FUNDAMENTOS E MÉTODOS NA MANUTENÇÃO DE CULTIVARES: NECESSIDADE DA PRÁTICA E SITUAÇÃO NAS CULTIVARES DISPONÍVEIS NO BRASIL Julio Cesar Viglioni Penna1 A manutenção de sementes dos cultivares lançados em um programa de melhoramento é de grande importância para a estabilidade das suas características típicas. O algodoeiro é uma planta de sistema reprodutivo considerado intermediário entre as plantas alógamas e autógamas (Allard, 1960). As taxas de polinização cruzada encontradas em vários estudos variam muito e são, em larga escala, dependentes de atividade de insetos. É comum encontrar-se de 10 a 35 % de polinização cruzada entre fileiras de algodão e valores ainda mais altos entre plantas. Em todos estes estudos utilizou-se como marcador genético a característica “ausência de glândulas” (“glandless”), expressa por dois genes em estado duplo recessivo. Tais taxas altas e variáveis de alogamia devem-se basicamente à morfologia das flores e aos vários insetos que visitam o algodoal, atraídos por suas elas, pelo pólen e pelos nectários florais e foliares. Esta é a principal causa da “degenerescência” varietal que pode atingir as cultivares de algodão. Tratam-se pois de mudanças na estrutura genética das populações causadas pelas recombinações sucessivas ciclo após ciclo de multiplicação, podendo causar mudanças nas características inicialmente selecionadas. Misturas de sementes em usinas descaroçadoras podem também contribuir para esta perda do valor varietal. Assim, a multiplicação de sementes, desde os campos de sementes genéticas e básicas, até a última multiplicação, deve ser levada a efeito com o isolamento dos campos, seja físico, pela distância, ou através de barreiras vegetais. Recomenda-se, na literatura, distâncias livres de no mínimo 1600 m entre campos (Pope et al., 1944). Já Green e Jones (1953) recomendam distâncias de 100 m. Castro et al. (1982) desaconselham a utilização de barreiras vegetais em situações que requerem perfeito isolamento. Em seu trabalho, os autores testaram barreiras de 5 m de largura de milho, sorgo, algodoeiro e crotalária. A barreira de milho foi a que mais reduziu a polinização cruzada (de 15,1 para 5,2%). Na prática, preconiza-se, ainda, em campos de “grande aumento”, a eliminação de uma faixa de 25 m nas bordas de campos adjacentes. Tais números sem dúvida refletem condições ambientais locais, com atividade de insetos diversificada. Estoques de sementes genéticas precisam ser mantidos por vários anos, enquanto houver demanda pela cultivar. A multiplicação não deve ocorrer ano a ano sem alguns cuidados. Vários métodos podem ser usados e alguns deles são descritos na literatura. O método mais simples seria a simples seleção “truncada”, ou seja a eliminação de plantas fora do padrão, do campo de semente. Tal seleção deverá ser feita antes do início da polinização. Plantas retiradas após esta data poderiam ceder pólen para plantas vizinhas, perpetuando alelos indesejáveis. A seleção massal de plantas típicas, com ou sem autofecundação constituiria o núcleo de sementes do próximo ano. Em outro método, recomenda-se efetuar determinado número de seleções individuais no campo de semente genética (“breeder`s seed”), preferencialmente com autofecundação, tendo-se em mente as características típicas do cultivar em questão. No ano seguinte, instalase um teste de progênies das seleções, em que são avaliadas todas as características agronômicas e de fibra. Com base nos resultados, são misturadas as sementes (com ou sem autofecundação) daquelas progênies que se enquadram na descrição do cultivar, formando-se assim o núcleo de sementes para a próxima multiplicação. Esta metodologia permite a manutenção e a melhoria concomitante do cultivar, caso o melhorista também exerça pressão seletiva para alguma característica. Outro método seria a produção de uma quantidade de sementes genéticas relativamente grande a partir de uma área inicial maior, com a estocagem das sementes em condições especiais por um prazo de vários anos, retirando-se ano a ano a quantidade necessária para “abastecer” o programa de multiplicação. A prática do “roguing out” de plantas atípicas é especialmente recomendável