1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS MESTRADO EM ÉTICA E EPISTEMOLOGIA Two Dogmas of Empiricism e a “Guinada Científica” na Filosofia Analítica Leonardo Bruno Vieira Santos Teresina, PI 2012 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS MESTRADO EM ÉTICA E EPISTEMOLOGIA Two Dogmas of Empiricism e a “Guinada Científica” na Filosofia Analítica Leonardo Bruno Vieira Santos Dissertação apresentada ao Mestrado em Ética e Epistemologia da Universidade Federal do Piauí, sob a orientação da Profª. Drª. Maria Cristina de Távora Sparano, como requisito para obtenção do título de Mestre em Filosofia. Teresina, PI 2012 3 FICHA CATALOGRÁFICA Universidade Federal do Piauí Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castello Branco Serviço de Processamento Técnico S237t Santos, Leonardo Bruno Vieira Two dogmas of empiricism e a “guinada cientifica” . / Leonardo Bruno Vieira Santos - Teresina: 2012. 70 fls. Dissertação (Mestrado em Filosofia) Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2012 Orientação: Profª. Drª. Maria Cristina de Távora Sparano 1.Empirismo. 2. Epistomologia.3.Analiticidade. I. Título. C D D 121 Orientação: Profª. Drª. Maria Cristina de Távora Sparano 1.Empirismo. 2. Epistomologia.3.Analiticidade. I. Título. 4 Dissertação defendida em ________ de ________ de 2012, considerada_______________ pela banca examinadora. Teresina, _______de ________ de 2012. ________________________________________________________ Profª. Drª. Maria Cristina de Távora Sparano – UFPI (Orientadora) _________________________________________________________ Prof. Dr. Celso Reni Braida – UFSC (Examinador externo) __________________________________________________________ Prof. Dr. Gérson Albuquerque de Araújo Neto – UFPI (Examinador/MEE) 5 Agradecimentos Agradeço a DEUS, por todas as coisas boas que aconteceram na minha vida, sem Ele o caminho teria sido mais doloroso; Agradeço à minha mãe, Djanira Vieira da Silva Santos, pelo amor, carinho e dedicação que me permitiram prosseguir na minha formação acadêmica apesar de tantas dificuldades; Agradeço à Profª Maria Cristina de Távora Sparano, minha eterna orientadora, pela oportunidade de me desenvolver como um estudante de filosofia e por tudo o que fez por mim ao logo desta caminhada até o mestrado; Agradeço à Luciana Luiza de Carvalho, pelo amor e companheirismo tão essenciais na vida de qualquer pessoa; Agradeço às minhas grandes amigas Socorro Maria de Sousa, Ana Belisa da S. Fiquereido e Antonia da Cruz da Rosa Araújo pelo incentivo e pela amizade sincera; Agradeço ao professor Elvécio Paraguai por ter me colocado no caminho que me trouxe até este momento; Agradeço aos meus irmãos Eduardo Henrique Vieira Santos, pela ajuda com a revisão ortográfica deste trabalho e pelo incentivo, e Francisco das Chagas Santos Filhos pelo incentivo; Agradeço também o apoio dos novos amigos, em particular Ladyane Francisca Caminha. Agradeço à Tomas Sparano Martins pela ajuda com o abstract do presente trabalho. 6 Se o mundo é mesmo parecido com o que vejo prefiro acreditar no mundo do meu jeito. Renato Russo The future is unwritten Joe Strummer A filosofia se recupera quando cessa de ser um artifício para lidar com os problemas dos filósofos e se torna um método, cultivado pelos filósofos, para lidar com os problemas dos homens. John Dewey 7 RESUMO O presente trabalho tem como objetivo analisar um clássico da filosofia analítica, Two Dogmas of Empiricism, de W. V. Quine. O impacto das teses presentes neste artigo promoveram uma revolução no âmbito da tradição analítica da filosofia. A distinção analítico/sintético, o qual é o principal alvo do ceticismo de Quine em Two Dogmas of Empiricism, é um dos dualismos mais persistentes da história da filosofia. De Leibniz à Kant, passando por Locke e Hume, este dualismo, independente do nome adotado pelos filósofos, esteve imune ao rigor dos grandes mestres. Entretanto, o século XX assistiu ao início de um debate que teve consequências significativas para a tradição analítica: de um lado os positivistas lógicos defendendo a analiticidade e do outro Nelson Goodman, Morton White e W. V. Quine colocando em xeque esta noção. O percurso trilhado no presente trabalho tem seu ponto de partida nos argumentos de Quine contra a analiticidade apresentados em Two Dogmas of Empiricism. Defenderemos que neste artigo Quine tem como alvo pelo menos quatro versões da noção de analiticidade. A primeira é a versão clássica que estipula que para um enunciado ser classificado como analítico, seu valor de verdade deve estar vinculado unicamente ao significado dos seus termos componentes. O argumento principal de Quine é contra a noção de analiticidade que depende da noção de sinonímia. Quine argumenta que mesmo ao recorrer às definições ou a permutabilidade salva veritate, não há como fugir do círculo vicioso no qual caímos com esta noção da analiticidade. A tese Duhem-Quine, ou o holismo, que Quine propõe contra o dogma do reducionismo, acaba por possibilitar que se apresente uma nova versão da distinção analítico/sintético. Defenderemos, também, que o holismo é uma tese de Duhem, sendo que Quine apenas faz uso desta tese, sem, no entanto, lhe acrescentar nada de significativo. A “guinada científica”, que seria a consequência do abandono dos dois dogmas empiristas pode ser posta em xeque, uma vez que a alegação de que filosofia e ciência não podem ser desvinculadas, ou melhor, não há uma fronteira clara entre elas, é fruto de um equívoco por parte de Quine. Como veremos, é possível fazer uma clara distinção entre filosofia e ciência. PALAVRAS-CHAVE: Analiticidade; Empirismo; Filosofia; Ciência; Epistemologia. 