área transectada. Utilizada principalmente em cirurgias que envolvem áreas eloquentes, oferece resultados satisfatórios em cerca de 40% dos casos,(8) sendo também indicada em casos de síndrome de LandauKleffner, embora, nestes casos, o resultado seja controverso.(8) Complicações/Prognóstico A cirurgia de epilepsia na infância, à primeira vista, acarreta maior risco de complicações, uma vez que impõe a crianças muitas vezes debilitadas o risco de uma cirurgia de grande porte, além do potencial risco de instalação ou piora de déficits neurológicos. No entanto, se observarmos a evolução destas crianças em longo prazo, veremos uma frequência inaceitável de traumatismos, ocorrência de status epilepticus, morte súbita e declínio cognitivo, dentre outros problemas, complicações estas que podem ser evitadas pelo tratamento cirúrgico. Há uma baixa incidência no que se refere à ocorrência de complicações operatórias agudas, como hemorragias, hidrocefalia e infecções, e, consensualmente, consideram-se as cirurgias para tratamento da epilepsia bastante seguras. Com relação ao prognóstico, este depende sobremaneira da patologia de base e da extensão da ressecção cirúrgica. A porcentagem de sucesso geral é alta, alcançando, na nossa casuística, liberdade de crises (Engel I) em 64,8% dos casos,(8) e pode ser ainda Tratamento Cirúrgico da Epilepsia na Infância 135 maior em determinadas situações, como a epilepsia temporal, por exemplo, que tem resultados semelhantes aos adultos.(9) Em caso de manutenção do quadro epiléptico, a avaliação clínica e subsidiária descrita deve ser repetida e a reoperação deve ser considerada. Conclusão A cirurgia de epilepsia na infância tornou-se método eficaz no tratamento desta condição, e deve ser indicada nos casos de epilepsia intratável, preferencialmente o mais precoce possível. As peculiaridades da epilepsia na criança devem ser consideradas para se obter resultados otimizados. A epilepsia extratemporal encerra maior número de casos comparativamente aos adultos, porém o lobo temporal ainda predomina como sede do início ictal, e dessa forma, os resultados obtidos são muito animadores. A opção cirúrgica deve levar vários fatores em consideração, como a idade da criança, patologia de base e aspectos eletrofisiológicos. A plasticidade neuronal e a possibilidade do lado contralateral assumir funções superiores são importantes aliados do cirurgião e potencializam a recuperação pós-operatória, propiciando o objetivo final comum de uma criança sem crises e sem déficits neurológicos. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. Horsley V. Brain surgery. BMJ. 1886;2:670-675. Dandy WE. Removal of the right cerebral hemisphere for certain tumors with hemiplegia. JAMA. 1928;90:823-825. de Almeida AN, Marino R Jr. The early years of hemispherectomy. 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Doenças Cerebrovasculares na Infância Hamilton Matushita(1a) Tamlyn Tiemi Matushita(2) Daniel Cardeal(1b) Fernanda Andrade(1c) Divisão de Neurocirurgia Pediátrica Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo 1 Professor Livre Docente Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Responsável pela Divisão de Neurocirurgia Pediátrica. a Médico Assistente da Divisão de Neurocirurgia Pediátrica Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo b Doutora pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Médico Assistente. c Acadêmica de Medicina da Faculdade de Medicina do ABC. 2 *Os autores declaram não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na elaboração do presente capítulo. Introdução O acidente vascular cerebral (AVC) constitui na manifestação clínica comum às doenças cerebrovasculares. O AVC é definido como a oclusão súbita ou ruptura de artérias ou veias, resultando em danos cerebrais focais ou globais, cujos sinais perdurem por 24 ou mais horas ou que leve a óbito, sem causa aparente, outra que não de origem cerebrovascular. O AVC pode ter origem isquêmica ou hemorrágica, embora estes mecanismos possam ser concomitantes. O AVC em crianças difere dos ocorridos em adultos. A apresentação pode ser sutil, principalmente na infância, e uma variedade de fatores etiológicos específicos está associada a sua origem. O diagnóstico de AVC em crianças frequentemente é atrasado devido a sua relativa infrequência 138 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI e da falta de familiaridade com este diagnóstico. Revisaremos neste artigo duas das principais doenças cerebrovasculares que comprometem as crianças. MALFORMAÇÃO DA VEIA DE GALENO Introdução As malformações da veia de Galeno (MVG) são raras e constituem 1% de todas as malformações cerebrovasculares. Estas malformações vasculares manifestam-se precocemente na infância, têm origem congênita e caracterizam-se pela presença da dilatação da veia de Galeno, decorrente de grandes aferências arteriais e malformações dos sistemas de drenagem venosa. Acredita-se que a origem embriológica da MVG decorra da persistência da veia mediana do prosencéfalo de Markowski.