trabalho

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Concepções de linguagem e ensino gramatical.
Alba Maria Perfeito – UEL
0
INTRODUÇÃO
As concepções de linguagem, relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, têm
sido abordadas, embora de forma sucinta, por diversos autores.
Nesse sentido, ao discutir uma alternativa de ação para a crise de ensino
instalada no país, desde há 30 anos, particularmente a de Língua Portuguesa, Geraldi
(1984) propõe uma questão prévia a respeito do processo de ensino-aprendizagem.
“Para que ensinamos o que ensinamos? e sua correlata para que as crianças aprendem o
que aprendem”. (op. cit. p. 42).
Conforme o autor e outros estudiosos da área, no caso específico do ensino da
língua materna, a possível resposta envolve a articulação metodológica entre uma
concepção de linguagem e sua correlação com a postura educacional. Atendo-se a
considerar o aspecto relativo à concepção de linguagem, propõe, basicamente, três
modos de concebê-la: como expressão do pensamento; como instrumento de
comunicação e como forma de interação.
Consideramos, tal como os autor, que a discussão deste tema é de fundamental
importância nos cursos de formação de professores que ministram Língua Portuguesa.
Desse modo, o enfoque do artigo em tela é discutir as concepções de linguagem,
as teorias que lhe são subjacentes, confrontando-as com a prática dos professores, em
termos de ensino gramatical. Faz parte do Projeto de Pesquisa "Escrita e ensino
gramatical: um novo olhar para um velho problema", constituído por professores,
alunos de graduação e pós-graduação da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em
conjunto com a Universidade do Oeste do Paraná (UNIOESTE) e Universidade do
Norte do Paraná (UNOPAR).
O Projeto, em andamento, em Língüística Aplicada, de cunho processual e
etnográfico, busca diagnosticar, através da gravação em 20 horas-aula consecutivas, em salas
de 4ªs e 8ªs séries, e intervir, nas escolas-alvo, na abordagem gramatical contextualizada.
0 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
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Em virtude do exposto, nesse item discutiremos as concepções de linguagem, as
teorias subjacentes a estas visões e sua relação com o ensino da gramática.
0.1 A linguagem como expressão de pensamento
A concepção de linguagem como expressão de pensamento é um princípio
sustentado pela tradição gramatical grega, passando pelos latinos, pela Idade Média e
Moderna e, teoricamente, só rompida no início do século XX, de forma efetiva, por
Saussure (1969).
Dessa forma, preconiza que a expressão é produzida no interior da mente dos
indivíduos. E da capacidade de o homem organizar a lógica do pensamento dependerá a
exteriorização do mesmo (do pensamento), por meio de linguagem articulada e
organizada. Assim, a linguagem é considerada a “tradução” do pensamento.
Essa concepção, portanto, fundamenta os estudos tradicionais de língua. Parte,
então, da hipótese de que a natureza da linguagem é racional, por entender que os
homens pensam conforme regras universais (de classificação, divisão, segmentação do
universo).
Sob o enfoque em tela, segundo Leroy (1971), a Gramática Geral e Racional (ou
Razoada) de Port Royal (1660), de Arnaud e Lancelot acaba consolidando o princípio
gramatical dos alexandrinos (séculos II e I a.C.).
Port Royal, no entanto, embora retome a visão greco-alexandrina, estabelece
princípios não diretamente ligados à descrição de uma língua particular, e sim, de
princípios universais, ao construir, de acordo com a lógica cartesiana, “uma espécie de
esquema de linguagem, ao qual, de bom ou mal grado, as múltiplas aparências da língua
real devem se submeter” (LEROY, op. cit. p. 27). Ou seja, deixa de considerar a
heterogeneidade lingüística, as variações determinadas pelas diferentes situações de uso.
Essa concepção de linguagem permeou o ensino de língua materna no Brasil e foi
mantida, praticamente inconteste, até o final da década de 60, embora tenha
repercussões, mesmo atualmente, no ensino em questão.
A seguir, detalharemos os vínculos estabelecidos entre a concepção de
linguagem como expressão de pensamento e o ensino gramatical.
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0.1.1 Gramática
Se há princípios gerais e racionais a serem seguidos, para a organização do
pensamento e, nesse sentido, da linguagem, passa-se a exigir clareza e precisão dos
falantes, pois as regras “a serem seguidas” são as normas do “ bem falar e do bem
escrever”.
