IMAGENS DA ERA DO JAZZ EM THE GREAT GATSBY: UMA RELAÇÃO ENTRE LITERATURA E CINEMA Mestranda Luciana Teresinha da Silva* (UFU) Orientador: Prof. Dr. Ivan Marcos Ribeiro RESUMO: Este trabalho objetiva a aproximação da obra literária de Francis Scott Fitzgerald, intitulada The Great Gatsby (1925), à obra fílmica homônima escrita por Francis Ford Coppola, e lançada em 1974. É válido ressaltar que este trabalho não se aterá ao princípio de fidelidade, ou de fidedignidade, já que as obras compreendem linguagens bem distintas. Assim sendo, serão consideradas as particularidades de cada uma das obras, analisando-se as suas similaridades e diferenças nos seguintes aspectos: tempo, espaço, personagens, narrador e enredo. Tal pesquisa está pautada nos estudos interartes, especificamente no estudo da literatura e outras artes, isto é, literatura e cinema. PALAVRAS-CHAVE: literatura, cinema, múltiplas linguagens. ABSTRACT: This work proposes the approach of Francis Scott Fitzgerald’s literary work, called The Great Gatsby (1925), to the homonymic filmic work written by Francis Ford Coppola, and launched in 1974. It is worth pointing out that this work will not stick to the principle of fidelity, or reliability, since the works comprehend very distinct languages. Thus, the particularities of each work will be considered, by analyzing its similarities and differences in the following aspects: time, place, characters, narrator and plot. Such research is based on the interart studies, specifically in the study of literature and other arts, that is, literature and cinema. KEYWORDS: literature, cinema, multiple languages. * Autora Luciana Teresinha da SILVA, Mestranda. Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Departamento de Letras e Lingüística – Mestrado em Teoria Literária. [email protected] 98 A obra literária de Fitzgerald: The Great Gatsby “So we beat on, boats against the current, borne back ceaselessly into the past.”3 F. Scott Fitzgerald, The Great Gatsby (1925). (FITZGERALD, 1984, p.172) A escolha da obra literária de Francis Scott Fitzgerald como objeto de pesquisa se deve ao fato de ela ser um clássico da literatura americana do século XX. Deve-se ainda observar que The Great Gatsby é uma das grandes histórias de amor da contemporaneidade, mesmo não contendo um final feliz. Nessa obra o autor F. Scott Fitzgerald relata todo o glamour e ilusão de uma época, atraindo leitores há várias gerações. Ademais, a obra descreve a vida da alta sociedade americana da década de vinte com uma aguda reflexão crítica. Soma-se a isso o fato de que Fitzgerald foi bem sucedido ao fazer um retrato fiel de uma época. Na verdade, foi ele quem deu um nome a uma era: The Jazz Age, ou A Era do Jazz, testemunhando não só o seu auge, mas também a sua decadência. Os rumorosos anos vinte referem-se especificamente ao período entre o final da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918) e o início da grande depressão. A queda da bolsa de Nova Iorque em 1929 não só fez com que o status quo de uma sociedade tradicional ruísse, mas também todos os seus valores morais. Em contrapartida, nascia o modernismo, marcado pelo jazz, pelas obras de F. Scott Fitzgerald, e pelos avanços tecnológicos, tais como o automóvel, o avião e o telefone. Entretanto, juntamente com o modernismo surgiram também novas tendências de comportamento, tanto nas artes como nas relações interpessoais. Assim sendo, a palavra de ordem da época passou a ser o individualismo e a busca pelo prazer e pela diversão, em meio ao caos da miséria vivida por uma sociedade em decadência. Além disso, a hipocrisia passou a imperar nas relações humanas, já que a ética deu lugar ao egocentrismo, e as aparências importavam muito mais do que um bom caráter. As percepções e o bom senso foram substituídos pelas emoções e o oportunismo. Fitzgerald soube desenhar suas personagens de modo a deixar a fragilidade de suas relações bem clara. Durante todo o desenrolar da narrativa quase não é possível 3 E assim prosseguimos, barcos contra a corrente, arrastados incessantemente para o passado. (Tradução de Roberto Muggiati). 