O SENADO ROMANO E A TRANSFORMAÇÃO DA REPÚBLICA EM

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O SENADO ROMANO E A TRANSFORMAÇÃO DA REPÚBLICA EM IMPÉRIO
Autor: Alberto Palomar Fernandez
Orientador: Prof. Dr. Renan Friguetto
O objetivo fundamental desta pesquisa foi a obtenção de respostas às questões de
como e por que o Senado romano acedeu à transformação da República Romana em
Império, e suas possíveis causas. Para tanto, estruturou-se a pesquisa em dois segmentos, o
primeiro voltado para os elementos que pudessem configurar uma concepção teórica dos
regimes de governo adotados por Roma, e o segundo visando caracterizar as realidades no
transcurso do período em questão, como meio de verificar-se as convergências e variações
que permitissem, mediante a sua análise e discussão, responder às questões fundamentais.
No âmbito teórico, efetuou-se uma pesquisa historiográfica buscando resgatar os
modelos teóricos desses regimes de governo, seus pressupostos e fundamentos,
principalmente através da teorização exposta por Cícero em sua obra “Sobre La
República”1. Nesta obra, além da discussão sobre as possíveis formas de governo, Cícero
explicita a estruturação da República Romana, tendo como referências fundamentais a
autoritas do Senado, a potestas das Magistraturas em suas atividades executivas, a
participação decisória dos cidadãos, com a sua hierarquização censitária, através dos
comícios das centúrias e das tribos, tudo e todos submetidos, teoricamente, ao império da
lei.
A ênfase legalista de Cícero, que atribuiu ao direito a razão fundamental para a
evolução do populus romanus, foi aferida através de sua obra “La Leyes”2, estruturou sua
concepção filosófica de um Direito Natural, fundamentador de todas as relações entre
pessoas e instituições, para, como derivativo, definir uma lei religiosa, e as leis que
regeriam os ocupantes das diversas magistraturas, obrigatoriamente detentores de virtus,
que lhes possibilitassem assegurar a felicidade de Roma. Estas leis, como o próprio Cícero
o comentou, eram em sua maioria as vigentes em Roma nesse tempo, mas Cícero inovou
incluindo leis que entendia como necessárias, embora as dedicasse aos romanos do futuro,
num claro sinal do reconhecimento da existência de carências, que entendia não ser
possível suprir naquele momento.
Para o conhecimento dos fundamentos e da evolução da sociedade romana, de seus
primórdios à época em questão, buscou-se o apoio na obra de Fustel de Coulanges “A
Cidade Antiga”3, na qual o autor partindo das raízes comuns indo-européias que deram
origem aos gregos e romanos, estabelece a evolução da sociedade romana. Essa
construção teórica é feita paulatinamente, mas suportada por escritos e afirmações de
insignes personagens e pensadores históricos, como o próprio Cícero.
Nessa obra Fustel evidencia a sua convicção sobre o papel fundamental das crenças
na construção de uma sociedade, expresso através de uma religião antiga, que cultuava
seus antepassados, como heróis, que se transformavam em deuses domésticos próprios,
seus lares, e que determinava a conduta cotidiana das pessoas, originando o direito
privado. Com as crenças justificou relações primordiais do direito, como a propriedade
1
CICERO. Sobre la República. Trad. Álvaro D'Ors. 1ª Reimpressão. Madrid: Editorial Gredos, 1991.
CÍCERO. Las Leyes. Trad. Álvaro D’Ors. Madrid: Instituto de Estúdios Políticos, 1953.
3
FUSTEL DE COULANGES, Numa-Denys. A cidade antiga. Trad. Frederico O. P. de Barros. São Paulo:
Editora das Américas, 1961.
2
privada, o casamento, a sucessão, e, a hierarquização social de seus integrantes, tanto no
âmbito da família isolada original quanto nas cúrias e tribos, até o estabelecimento da
sociedade maior, a civitas. Nesta, os deuses externos, tanto os derivados de uma
descendência comum, como os regentes da Natureza, protegeriam a totalidade dos seus
cidadãos, através dos convenientes cultos e sacrifícios, considerados, em todos os níveis de
extrema relevância.
As lacunas inerentes a aspectos não previstos, como a economia, o exército, e
complementos sobre os valores inerentes à sociedade e o cidadão médio de Roma, foram
preenchidas através de diversos autores contemporâneos, como Aimard e Auboyer4,
Pereira5, Gabba6, dentre outros, possibilitando a configuração de um quadro referencial
teórico bastante completo.
O contraponto ao modelo teórico foi construído mediante a busca das
transformações da república romana ao longo do período de sua existência. Inicialmente
pela detecção da existências de “falhas”, consideradas como pressupostos não sustentáveis,
como a pretendida ampla qualificação dos integrantes das magistraturas e do Senado ou
pelas imprevisões. Destas são seus exemplos maiores: a inexistência de uma estrutura
militar permanente; a desconsideração da plebe; a extrapolação do modelo de gestão da
civitas às regiões, conquistadas; o expansionismo populacional em Roma e a própria
expansão territorial devido às conquistas.
O expansionismo enquanto processo foi analisado em seus diversos efeitos:
econômicos, sociais, políticos, militares e jurídicos, caracterizando-se as profundas
alterações transformações que promoveram em relação concepção teórica da república
romana, ao longo de seus quase cinco séculos de existência.