em adição a quaisquer métodos, especialmente nas primeiras fases da multiplicação. Cuidado muito maior deve ser tomado quando, nos berçários, trabalha-se com caracteres de herança simples como folha “Okra” ou bráctea “frêgo”. _______________________ 1 Professor, Ph.D., Universidade Federal de Uberlândia. MG. Contaminantes devem ser cuidadosamente eliminados dos campos de pequeno aumento e dos campos de semente genética antes do início da floração, e atenção especial deve ser dada à presença de heterozigotos que devem ser igualmente erradicados precocemente. Em seguida estão apresentados alguns exemplos de manutenção de cultivares exercidas nas Instituições e Empresas no Brasil: COODETEC - Cooperativa Central Agropecuária de Desenvolvimento Tecnológico e Econômico Os núcleos de sementes genéticas (Núcleo OO) são constituídos de parcelas de 150 a 200 m2 e são multiplicados inicialmente em parcelas isoladas por barreiras de milho geralmente). Esta semente é destinada a plantar 1,5 a 2 ha do núcleo genético (Núcleo O), o qual é destinado a produzir a semente básica, geralmente 60 a 200 ha. Uma vez uma determinada cultivar entre em fase de produção de semente básica, os núcleos OO e O são então conduzidos dentro do parcela de semente básica, o que representa um melhor isolamento que uma cortina de milho. Cada 2 ou 3 anos, é realizado um ciclo de seleção "conservacionista": dentro do núcleo NOO, seleciona-se 200 a 250 plantas no padrão da variedade, as quais são autofecundadas. Estas plantas são descaroçadas para cálculo do rendimento de pluma (RF) e a fibra é analisada planta por planta. As plantas com valores muito diferentes da média geral de RF (abaixo ou acima) ou das demais características de fibra são descartadas. As plantas remanescentes (espera-se aproveitar cerca de 150) são plantadas em linhas no ano seguinte. As linhas com heterogeneidade intra ou com morfologia diferente das demais, são eliminadas. As remanescentes são colhidas separadamente, analisadas novamente pelo RF e pela tecnologia de fibra, quando são eliminadas as extremas. As sementes das linhas “eleitas” constituem-se no novo núcleo NOO (a quantidade de semente obtida permite ter sementes NOO para o mínimo de duas safras). EMBRAPA – Algodão O esquema de manutenção utilizado no início da distribuição de uma cultivar é a seleção massal, no dentro dos campos de sementes pré-basicas ainda sob supervisão dos melhoristas, gerando uma quantidade média de 30 kg de algodão em caroço. Caso a cultivar mantenha-se no mercado por muitos anos, passa-se, a partir do terceiro ano, a fazer seleção individual de plantas com análise de fibras e teste de progênie com mistura das 10 a 20 progênies mais uniformes e dentro do padrão original desejado. EPAMIG – Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais São efetuadas seleções de plantas representativas da variedade, baseando-se no fenótipo da planta. Em seguida é feita avaliação laboratorial dos caracteres agronômicos e tecnológicos de fibra (peso de capulho, peso de sementes, porcentagem e índice de fibras, resistência, finura, uniformidade e comprimento). As plantas selecionadas cujas características estiverem dentro dos parâmetros da variedade terão sua descendência estudada através do teste de progênies. Neste, as plantas eleitas são testadas em linhas de progênies, a fim de verificar as características da variedade. Os ensaios de progênies da mesma variedade são plantados isoladamente a fim de evitar a fecundação cruzada. As linhas de progênie que não apresentarem variabilidade dentro da linha serão mantidas e agrupadas, representando a variedade e multiplicadas em campos de pequeno aumento para aumentar o volume de sementes. Parte das sementes obtidas são mantidas no estoque em câmaras frias a fim de preservar o poder germinativo e vigor das sementes. IAC - Instituto Agronômico de Campinas Os “Campos de Pequeno Aumento Genético”, são multiplicados mediante autofecundação. Neste ponto, plantas que se mostram fora do padrão são erradicadas (se más) ou selecionadas (se boas). Em qualquer caso, portanto, são eliminadas da população. A propagação, mediante autofecundação, prossegue em