AS POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS: UM BREVE DISCORRER

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AS POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS: UM
BREVE DISCORRER SOBRE SUA CONSTITUIÇÃO
DE POLÍTICAS SETORIAIS URBANAS PARA
POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS
Everton Henrique Faria; Ana Carolina Torrente Pereira
Universidade Estadual de Maringá – Programa de Mestrado em Ciências Sociais
Resumo: Compreender as políticas públicas urbanas nos remete à historicidade e às
peculiaridades que se desenrolaram na história política de nosso país, especialmente, aos
paradigmas existentes no cenário político institucional. As políticas urbanas percorreram um
longo caminho para se estabelecerem como uma política pública determinante no campo
político. Elas passaram do estágio de política distributiva, no qual as decisões eram tomadas
pelo governo militar, que desconsiderava a questão dos recursos limitados, gerando impactos
mais individuais do que universais, ao privilegiar certos grupos sociais ou regiões (os quais
mantinham a ordem ditatorial) em detrimento do todo, para serem fomentadas dentro da
concepção de política redistributiva, que atinge o maior número de pessoas e impõe perdas
concretas e no curto prazo para certos grupos sociais, e ganhos incertos e futuros para outros.
(Souza, 2006, p. 28). Mesmo a estrutura de funções governamentais se mantendo, a própria
legislação (Constituição de 1988) direcionou a União para a função social da cidade e
consequentemente para a política redistributiva. Tendo em vista o dimensionamento que as
políticas públicas urbanas vêm tomando na última década, acreditamos que precisamos apontar
algumas de suas dimensões dentro do cenário socioeconômico em nosso país, sobretudo, como
a mesma tem se estruturado dentro do cenário político institucional.
Palavras-chave: Políticas públicas; Urbanização; Políticas urbanas.
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Os processos de transformação ocorridos no cenário político, econômico e social ao longo do
século XX culminaram na redemocratização do país com a Constituinte de 1988. O Brasil, que
passou das Oligarquias para a Democracia Representativa, trouxe a perspectiva da abertura
democrática dos diversos setores públicos instituindo novas formas de gestão pública.
A institucionalização dos procedimentos políticos do Estado e a inserção da sociedade
civil no cenário político institucional por meios legais resultaram na burocratização acentuada
e racional das ações de intervenção no meio social, bem como possibilitaram que a sociedade
civil obtivesse ação mais direta junto à ação política. (Hall; Taylor, 2003)
Todo esse movimento em torno do cenário político institucional propiciou a criação
de novos mecanismos e o aprimoramento dos já existentes dentro das gestões públicas, de
forma a considerar a importância de se estabelecer a descentralização do aparelho de Estado
conforme previsto na constituição. Essa descentralização, por sua vez, tinha como princípio
garantir a autonomia das administrações governamentais, tendo em vista os novos mecanismos
de participação na efetivação do controle social exercido pela sociedade. Ou seja, os governos,
diante dos novos direitos assegurados na constituinte, necessitaram criar novos instrumentos
capazes de proporcionar autonomia da gestão pública, prevendo co-participação da sociedade
nas tomadas de decisão.
Deste modo, segundo a constituinte, as administrações públicas nacionais devem
garantir a descentralização político-administrativa e a participação popular na formulação das
Políticas Públicas e no Controle das ações em todos os níveis de governo. Sendo o Controle
Social o mecanismo mais importante a ser implantado dentro das gestões públicas a fim de
garantir a abertura democrática e a participação da sociedade na vida pública.
Para efetivação do Controle Social os Conselhos Gestores passaram a ser vistos sobre
as atenuantes da gestão pública, nos quais traziam em seus paradigmas novas formas de se
pensar políticas públicas sociais e urbanas juntamente com o cenário político institucional.
Concomitantemente, outros mecanismos eram aprimorados como ferramentas no processo de
redefinição da gestão pública. Pensar o planejamento urbano de forma sustentável e ordenada
tornava-se uma importante característica da nova forma de gestar os órgãos públicos após a
constituinte de 1988. Com base nos artigos 182 e 183 que, por sua vez, determinam que a
política de desenvolvimento urbano executada pelo Poder Público municipal tenha por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes, foi aprovado o Estatuto das Cidades pela Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001.
