UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Escola de Engenharia de Materiais Mestrado Profissional em Engenharia de Materiais ISÁC ALMEIDA DA SILVA SINTERIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO ESTRUTURAL, TÉRMICA E ELÉTRICA DO COMPÓSITO BiSrCaCu0 (COPRECIPITADO) São Paulo 2013 ISÁC ALMEIDA DA SILVA SINTERIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO ESTRUTURAL, TÉRMICA E ELÉTRICA DO COMPÓSITO BiSrCaCuO (COPRECIPITADO) Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado Profissional de Engenharia de Materiais da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção de título de Mestre Profissional em Engenharia de Materiais. ORIENTADOR: PROF. DR. JUAN ALFREDO GUEVARA CARRIÓ São Paulo 2013 S586s Silva, Isác Almeida da Sinterização e caracterização estrutural, térmica e elétrica do compósito BiSrCaCuO (coprecipitado). / Isác Almeida da Silva – São Paulo, 2014. 97 f.: il.; 30 cm. Dissertação (Programa de Pós-Graduação (Stricto Sensu) em Engenharia de Materiais) - Universidade Presbiteriana Mackenzie São Paulo, 2014. Orientador: Prof. Dr. Juan Alfredo Guevara Carrió Bibliografia: f. 75-80 1. Sistema supercondutor BSCCO. 2. Rotas distintas de sinterização. 3. Propriedades físicas e químicas. I.Título. CDD 620.11 ISÁC ALMEIDA DA SILVA SINTERIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO ESTRUTURAL, TÉRMICA E ELÉTRICA DO COMPÓSITO BiSrCaCu0 (COPRECIPITADO) Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado Profissional de Engenharia de Materiais da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção de título de Mestre Profissional em Engenharia de Materiais. Aprovado em 05 de fevereiro de 2014. BANCA EXAMINADORA ______________________________________________________________ Prof. Dr. Juan Alfredo Guevara Carrió Universidade Presbiteriana Mackenzie Prof. Dr. Waldemar Alfredo Monteiro Universidade Presbiteriana Mackenzie Prof.ª Dr.ª Denise Ribeiro dos Santos Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF Dedico este trabalho a Deus e às duas mulheres que mudaram definitivamente a minha vida: minha mãe e minha esposa. AGRADECIMENTOS A Deus, profundo conhecedor dos desejos de meu coração, que me faz trilhar por veredas de vales escuros, mas as clareia tal qual o caminho do justos que, como a luz da aurora, vai brilhando, brilhando, até ser dia perfeito. A minha mãe Dulcinéia Almeida da Silva que me tomou pela mão e me ensinou que o caminho estreito é o mais difícil de trilhar, mas é o que leva à mais saborosa vitória. Ao meu orientador professor doutor Juan Alfredo Guevara Carrió, que abriu intervalos impossíveis em sua agenda para me escutar e orientar. A minha esposa, doutora Laodicéia Monteiro Almeida da Silva pela paciência e constante oração em meu favor. A minha filha Isabelle Stéphanie Brown Monteiro Almeida pelo auxílio técnico constante e incansável. Pelas palavras de carinho e ânimo nos momentos aflitivos. Ao meu filho Victor Lion Brown Monteiro Almeida pelo carinho sempre presente e sorriso sincero, puros combustíveis para mim nesta empreitada. A minha irmã professora doutora Eunice Almeida da Silva, USP, pelo companheirismo e incentivo com a própria carreira universitária exemplar. A professora doutora Denise Ribeiro dos Santos, UENF, pelas competentes e precisas orientações, sem as quais eu teria enormes dificuldades na conclusão deste trabalho. Ao professor doutor Waldemar Alfredo Monteiro, decano da UPM e da USP, pelos aconselhamentos, orientações e cuidado tão necessários para a finalização desta pesquisa. Ao professor doutor Marcel Mendes, vice reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pelo incentivo e empenho para o desenvolvimento de minha carreira universitária. Aos professores doutores Mauro Cesar Terence, UPM, Arnaldo Homobono Paes de Andrade, USP, e Antônio Augusto Couto, UPM/USP, pelo apoio e atenção nos momentos precisos. Ao ex-aluno, hoje graduando e estagiário da UPM, Marcos Vinicius Surmani Martins pelo auxílio em preparações e refinamentos. Aos mestres do laboratório de engenharia de materiais Abner Cabral Neto, Luiz Henrique Silveira, Maria Lioba Crespo (Liuba) e Rogério Aparecido Lopes da Silva pela disposição de me acompanhar na execução dos diversos ensaios. Às secretárias do núcleo de engenharia de materiais Brunelly "Bruna" Lopes e Lara Coninck pelas comunicações constantes e necessárias. Ao estagiário do laboratório de engenharia Emerson Cândido de Oliveira, pelo acompanhamento nas medidas de condução elétrica do material. “... para que se torne conhecida a multiforme sabedoria de Deus, que tudo criou.” Efésios cap.3 vers.9,10 RESUMO A denominada física de baixas temperaturas teve o seu desenvolvimento a partir dos estudos do físico holandês Karmelingh Onnes, no início do século XX (1908), quando pela primeira vez obteve a liquefação do hélio. Estudando a partir de então o comportamento de elementos químicos a baixas temperaturas, ele constatou três anos depois que a resistência à passagem da corrente elétrica do mercúrio sofreu uma queda a zero, quando à temperatura de 4,2 K, - 269 °C. Este fenômeno passou a ser chamado de supercondutividade. Nos anos seguintes muitos materiais metálicos supercondutores foram encontrados, todos, porém, com uma temperatura crítica baixíssima. Com a intenção de elevar esta temperatura, dopagens em compósitos supercondutores, tais como o BSCCO – BiSrCaCuO vêm sendo efetuadas. Neste trabalho foram estudadas, discutidas e comparadas as propriedades físicas e químicas do compósito BSCCO após rotas distintas de sinterização. As soluções precursoras foram preparadas pelo método de M. Pechini, obtendo-se um material em forma de pó que, após moagem, calcinação, prensagem e sinterização, foram caracterizados, utilizando-se difração de raios X (DRX), microscopia eletrônica (MEV) e espectroscopia de energia dispersiva (EDS).. A estrutura cristalina do material obtido foi refinada até fatores de discordância Rwp = 5,43% e RBragg = 2,54%, verificando-se a presença de 91,3% da fase 2234 do compósito BSCCO, altamente supercondutora e de rara obtenção e 8,7% de outras fases. Palavras-chave: Sistema supercondutor BSCCO. Rotas distintas de sinterização. Propriedades físicas e químicas. ABSTRACT The so-called low-temperature physics had its development from studies of the dutch physicist Karmelingh Onnes, in the early twentieth century (1908), when he first got the liquefaction of helium. Studying thereafter the behavior of chemicals at low temperatures, three years after he found that resistance to the passage of electric current of mercury fell to zero for temperature equal to 4,2 K or -269ºC. This phenomenon came to be called superconductivity. In the following years many metallic superconductors were found, all, however, with a very low critical temperature. Intending to raising this temperature, doping in composite superconductors, such as BSCCO – BiSrCaCuO have been made. In this research, physical and chemical properties of BSCCO composite were studied and discussed. This was done after different sintering routes. The precursor solutions were prepared by M. Pechini method, obtaining a material in powder form that was milled, calcinated, pressed, sintered, and then the characterization of samples was carried out using X-ray diffraction (XRD), electron microscopy (SEM) and energy dispersive spectroscopy (EDS). The crystal structure of the material was refined by Rietveld method, by factors of disagreement Rwp = 5,43% e RBragg = 2,54%, checking 91,3% of phase 2234 BSCCO composite, which it is highly superconducting and rarely obtained together with 8,7% of other phases. Keywords: Superconducting system BSCCO. Different routes sintering. Physical and chemical properties. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 01: Gráfico da resistência (Ω) do mercúrio em função da temperatura (K). Em anotações do próprio caderno de registro de Onnes, vê-se a resistência multiplicada pelo fator 104, em um aumento de 0,1 K..................................................................02 Figura 02: Parâmetros delimitadores da supercondutividade, T C, HC e IC. Acima destes valores críticos não há supercondução.........................................................05 Figura 03: Magnetização dos supercondutores do tipo I em função do campo magnético externo aplicado......................................................................................08 Figura 04: Magnetização dos supercondutores do tipo II em função do campo magnético externo aplicado......................................................................................09 FIGURA 05: Diamagnetismo obtido pelo processo Zero Field Cooling (ZFC)........11 FIGURA 06: Diamagnetismo obtido pelo processo Field Cooling (FC)....................12 FIGURA 07: Levitação de um supercondutor sobre um ímã permanente imerso em nitrogênio líquido......................................................................................................13 FIGURA 08: Densidade de superelétrons ou portadores de carga elétrica supercondutores em função da temperatura do material..........................................17 FIGURA 09: Variação da densidade de superelétrons nS e decaimento do campo magnético no interior Bin do supercondutor do tipo I – ( ).................................19 FIGURA 10: Variação da densidade de superelétrons nS e decaimento do campo magnético no interior Bin do supercondutor do tipo II – ( )................................20 FIGURA 11: Estrutura de um vórtice: (a) sentidos da densidade de corrente j e do campo magnético h no interior do vórtice; (b) decaimento exponencial do campo a partir do centro do vórtice; (c) distribuição da densidade de superelétrons nS a partir do centro do vórtice....................................................................................................21 FIGURA 12: Interação elétron – elétron por meio de um fônon, base para a Teoria BCS................................................................................................................22 FIGURA 13: A formação dos Pares de Cooper: (a) entrada do elétron na rede cristalina; (b) interação elétron – fônon; (c) par de Cooper.......................................23 FIGURA 14: Representação dos elétrons dos Pares de Cooper : momentos lineares de módulos iguais e sentidos opostos – spins opostos – singleto de spins..............25 FIGURA 15: Transição para o estado supercondutor do sistema YBCO..................28 FIGURA 16: Estrutura do YBa2Cu3O7......................................................................29 FIGURA 17: Evolução dos valores de temperatura crítica até 1990........................30 FIGURA 18: Evolução atualizada dos valores de temperatura crítica de elementos químicos e compósitos..............................................................................................31 FIGURA 19: Sistema BSCCO – estruturas das fases supercondutoras 2201, 2212 e 2223....................................................................................................32 FIGURA 20: Cela unitária de uma estrutura perovskita ideal...................................33 FIGURA 21: Estrutura perovskita visualizada a partir dos octaedros BO6...............33 FIGURA 22: Estruturas cristalinas do SISTEMA BSCCO não dopado (a) e dopado (b) com Pb....................................................................................................36 FIGURA 23: Variação percentual das fases Bi-2212 e Bi-2223 em fusão da adição de Ag2O no sistema BPSCCO..................................................................................38 FIGURA 24: Esquema descritivo do método dos precursores poliméricos..............40 FIGURA 25: Esquema descritivo do processo sol-gel..............................................41 FIGURA 26: Fotografia da separação dos acetatos da Solução A..........................42 FIGURA 27: Fotografia da Solução A em agitador magnético.................................43 FIGURA 28: Fotografia da Solução B em banho de gelo em fusão........................44 FIGURA 29: Fotografia da filtragem à vácuo da mistura das soluções A e B.........44 FIGURA 30: Fotografia da moagem manual em almofariz de ágata e retirada de fragmentos após secagem no forno.........................................................................45 FIGURA 31: Fotografia da moagem do material após calcinação............................46 FIGURA 32: Fotografia da primeira pastilha do lote LI preparada o processo de sinterização...............................................................................................................47 FIGURA 33: Rota das temperaturas em função do tempo no processo de sinterização das pastilhas do lote LI ........................................................................47 FIGURA 34: Fotografia do cadinho com as pastilha do lote LII para início do processo de sinterização..........................................................................................48 