99 encontrar amizades sinceras e nem amores verdadeiros, pois as únicas exceções são o amor de Gatsby por Daisy, e a amizade de Nick Carraway por Gatsby. O trecho a seguir mostra como as personagens Tom e Daisy não tinham escrúpulos e seguiam em frente esmagando e eliminando tudo o que não lhes interessava e atrapalhava o seu caminho: Eram pessoas descuidadas, Tom e Daisy – despedaçavam coisas e criaturas e depois se refugiavam no seu dinheiro, ou na sua vasta indiferença, ou no que quer que fosse que os mantinha unidos, e deixavam que as outras pessoas limpassem a sujeira que haviam feito...4 (Tradução de Roberto Muggiati. O Grande Gatsby, 2007, p.197) Essa citação é um retrato das personagens centrais da obra The Great Gatsby. Elas representam o perfil da elite americana da época pós-guerra, na qual as sensações importavam muito mais do que as percepções. As relações eram vazias e oportunas, e as aparências contavam muito mais que os valores morais. Vale lembrar que as festas na mansão de Gatsby atraíam centenas de pessoas, mas quase nenhuma delas tinha amizade por ele, ou pelo menos, o conhecia. Muito se especulava sobre a procedência de sua riqueza, alguns até arriscavam palpites de que ele era um contrabandista de uísque, um ex-espião de guerra ou até mesmo um assassino. Mas isso não importava porque as suas festas eram sempre regadas a muito champanhe, animadas por grandes orquestras e luzes, e abastecidas com um farto cardápio. Sua mansão se transformava em um quase parque de diversões para a sociedade da época, e todos lá compareciam para se divertir, independente do fato de se conhecer ou não o anfitrião. Não importava qual era a origem do dinheiro que proporcionava todo aquele glamour e abundância, e nem importava saber qual era a razão para tantas festas. Entretanto, por trás das cortinas daquela mansão, no andar superior ao salão de festas, estava o solitário Gatsby, o qual, entre uma olhadela e outra, acalentava a esperança de que sua amada pudesse comparecer a uma de suas festas, atraída pela boa diversão que elas poderiam lhe proporcionar. A mansão de Gatsby estava cheia de convidados quase todas as noites, mas vazia do tipo de companhia que ele tanto ansiava encontrar, ou seja, a sua amada Daisy. A sua solidão era total, já que daquelas pessoas que freqüentavam a sua casa, nenhuma era realmente sua amiga. A prova disso está na ocasião de seu funeral, no qual somente seu pai e seu amigo Nick estiveram presentes. 4 They were careless people, Tom and Daisy – they smashed up things and creatures and then retreated back into their money or their vast carelessness, or whatever it was that kept them together, and let other people clean up the mess they had made... (FITZGERALD, 1984, p.170) 100 Além de todos os aspectos já mencionados com relação à escolha da obra literária, não se pode deixar de mencionar a riqueza de temas abordados, entre eles, a diferença social entre as classes rica e pobre, a nostalgia convidando a uma viagem ao passado, a relação mãe e filha, o adultério, o assassinato, a obsessão e o suicídio. Há também a questão da quebra do sonho americano, uma vez que a narrativa tem como uma de suas personagens principais Jay Gatsby, o garoto pobre que se tornou milionário, mas foi vítima de um assassinato. Com relação ao enredo, pode-se dizer que ele se resume na tentativa de Gatsby de reviver o seu grande romance do passado com a sua amada Daisy. Quando adolescentes, eles não puderam se casar por conta da diferença de classes sociais. O jovem Gatsby vai embora, mas promete a si mesmo e à sua amada que vai voltar rico um dia, e tudo isso para se tornar digno de Daisy. Cinco anos mais tarde ele volta bem sucedido e, de certa forma, consegue resgatar o amor do passado, mas nem tudo permanece como antes, já que Daisy é então uma senhora casada da alta sociedade. Eles vivem dias felizes como se fossem adolescentes outra vez, mas esse romance não tem um final feliz, e sim um fim trágico para Gatsby. Como já mencionado, várias questões são abordadas em The Great Gatsby, mas parece que a nostalgia e a tentativa incessante de recuperar o passado é uma questão central. Jay Gatsby é uma personagem admirável por sua coragem e determinação. Ele luta até o fim para resgatar seu grande amor, e morre por ele. The Great Gatsby tem como cenário a cidade de Nova Iorque, especificamente no verão de 1922. Essa é a época em que o narrador, a personagem de Nick Carraway, se muda para Long Island, e vai morar no bangalô vizinho à mansão de Gatsby. Na verdade, Nick nada sabia sobre o grande Gatsby, mas aos poucos ele vai adquirindo informação sobre tudo o que está acontecendo ao seu redor, e é através de seus olhos e ouvidos que o leitor fica sabendo de todos os detalhes da trama. Assim sendo, é através do olhar de Nick que o leitor tem subsídios para construir suas críticas em cima das outras personagens. Deve-se mencionar ainda que foi Nick Carraway quem promoveu o reencontro entre a sua prima Daisy e Jay Gatsby. Esse é um fato comum, tanto na obra literária, quanto na obra fílmica. 