Oriundo das reivindicações dos Movimentos de Reforma Urbana que se iniciaram em
meados dos anos 70, o Estatuto da Cidade representou um importante instrumento legal de
crescimento ordenado das cidades através da gestão democrática na fomentação de Planos
Diretores. Segundo o estatuto, todo município com mais de 20.000 habitantes, inseridos em
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regiões turísticas ou com impactos ambientais e pertencentes a regiões metropolitanas devem
obrigatoriamente possuir Plano Diretor. Suas diretrizes devem ser consideradas no processo de
elaboração dos instrumentos normativos da gestão pública, como o Plano Plurianual - PPA, a
Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e a Lei Orçamentária Anual.
Assim, diante de tais prerrogativas estes novos instrumentos de gestão pública como
os conselhos gestores e os planos diretores possibilitam maior descentralização das decisões e
permitem um crescimento ordenado dos espaços urbanos, garantindo maior participação popular
nas decisões políticas, além de inserir as questões de Desenvolvimento Urbano, de Habitação,
Saneamento Ambiental, Transporte Urbano, Trânsito e Mobilidade Urbana nas agendas de
governo para a fomentação de Políticas Públicas específicas. Cria também novos canais de
discussão entre governo e sociedade, sobretudo, efetivando os princípios de descentralização
existentes na constituinte de 1988.
O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO BRASIL
E SUA FORMAÇÃO DAS POLÍTICAS URBANAS
O processo de real urbanização do Brasil é recente, mas pode-se dizer que este vem se
constituindo desde o século XIX. No ano de 1822 o país era constituído de 12 núcleos que foram
classificados como cidades. Neste período houve um deslanche no processo de urbanização
do país. Dois eventos históricos auxiliaram na intensificação deste processo: a abolição da
Escravidão e a Proclamação da República. Estes acontecimentos incrementaram a evolução da
industrialização e por conseqüência a urbanização. Este processo se mostrou injusto e desigual
desde os primórdios de sua construção, pois a massa de trabalhadores, que era composta por
negros e pobres, não fez parte da constituição do espaço urbano.
No Brasil as grandes transformações territoriais e sociais ocorreram no final do século
XIX, e mais profundamente no século XX. Isto se deve às alterações na economia desta
sociedade, que passa a se basear não mais na produção agrícola, mas na indústria. Na década
de 1920 percebe-se um aumento nos números demográficos, mas a estrutura de moradia não
acompanha este crescimento. Nesta época destaca-se na cidade do Rio de Janeiro o conflito
entre proprietários e inquilinos, que tinham seus aluguéis extrapolando os valores possíveis e
seus salários sem acréscimos algum. Com isto o Estado intervém, com a regulamentação do uso
do solo e a construção das edificações. Surgem os primeiros edifícios residenciais e comerciais.
O processo de urbanização e industrialização no país parecia indicar um caminho para
independência econômica em relação à dominação da produção agrária de exportação, já que
o PIB brasileiro crescia 7% ao ano de 1940 a 1980. Nas décadas de 1930 a 1950 tem início a
elaboração de planos de ordenamento das regiões urbanas. Estes planos buscam articular os
bairros, o centro e todas as extensões das cidades a partir de sistemas de vias e transportes.
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Com o governo JK e sua política desenvolvimentista, o Brasil incrementa sua economia, mas
crescem seus índices de desigualdade. As políticas sociais são deixadas de lado em detrimento
das obras viárias.
Várias cidades brasileiras passaram por reformas urbanas, entre o final do século XIX
e o início do século XX, lançando-se as bases do urbanismo moderno. Medidas voltadas para a
eliminação de epidemias ocorreram através de obras de saneamento básico. Ocorreram também
obras de paisagismo e implantação de bases legais para o mercado imobiliário capitalista.