FIGURA 35: Rota das temperaturas em função do tempo no processo de sinterização das pastilhas do lote LII .......................................................................48 FIGURA 36: Esquema do equipamento NETZSCH TERMAL ANALYSIS................50 FIGURA 37: Linha gráfica típica do equipamento NETZSCH TERMAL ANALYSIS.51 FIGURA 38: Análise do tamanho de partícula do pó.................................................55 FIGURA 39: Fotografia do gráfico da análise térmica...............................................56 FIGURA 40: Imagem (MEV) da primeira pastilha do lote LI.......................................57 FIGURA 41: Incrustação de partícula no material da primeira pastilha do lote LI......58 FIGURA 42: Imagem (MEV) da incrustação em material – lote LI.............................58 FIGURA 43: Imagem da primeira pastilha do lote LI, com a distribuição de elementos dada pelo EDS...........................................................................................................58 FIGURA 44: Gráfico da contagem de elementos químicos na primeira pastilha do lote LI........................................................................................................................59 FIGURA 45: Imagem (MEV) da segunda pastilha do lote LI....................................60 FIGURA 46: Gráfico da contagem de elementos químicos na segunda pastilha do lote LI........................................................................................................................61 FIGURA 47: Quadro de localização dos elementos químicos presentes na segunda pastilha do lote LI.......................................................................................................62 FIGURA 48: Imagem da estrutura morfológica da primeira pastilha do lote LI ........63 FIGURA 49: Imagem (011739) da estrutura morfológica do BSCCO......................63 FIGURA 50: Imagem (011744) da estrutura morfológica do BSCCO........................64 FIGURA 51: Imagem de fenda na primeira pastilha do lote LII..................................65 FIGURA 52: Imagem ampliada da fenda na primeira pastilha do lote L II.................65 FIGURA 53: Imagem (MEV) da segunda pastilha do lote LII....................................66 FIGURA 54: Quadro de localização dos elementos químicos presentes na segunda pastilha do lote LII.......................................................................................................66 FIGURA 55: Imagem da estrutura morfológica da primeira pastilha do lote L II ........68 FIGURA 56: Imagem (011747) da estrutura morfológica do BSCCO........................68 FIGURA 57: Ajuste do difratograma para a amostra de BSCCO – primeira pastilha do lote LI – tratada a 900ºC – fase 2234...................................................................71 FIGURA 58: Ajuste do difratograma para a amostra de BSCCO – primeira pastilha do lote LII – tratada a 810ºC – fase 1112...................................................................73 LISTA DE TABELAS TABELA I: Parâmetros delimitadores da supercondutividade nos supercondutores metálicos de baixa temperatura crítica (LTS).......................................................09/10 TABELA II: Temperatura crítica TC para elementos químicos supercondutores......30 TABELA III: Características das fases supercondutoras do sistema BSCCO..........34 TABELA IV: Reagentes utilizados e respectivas massas molares...........................39 TABELA V: Contagem dos elementos detectados na segunda pastilha lote LI.......61 TABELA VI: Contagem dos elementos detectados na segunda pastilha lote LII.......67 TABELA VII: Resultados do refinamento para a Fase 1 (2234)...............................69 TABELA VIII: Posições atômicas, fatores de ocupação e de vibração térmica da Fase 1 (2234)............................................................................................................69 TABELA IX: Resultados do refinamento para a Fase 2 (2234)...............................70 TABELA X: Posições atômicas, fatores de ocupação e de vibração térmica da fase 2 (2234)........................................................................................................................70 TABELA XI: Resultados do refinamento para a Fase 1 (1112)...............................72 TABELA XII: Resultados do refinamento para a Fase 2 (1112)...............................72 TABELA XIII: Resultados do refinamento para a Fase 3 (1112)...............................72 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO............................................................................................1 1.1 A supercondução de Kamerlingh-Onnes: Manifestação de efeitos Quânticos em escala macroscópica...........................................................1 1.2 Objetivo geral..............................................................................................3 1.3 Objetivos específicos..................................................................................3 1.4 Justificativa..................................................................................................4 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA......................................................................4 2.1 Os parâmetros delimitadores da supercondutividade.................................4 2.1.1 A corrente elétrica e a densidade de corrente críticas................................5 2.1.2 A temperatura e o campo magnético críticos.............................................6 2.2 Uma propriedade surpreendente dos supercondutores: o Efeito Meissner-Ochsenfeld – A levitação..........................................................10 2.3 As explicações para a supercondutividade de Onnes e seus parâmetros delimitativos...........................................................................14 2.3.1 As primeiras explicações teóricas – Teorias fenomenológicas................14 2.3.1.1 A Teoria dos London e o comprimento de penetração............................14 2.3.1.2 A Teoria de Ginzburg – Landau, a “macroscópica”.................................16 2.3.1.3 A extensão de Abrikosov – os vórtices....................................................18 2.3.2 A Teoria BCS, a “microscópica”...............................................................21 2.3.2.1 A interação elétron – elétron via fônon......................................................21 2.3.2.2 Os pares de Cooper, o gap de energia....................................................23 2.4 Os supercondutores de alta temperatura – HTS.....................................27 2.4.1 A evolução da temperatura crítica - TC....................................................27 2.4.2 A supercondução no sistema BSCCO.....................................................31 2.4.2.1 A descoberta e a estrutura do sistema.....................................................31 2.4.2.2 A dopagem do sistema BSCCO...............................................................34 2.4.2.2.1 A dopagem do sistema BSCCO com chumbo – BPSCCO......................35 2.4.2.2.2 A dopagem do sistema BPSCCO com prata...........................................36 3. MATERIAIS E MÉTODOS......................................................................39 Materiais...................................................................................................39 Métodos....................................................................................................40 Preparação dos coprecipitados................................................................42 Processo de calcinação............................................................................45 Processos de sinterização........................................................................46 Análise do tamanho do pó produzido.......................................................49 Análises térmicas.....................................................................................50 Microscopia eletrônica de varredura (MEV).............................................52 Espectrometria de energia dispersiva de RX...........................................53 Difração de RX.........................................................................................54 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO...........................................................55 5. CONCLUSÕES....................................................................................73 6. SUGESTÕES PARA TRABALHOS FUTUROS.................................74 REFERÊNCIAS 1. INTRODUÇÃO 1.1 A SUPERCONDUTIVIDADE DE KAMERLINGH-ONNES: MANIFESTAÇÃO DE EFEITOS QUÂNTICOS EM ESCALA MACROSCÓPICA No início do século XX, nos idos de 1908, o físico Heike Kamerlingh Onnes, Diretor do Laboratório de Baixas Temperaturas da Universidade de Leiden, na Holanda, comunicou em um relatório detalhado à Royal Netherlands Academy of Arts and Sciences (KNAW), ter liquefeito o gás hélio. Por este importante avanço tecnológico e científico, Kamerlingh Onnes foi agraciado com o Prêmio Nobel de Física, no ano de 19131. Estavam a partir de então abertas as portas para estudo de propriedades físicas e químicas de materiais a baixas temperaturas. O próprio Onnes prosseguiu as suas pesquisas verificando as propriedades elétricas de diversos elementos químicos em baixas temperaturas. Inicialmente ele trabalhou com amostras de platina e ouro, posto que na época obtinha estes metais com alta pureza.2 A sua hipótese era que quando a temperatura se aproximasse do zero Kelvin – sem atingi-lo isto porque romperia a terceira lei da termodinâmica, segundo Nernst1 – a resistência elétrica das amostras tenderia a um valor limite que ele chamou de resistência residual. Supunha ainda que o valor desta resistência residual dependia da natureza da amostra. Isto é, quanto mais pura fosse a amostra, menor seria a sua resistência residual, justamente por causa da influência das impurezas e imperfeições da rede cristalina na resistividade do material.3 Após obter estes resultados, que anos depois seriam relatados no Terceiro Congresso Internacional de Refrigeração em Chigaco (1913), Onnes avançou em suas pesquisas com a expectativa que, no limite da temperatura de liquefação do hélio e, com amostras idealmente puras de platina e ouro, a resistência residual destas amostras desapareceria.2,3,4,5 Com a intenção de testar as suas ideias, Kamerlingh-Onnes resolveu estudar o mercúrio, o único metal que na época ele esperava purificar ao extremo, através de múltiplas destilações.2,6 Ele estimou ainda que no ponto de vapor 1 do hélio conseguiria com o seu equipamento mensurar a resistência do mercúrio e quanto menor a temperatura fosse, mais rapidamente a resistência se aproximaria do zero2,4. E, no dia 08 abril de 1911, às 16 horas – segundo as anotações do caderno de registro 56 de Onnes4 –, ele ajustou a pressão de vapor do hélio para 197 mmHg, mediu a temperatura e encontrou 3 K. Neste momento, a resistência do mercúrio foi determinada e indicou 0Ω . Estava assim descoberta a supercondutividade pelo Professor Heike Kamerlingh Onnes e sua equipe, formada pelos colaboradores Cornelis Dorsman, Gerrit Jan Flim e Gilles Holst.1 Figura 01: Gráfico da resistência elétrica do mercúrio em função da temperatura absoluta, retirado do próprio caderno de anotações de Onnes, vê-se a queda da resistência de 0,1 Ω para 10-5 Ω, para temperaturas abaixo de 4,20 K. Fonte: retirado de Torsoni4, adaptado de Kittel7. 2 Mais de cem anos depois dos feitos acima descritos, a escala macroscópica dos efeitos quânticos observados por Onnes e sua equipe não é comumente vista no dia a dia da população, entretanto está presente na produção de altos e estáveis campos magnéticos, usados na obtenção de imagem por ressonância magnética, onde supercondutores de baixa temperatura são os magnetos dos equipamentos. 5,8 Também é encontrado o uso dos supercondutores no resfriamento de alguns componentes das redes de telefones celulares e nos projetos de levitação de trens. Atualmente, existem estações norte-americanas com capacidade condutora de centenas de megawatts de energia em cabos supercondutores, sem perdas por aquecimento (efeito Joule). E pelo mesmo sistema, há projetos de superestações que entre si transmitam gigawatts de energia elétrica com cem por cento de eficiência.9,10 1.2 OBJETIVO GERAL Sinterizar, caracterizar e discutir as propriedades físicas e químicas apresentadas pelo compósito BSCCO – BiSrCaCuO , após rotas distintas de sinterização. 1.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 1.3.1 Sinterizar diferenciadamente duas amostras de BSCCO por coprecipitação de acetatos e processos de metalurgia do pó. 1.3.2 Estudar e comparar as transformações de fases por calorimetria diferencial de varredura e análise termogravimétrica das amostras. 1.3.3 Realizar uma análise por difração de raios X para caracterizar a estrutura cristalina e a microestrutura do compósito nas amostras. 