(1) Esta veia embrionária é precursora da veia de Galeno e drena as veias coroideias do plexo coroide na vida embrionária durante o primeiro trimestre gestacional. Esta veia não drena o córtex cerebral profundo, através de veias cerebrais internas. A persistência da veia de Markowski mantém as artérias nutridoras de sua parede, levando ao desenvolvimento de fístulas diretas arteriovenosas. Estas artérias fazem parte do círculo límbico formado pelas artérias pericalosas anteriores e posteriores ao redor do corpo caloso. As veias cerebrais internas não drenam para a veia de Galeno malformada e seguem curso lateral para veias temporais. Angiograficamente, não existe refluxo pra as veias cerebrais internas nas verdadeiras malformações da veia de Galeno.(2) Quadro Clínico A manifestação clínica está relacionada com a idade, embora atualmente muitos casos sejam diagnosticados no período pré-natal, devido ao amplo uso do ultrassom durante o período gestacional.(3) Durante o período neonatal, a forma mais comum de apresentação da MVG são as manifestações cardíacas, relacionadas à insuficiência cardíaca congestiva.(4) A ocorrência de desvio sanguíneo através da fístula arteriovenosa cerebral, maior que 25% do débito cardíaco, leva à sobrecarga cardíaca. A combinação de alto débito cardíaco necessário para Doenças Cerebrovasculares na Infância 139 compensar a fístula arteriovenosa e a alta pressão endocárdica pode ocasionar isquemia e infarto miocárdico. No cérebro, o fluxo sanguíneo preferencial para a fístula ocasiona o roubo de fluxo arterial, que combinado à hipertensão venosa e disfunção miocárdica leva à isquemia e infartos cerebrais. A mortalidade de crianças com diagnóstico pré-natal de MVG é de 25%.(3) Macrocrania e ventriculomegalia estão presentes em crianças menores de 2 anos de idade. Atualmente admite-se que a ventriculomegalia decorra da alteração hidrodinâmica do líquor, em função da diminuição de sua absorção nas vilosidades aracnoides, ocasionadas pela hipertensão venosa nos seios sagitais.(5) Classificação O planejamento terapêutico e o prognóstico das crianças dependem da classificação. Yasargil(2) classificou a MVG em quatro tipos, dependendo da localização da fístula: tipo I (fístula interna pura, única ou múltipla, nutridas pelas artérias pericalosas ou artérias cerebrais posteriores); tipo II (existe o envolvimento de artérias talamoperfurantes); tipo III (forma mista dos tipos I e II); e tipo IV (não representa a MVG verdadeira, pois está associada à malformação arteriovenosa) (Figura 1). Lasjaunias et al.(6) propuseram classificação anatômica em dois tipos. Figura 1 Malformação da Veia de Galeno tipo III de Yasargil – A. Angiografia carotídea interna direita em perfil, B. Angiografia vertebral esquerda em anteroposterior. 140 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI MVG verdadeira (quando existe fístula direta arteriovenosa) e MVG falsas (quando associadas à MAV adjacentes). As MVG verdadeiras são subclassificadas em Murais e Coroideias, dependendo da nutrição arterial. Tratamento e Prognóstico O tratamento da MVG ainda encontra-se em evolução. Por tratar-se de lesões profundas e de grande complexidade vascular, o tratamento cirúrgico não tem resultado muito melhor em relação a sua evolução natural. Revisão da literatura realizado por Johnston et al.(7) reuniu noventa e dois pacientes não tratados, que mostrou mortalidade de 77,2% e com apenas 7% de crianças normais. Neste estudo a mortalidade em neonatos foi de 96%. As principais causas de mortalidade foram complicações cardíacas em neonatos e infartos cerebrais repetidos e contínuos em crianças maiores, decorrentes do roubo de fluxo sanguíneo cerebral. As tentativas de tratamento cirúrgico das MVG apresentam resultados ruins. Hoffman et al.,(8) em tratamento cirúrgico para oclusão da fístula, apresentou mortalidade de 57%, sendo mais alto no subgrupo de neonatos (87%). Em revisões destas séries da literatura, a mortalidade está relacionada com a idade. Decorrente das dificuldades da oclusão cirúrgica da fístula e das dificuldades técnicas cirúrgicas, novas técnicas de tratamento se desenvolveram baseadas num conceito mais racional, que é o tratamento endovascular. O tratamento endovascular inclui técnicas transarteriais, transvenosas e transtorculares. Estas técnicas têm apresentado resultados superiores à oclusão microcirúrgica. No entanto, ainda apresentam taxas de morbidade e mortalidade altas. Lasjaunias et al.