seqüência. Parte das sementes são utilizadas para fazer “Campos de Pequeno Aumento”, (não autofecundados), cujas sementes são utilizadas em experimentos. É verificada possível degeneração da cultivar, nos Campos de Produção de Sementes Básicas, feitos anualmente, em quatro das Estações Experimentais, onde são realizadas anualmente resseleções de plantas, em busca de novas linhagens. Se a cultivar mostrar degeneração visível, o que nunca acontece, seria efetuado, no Campo de Pequeno Aumento referido (cerca de 500 m2), o “roguing” ou a seleção massal. As sementes aí colhidas constituiriam o estoque inicial para os novos aumentos. IAPAR – Instituto Agronômico do Paraná O método de manutenção das 3 primeiras cultivares lançadas, todas elas obtidas a partir de genótipos fixos, consistia em fazer, à época do lançamento, uma "seleção massal negativa", em campo de semente genética. O restante do campo era aproveitado, testado frente ao genótipo original, e mantido em câmara fria durante anos, servindo anualmente como base para produção da semente genética. Com o lançamento das novas cultivares IPR, está sendo mantido o método anterior e iniciando-se outro processo (uma variação do que tem sido usado em autógamas) de padronização da população, visando os requisitos de homogeneidade, uniformidade e distinguibilidade. Seleciona-se 300 a 400 plantas representativas da população, em campo de semente genética; elimina-se, com base em porcentagem e qualidade de fibra as discrepantes inferiores, e abre-se progênies das demais. Em campo, durante o ciclo, procede-se a uma seleção massal negativa. As demais são amostradas (colhidas) e submetidas a análises de peso de capulho, percentagem de fibra e, se houver disponibilidade financeira, a análise tecnológica de fibra, prevendo-se nesta etapa descarte menor . As progênies aprovadas são misturadas e sua população testada frente à original, em ensaios de competição, com avaliação completa (incluindo todas as doenças). Mantidas as características originais, será essa a semente do melhorista. Tais procedimentos, evidentemente, não devem ser adotados anualmente. Embora não se deva exercer pressão no descarte profilático, sobretudo para caracteres correlacionados negativamente, alguma pressão sempre há, sobretudo no campo. MDM – Maeda Deltapine Monsanto Em termos de manutenção da semente genética a MDM segue o método de armazenamento da semente genética ou “Breeder's seed”. Na D&PL, no momento do lançamento de uma cultivar, uma quantidade de semente é armazenada em condições que evitem a perda de viabilidade. Normalmente a semente é multiplicada no estado do Arizona que é um ambiente livre de doenças. Uma parte desta semente é retirado do estoque para iniciar um novo ciclo de multiplicação de semente. Geralmente a manutenção de semente genética não envolve nenhum tipo de seleção, onde se procura manter ao máximo as características da cultivar quando do lançamento. Em caso de armazenamento prolongado, são realizados testes de viabilidade da semente. As trocas em freqüência gênica geralmente observadas quando pequenas quantidades de semente são armazenadas por um longo período e multiplicadas várias vezes, como nos bancos de germoplasma, são raras neste sistema. Agradecimentos: o autor agradece às informações e respectivos textos enviados pelos melhoristas responsáveis: COODETEC: Dr. Jean Belot; EPAMIG: Dr. Marcelo Lanza; EMBRAPA – Algodão: Dr. Elêusio Curvelo Freire; IAC: Dr. Milton Fuzzato; IAPAR: Dr. Wilson Paes de Almeida; MDM: Dr. Paulo Cesar Canci e Dr. Juan Landivar. REFERÊNCIAS Allard, R.W. Princípios do melhoramento genético das plantas. Ed. Edgard Blücher Ltda. São Paulo. 381p. 1960. Castro, E.M., I.L. Gridi-Papp e E. Paterniani. Eficiência de barreiras vegetais no isolamento de parcelas de algodoeiro. Pes. Agrop. Bras. 17: 1155-1161. 1982. Green, J.M. e M.D. Jones. Isolation of cotton for seed increase. Agron. J. 45: 366-368. 1953. Lewis, C.F. Concepts of varietal maintenance in cotton. Cotton Growing Review 47:272-284. 1970. Pope, O.A., D.M. Simpson, e E.N. Duncan. Effect of corn barriers on natural crossing in cotton. Journal of Agriculture Resarch 68:347-361. 1944.