1.3.4 Comparar a microestrutura analisada por DRX com a morfologia observada por microscopia eletrônica de varredura MEV nas duas amostras. 1.3.5 Discutir a dependência das propriedades físicas e químicas com a estrutura e microestrutura. 3 1.4 JUSTIFICATIVA O estudo da síntese de cerâmicos da família BSCCO é de especial importância, posto que diversas de suas fases exibem a propriedade de supercondução, tão almejada e necessária no momento global de escassez de energia. Estudos descritos na literatura3,11,12,13 mostram a existência de várias composições dopadas do sistema BSCCO, com diferentes propriedades nos diagramas de fases e apresentação de interessantes temperaturas críticas altas e quantidades de oxigênio durante as reações em estado sólido, conforme a exposição do capítulo 2.4 deste estudo. Por meio de análise térmica diferencial, análise estrutural e microestrutural, pode-se estudar o processo de formação destas diferentes fases, assim como a dependência de suas propriedades químicas e físicas com relação aos métodos de síntese. Partindo dos recentes estudos da obtenção de fios e filmes finos do sistema BSCCO dopado,11,12,13,14 este trabalho pode ser uma contribuição para possíveis aplicações dos materiais supercondutores do sistema BSCCO, sinterizado com rota diferenciada das apresentadas atualmente na literatura. 2. 2.1 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA OS PARÂMETROS DELIMITADORES DA SUPERCONDUTIVIDADE Depois da apresentação do trabalho "Researches on the properties of matter at low temperatures."1,4 no congresso de Chicago, que lhe rendeu o Prêmio Nobel em Física, Kamerlingh Onnes e sua equipe prosseguiram as pesquisas das propriedades dos materiais supercondutores e, no ano seguinte ao da premiação, 1914, detectaram que a condição de supercondutividade estava submetida a parâmetros delimitadores, acima dos quais havia a perda da propriedade de supercondução e o material voltava ao seu estado normal, isto é, sem apresentar supercondutividade.3 Os parâmetros delimitadores 4 da supercondutividade detectados foram a temperatura do material, o campo magnético a que ele estivesse submetido e a intensidade de corrente elétrica de transporte. Então, para se conservar na condição de supercondutor, um material não pode estar acima da temperatura crítica TC, submetido a um campo magnético superior ao crítico H C e nem transportar uma intensidade de corrente elétrica superior à crítica IC. Os valores destes parâmetros são dependentes do material que opera em supercondução. 3,4,15 Assim, a supercondutividade do material fica delimitada conforme os parâmetros representados na Figura 02. Figura 02: Parâmetros delimitadores da supercondutividade, T C, HC e IC. Acima destes valores críticos não há supercondução. Fonte: Retirado de Rodrigues3 2.1.1 A CORRENTE ELÉTRICA E A DENSIDADE DE CORRENTE CRÍTICAS O fluxo de cargas elétricas através de uma secção transversal A de um condutor pode ser descrito pela densidade de corrente J.16 A corrente de transporte I no material relaciona-se com a densidade de corrente J pela expressão: 5 I= JdA = J dA JA Então, para correntes uniformes, conclui-se que: J I A (01) A unidade de medida da densidade de corrente no Sistema Internacional (S.I.) é A/m2 (Ampère por metro quadrado). A resistência inerente aos materiais portadores de carga à fluidez desta é chamada de resistividade, denotada aqui por , cuja unidade de medida no S.I. é Ω.m. Chamando de E, cuja unidade de medida no S.I. é V/m (volt por metro), o campo elétrico em um ponto do material resistivo, tem-se que: 16,17 J E (02) Como pela expressão (01) a densidade de corrente é diretamente proporcional à intensidade de corrente elétrica, assim como há a corrente elétrica crítica I C como parâmetro delimitador da supercondutividade, há também a densidade de corrente crítica J C , acima da qual ocorre a perda da supercondutividade e o material assume o seu estado normal. Há uma dependência da corrente crítica com a temperatura e o campo magnético aplicado ao material. O aumento destes últimos faz com que o valor do primeiro diminua, conforme se observa na Figura 02. A maior diversificação nas aplicações de materiais supercondutores está ligada aos melhores valores da densidade de corrente crítica ( J C ) e da resistividade elétrica ( ). Logo, buscam-se materiais supercondutores que apresentem maiores densidade de corrente crítica e menores resistividades elétricas.3 2.1.2 A TEMPERATURA E O CAMPO MAGNÉTICO CRÍTICOS Baseando-se em dados laboratoriais, Onnes e sua equipe escreveram a expressão que relaciona a intensidade do campo magnético crítico H C, cuja unidade 6 de medida no S.I. é T (tesla), com a razão entre a temperatura do material T e a sua temperatura crítica TC , conforme a expressão:4,11,13 HC( T ) HCo 1 T TC 2 (03) Onde HCo é definido como o campo magnético crítico extrapolado para 0 K. Da lei de Ampère, deduzida a partir da lei de Biot-Savart e desenvolvida por Maxwell, tem-se que a intensidade de corrente elétrica I em um fio condutor, que produz um campo magnético H a uma distância r tomada perpendicularmente a ele é dada por16: I= 2 .r 0 .H (04) Onde 0 é a constante de permeabilidade do vácuo ( 0 = 4 .10 7 T .m / A ).16 Como os primeiros materiais pesquisados apresentaram um valor muito baixo de HCo, ficou claro pela expressão (03), que HC também apresentou valor baixo e consequentemente a intensidade de corrente crítica I C de tão baixa inviabilizou o uso prático destes materiais, mais tarde denominados de supercondutores do tipo I.5,11,18 Estes materiais supercondutores do tipo I, repelem totalmente o campo magnético de seu interior apresentando portanto o diamagnetismo perfeito, chamado estado Meissner, como será apresentado no capítulo 2.2 deste trabalho. Porém, se submetidos a um campo de intensidade superior ao valor do campo magnético crítico HC, perdem a supercondutividade voltando a seu estado normal. 3,5,13,18 Os estudos de outros materiais e ligas metálicas prosseguiram até que se verificou ser o comportamento do nióbio e de suas ligas diferente daquele apresentado pelos supercondutores do tipo I, em relação ao campo magnético a que foram submetidos. Enquanto imersos em um campo cujo valor vai até HC1, que é campo crítico inferior, nióbio e suas ligas mantiveram-se com diamagnetismo perfeito isto é, no S.I., 0 M H , como se vê na figura 03. Entre o valor de HC1 e HC2, este denominado 7 campo crítico superior, os materiais permitiram a penetração parcial do campo magnético em seu interior apresentando diamagnetismo imperfeito. Neste caso exibiram situações de supercondução e normal18, em um estado misto ou estado de vórtices, definido mais a frente neste trabalho. Acima do valor de HC2, antes de os materiais perderem a supercondutividade, apresentaram ainda um último valor de campo crítico HC3 1,69HC2. Entre HC2 e HC3 os materiais acusaram uma supercondução na superfície, a supercondutividade superficial, para depois deste valor de campo voltarem ao estado normal, como se vê na figura 04. Os materiais que assim se comportam serão chamados em estudos futuros de supercondutores do tipo II e, como os valores de HC2 atingem até cem vezes os de HC1, ver tabela I, a aplicabilidade destes supercondutores é superior a dos demais.3,4,11 - 0 M Figura 03: Magnetização dos supercondutores do tipo I em função do campo magnético externo aplicado. Até HC, no estado de supercondução, tem-se o diamagnetismo perfeito, com M = 1 0 .H (S.I.) Fonte: Adaptado de Carraro18. 8 - 0 M Figura 04: Magnetização dos supercondutores do tipo II em função do campo magnético externo aplicado. Até HC1, no estado de supercondução, tem-se o diamagnetismo perfeito, com M = 1 0 .HC1 (S.I.). Fonte: Adaptado de Carraro18. TABELA I: Parâmetros delimitadores da supercondutividade nos supercondutores metálicos de baixa temperatura crítica (LTS). Fonte: Adaptado de Tavares11. TC(K) HCo(A/m) Hg 4,15 3,02.104 In 3,41 2,25.104 Pb 7,20 6,39.104 Al 1,20 7,88.103 Sn 3,72 2,43.104 MATERIAL Supercondutores Tipo I (metais) 9 HC2(A/m) 9,26 1,58.105 BaBi3 5,69 5,89.104 PbTl0,27 6,43 6,02.104 Al2CMo3 9,8 – 10,2 7,24.103 1,24.107 C0,44Mo0,56 12,5 – 13,5 6,92.103 7,84.106 Nb Compostos Supercondutores Tipo II Ligas de Nb LigasNb de3Nb Ge 23,2 Nb3Sn 18,3 Nb3Al 18,6 2.1 3,0.107 4,2.105 2,3.107 2,6.107 UMA PROPRIEDADE SURPREENDENTE DOS SUPERCONDUTORES: O EFEITO MEISSNER-OCHSENFELD – A LEVITAÇÃO A queda da resistência a zero de um material condutor quando este está abaixo de sua temperatura crítica TC foi considerada por mais de duas décadas como sendo a única propriedade característica dos supercondutores .4,19 Somente no início dos anos trinta, mais precisamente em 1933, os físicos alemães Karl Walther Meissner (1891-1959) e Robert Ochsenfeld (1901-1993), debruçados sobre os estudos dos monocristais de estanho revelaram a segunda propriedade fundamental dos supercondutores, o diamagnetismo perfeito, como se explica no próximo parágrafo.3,4,11,19 A ausência das linhas de indução magnética no interior do material 10 caracterizando o diamagnetismo, constatada pelas medidas de susceptibilidade magnética19, identifica a supercondutividade e determina a transição do material.2,13 Este diamagnetismo pode ser obtido por dois processos, representados nas figuras 05 e 06, que, embora produzam o mesmo resultado, 3,4 não se equivalem em casos específicos, como o de supercondutores granulares, definidos como uma coleção de grãos supercondutores distribuídos numa matriz normal ou fracamente supercondutora. Neles, que são diretamente ligados aos supercondutores de alta temperatura – HTS, as propriedades magnéticas e de transporte se manifestam através de duas componentes ou mais componentes, representando a contribuição intra ou intergranular dos grãos supercondutores. Em supercondutores granulares a magnetização em condições do processo FC, geralmente é menor que a do processo ZFC, vistos no próximo parágrafo. 20,21 O primeiro processo para a obtenção do diamagnetismo, chamado de Zero Field Cooling (ZFC), ver Figura 05, consiste em tomar o material em seu estado normal, resfriá-lo abaixo de sua temperatura crítica, TC , tornando-o supercondutor. Ele é submetido então a um campo magnético externo, que não entra no material, isto é, acontece a exclusão do fluxo magnético, ocorrida por consequência do aparecimento de uma supercorrente de transporte, ou corrente de blindagem na superfície do material. E é esta corrente que gera o campo magnético oposto ao campo externo aplicado, não permitindo que este adentre o material. 3,4,11,19,22 Figura 05: Diamagnetismo obtido pelo processo Zero Field Cooling (ZFC) 11 O segundo processo, ver figura 06, que conduz o material ao diamagnetismo perfeito é o denominado Field Cooling (FC). Ele é realizado quando se aplica ao material, em seu estado normal, um campo magnético externo que faz com que em seu interior haja as linhas de indução magnética. Só então este material é resfriado a uma temperatura inferior a de seu valor crítico TC e, neste caso, as linhas de indução magnética do interior do material são daí expulsas, ocorrendo a denominada expulsão do fluxo magnético. Esta situação é conhecida como o Efeito Meissner-Ochsenfeld. A transição do estado normal, paramagnético, para o estado supercondutor, diamagnético, é equivalente a uma transição termodinamicamente reversível. Isto fica demonstrado em 1938, quando os físicos holandeses P. H. van Laer (1906 – 1989) e Willem Hendrik Keesom (1876 – 1956) medem as capacidades caloríficas (ou térmicas) de cilindros de estanho (Sn), nos dois estados: condutor e supercondutor.3,5,9,16,23 FIGURA 06: Diamagnetismo obtido pelo processo Field Cooling (FC) Considerando-se qualquer dos dois processos, obtêm-se o diamagnetismo no material supercondutor. Esta situação pode ser comprovada com um experimento no qual se aproxima um ímã permanente do material no estado de supercondução e, segundo a lei de Faraday, há indução de correntes no supercondutor produzindo um 12 campo magnético mas, para que não haja linhas de indução magnética no interior do material, as correntes de blindagem ou supercorrentes, que surgem na superfície do material supercondutor geram um campo magnético induzido de sentido oposto ao do produzido pelo ímã, como dois polos magnéticos de mesmo sinal. Isto causa uma repulsão ao ímã, fazendo-o levitar.20,21,22 Analiticamente tem-se: B H 0 M 0 (S.I.) 1 M .H 0 Onde: B campo magnético no interior do material supercondutor; H campo magnético provocado pelo ímã permanente; M campo magnético devido às supercorrentes na superfície do material supercondutor. FIGURA 07: Levitação de um supercondutor sobre um ímã permanente imerso em nitrogênio líquido. Fonte: Retirado de Torsoni.4 13 A fim de demonstrar o efeito Meissner algumas experiências de levitação foram apresentadas em congressos, como a do físico russo Arkadyev que mostrou em 1945 (ver figura 07) a levitação de um supercondutor sobre um ímã permanente imerso em nitrogênio líquido.4 