(9) relataram mortalidade de 8% e morbidade de 75% com técnicas de oclusão transarterial. MOYAMOYA Introdução A doença Moyamoya (DMM), por definição, constitui de doença cerebrovascular estenótica, idiopática, progressiva, bilateral dos vasos do polígono de Willis (PW). O nome oficial da doença, oclusão espon- Doenças Cerebrovasculares na Infância 141 tânea do PW, faz referência ao evento principal da doença, entretanto, a doença é mais conhecida pelos eventos secundários da mesma, ou seja, pela formação de rede de circulação colateral que se forma na base do cérebro. Esta circulação colateral, formada de vasos finos e delicados, aparece nos exames angiográficos com aspectos nebulosos formados por pequenos vasos. Esta aparência mal definida dos vasos fez com que Suzuki et al.,(10) em 1966, utilizasse a palavra japonesa Moyamoya – que significa: coisas mal definidas, obscuras, nebulosas, como a baforada da “fumaça de cigarro” – para definir esta vasculopatia. Critérios diagnósticos Os critérios diagnósticos da DMM foram estabelecidos pelo Ministério de Saúde e Bem-estar do Japão, cuja última revisão está a seguir relatada(11): 1. A angiografia cerebral por cateterismo (ACC) é indispensável para o diagnóstico (exceto como será discutido posteriormente) e deve apresentar os seguintes achados: a. Estenose ou oclusão da porção terminal da ACI ou da porção proximal das ACA e ACM. b. Rede vascular anormal demonstrada na fase arterial nas vizinhanças da lesão estenótica ou oclusiva. c. Estes achados devem ser bilaterais. 2. Quando a RNM ou Angio-RNM claramente demonstrarem os seguintes achados, a angiografia convencional não é mandatória: a. Estenose ou oclusão da porção terminal da ACI ou da porção proximal das ACA e ACM e rede vascular anormal nos gânglios da base na Angio-RNM. b. A rede vascular anormal também pode ser diagnosticada quando mais de duas “ausências de sinal de fluxo” forem detectadas nos gânglios da base na RNM. c. Os achados a e b devem ser bilaterais. d. Devido à ocorrência de lesões vasculares similares secundárias a outras doenças serem particularmente prováveis em adultos, o diagnóstico baseado em RNM e Angio-RNM sem a ACC é recomendada somente em crianças. 142 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI 3. Devido à etiologia da DMM ser desconhecida, doenças cerebrovasculares associadas com as seguintes doenças ou condições não devem ser diagnosticadas como DMM: arterioesclerose, doença autoimune, meningites, neoplasia cerebral, Síndrome de Down (SDw), Neurofibromatose 1 (NF1), Trauma cranioencefálico, Radioterapia, ou outras doenças conhecidas. As Categorias Diagnósticas da Doença de Moyamoya são: DMM Definitivo – devem preencher os critérios diagnósticos da angiografia convencional ou da RNM e Angio-RNM, e todas as doenças cerebrovasculares conhecidas devem ser excluídas. Em crianças, contudo, um caso com: (a) Estenose ou oclusão da porção terminal da artéria carótida interna e da porção proximal da artéria cerebral anterior ou media e com (b) Rede vascular anormal demonstrada na fase arterial nas vizinhanças da lesão estenótica ou oclusiva demonstradas quer seja na angiografia convencional ou na Angio-RNM de um lado; e com estenose significante da porção terminal da artéria carótida interna contralateral também é definitivo, conquanto que outras doenças cerebrovasculares conhecidas sejam excluídas. DMM Provável – preenchem os critérios 1a, b ou 2a, b mais o critério 3, mas com envolvimento unilateral. Outras denominações são utilizadas (Pseudomoyamoya, Síndrome Moyamoya, Quase-Moyamoya, Vasculopatia “Moyamoya-like”, Fenômeno Moyamoya, “Rui-Moyamoya disease”, e “Akin-to-Moyamoya disease”) quando as alterações angiográficas são similares e aparecem em outras vasculites do sistema nervoso central algumas condições adquiridas e associadas a algumas doenças congênitas. Aspectos Clínicos A DMM é encontrada principalmente na população da Ásia Oriental, tendo muitos casos sido relatados predominantemente no Japão, Coreia, e China. Embora a DMM tenha sido considerada, até recentemente, mais prevalente na população asiática, pode afetar indivíduos de muitas etnias, e existe incidência crescente na população americana e europeia. Embora a etiopatogenia da DMM seja desconhecida, fatores Doenças Cerebrovasculares na Infância 143 genéticos e adquiridos (ambientais) têm sido implicados na doença. Algumas doenças genéticas cromossômicas apresentam alterações esteno-oclusivas similares no PW, como a Neurofibromatose 1, Síndrome de Down, Anemia de Fanconi, e Anemia Falciforme. A estimativa de formas familiares na população japonesa é de 10%. Os sinais e sintomas da DMM são divididos em cinco categorias: Episódio Isquêmico Transitório, Infarto isquêmico, Hemorragia, Crise epiléptica e outros. Embora existam variações étnicas na apresentação clínica dos pacientes, na faixa pediátrica há um nítido predomínio das manifestações isquêmicas, e em adultos o predomínio é para as hemorragias intracranianas. Os eventos isquêmicos na DMM resultam de um descompasso entre o fluxo sanguíneo regional e as demandas metabólicas cerebrais. Como as demandas metabólicas e o fluxo sanguíneo cerebral (FSC) correspondente são maiores em crianças do que em adultos, pequenas quedas do FSC em crianças podem ter maiores repercussões isquêmicas.