8 ABSTRACT The present study aims to analyze a classic of analytic philosophy, W. V. Quine’s Two Dogmas of Empiricism. The impact of the theses presented in this article promoted a revolution within the analytic philosophy tradition. The analytic / synthetic distinction, which is the main target of Quine's skepticism in Two Dogmas of Empiricism, is one of the most persistent dualisms of the history of philosophy. From Leibniz to Kant, through Locke and Hume, this dualism, regardless of name adopted by philosophers, has been immune to the great masters’ rigor. However, the twentieth century saw the beginning of a debate that had significant consequences for the analytic tradition: on one side the logical positivists defending analyticity and the other side Nelson Goodman, Morton White and W. V. Quine jeopardizing this notion. The paths followed in this study have their starting points in Quine's arguments against analyticity presented in Two Dogmas of Empiricism. We will argue that this article Quine has targeted at least four versions of the notion of analyticity. The first is the classic version which states that an utterance to be classified as analytical, its truth value should be tied solely to the meaning of its components. Quine's main argument against notion of analyticity depends on the notion of synonymy. Quine argues that even when referring to definitions or interchangeability salva veritate, there is no escape from the vicious circle in which we fall with this notion of analyticity. The Duhem-Quine thesis, or holism, that Quine proposes against the dogma of reductionism, ultimately enabling it to present a new version of the analytic / synthetic distinction. We also defend that holism is a thesis of Duhem, and Quine only makes use of this thesis, without, however, adding nothing significant. The "scientific turn," which would be the consequence of the abandonment of the two empiricists dogmas may be called into question, since the claim that science and philosophy cannot be dissociated, or better, there is no clear boundary between them, is the result a mistake by Quine. As we shall see, it is possible to make a clear distinction between philosophy and science. KEYWORDS: Analyticity; Empiricism, Philosophy, Science, Epistemology. 9 SUMÁRIO Introdução............................................................................................... 11 1 Analiticidade e Significado.................................................................. 15 1.1. Introdução............................................................................................... 16 1.2. Breve histórico da analiticidade.............................................................. 18 1.2.1. A fase pré-kantiana................................................................................ 18 1.2.2. A fase kantiana....................................................................................... 19 1.2.3. A fase pós-kantiana................................................................................ 20 1.3. Verdadeiro em virtude de significados................................................... 23 2. Analiticidade e Sinonímia.................................................................... 30 2.1. Introdução............................................................................................... 31 2.2. A analiticidade como um dogma............................................................ 32 2.2.1. Definição................................................................................................. 32 2.2.2. Permutabilidade...................................................................................... 35 2.2.3. Regras semânticas................................................................................. 37 3. A “guinada científica” na Filosofia Analítica..................................... 47 3.1. Introdução............................................................................................... 48 3.2. Analiticidade e reducionismo.................................................................. 48 3.3. A tese Duhem-Quine.............................................................................. 51 3.3.1. Pierre Duhem......................................................................................... 