Em outra feita, um lutador de sumô, de massa 202 kg (corpo e suporte), foi levitado em um supercondutor do compósito YBa 2Cu307, no Centro Internacional de Pesquisas em Supercondutores (ISTEC), em Kyokai, no Japão, no ano de 1997.3 Posto ficou desde então, que um material possuidor de cargas elétricas é caracterizado como um supercondutor quando, ao mínimo, detém as duas propriedades fundamentais da supercondução: a resistência nula à fluidez dos portadores de carga e o diamagnetismo perfeito.3 2.1.1 AS EXPLICAÇÕES PARA A SUPERCONDUTIVIDADE DE ONNES E SEUS PARÂMETROS DELIMITATIVOS 2.1.2 AS PRIMEIRAS EXPLICAÇÕES TEÓRICAS – TEORIAS FENOMENOLÓGICAS 2.1.2.1 A TEORIA DOS LONDON E O COMPRIMENTO DE PENETRAÇÃO A partir das revelações de Meissner Ochsenfeld em 1933, diversos estudiosos da área de supercondutividade desenvolveram teorias que pudessem explicar a supercondução e seus parâmetros delimitadores. Já no ano seguinte ao da publicação dos trabalhos de Meissner, uma teoria simples denominada modelo dos dois fluidos de autoria dos físicos Cornelis Jacobus Gorter(1907 - 1980) e Hendrik Brugt Gerhard Casimir (1909 - 2000) faz uma leitura termodinâmica do fenômeno relacionando a entropia do estado supercondutor com a do estado normal. Segundo essa leitura, os elétrons no estado supercondutor são mais ordenados, menor entropia, que no estado normal – maior entropia. Explica então a supercondutividade dizendo que um dos fluidos, formado por elétrons “normais” 14 possui densidade nN e que o outro, formado por “superelétrons” capazes de transitar pelo material sem sofrer resistência, possui densidade nS. O somatório dessas densidades forma a densidade n total de elétrons do material. Os elétrons não interagem entre si e, por observações empíricas, suas densidades dependem da temperatura do material. Assim, para uma temperatura T<<T C tem-se nS n. Em 1935 na Inglaterra, os irmãos de origem alemã Fritz Wolfgang London (1900 - 1954) e Heinz London (1907 - 1970) fazem uma leitura eletrodinâmica do fenômeno e descrevem a sua teoria sobre as propriedades eletrodinâmicas dos supercondutores. Destarte, propõem a aplicação das equações de Maxwell a um condutor perfeito, mas percebem que as equações não são suficientes para explicar o comportamento dos supercondutores. Eles então as reajustam, associando a corrente elétrica da supercondução ao campo magnético e produzem as conhecidas equações de London que explicam as principais características dos supercondutores. Não obstante as limitações das equações de London, deixarem de considerar os aspectos quânticos da supercondutividade, elas contribuíram com a expressão que fornece o decaimento exponencial do valor de um campo magnético externo em que está imerso um material, desde Bo, valor em sua superfície.13,19 A distância que o campo magnético adentra o material, chamada de comprimento de penetração de London (λL), é dada pela expressão: 3,4,12,19,24 m λL = 2 . n T . e o S 1 2 (05) Onde: m massa efetiva do elétron. o permeabilidade magnética do vácuo. nS densidade dos superelétrons (elétrons supercondutores) na temperatura T. e módulo da carga do elétron. De acordo com o que a próxima teoria deste estudo apresentará, a densidade dos superelétrons é dependente da temperatura e por consequência, a expressão (05) 15 mostra que o comprimento de penetração de London também o é. 2.1.1.1 A TEORIA DE GINZBURG-LANDAU, A “MACROSCÓPICA” A teoria fenomenológica de Ginzburg-Landau, algumas vezes chamada de macroscópica, foi descrita em 1950 pelos físicos Vitaly Lazarevich Ginzburg (1916 - 2009) e Lev Davidovich Landau (1908 - 1968) e complementou os estudos dos London, dando a eles o aspecto quântico. Ginzgburg e Landau não distribuem uniformemente os superelétrons, como os London, mas os representam pelo quadrado do módulo de uma função de onda, , que é associado ao número de 2 superelétrons por unidade de volume, nS . Em resumo: 3,4,12 = nS 2 (06) Da teoria de Gorter e Casimir, se a temperatura do material T é mais alta que a crítica, TC, não há supercondutividade no material e nS = 0. Caso contrário, sendo T mais baixa que TC, nS 0 e para uma temperatura T<<TC tem-se nS n. Então, equação (06) vem: (T ) 0 T TC (T ) 0 T TC (07) Onde: função de onda (distribuição espacial dos superelétrons) T temperatura do material. TC temperatura crítica do material. Então, segundo Ginzburg-Landau, a densidade de superelétrons nS, depende da temperatura conforme a expressão25: nS (T) = n.[ 1 – ( 16 T 4 ) ] TC (08) Logo, a distribuição da densidade de superelétrons nS em função da temperatura T é expressa graficamente conforme a Figura 09, onde a função de onda , da expressão (06), é nula para valores acima da temperatura crítica TC e aumenta continuamente com a diminuição de temperatura abaixo de TC. No gráfico também aparecem os parâmetros a0 e b0 que, segundo Poole25, relacionam-se com , nS, T e TC conforme a expressão : = nS = 2 a0 TC T b0 TC (09) ns a0 b0 3a0 4b0 a0 2b0 2 Tc TC/2 TC T FIGURA 08: Densidade de superelétrons em função da temperatura do material. Fonte: Adaptação de Poole25. 17 Uma das mais importantes contribuições da teoria de Ginzburg-Landau, é a determinação do parâmetro físico denominado parâmetro de Ginzburg-Landau, , calculado pela razão entre o comprimento ou profundidade de penetração λ L e o comprimento de coerência , introduzido por Pippard, em 1953. Então: 3,5,19,20,22 L (10) O comprimento de coerência , peculiar de cada supercondutor, é definido como a distância entre a superfície do material até o ponto em que a densidade dos portadores supercondutores nS varia desde nS = 0 até nS n, seu valor máximo. é dado em função do caminho livre médio dos elétrons , pela expressão: 13 1 1 1 ( ) o (11) .vF .(0) (12) O valor de o é calculado por: o Onde: vF velocidade dos elétrons de Fermi. 0 energia de ligação de um elétron na temperatura 0 K. 2.1.1.1 A EXTENSÃO DE ABRIKOSOV – OS VÓRTICES O físico russo Alexei Abrikosov, que na época trabalhava no Instituto Kaptiza em Moscou, estendeu a teoria de Ginzburg-Landau mostrando como o parâmetro descreve os vórtices no interior do material e como o campo magnético penetra ao longo de canais gerados por estes vórtices. O vórtice é definido como um 18 redemoinho com uma região central normal, a partir da qual o campo magnético no interior do material decai exponencialmente e a densidade nS dos superelétrons aumenta também exponencialmente, ver figuras 09 e 10, até o seu valor máximo em um raio de valor , onde percorrem as supercorrentes – ver figura 11c. O sentido da densidade destas supercorrentes faz com que o sentido do campo no interior do vórtice seja igual ao do campo aplicado e fora do vórtice o sentido do campo seja oposto ao do campo aplicado – ver figura 11a. Em outra definição, entende-se vórtice como o domínio de simetria cilíndrica formado quando o campo magnético aplicado ultrapassa o valor do campo crítico HC1 e o fluxo magnético começa a adentrar o material em unidades quantizadas. Quando o campo aplicado tem o seu valor aumentado a ponto de ultrapassar H C2, a quantidade de vórtices que entra no material é tal que estes se sobrepõem e as supercorrentes limitam-se então à superfície do material, formando a supercondutividade superficial até o valor crítico HC3. Aumentando-se acima deste valor o campo aplicado, o material passa para o estado normal, ver figura 04, em que há um arranjo triangular entre os vórtices chamado de rede de Abrikosov. 2,3,12,13,19 FIGURA 09: Variação da densidade de superelétrons nS e decaimento do campo magnético no interior Bind do supercondutor do tipo I – ( ) Fonte: Adaptação Romano19. 19 Onde r é a profundidade, sendo que r = 0 corresponde à superfície do material; B ap corresponde ao campo externo aplicado e Bind o campo induzido. FIGURA 10: Variação da densidade de superelétrons nS e decaimento do campo magnético no interior Bind do supercondutor do tipo II – ( ). Fonte: Adaptação Romano19. Em 1957, Abrikosov publica os seus estudos e lança pela primeira vez a relação: 1 2 Supercondutor 1 Supercondutor 2 do Tipo I (13) do Tipo II Toda esta descrição explica satisfatoriamente o comportamento dos materiais supercondutores do tipo II e é, ainda nos dias vigentes, usada na análise de novos supercondutores e ímãs.2,3,5,12,13,19 20 FIGURA 11: Estrutura de um vórtice (a) sentidos da densidade de corrente j e do campo magnético h no interior do vórtice; (b) decaimento exponencial do campo a partir do centro do vórtice; (c) distribuição da densidade de superelétrons nS a partir do centro do vórtice. Fonte: Adaptação de Oliveira13. 2.1.1 A TEORIA BCS, A “MICROSCÓPICA” 2.1.1.1 A INTERAÇÃO ELÉTRON – ELÉTRON VIA FÔNON A primeira teoria microscópica para a explicação da supercondutividade em materiais teve a sua base em 1950, quando Herbert Fröhlich (1905 – 1992)13,26 sugeriu a interação elétron–fônon que resultou na interação entre dois elétrons por meio de um fônon – ver figura 12. Resultado experimentalmente confirmado por Reynolds, Serin e Nesbitt, que trabalharam com isótopos de mercúrio (Hg) em 1951. O fônon é definido como uma excitação mecânica que se propaga pela rede cristalina de um sólido, normalmente se deslocando como uma onda pelo material.26 21 Em 1957, John Bardeen (1908 - 1991), Leon Cooper (1930) e John Robert Schrieffer (1931) propuseram a teoria microscópica, mais tarde chamada de Teoria BCS, que, se não explica em sua plenitude o comportamento dos supercondutores do tipo II, vem explicar satisfatoriamente a supercondução nos materiais classificados como supercondutores do tipo I. FIGURA 12: Interação elétron – elétron por meio de um fônon, base para a Teoria BCS. Fonte: Adaptação de Romano19. A interação elétron – elétron de Fröhlich19 pode ser explicada pela atração dos íons positivos da rede cristalina do material pelo elétron que se desloca nesta rede. Sabendo-se da importância desta interação nas correntes de supercondução dos materiais, é evidente ser ativa a participação da rede cristalina na formação do estado de supercondutividade. No momento em que um dos muitos elétrons livres do material condutor se desloca, ele atrai íons positivos provocando em seu entorno uma região positivada, o que significa a polarização da rede. Após a passagem do 22 elétron, a rede não volta à situação original rapidamente por causa da lentidão de retorno dos íons aos respectivos lugares. Então, outro elétron próximo à região positivada é atraído por ela e, embora haja a repulsão coulombiana entre os elétrons, neste evento há predominância da atração, gerando assim a interação elétron – elétron, chamada mais à frente de Par de Cooper. São os pares de Cooper os responsáveis pela corrente supercondutora em materiais a baixas temperaturas. Ver figura 13 onde se retrata, em simples esquema, a interação. 2,3,19,26 FIGURA 13: A formação dos Pares de Cooper (a) entrada do elétron na rede cristalina; (b) interação elétron – fônon; (c) par de Cooper. Fonte: Adaptação de Rodrigues3. 2.1.1.2 OS PARES DE COOPER, O GAP DE ENERGIA Cita-se aqui, antes de quaisquer outras considerações a maravilhosa trama da ciência e do saber humano que, ao longo da história trança estudos a ponto de levar o homem a constatar o que de fato já existe, mas precisa ser conhecido e, sobretudo, comprovado. Depois das descobertas de Onnes e Meissner, na área de compreensão da supercondutividade, vale lembrar que os suportes mirantes de visão científica estiveram “em ombros de gigantes” tais como 23 Fermi – laureado com o prêmio Nobel em 1938, aos trinta e sete anos de idade –, Pauli, Gorter, Casimir, Frölich, London, Ginzburg, Landau, Pippard, Abrikosov, Bardeen e Schrieffer, para citar alguns. Chega-se assim a Leon Cooper que estuda, na verdade, a continuação dos entendimentos de Gorter e Casimir que, no “antigo” modelo dos dois fluidos predisseram em 1934 a existência dos superelétrons que, após os estudos de Cooper, passam a se chamar pares de Cooper. Cooper ao estudar o que ocorre com dois elétrons adicionados a um metal com T = 0K, conclui que, devido à exclusão de Pauli, estes elétrons ocupam forçosamente um estado de momento linear P de valor superior ao de PF, que é o momento linear no estado de Fermi (1901 – 1954) e vale19: PF = 2mEF (14) Onde: m massa efetiva do elétron. EF energia de Fermi. A demonstração de Cooper evidenciou que a ligação entre esses dois elétrons é fraca, assumindo seu valor máximo exatamente quando, na ausência de um campo elétrico externo, os dois possuem momentos lineares de mesma intensidade, porém, com sentidos opostos, isto é, os seus spins são antiparalelos, em um estado chamado de singleto de spins27, ver figura 14. Justo por isto os pares de Cooper apresentam momento linear total nulo e um alto ordenamento, que fica impedido de ocorrer a temperaturas elevadas, acima da temperatura crítica TC, por causa da forte agitação térmica da rede cristalina, razão pela qual nestas temperaturas não se formam os pares de Cooper.3,5,12 24 FIGURA 14: Representação dos