TRANSPORTE URBANO NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE Texto preliminar Mauricio Cadaval Mudanças nos padrões de mobilidade Na linha do que vem ocorrendo em quase todas as metrópoles brasileiras, os padrões de mobilidade da população na Região Metropolitana de Belo Horizonte estão passando por grandes transformações, principalmente a partir de meados da década de 90. Ao mesmo tempo em que se observa um forte crescimento das viagens por modos individuais, sobretudo por automóveis e motocicletas, a procura pelo transporte coletivo vem decrescendo acentuadamente desde 1995. É também marcante o aumento da competição no mercado de transporte coletivo, com presença crescente do transporte informal por kombis e vans (contida recentemente na Cidade de Belo Horizonte mas ainda significativa na Região como um todo) e, provavelmente, dos ônibus fretados. (incluir dados sobre distribuição modal na RMBH) Do ponto de vista da distribuição espacial, o padrão que dominava até alguns atrás, das viagens pendulares da periferia residencial para o Centro Histórico de Belo Horizonte, está sendo progressivamente alterado para incorporar grandes fluxos de deslocamentos por motivo trabalho e compras em direção aos centros secundários de serviços, muitas vezes polarizados pelos shopping centers ou centros comerciais dos municípios periféricos. Esses novos pólos de atração e emprego nem sempre apresentam boas condições de acessibilidade pelo transporte coletivo, cujas redes ainda estão muito presas à estrutura radio-concêntrica tradicional. Por outro lado, as rotas diárias das pessoas estão se tornando cada vez mais complexas, constituindo-se em verdadeiras cadeias de viagens que somam motivos de compras, lazer, ensino etc. ao deslocamento diário principal por motivo trabalho. Esse novo padrão, por sua vez, reforça a atração pelo transporte individual, mais flexível, embora de custo social elevado. Desafios O padrão de mobilidade que vem se impondo nos últimos anos, apoiado sobretudo no transporte privado por automóvel, apresenta desafios sociais consideráveis. Os principais, entre eles, são os congestionamentos no sistema viário urbano, os acidentes e a poluição do ar, todos se manifestando de maneira crescente na Região Metropolitana de Belo Horizonte e representando custos sociais cada vez mais importantes. Os congestionamentos acarretam enormes externalidades negativas para os usuários do transporte coletivo ao reduzir a velocidade operacional dos ônibus e exigir maiores frotas e tripulações para executar o mesmo serviço, o que significa custos e tarifas mais elevados para a população que utiliza esse modo, geralmente de baixa renda. 1 A possibilidade de reverter os problemas da mobilidade por meio de investimentos maciços na ampliação do sistema viário, compatíveis com as altas taxas de crescimento da frota de veículos privados, é muito pequena, não só devido ao grande volume exigido de recursos financeiros, como pelo impacto negativo dessas obras no meio ambiente urbano e sobretudo pelo fato desses investimentos re-alimentarem, em patamares cada vez mais elevados, a demanda de espaço viário que o modelo de transporte privado requer. A experiência internacional mostra que as políticas de transporte urbano centradas apenas em investimentos no sistema viário, ao invés de reduzir4em significativamente os congestionamentos, acabam por estimular a motorização privada e a pressionar ainda mais a demanda por espaço viário, num processo retro-alimentado. Prioridade para o transporte coletivo A alternativa mais eficaz e que proporciona maiores benefícios sociais parece ser a de revalorização do transporte coletivo. __________________________________________________________________________________________________ MOTIVOS PARA A PRIORIDADE NO TRANSPORTE COLETIVO Os congestionamentos crescentes, os elevados índices de emissão de poluentes por veículos e as altas taxas