Estes processos expulsavam a população mais vulnerável, sendo deslocadas para os morros e
franjas das cidades. Cidades como Manaus, Belém, Porto Alegre, Curitiba, Santos, Recife, São
Paulo e Rio de Janeiro são exemplos das que uniram saneamento ambiental, embelezamento
e segregação territorial (SEGUNDA CONFERÊNCIA NACIONAL DAS CIDADES, 2005).
A partir da ditadura política brasileira, o Estado se fecha totalmente através do Sistema
Financeiro de Habitação, que previa moradia através de recursos do FGTS. Esta medida
favoreceu as classes média e alta. Estes investimentos eram utilizados para financiar obras
superfaturadas de infra-estrutura e o BNH (Banco Nacional de Habitação).
A defesa da Reforma Urbana, que tinha como objetivo alargar o mercado interno e as
condições de vida da população, teve início na década de 1960, mas foi forçada pela ditadura
a paralisar seus movimentos. Neste período ocorre o agravamento das desigualdades sociais
e territoriais. Entre as décadas de 1970 e 1980 as mobilizações populares fazem com que o
Movimento pela Reforma Urbana retorne nos anos 80.
Questões relacionadas à crise urbana são recentes no Brasil, pois o desenvolvimento
industrial brasileiro deu-se de maneira mais enfática na segunda metade do século XX, fator
que influencia na urbanização do país. Com seu crescimento, as cidades se tornaram terreno
de conflitos e exclusão. Problemas como a generalização da pobreza, a intensificação das
desigualdades sociais, a exclusão, se agravaram ainda mais, pois, somadas ao crescimento
urbano, o Brasil passou por reformas econômicas neoliberais ocorridas no país na gestão federal
de Fernando Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso, nas décadas de 1980 e 1990 (Santos
Junior, Maricato, 2010, p. 167).
A degradação nas condições de vida é evidente, principalmente nas grandes cidades e
regiões metropolitanas, tanto que:
De espaço de mobilidade social e lugar de acesso à diversidade cultural, melhores
oportunidades de emprego e qualidade de vida, as cidades têm-se torrnado
aglomerações, em grande parte depósito de pessoas, marcadas por fragmentação,
dualização, violência, poluição e degradação ambiental. (Santos Junior, Maricato,
2010, p. 167)
Todos esses fatores deixam clara a negação do direito à cidade. Com isso, nos anos 1980
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os movimentos pela reforma urbana começam a lutar por mudanças em relação à governança
dos espaços urbanos, que enfatizava a necessidade de democratização da gestão urbana, na
regularização de uso do espaço urbano, com ênfase na função social deste território. Com a
união dos movimentos populares às associações de classe, organizações não-governamentais,
instituições acadêmicas e de pesquisa, cria-se o Fórum Nacional de Reforma Urbana – FNRU.
Através da entidade FNRU ocorrem realizações fundamentais para a efetivação das mudanças
almejadas para a reforma urbana, tais como o capítulo sobre política urbana na Constituição de
1988, o Estatuto das Cidades em 2001 que dá foco ao Plano Diretor Participativo, a criação do
Ministério das Cidades em 2003 (Santos Junior, Maricato, 2010).
Na Constituição de 1988 há um capítulo sobre política urbana de importância histórica
para o desenvolvimento da governança urbana. Segundo Carvalho (2006), possui este caráter
inovador por ser uma parte exclusiva ao tema, capítulos II, título VII, e por compreender
mecanismos que se faziam ausentes para a legislação urbana no país. O Estatuto das Cidades
é a Lei 10.257/01, que regulamenta dos artigos 182 e 183 da Constituição de 88. Além da
ordenação e regulação do espaço urbano, o Estatuto se vincula principalmente ao bem estar
social. O Estatuto privilegia a utilização de um instrumento em especial, o Plano Diretor.
Este tem como objetivo a gestão do espaço excludente e degradado, a municipalização de sua
governança, institucionalização de uma metodologia de planejamento urbano direcionado à
função social das cidades e a democratização e participação popular nas tomadas de decisão
referentes às cidades.