elétrons dos Pares de Cooper : momentos lineares de módulos iguais e sentidos opostos – spins opostos – singleto de spins. Fonte: Adaptação de Studart5. Após criteriosa observação experimental e analítica da interação entre os pares de elétrons, Bardeen, Cooper e Schrieffer relatam na teoria BCS haver uma energia de ligação entre os elétrons e, predizem haver um valor mínimo de energia, Δ( T ), para quebrar um par de Cooper, produzindo duas quase partículas. Este valor se relaciona com a energia de ligação dos elétrons, Eg, chamada de gap de energia, e é dado por: 3,13,19,24 Eg = 2Δ( T ) = - 3,528.kB (T – TC ) (15) (T > TC , no estado isolante) Onde: TC temperatura crítica do material. T temperatura do material. kB constante de Boltzmann. Na expressão (13), segundo a teoria BCS, o gap de energia Eg = 2Δ( T ) varia desde o valor nulo com T TC até o limite para T 0 , quando vale: 25 Eg = 2Δ(0) = 3,528kB TC (16) Este gap Eg de energia teve na realidade a sua ideia inicial apresentada por Fröhlich, em 1952, ao relatar a teoria da interação elétron–fônon. O valor desta energia foi encontrado experimentalmente e relatado em trabalhos acadêmicos por três vezes: em 1953 em Londres por B.B. Goodman quando submetia a experimentos os materiais supercondutores e calculava a sua capacidade térmica; em 1956 por W. S. Corak, Goodman, C. B. Satterthwaite e A. Wexler e no mesmo ano, mas independentemente, por Corak e Satterthwaite calculando experimentalmente o calor específico dos materiais supercondutores. Como os pares de Cooper têm momento linear total zero e spin líquido zero, comportam-se como bósons. Logo, em T = 0K, todos eles possuem a mesma energia e encontram-se condensados no estado fundamental BCS. Posto se encontrarem condensados, têm características iguais e o seu comportamento pode ser descrito por uma função de onda de uma variável espacial, prevista na teoria Ginzburg – Landau. Por se comportarem como bósons, os pares de Cooper obedecem à extraordinária propriedade da estatística de Bose-Einstein: “quando se tem um grande número destas partículas por maior que seja, elas podem ocupar um mesmo estado, com a particularidade que, quanto mais partículas (elétrons que formam os pares de Cooper) estejam nesse estado, mais difícil lhe será sair dele.” Isto significa que, por estarem em um condensado, se uma das partículas tentar sair ou se dispersar por qualquer motivo, como por exemplo, defeito da rede cristalina, será impedida pelas demais. 7,19,27 A teoria microscópica BCS, de Bardeen, Cooper e Schrieffer explica com propriedade os comportamentos observados experimentalmente nos materiais classificados como supercondutores do tipo I. 26 2.4 OS SUPERCONDUTORES DE ALTA TEMPERATURA – HTS 2.4.1 A EVOLUÇÃO DA TEMPERATURA CRÍTICA – TC Após a descoberta da supercondutividade por Kamerlingh-Onnes em 1911, um número significativo de estudos na área ocorreu mostrando que, além da maioria dos supercondutores ser de materiais metálicos, as suas temperaturas críticas eram baixíssimas, com o seu máximo valor em TC = 23,2 K – 250 ºC, encontrada para o composto Nb3Ge, no início da década de 70, pelo físico norte americano B. T. Matthias . Em se tratando de materiais puros, sem combinações, a temperatura crítica variava no intervalo (0,8 – 9,3) K, conforme a tabela I. A própria teoria BCS previa haver um limite máximo de temperatura crítica para supercondutores, que estaria no intervalo aproximado (25 – 30) K. Em abril de 1986, porém, dois físicos alemães Georg Bednorz e K. Alexander Müller que trabalhavam no laboratório da International Business Machines – IBM, em Zurich, na Suiça, publicaram um artigo e mudaram inesperadamente o rumo das investigações científicas. O artigo modestamente intitulado “Possível supercondutividade de alto Tc no sistema Ba-La-Cu-O”, prudentemente assim escrito porque não havia sido feito ainda o experimento que comprovava a segunda propriedade da supercondução, o diamagnetismo do efeito Meissner, anunciava a sinterização de uma cerâmica do tipo perovskita com estrutura em camadas que apresentava a fórmula BaxLa5-xCu5O5(3-y). Este sistema, para x = 0,75, apresentou a fase de transição para a supercondutividade em uma temperatura crítica no intervalo (30 – 37) K, contradizendo a previsão da teoria BCS. A fase do sistema responsável de fato, pela alta temperatura crítica foi a La2-xBaxCuO4-y, (LBCO). Em outubro do mesmo ano o temor dos físicos se desfez porque ficou experimentalmente comprovado o diamagnetismo do material o que o classificou como supercondutor, de fato. 3,4,24,26 Nos anos seguintes à publicação de Bednorz e Müller uma quantidade muito grande de trabalhos na área da supercondutividade foi apresentada demonstrando em inúmeros casos equívocos e resultados improváveis, dada a avidez com que muitos 27 pesquisadores queriam se aventurar na área da supercondução. Entretanto, já no ano seguinte ao da descoberta do sistema LBCO, mais precisamente em janeiro de 1987, os físicos Paul Chu e M. K. Wu ambos da Universidade de Houston, com a finalidade de aumentar a temperatura crítica do sistema, com o aumento da pressão interna do material, substituem o íon La3+ do sistema LBCO pelo íon Y3+. Ao trocar o tamanho do grão aumentam a temperatura interna do material e produzem assim um novo sistema, o YBCO, que apresenta temperatura crítica recorde para o momento, TC = 92 K – ver figura 16. FIGURA 15: Transição para o estado supercondutor do sistema YBCO. Fonte: Retirado de Bassalo26. A partir de então, passa-se a falar dos Supercondutores de Alta Temperatura Crítica – HTS, (sigla em inglês), que na realidade são materiais que superconduzem com temperaturas ainda bem baixas, da ordem de –150ºC. Entretanto, se comparados com as temperaturas críticas dos materiais puros da tabela I e dos primeiros compostos do gráfico da figura 17, tem-se uma significativa diferença de mais de cem unidades. Por esta razão, a expressão “Alta Temperatura Crítica” faz todo sentido.3,4,26 O sistema YBCO, descoberto como supercondutor por Chu e Wu, é uma cerâmica com estrutura de perovskita28 modificada, como a maioria dos supercondutores de alta temperatura crítica. Este tipo de sistema é mau condutor de corrente elétrica à temperatura ambiente e os portadores de carga se transportam bidimensionalmente através de planos que contêm átomos de cobre e oxigênio. Ver figura 16, em que as setas indicam os planos por onde os portadores de carga se deslocam. 28 FIGURA 16: Estrutura do YBa2Cu3O7. Fonte: Retirado de Bassalo26. O mais importante do valor de temperatura crítica do sistema YBCO é que ela está acima da temperatura de liquefação do nitrogênio, T Ni = 77 K, um gás mais fácil de ser encontrado, posto que compõe aproximadamente 80% de nossa atmosfera, e mais econômico que o hélio. 3,4,11,24,26 A partir deste fato, a evolução dos estudos na área da supercondutividade se fez sentir, com trabalhos sendo apresentados em diversos países, conforme a tabela II. Na figura 17 há a apresentação em gráfico da evolução dos valores de temperatura crítica ao longo dos anos, desde 1911, quando da descoberta da supercondutividade até 1990. Na figura 18, há o registro atualizado dos trabalhos realizados sobre amostras que vão de elementos químicos até compósitos, onde se observa a relevância da ação de dopantes na última década.3 29 FIGURA 17: Evolução dos valores de temperatura crítica até 1990. Fonte: Retirado de Torsoni4. TABELA II: Temperatura crítica de compostos supercondutores até 1994. Fonte: Dados obtidos de Torsoni4 e Bassalo26. Laboratório Cidade Tsukuba Laboratories -.- Japão Schilling et al Zurich Suíça 133 HgBa2Ca2Cu3O8 Schilling Zurich Suíça 133 HgBa2Ca2Cu3O9-x Ron Goldfarb Ano Composto Cientista(s) 1988 Bi2Sr2Ca2Cu3OX 1988 Tl1Ba2Ca2Cu3Oy Sheng/Hermam 1993 HgBa2Ca2Cu3O6+2+δ 1993 1994 H. Maeda Colorado 5 *Sob pressão de 3,0.10 atm, TC = 158 K. 30 País -.- EUA Temperatura Crítica (K) 110 25 a 122 138* FIGURA 18: Evolução atualizada dos valores de temperatura crítica de elementos químicos e compósitos. Fonte: Adaptado de Rodrigues3 2.4.2 A SUPERCONDUÇÃO NO SISTEMA BSCCO 2.4.2.1 A DESCOBERTA E A ESTRUTURA DO SISTEMA A primeira publicação que apresenta a supercondutividade em um compósito que mais tarde vem a ser o sistema BSCCO é a de Michel e colaboradores que em 1987 relatam ser o composto Bi-Sr-Cu-O (bismuto, estrôncio, cobre e oxigênio) um sistema supercondutor, com temperatura crítica Tc 8 K. No ano seguinte, H. Maeda consegue elevar a temperatura de transição do sistema de Michel até 105 K, incluindo concomitantemente Sr e Ca. Além de mostrar uma estrutura distinta do já conhecido YBCO, descrito neste trabalho na secção anterior, com célula unitária na figura 17, o agora chamado sistema Bi-Sr-Cu-Ca-O, (bismuto, estrôncio, cobre, cálcio e oxigênio) apresenta diversas fases supercondutoras. 31 Quando sinterizado a 800 ºC obtém-se uma temperatura crítica a 83 K, porém se sinterizado a 872 °C, a transição para uma temperatura de aproximadamente 120 K. O sistema passou então a ser escrito pela fórmula genérica Bi2Sr2Can-1CunO2n+4, onde n representa o número de planos de CuO2 intercalados entre os planos de BiO. Substituindo-se n = 1, n = 2, n = 3 e n = 4, são obtidas respectivamente as temperaturas de transição (10 – 20) K, 85 K, 110 K e 90K, para as fases supercondutoras denominadas Bi-2201, Bi-2212, Bi-2223 e Bi-2234, ver figura 19. A fase Bi-2234, rara, não teve a sua estrutura encontrada na literatura. FIGURA 19: Sistema BSCCO – estruturas das fases supercondutoras 2201, 2212 e 2223. Fonte: Retirado de Torsoni4 A estrutura do material do sistema BSCCO é do tipo Ruddlesden-Popper, apresentado em 1957, cuja célula possui um bloco perovskita na célula unitária central (Sr/Ca)CuO2 e o sal BiSrO2, rock salt - estrutura do cloreto de sódio. Ver 32 figuras 21 e 22. Esta estrutura é descrita estequiometricamente por ABX3, sendo que o espaço A é ocupado por cátions metálicos, geralmente metais alcalinos e alcalinos terrosos e o espaço B é ocupado pelos metais de transição. Em X, pode-se encontrar um elemento do grupo dos não metais e quando aí se tem oxigênio a estrutura passa a ser escrita como ABO3 e é chamada de Óxidos Perovskitas28. Na figura 20, em que há a estrutura cúbica, que é a ideal, vê-se os cátions (A) nos vértices do cubo, os cátions (B) no centro da estrutura e os ânions (O) no centro das faces. 3,4,15,29,30 FIGURA 20: Cela unitária de uma estrutura perovskita ideal, ABO3. Fonte: Retirado de Perovskita28. FIGURA 21: Estrutura perovskita visualizada a partir dos octaedros BO6. Fonte: Retirado de Perovskita28. 33 Dependendo da fase supercondutora do sistema BSCCO, os tipos de estrutura cristalina e os parâmetros de rede variam, caracterizando a anisotropia na supercondução do sistema. A tabela III correlaciona a fase, a fórmula estequiométrica, o tipo de estrutura cristalina e os respectivos parâmetros de rede. TABELA III: Características das fases supercondutoras do sistema BSCCO. Fonte: Dados obtidos de Rodrigues3. FASE FÓRMULA ESTEQUIOMÉTRICA ESTRUTURA CRISTALINA PARÂMETROS DE REDE Bi2Sr2Can-1CunO2n+4 — a(Å) b(Å) c(Å) n Bi - 1 2201 Bi2Sr2CuO6 ortorrômbica 5,362 5,374 24,622 2 2212 Bi2Sr2CaCu2O8 ortorrômbica 5,414 5,418 30,89 3 2223 Bi2Sr2Ca2Cu3O10 pseudotetragonal 3,817 3,814 37,00 4 2234 Bi2Sr2Ca3Cu4O12 pseudotetragonal 3,828 3,828 44,34 Os grãos de BSCCO têm uma morfologia de placas e há uma alternância entre blocos perovskita (P) e as unidades rock salt (RS) na estrutura do sistema BSCCO. Por causa da anisotropia, as fases supercondutoras deste sistema, são praticamente "supercondutores bidimensionais".3,4,11,29,30 2.4.2.2 A DOPAGEM DO SISTEMA BSCCO A literatura define como dopagem de um sistema a inserção de impurezas em sua composição, de tal maneira que estas venham a alterar as diferentes 34 propriedades intrínsecas deste material.24 Estas alterações nas propriedades dependem do tipo de ligação química ocorrida entre o dopante e o material dopado. Logo após a sua descoberta em 1988 por H. Maeda, o sistema BSCCO tornou-se um dos preferidos para dopagens, por conta de suas inúmeras fases supercondutoras de alta temperatura crítica e da relativa facilidade na obtenção de estabilidade em algumas destas fases, que não exigem o uso de elementos químicos voláteis ou tóxicos. Os dopantes mais comuns do sistema BSCCO são os elementos terra rara, metais alcalinos, alcalinos terrosos e Na, Li, Ba, Zn, Y, V, Fe, Hg, Pb, que são elementos de transição.3,31 As fases mais escolhidas para a dopagem são a Bi-2212 e a Bi-2223 por apresentarem maior temperatura crítica e dentre estas a primeira é a mais estudada por apresentar mais estabilidade do que a segunda. 