de mortalidade e invalidez por acidentes de trânsito são as manifestações mais aparentes e dramáticas do que está acontecendo com a mobilidade das pessoas nas cidades brasileiras. Já muito graves nas maiores metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo, esses problemas estão se propagando rapidamente para os outros grandes pólos urbanos nacionais. Eles significam perdas na qualidade de vida e na eficiência da economia urbana. Por trás desses problemas está um modelo de expansão da mobilidade fortemente apoiado no transporte individual, sobretudo nos automóveis e motocicletas. O índice de motorização privada nas cidades brasileiras aumentou de 9 veículos por 100 habitantes em 1980 para cerca de 17 em 2000. Para o futuro, a tendência é de crescimento, tendo em vista o aumento das vendas. De 1990 a 2001, as vendas de automóveis aumentaram 128%, enquanto as de motos triplicaram num período bem mais curto, de 1996 a 2000. O transporte coletivo ainda é o responsável pela maioria dos deslocamentos motorizados nas cidades (59% dos passageiros/dia contra 41% do transporte privado). Mas essa participação vem caindo de ano para ano. A continuar essas tendências, as condições inadequadas de congestionamentos, acidentes e poluição podem piorar sensivelmente. Além disso, é de se esperar perdas substanciais na eficiência social das cidades, pois o transporte coletivo apresenta menor consumo de combustível, energia e espaço viário por passageiro, assim como taxas muito menores de emissão de poluentes do que as do transporte privado, como se vê na tabela seguinte. INDICADORES COMPARATIVOS ENTRE ÔNIBUS, MOTOCICLETAS E AUTOMÓVEIS ÍNDICES RELATIVOS POR PASSAGEIRO/KM1 MODO Energia2 Ônibus Poluição3 Custo total4 Área de via 1 1 1 1 Motocicleta 4,6 32,3 3,9 4,2 Automóvel 12,7 17,0 8,0 6,4 Fonte: ANTP Associação Nacional de Transportes Públicos - Desenvolvimento Urbano, Transporte e Trânsito no Brasil. Propostas para debate. São Paulo: ANTP, julho de 2002. p11. Ocupação de 50 pessoas por ônibus, 1 por moto e 1,3 por automóvel. Base calculada em gramas equivalentes de petróleo (diesel e gasolina). Monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos (HC), óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado (MP). Custos totais, fixos e variáveis. Observa-se que as motocicletas poluem 32 vezes mais e gastam 5 vezes mais energia por passageiro do que os ônibus. Os automóveis poluem 17 vezes mais e gastam 13 vezes mais energia do que os ônibus. 2 Os ônibus apresentam também maior eficiência do que os automóveis e vans quando se considera a relação entre o espaço viário consumido e a quantidade de passageiros transportados. É o que indicam as cifras abaixo, apuradas pela CNT - Confederação Nacional dos Transportes, para os corredores de transporte de onze grandes cidades brasileiras. ÁREA UTILIZADA E PASSAGEIROS TRANSPORTADOS PASSAGEIROS TRANSPORTADOS ÍNDICE DE EFICIÊNCIA POR ÁREA DE VIA Automóvel = 1,0 MODO Automóvel 1% de via 0,35% dos passageiros 1,0 Vans e peruas 1% de via 1,00% dos passageiros 2,8 Ônibus 1% de via 2,80% dos passageiros 7,9 Fonte: CNT - Pesquisa CNT. Passageiros nos corredores de transporte. Brasília: CNT, maio 2002, p.23. Mas a implementação dessa política de prioridade para o transporte coletivo não é simples. Em função das externalidades negativas dos congestionamentos no sistema viário, de deficiências do modelo institucional de concessões e de ineficiências no processo de gestão e produção de serviços, os custos operacionais e as tarifas do transporte coletivo estão em nível muito elevado em relação à renda da população que se utiliza desse tipo de serviço. Por outro lado, a produtividade - seja medida em passageiros/veículo, seja em termos de passageiros/quilômetro produzido - tem caído consideravelmente. Por trás desse quadro e, em parte, por causa dele, a demanda está caindo bastante, principalmente nos dois maiores sistemas