101 Notas sobre F. Scott Fitzgerald (1896 – 1940) Francis Scott Fitzgerald foi um escritor americano que nasceu em 1896, em St. Paul, no estado de Minnesota. Ele estudou em internatos católicos locais, e freqüentou a universidade de Princeton, em Nova Jérsei. Esta é uma das mais velhas e mais conceituadas universidades americanas, mas Fitzgerald não chegou a se formar. Ele quase sempre ignorava os estudos formais porque preferia receber educação de escritores e críticos como Edmund Wilson, um amigo por toda a sua vida. Em 1917 ele deixou a faculdade, e se alistou no exército para ir servir em Montgomery, no Alabama. Foi lá que ele conheceu a sua esposa Zelda Sayre Fitzgerald (1900 – 1948), e também deu início à sua carreira de escritor. O seu primeiro romance foi um sucesso. This Side of Paradise, publicado na primavera de 1920, enriqueceu Fitzgerald, ou pelo menos, o deixou rico suficiente para se casar com a senhorita da alta sociedade, Zelda Sayre. Embora a relação do casal fosse bastante conturbada, Zelda teve grande influência na obra de Fitzgerald, já que ela o encorajava a beber para distraí-lo de seu verdadeiro trabalho, isto é, escrever romances. Fitzgerald afirmava que ele sempre levava a escrita de suas histórias a sério, mas logo em seguida as distorcia, transformando-as em contos para promover a venda de revistas. Em 1924 os Fitzgeralds deixaram a sua casa em Long Island para ir viver na Riviera Francesa, e não mais voltar para os Estados Unidos até 1931. Em cinco meses Fitzgerald completou The Great Gatsby (1925), uma fábula sensível e satírica sobre a busca de sucesso e sobre o colapso do sonho americano. Embora essa obra seja sempre caracterizada como obra-prima de Fitzgerald, Gatsby vendeu pouco; isso acelerou a desintegração de sua vida pessoal. Entretanto, apesar da insanidade progressiva de Zelda, e de sua queda no alcoolismo, ele continuou escrevendo, principalmente para revistas. Seu quarto romance foi lançado antes de 1934. Tender is the Night é uma história finamente disfarçada, isto é, quase que uma história reveladora de sua vida com Zelda. Mas a sua pouca aceitação levou o próprio Fitzgerald a um colapso nervoso, o qual está registrado em seus ensaios recuperados por Edmund Wilson em The Crack-Up (1945). Mesmo assim, Fitzgerald se recuperou de maneira suficiente para se tornar um roteirista de cinema em Hollywood, em 1937. Essa experiência inspirou o seu último e mais maduro romance, The Last Tycoon (1941). Embora essa obra tenha 102 permanecido inacabada devido a sua morte em Hollywood, em 21 de dezembro de 1940, a magnificência desse trabalho levou a crítica a reavaliar o talento de Fitzgerald, e eventualmente reconhecê-lo como um dos melhores escritores americanos do século XX. Deve-se acrescentar ainda que apesar de sua genialidade e talento, Fitzgerald teve uma carreira relativamente curta, falecendo aos quarenta e quatro anos de idade, devido a uma vida social intensa e cheia de desregramentos. Por outro lado, não se pode ignorar o fato de ele ser considerado um dos maiores escritores americanos do século XX, já que seus romances e contos registram o resplendor e o excesso da sociedade americana da década de vinte, ou seja, uma era que ele mesmo teve a oportunidade de testemunhar, e por isso a batizou de a Era do Jazz. Além disso, tanto como observadores, como participantes deste estilo, Fitzgerald e sua esposa Zelda levavam uma vida social que espelhava o hedonismo de suas histórias. Entretanto, ao representar a sociedade hedonística, Fitzgerald também retratava o desespero e o vazio espiritual escondidos no íntimo daqueles que ali viviam. The Great Gatsby é um bom exemplo disso, além de ser o mais célebre de seus romances acabados. A proposta desta pesquisa Como objetivo geral, far-se-á uma tentativa de aproximação entre a obra literária de Francis Scott Fitzgerald, The Great Gatsby (1925), e a sua versão fílmica homônima, escrita por Francis Ford Coppola e lançada em 1974. O elemento que norteará esse estudo compreende a exploração dos aspectos da ambientação, tais