52 10 3.4. A “guinada científica” na Filosofia Analítica........................................... 57 Considerações Finais..........................................................................................59 Referências Bibliográficas..............................................................................................65 11 INTRODUÇÃO A analiticidade é uma noção que, de um modo ou de outro, tem atravessado a história da filosofia. Esta noção, ao longo da modernidade, vai ganhando contornos e conteúdos mais claros. Na filosofia contemporânea acabou por ser o motivo de grande controvérsia, motivando um dos mais fecundos debates desta tradição da Filosofia. As discussões de Quine e Carnap no que diz respeito à analiticidade ecoaram ao longo da curta existência da tradição analítica. Two Dogmas of Empiricism de Quine é fruto deste debate e se tornou um clássico da filosofia desde o momento em que foi apresentado em público. As revoluções na filosofia são resultado de trabalhos bem distintos quanto a sua extensão. Por exemplo, se compararmos a Crítica da Razão Pura de Kant à Two Dogmas of Empiricism chega a ser difícil de acreditar que um texto tão pequeno possa ter motivado tantos debates. As consequências das teses de Quine no referido artigo colocaram fim ao Positivismo Lógico e levaram a filosofia analítica a um estágio científico. A Filosofia analítica, a partir daquele momento estaria “nas vias seguras de uma ciência”, compartilhando seus resultados e não tendo a pretensão de lhe servir de fundamento, a filosofia era tida como uma continuidade, uma ciência. Desse modo no primeiro capítulo nos voltaremos para noção de analiticidade que se tornou clássica na Filosofia analítica, ou seja, a que defende que um enunciado é analítico unicamente em virtude de significados. Esta noção advém dos trabalhos de Frege e Carnap. Iniciaremos os capítulos com uma breve consideração histórica sobre a analiticidade. De forma a tornar a exposição mais clara dividiremos a história da analiticidade em três períodos tendo como referência Kant. O primeiro período denominaremos fase pré-kantiana. Neste período destacam-se filósofos como Leibniz, Hume e Locke. Leibniz se referiu aos 12 enunciados que posteriormente seriam conhecidos como analíticos com a denominação verdades de razão. Como o próprio nome deixa transparecer, as verdades de razão não tinham sua verdade vinculada a fatos. Leibniz caracterizou tais verdades como aquelas que poderiam ser verdadeiras em todos os mundos possíveis. Esta noção de “mundos possíveis” será reformulada posteriormente por Carnap em suas descrições de estado. Hume, por seu turno, nos fala em relações de ideias. Essas relações de ideias são exemplificadas por Hume com os enunciados da matemática. Que dois mais dois resulta em quatro é algo que pode ser obtido por meio de raciocínio, não havendo qualquer dependência com o modo pelo qual o mundo se apresenta. Locke utilizou uma terminologia que deixava transparecer certo ceticismo sobre o papel deste tipo de enunciado no que diz respeito ao progresso do conhecimento. As proposições frívolas, segundo Locke, são de dois tipos: proposições de identidade e proposições predicativas. Em ambos os casos, ressalta Locke, este tipo de proposição não pode aumentar o conhecimento de um indivíduo, mesmo que este enuncie mil proposições de identidade, por exemplo. Quando muito, este tipo de proposição pode servir para fins de explicação de uma determinada palavra, no caso das proposições predicativas. Diferentemente dos filósofos acima citados, Kant, dedicou atenção especial aos juízos analíticos e foi responsável por refinar esta noção. Desse modo, para Kant, um juízo analítico é aquele juízo da forma sujeito-predicado em que esta relação se dá de três modos: Contenção, identidade e contradição. Esta é a fase kantiana da história da analiticidade. Na fase pós-kantiana sobressai-se a tradição analítica e sua relação de amor e ódio com a noção de analiticidade. Nesse período temos a reviravolta linguística na Filosofia, revolução essa que converteu a teoria cognitivista da analiticidade kantiana em uma teoria lógico-liguística. 13 Desse modo, nos primórdios da tradição analítica a analiticidade é esposada pelos Positivistas Lógicos, mas acaba sendo posta em xeque posteriormente pelos filósofos que de um modo ou de outro estavam ligados aos positivistas, tal é o caso de Quine. Em 1951 Quine lança seu ataque mais significativo contra a analiticidade ao apresentar seu artigo Two Dogmas of Empiricism. Dentre as quatro versões da noção de analiticidade contra a qual Quine se volta em seu artigo, nosso primeiro capítulo tem sua segunda parte dedicada à noção de analiticidade cujo fundamento é a noção de significado. O capítulo um será dedicado ao argumento de Quine contra a noção de significado, que serve como fundamento para a noção de analiticidade. Veremos que este argumento, embora apareça de forma resumida em Two Dogmas of Empiricism, está presente em outro artigo, On What There Is. Os dois artigos compõem a