de ônibus, o de Belo Horizonte e o intermunicipal metropolitano (gerido pelo DER). Paradoxalmente, do lado da oferta, o que tem acontecido é um incremento constante da quilometragem produzida (embora a taxas decrescentes nos últimos anos). A maneira usual de atenuar os impactos desse desequilíbrio entre a oferta e a demanda de serviços é o aumento de tarifas. Contudo, devido à alta elasticidade da demanda em relação à tarifa, esse tipo de política acarreta um efeito inibidor ainda maior sobre a quantidade de passageiros transportados. No caso de Belo Horizonte, devido ao sistema de remuneração dos operadores pelo custo dos serviços prestados, o desequilíbrio entre oferta (e custos) e demanda dos serviços está gerando fortes déficits na Câmara de Compensação Tarifária, sob a responsabilidade do Governo Municipal. _______________________________________________________________________________ PROBLEMAS NA ECONOMIA DOS SISTEMAS DE TRANSPORTE A estrutura tarifária do sistema de transporte público coletivo da RMBH apresenta-se hoje como o resultado de uma desagregação não planejada da antiga estrutura metropolitana. Não há uma política tarifária metropolitana nem mecanismos de compensação entre subsistemas. A integração tarifária ônibus/metrô é um “acordo” de repartição de receitas entre operadores, no qual cada operador contabiliza a receita que arrecada em suas roletas. Os preços de passagem atualmente em vigor nos principais subsistemas da RMBH estão representados na tabela seguinte: 3 PREÇOS DE PASSAGEM NO SISTEMA DE TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO Região Metropolitana de Belo Horizonte - junho/2002 Subsistema Gerenciador Tarifas (R$) Belo Horizonte BHTRANS 0,30 a 1,15 Contagem TransCon 1,10 a 1,25 TRANSBETIM 1,10 Pref. Locais ou DER/MG 1,00 a 1,20 DER/MG 1,15 a 4,60 DEMETRÔ-STU/BH 0,70 Integração Metrô/Ônibus BH - 1,15 Integração Metrô/Ônibus Contagem - 1,25 Integração Metrô/Ônibus DER/MG - 1,25 a 3,10 Betim Sistema intra-municipal demais cidades Sistema intermunicipal metropolitano Metrô (unitário) Fontes: GECET/BHTRANS (2002) e AMBEL (Deliberação 3/01. Minas Gerais, Belo Horizonte, 21 dez.2001. p.40-43). As receitas arrecadadas têm sido permanentemente insuficientes para cobrir os custos dos serviços especificados. O único subsistema onde existe subsídio é o trem metropolitano, uma vez que a diferença entre o custo operacional do serviço e a receita arrecadada pela cobrança de passagens é coberta pelo Governo Federal. A média dessa cobertura, em 1999, foi de 41%. Quanto aos demais subsistemas, a forma de delegação dos serviços às empresas operadoras pelos dois maiores órgãos gestores é diferenciada. O subsistema gerenciado pela BHTRANS, na medida em que se baseia em um contrato que garante a cobertura de custos planilhados, não pressupõe a operação das empresas em regime de mercado. Esse modelo se traduz em um sistema com custos contratados altos, o que, associado à impossibilidade de se definir tarifas compatíveis, leva ao acúmulo de déficits contábeis como o atual, da ordem de R$ 75 milhões (além dos R$53 milhões, arrecadados na licitação dos serviços e que foram canalizados para custeio). No subsistema gerenciado pelo DER-MG, a forma de delegação dos serviços era, até recentemente, bastante semelhante à praticada pela BHTRANS no sistema municipal de Belo Horizonte, com a exceção de não ter sido precedida de processo licitatório. Também nesse subsistema os déficits contábeis foram acumulando, até totalizar R$ 129 milhões, quando foi então modificada a forma de contratação dos serviços. Atualmente, como possíveis déficits não são assumidos pelo poder público, a busca pela eficiência econômico-financeira do sistema provoca mudanças na qualidade do serviço prestado. Qualquer que seja o modelo de contratação dos serviços e, conseqüentemente, de fixação de tarifas, se estas estiverem em patamares elevados, a população mais pobre – a