como, a decadência da sociedade e a era do jazz, partindo-se das obras. O objetivo específico é o questionamento sobre a maneira como Fitzgerald e Coppola esquematizaram as personagens centrais, ou seja, o protagonista Gatsby, sua amada Daisy, e o narrador da história, Nick Carraway. Os resultados da pesquisa serão apresentados na dissertação de mestrado a ser defendida até agosto de 2009. Faz-se necessário deixar claro que não se deve insistir pura e simplesmente na fidelidade em si, pois como afirma Randal Johnson em seu texto Literatura e Cinema, Diálogo e Recriação: O Caso de Vidas Secas, “uma insistência na fidelidade também geralmente ignora o fato de que a literatura e o cinema constituem dois campos de produção cultural distintos, embora em algum nível relacionados.” (JOHNSON, 103 2003, p.44). Nesse sentido, percebe-se que será muito mais produtivo considerar a relação entre literatura e cinema, pensando na adaptação como uma forma de contar a mesma história através de linguagens bem diferentes. Ademais, como James Naremore (2003) colocou, a adaptação é parte de uma teoria geral da repetição, pois as narrativas são repetidas de várias formas e em meios artísticos e culturais bem distintos. Nessa linha de pensamento, propõe-se o estudo da adaptação feita por Coppola, a partir da obra literária de Fitzgerald, observando-se principalmente as semelhanças, ou melhor, as repetições. Dessa forma, objetiva-se fazer uma aproximação justa entre a obra literária de Fitzgerald e o filme de Coppola, evitando-se assim o tão repetido comentário de que o filme não foi “fiel” à obra. Cabe aqui esclarecer que segundo Johnson, tal comentário está pautado no “estabelecimento de uma hierarquia normativa entre literatura e cinema”, considerando assim a obra literária superior ao filme, conforme suas próprias palavras: O problema – o estabelecimento de uma hierarquia normativa entre a literatura e o cinema, entre uma obra original e uma versão derivada, entre a autenticidade e o simulacro e, por extensão, entre a cultura de elite e a cultura de massa – baseia-se numa concepção, derivada da estética kantiana, da inviolabilidade da obra literária e da especificidade estética. Daí uma insistência na “fidelidade” da adaptação cinematográfica à obra literária originária. Essa atitude resulta em julgamentos superficiais que frequentemente valorizam a obra literária sobre a adaptação, e o mais das vezes sem uma reflexão mais profunda. (JOHNSON, 2003, p.40) Como se pode perceber, uma comparação entre a literatura e o cinema é plausível, mas faz-se necessário considerar as características e as diferenças de cada uma das manifestações artísticas para se evitar uma análise rasa e leviana. Não é possível fazer uma comparação séria sem considerar o fato de que cada meio de expressão cultural tem seus próprios recursos, os quais são bem distintos. Vale esclarecer ainda que o romancista se utiliza da linguagem verbal, dispondo de metáforas, adjetivos, e advérbios, entre outros recursos; já o cineasta se utiliza de no mínimo cinco materiais de expressão diferentes, tais como, a imagem, a linguagem verbal oral – incluindo os diálogos, a narração e as letras de música –, os sons não verbais – os ruídos e os efeitos sonoros –, a música e a própria linguagem escrita, ou seja, os créditos, os títulos e outras escritas. Soma-se a isso o fato de que todos esses recursos podem ser trabalhados de diversas maneiras. Assim, fica evidente que a diferença entre literatura e cinema vai além de palavras e imagens. Ademais, assim 104 como o cinema tem dificuldade em repetir algo feito pela literatura, essa também não consegue fazer tudo o que o cinema faz. Entretanto, isso não impede que haja um diálogo intertextual entre os dois meios de expressão, diálogo esse que merece ser analisado e estudado com profundidade. Em concordância com esse pensamento, Umberto Eco (2003) acrescenta ainda que tanto a literatura, quanto o cinema são artes em ação, pois ambas narram, impressionam e emocionam o leitor e o espectador. A interação entre as mídias é fato, e segundo Randal Johnson, “as relações entre literatura e cinema são múltiplas e complexas, caracterizadas por uma forte intertextualidade” (JOHNSON, 2003, p.37), a qual merece ser estudada. Por outro lado, não se pode ignorar o contexto histórico de cada uma das obras estudadas. Em outras palavras, deve-se considerar os momentos em que Fitzgerald