Assim, o ensino de língua enfatiza a gramática teórico-normativa: conceituar,
classificar, para, sobretudo, entender e seguir as prescrições – em relação à
concordância, à regência, à acentuação, à pontuação, ao uso ortográfico. O eixo da
progressão curricular e dos manuais didáticos são os itens gramaticais.
Tal ensino, como dissemos, enfatizado até os anos 60, no Brasil, apesar de o
surgimento de inovações teóricas lingüísticas e educacionais, apresenta-se, ainda,
prática acentuada nas escolas de ensino fundamental e médio. Por conseguinte, quase
sempre desvinculado das atividades de leitura e produção textual.
1.2 A linguagem como instrumento de comunicação
Na linguagem como instrumento de comunicação, a língua é vista, ahistoricamente, como um código, capaz de transmitir uma mensagem de um emissor um
receptor, isolada de sua utilização. Para maior compreensão do exposto, apresentamos
um breve resgate teórico necessário.
A grande ruptura à concepção de linguagem como expressão do pensamento é
observada em Saussure (1969), em publicação do início do século XX, conforme já
explicitado. Estabelecendo a célebre dicotomia “Langue/Parole” (grosso modo,
Língua/Fala), elege a “Langue” como objeto de estudo..
Em oposição à “Parole”, manifestação individual concreta dos falantes, sujeita
a variações, a “Langue” é conceituada como um sistema de signos (um conjunto de
unidades que estão organizadas, formando um todo), de caráter social, homogêneo,
abstrato, internalizados na mente do falante. A Langue “paira” sobre o falante, que a
incorpora, utilizando-a em situações reais e diversificadas de uso.
Caudatários de Saussure (op.cit.) atribuíram à organização interna da língua (a
Langue)
o
nome
de
estrutura.
Devido
a
empréstimos
da
teoria
da
Comunicação/Informação, a dicotomia saussureana acaba sendo analisada, depois, em
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termos de código-mensagem, com simplificação excessiva da comunicação lingüística à
função informativa.
A função essencialmente informativa da linguagem, na visão estruturalista, é
revista por Jakobson (1973), ao ampliar o modelo de Karl Bühler, o qual reconhece
três funções básicas de linguagem, de acordo com a incidência no emissor (função
expressiva/ emotiva); no receptor (função apelativa/conativa) ou no referente/contexto
(função referencial/informativa).
Jakobson (op. cit.) considera outros fatores intervenientes (funções constitutivas)
no ato de comunicação verbal: a mensagem, o canal e o código, classificando as
funções, de acordo com o fator que se destaca no ato de comunicação.
O estruturalismo, a teoria da comunicação e o estudo das funções da linguagem,
sobretudo, serviram de fundamento na produção de um modelo de ensino de Língua
Portuguesa, enfatizado a partir da promulgação das Leis de Diretrizes e Bases 5692, de
1971, no Brasil. A Língua Portuguesa, no ensino de 1o grau, passa a integrar, como
carro-chefe, a área de Comunicação e Expressão, aí incluídas as disciplinas de Educação
Física, Educação Artística e Língua Estrangeira. Integração esta quase inexistente na prática.
Nessa ótica, a linguagem, como já posto, é entendida como código. E o estudo
da língua, apesar de proposição de inovações, ainda tende ao ensino gramática e embora
a leitura e a produção textual comecem a ganhar maior relevância na escola, ao lado
dos elementos da teoria da comunicação.
Somando-se ao dito, predominava à época, no país, a concepção tecnicista de
ensino (período de consolidação da ditadura militar, iniciada em 1964). Na concepção
tecnicista de ensino, a visão de reforço é acentuada, pois a aprendizagem é vista
como
processada
pela
internalização
inconsciente
de
hábitos
(teoria
comportamentalista/behaviorista).
1.2.1 Gramática e Elementos da Comunicação
Em termos gramaticais, sem o abandono do ensino da gramática tradicional,
focaliza-se o estudo dos fatos lingüísticos por intermédio de exercícios estruturais
morfossintáticos, na busca da internalização inconsciente de hábitos lingüísticos,
próprios da norma “culta” (os exercícios estruturais ou de preenchimento de lacunas).
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Ressaltamos, ainda, que alguns compêndios, à época, traziam noções com base
na teoria da comunicação (conceitos/exercícios sobre o código, a mensagem, o emissor,
o receptor etc.).