que mais necessita de transporte coletivo – pode perder sua capacidade de utilizá-lo. Há, portanto, que se encontrar novas formas de contratação de serviços e fixação de tarifas. A evolução da demanda no sistema de transporte coletivo por ônibus dos dois maiores subsistemas da RMBH (BHTRANS e DER/MG) tem se caracterizado pelas quedas sucessivas do número de passageiros pagantes, como pode ser observado na tabela seguinte. Observe-se que, além dos passageiros pagantes, o sistema ainda transporta, gratuitamente (atendendo a disposições diversas), o equivalente a cerca de 12% desses passageiros. EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE PASSAGEIROS PAGANTES NOS SUBSISTEMAS MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE E INTERMUNICIPAL METROPOLITANO (GERENCIADO PELO DER/MG) 1995 a 2001 (em mil passageiros / ano) Sistema 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 B. Hte. 556.458,4 548.880,0 532.276,8 518.934,3 480.892,8 446.188,9 417.722,9 DER/MG 285.000,0 288.000,0 292.000,0 286.832,5 256.901,5 236.148,5 221.039,4 TOTAL 841.458,4 836.880,0 842.276,8 805.766,8 737.794,3 682.337,4 638.762,3 Fontes: BHTRANS (2001: 9) para Belo Horizonte e TRANSPORTE...(1998: 7), DER/MG (1999: 47), DER/MG (2001: 21) para DER/MG. Essa situação, longe de ser uma característica local, tem sido verificada em diferentes regiões e cidades do País. Da análise dos problemas econômicos e institucionais do setor dos transportes coletivos, realizada pela Associação das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) em 1998, a partir de pesquisas realizadas em onze das maiores cidades brasileiras, entre elas, Belo Horizonte com sua região metropolitana, pode-se categoricamente afirmar que: 4 “Depois de quase três décadas de crescimento, a demanda de transporte público vem apresentando tendência de queda a partir da segunda metade dos anos 80, apenas interrompida em 1995 quando o crescimento da renda decorrente do Plano Real provocou uma súbita expansão da mobilidade urbana” (Transporte Público Urbano: Crise & Oportunidades. Brasília: NTU, 1998. 57p.,versão preliminar, agosto de 1998). E a NTU vai um pouco mais longe em sua análise, ao afirmar que parece haver “um longo período de perda de mercado do transporte coletivo para o individual, não só nas grandes cidades [brasileiras] como nos principais centros urbanos do mundo” (Transporte Público Urbano; Crise & Oportunidades. Brasília: NTU, 1998. 57p. ,versão preliminar, agosto de 1998). A recuperação de passageiros observada na RMBH a partir de agosto de 2001, graças ao fim dos “perueiros”, não foi suficiente para interromper a tendência de queda anual constante da demanda. Essa redução de passageiros no sistema de transporte coletivo da RMBH resulta de uma série de questões endógenas e exógenas ao setor, podendo destacar, dentre outros, os seguintes fatores: investimentos insuficientes no transporte sobre trilhos; escassez de investimento nos sistemas sobre pneus; “incentivos” ao uso indiscriminado do automóvel; o aumento das tarifas acima da capacidade de pagamento; e, a dinâmica de ocupação do solo urbano. Esses fatores vêm estimulando a transferência de passageiros para outros modos como carro, moto, bicicleta ou a pé. Só nas viagens a pé, estima-se que o Brasil tenha dado um salto, em dez anos, de patamares de 20 a 25% para 30 a 50%. Com efeito, as condições atuais de planejamento e operação dos sistemas de transporte e trânsito nas cidades brasileiras não contribuem para a melhoria do transporte coletivo. Por exemplo, a quantificação das deseconomias geradas pelos congestionamentos urbanos em dez cidades brasileiras, entre elas Belo Horizonte, é um alerta para os gerenciadores, conforme pode ser observado em estudo concluído em 1998, coordenado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em parceria com a ANTP - Associação Nacional de Transporte Público (Redução das deseconomias urbanas com a melhoria do transporte público. Rio de Janeiro/São Paulo: IPEA/ANTP. 1998. 