(12) Estudos Diagnósticos A doença ou a síndrome pode ser diagnosticada por suas características radiológicas observadas na ACC ou na Angio-RNM e RNM. A característica fundamental consiste na estenose ou oclusão bilateral da ACI intracraniana, associada à formação de circulação colateral na base do cérebro. Variações das técnicas de Angio-RNM (3D-TOF ou 2D-TOF) podem priorizar a melhor visibilização da estenose arterial ou dos vasos Moyamoya na base do cérebro(13) (Figuras 2 A e B). Em RNM de rotina podem ser observadas imagens hipointensas vasculares na base do cérebro e o “sinal da Hera”, esta última refletindo a vasodilatação de vasos corticais. A DMM é uma doença progressiva e os achados angiográficos refletem várias fases da evolução da doença. Estas alterações são recíprocas entre as alterações esteno-oclusivas dos vasos do PW e o desenvolvimento da circulação colateral compensatória. Seguem abaixo as alterações morfológicas da circulação cerebral na DMM (Figuras 2 C e D) (Quadro 1).(14) O estudo do metabolismo e perfusão cerebral pode ser utilizado na determinação de indicação cirúrgica e para estimar a melhora hemodinâmica pós-operatória. O estado hemodinâmico instável é 144 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI caracterizado por: diminuição do FSC, aumento do VSC, e aumento da Fração de extração de O2. Estes pacientes apresentam baixa reserva circulatória e apresentam estado de Misery perfusion. Figura 2 Doença Moyamoya – A. RNM em T1 coronal demonstrando vasos moyamoya em núcleos da base, mais evidentes à direita; B. Angio-RNM em visão coronal evidenciando estenose da ACI e de ramos proximais da ACA e ACM bilateral, e vasos moyamoya na base do cérebro; C e D – ACC demonstrando moyamoya estágio III de Suzuki. Quadro 1 Estadiamento Angiográfico da DMM(14) Estágio Alterações angiográficas Estágio 1 Estenose da bifurcação da ACI Estágio 2 Início dos vasos Moyamoya. Todos os vasos cerebrais estão dilatados Estágio 3 Intensificação dos vasos Moyamoya. Estenose da ACM e ACA é observada. Estágio 4 Diminuição dos vasos Moyamoya. Estenose da ACP é observada Estágio 5 Redução dos vasos Moyamoya. Falta de todas as artérias cerebrais Estágio 6 Desaparecimento dos vasos Moyamoya. FSC nutrição arterial cerebral somente pela Artéria Carótida Externa Doenças Cerebrovasculares na Infância 145 Tratamento Apesar de não haver evidências comprovadas, por estudos pareados e randomizados, das vantagens da revascularização cerebral sobre o tratamento clínico, ou mesmo da necessidade de qualquer forma de tratamento sobre o curso natural da doença, a maioria dos autores, baseados em casuísticas próprias, geralmente indica tratamento cirúrgico para a DMM em crianças. Revisão de literatura recente realizado por Fung et al.(15) identificou cinquenta e sete trabalhos, no OvidMedline, que corresponderam a 1448 pacientes. A maioria dos trabalhos era de autores japoneses e 10% de instituições ocidentais. As revascularizações cerebrais indiretas foram os procedimentos mais realizados: isoladamente em 73% e combinados com revascularização direta em 23%. A qualidade dos trabalhos revisados por Fung et al.(15) foi relativamente ruim, evidência grau III, de acordo com Scottish Intercollegiate Guidelines Network Grading Scheme (1998), portanto, orientação para cirurgia foi de recomendação grau C. No entanto, trabalhos relatados de instituições únicas ou múltiplas e cooperativos têm mostrado que a revascularização cerebral cirúrgica é efetiva e segura, podendo reverter parâmetros hemodinâmicos pré-operatórios, prevenir a deterioração neurológica e influir na melhora da qualidade de vida em longo prazo.