A deriva do euro: o futuro

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JANUS
2013
3.1.7 • As incertezas da Europa • Os contornos da crise económica
Manuel Farto
Henrique Morais
A deriva do euro: o futuro
Nos últimos meses1 as nuvens mais negras
que pairam sobre a área do euro parecem ter
recuado ligeiramente, sobretudo porque parece
agora claro para todos que ninguém, nem mesmo
a Alemanha, está interessado na saída da moeda
única de nenhum dos países que integram o euro.
Além disso, o Banco Central Europeu teve novamente um papel decisivo no retorno de alguma
tranquilidade aos mercados, em especial após o
anúncio, em Setembro, do programa de compra
de títulos de dívida pública que ficou conhecido
por Outright Monetary Transaction (OMT). Este
programa prevê a compra ilimitada de títulos de
dívida pública dos países que o solicitem, mediante condições específicas, e embora seja claro
para todos que não será a solução para a globalidade dos problemas que afectam a área do euro,
tratou-se de uma medida muito forte no sentido
de restabelecer alguma confianças aos mercados.
Aliás, as próprias agências de rating parecem estar a acomodar alguma melhoria, como é exemplo a recente melhoria do rating soberano da
Grécia de SD (default selectivo) para B- (com
perspectiva estável), afirmando precisamente
a forte determinação da área do euro em manter
a Grécia na moeda única.
Na ausência de um
verdadeiro sistema monetário
internacional, global e
integrado, [...] a afirmação e
consolidação de uma jovem
mas [...] poderosa moeda terá
de ser realizada através de
medidas estruturais que evitem
a especulação contra o euro [...]
Mas o caminho para a estabilização da área do
euro está apenas no seu início...
Uma moeda mais forte?
É difícil sustentar que a crise da área do euro se
deve exclusivamente a um, ou mesmo dois ou
três, factores específicos. Antes se tratou de uma
consequência normal de um conjunto de desajustamentos em matéria de política económica,
articulados com indecisões políticas, equívocos
diplomáticos e de discurso e, também, a falta
de sorte associada a quem está no lugar errado
e à hora errada – afinal a área do euro sofre o seu
primeiro grande teste num contexto de uma crise
financeira importada do outro lado do Atlântico
que provavelmente terá sido a mais intensa e devastadora desde 1929.
No entanto, vislumbramos um evidente equívoco na forma como o mercado cambial tem vindo a actuar em relação ao euro ou, talvez mais
precisamente, nos termos em que a área do euro
(não) tem reagido ao funcionamento do mercado
cambial.
É sabido que desde a implosão do Sistema
Bretton-Woods nos anos 70 poucos se importaram verdadeiramente com as consequências de
décadas de um “não sistema”. Assim, num movimento que acabou por ser exponenciado pela
globalização, assistiu-se à consolidação de dois
subsistemas: um mecanismo de câmbios flexíveis em que encontramos as principais moedas
internacionais, designadamente o euro e o dólar
e, por outro lado, um regime de currency board
de países emergentes que utilizam a sua moeda
como “arma de competitividade” nos mercados
internacionais de bens e serviços.
A área do euro foi, pois, encurralada entre o mercado cambial, que colocou rapidamente o euro
bem acima do valor que, face ao dólar, poderia
assegurar alguma competitividade à área do euro,
e um conjunto de novos actores internacionais
que que beneficiam de um acrescido know-how,
de mão-de-obra mais barata e de uma vantagem
artificialmente criada pela moeda.
Pior, a ausência de uma coordenação de políticas
intra-europeias veio expor de forma dramática
a absoluta divergência dos Estados-membros da
área do euro: enquanto uns souberam reagir
(prevenir?) aos efeitos cambiais perversos dinamizando desvalorizações competitivas através da
contenção salarial (notavelmente o caso da Alemanha), outros, mais a Sul, continuaram despreocupadamente a aumentar os salários, ignorando
que mais tarde pagariam um elevado preço por
esse equívoco.2
E no imediato para onde vai o euro?
Apontam-se em geral cinco factores como centrais na previsão cambial: o nível relativo da inflação e das
taxas de juro dos países em causa, a prevalência de efeitos especulativos mais relevantes (o que os anglosaxónicos denominam de carry trades), a dimensão infra-estrutural de cada moeda, a posição dos países
no comércio e no investimento internacionais e, por último, o chamado risco político.
O risco político é normalmente mais importante para prever o comportamento de moedas menos centrais no sistema monetário internacional, embora conjunturalmente possa ser igualmente relevante para
moedas mais centrais, em momentos em que algo de substancialmente importante possa estar a ocorrer.
Por exemplo, uma mais intensa especulação em torno do futuro da moeda única europeia será certamente factor a ter em conta na trajectória do euro.
O comércio e o investimento internacionais posicionarão um país e a sua moeda num comportamento
proporcional aos saldos em causa: balanças correntes excedentárias e investimento internacional líquido
positivo andarão de braço dado, ceteris paribus, com moedas mais fortalecidas.
A dimensão infra-estrutural é algo que dificilmente a teoria económico-financeira poderá explicar na
íntegra. Talvez o melhor exemplo seja o norte-americano, em que apesar dos défices, mesmo quando
a economia recua, o dólar mantém um especial “apelo” para os investidores, posicionando-se ao longo de
décadas como a moeda de referência para o mercado, nas suas múltiplas áreas – investimento, comércio,
activo de reserva, activo de emissão de dívida.