90p.). O congestionamento causa grande impacto no custo do sistema de ônibus, levando à necessidade de se ter em circulação um número adicional elevado de veículos para cumprir a especificação de viagens que precisa ser realizada. No caso de Belo Horizonte, o número adicional de veículos foi estimado em 315, o que equivale a 11,73% da frota total. O impacto estimado no custo operacional é da ordem de 6%, que tem reflexo direto na tarifa e onera, desnecessariamente, a todos os usuários. Fazendo uma comparação com outras cidades, vê-se que a situação em Belo Horizonte é muito pior que a observada em Brasília, por exemplo, onde o impacto do congestionamento é de menos de 1%. Por outro lado, a situação da capital mineira ainda é, de longe, melhor que a observada em São Paulo, onde se observa um impacto de 15,8% no custo operacional e um excesso de frota (3.342 ônibus) que, sozinho, é maior que toda a frota gerenciada pela BHTRANS. Comparando a área relativa que um passageiro de automóvel ocupa com a área relativa ocupada por um passageiro de ônibus, a pesquisa mostra Belo Horizonte e o Rio de Janeiro nas primeiras posições. Para comparar, vale destacar a situação de Campinas, onde o passageiro do automóvel ocupa 6,73 vezes mais espaço (relativo) que o do ônibus, enquanto que em Belo Horizonte esta proporção é de 25,63 vezes e no Rio de Janeiro de 27,60. A partir de uma metodologia especial, no citado estudo foram monetarizadas as deseconomias decorrentes dos congestionamentos nas cidades pesquisadas. Além do impacto no custo operacional acima relatado, o relatório indica a ocorrência em Belo Horizonte de deseconomias da ordem de R$ 22,5 milhões/ano, relativas a tempo de viagem, consumo de combustível, poluição e sistema viário. __________________________________________________________________________________________________ A saída para esse conjunto de problemas e desafios parece estar numa política que, de um lado, proporcione a redução dos custos operacionais e, de outro, estimule o crescimento da demanda por meio da maior atratividade do transporte coletivo. A medida-chave para obter a redução dos custos operacionais é separar a infra-estrutura viária utilizada pelo transporte coletivo das vias destinadas ao tráfego geral e que, atualmente, são ocupadas sobretudo pelo transporte privado. Isso é possível por meio da implantação de uma rede de vias exclusivas para o transporte coletivo, o que permitiria aumentar a velocidade operacional dos coletivos e evitar os impactos negativos, sobre eles, dos congestionamentos. Além de reduzir custos, essa medida contribui para aumentar a atratividade do transporte coletivo ao proporcionar menores tempos de viagem para os usuários. Há muitas maneiras de aumentar a atratividade do transporte coletivo mas, sem dúvida, as principais entre elas implicam em reduzir tempos de viagem, melhorar a regularidade dos serviços e aumentar a cobertura espacial das redes de serviços. Esse último objetivo é particularmente importante e resulta em maior acessibilidade para os usuários dos diferentes setores da área urbana. 5 A implantação de vias exclusivas para o transporte coletivo no sistema viário urbano tem se mostrado uma medida eficaz para resolver os problemas apontados, aumentar a eficiência dos serviços de ônibus e dotá-los de maiores vantagens competitivas no mercado de transporte urbano. Ao criar infra-estruturas viárias exclusivas para a circulação do transporte coletivo aumenta-se a velocidade dos ônibus, com impactos positivos sobre os tempos de viagem e conforto dos usuários, os custos operacionais, as tarifas e a regularidade/confiabilidade dos serviços. Uma das grandes vantagens das medidas de prioridade para o transporte coletivo por ônibus é o seu baixo custo por quilômetro, quando comparadas, por exemplo, aos metrôs e ferrovias de