Capítulo III Plano Diretor
Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor,
assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de
vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas
as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei. (ESTATUTO DAS CIDADES, 2001)
Já na Constituição de 1988 o Plano Diretor é citado como ferramenta voltada para que a
função social das cidades seja o principal direcionamento para a reforma urbana. Este elemento
direcionador é revolucionário sob o âmbito da caracterização da propriedade privada; “...o direito
de propriedade poderá se transformar no direito à propriedade, perdendo o sentido individual
e definindo-se por uma função socialmente orientada.” (CARVALHO, 2006, p. 30). O Plano
Diretor, como um dos principais instrumentos das inovações voltadas às reformas urbanas, tornase obrigatório com o Estatuto das Cidades para municípios com mais 20.000 habitantes, para
regiões metropolitanas e para áreas de interesse turístico ou com impacto ambiental (Galinari et
al, 2010, p. 141). É prioridade que sua construção seja de forma participativa e democrática, e
para que isso aconteça é necessária a criação de espaços que possibilitem as discussões com a
participação de variados segmentos da sociedade, os movimentos populares e a gestão pública
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em seus três níveis de atuação. Ainda para garantir o caráter participativo e democrático do plano
diretor, este documento prevê a criação de conselhos municipais que irão formular e monitorar
as ações voltadas para cada área da administração pública e seus investimentos. Na composição
destes organismos deve estar assegurada a participação dos variados segmentos da sociedade e
da gestão pública. Em especial no planejamento urbano, o plano diretor institui a criação de um
Conselho das Cidades ou Conselho de Planejamento Urbano, que cuida de acompanhar todos os
processos que o envolvam. Este conselho tem como objetivo também a preocupação de garantir
a participação popular no planejamento urbano (II Conferência Nacional das Cidades, 2005).
Para Santos Junior e Maricato, a escolha dos participantes e a dinâmica de funcionamento dos
mesmos é fundamental para a “mediação de conflitos e construção de consensos” (p. 179). E
ainda a partir destes autores, a maneira de assegurar que os conselhos sejam espaços realmente
democráticos é através de direcioná-los a:
(i) funcionar enquanto uma arena de debates, gestão de conflitos e construção de
consensos e (ii) tomar decisões e torná-las efetivas no que diz respeito às políticas
públicas. (Santos Junior: Maricato,, 2010, p. 181)
No livro Política Urbana e Gestão Urbana há um texto sobre avaliação de planos
diretores. Este artigo é o resultado de uma pesquisa voltada para a avaliação e implementação
de planos diretores da região metropolitana do Rio de Janeiro. Um dos tópicos avalia o
Sistema de Gestão e Participação Democrática dos planos diretores estudados, e verifica-se
como referencial os instrumentos e mecanismos vistos no Estatuto das Cidades. Apresenta-se
nesse estudo que os principais elementos de avaliação de participação e controle social são os
conselhos gestores ligados ao planejamento urbano (Conselho da Cidade ou similares) (Santos;
Oliveira, 2010).
A gestão participativa no espaço urbano com o plano diretor está prevista no Estatuto
da Cidade no Capítulo IV, denominado Gestão Democrática da Cidade. Neste se faz garantir a
participação da sociedade em geral na governança do espaço urbano, estimulando de variadas
formas o exercício pleno da cidadania. A participação democrática no Brasil também é algo
inovador, principalmente quando o incentivo a isto se verifica sobre os âmbitos do governo.
Para Tonella (2010, p. 92) a partir dos anos 1990 algumas práticas democráticas começam
a se institucionalizar no Brasil, tendo como referência as “eleições livres, parlamento ativo,
liberdade de imprensa, amplo espectro partidário”. A participação e a democracia, apesar de
apresentarem-se um pouco mais na realidade brasileira, precisam se estabelecer veementemente
como sentido de cidadania. Segundo Young, citado por Tonella: “em uma sociedade de massa,
para que a política seja realmente democrática, a representação e a participação exigem uma
reciprocidade permanente”. (Young, 2000, p. 124 apud Tonella, 2010, p. 93). Percebe-se que
com as reformas da política urbana conseguidas através de lutas dos movimentos populares,
fator que demonstra a expressão máxima da participação democrática no Brasil, os fatores
“participação” e “democracia” pretendem incorporar um número bem maior da população a
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estes preceitos. Estes termos apresentam-se institucionalizados tanto na Constituição de 88,
quanto no Estatuto das Cidades e no Plano Diretor.