coletânea From a logical point of view. O capítulo dois será dedicado ao argumento principal de Two Dogmas of Empiricism contra a analiticidade, mais especificamente a noção de analiticidade que é atribuída a Frege e que se vale da noção de sinonímia. Quine mostrou que, uma vez que os enunciados analíticos podem ser divididos em duas classes distintas, sendo que a primeira é logicamente verdadeira enquanto que a segunda necessita da sinonímia para se tornar uma verdade lógica, pouco importa se recorramos às definições ou a permutabilidade salva veritate para obter a sinonímia necessária para tal processo. Nos dois casos caímos em um círculo vicioso, pois em vez de produzir a sinonímia, tais procedimentos exigem sinonímias estabelecidas previamente. Quine se volta então para as regras semânticas de Carnap de modo a determinar se é possível obter a analiticidade. Quine conclui que é um erro pensar que as linguagens artificiais, por estarem livres das ambiguidades das linguagens naturais, possuem os elementos necessários para uma definição clara de analiticidade. 14 Assim, Quine apresenta sua famosa conclusão de que a divisão analítico/sintético não passa de um artigo metafísico na qual os empiristas depositam suas esperanças. No capitulo três abordaremos a “guinada científica” promovida por Quine na Filosofia analítica a partir de Two Dogmas. O capítulo iniciará com os argumentos de Quine contra a quarta versão de enunciado analítico que está ligada ao segundo dogma do empirismo, ou seja, o reducionismo. Contra o reducionismo Quine lança mão do holismo. A principal consequência do abandono dos dois dogmas do empirismo, segundo Quine, é a destruição da fronteira entre Filosofia e Ciência, de tal modo que conduz a Filosofia analítica a sua fase científica. 15 CAPÍTULO I A ANALITICIDADE E SIGNIFICADO RESUMO O presente capítulo será dedicado a apresentar e discutir a crítica de Quine, em Two Dogmas of Empiricism, à noção de analiticidade que depende da noção de significado. O percurso a ser trilhado começa com algumas considerações sobre a analiticidade na modernidade fazendo uma breve referência a Leibniz e suas verdades de razão e Hume com suas relações de ideias. Daremos maior atenção às considerações de Locke para o que ele denominou de proposições frívolas. Indiscutivelmente Kant merece um lugar de destaque na história da analiticidade, por esse motivo, resumidamente, apresentaremos sua teoria da analiticidade. Veremos, por fim, o argumento de Quine contra a noção de significado. 16 1.1. Introdução Deve-se ter em mente que Quine não foi o único filósofo contemporâneo a colocar em xeque a divisão analítico/sintético. Na “virada linguística” que ocorreu na Filosofia, a teoria cognitivista da analiticidade de Kant foi convertida em uma teoria lógico-linguística da analiticidade, sendo que esse feito é atribuído a Frege e Carnap. É exatamente contra essa noção de analiticidade proposta por Frege e Carnap que muitos filósofos da tradição analítica, herdeiros da tendência antidualista dos pioneiros do pragmatismo americano, sendo que essa tendência é mais evidente em John Dewey e Peirce, se opuseram. Figuram entre esses opositores Nelson Goodman (1906-1998), Morton White (1917- ). Alguns anos antes da publicação de Two Dogmas of Empiricism, os filósofos acima já haviam publicado artigos que anteciparam as críticas de Quine no que diz respeito à analiticidade. No entanto, Two Dogmas of Empiricism (1951) de Quine, que é o objeto de estudo da presente dissertação, que se sobressaiu em relação aos outros artigos que o precederam e tinha objetivo semelhante, era mais direto em suas críticas, e teve como alvo pelo menos quatro versões da noção de analiticidade: (1) a noção que caracteriza a analiticidade como verdadeira em virtude de significados; (2) a noção que caracteriza a analiticidade em termos de sinonímia; (3) a noção que apela às regras semânticas; 17 (4) a noção que está ligada à teoria verificacional do significado ou reducionismo. Discutiremos, inicialmente, o ataque controverso de Quine a noção de enunciado analítico como aquele que é verdadeiro em virtude unicamente dos significados dos termos que o compõe. No capítulo seguinte abordaremos os argumentos principais de Two Dogmas of Empiricism às outras três noções de analiticidade e especialmente à noção que depende da sinonímia. Iniciemos, então, com uma breve consideração histórica sobre a analiticidade, tendo em vista ressaltar o fato de que esta noção está presente na história da Filosofia há vários séculos, sendo alvo das considerações de filósofos renomados, que contribuíram significativamente para o desenvolvimento do pensamento ocidental. Assim, a história da noção de analiticidade tem suas raízes na Antiguidade, se levarmos em conta que a analiticidade é um tipo de modalidade 1·, mas uma definição clara remonta da Modernidade. As modalidades, como objeto de estudo, remontam a Aristóteles, como é possível comprovar em sua obra sobre lógica reunida com o título de Organum. A analiticidade é uma modalidade semântica, pois um enunciado é classificado como analítico quando o valor de verdade deste enunciado pode ser determinado observando unicamente o significado dos termos que compõem tal enunciado. 