subúrbio. Entretanto, a questão do custo de investimento não diz respeito apenas à tecnologia modal, mas está relacionada com o grau de segregação da via (e, portanto, de eficiência operacional), com sua capacidade de transporte e com a disponibilidade de terrenos, o que condiciona os gastos com desapropriação. Rede metropolitana integrada Atualmente, os serviços de transporte na Região Metropolitana de Belo Horizonte estão organizados em várias redes independentes, de caráter quase autárquico. Cada uma delas é gerida por organizações governamentais que não se articulam entre si e são pertinentes a diferentes sistemas político-administrativos. Isso faz com que os usuários do transporte coletivo tenham que se valer de diferentes redes e serviços, muitas vezes sem qualquer coordenação operacional, para atingirem seus objetivos no espaço metropolitano. Como as tarifas são cobradas por linha e uma viagem pode exigir a utilização de várias linhas de sistemas diferentes, a presença de vários serviços independentes acaba por onerar bastante o orçamento de transporte das famílias. __________________________________________________________________________________________________ ESTRUTURA ATUAL DO TRANSPORTE COLETIVO Atualmente, o sistema de transporte público coletivo da RMBH é constituído por um subsistema sobre trilhos (Trem Metropolitano) e nove subsistemas sobre pneus. Sete são os subsistemas municipais (de Belo Horizonte, Betim, Contagem, Ibirité, Santa Luzia, Pedro Leopoldo e Ribeirão das Neves), enquanto dois subsistemas são gerenciados pelo DER/MG (o subsistema intermunicipal e um subsistema intra-municipal, incluindo todos os municípios metropolitanos que não municipalizaram os serviços locais). Vale observar que o único subsistema de maior relevância que não dispõe de um plano estratégico para a orientação das intervenções do órgão gestor é o intermunicipal, gerenciado pelo Estado, embora já tenha sido iniciada a sua elaboração. Não se considerando os subsistemas de menor expressão, tem-se hoje na RMBH a seguinte distribuição de passageiros transportados por dia útil: 6 DISTRIBUIÇÃO DOS PASSAGEIROS DO TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO, POR SUBSISTEMA Região Metropolitana de Belo Horizonte - Novembro de 1999 Subsistema (gestor) Belo Horizonte (BHTRANS) N.º Passageiros/dia útil % passageiros 1.544.875 61,2 Contagem (TransCon) 69.129 2,7 Betim (TRANSBETIM) 63.784 2,5 Intramunicipais (DER/MG) 49.169 1,9 Intermunicipal (DER/MG) 704.222 27,9 93.373 3,7 2.524.552 100,0 Trem Metropolitano (CBTU) TOTAL RMBH Fonte: ESTRUTURA... (2001: 27, 40, 41). Conforme se pode observar, o transporte público coletivo da RMBH é preponderantemente baseado no transporte sobre pneus, responsável por mais de 96% dos passageiros. Sua operação está delegada a agentes privados, em sua quase totalidade, visto ser o Trem Metropolitano o único serviço diretamente operado pelo poder público. Os subsistemas sobre pneus são gerenciados pelo poder público (estadual e municipais), dentro de um espectro organizacional bastante diversificado. O gerenciador pode ser uma empresa pública da administração indireta (como em Belo Horizonte) ou um órgão da administração direta (como em Contagem). Os dois grandes subsistemas da RMBH, que juntos respondem por quase 90% dos passageiros transportados são o subsistema municipal de Belo Horizonte, gerenciado pela BHTRANS, e o subsistema intermunicipal metropolitano, gerenciado pelo DER/MG. Entre eles há uma grande diferenciação de modelos gerenciais, apresentando um quadro bastante complexo que inclui a disputa por passageiros em determinados trechos. Do ponto de vista legal, os subsistemas que promoveram licitação para delegação dos serviços de transporte coletivo por ônibus foram os municípios de Belo Horizonte, Betim e Pedro Leopoldo. Os demais municípios, assim como o subsistema intermunicipal metropolitano, encontram-se, na sua