Com a criação do Ministério das Cidades, é definitivamente estabelecida a importância
da política urbana, que enseja o desenvolvimento das cidades voltado para o novo espaço urbano
democrático e sustentável. Este organismo representa um marco, que demonstra que realmente
o Estado brasileiro inseriu como pauta de prioridades as questões urbanas, que institucionalizou
as preocupações voltadas para o direito à moradia digna, à participação democrática nas políticas
urbanas.
DAS POLÍTICAS URBANAS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS
Tendo em vista o dimensionamento que as políticas públicas urbanas vêm tomando na última
década, acreditamos que precisamos apontar algumas de suas dimensões dentro do cenário
socioeconômico em nosso país, sobretudo, como a mesma tem se estruturado dentro do cenário
político institucional.
Celina Souza, em seu artigo “Políticas Públicas: uma revisão da literatura”, nos traz uma
reflexão acerca deste conceito. Segundo ela, não há uma definição conceitual exata do que são
políticas públicas, já que esta subárea do conhecimento da Ciência Política pode ser observada
e explicada pelas diversas áreas do conhecimento, as quais sempre nos remetem ao interesse do
conhecimento direto sobre as ações do governo.
No entanto definições de políticas públicas, mesmo as minimalistas, guiam o nosso
olhar para o locus onde os embates em torno de interesses, preferências e idéias
se desenvolvem, isto é, os governos. Apesar de optar por abordagens diferentes,
as definições de políticas públicas assumem, em geral, uma visão holística do
tema, uma perspectiva de que o todo é mais importante do que a soma das partes
e que indivíduos, instituições, interações, ideologia e interesses contam, mesmo
que existam diferenças sobre a importância relativa destes fatores (2006, p. 25).
Assim,
Pode-se, então, resumir política pública como o campo do conhecimento que
busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação
(variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso
dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constituise no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e
plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou
mudanças no mundo real.
Deste modo, a percepção sobre as políticas públicas específicas aos paradigmas urbanos
de nosso país não fogem das atenuantes das discussões das diversas áreas do conhecimento,
sejam elas humanas, exatas, biológicas ou técnicas. Os diversos setores sociais vêm discutindo
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como melhorar a infraestrutura urbana de nossa sociedade, bem como realizar um efetivo
controle da melhoria da qualidade de vida e dos gastos públicos com a modernização do espaço
urbano.
É sabido que o reconhecimento da necessidade de trabalhar o desenvolvimento urbano
como uma política pública específica no Brasil é recente. Transformar a política urbana em uma
política pública trouxe um grande debate dos diversos segmentos sociais pelo reconhecimento
da necessidade de se ter a estruturação e a junção de diversos programas governamentais
desenvolvidos separadamente, como programas de moradia social, mobilidade urbana,
saneamento, entre outros.
Por isso o processo de transição das políticas dos setores urbanos para política pública
só veio a ocorrer após a aprovação da Constituição Federal de 1988, mais precisamente com
a aprovação do Estatuto das Cidades, no ano de 2001, aproximadamente doze anos após a
apresentação de seu projeto de lei pelo senador Pompeu de Souza. Posteriormente, quando
implementadas como políticas públicas, as políticas governamentais trouxeram novas
perspectivas de implantação de projetos, pois as mesmas passaram a ser temas recorrentes
das agendas dos governos em um ciclo político deliberativo de ações, diante de um processo
gradual de estabelecimento de ações públicas junto à sociedade civil no aprimoramento e na
descentralização do aparelho de Estado.
O Ciclo da Política Pública, que Souza (2006) define em uma tipologia, passou a
regulamentar-se por um ciclo deliberativo, onde o ciclo passa a ser pensado em um sistema de
planejamento, execução, monitoramento e avaliação:
Esta tipologia vê a política pública como um ciclo deliberativo, formado por vários
estágios e constituindo um processo dinâmico e de aprendizado. O ciclo da política
pública é constituído dos seguintes estágios: definição de agenda, identificação de
alternativas, avaliação das opções, seleção das opções, implementação e avaliação.