(12, 16, 17) A hipoperfusão cerebral é um estímulo poderoso para formação de circulação colateral, e o curso benigno de alguns pacientes pode ocorrer, pois a oclusão carotídea pode ser lenta o suficiente para que ocorram as alterações compensatórias. A configuração anatômica dos vasos cerebrais também auxilia na evolução da doença. Pacientes com PW incompleto, presumivelmente, teriam menor oportunidades de compensar os efeitos da obstrução do sistema carotídeo. Portanto, pacientes que apresentam perfusão adequada do cérebro com seus vasos colaterais desenvolvidos em tempo e quantidade adequados têm menores chances de desenvolverem sintomas isquêmicos e menores necessidades de cirurgia. As indicações de consenso na literatura mundial, para o tratamento cirúrgico da DMM, incluem: progressão dos sintomas, evidências de infartos múltiplos, e evidências de queda do FSC. O objetivo do tratamento cirúrgico na DMM é o restabelecimento do FSC para a região isquêmica. Muitas técnicas cirúrgicas foram desenvolvidas para o tratamento da DMM. Estas técnicas podem ser 146 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI divididas em dois grandes grupos: revascularização cerebral direta e indireta. Revisão de literatura realizada por Fung et al.(15) evidenciou cinquenta e sete estudos sobre a DMM, correspondente a 2218 hemisférios operados. Destes, 4% foram operados por técnica direta, 73% por técnica indireta, e 23% com combinação direta e indireta. Obtiveram melhora dos sintomas 87% dos pacientes, e não houve diferença significativa entre as técnicas diretas e indiretas, embora, a formação colateral foi significantemente maior nas técnicas diretas. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. Raybaud C, Strother C, Hald J. Aneurysms of the vein of Galen: embryonic and anatomical features relating to the pathogenesis of the malformation. Neuroradiology. 1989;31:109-128. Yasargil MG. Microsurgery. vol 3, pp 323-357, New York. Thieme, 1988 Rodesch G, Hui F, Alvarez H, Tanaka A, Lasjaunias P. Prognosis of antenatally diagnosed vein of galen aneurysmal malformations. Child’s Nerv Syst. 1994;10:79-83. Cumming G. Circulation in neonates with intracranial arteriovenous fistula and cardiac failure. Am J Cardiol. 1980;45:1019-1024. Zerah M, Garcia-Monaco R, Rodesch G, Terbrugge K, Tardieu M, de Victor D, Lasjaunias P. Hydrodynamics in the vein of Galen malformations Child’s Nerv Syst. 1992;8:111-117. 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Cuidados Operatórios em Neurocirurgia Pediátrica José Aloysio Costa Val1 Leopoldo Mandic Furtado2 1 Mestre em Cirurgia pela Faculdade de Medicina da UFMG. Serviço de Neurocirurgia Pediátrica do Biocor e Vila da Serra Nova Lima, MG 1, 2 *Os autores declaram não possuir nenhum conflito de interesse envolvido na elaboração do presente capítulo. Introdução A neurocirurgia pediátrica difere da neurocirurgia convencional por características distintas: trata crianças com variedade de porte e desenvolvimento físico (do recém-nato prematuro ao adolescente) e contempla doenças por vezes inexistentes entre os adultos. De outro modo, algumas características das crianças a tornam mais susceptíveis a complicações operatórias: baixa tolerância a sangramentos, pele fina e tela subcutânea escassa, sistema imunológico em desenvolvimento, crânio delgado, intolerância à hipotermia, tênue equilíbrio hidroeletrolítico e o desenvolvimento emocional incompleto. Por este motivo, a prática da neurocirurgia pediátrica é diversa e baseada em detalhes, que se manifestam pelos cuidados que envolvem o manejo da criança no pré, intra e no pós-operatório. Neste trabalho, procuramos compilar estes cuidados, baseados na experiência acumulada em nosso Serviço, que geram maior segurança e melhor resultado. Método Entre 1994 e 2014 cerca de duas mil e quinhentas neurocirurgias infantis foram realizadas pela equipe de Neurocirurgia Pediátrica do Hospital Biocor e Vila da Serra. Durante este período, além das 150 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI técnicas convencionais, diversas outras foram desenvolvidas e aperfeiçoadas para tratar estas crianças. Muitos destes procedimentos foram padronizados, envolvendo todas as etapas do tratamento. As técnicas, que englobam os cuidados pré, intra e pós-operatórios, foram divididas em dois grupos: cuidados gerais, presentes em boa parte dos procedimentos, e específicos, para cada procedimento em particular. Estes cuidados foram compilados e descritos a seguir. RESULTADOS E DISCUSSÃO Cuidados gerais: Abordagem da família A comunicação em pediatria é realizada com os pais, sobretudo com a mãe, ou cuidadores. Desespero, inconformismo e incompreensão são constantes e devem ser gerenciados pelo neurocirurgião pediátrico. Explicação prolongada da enfermidade, do procedimento, do pósoperatório, repetidas vezes se necessário, devem sempre ocorrer. O auxílio da psicologia hospitalar por vezes é imprescindível. Caso ocorra complicação é necessário esclarecer à família e estar sempre presente, por mais desagradável e injusta que seja a situação. Jamais se pode perder a paciência, sobretudo com a mãe. No momento da alta, explicar exaustivamente os cuidados, necessidade de retorno e possíveis intercorrências. Interface com anestesiologia Assim como o neurocirurgião, o ideal é que o anestiosologista seja treinado e tenha prática em