Filosofia Brasileira

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Querelas Brasileiras1
César Mendes da Costa é graduado em Filosofia, Especialista em Filosofia Clínica e Professor de
Filosofia no Ensino Médio. E-mail: [email protected]
Filosofia no Brasil ou Filosofia Brasileira? Será que essa questão é de fato válida?
Circunscrever o tema desta forma parece fugir ao bom senso, isto é, temos pessoas que pesquisam,
escrevem textos, editam livros, desenvolvem conceitos filosóficos, a exemplo do Newton da Costa,
que tem produzido uma lógica que é inovadora, no que tange às questões contemporâneas.
Considerando, com Nietzsche, a verdade como ficção, pois a realidade é fruto de uma construção
difusa de intenções, que interpelam os sistemas solicitando ou apontando a sua falência, como
pensar uma filosofia autenticamente brasileira e, portanto, pura de outras misturas?
Pensar filosofia pura é considerar hipoteticamente a possibilidade de existir uma realidade
pura, acredito que essa confusão foi a dissipada por Immanuel Kant na sua obra Crítica da Razão
Pura, mas se não for o bastante, Gaston Bachelard afirma que o conhecimento é aproximado, que a
ciência tem início com o erro primeiro. Quando discutimos a existência ou não de uma filosofia
brasileira, parece que temos a defesa de uma “metafísica primeira”, uma exposição de uma
“ontologia ideal”, que estabelece critérios para identificação do “ser filosófico”, e defende a não
existência deste “ser filosófico” no Brasil. Afirmamos a existência de tentativas, ensaios, tratativas
entre o nosso pensar e o estrangeiro, sendo que o outro é filosófico, e nós tentamos traduzir o seu
pensamento. Mas cabe perguntar: existe uma filosofia ou filosofias sendo produzidas em qualquer
lugar do planeta?
Como reconhecer um Brasil filosófico, se entendemos a filosofia enquadrada em um
formato? Os nossos temas são os mesmos da Europa ou da América ou da Ásia? Que a filosofia
como conhecemos nasceu na Grécia, é certo, mas a sua integração com as temáticas locais já
ocorreu há muito tempo: filósofos romanos, árabes, ingleses, franceses, alemães... A filosofia
brasileira não será filosófica se tentar repetir o já pensado, pois soa a comentário, e comentar obras
alheias é um excelente exercício, mas não é filosófico, no que tange o seu aspecto inventivo
(Deleuze e Guattari), de construção de conceitos.
Há uma mitologia do povo brasileiro? Quais são as questões que norteiam o pensamento do
brasileiro? Em qual direção lança-se o agir do brasileiro? Essas questões surgem sempre que a
sensatez se faz presente. Quando a ciência européia entrou em crise, surgiu uma resposta dos
filósofos da ciência, com a epistemologia; quando surge uma questão agrária no Brasil, surgem os
filósofos (onde, cadê?) ou surge o comentador de Karl Marx? Ou o conservador de plantão, para
vaticinar as verdades perenes e enviesadas?
Como é possível notar em qualquer obra decente sobre o tema, existem muitos brasileiros
produzindo filosofia. Escrevem, divulgam e refutam idéias, conceitos que se apresentam
equivocados. Não são eles filósofos? Por que suas obras não são divulgadas?
Um curso de graduação deveria divulgar as obras dos nossos filósofos, assim como instigar
o olhar para a nossa realidade, o nosso entorno. Temos um “jogo de linguagem” peculiar. Onde
encontrar um estudo sobre o nosso jogo de linguagem? Onde está a nossa filosofia da linguagem?
Talvez em Guimarães Rosa, ou Carlos Drummond Andrade, ou quem sabe na obra de Lenine ou
Fagner (músicos de origem nordestina).
É difícil falar sobre este tema sem solicitar um grau de abstração extremo, pois é comum os
professores de filosofia recorrerem ao que nos é estrangeiro, sendo que a semântica do povo
brasileiro revela-se densa em sua diversidade, e em sua oficiosidade.
Mas como negar a fantástica contribuição de Levinas, quando trata da alteridade? Mas como
tratar esse filósofo e sua obra sem considerar a nossa alteridade, os ritmos da população brasileira?
Talvez se considerando alheio ao brasileiro. É comum ouvirmos: “os brasileiros não prestam”,
“votam mal”, etc. Quem fala assim, geralmente esquece que é brasileiro. E surge uma questão que
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Artigo publicado na Revista Filosofia, Ciência & Vida.
merece ser estudada: O que é ser brasileiro? E por que só o outro é equivocado? É brasileiro? O”não
equivocado” apresenta-se no dia-a-dia como um sem pátria?