quase totalidade, com contratos vencidos, dependentes de tomada de decisão acerca do início dos respectivos processos licitatórios. O município de Contagem iniciou o seu processo más este foi interrompido por decisão judicial. No subsistema municipal de Belo Horizonte, as empresas operadoras são sub-concessionárias e têm a atribuição de operar lotes de veículos até o ano de 2008. Sob a gerência e fiscalização da BHTRANS, que é a concessionária municipal, os serviços prestados pelas sub-concessionárias são remunerados com base na quilometragem rodada, frota empenhada, nível de produtividade e desempenho operacional. As tarifas são estabelecidas pelo Poder Executivo Municipal e a compensação de custos e receitas entre as empresas operadoras é feita pela Câmara de Compensação Tarifária (CCT) gerenciada pela BHTRANS. As intervenções no sistema municipal de Belo Horizonte decorrem do Plano de Reestruturação do Sistema de Transporte Coletivo de Belo Horizonte (BHBUS), que vem sendo implementado pela BHTRANS desde 1998. O BHBUS foi concebido como um “sistema tronco-alimentado”, com os passageiros das chamadas bacias de alimentação sendo transportados até terminais ou pontos de integração para, daí, serem transportados para os pólos principais de interesse. Por sua vez, a reestruturação do subsistema intermunicipal metropolitano, gerido pelo DER/MG, aguarda a conclusão do Plano Metropolitano de Transportes (METROPLAN), que, como já dito, encontra-se em fase inicial de elaboração. Duas decisões recentes da Assembléia Metropolitana (AMBEL), de dezembro de 2001, alteraram bastante o cenário de gerenciamento do subsistema intermunicipal de transporte. A primeira foi a extinção da CCT até então administrada pelo DER/MG. Pelos termos da deliberação, o mecanismo de compensação tarifária entre linhas metropolitanas fica substituído pelo mecanismo de equilíbrio interno das regiões operacionais e empresas delegatárias. A medida, acompanhada de realinhamento e reajustamento tarifário das linhas é, na prática, a adoção do modelo em vigor em grande parte do Brasil: a receita auferida nas roletas pertence às empresas e não há mais déficits ou superávits a serem compensados entre empresas e períodos. A segunda decisão da AMBEL relaciona-se à extinção da gratuidade a determinadas categorias de pessoas com deficiência e doença. Tal decisão, que ainda vem sendo interpretada, põe em cheque o único mecanismo metropolitano que ainda resiste funcionando apenas com ajustes técnico-operacionais desde que foi implementado pela METROBEL na década de 1980. Os únicos usuários que ainda utilizam os diversos sistemas de transporte por ônibus de toda a RMBH como uma rede são as pessoas credenciadas com o Cartão Metropolitano de Transporte (CMT). No tocante aos aspectos operacionais de controle dos serviços de transporte coletivo especificados e realizados, ressaltese que o ano de 2001 foi marcado pelo início da implantação da bilhetagem eletrônica em Belo Horizonte, compatível com o sistema implantado nas estações do Trem Metropolitano. Também em 2001, Betim inaugurou seu sistema de bilhetagem eletrônica, estando o DER/MG e a Prefeitura de Contagem em fase de especificação dos seus. _______________________________________________________________________________ 7 A solução para isso consiste em constituir uma rede metropolitana integrada de serviços de transporte, mesmo que de sua operação participem diferentes categorias modais (ônibus, trens, vans etc.) e organizações. Os serviços seriam tarifados com base no tempo de acesso a essa rede de transporte (e não mais por linha) e, sempre que possível, seriam implantados mecanismos de coordenação operacional entre linhas e sub-sistemas modais. A integração tarifária da rede poderia ser feita com base num sistema de bilhetagem automática (como o que se encontra em implantação em Belo Horizonte), dispensando os grandes investimentos em terminais