neurocirurgia pediátrica. Muitas intervenções, como as craniossinostoses, por exemplo, apresentam uma complexidade técnica diversa, e o anestiosologista deve conhecer os tempos da operação e antever possíveis intercorrências. A avaliação pré-anestésica deve sempre ser realizada, preferencialmente pelo profissional que realizará o procedimento. O preparo da sala e dos equipamentos anestésicos deve ser dedicado à pediatria. A prevenção da hipotermia e hipovolemia é preocupação constante. O cuidado com alergias específicas, como látex, exige intervenção em ambiente isento de látex (latex free). O uso de ácido tranaxêmico na indução anestésica, Cuidados Operatórios em Neurocirurgia Pediátrica 151 podendo ajudar no controle do sangramento, é um exemplo da interação.(4) Momento da operação, ambiente da sala Idealmente as crianças pequenas devem ser operadas pela manhã, evitando-se jejum prolongado e hipoglicemia. Caso não seja possível, orientar ingestão de líquidos claros até 4 horas antes. A criança não pode ser exposta a salas com refrigeração sem estarem e serem mantidas aquecidas. O uso de mantas térmicas, por meio de ar quente, permite aquecimento difuso pelo corpo. O acesso à sala deve ser restrito sobretudo em situações de baixo peso e prematuridade. Prevenção de contaminação pela pele Em toda cirurgia eletiva a pele da criança deve ser descolonizada com solução de clorexidine por banho nos três dias que antecedem. A tricotomia é mínima e realizada após a indução anestésica, apenas no local da incisão(8) (Figura 1). Figura 1 Cuidados no posicionamento: craniossinostose (não é realizada tricotomia). O curativo é feito pela equipe cirúrgica e manipulado por esta ou pela enfermagem treinada. Na medida do possível devem-se evitar 152 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI procedimentos, sobretudo próteses, em crianças por muito tempo hospitalizadas, pela colonização da pele por bactérias nosocomiais. Planejamento cirúrgico Em determinadas situações, é necessário prever de antemão as dificuldades e já planejar possíveis cenários. O exemplo mais comum são tumores em crianças de baixo peso. Por vezes, é necessário que o procedimento seja realizado em diversos tempos, em momentos distintos. A opção de se terminar o procedimento em segurança, antes de se perder o controle, deve já ter sido colocada para a família e ser tomada pelo cirurgião sem constrangimento. Situações em que o prosseguimento pode acarretar riscos, como em lipomas medulares ou sangramento em neuroendoscopia, também podem levar a abortar o procedimento. Posicionamento e preparo A criança é muito frágil, e o posicionamento deve ser cuidadoso, prevenindo lesões secundárias. Proteção aos olhos, extremidades ósseas e articulações deve ser partilhada entre a equipe cirúrgica e anestésica (Figura 1). O uso de soluções iodadas deve ser evitado em crianças muito pequenas, pela chance de absorção cutânea (hiperiodismo). A fixação por três pinos deve ser evitada em crianças abaixo de 3 anos. Hemostasia Em todo o tempo cirúrgico a preocupação com a hemostasia deve acontecer, pois a perda de pequenos volumes é representativa para as crianças menores. O que se economiza em um momento pode significar segurança quando a perda ocorrer. A abertura da pele cuidadosa, centímetro a centímetro, uso de ponteira de diatermia cutânea (tipo ColoradoR), hemostasia rigorosa antes de prosseguir para o plano seguinte são a prática. Nos momentos subsequentes são mantidos os mesmos cuidados (Figura 2). O manuseio do osso deve ser sempre realizado com materiais delicados (fresas, brocas), dedicados à pediatria, sempre novos. Todo sangramento deve ser controlado antes de se seguir adiante. O uso de hemostáticos de fibrina propicia controle rápido de sangramento. Cuidados Operatórios em Neurocirurgia Pediátrica 153 Figura 2 Hemostasia rigorosa e proteção do seio ao dissecar a fontanela anterior. A cera de osso deve ser usada com parcimônia, pois predispõe à contaminação e granulomas. O uso de craniótomo piezossônico é de auxílio em situações específicas, como a retirada do rebordo orbitário.