2 Na contemporaneidade foi empreendida uma distinção que visou tornar mais claros os conceitos que eram tidos como co-extensivos com o conceito de enunciado analítico. 1 Há três tipos de modalidades: as modalidades aléticas (necessário ou contingente); as modalidades epistêmicas (a priori ou a posteriori); as modalidades semânticas (analítico ou sintético). No entanto, há ainda aqueles que colocam em dúvida a co-extensionalidade das três noções. 2 BRANQUINHO, 2006, p. 526. 18 Conceitos como necessário e a priori passaram ao mesmo nível que o conceito de “analítico”. Entretanto, há ainda aqueles que relutam em aceitar essa classificação 1.2. Breve histórico da analiticidade 1.2.1. A fase pré-kantiana da analiticidade A história da analiticidade pode ser dividida em três momentos distintos: fase pré-kantiana, fase kantiana, fase pós-kantiana ou analítica. Esta distinção visa a apenas fins didáticos, não havendo, portanto, qualquer pretensão em supor que esta distinção é a mais adequada, seu objetivo é unicamente facilitar a exposição do tema em questão, tendo como ponto de referência o refinamento empreendido por Kant. Na fase pré-kantiana encontramos filósofos como Leibniz e Hume fazendo uso de uma distinção entre enunciados verdadeiros em si mesmos e enunciados que necessitam da experiência para serem verdadeiros. Leibniz usou os termos verdades de razão e verdades de fato, enquanto Hume se referia a essa dicotomia como relações de ideias e questões de fato. A abordagem de Locke, no entanto, merece destaque em relação aos demais filósofos dessa época. Locke (1632-1704) no capítulo VII, do livro III, de seu Ensaio sobre o entendimento humano, descreveu as proposições analíticas de um modo que já colocava em xeque sua utilidade para o progresso do conhecimento humano. Locke dividiu essas proposições em dois tipos: proposições idênticas e proposições predicativas. As proposições idênticas se apresentam na forma o que é, é. São proposições em que afirmamos o mesmo termo de si mesmo, por exemplo, um homem é um homem. 19 Locke chama nossa atenção para o fato de que um sujeito poderia enunciar infinitas proposições desse tipo e ainda assim, embora admitamos que sejam válidas, não acrescentará nada ao conhecimento que já possui. Nas palavras do próprio Locke, não passa de uma frivolidade por parte de quem se aventurar em tal empreendimento. As proposições predicativas, por seu turno, são aquelas em que “uma palavra da definição é afirmada da palavra definida”. 3 Um exemplo que Locke utiliza é o ouro é um metal. A única utilidade que Locke aponta para uma proposição predicativa é simplesmente instruir de modo mais curto uma pessoa sobre o significado de uma palavra. Uma pessoa que não soubesse o que a palavra ‘ouro’ quer dizer, poderia receber como explicação ouro é um metal. 1.2.2. A fase kantiana da analiticidade Kant (1724-1804) desempenha um papel de destaque na história da analiticidade, pelo fato de ter sido o primeiro a lhe dedicar maior atenção, além de definir a denominação e o conceito de tais enunciados. O ponto que deve ser ressaltado na teoria kantiana da analiticidade é seu caráter cognitivista. Para Kant, os juízos analíticos eram a priori, sendo que esse tipo de conhecimento se caracteriza por ser necessário e universal. Assim, para Kant a consciência é o lócus de toda possibilidade de conhecimento, na medida em que os dados empíricos chegam de forma desordenada e caótica, torna-se necessário que se ponha ordem nesse caos para que possamos ter acesso a um conhecimento claro, e segundo Kant, essa função é desempenhada pelas categorias do entendimento. Tendo em mente o que foi exposto acima, podemos agora nos voltar para a teoria da analiticidade kantiana. 3 LOCKE, 1999, p. 845. Kant entendia que um enunciado analítico é 20 aquele em que o sujeito pertence ao predicado de três modos: contenção, identidade e contradição. Em termos de contenção4, um juízo da forma sujeito-predicado é analítico se o conceito do predicado estiver contido no conceito do sujeito. Destacam-se três características: (1) Uma vez que para Kant há dois tipos de proposições necessárias, a saber, analíticas e sintéticas, o conceito de necessidade não está exclusivamente vinculado ao conceito de analiticidade, desse modo pode servir para explicá-lo; (2) A contenção não é um critério de analiticidade, estipula apenas que uma condição proposta se aplica a proposições da forma sujeito/predicado; (3) A Crítica da Razão Pura estabelece uma condição suficiente e não necessária para a analiticidade; 5 Por sua vez, em termos de identidade6 um juízo da forma sujeito-predicado é analítico se o conceito do predicado for idêntico ao conceito do sujeito. Assim, como no caso da contenção, a identidade estipula simplesmente condições suficientes para a analiticidade. Em termos de contradição7 um juízo da forma sujeito-predicado é analítico se sua negação implicar contradição. O princípio de contradição, ao contrário da contenção e da identidade, fornecem condições necessárias para a analiticidade, em vez de prover apenas condições suficientes. 