O desafio do grão de areia História [a partir do livro ‘A menina do mar’ de Sophia de Mello Breyner Andresen] Capítulo 1 Era uma vez um pequeno grão de areia falante que vivia numa praia. Um dia, decidiu nadar para o mar. Para sua surpresa, encontrou uma menina de meio palmo de altura. Ela era muito linda, com uns cabelos verdes a esvoaçar nas ondas, uns olhos da cor do mar e um belo vestido feito de algas encarnadas. Ele apaixonou-se logo por ela, foi amor à primeira vista. E ficou ali, a olhar em segredo para aquela beleza infinita. O Grão de Areia temia falar com ela, porque era muito tímido e introvertido. Nessa tarde, já ao anoitecer, a menina começou o caminho para casa e o Grão de Areia seguiu-a. Enquanto a seguia, ele olhava ao seu redor e via cidades com casas feitas de areia, habitadas por todos os seres do mar, alguns eram peixespalhaços, outros eram polvos, caranguejos, raias e muitos outros. Também encontrou algas de todas as cores e feitios. Um pouco mais à frente, encontrou o barco afundado “Titanic” e, logo depois, a casa da menina. Entrou, sem ser visto, e enquanto a menina dormia na sua cama, o grão teve de dormir no chão. No dia seguinte, com as costas doridas, viu a menina a sair de casa e voltou a segui-la. Passado algum tempo, a menina encontrou uma gruta guardada por um monstro marinho, mas ela não o sabia. Como era curiosa, resolveu explorá-la. Mal entrou, começou a gritar por socorro, pois tinha visto o monstro. O grão veio logo ajudá-la e foi só dizer “Sai daqui, já!”, que ele fugiu logo. Bem podia agora dizer-se que eram amigos, pois o Grão de Areia tinha acabado de a salvar! Começaram então um animado diálogo. - Obrigada!- agradeceu a menina. - Não foi nada. É fácil quando se é um grão de areia! Afinal já ouviste algum a falar?! Claro que não, eu sou único! - Como te chamas?- perguntou ela. - Grão de Areia. E tu?- quis saber ele. - Menina do Mar. Queres ser meu amigo? - Claro que sim!- respondeu. Capítulo 2 Depois de uma longa conversa e de se conhecerem melhor, a Menina do Mar pediu ao Grão de Areia para se encontrarem no dia seguinte, no mesmo local e que lhe trouxesse três objetos da Terra. Serviriam para ela apreciar curiosidades do mundo do seu novo amigo. Assim foi. Encontraram-se no mesmo sítio do dia anterior e, como planeado, o grão levou os três objetos que ia dar a conhecer à sua companheira: um balde, um garfo e uma toalha azul. A Menina do Mar pensou que o balde era um chapéu para os seres humanos; o garfo era uma miniatura do tridente do seu pai e a toalha azul era um pedaço de mar imobilizado. O grão explicou-lhe que, no mundo dos humanos, o balde transportava água para fazer castelos de areia; o garfo era utilizado para comer e a toalha servia para apanhar banhos de sol... Para surpresa do Grão de Areia, a menina também lhe levara um objeto para lhe mostrar: um piano aquático. A Menina do Mar tocou um pouco no piano: “dó…ré…mi” e o grão, maravilhado com a habilidade dela, bateu as palmas e exclamou: - Tocas tão bem! Onde aprendeste a tocar assim? - Aprendi com o meu querido pai, o Rei do Mar. Ele mora no Oceano Índico. É uma pessoa maravilhosa… - Gostava muito de o conhecer!- interrompeu ele. - Se quiseres, eu posso apresentar-to!- propôs a menina. - Siiiiim!