Será que nos textos, nas comunicações públicas dos nossos filósofos, encontraremos
algumas respostas, para essas diversas questões? Para saber, o melhor é entrar em contato com as
obras dos muitos brasileiros que divulgam ou produzem a filosofia no Brasil.
Algumas pessoas afirmam que a filosofia só pode ser considerada como tal quando o seu
conteúdo possuir um caráter universal. Nos vem em mente a obra de Newton da Costa, criador da
lógica paraconsistente, que tem fornecido aos diversos ramos implicados nas conseqüências diretas
da aplicabilidade de um raciocínio válido, soluções para as questões suscitadas pelo princípio de
não contradição da lógica aristotélica.
Em uma época em que os lógicos se deparavam com uma crise em sua área de pesquisa,
Newton da Costa inverteu a questão e as intenções do momento, desenvolvendo as pesquisas no
entorno da possibilidade de raciocínio contraditório ser válido.
A lógica clássica, bem como várias outras lógicas, não é apropriada para a
manipulação de sistemas de premissas ou de teorias que encerram contradições (nas
quais uma proposição e sua negação são ambas teoremas da teoria ou conseqüências
dos sistemas de premissas). Porém, nas ciências figuram contradições que são
difíceis ou impossíveis de serem eliminadas (o que ocorre, por exemplo, em física,
onde a teoria da relatividade geral e a mecânica quântica são logicamente
incompatíveis, em direito, onde os códices jurídicos sempre apresentam
inconsistências, etc.). Por isso, tornou-se imperativo que se criassem lógicas que
pudessem “suportar” contradições: tal é essa essência da paraconsistência. Em geral,
uma lógica paraconsistente não implica que a clássica está errada, mas a generaliza.
A lógica paraconsistente engloba a lógica fuzzy e tem encontrado as mais variadas
aplicações, tanto teórica como práticas. Em especial, ela inspirou uma nova filosofia
da ciência e estendeu o campo da razão.” (trecho retirado da entrevista cedida a
revista Pesquisa da Fapesp, mês de Junho de 2008, postado no site
http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=3536&bd=1&pg=1&lg=)
É nítido o valor universal da inovadora contribuição de Newton da Costa, que tornou
possível uma nova compreensão de ciência e de verdade. Não é possível falar de lógica
contemporânea sem citá-lo, e ele é brasileiro, ensina em uma universidade brasileira, e trouxe
contribuições, assim como Bertrand Russell, Gödel, entre outros, para a compreensão e
desenvolvimento da lógica.
Podemos continuar negando a existência da filosofia entre nós, lançando questões como:
existe ou não filosofia brasileira? Se existe, ela possui ou não um caráter universal? Se possui um
caráter universal, ela é ou não um sistema? Se é um sistema, ela ainda pode ser considerada
brasileira? Para não cansar o leitor com esse trato tão enfadonho, e tão costumeiramente
palmilhado, vamos trilhar outro caminho: quais são as questões prementes e como podemos
participar da elaboração conceitual delas, de modo a contribuir com um novo olhar?
Os leitores de Habermas poderiam contribuir para o entendimento da nossa ação
comunicativa? Consideramos que sim, pois Sergio Paulo Rouanet tem nos presenteado com
belíssimos estudos.
O Brasil filosófico contribui para o desenvolvimento da Filosofia, mas como instigar o
filosofar entre os brasileiros, sem os filósofos se ocuparem com a sociedade ou desenvolverem, de
forma crítica, as questões filosóficas que circundam o cotidiano do ser humano?
Enfim, poderíamos afirmar que o Brasil encontra-se no cenário filosófico assim como a
verdade em Nietzsche, de modo difuso. Existe muito discurso, mas um discurso que paralisa, pois
toma, de antemão, o viés da negação, da assunção da existência de filosofias estrangeiras em
detrimento da impossibilidade de uma filosofia brasileira. Não será um problema de ignorância?
Isto é, há uma filosofia produzida por um grupo reduzido de comentadores, que toma a visibilidade
da produção filosófica no Brasil devido a ignorância que respiramos, no nosso dia-a-dia, acerca do
que os nossos filósofos pensam ou produzem?
Bibliografia
BACHELARD, Gaston. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Rio de Janeiro: Contraponto,
2004.
NIETZSCHE, Friedrich. Obras incompletas. 3ª.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
PAIM, Antonio. O estudo do pensamento filosófico brasileiro. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro,
1979.
SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Editora
Cortês,1980.
SOUZA, Ricardo Timm de. O Brasil filosófico. São Paulo: Perspectiva, 2003.
Entrevista colhida na internet
Revista Pesquisa Fapesp, entrevista Newton da Costa
http://www.revistapesquisa.fapesp.br
Sugestão de leitura
JAIME, Jorge. História da filosofia no Brasil. 4 vol. Petrópolis:Vozes; São Paulo: Faculdades
Salesianas, 2000.
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