Ênfase particular deu-se à compilação dos fatos políticos e militares precedentes à
transformação, abrangendo um período de pouco mais de um século, considerando-os
como as realidades de sua época, notadamente no século I a.C. A cronologia dos fatos
revelou a crescente desagregação social interna, a falta de concórdia entre os integrantes
das novas classes dirigentes, com as dissensões entre os optimates e os populares, e a mais
completa agressão aos princípios do direito público e suas leis, que deixaram de ser
norteadoras da sociedade romana para tornarem-se figuras de retórica na argumentação em
busca de interesses pessoais.
Nesse período, pôde-se caracterizar a institucionalização de fato do exército, pelo
alheiamento dos integrantes do Senado, agora mais voltados a seus interesses individuais, e
que possibilitou o surgimento de lideranças praticamente independentes do Senado, e com
peso político específico, na medida em que, a par do respaldo que suas tropas
representavam, cortejavam também o apoio popular, na busca de um poder mais amplo.
As tropas não mais vinculadas aos valores originais passaram a atribuir a sua fidelidade
não mais ao populus romanus, e sim àqueles lideres mais promissores, mais vitoriosos e
que lhes pudessem proporcionar maiores resultados em sua luta pela sobrevivência.
4
AIMARD, André ; AUBOYER, Jeannine. História geral das civilizações. Tomo II Roma e seu império.
Vol. 1o. O Ocidente e a formação da unidade mediterrânica. Trad. Pedro Moacyr Campos. 4a ed. São Paulo:
Difusão Européia do livro, 1974, p. 89-247.
5
PEREIRA, Maria Helena da R. Idéias morais e políticas dos romanos. In: Estudos de história da cultura
clássica. v. II Cultura Romana. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984. p. 317 – 421.
6
GABBA, Emilio. Riqueza y clase dirigente romana entre los siglos III y I a.C. In: Sociedad y política en la
Roma republicana (siglos III – I a.C.). Pisa: Pacini Editore, 2000, p. 179 – 193.
Ao mesmo tempo caracterizou-se a continuada e crescente degradação dos
costumes, decorrente principalmente da inusitada riqueza que inundou Roma, e que
possibilitou os gastos suntuários aos favorecidos pela fortuna, transformou os cidadãos
comuns num enorme séquito de parasitas em Roma, tanto do populus romanus enquanto
coletivo quanto de seus mecenas protetores na condição de clientes, agregados ou escravos.
Por outro lado, não só as sangrentas lutas pelo poder de Sula e César, com as suas
ditaduras, mas os próprios triunviratos, o oficioso de César, Pompeu e Crasso, e o formal
de Otávio, Marco Antônio e Lépido, já demonstravam o ocaso do poder do Senado, e a
desconsideração da conformação legalista da república, que persistia apenas na aparência.
Para o confronto entre as considerações teóricas e as realidades práticas também
buscou-se humanizar os fatos registrados pela História, recorrendo-se uma vez mais a
Cícero. A análise de sua obra “Cartas”7 permitiu, com a colação de excertos pertencentes
principalmente aos primeiros meses de 49 a. C., caracterizar algo inesperado, a tibieza do
ser humano Cícero, suas fraquezas e inseguranças, algo totalmente diferente do Cícero
como homem público. Mas o mais importante para este estudo foi poder captar-se suas
opiniões a respeito dos personagens principais, César e Pompeu, em diversos comentários
classificados como iguais e ambos nefastos à republica, se vencedores em sua disputa, e a
suas considerações de que a república já estaria morta “...yo ya no actúo, creeme, en busca
de resultados felices, pues veo que ni con los dos vivos, ni con uno solo, tendremos nunca
república.”8.
Os episódios envolvendo o segundo triunvirato, com as disputas pelo poder,
principalmente entre Marco Antônio e Otávio, também possibilitaram detectar, novamente,
o alheamento do Senado, que se submeteu a Otávio, não só sem resistência como
aquinhou-o com títulos e honrarias inusitadas. Poder-se-iam creditar essas atitudes à eficaz
estratégia de Otávio, de apresentar-se como um igual, um par integrante da classe
dirigente, pertencente e continuador da aristocracia.
Com esses referenciais efetuou-se a sua análise comparativa, o que permitiu deduzir
não só possíveis respostas objetivas às questões enunciadas como também caracterizar as
possíveis causas, principal e derivadas que promoveram essa transformação.
O Senado romano não somente acedeu como mostrou-se servil na suave mas firme
transformação com que Otávio promoveu a mudança de regime. E o fez não só porque a
república com seus fundamentos não mais existia como instituição. O fez porque os
integrantes do Senado além de não sentirem-se ameaçados pessoalmente por Otávio,
apesar de seu poderio bélico, mesmo que na aparência, continuariam com as suas
prerrogativas anteriores, e a aristocracia permaneceria como classe dirigente e com as
benesses correspondentes.
Como causas da transformação, o estudo conclui pelo expansionismo, com todos os
efeitos deste derivados, principalmente os militares, políticos, econômicos e sociais, que
juntamente com a degradação dos costumes destruíram os alicerces da optima republica
tão cara a Cícero. Mesmo mantendo praticamente intactas as instituições Otávio, agora
Augusto, mudou de fato o centro de decisão, caracterizando o novo regime o Império.
Palavras-chave: Transformação da República. Senado e Império. Expansionismo e
República.
7
8
CÍCERO. Cartas. Trad. Miguel Rodriguez-Pantoja Márquez. 2v. Madrid: Editorial Gredos, 1996.
Op. Cit. p. 43.
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