Desta forma, podemos compreender este sistema da seguinte forma: planejamento como
o momento de realizar diagnósticos socioeconômicos para se inserir programas e projetos nas
agendas de governos por meio do Plano Plurianual – PPA. O orçamento como momento de
direcionar recursos seguindo as leis do ciclo orçamentário, Lei de Diretrizes Orçamentárias –
LDO e a Lei Orçamentária Anual – LOA para implementação das ações contidas no planejamento.
A execução que colocará as ações em efetivação e, consequentemente, o monitoramento e
avaliação a serem realizados por meio das equipes técnicas e dos órgãos governamentais de
fiscalização, como o Tribunal de Contas, ou pela junção do governo com a sociedade civil por
meio dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas que, aqui, podemos citar como exemplo os
Conselhos da Cidades e o Conselho de Habitação e Interesse Social.
O Ciclo da Política dentro das teorias pode ser observado da seguinte forma:
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Figura 1: Ciclo da Política
Elaboração: Everton Henrique Faria, 2012.
Dentro de uma visão mais contemporânea, tendo a idéia de descentralização do Estado
e a participação da sociedade civil por meio do controle social, podemos colocar este ciclo da
seguinte forma:
Figura 2: Ciclo da Política
Elaboração: Everton Henrique Faria, 2012.
Neste Ciclo Político o Planejamento tem o mesmo significado do anterior, porém o
Fundo compreendido na Figura 1 como Orçamento direcionado e gestado somente pelos
órgãos gestores passa a ter a conotação de direcionamento de recursos próprios para uma
política pública especifica, com a participação direta da sociedade por meio dos Conselhos
na aprovação dos instrumentos de Planejamento, como PPA, LDO e LOA. E o momento da
execução traz a caracterização da co-responsabilidade da sociedade civil na participação do
acompanhamento por meio da fiscalização e avaliação das ações, especialmente, contribuindo
com a descentralização da tomadas de decisões, garantindo que as problemáticas existentes
dentro dessa política sejam inseridas nas agendas de governo.
Quanto à questão da distribuição de verbas, Arretche (2004) diz que mesmo com as
reformas institucionais feitas nas décadas de 1980 e 1990, a estrutura de distribuição federativa
não passou por modificações em suas funções.
O governo federal arrecada e redistribui, por meio de empréstimos, os recursos da
principal fonte de financiamento destas políticas: um fundo destinado a indenizar
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trabalhadores demitidos sem motivo, cuja arrecadação líquida é direcionada ao
financiamento de programas de saneamento e habitação (o Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço – FGTS). (Arretche, p. 23, 2004)
A autora explana, em seu artigo “Federalismo e Políticas Sociais no Brasil: problemas
de coordenação e autonomia”, elucidações sobre o federalismo e a coordenação das políticas
sociais brasileiras. Para a política urbana, o governo federal é o principal gestor financeiro dos
programas desta pasta. Este direcionamento passa a União certa autonomia diante as decisões
para distribuição de empréstimos federais. Comparando com outras políticas sociais, a política
urbana se assemelha à de saúde, quando se trata da centralização, no governo federal, das funções
de financiamento e formulação da política nacional, mas “nesta política particular, a autoridade é
ainda mais concentrada do que na área da saúde, em vista da ausência de representação federativa
nas principais arenas decisórias. (Arretche, p. 23, 2004). Esta concentração de funções na União
para a questão urbana permite a melhor garantia de respostas redistributivas (Arretche, 2004).