- disse ele, dando uma cambalhota no ar. Combinaram encontrar-se no próximo dia, para que o grão da areia pudesse conhecer o Rei do Mar. No dia seguinte, durante a viagem, avistaram golfinhos e peixes brincalhões, passaram por corais magníficos e, no ar, sentiram um cheiro agradável a maresia. Mas, no seu percurso, nem sempre o mar era límpido e transparente… As fábricas tinham lançado resíduos tóxicos, os esgotos também aí desaguavam, plásticos boiavam e odores desagradáveis empestavam o ar. Havia espaços, onde o azul passara a negro, pois os petroleiros tinham derramado petróleo nas águas do oceano e peixes e aves marinhas, como a gaivota, tinham adoecido. Finalmente, chegaram ao destino. Dirigiram-se à casa do pai da Menina do Mar e encontraram-no no seu trono coberto de algas, com um tridente enorme na mão. A Menina do Mar apresentou o Grão de Areia ao seu pai e juntos tiveram uma longa conversa sobre a poluição dos mares. Depois, passadas algumas horas, despediram-se entre várias vénias e os dois amigos regressaram à praia de onde tinham partido para o oceano. Na imensidão da praia, o Grão de Areia magicava: “se eu fosse um novo ser do mar…!” Capítulo 2 Envolvido nas suas ideias, o Grão de Areia nem deu conta que uma estrela-do-mar tinha passado na superfície da água e lhe lera os pensamentos. Como já era tarde, foi para casa dormir. Durante a noite teve um sonho esquisito: estava a cavalgar num cavalo-marinho em direção ao Sol. No caminho, avistou uma concha dourada que aspirava o petróleo do mar. Chegado ao seu destino, viu um rapaz de bata branca com um largo sorriso na cara, que lhe anunciou que iria dar-lhe uma vassoura mágica. Com ela, teria de limpar o mar e, em troca dos seus serviços, tornar-se-ia um ser aquático. -Que sonho mais estranho!- pensou, quando acordou. Levantou-se e pisou numa coisa dura. Olhou para o chão e encontrou uma vassoura mágica. Enquanto verificava se tinha aparecido, no seu quarto, mais algum objeto mágico, ouviu um barulho: “toc-toc”. Olhou para a janela e avistou um rapaz a piscar-lhe o olho. Ele reconheceu-o logo, era o rapaz do seu sonho. -Olá!- saudou o menino. -És tu o rapaz que apareceu no meu sonho?!- apontou o grão. -Sim. Agora já sabes o que tens a fazer!- disse-lhe. Um segundo depois, o rapaz desapareceu “Puff”. O Grão de Areia pegou de imediato na tal vassoura e descobriu que o plástico, os metais e mais sujidade que estivesse na areia desapareciam. Mas faltava ainda limpar o petróleo. Então lembrou-se da lendária concha dourada que tinha visto no sonho. Ela tinha o poder de sugar o petróleo; mas havia um problema: para a encontrar teria de passar pelo “Não Sei”, uma criatura que quando se olhava diretamente nos olhos dela, provocava amnésia. Conseguiu passar por ela sem problemas, pois estava a fazer uma sesta. Quando apanhou a concha, foi logo começar a limpeza. Depois de cumprida a sua missão, o Grão de Areia foi para casa exausto e deixou-se dormir. Durante o sono, o rapaz do seu sonho voltou e disse-lhe que o seu desejo ia ser realizado. Na manhã seguinte, quando se olhou no espelho, viu que se tinha transformado num menino do mar: tinha o cabelo curto feito de corais vermelhos, calças de areia e camisola de gelo. Ele conseguia agora nadar muito mais rápido e respirar melhor debaixo de água. Nadou até junto da Menina do Mar e feliz contou-lhe as novidades. Depois, pediu-lhe: -Podes ajudar-me numa campanha contra a poluição dos oceanos? - Sim!-aceitou radiante. De imediato, os dois amigos preparam cartazes, panfletos e crachás, que espalharam pelas praias. A sua mensagem era apelativa e deixava a pensar todos os que a liam: “Se no oceano o lixo deitar, a vida aquática pode acabar!”. Deste modo, conseguiram melhorar a vida nos oceanos, que era agora o habitat dos dois amigos.