Observamos, inclusive, que livros didáticos do ensino médio acabam abordando
superficialmente, ao lado da literatura, da produção de “técnicas de redação” e do
ensino teórico gramatical, as “funções da linguagem”. Geralmente, destacam apenas a
função predominante do texto, sem evidenciar a possibilidade de entrelaçamento das
funções, como numa poesia lírica em que, juntamente à função poética, apresenta-se a
emotiva.
1.3 A linguagem como forma de interação
Conceber a linguagem como forma de interação significa entendê-la como um
trabalho coletivo, portanto em sua natureza sócio-histórica e, então, "como uma ação
orientada para uma finalidade específica (...) que se realiza nas práticas sociais
existentes, nos diferentes grupos sociais, nos distintos momentos da história". (BRASIL,
1998, p. 20)
A linguagem, sob esse enfoque, é o local das relações sociais em que falantes
atuam como sujeitos. O diálogo, assim, de forma ampla, é tomado como caracterizador
da linguagem.
Nessa perspectiva, discurso, gênero e texto, e não mais possibilidades de
explicação dos fenômenos básicos da frase passa a ser considerados. Ademais, a questão
do sujeito é retomada em várias áreas de estudo.
Em termos de estudos lingüísticos, para Travaglia (1996), a concepção de
linguagem em pauta recebeu contribuições de várias áreas de estudos mais recentes, que
buscaram analisar a linguagem em situação de uso, abrigadas sob um grande rótulo:
lingüística da enunciação (a Teoria da Enunciação de Benveniste, a Pragmática, a
Semântica Argumentativa, a Análise da Conversação, a Análise do Discurso, a
Lingüística Textual, a Sociolingüística, a Enunciação Dialógica de Bakhtin).
Disseminadas na década de 80, sedimentam-se na década posterior, as idéias
bakhtinianas - em relação ao processo de ensino-aprendizagem de língua materna no
país -, ao analisarem a linguagem na perspectiva dialógica, assinalando os gêneros
como elementos organizadores do processo discursivo.
Conforme a visão dialógica de Bakhtin (1988), é na interação verbal,
estabelecida pela língua com o sujeito falante e com os textos anteriores, e posteriores,
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que a palavra (signo social e ideológico) se torna real e ganha diferentes sentidos
conforme o contexto.
Para o autor (1992), os modos de dizer de cada indivíduo (a mobilização de
recursos lingüístico-expressivos pelo locutor) são realizados a partir das possibilidades
oferecidas pela língua e só podem concretizar-se por meio dos gêneros discursivos.
Os gêneros discursivos são enunciados relativamente estáveis que circulam nas
diferentes áreas de atividade humana, caracterizados pelo(a):
- conteúdo temático: "o que é e pode ser dizível nos textos pertencentes a um
gênero". (BRASIL, 1998, p.21):
- construção composicional: a estrutura (o arranjo interno) de textos
pertencentes a um gênero;
- estilo: os recursos lingüístico-expressivos do gênero e as marcas enunciativas
do produtor do texto.
Assim, podemos considerar que, na concepção interativa de linguagem, o
discurso, quando produzido, se manifesta por meio de textos e todo o texto se organiza
dentro de determinado gênero.
Em termos pedagógicos, tomando a linguagem na percepção discursiva, os
gêneros discursivos, segundo os PCNs (BRASIL,1998), tornam-se objeto de ensino
(responsáveis pela articulação/progressão dos programas curriculares).
Embora os gêneros sejam inúmeros e sofram constantes mudanças e
hibridizações, uma tarefa difícil é a de categorizá-los. No entanto, constitue-se em
trabalho necessário, no processo de transposição didática.
Acreditamos que, para o trabalho em sala de aula, em termos de “categorização"
seja mais produtiva a proposta de Dolz e Scheneuwly (1996/2004), como eixo de
articulação/progressão curricular, já que
“A própria diversidade dos gêneros, seu número muito grande, sua
impossibilidade de sistematização impede-nos, pois de tomá-los como
unidade de base para a progressão” (DOLZ e SCHENEUWLY: 2004, p. 57)
Os autores, então, postulam que os gêneros possam ser agrupados, no processo
de ensino-aprendizagem, em função de regularidades. Propõem, desse modo, os
agrupamentos dos gêneros em ordens, a partir do domínio social (áreas de atividade
humana em que circulam); tipologia (estrutura, construção composicional) e
capacidades de linguagem (estilo): do narrar; do relatar; do argumentar; do expor e do
prescrever.