(5, 6) A aspiração constante, como utilizada em adultos, deve ser desencorajada, pois se perde a noção do volume do sangramento. Pós-operatório Atenção à família, esclarecimento de todo o processo pós-cirúrgico, das possíveis intercorrências hospitalares e, após a alta, retirada dos pontos, medicação necessária criam um ambiente favorável para boa evolução. Sobretudo no relacionamento com a mãe, é necessária muita paciência. Todos os ambientes que a criança permaneça devem ser humanizados e preparados para a faixa etária. Cuidados específicos: Fossa posterior A craniotomia deve ser sempre realizada, com a reposição do retalho ósseo, minimizando a chance de fístula e propiciando planos diferenciados em eventual reoperação. A dissecção muscular látero-inferior deve ser muito cuidadosa pela proximidade do plexo venoarterial 154 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI vertebral, medializado nas crianças. O uso de substitutos durais deve ser considerado, pois a dura-máter quase sempre retrai e é muito difícil se conseguir material autógeno para plastia. Na vigência de Chiari II atentar ao posicionamento do seio transverso, inferior e direcionado caudalmente, e à presença de outros seios acessórios, que tornam a abertura dural extremamente difícil e perigosa, com sangramento incontrolável se não previsto. Em lesões que envolvem o tronco e pares cranianos, o uso de monitorização eletrofisiológica é recomendável, adaptado à faixa etária. Tumores encefálicos O maior erro é abordar os tumores com a mesma técnica de adultos. O ideal é otimizar o acesso com auxílio de neuronavegação ou estereotaxia, poupando tempo e lesão tissular. Em crianças menores de 2 anos é impossível a fixação em três pinos e instalação de arco de estereotaxia, favorecendo a neuronavegação magnética. Durante a microscopia, o sangramento deve ser mantido sob controle todo o tempo. Aspiração ultrassônica deve ser usada com parcimônia, em áreas controladas e sempre com o domínio do sangramento. Por vezes, é necessário encerrar o procedimento, com a criança ainda bem, e retomá-lo posteriormente. Esta possibilidade deve ser antecipada à família. Craniossinostoses Talvez a mais icônica das operações, pois é uma técnica diversa, extensa em crianças pequenas. A interação com a anestesiologia, o cuidado com posicionamento, normotermia, presença do sangue na sala, acesso venoso eficiente (duas veias periféricas) sempre muito difícil, cateterização arterial para PIA e sondagem vesical são pressupostos básicos para iniciar o procedimento. A incisão de pele deve ser planejada, já que há mudança da conformação craniana, permitindo fechamento sem tensão e com bom aspecto estético. Hemostasia rigorosa em todos os planos, só prosseguindo com o campo exangue (Figura 2). Caso haja sangramento, agudo ou continuado, as medidas compensatórios pelo anestesiologista devem preceder a manifestação clínica. Deve-se trabalhar para evitar a hemotransfusão, porém realizá-la quando Cuidados Operatórios em Neurocirurgia Pediátrica 155 necessário. O uso de materiais de fixação óssea absorvíveis é mais seguro, eficiente e causa menos complicações. O fechamento de pele pode ser realizado com fios cutâneos absorvíveis, pela extensão da ferida e o desgaste emocional em retirá-los. Porém, como este material causa reação inflamatória, a família deve ser esclarecida dos cuidados específicos. Idealmente a criança deve ser enviada extubada ao CTI infantil. O blefarohematoma extenso, sempre presente nas abordagens orbitárias, deve ser antecipado aos pais e não necessita medidas terapêuticas específicas. Neuroendoscopias Posicionamento correto, com a cabeça acima do nível do coração e em posição neutra, deve ser observado pela equipe cirúrgica e anestésica. O estudo prévio dos exames para o posicionamento correto do ponto de entrada é particularmente importante. Mesmo nas abordagens tradicionais, não é incomum um aumento dos cornos frontais em lactentes, o que torna as medidas clássicas inúteis. Assim, o ponto de entrada deve ser definido caso a caso. Em abordagens em outras regiões do crânio, o cuidado é o mesmo. O uso da neuronavegação magnética é útil em situações especiais (ventrículos pequenos, deformados, multicistos etc.).(7) Na região frontal, é aconselhável a minicraniotomia pela fontanela anterior, com melhor aspecto estético e menos chance de fístula(2) (Figura 3). Irrigação é por solução à temperatura corporal, sempre checada pela equipe. Em crianças macrocéfalas e com ventri- Figura 3 Minicraniotomia para neuroendoscopia. 156 A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI culomegalia deve ser constante para evitar o desabamento do encéfalo. Durante a ventriculoscopia é necessária atenção à anatomia. As estruturas cerebrais por vezes são diminutas, muito mais próximas e friáveis. Uso de neuroendoscópio delicado e cuidado técnico são necessários. Em crianças muito pequenas é aconselhável que o neurocirurgião já seja experiente na técnica. Ao retirar o neuroendoscópio, ocluir imediatamente a abertura cortical, evitando entrada de ar e saída de líquor. Fechamento hermético dos planos, podendo ser necessário o uso de plástica dural e selante de fibrina nas crianças com pouco córtex. DVP A lógica é tornar a cirurgia importante, sempre realizada por cirurgião experiente. Idealmente deve ser a primeira cirurgia do dia, com restrição de acesso a sala.(3) A técnica simples, de preferência com apenas duas incisões, parietal e abdominal.