As políticas urbanas percorreram um longo caminho para se estabelecerem como uma
política pública determinante no campo político. Elas passaram do estágio de política distributiva
- no qual as decisões eram tomadas pelo governo militar, que desconsiderava a questão dos
recursos limitados, gerando impactos mais individuais do que universais, ao privilegiar certos
grupos sociais ou regiões (os quais mantinham a ordem ditatorial), em detrimento do todo - para
serem fomentadas dentro da concepção de política redistributiva. Esta atinge o maior número de
pessoas e impõe perdas concretas e no curto prazo para certos grupos sociais, e ganhos incertos
e futuros para outros (Souza, 2006, p. 28). Mesmo a estrutura de funções governamentais se
mantendo, a própria legislação (Constituição de 1988) direcionou a União para a função social
da cidade e consequentemente para a política redistributiva.
Assim, compreender as políticas públicas urbanas nos remete à historicidade e às
peculiaridades que se desenrolaram na história política de nosso país, especialmente, nos
paradigmas existentes no cenário político institucional. De modo a realizar uma análise de
conjuntura sobre os diversos agentes e grupos envolvidos nas tomadas de decisões realizadas
pelos nossos governantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reflexão acerca das políticas urbanas dentro da pluralidade de atores sociais envolvidos
nesse processo caracteriza a recente história da democratização do espaço urbano que estamos
vivenciando, sobretudo a multiplicidade de ações que ainda precisam ser pensadas, fomentadas
e implementadas dentro de nossa sociedade.
Não obstante, o percurso para que essas políticas sejam realmente efetivadas dentro de
nossa sociedade como políticas públicas ainda é longo. Quando pensamos em efetivação da
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democracia com a transformação do Estado em uma instituição descentralizada, democrática,
esbarramos nas heranças do Brasil Império pautadas no Personalismo, Mandonismo e
Patriarcalismo. Estes fatores contribuem diretamente para que as ações das instituições
governamentais se voltem algumas vezes a grupos de interesse ou ao particularismo político.
Contudo, mesmo diante destas prerrogativas, já obtivemos grandes resultados, garantimos em
lei a participação da sociedade nos processos decisórios, criamos instrumentos de planejamento,
conseguimos iniciar a descentralização da máquina estatal e acima de tudo conseguimos inserir
algumas políticas periféricas dentro das agendas de governo (Otmann, 2006).
Desta forma, as políticas públicas urbanas ao serem inseridas nas agendas de governo
e debatidas pela sociedade ganham o status de política intersetorial, pois auxiliam diretamente
as políticas públicas tidas como universais como a saúde, a educação, a assistência social, a
segurança, a cultura, o esporte e o lazer, além de assegurar o direito básico à moradia e ao
acesso das pessoas aos bens públicos. De fato, as políticas públicas urbanas podem direcionar
o aprimoramento e o amplo desenvolvimento do espaço urbano em nosso país não mais como
mecanismo modernizador de infraestrutura arquitetônica, mas como mecanismo articulador da
infraestrutura com a qualidade de vida.
Assim, as políticas públicas urbanas desencadeiam uma série de problemáticas para
serem discutidas. Todavia, não podemos olhar isso de forma negativa, pois uma vez colocadas
as problemáticas para que os atores envolvidos possam discuti-las, garantimos um direito
fundamental de participação da sociedade no espaço político institucional; sobretudo,
reforçamos as políticas públicas como elo dos governos com a sociedade.
Enfim, as políticas públicas urbanas estão iniciando seus trajetos dentro da arena política
com uma série de problemas a serem resolvidos e um caminho longo a ser percorrido, para seu
estabelecimento efetivo no cenário político institucional. A única coisa que podemos afirmar
é que independentemente da vontade dos governos de quererem ou não dar atenção a essas
questões, as discussões, os debates e os embates estão postos na mesa para possíveis soluções.
BIBLIOGRAFIA
ARRETCHE, Marta. Federalismo e Políticas Sociais no Brasil: problemas de coordenação
e autonomia. São Paulo em Perspectiva, p. 17 – 26. São Paulo: 2004.
CARVALHO, Sonia Nahas. Estatuto das Cidades: aprovação e implantação. In: Cadernos
Metrópole: desigualdade e governança. São Paulo: Ed. PUC-SP EDUC, 2006.
Estatudo das Cidades: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. 2001
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EVERTON HENRIQUE FARIA; ANA CAROLINA TORRENTE PEREIRA
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Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais
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