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Nessa ótica, o gênero é tomado como objeto de ensino de língua e o texto, como
unidade de significação e de ensino: elemento integrador, sem artificialidade, das
práticas de leitura, análise lingüística e de produção/refacção textual.
Sob o enfoque em tela, discutiremos, especificamente, a abordagem de análise
lingüística do ensino gramatical.
1.3 Análise lingüística
Compreendemos por análise lingüística o processo reflexivo (epilingüístico) dos
sujeitos-aprendizes, em relação à movimentação de recursos textuais, lexicais e
gramaticais, no que tange ao contexto de produção e aos gêneros discursivos,
veiculados, no processo de leitura, de construção e de reescrita textuais (mediado pelo
professor).
Em decorrência, sugerimos que, contextualizadamente, possa ser levada a efeito
em dois momentos, particularmente:
- na mobilização dos recursos lingüístico-expressivos, propiciando a coprodução de sentidos, no processo de leitura, tendo em vista o(s) gênero(s)
discursivo(s) em que os textos são apresentados.
- no momento da reescrita textual, local de análise da produção de sentidos; de
"aplicação" de elementos, referentes ao arranjo composicional, às marcas
lingüísticas (do gênero) e enunciativas (do sujeito-autor), de acordo com o
gênero(s) selecionado(s) e com o contexto de produção, na elaboração do
texto. E, desse modo, oportunizar a maior abordagem de aspectos formais e
da coerência (progressão retomada, relação de sentidos e não-contradição),
sempre de acordo com a situação de comunicação, socialmente produzida.
1 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Os excertos retirados do "corpus", em quatro escolas da rede pública, duas quartas
séries e duas oitavas séries, já diagnosticados (em dissertações e monografia) e em fase
de intervenção, são reveladores da(s) "concepção(ões) de linguagem dos professores, ou
do livro didático/apostilas dos quais são seguidores. Cabe ressaltar a boa vontade e
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presteza com que os docentes em pauta engajaram-se na pesquisa, buscando
"aprimorar" sua formação, sobretudo referente ao ensino gramatical.
Uma professora de 4ª série, escola municipal, licenciada em Educação Física,
utilizando uma apostila "didatizada", revela em sua prática a visão descontextualizada,
tradicional do ensino gramatical, e ainda, aborda conceitos equivocados.
Exemplo 1:
P: isso ... por que ( ) que é diminutivo ... às vezes a gente acha que tudo
que é pequenininho termina com INHO ou com INHA não é?
AA: é ... ( )
P: ( ) quando é aumentativo termina em ÃO
AA: ( )
P: genTE .... vamos ver alguns exemplos que às vezes a gente acha que tá
errado ... tá?
A1: certo ...
A2: ( ) isso aqui é verbo?
P: olha lá eu vou ler ... o da fala normal e vocês vão ler o diminutivo ... tá bom?
[ ]
P: anel
AA: anelzinho
P: árvore
AA: arvorezinha
P: barca
AA: ( )
((uma parte diz barbinha e outra, barbicha))
((em seguida, risos e um comentário incompreensível da professora))
[...]
a1: ( ) tia agora vamos ( )?
P: não .... ( ) que vocês falem o aumentativo
((alguns alunos reclamam))
P: olha lá ... (gato)
AA: gato
P: anel
AA: anelão
[...]
P: nariz
AA: marigão
P: não é narizão ... é narigão...
((risos))
P: ( ) não é narizudo não ...
((riscos))
(Cheron, 2004, p. 46, 47)
A autora da dissertação, que focalizou o trabalho da professora (op. cit. p. 47)
assim analisa estes dados:
"Com relação aos trechos negritados, percebemos, num primeiro momento,
que a professora parece crer que nem tudo que termina em inho ou inha
refere-se a diminutivo, pois ela diz: às vezes a gente acha que tudo que é
pequenininho termina com INHO ou com INHA não é? Porém, não há
maiores explicações a respeito e nenhuma menção, por exemplo, à questão
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de outras palavras que terminam em inho e não são diminutivos, como é o
caso de 'ninho'. Já com relação ao aumentativo, a professora parece crer que
tudo que termina em ão refere-se a ele: quando é aumentativo termina em
ÃO. Como ficariam, por exemplo, as palavras 'fogão, rojão, mão' nesse
contexto? Além do mais, não há referência, por exemplo, aos aspectos de
aproximação afetiva ao se usar um diminutivo, como é o caso de mãezinha,
paizinho, etc.¸ e nem à função de intensidade pejorativa, como é o caso de
tontão, doidão, etc. A questão maior ainda seria: como fica, em meio a isso,
o constructo teórico que os alunos, supostamente, estariam formando?"