(1) A prótese deve ser conhecida e previamente escolhida pelo cirurgião. Deve ser aberta no último instante e instalada imediatamente. A trepação do tamanho suficiente apenas para a passagem do cateter. O procedimento o mais rápido possível, sem ser corrido. No pós-operatório, crianças macrocéfalas devem ser mantidas em decúbito horizontal pelo risco de hiperdrenagem. Evitar o decúbito sobre o reservatório como prevenção à escara de pele e exposição do sistema. Disrafismos Inicialmente sempre considerar as crianças como alérgicas a látex e tornar o ambiente cirúrgico isento deste composto (latex free). Nas mielomenigoceles, o procedimento deve ser eletivo, após cesariana eletiva. O neurocirurgião pode estar presente ao parto, ou orientar a UTI no pós-natal imediato quanto aos cuidados na situação específica. É realizado o US transfontanela logo após o nascimento, servido como parâmetro para exames futuros. A operação é realizada pela equipe cirúrgica principal em sala limpa, por técnica microcirúrgica, o que leva em melhor resultado funcional e melhor prognóstico. O uso de substituto durais, quando não há dura-máter disponível, deve ser considerado, pois previne fístula liquórica e a medula ancorada subsequente. O auxílio da cirurgia plástica pode ser interessante quando há Cuidados Operatórios em Neurocirurgia Pediátrica 157 pouca pele. No pós-operatório a criança é mantida com a cabeceira plana e o decúbito mudado constantemente. O curativo é mantido sob visão e trocado pela equipe cirúrgica ou pela enfermagem treinada. O US é repetido diariamente e o aumento do sistema ventricular é parâmetro para a DVP, antecipando os sintomas de hipertensão intracraniana. Nas medulas ancoradas por disrafismo aberto ou fechado são tomados os mesmos cuidados relativos ao látex. A família deve ser prevenida que pode haver piora do quadro clínico no pósoperatório, mesmo que temporário. A monitorização eletrofisiológica é rotina e o entrosamento com a neurofisiologia é necessário, já que a interpretação pode ser confusa. A identificação dos planos cirúrgicos pode ser muito difícil, mas fundamental para a progressão da cirurgia. Por vezes, é necessário abortar a operação, sobretudo em lipomas que se continuam com a medula sem plano de clivagem. O fechamento deve ser o mais hermético possível, mais uma vez recorrendo a substituto durais quando necessário. É necessário evitar deixar planos mortos. No pós-operatório é mantido a cabeceira plana por 48/72 horas e o decúbito mudado de 3 em 3 horas, a ferida monitorada pelo risco de contaminação e SVA usada se necessário. A fisioterapia é precoce. Conclusão A neurocirurgia pediátrica requer cuidados especiais, baseado em detalhes que compreendem o pré, intra e pós-operatório. Atenção à família, sobretudo à mãe, compreensão e respeito às particularidades fisiológicas das crianças e adaptação da prática diária a estas particularidades devem nortear as técnicas que envolvem o procedimento. Esforços devem ser feitos para padronizar estas ações no serviço e constituir uma prática diária e intuitiva, natural para todos envolvidos no tratamento. A observação destas técnicas beneficia as crianças e potencializam a chance de boa evolução. Referências 1. Costa Val J A, Furtado LM, Sá FR, Barbosa R. Derivação ventriculoperitoneal. A técnica tem influência na incidência de infecções? 158 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. A Neurocirurgia Pediátrica no Século XXI Estudo retrospectivo de 353 casos consecutivos. Jornal Brasileiro de Neurocirurgia. 2008;19:28-33. Costa Val JA. Minicraniotomy for endoscopic third ventriculostomy in babies: technical note with a 7-year-segment analysis. Child’s Nerv Syst. 2009;25:357-359. Choux M, Genitori L, Lang D, Lena G. 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J Neurosci Nurs. 2012;4:149-156. “Livros são abelhas que levam o pólen de uma inteligência a outra.” (James Lowell) A Editora UNA fornece suporte editorial e gráfico de primeira qualidade para autores e empresas de todo o Brasil, que atribuem para si a honrosa missão de enriquecer o mercado editorial nacional com produções de talentos da nossa terra. Visite nosso site e saiba mais sobre a produção de obras literárias independentes. Siga-nos também nas principais redes sociais para manter-se atualizado sobre nossos sorteios, novidades e promoções. Caixa Postal 8086 Rio de Janeiro – RJ – CEP: 21032-970 E-mail: [email protected] Site: www.EditoraUNA.com.br Fale Conosco: Em regiões metropolitanas ligue sem DDD: 4062-0660 ramal 0852. Nas demais regiões use o DDD 41. 2004–2015 Editora UNA – União Nacional de Autores Valorizando a Cultura Nacional Descubra como publicar o seu livro, visitando o nosso site: www.EditoraUNA.com.br