3,4,11,12,24,31 2.4.2.2.1 A DOPAGEM DO SISTEMA BSCCO COM CHUMBO – BPSCCO Nos compostos cerâmicos Bi-2223, para se aliviar as tensões internas da estrutura do metal, se obter maior estabilidade e aumentar a concentração de buracos nos planos de condução, destaca-se a substituição de parte do bismuto por chumbo, obtendo-se o cerâmicos conhecidos como Bi(Pb)-2223. Estes cerâmicos de Bi(Pb)-2223 têm sido estudados recentemente, devido as suas vantagens relacionadas à alta temperatura crítica de aproximadamente 110 K, estabilidade atmosférica, facilidade de formar laminados, longos fios e fitas4, e baixa dependência da supercondutividade com a estequiometria do oxigênio. Quando se efetua a inclusão do chumbo, obtém-se uma maior fração e estabilização da fase 2223. O chumbo entra no plano do bismuto, facilitando a formação de um novo plano de Cu e Ca e estabilizando este plano. Na figura 22 há a comparação entre as estruturas cristalinas das fases 2212 e 2223 do sistema BSCCO sem o dopante e com o dopante Pb. 35 FIGURA 22: Estruturas cristalinas do SISTEMA BSCCO não dopado (a) e dopado (b) com Pb. Fonte: Adaptado de Torsoni24. A obtenção de uma fase pura desse sistema químico, na prática, não é tão simples, razão pela qual, tem-se dado uma grande atenção nas técnicas de processamento. Uma das aplicações deste material são os sensores magnéticos baseados em filmes finos de BPSCCO, os quais podem operar com alta sensibilidade em nitrogênio líquido.3,12 Os métodos químicos, tais como coprecipitação, sol-gel, liofilizaçãosecagem e secagem por pulverização têm sido usados extensivamente, na preparação de supercondutores de alta temperatura crítica, para aumentar a reatividade dos precipitados precursores.3,4,11,24 2.4.2.2.2 A DOPAGEM DO SISTEMA BPSCCO COM PRATA A adição de Ag no sistema BSCCO pode trazer vários efeitos que beneficiam a microestrutura e as propriedades físicas do material, tais como uma maior densificação do cerâmico devida à menor temperatura de fusão da Ag, melhor morfologia dos grãos por falta de trincas, melhor conectividade entre os grãos e 36 corrente crítica intergranular, aceleração de formação da fase, maior flexibilidade e resistência mecânica. O aumento da maleabilidade e da quantidade de material fundido é vantajoso com relação ao cerâmico puro porque permite melhorar defeitos mecânicos decorrentes de processos de deformação. A literatura nos relata um dos mais recentes experimentos de dopagem 32 que, ao se tomar dois lotes, L1 e L2, do sistema BSCCO, com a fórmula estequiométrica dada por Bi1.6Pb0.4Sr2Ca2Cu3Oy – logo, já dopados com chumbo –, e dopá-los de duas maneiras diferentes com prata, os dois lotes sofrem alteração na densidade de corrente crítica JC. O lote L1 foi dopado durante a composição da amostra e o lote L 2 foi dopado após a composição da amostra. As imagens obtidas pelo microscópio eletrônico de varredura (MEV) indicaram grãos como placas para ambos os lotes; grãos revestidos de prata para o lote L1 e, nas amostras do lote L2, prata entre os grãos do BPSCCO. No experimento relatado por Shoushtari, Bahrami e Farbod32, a densidade de corrente crítica JC sofre uma alteração positiva de 30,39% na dopagem de 5% de prata em peso de BPSCCO, um decréscimo para 10% de dopante e outro aumento de 21,57% na JC para 15% de prata, em relação à amostra pura, sem dopagem. A alteração positiva na densidade de corrente, segundo os autores, é devida à fase líquida formada entre os grãos do BPSCCO pela prata, que propicia a passagem de corrente elétrica entre eles, impedindo perda de pares de Cooper entre os grãos do material. Descrevem ainda haver um aumento da temperatura crítica do sistema, à medida que os percentuais de adição da prata também aumentam. Outra publicação, de Karaca et al33 nos relata haver aumento da formação da fase Bi-2223 quando da dopagem de 5% de prata em peso de BPSCCO, ao mesmo tempo em que a formação da fase Bi-2212 sofre uma diminuição, conforme pode ser visto na figura 23. 3,4,6,11,12,33 37 FIGURA 23: Variação percentual das fases Bi-2212 e Bi-2223 em fusão da adição de Ag2O no sistema BPSCCO. Fonte: Retirado de Karaca33. Neste trabalho dois lotes (LI e LII) do compósito BSCCO foram separadamente produzidos pelo processo de coprecipitação. Os sais orgânicos são altamente eficientes no processo de coprecipitação devido a sua decomposição durante a calcinação, permitindo o compartilhamento dos diferentes cátions de interesse na mesma estrutura cristalina. O composto foi preparado a partir dos acetatos dos cátions em solução. Após obtenção do precipitado e secagem deste, os pós produzidos no processo foram submetidos à prensagem e transformados em pastilhas. Estas pastilhas foram então diferentemente sinterizadas. O lote L I foi sinterizado em temperaturas e intervalos de tempo diferenciados dos que registra a literatura, enquanto o lote LII seguiu uma reprodução de sinterizações descritas em 38 trabalhos recentemente publicados. Somente após a caracterização dos materiais sinterizados e discussão das possíveis variações das propriedades físicas e químicas resultantes das diferentes sinterizações, os lotes poderão ser dopados com prata de alta pureza e novamente sinterizados para que nova caracterização e comparação das variações de propriedades sejam efetuadas e os resultados publicados. 3. MATERIAIS E MÉTODOS MATERIAIS Não houve neste trabalho a busca específica de uma determinada fase do sistema BSCCO, entretanto tomou-se como base de pesquisa a fase de maior temperatura crítica a Bi-2223, com a fórmula estequiométrica Bi2Sr2Can-1CunO2n+4, fazendo n = 3. O Método de Pechini foi usado como base para a preparação das amostras. A tabela V mostra os materiais usados, sua fórmula química, procedência e massa molar. TABELA IV: Reagentes utilizados e respectivas massas molares 39 MÉTODOS O método escolhido para a produção dos pós que foram transformados em pastilhas foi o dos precursores poliméricos de M. Pechini 34 , esquematizado na figura 24. Trata-se de um eficiente método químico para a preparação de amostras supercondutoras, advindo dos processos sol-gel35, ver figura 25. Através dele obtêm-se um pó que possui grãos de menores tamanhos, maior pureza e homogeneidade, características que resultam em grandes vantagens sobre o pó produzido pelo método da reação em estado sólido. Neste trabalho replicou-se a classificação realizada por Kakihana35 de onde se retira a tecnologia sol-gel para a obtenção de uma rede polimérica orgânica, formada pela polimerização de monômeros orgânicos. Este processo é realizado na presença de íons metálicos distribuídos homogeneamente na rede. Solução de ácido cítrico Adição do cátion Cristalização e eliminação da matéria orgânica Formação do citrato ∆ ≥ 400 ⁰C Poliesterificação (leve aquecimento) Adição do etilenoglicol FIGURA 24: Esquema descritivo do método dos precursores poliméricos. Fonte: Retirado de Mourão36. 40 M-OR (precursor do metal M) Processo de cristalização (calcinação, hidrotermal, ...) Hidrólise Obtenção de fase geralmente amorfa Policondensação do material hidrolisado FIGURA 25: Esquema descritivo do processo sol-gel. Fonte: Retirado de Mourão36. Seguindo a proposição do método de Pechini realizou-se a quelação entre íons metálicos e um ácido hidrocarboxílico, obtendo-se um citrato metálico e, em outra etapa, a poliesterificação entre o quelato metálico e um polihidroxiálcool à temperatura moderada de aproximadamente 100ºC. A parte orgânica ainda restante no pó fino obtido foi retirada no processo de calcinação. O procedimento de coprecipitação foi iniciado com uma mistura em escala atômica de cátions em uma solução, intensificando-se a reação durante o tratamento térmico que resultou em um pó mais homogêneo. No método da coprecipitação especial atenção foi tomada no ajuste do pH da solução de hidróxido de sódio quando foram usados nitratos, hidróxidos ou óxidos metálicos. Também diversas lavagens foram efetuadas para a eliminação dos resíduos de sódio da coprecipitação. Com a finalidade da obtenção diferenciada de diversas fases supercondutoras, neste trabalho a síntese partiu de acetatos e não de oxalatos que é mais frequentemente usada para obter precipitados precursores de cerâmicos multi-catiónicos, entre eles os cupratos do sistema BSCCO (Bi-Sr-Ca-Cu-O). A mistura dos cátions em solução, em escala atômica, facilitou a reação durante o tratamento térmico e resultou em um material 41 mais homogêneo que no caso da mistura de óxidos ou carbonatos para reação em estado sólido. Entretanto, o método usado neste trabalho exigiu vários processos de moagem, de tratamentos térmicos, além de cuidados especiais durante a preparação para garantir a homogeneidade da mistura. Para se produzir um pó bem disperso, o controle de crescimento e agregação de partículas primárias durante o processo de coprecipitação foi de grande e essencial importância. PREPARAÇÃO DOS COPRECIPITADOS Foram preparadas duas soluções aquosas. Solução A: Após o cálculo das massas houve a mistura manual dos acetatos dos cátions com Bi(CH3COO)3, Sr(CH3COO)2, Ca(CH3COO)2, Cu(CH3COO)2, com água deionizada e ácido acético, nas correspondentes proporções estequiométricas – ver figura 26. Esta solução foi então colocada, à temperatura ambiente, em um agitador magnético (BIOMIXER – 78 HW – 1), para que houvesse a perfeita mistura (pH = 3,0) – ver figura 27. FIGURA 26: Fotografia da separação dos acetatos da Solução A: Bi(CH3COO)3; Sr(CH3COO)2; Ca(CH3COO)2 e Cu(CH3COO)2. 42 FIGURA 27: Fotografia da Solução A em agitador magnético. Solução B: Foi efetuada a dissolução de ácido oxálico em uma solução de água deionizada em isopropanol (1:1,5), com concentração de 0,5 M. Após a mistura manual da solução, ela foi colocada em gelo e homogeneizada até 0°C, (0 < pH < 1,0), com a finalidade de retirar energia do meio e garantir que as partículas obtidas se dissolvessem o mínimo possível – ver figura 28. Houve então a mistura das soluções A e B com agitação manual de 5,0 min ajustando-se pH = 4,5 por meio de uma solução de NH4OH (28%). A solução resultante foi colocada para uma filtragem com a ação de uma bomba de vácuo (MARCONI MA – 057/1) – ver figura 29. À medida que toda a parte líquida foi retirada da mistura, a parte sólida que se depositou sobre o filtro foi retirada, para secagem no forno à temperatura de 60°C, por 20 h e 10 min. Deste material obtido foram retirados fragmentos para tratamento térmico e exame no difratômetro de raios X. 43 FIGURA 28: Fotografia da Solução B em banho de gelo em fusão. FIGURA 29: Fotografia da filtragem com bomba de vácuo da mistura das soluções A e B. Após a secagem, novos fragmentos foram retirados para tratamento térmico e exame no difratômetro de RX e o material foi submetido a uma moagem manual em almofariz de ágata por 45 min – ver figura 30. 44 FIGURA 30: Fotografia do material posto para moagem manual em almofariz de ágata e retirada de fragmentos após secagem no forno. PROCESSO DE CALCINAÇÃO De acordo com o método de M. Pechini, após a poliesterificação realizada com leve aquecimento, passa-se à etapa de cristalização e eliminação da matéria orgânica no processo denominado calcinação. Este é um processo de remoção de água, CO2 e outros gases fortemente ligados por química a hidratos e carbonatos. A calcinação é um processo vigorosamente endotérmico, geralmente realizado em uma temperatura superior a 400ºC podendo atingir aproximadamente 900ºC. 37 Neste trabalho, depois de manualmente moído, o material foi levado ao forno (MARCONI MA - 385) para que o processo de calcinação fosse efetuado. Houve então uma calcinação de 12 h, a 720°C e após este processo mais uma moagem por 60 min no almofariz de ágata – ver figura 31. 45 FIGURA 31: Fotografia do material posto para moagem após a calcinação. PROCESSOS DE SINTERIZAÇÃO A sinterização é definida como um processo em que um conjunto de partículas em contato mútuo, sob ação da temperatura, transforma-se em um corpo íntegro e de maior resistência mecânica, podendo, inclusive, tornar-se totalmente denso. É umas das etapas mais importantes no processamento de materiais por metalurgia do pó. Nela, são determinadas a resistência mecânica do material sinterizado, bem como a maior parte de suas propriedades finais. 