Às vezes, a mesma visão é compartilhada também por docentes, seguidores de
apostilas e/ou livros didáticos, professores de 4ª e 8ª séries, que se dizem "interativos".
Contudo, oscilam entre uma abordagem tradicional; o uso do texto como pretexto e, às
vezes conseguem "contextualizar" algum aspecto gramatical. Vejamos a análise
elaborada por Porto (2004) e Nantes (2005):
Exemplo 2:
"A professora passa uma outra atividade, na qual os alunos colocam vírgulas
em frases retiradas do próprio texto. Essa atividade está desvinculada da
anterior e do contexto, por isso pode ser caracterizada como um exemplo de
ensino tradicional de gramática.
Coloque vírgulas nas frases abaixo:
a) Vaska o gato malandro continuou comendo o frango
b) Gato guloso miserável patife padrão saia já daí
c) O cozinheiro mestre em culinária gastou à toa sua oratória
d) O cozinheiro fez o assado saiu para beber conversou com o compadre
voltou para o restaurante.
A princípio, há interação e reflexão sobre o uso da vírgula, quando a aluna
comenta uma situação de uso e cita um exemplo.
P: só um minutinho ... atenção ... primeiro eu gostaria que vocês fizessem
esse aqui ... parem um pouquinho para eu explicar a segunda atividade ... a
segunda atividade é colocação de vírgulas ... quando é que a gente pode
colocar vírgula em determinadas orações ... em determinadas frases? ...
como? ...
P: no começo?
A: depois que eu chamo uma pessoa ...
P: depois que eu chamo uma pessoa ... então em um chamamento ...
quando eu chamo alguém ... depois do nome dessa pessoa ... ou se eu falo
com essa pessoa eu coloco vírgulas ... você pode dar um exemplo?
A: Natália ... venha tomar banho pra jantar ...
P: onde cê colocaria vírgula?
A: depois de Natália ...
Mas, na seqüência, a docente começa a relatar todos os possíveis usos dessa
pontuação, restringindo a participação dos alunos no processo de reflexão e
análise sobre os recursos da língua, momento em que se, melhor explorado,
seria caracterizado pelos enfoques da gramática reflexiva e teórica, conforme
postulado por Travaglia (1996). (Porto, op. cit., p. 62-63).
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Exemplo 3:
"Ainda nessa aula (discussão descontextualizada sobre pontuação), ao ler o
enunciado desse exercício sobre a vírgula, - Explique o sentido de cada
frase, observando a posição ocupada pela vírgula ou a ausência dela - a
professora adotou uma postura metodológica, que consideramos relevante:
aproveitou o próprio enunciado do exercício para abordar o ensino
gramatical, no caso específico se refere à retomada pronominal:
P: [...] explique o sentido de cada frase... observando a posição ocupada pela
vírgula... ou a ausência dela... quem que é esse dela qui?
AA: a vírgula
P: auSÊNcia?
AA: da vírgula
P: da vírgula... então o dela está se referindo à... vírgula... então pra não
repetir... foi substituído por um pronome ali... tá? então expliquem a/a
posição ocupada pela vírgula ou a ausência... da vírgula... então esse dela é
extremamente importante... alguns exercícios que eu vi no banco de itens...
do CES ali do centro... não deve ser diferente de lá... pedem pra que faça
essa reflexão "olha essa palavra está se referindo a qual palavra na frase
anterior" ou às vezes é só uma letra de música mas assim... quem que é esse
sua... sua eh::... a quem está se referindo... então sempre que eu me lembrar
disso que eu puder eu vou estar fazendo esse exercício com voCÊS... que é
pedindo no banco de itens pra que vocês estendam os enunciados também
porque isso é fundamental quando eu vou estar fazendo o:: exercício.
A: no caso aí é pronome demonstrativo
P: é... é... da qual estou falando... "a turma toda... veio assistir à palestra... eu
não faltei"... "a turma toda veio assistir à palestra... eu não... faltei"...
(Nantes, op. cit., p. 96-97).