Os dois restantes factores, last but not least, são provavelmente aqueles que mais decisivamente condicionam a evolução de moedas como o euro ou o dólar. A ideia é simples: países com taxas de juro mais
baixas verão a sua moeda valorizar no horizonte temporal dessas taxas, justamente numa magnitude
próxima da diferença das taxas de juro face ao outro país. No fundo, a taxa de câmbio funciona como
mecanismo de compensação automática do menor rendimento obtido numa aplicação em determinada
moeda. Ora, quando olhamos, por exemplo, para os níveis actuais das taxas de juro a 12 meses, verificamos que a Euribor ronda os 0,60%, enquanto a Libor do dólar atinge 0,77%, fazendo prever uma (ligeira)
apreciação do euro face ao dólar.
Todavia, sobretudo em momentos em que o mercado mostre especial voracidade pela especulação, a tendência poderá inverter-se, ou seja, os especuladores procurarão financiamentos em países onde as taxas
de juro estejam mais baixas, para aplicarem nos países onde o nível dessas taxas de juro seja mais elevado.
Em conclusão, os diferenciais pouco expressivos das taxas de juro entre a área do euro e os EUA não
deixam prever que os dois factores por norma mais relevantes desempenhem um papel decisivo na
evolução do euro face ao dólar durante o corrente ano, ou pelo menos que induzam movimentos de
magnitude assinalável.
Perante uma Europa do euro com uma balança corrente relativamente equilibrada (os EUA têm, pelo
contrário, um défice brutal) e um efeito infra-estrutural que manifestamente beneficia o dólar, parece-nos
que o factor decisivo para a evolução do euro será o risco político.
Ora, a incerteza em torno do projecto europeu aconselha a que a previsão aponte para uma depreciação
do euro.
A indústria europeia certamente agradece.
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Nov. 2012
Jan. 2011
Jan. 2009
Jan. 2007
Jan. 2005
Jan. 2003
Jan. 2001
Jan. 1999
Jan. 1997
Jan. 1995
Jan. 1993
Taxa de câmbio efectica real do euro. Fonte: Banco Central Europeu.
Aqui chegados, e na ausência de uma maior
consolidação do projecto europeu que nos
arraste para alguma espécie de federalismo mais
ou menos mitigado, dificilmente se consegue
percepcionar como poderão os países mais frágeis da área do euro acomodar a manutenção
de uma moeda relativamente valorizada. Pelo
contrário, uma moeda mais fraca, sobretudo em
relação ao dólar norte-americano, parece ser agora, mais do que uma necessidade, uma autêntica
bóia de salvação para a moeda europeia, pelo
menos na forma que a conhecemos actualmente.
Como evitar a especulação
contra o euro
Na ausência de um verdadeiro sistema monetário
internacional, global e integrado, e num mundo
que oscila frequentemente entre excessos de
intervencionismo reactivos e o mais absoluto
dos neoliberalismos, a afirmação e consolidação
de uma jovem mas, pelo universo que representa, poderosa moeda terá de ser realizada através
de medidas estruturais que evitem a especulação
contra o euro, seja de que tipo for, ou contra
algumas das suas economias.
Teremos, pois, de começar por nos entendermos
quanto ao destino que queremos para a Europa. Seria interessante questionar cada um dos
líderes dos países que integram o euro sobre
a forma como vêem a União Europeia daqui a dez
anos. Suspeitamos que esses líderes muito provavelmente demorariam largos minutos até conseguirem esboçar uma ideia sobre o assunto. Os
mercados exploram estas indecisões, estas faltas
de rumo e neste momento a palavra que, no nos-
so entender, melhor caracteriza os governantes
europeus é indecisão.
Por outro lado, é cada mais claro que a Europa
não vai resistir a um agravamento das desigualdades entre Estados-membros. O aumento significativo do desemprego nos países do Sul rapidamente transformará a emigração para os países do
Centro da Europa num fenómeno susceptível de
criar um clima de antagonismo entre Estados que,
a concretizar-se marcará certamente o fim da
União.
Evitar o agravamento das desigualdades, porque
essencial, passa por uma alteração da política
económica europeia que atenue os ajustamentos
e a austeridade e promova o crescimento. É insustentável a teimosia alemã em avançar com medidas de “consolidação” orçamental numa economia que devia precisamente posicionar-se como
o motor do crescimento na área do euro, permitindo assim algum alívio aos países em maiores
dificuldades através das suas exportações.
Embora um dos vértices deste triângulo, o sistema monetário internacional, não dependa exclusivamente da Europa, os dois restantes (firmeza
na ideia europeia e políticas económicas viradas
mais para o crescimento e menos para a consolidação orçamental a todo o custo) estão perfeitamente ao alcance das autoridades europeias
e nacionais.
Sul e ameaça empurrar o Mundo para a recessão.
Pior, na Grécia, em Portugal, em Espanha assiste-se à degradação constante de modelos sociais de
décadas, ao fortíssimo aumento do desemprego,
à descrença e ao desespero de largo espectro
populacional.
A Europa aproxima-se perigosamente do precipício e, cada dia que passa, mais difícil será reencontrar o caminho da prosperidade e da paz.
Sim, porque no limite é de paz que estamos
a falar. ■n
Conclusão
Vivemos tempos difíceis e incertos.
O que começou por ser uma crise financeira nalguns países do G20 transformou-se rapidamente
numa profunda crise económica na Europa do
2,0
1,5
1,0
Notas
0,5
1 Este texto foi ultimado em finais de Dezembro de 2012.
2
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Jan. 99
Jan. 01
Jan. 03
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Jan. 07
Jan. 09
Jan. 11
Evolução do euro face ao dólar. Fonte: Banco de Portugal.
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Dez. 12
Até porque a União Económica foi para muitos dos países
do Sul sinónimo de desenvolvimento de redes de infraestruturas mas também de eliminação de uma parte substancial
do aparelho produtivo, especialmente a nível dos bens transaccionáveis.
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