38 Neste trabalho, os aspectos estruturais do material, tais como, tamanho médio de grão, distribuição de tamanho de grão, fases presentes e homogeneidade estrutural foram relacionados com as condições de temperatura e tempo. Partindo-se de uma mesma porção da amostra já calcinada, separou-se o material em dois lotes LI e LII que foram sinterizados com rotas de temperaturas e tempos diferentes para que após caracterização, as propriedades físicas e químicas de cada lote fossem comparadas, de acordo com os objetivos específicos do trabalho e os resultados então publicados. Uma porção do pó obtido foi separado para o lote LI e transformado em duas pastilhas obtidas com prensagem de carga 40 kgf/cm 2. Uma das pastilhas foi levada ao forno (MARCONI MA - 385), ver figura 32, programado para permanecer 46 durante 15 h a 30°C, aquecer-se em 30 min até 130°C, manter esta temperatura por quatro horas e em seguida aquecer-se em 30 min até 900°C e manter por 12 h esta temperatura, ver figura 33. FIGURA 32: Fotografia da pastilha do lote LI preparada para o processo de sinterização. FIGURA 33: Rota das temperaturas em função do tempo no processo de sinterização da pastilha do lote LI. 47 FIGURA 34: Fotografia do cadinho com a pastilha do lote LII no forno para início do processo de sinterização. FIGURA 35: Rota das temperaturas em função do tempo no processo de sinterização da pastilha do lote LII. O pó separado para o lote LII foi transformado em sete pastilhas menores que as do lote LI, sob prensagem de 2,8.103 kgf/cm2. Três pastilhas foram levadas ao forno 48 (EDG 10 – S), ver figura 34, programado para permanecer durante 16 h à temperatura de 25°C, aquecer-se a uma taxa de 50°C/min atingindo 810°C e permanecer nesta temperatura por 31 h, ver figura 35. CARACTERIZAÇÃO DAS AMOSTRAS ANÁLISE DO TAMANHO DE PARTÍCULA DO PÓ PRODUZIDO A determinação do tamanho das partículas e sua distribuição fazem parte das propriedades físicas que caracterizam o material composto por elas. As técnicas para análise de tamanho de partículas são baseadas em similaridades geométricas, por causa das irregularidades entre as suas formas. Assim, há métodos para a determinação de diâmetro equivalente das partículas, como os que utilizam a lei de Stokes, aplicada em regime laminar.39 De análises criteriosas, feitas com equipamentos modernos, percebe-se que as superfícies das partículas são repletas de defeitos estruturais e de ligações rompidas. Isto provoca em uma estrutura cristalina, a diferença energética entre a sua superfície, onde a energia é maior, e o seu interior. Então, a possibilidade de diminuição da energia total do sistema o leva a sinterizar-se naturalmente. Desta forma a razão área superficial (S) por volume (V), pode fornecer uma medida da força motora de sinterização:39 S 3 V r (17) Onde r é o raio equivalente da partícula. Por este ponto de vista, compreende-se que partículas com diâmetros equivalentes menores e que, portanto, possuem áreas superficiais menores, estão submetidas a força motora de sinterização maior e por isto tornam-se mais estáveis. Mais ainda, tomando-se a superfície total de um sistema de partículas (ou rede cristalina) como o somatório da superfície de cada partícula, para um mesmo total de partículas em 49 uma rede cristalina, a rede mais estável é a que é composta por partículas “menores”, de menor diâmetro equivalente. Logo, é desejável que seja produzido um pó com as menores partículas possível para que assim a amostra sinterizada seja mais estável. Neste trabalho, antes da prensagem e da separação em dois lotes LI e LII efetuadas após a calcinação do material, ver figura 31, fragmentos retirados do pó produzido foram diluídos em água no ultrassom e submetidos à análise de tamanho de partículas para que a técnica de coprecipitação fosse comprovada. ANÁLISES TÉRMICAS DIFERENCIAL (DTA), TERMOGRAVIMÉTRICA (TG) E CALORIMETRIA EXPLORATÓRIA DIFERENCIAL (DSC) DO PÓ PRODUZIDO Na DTA são registradas as diferenças de temperatura entre a amostra de estudo e um material inerte de referência, em função da temperatura, enquanto ambos são submetidos a um mesmo ciclo térmico programado. A análise do programa de aquecimento é tomado como base para descrição desta técnica. 40 Nela, a amostra analisada e a de referência são colocadas em cadinhos, ligados a dois sensores de temperatura, o termopar - ver figura 36. FIGURA 36: Esquema do equipamento NETZSCH TERMAL ANALYSIS de DTA, DSC e TG por compensação térmica. Fonte: Adaptação Tenório.40 50 FIGURA 37: Linha gráfica típica do equipamento NETZSCH TERMAL ANALYSIS de DTA, DSC e TG por compensação térmica, onde a – variação da capacidade térmica; b - evento exotérmico; c – evento endotérmico. Fonte: Adaptação Tenório40 A temperatura da referência segue a programação do ciclo térmico, enquanto a da amostra analisada sofre alterações dependendo do evento sofrido por ela. Se porventura o evento sofrido pela amostra é endotérmico, a diferença de temperatura da referência em relação a da amostra fica negativa e em um gráfico dT/dt versus T, onde T é a temperatura do ciclo programado e t o tempo, tem-se um pico no sentido oposto ao adotado como positivo. Se há variação na capacidade térmica da amostra analisada, ocorre uma variação na linha tomada como base, ver figura 37. Na análise térmica termogravimétrica, TG, a variação da massa da amostra analisada é medida ao longo do ciclo térmico programado ou mesmo quando a temperatura é mantida sem variação. A variação da massa da amostra ocorre devido a interação com a atmosfera, vaporização e decomposição. A calorimetria exploratória diferencial (DSC) é uma técnica semelhante à DTA, até mesmo em suas linhas gráficas, entretanto mede a variação das energias compensadas à amostra analisada e à referência, de tal forma que, em ocorrendo algum evento, devido às compensações, as temperaturas tanto da amostra quanto da referência são mantidas inalteradas. Nesta técnica, as energias compensadas ao longo do 51 processo programado são então mostradas em um gráfico, através das diferenças de potencial elétrico medidas, revelando o tipo de evento ocorrido, se endo ou exotérmico. Em um resumo, as técnicas de DTA e de DSC analisam os processos químicos e físicos que envolvem variação de energia ocorrida com a amostra analisada. MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE VARREDURA (MEV) OU SCANNING ELECTRON MICROSCOPY (SEM) O microscópio eletrônico de varredura (MEV) é um equipamento que, a exemplo da pioneira lupa e do microscópio óptico, seu superior imediato em termos tecnológicos, vem fornecer para o pesquisador as informações invisíveis a olho nu e nem mesmo visíveis com o auxílio dos dois últimos aparelhos que oferecem amplificação de no máximo 2000 vezes com resolução aceitável. 41 No caso do MEV, tem-se alta resolução e ampliação de até 300.000 vezes, conservando a profundidade de campo compatível com a observação de superfícies rugosas, para a maior parte dos objetos sólidos. Logo, para análise de características microestruturais de amostras sólidas este equipamento é um dos mais usados em pesquisas avançadas, posto que a sua resolução nestes casos pode atingir algo em torno de 1 nm (nanômetro). Seu funcionamento está baseado no conceito do dualismo de onda-partícula mostrado no trabalho de de Broglie que em 1925 apresentou o comprimento de onda de um elétron em função de sua energia. 42 Assim, a iluminação do material observado no MEV não se faz com luz branca comumente conhecida, mas com a emissão de um feixe de elétrons proveniente de um filamento de tungstênio submetido a diferenças de potencial que variam de 0,5 V(volt) a 30 kV. Cada diferença de potencial elétrica aplicada acelera diferentemente os elétrons do feixe e também aquece o filamento. Então, uma parte do filamento de tungstênio age como eletrodo negativo e outra como eletrodo positivo e os elétrons ao saírem da parte negativa são fortemente atraídos pela positiva, tendo o seu percurso corrigido por lentes responsáveis pelo alinhamento do feixe que atinge a 52 objetiva. Esta lente ajusta o foco do feixe que ao incidir sobre na face do objeto observado fornece uma imagem virtual dela que é a transcodificação da energia emitida pelos elétrons do feixe. ESPECTROMETRIA DE ENERGIA DISPERSIVA DE RAIO X (EDS) OU ENERGY DISPERSIVE X-RAY (EDX) A importância da espectrometria de energia dispersiva de raio X na análise das características microestruturais de um material observado pelo MEV, está no fato de enquanto o MEV fornece a imagem virtual de determinada área ou mesmo de um minúsculo ponto (menor que 5 μm) pertencente ao objeto observado, o espectrômetro de energia dispersiva determina com precisão os elementos químicos que compõem o material da amostra observada. Posicionado na coluna de vácuo do microscópio, o detector de energia dispersiva age como um acessório imprescindível para uma análise microscópica mais completa das informações fornecidas pelo MEV. O seu funcionamento ocorre a partir da mudança de níveis de energias dos elétrons do feixe incidente na amostra, composta por elementos químicos. A emissão desta energia de excitação, no retorno destes elétrons a seus níveis originais é captada em comprimentos de onda do raio X. A identificação do elemento químico que compõe o material se dá pela distinção das faixas de energia captadas pelo espectrômetro. Em um gráfico com os resultados fornecidos, aparecem os picos das energias emitidas, associadas aos respectivos elementos químicos pela tabela periódica. Um programa no computador acoplado ao conjunto MEV/EDS registra os dados de uma tabela onde se tem a coluna dos elementos emissores, sua contagem, seu percentual em relação ao peso total dos elementos emissores e aos átomos. Para se evidenciar ainda melhor a localização dos elementos componentes da amostra, a partir de uma suas faces os pontos emissores das energias detectadas recebem uma coloração computadorizada que é associada ao nome do elemento emissor. Esta cor pode ainda colorir os picos que 53 são apostos sobre a fotografia fornecida pelo MEV, identificando na própria fotografia os elementos componentes e sua distribuição em relação aos demais. Assim, elementos contaminantes com Al, P e Mn não identificáveis por microscópio óptico, são localizados e identificados pelo EDS associado ao MEV. DIFRAÇÃO DE RAIOS X (DRX) Os dados de difração de raios X para a o material da primeira pastilha do lote LI foram coletados a partir de um difratômetro convencional Rigaku Dairix Miniflex II com monocromador fixo, usando as seguintes condições experimentais: 30 kV, 15 mA, radiação λCuKα intervalo 5o ≤ 2θ ≤ 65o, passo 2θ = 0,02o, tempo de contagem 5 s, fenda de divergência igual a 0.5o e fenda de recepção igual a 0.3 mm. Para o refinamento da estrutura foi usado o software TOPAS44 e o melhor ajuste foi realizado usando as fases BSCCO de grupos espaciais P2mms e Pban, obtendo-se fatores de discordância de Bragg RBragg = 2,541 % e RBragg = 2,880 %, respectivamente, e um fator de discordância de perfil pesado Rwp = 5,429 %. Este refinamento foi realizado pelo Método de Rietveld, com determinação de estrutura. Neste método, o próprio programa compara por mínimos quadrados o difratograma experimental com todos os grupos espaciais possíveis, ajustando os que mais concordam com as posições dos picos, reflexões de Braag. Para o refinamento da estrutura da amostra da primeira pastilha do lote LII, (tratada a 810oC, por 31 h), foi usado o software TOPAS44 e o melhor ajuste foi efetuado usando-se as fases BSCCO de grupos espaciais P222 (fase 1112), P4mm (fase 2212) e A2aa (fase 2212), obtendo-se fatores de discordância de Bragg RBragg = 0,136 %, RBragg = 0,173 % e RBragg = 0,106 %, respectivamente, e um fator de discordância de perfil pesado Rwp = 4.341 %. O programa TOPAS44 permite realizar o refinamento pelo método de Le Bail, primeiramente varrendo os grupos espaciais um a um, buscando o menor Rwp. A confirmação das fases encontradas dessa forma foi realizada através da base de dados ICDD. 54 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO O material cerâmico estudado neste trabalho, que foi obtido pela técnica dos precursores poliméricos (coprecipitação), apresentou tamanhos de grão menores do que 3000 nm, com diâmetro médio em torno de 778 nm. O equipamento usado nesta análise foi o Submicron Particle Size Analyzer, da BECKMAN COULTER, que fornece o resultado na forma impressa, conforme a figura 38, abaixo. FIGURA 38: Análise do tamanho da partícula do pó. O material apresentou ainda boa pureza e homogeneidade, produzindo amostras estáveis para a pesquisa. Neste trabalho, após a calcinação, fragmentos da amostra foram retirados para que o material fosse submetido às análises térmica diferencial (DTA), termogravimétrica (TG) e de calorimetria exploratória diferencial (DSC) com o uso do equipamento NETZSCH TERMAL ANALYSIS – ver figura 39. 55 A análise termogravimétrica (TG) do material apresentou inicialmente decomposições múltiplas, segundo Tenório40, mostrando, entretanto a temperatura limite de estabilidade a partir de aproximadamente 200ºC. Reputamos a perda de massa da amostra neste intervalo de tempo à vaporização de parte da matéria orgânica que não se havia desligado inteiramente na calcinação e também à vaporização do solvente usado no ultrassom. A partir do vigésimo minuto de análise, a temperatura programada comportou-se em ascendência linear e a DSC apresentou um evento endotérmico sofrido pelos fragmentos da amostra, no trigésimo minuto da análise. FIGURA 39: Fotografia do gráfico da análise térmica, onde a curva com início superior é de TG, a de início intermediário é a entalpia (DSC) e a de início inferior a da temperatura programada. Aproximadamente no octogésimo sétimo minuto da análise térmica a linha gráfica da DSC indicou a ocorrência de um evento exotérmico sofrido pela amostra. A partir do nonagésimo minuto de análise, quando a temperatura do programa atingiu 900ºC, a linha base do gráfico sofreu um deslocamento sensível para baixo, mostrando variação no valor da capacidade térmica do material analisado, segundo Tenório 40. 