A prática efetiva, em termos de concepção interativa é realizada, por uma
participante do projeto e aluna de Mestrado em Estudos da Linguagem na UEL, em
pesquisa-ação, na 8ª série. Ao abordar o gênero "propaganda comercial", busca
contextualizar o ensino gramatical. O relato e análise de sua experiência faz a seguir:
Exemplo 4:
"Das especificidades da linguagem publicitária, verificadas nas propagandas
estudadas, ressaltamos o uso do modo verbal imperativo, presentes nos
anúncios como indicação de atitudes para promover produtos ou idéias e
também atentamos para outras formas lingüísticas com valores de
imperativo.
P: o imperativo... isso mesmo... se nós formos analisar as propagandas...
olharmos os verbos... nós vamos ver que eles estarão quase sempre no
imperativo... e que... se eles não estiverem claramente no imperativo... a
maneira que foi escrito vai mostrar uma sugestão... um conselho... use
determinado produto... vá a determinada loja... quem me daria um exemplo
aí de um verbo no imperativo? (Cecílio, 2004, p. 92)
Os exercícios estruturais, quando raramente levados a efeito, são aqueles
apresentados pela apostila ou livro didático.
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Em termos de refacção textual, os dados demonstraram que, quando realizados,
o são quase sempre higienização textual, limitados aos aspectos formais.
A exceção é encontrada no texto de Cecílio (2003), ao analisar sua própria aula
de refacção textual.
Exemplo 5:
"No dia vinte e três de junho, levamos para a sala de aula os textos dos
alunos, lidos e feitas as anotações necessárias e relevantes em cada
produção. Cabe ressaltar que tais anotações não se restringiram a aspectos
negativos, como problemas ortográficos, de ordem sintática e semântica,
enfim, problemas de coerência e coesão. Todas as vezes que observamos
textos bem organizados, com clareza de idéias, originalidade, tecemos
comentários construtivos que podem ter o poder de conduzir o aluno a crer
em seu potencial, encorajando-a a buscar mais conhecimentos a fim de
aprimorar aquilo que já adquiriu.
Antes de devolver-lhes as produções salientamos que faríamos comentários
globais, assinalando alguns problemas ocorridos de ordem gramatical, como
confusões no uso de mas e mais, tem e têm, linguagem abreviada da Internet,
além de problemas de ordem organizacional, como paragrafação e sentidos
gerais do texto. Enfatizamos ainda a importância da revisão, visto que
muitos alunos não têm o hábito de ler o texto que escrevem, deixando tal
função para a professora. Não percebem que o trabalho de revisão podem
detectar sentidos diferentes daqueles que realmente querem expressar e não
somente "corrigir" problemas de ortografia, concordância e pontuação, o que
caracterizaria o trabalho de revisão e/ou reescrita como uma higienização.
Com permissão de uma aluna escrevemos no quadro de giz trechos de seu
texto para ser reestruturado em sala, juntamente com todos os alunos. A
atividade de reescrita foi satisfatória, porque os alunos deram sugestões de
como a autora desse texto poderia ter procedido para deixar sua produção
mais coerente. Dessa forma, os alunos fizeram reflexões acerca das escolhas
utilizadas pela aluna autora e das diferenças de sentidos obtidos com a
mudança de palavras e formas lingüísticas.
Todavia, tentamos explicitar para os alunos a importância de se respeitar a
individualidade do outro, que faz escolhas em diferentes instâncias na
construção de seus textos para atingir suas metas. (Cecílio, 2004, p. 83-84).
À GUISA DE CONCLUSÃO
Cardoso (1999, p. 10) assinala a importância do conhecimento das três
concepções de linguagem pelo professor que ministra Língua Portuguesa, por estar
convencida "de que a dificuldade que a escola tem de alfabetizar, em garantir o uso
eficaz da linguagem em todos os níveis, é decorrente de concepções equivocadas sobre
língua, linguagem e ensino". Diríamos, equivocadas ou simplesmente ignoradas.
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Nesta perspectiva, buscamos, de forma sucinta, demonstrar a importância e a
necessidade do conhecimento do aspecto teórico posto, relacionando-o à abordagem do
ensino gramatical.
Em decorrência, objetivamos, ainda, com artigo, trazer elementos da "realidade",
sobretudo com o intuito de "caminhar" no processo de visualização do professor como
sujeito de seu papel produtivo, no espaço dialógico escolar, via trabalho mediador entre
os alunos e objeto de aprendizagem: o ensino gramatical, no caso.
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