fechados geralmente requeridos pelas soluções convencionais. Uma rede integrada de tais dimensões pressupõe uma certa hierarquização operacional, a fim de evitar excessiva superposição de linhas em determinados eixos viários, o que aumenta os custos totais do sistema de transporte e reduz a velocidade comercial dos coletivos, mesmo coma implantação de vias exclusivas. Assim, ao lado da implantação de uma sub-rede mínima de corredores metro-ferroviários de alta capacidade (programa já em implantação), deve ser necessário um conjunto articulado de linhas-tronco rodoviárias nos principais eixos das bacias de transporte, alimentadas por linhas de menor capacidade nas áreas periféricas de demanda mais rarefeita. Mudanças na gestão do transporte coletivo A implantação de uma rede integrada como a descrita envolve um amplo acordo entre as áreas e esferas de governo que administram os serviços de transporte e entre os concessionários privados vinculados a cada uma delas. Para que esses acordos sejam viáveis, é possível que o número de gestores e operadores tenha que ser reduzido por meio da constituição de consórcios, fusões e convênios, o que, por si só já resulta em economia de custos operacionais. Nessa reforma institucional, é de fundamental importância rever o papel das organizações estatais - que devem se constituir como reguladores e definidores dos objetivos estratégicos a serem alcançados pelo sistema de transporte - e das empresas privadas concessionárias, que precisam ganhar maior autonomia para as decisões operacionais e, em contrapartida, assumir, em maior proporção, os riscos de demanda. De qualquer maneira, haverá necessidade de uma entidade governamental, de caráter executivo, que faça a coordenação geral das políticas de transporte. Há várias soluções para isso, mas todas elas supõem a existência um sólido sistema de apoio à tomada de decisões, nos moldes de um colegiado, no qual se assegure a participação efetiva das Prefeituras Municipais nas decisões da política de transporte. Coordenação transporte- trânsito Qualquer atuação governamental relativa à re-estruturação do transporte coletivo na RMBH não se viabilizará sem um sistema coordenado de planejamento e operação do trânsito, hoje tarefas à cargo das prefeituras municipais, com o apoio de organizações estaduais (Polícia Militar, DETRAN etc.). Isso porque o transporte coletivo opera no sistema viário e, mesmo dispondo de vias exclusivas e segregadas para parte de suas linhas, sempre terá a maior parte de suas ligações em tráfego misto, além de muitas interfaces das vias exclusivas com as vias onde flui o tráfego 8 geral. Além disso, metas sociais importantes como a redução dos acidentes e o controle da emissão de gases poluentes pelos veículos dependem estreitamente das políticas de operação e fiscalização do trânsito. A eficiência de tais políticas se vê bastante reduzida quando as municipalidades adotam critérios conflitantes para a sua intervenção, principalmente tratando-se do controle do tráfego no sistema arterial metropolitano. Articulação do transporte metropolitano com os sistemas de longa distância Outro foco importante na tentativa de integrar as estratégias de mobilidade na RMBH é a articulação dos sistemas municipais e metropolitanos de transporte urbano de passageiros com os sistemas de transporte de longa distância (sobretudo rodoviários e aéreos). Nesse sentido, é da maior importância a implantação de uma rede descentralizada de terminais (estações rodoviárias, terminais aeroviários etc.), articulada com os eixos principais da rede metropolitana de transporte coletivo. A implantação de grandes terminais deve ser evitada, sempre que possível, não só pelas dificuldades de acesso e gestão, mas sobretudo pelos impactos negativos que trazem para a circulação nos trechos lindeiros do sistema viário metropolitano. (incluir considerações sobre a distribuição de cargas urbanas)) 9