e Coppola escreveram as suas obras. Nessa linha de pensamento, deve-se citar Corrigan (2005), o qual acredita que o cineasta deve levar em consideração o momento histórico e os valores culturais da sociedade para a qual ele está fazendo um filme. Nesse sentido, o público é de grande valia no processo de criação de uma adaptação. Xavier (2003) exemplifica isso ao citar o receio por parte de cineastas e diretores de teatro na época da censura, nos anos da ditadura. Havia uma tensão com relação aos diálogos e as passagens dos textos de Nélson Rodrigues, pois as cenas de sexo, e as palavras que se referiam aos tabus estavam na obra original, mas cabia ao diretor, tanto no teatro, quanto no cinema, mostrar ou ocultar tais cenas, ou mesmo, atenua-las. Isso deu vazão a diferentes montagens do mesmo texto, ou a diferentes adaptações, pois o modo de fazer difere de um cineasta para outro, dependendo da sua releitura e sensibilidade com relação à obra original. O importante é que os dois textos dialoguem, já que ambos podem contar a mesma história de formas diferentes, e, como disse Xavier, “o lema deve ser ao cineasta o que é do cineasta, ao escritor o que é do escritor.” (XAVIER, 2003, p.62) Além disso, de acordo com as palavras da Profa. Dra. Cristina Carneiro Rodrigues, no prefácio do livro de Lauro Maia Amorim (2005), intitulado Tradução e Adaptação. Encruzilhadas da textualidade em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrl, e Kim, de Rudyard Kipling, “Traduções e adaptações envolvem transformação e são construídas de acordo com certas convenções e restrições dependentes do tempo e lugar em que são realizadas, assim como do público a que se destinam.” (RODRIGUES, 105 2003, p.13). Como se pode ver, traduções e adaptações estão em voga, ampliando os horizontes para as pesquisas. Deve-se ainda abrir um parêntese aqui para discutir um pouco sobre a diferença entre tradução e adaptação. Alguns teóricos problematizaram essa questão, entre eles, Johnson (2005), o qual afirma em seu livro Translation and adaptation (1984), que tanto o processo de tradução, quanto o processo de adaptação envolvem a reprodução e a transposição. Johnson coloca que em certas ocasiões, a adaptação pode ser vista como uma tradução, no sentido em que ela reformula e simplifica um texto, tornando-o acessível a um determinado público, como por exemplo, o público infantojuvenil. Ele acrescenta que a adaptação também pode ser uma forma de atualização de textos antigos para leitores contemporâneos. O que importa para esta pesquisa, no entanto, é o fato de que ambos os casos de adaptação mencionados podem ser considerados o que o lingüista Jakobson (2005) chama de tradução intralingual, ou seja, “a adaptação envolveria uma transposição de um texto escrito em uma língua para outra.” (AMORIM, 2005, p.78). No caso da literatura e cinema, é possível falar ainda de transmutação ou de tradução intersemiótica, isto é, a transformação de um formato em outro. Nesse sentido, pode-se considerar a adaptação de The Great Gatsby para o cinema uma “tradução intersemiótica”, onde um texto literário foi transformado em um texto fílmico. Por outro lado, há ainda a questão da fidelidade, a qual difere da tradução para a adaptação. Segundo Amorim, a tradução implica na fidelidade da forma e do conteúdo; já a adaptação prevê a fidelidade apenas do conteúdo. Assim sendo, pode-se dizer que a adaptação é mais criativa que a tradução, já que essa mantém uma maior proximidade ao texto original. Nesse sentido, a adaptação, na maioria dos casos, parece ser mais flexível do que a tradução, dando maior espaço para modificações, acréscimos, subtrações, enfim, criações por parte dos cineastas. Desta forma, o cineasta pode condensar passagens da narrativa, expandir ou focalizar aspectos específicos, rejeitar ou editar redundâncias, entre outras ações. Segundo Xavier, em seu artigo Do texto ao filme: a trama, a cena e a construção do olhar no cinema, a interação entre as mídias está cada vez mais permitindo que os cineastas interpretem os romances livremente. Isso muda a concepção de fidelidade, como Xavier esclarece no trecho a seguir: A fidelidade ao original deixa de ser o critério maior de juízo crítico, valendo mais a apreciação do filme como nova experiência que deve ter sua forma, e os sentidos nela implicados, julgados em seu próprio 106 direito. Afinal, livro e filme estão distanciados no tempo; escritor