1.2.3. A fase pós-kantiana 4 A6-7/B10-11 HANNA, 2005, p. 190. 6 A7/B10-11 7 A151/B190-1 5 21 A chamada Virada Linguística na Filosofia, ocorrida no final do século XIX e início do século XX, revolução essa impulsionada pelos escritos de Russell (1872-1970), Frege (1848-1925), Moore (1873-1958) e o Tractatus Logico Philosophicus de Wittgenstein (1889-1951), converteu a teoria cognitivista da analiticidade de Kant em uma teoria lógico-linguística da analiticidade. Os filósofos posteriores a Kant já haviam percebido as limitações da noção kantiana de analiticidade e empreenderam seus esforços em tornar a noção de analiticidade mais abrangente, pois, por exemplo, a noção kantiana se limitava a enunciados da forma sujeito-predicado. Frege, por exemplo, em sua obra Os Fundamentos da Aritmética, se volta para a questão de um novo modo. Nas palavras de Frege: A questão é assim retirada do domínio da psicologia e remetida, tratando-se de uma verdade matemática, ao da matemática. Importa então encontrar sua demonstração e nela remontar até as verdades primitivas. Se neste caminho esbarra-se apenas em leis lógicas gerais e definições, tem-se uma verdade analítica, pressupondo-se que sejam também levadas em conta as proposições sobre as quais se assenta a admissibilidade de uma definição. Se não é possível, porém, conduzir a demonstração sem lançar mão de verdades que não são de natureza lógica geral, mas que remetem a um domínio científico particular, a proposição é sintética. Para que uma verdade seja a posteriori requer-se que sua demonstração não se possa manter sem apelo a questões de fato, isto é, a verdades indemonstráveis e sem generalidade, implicando enunciados acerca de objetos determinados. Se, pelo contrário, é possível conduzir a demonstração apenas a partir de leis gerais que não admitem nem exigem demonstração, a verdade é a priori. 8 Assim, Frege, diferentemente de Kant, aplicará critérios puramente lógicos para determinar os enunciados analíticos. Além disso, Frege defende que as proposições analíticas não são vazias, sob certo aspecto. Pois elas conteriam “toda uma cadeia de raciocínio”, sendo diretamente relevantes para o trabalho de “descobrir e expor” as relações de consequência entre proposições. 8 FREGE, 1983, p. 204-205. 22 Isto o leva a recusar a noção de inclusão conceitual, sobretudo, por ela supor um conceito de conceito como uma conjunção de notas características. 9 De um modo geral, a teoria da analiticidade de Frege tem como fundamento um logicismo moderado, que pode ser expresso por meio de duas teses: (1) Todas as verdades da aritmética são verdades lógicas; (2) Todos os conceitos aritméticos são exprimíveis em termos puramente lógicos. 10 O componente principal da apresentação de Frege é sua noção de definição lógica. Nenhuma das verdades analíticas “é acessível por meio de derivações a partir apenas de leis lógicas gerais, mas, na verdade, requerem também definições lógicas como premissas”. 11 Entretanto: A definição fregeana aparece em toda a sua riqueza quando associada às outras distinções, a saber, entre sentido e significado, e entre conceito e objeto. As verdades analíticas constituiriam aquelas proposições que explicitam as relações que se estabelecem entre os sentidos (Sinn), ou ainda entre os conceitos, independentemente dos fatos particulares. As verdades analíticas, aquelas em cuja justificação não se é remetido a nenhum fato particular, fundar-se-iam apenas através do pensamento (Denken). Desse modo, fica claro que a estrutura constitutiva de uma verdade analítica, para Frege, é uma estrutura de sentido (Sinn) ou pensamento (Gedanken): uma proposição é analiticamente verdadeira em virtude da estrutura de sentido nela estabelecida, independentemente dos indivíduos particulares ou fatos, enfim, independentemente da referência (Bedeutung) das expressões utilizadas. 12 9 BRAIDA, 2009, p. 33. HANNA, 2005, p. 232. 11 HANNA, 2005, p. 234. 12 BRAIDA, 2009, p. 34. 10 23 No século XX a analiticidade começa a ser alvo do ceticismo de filósofos de renome como Nelson Goodman (1906-1998) e W. V. Quine (1908-2000). Além dos filósofos acima citados, Austin em 1940 no artigo The Meaning of a Word e White em 1950 no artigo The Analytical and the Synthetic: An Untenable Dualism, também procuraram mostrar o quão duvidosa é esta noção. Entretanto, as críticas à analiticidade alcançaram seu auge em 1951, com a publicação do artigo Two Dogmas of Empiricism de Quine. Os argumentos de Quine se sobressaíram com relação aos demais críticos da analiticidade. Uma das possíveis razões para o artigo de Quine ter recebido maior atenção que os artigos de White e Goodman, que são anteriores a Two Dogmas of Empiricism, se deve ao fato de que Quine ter sido mais explícito e radical em sua crítica, além de propor uma alternativa ao problema, ou seja, o holismo, enquanto White se limita a denunciar a obscuridade da sinonímia, mostrando que os critérios propostos para se determinar a sinonímia de duas expressões linguísticas são insatisfatórios.13 Voltemos-nos então para as críticas de Quine a noção de significado que serve de fundamento a analiticidade. 