56 Neste trabalho foram submetidas à observação do MEV e do EDS as pastilhas já sinterizadas por rotas distintas, produzidas para os dois lotes LI (duas pastilhas tratadas a 900ºC) e LII (sete pastilhas tratadas a 810ºC) da amostra de BSCCO. Tem-se exposta a fotografia de cada face observada e os dados obtidos a partir dela. LOTE LI FIGURAS 40: Imagem da primeira pastilha do LI. Na figura 40, o MEV retratou a primeira pastilha do lote LI com distribuição de homogeneidade razoável com exceção de uma partícula de Cu detectada pelo EDS. As figuras 41 e 42 mostraram a disposição da matriz dos elementos componentes do material e uma perceptível ligação intrínseca que pode ter sido provocada pela fusão de elementos cujo ponto de fusão é mais baixo que a temperatura mais alta do forno ao longo da rota de sinterização. Analisando ainda a primeira pastilha de BSCCO do lote LI desta pesquisa, a partir da figura 43, percebe-se, pela determinação do EDS a existência não desprezível de um contaminante, o Al, que 57 se distribui por toda a área examinada pelo MEV, como se pode observar no gráfico de contagem dos elementos da figura 44. Muito possivelmente este contaminante prejudique em alguma medida o estado supercondutor do material. FIGURA 41: Incrustação de partícula no material da primeira pastilha do lote LI. FIGURA 42: Imagem de incrustação de partícula no material – lote LI. 58 FIGURA 43: Imagem da primeira pastilha do lote LI, com a distribuição de elementos dada pelo EDS. FIGURA 44: Gráfico da contagem dos elementos químicos presentes na primeira pastilha do lote LI, dada pelo EDS. 59 A figura 44 mostra ainda a predominância do Sr em toda a extensão do espaço analisado na pastilha, comprovando também pelas linhas traçadas, a existência de todos os materiais do compósito que se estuda, o BSCCO. Colocando-se sob observação do MEV e do EDS a segunda pastilha do lote LI, apresentada na figura 45, foi obtido o gráfico de contagem da figura 46, onde fica comprovada a existência de todos os elementos do BSCCO, com a presença do contaminante Al, proveniente do cadinho de alumina em que foi sinterizada a pastilha. FIGURA 45: Imagem da segunda pastilha do lote LI, submetida à observação do MEV e do EDS. Desta segunda pastilha do lote LI foi feita ainda pelo EDS a tabela V com a contagem dos elementos existentes na pastilha e o quadro (figura 49-e) com a localização destes elementos no espaço observado. Percebeu-se no quadro a presença do contaminante Be que devida a baixíssima contagem, a tabela de contagem não registrou. 60 FIGURA 46: Gráfico da contagem dos elementos químicos presentes na segunda pastilha do lote LI, dada pelo EDS. TABELA V: Contagem dos elementos detectados na segunda pastilha do lote LI Elementos Contagem Peso % Átomos % Detectados na Rede CK 1852 11.03 28.26 OK 9385 25.91 49.81 Al K 572 0.21 0.24 Ca K 21229 8.17 6.27 Cu K 4956 3.76 1.82 Sr K 3386 29.95 10.51 Bi L 4815 20.98 3.09 100.00 100.00 Total Resultados Quantitativos para: Base (593) Voltagem: 25,0 kV Ângulo de voo: 34,1 graus Detecto: UltraDry 61 FIGURA 47: Quadro de localização dos elementos químicos presentes na segunda pastilha do lote LI, fornecido pelo EDS. Finalmente foi comparada a estrutura morfológica da primeira pastilha do lote LI do compósito de BSCCO analisado nesta pesquisa com a encontrada em artigo recente da literatura, e o resultado da semelhança pode ser observado nas figuras 48, 49 e 50, o que comprova a veracidade do estudo realizado neste trabalho. 62 FIGURA 48: Imagem de estrutura morfológica da primeira pastilha do lote LI, fornecida pelo MEV. FIGURA 49: Imagem (011739) de estrutura morfológica de pastilha do BSCCO, fornecida pelo MEV. Fonte: MOHAMMED, N. H. et al43 63 FIGURA 50: Imagem (011744) de estrutura morfológica de pastilha do BSCCO, fornecida pelo MEV. Fonte: MOHAMMED, N. H. et al 43 LOTE II Tomando-se agora análise microscópica da primeira pastilha do lote LII, figura 51, a fenda observada com ampliação na figura 52 acusa heterogeneidade do material compactado na região o que possivelmente prejudicará condução elétrica por esta pastilha. Uma segunda pastilha do lote LII, figura 53, evidenciou os elementos Sr, Cu e Ca do compósito BSCCO e o quadro da figura 54 mostrou a localização dos elementos químicos detectados onde aparecem os contaminantes Al e Ni, sendo que este último apresentou em percentual tão ínfimo que não foi registrado na tabela VI, da contagem dos elementos químicos constantes na segunda pastilha do lote L II, fornecida pelo EDS. 64 FIGURA 51: Imagem de fenda na primeira pastilha observada do lote LII. FIGURA 52: Imagem ampliada de fenda na primeira pastilha do lote LII. 65 Cu Sr Ca FIGURA 53: Imagem da segunda pastilha do lote LII, submetida à observação do MEV e do EDS, com indicação dos elementos Sr, Cu e Ca. FIGURA 54: Quadro de localização dos elementos químicos presentes na segunda pastilha do lote LII, fornecido pelo EDS. 66 TABELA VI : Contagem dos elementos químicos detectados na segunda pastilha do lote LII Elementos Contagem Peso % Átomos % Detectados na Rede CK 1203 6.25 32.70 Al K 466 0.22 0.51 Ca K 21020 12.52 19.64 Cu K 10774 16.91 16.73 Sr L 47187 26.71 19.17 Bi M 49734 37.39 11.25 100.00 100.00 Total A exemplo do que foi feito com a primeira pastilha do lote LI, a segunda pastilha do lote LII também teve a sua estrutura morfológica comparada com a de artigo recentemente publicado na literatura e o resultado da semelhança pode ser observado nas figuras 55 e 56. Os resultados dos refinamentos de difração de raios X efetuados nas pastilhas de BSCCO do lote LI são apresentados nas Tabelas VII, VIII, IX e X onde aparecem os parâmetros de célula, o tamanho de cristalito, o volume célula unitária e as posições atômicas com os respectivos fatores de ocupação e de vibração térmica. A Figura 57 mostra o ajuste do difratograma depois do último ciclo de refinamento da primeira pastilha lote LI. A fase majoritária, de grupo espacial está com 91,3 % em peso da amostra é a fase BSCCO 2234, supercondutora de alta temperatura e reportada na literatura como uma fase de difícil obtenção em forma pura. 67 FIGURA 55: Imagem de estrutura morfológica da segunda pastilha do lote LII, fornecida pelo MEV. FIGURA 56: Imagem (011747) de estrutura morfológica do pó de BSCCO, fornecida pelo MEV. Fonte: MOHAMMED, N. H. et al 43 68 LOTE LI REFINAMENTO PELO MÉTODO DE RIETVELD DA FASE 2234 TABELA VII: Resultados do refinamento para a Fase 1 (Bi-2234) – primeira pastilha do lote LI. GRUPO ESPACIAL P2mms a (Å) 5,1085(33) b (Å) 6,0789(46) c (Å) 36,967(24) Tamanho do cristalito (nm) 200,00 Volume da célula unitária (Å)3 1147.991 TABELA VIII: Posições atômicas, fatores de ocupação e de vibração térmica da Fase 1 (Bi-2234) – primeira pastilha do lote LI. Íon x y z fo BT Sr+2 0.39370 0.82481 0.97713 1.511 0.04768 Ca+2 0.74172 0.68263 0.00904 2.504 3.254 Cu+2 0.08637 0.38235 0.00416 3.043 9.643 O-2 0.87509 0.23941 0.92798 9.678 0,001 O-2 0.33330 0.14874 0.07110 7.917 18.88 Sr+2 0.04158 0.75639 0.97034 0.2894 0,001 Bi+3 0.94661 0.94995 0.00380 0.3981 9.578 O-2 0.94367 0.92476 0.00404 0.4073 9.825 69 TABELA IX: Resultados do refinamento para a Fase 2 (Bi-2234) – primeira pastilha do lote LI. GRUPO ESPACIAL P2mms a (Å) 5,064(16) b (Å) 6,0007(21) c (Å) 36,04(43) Tamanho do cristalito (nm) 200,00 Volume da célula unitária (Å)3 1096,355 TABELA X: Posições atômicas, fatores de ocupação e de vibração térmica da Fase 2 (Bi-2234) – primeira pastilha do lote LI. Íon x Y z fo BT Sr+2 0.81926 0.01855 0.04214 10 13.05 Ca+2 0.58332 0.93410 0.05057 9.998 0,001 Cu+2 0.23609 0.94053 0.01204 9.202 17.76 O-2 0.43530 0.02133 0.06651 10 0,001 Bi+3 0.09617 0.97318 0.01028 0.6301 8.994 Sr+2 0.71280 0.18637 0.99177 1.601 38.6 O-2 0.09639 0.96337 0.99201 0.7792 6.415 70 FIGURA 57: Ajuste do difratograma para a amostra de BSCCO tratada a 900 oC, com (Bi-2234) como fase majoritária. LOTE LII REFINAMENTO PELO MÉTODO DE RIETVELD DA FASE 1112 O refinamento de difração de raio X da primeira pastilha do lote LII de BSCCO forneceu como fase majoritária a Bi-1112, cuja temperatura crítica em torno de 90 K. Os resultados são apresentados nas tabelas XI, XII, e XIII, onde aparecem os parâmetros de célula, o tamanho de cristalito, o volume célula unitária. A figura 58 mostra o ajuste do difratograma depois do último ciclo de refinamento. 71 TABELA XI: Resultados do refinamento para a Fase 1 (Bi-1112) – primeira pastilha do lote LII. GRUPO ESPACIAL P222 a (Å) 5,16961 b (Å) 5,15570 c (Å) 30,92777 Tamanho do cristalito (nm) 200,00 TABELA XII: Resultados do refinamento para a Fase 2 (Bi-1112) – primeira pastilha do lote LII. GRUPO ESPACIAL P4/mmm a (Å) 4,95044 b (Å) 4,95111 c (Å) 126,8597 Tamanho do cristalito (nm) 200,00 TABELA XIII: Resultados do refinamento para a Fase 3 (Bi-1112) – primeira pastilha do lote LII. GRUPO ESPACIAL A2aa a (Å) 5,08626 b (Å) 5,11332 c (Å) 30,62863 Tamanho do cristalito (nm) 200,00 72 FIGURA 58: Ajuste do difratograma para a amostra de BSCCO tratada a 810ºC, com Bi-1112 como fase majoritária. 5. CONCLUSÕES Na discussão dos processos de sinterização desta pesquisa, a influência da temperatura ficou evidente. A variação dos valores de sinterização e o tempo de exposição do material sinterizante determinam os resultados apresentados pelas pastilhas produzidas. À medida em que se altera para maior a temperatura do material sinterizante, diminui-se a área superficial das partículas implicando-se na diminuição a área da interface material – vapor (espaço vazio). Troca-se esta interface por material – material, eliminando poros e tornando o material mais denso. Concluímos que reside aí a importância do investimento em estudos que explorem a dependência dos materiais cerâmicos da rota diferenciada de sinterização a que são submetidos. Concluímos ainda que, pelas vacâncias observadas através das imagens fornecidas pelo MEV, também a pressão sofrida pelo material quando da formação da pastilha determina a qualidade de ligação entre as partículas influenciando em seu comportamento na condução elétrica. Partindo então dos resultados dos ensaios realizados, incluindo os refinamentos das fases condutoras dos materiais produzidos para este estudo, concluímos ser verdadeira a 73 dependência destes materiais supercondutores da rota de temperaturas adotada para a sinterização e da pressão a que são submetidos quando de sua prensagem para a formação de pastilhas. 6. SUGESTÃO PARA TRABALHOS FUTUROS Um dos capítulos desta dissertação foi justamente aquele que tratou da dopagem do sistema BSCCO. Os benefícios da dopagem ou mesmo da mistura de prata pura no sistema foram descritos na subsecção 2.4.2.2.2. Entretanto, o simples fato de efetuar a mistura e caracterizá-la não levam ao objetivo que ora sugerimos. Além da dopagem ou mistura julgamos ser interessante comparar o sistema dopado ou misturado com o sistema sem a dopagem ou mistura em situações de percurso de rotas diferenciadas de sinterização. Trabalhos criativos já existem45 e não raras vezes são colhidos frutos que brindam a comunidade científica. Na ciência, ousar é preciso. 74 REFERÊNCIAS 1 NOBELPRIZE.ORG. All Nobel Prizes in physic. Stockholm, 2011. Disponível em: <http://nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/>. Acesso em: 31 mar. 2013. 2 BUCKEL, W.; KLEINER, R. Superconductivity: fundamentals and applications. 2. ed. rev. e ampl. Weinheim: Whiley-VCH, 2004. 3 RODRIGUES, VIVIAN DELMUTE. Efeitos da dopagem nas propriedade elétricas do sistema supercondutor BSCCO com elemento terra rara.2011.76f. Dissertação (Mestrado). Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira. Área de conhecimento: Física da Matéria Condensada, 2011. 4 TORSONI, G. B. Estudo da influência do tratamento térmico em filmes supercondutores, do sistema BSCCO obtido pela técnica de spin-coating dispositivos eletrônicos. 2012. 144 f. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira. Área de conhecimento: Ciência dos Materiais e Metalúrgica, 2012. 5 STUDART, N. Supercondutividade e Superfluidez: Manifestação de Efeitos Quânticos em Escala Macroscópica. Revista Brasileira de Física. Física na Escola, v. 4, n. 2, 2003. Disponível em: http://scholar.google.com.br/scholar?q=Nelson+Studart+supercondutividade&btnG= &hl=pt-BR&as_sdt=0%2C5. Acesso em: 31 mar. 2013. 6 ALMEIDA BRAGA, P. F.; VELOSO DE ARAÚJO, R.V. Tratamento de Minérios: Práticas Laboratoriais - Ensaios de Retortagem – Destilação de Mercúrio. 2007. Ed. Rio de Janeiro: CETEM, 2007. 75 7 KITTEL, C. Introdução à física do estado sólido. 8. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2005. 578 p. ISBN: 85-216-1505-1. 8 BONTRAGER, K.; Tratado de Técnica Radiológica e Base Anatômica. 5 ed. Rio de Janeiro:Editora Guanabara Koogan S.A, 2003. 9 SUPERCONDUCTOR, A. Devens, 2011. Disponível em: <http://www.amsc.com/>. Acesso em: 28 out. 2013. 10 TRES AMIGAS LLC, Santa Fé, 2011. 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