e cineasta não têm exatamente a mesma sensibilidade e perspectiva, sendo, portanto, de esperar que a adaptação dialogue não só com o texto de origem, mas com o seu próprio contexto, inclusive atualizando a pauta do livro, mesmo quando o objetivo é a identificação com os valores nele expressos. (XAVIER, 2003, p.62) Assim, o conceito de fidelidade não está necessariamente relacionado à cópia do texto original, mas sim à sua releitura, na qual se estabelece um diálogo intertextual. O que foi mantido no texto alvo? A mensagem? A caracterização das personagens? O narrador? Qual foi o estilo utilizado pelo cineasta? Esses são apenas alguns dos aspectos a serem analisados no cotejo entre a obra literária e o filme. Além disso, vale mencionar ainda que mais recentemente, críticos vindos da área de cinema passaram a se preocupar mais com a relação entre meio literário e meio fílmico, do que com a fidelidade do cinema para com a literatura. Nesse sentido, verifica-se que o enfoque dos estudos sobre adaptação mudou de maneira expressiva. Antes a comparação objetivava verificar se o filme era fiel à obra literária, agora a comparação se volta aos elementos fílmicos para enriquecer a avaliação do filme. A partir daí, passou-se a acreditar que há várias maneiras de adaptar uma obra literária, e por isso a crítica passou a analisar que tipo de adaptação é proposta pelo filme. Assim, pode-se dizer que o cinema, a sétima arte, não é somente um meio de expressão, mas uma arte com linguagem própria, e capaz de narrar. Ademais, segundo Pellegrini, “a cultura contemporânea é sobretudo visual” (PELLEGRINI, 2003, p.15), evidenciando todo o seu fascínio e influência sobre as pessoas, e mostrando-se passível de estudo. Quanto à relação entre literatura e cinema, Mario Praz afirma que “tal íntima relação entre as expressões das várias artes parece ser quase inevitável.” (PRAZ, 1982, p.30). Desta forma, a justificativa para tal pesquisa é, primeiramente, o fato de haver evidências da relação entre a obra The Great Gatsby e a versão fílmica homônima, e finalmente, a sua importância no cenário literário e cinematográfico. Assim, o resultado desta pesquisa será pertinente, tanto para os estudos interartes, quanto para o estudo da relação entre literatura e cinema. Os resultados preliminares Com relação às linguagens de Fitzgerald e Coppola, parece que o texto é quase o mesmo, salvo algumas diferenças. Algumas falas diferem, mas a maioria delas 107 se repete na versão fílmica. Algumas cenas não acompanham a mesma ordem da obra literária, assim como alguns traços das personagens não aparecem no filme. Detalhes como um barco ao invés de um carro, e a inexistência de uma criada na casa de Nick foram notados no filme. Vale lembrar que enquanto o narrador na obra literária é um só, Nick Carraway, no filme eles são dois, Nick e a câmera. Isso fica claro no início do livro e do filme. Fitzgerald inicia seu texto com a fala de Nick sobre julgar as pessoas. Já Coppola monta todo um cenário rico em detalhes, antes dessa fala. A câmera passeia sobre os objetos pessoais de Gatsby, as fotos, e os ambientes de sua mansão, como que para dar ao leitor uma contextualização da história. Essas cenas também dão ao espectador uma noção da dimensão da solidão do grande Gatsby. O glamour dos rumorosos anos vinte está presente, tanto no livro, quanto no filme. Várias questões são abordadas em ambas as obras, mas a nostalgia e a tentativa incessante de recuperar o passado é uma questão central. Tanto Fitzgerald, quanto Coppola deixam claro que uma pessoa não deve tentar reviver um amor do passado, porque ela pode arruinar não só a sua vida, mas também a vida de outras pessoas nessa busca insensata. Enfim, não é possível trazer o passado de volta. REFERÊNCIAS AMORIM, Lauro Maia. Tradução e adaptação. Encruzilhadas da textualidade em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, e Kim, de Rudyard Kipling. São Paulo: Editora UNESP, 2005. CARRIÈRE, Jean-Claude. A linguagem secreta do cinema. 1ª ed. Apresentação e tradução de Fernando Albagli e Benjamin Albagli. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. COPPOLA, Francis Ford. The Great Gatsby. Direção: Jack Clayton. Estados Unidos: Paramount Pictures, 1974. 1 DVD (143min), son., color. DINIZ, Thaïs Flores Nogueira. Literatura e cinema: tradução, hipertextualidade, reciclagem. 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