1.3. Verdadeiro em virtude do significado O conceito de enunciado analítico como aquele em que seu valor de verdade é determinado por significados é fruto da rejeição do sintético a priori kantiano. Ao rejeitarem essa ideia os empiristas se viram diante de tipos únicos de enunciados necessários, ou seja, os enunciados analíticos. Desse modo, definir os enunciados analíticos em termos de significados possibilitou a conciliação de dois princípios divergentes: 13 A semelhança dos argumentos de Quine e White não é mera coincidência. Two Dogmas of Empiricism, na verdade é composto por ideias que estão presentes em outros artigos de Quine, sendo que o próprio White faz referencia ao artigo Notes on Existence and Necessity de 1943. 24 (1) Todo conhecimento advém da experiência; (2) Há verdades necessárias. Nos primeiros parágrafos de Two Dogmas of Empiricism Quine inicia com algumas considerações históricas sobre a analiticidade que como vimos acima e Quine também ressalta a noção kantiana de analiticidade foi convertida em uma noção lógico-linguística por meio da substituição do a priori pela noção de significado. Quine dedicou apenas cinco parágrafos de Two Dogmas of Empiricism à questão do significado. As considerações de Quine sobre o significado se limitam a ressaltar a distinção entre significar e nomear, que nada deixam transparecer alguma solução para a duvidosa noção de significado que serve de fundamento à analiticidade. Além disso, Quine propõe uma suposta relação entre a noção de significado e o essencialismo aristotélico. O essencialismo aristotélico é a doutrina que defende que as coisas têm propriedades acidentais e propriedades essenciais. Mas, embora faça referência ao essencialismo aristotélico em Two Dogmas of Empiricism, é somente em Word and Object que Quine apresenta argumentos contra essa doutrina. O argumento antiessencialista de Quine ficou conhecido como o argumento do matemático ciclista. Quine nos convida a considerar um indivíduo que é ao mesmo tempo matemático e ciclista. Se levarmos em conta o que defende o essencialismo, então como matemático esse indivíduo tem que ser necessariamente racional, racionalidade que pode ser acidental se o tomarmos como um ciclista. 25 Quine, com este exemplo, quer mostrar que a distinção entre acidental e essencial é absurda, pois o indivíduo que é tanto matemático quanto ciclista tem atribuído a ele uma racionalidade que é ao mesmo tempo essencial e acidental. Para Quine não há qualquer equivalente metafísico para essa distinção entre propriedades essenciais e propriedades acidentais, essa distinção é meramente linguística. Pois não faz sentido dizer que “X deve ser P” fora do âmbito de uma determinada linguagem ou sistema conceitual. Essas propriedades estão na dependência do modo como nos referimos a um determinado objeto, não ao objeto em si mesmo. Um dos argumentos levantados contra Quine é o de que essa distinção entre propriedades essenciais e acidentais não se aplica a indivíduos, mas a espécies. Logo, o argumento do matemático ciclista não teria qualquer efeito sobre o essencialismo. Mas não discutiremos essas críticas, pois para a presente discussão o essencialismo aristotélico não é relevante. Voltemos ao nosso tema, então. Quanto à distinção entre significar e nomear as considerações de Quine são as seguintes: a distinção entre significar e nomear no que se refere a termos singulares como estrela da manhã e estrela da tarde deixa pouca margem para enganos. Os dois termos nomeiam o planeta Vênus, mas diferem em significado: estrela da manhã tem seu significado relacionado ao fato de observamos o planeta Vênus pela manhã; estrela da tarde tem seu significado relacionado ao fato de observarmos o planeta Vênus à tarde. Os dois termos singulares compartilham a mesma referência diferindo em significado. A menção pode ser estendida aos termos gerais. Mas, de acordo com Quine, são poucos os que percebem: 26 (...) que há um abismo entre significar e nomear, mesmo no caso de um termo singular que é genuinamente um objeto. O seguinte exemplo de Frege (1893) será suficiente. A expressão “estrela da tarde” nomeia certo objeto físico grande e de forma esférica, que vaga pelo espaço a alguns milhões de quilômetros daqui. A expressão “estrela da manhã” nomeia a mesma coisa, como constatou, provavelmente pela primeira vez, um observador babilônico. Mas não se pode considerar que as duas expressões tenham o mesmo significado; do contrário, aquele babilônico poderia ter abandonado suas observações e se contentado em refletir sobre o significado de suas palavras. Os significados, então, sendo diferentes um do outro, têm de ser distintos do objeto nomeado, que é uma e a mesma coisa em ambos os casos. 14 Assim, essa separação entre a teoria do significado e a teoria da referência permite-nos perceber que a primeira se ocupa da sinonímia, significância e analiticidade dos termos. Como visto anteriormente, a obscura noção de significado – que seria a ponte entre palavra e objeto – é descartável. Por seu turno, a teoria da referência agrupa conceitos tais como nomeação, verdade, denotação e extensão. Entretanto, Quine, observa que: As fronteiras entre os domínios não são barreiras. Dados dois domínios, nada impede que um conceito possa ser composto de conceitos dos dois domínios. Mas, se isso acontece no caso da teoria do significado e da teoria da referência, nós provavelmente colocaríamos o conceito híbrido como parte da teoria do significado simplesmente porque a teoria do significado está em um estado pior do que a teoria da referência e, entre as duas, é a que, portanto, tem os pressupostos mais complicados. 15 Desse modo, fica claro que o que Quine chama de “teoria do significado” é uma das áreas da semântica que se ocupa de noções que necessitam de uma elucidação tal, que não faz qualquer sentido tomá-las como fundamento para qualquer tipo de teoria, pois elas, por si só necessitam ser fundamentadas. 14 15 QUINE, 2011, p. 21. QUINE, 2011, p. 184. 27 Segundo Quine há aqueles que pensam que questionar ou abandonar a noção de significado é supor um mundo em que há apenas linguagem e nada a que a linguagem referir. Mas Quine defende a posição segundo a qual podemos conceber um mundo cheio de objetos e uma linguagem para se referir a eles do modo como nos aprouver, sem que com isso tenhamos que recorrer a significados. Quine conclui que se deve operar uma cisão entre a teoria do significado e a teoria da referência, afirmando que desse modo: Uma vez que a teoria do significado esteja nitidamente separada da teoria da referência, é necessário apenas um pequeno passo para reconhecer como primeira ocupação da teoria do significado tão somente a sinonímia de formas linguísticas e a analiticidade dos enunciados; os próprios significados, como entidades intermediárias obscuras, podem muito bem ser abandonados. 16 Na tentativa de entender a transição do problema do significado para o problema da sinonímia, nos voltemos um pouco para outro texto de Quine, presente no livro From a Logical Point of View. Em O Problema do Significado na Linguística, Quine se volta para a questão dos significados do seguinte modo: “A confusão entre significado e referência estimulou a tendência a tomar a noção de significado como dada” 17 . O problema do significado é que ele é tomado como uma entidade. Assim, o significado de uma expressão é a ideia expressa. O problema advém do fato de que ao se falar de ideia de uma ideia gera o equívoco de se ter explicado alguma coisa. Como afirmamos anteriormente, o tratamento descuidado da noção de significado empreendido por Quine em Two Dogmas of Empiricism, não compromete seu argumento principal, visto que a sinonímia ou a semelhança de significado é uma área importante do significado. 18 16 QUINE, 2011, p. 40. QUINE, 2011, p.74. 18 QUINE, 2011, p. 75. 17 28 Entretanto, o fato de Two Dogmas of Empiricism ser precedido pelo artigo On What There Is, na coletânea From a logical point of view não é obra de uma escolha arbitraria por parte de Quine. No artigo On What There Is Quine, ao discutir a questão dos compromissos ontológicos, nos mostra como podemos usar termos gerais sem nos comprometermos com qualquer tipo de entidade abstrata. Segundo Quine, uma coisa é significar outra coisa é nomear. Os problemas de postular entidades abstratas surgem da confusão entre significar e nomear, pois há aqueles que defendem que há alguma entidade ao qual os termos fazem referência. Assim, se quisermos negar a existência de um unicórnio, por exemplo, teríamos que admitir que o unicórnio de algum modo é. Este é o problema do não ser, apelidado por Quine se a barba de Platão. A estratégia de Quine se vale da aplicação das variáveis ligadas à teroria das descrições de Russell. Assim: As variáveis de quantificação “algo”, “nada”, “tudo”, perpassam toda nossa ontologia, qualquer que seja ela; e estamos presos a uma pressuposição ontológica particular se, e apenas se, o objeto presumido da pressuposição tiver de ser reconhecido entre as entidades que nossas variáveis percorrem para tornar uma de nossas afirmações verdadeiras. 19 A teoria das descrições de Russell é um recurso utilizado para resolver o problema dos universais negativos. Quando negamos a existência de algo como um unicórnio, papai Noel etc., caímos no problema do não ser. Russell, para resolver este problema, transforma o termo em uma descrição, evitando assim se comprometer com a existência de qualquer tipo de entidades abstratas. Conclusão 19 QUINE, 2011, p. 26. 29 Vimos no presente capitulo um breve histórico da noção de analiticidade, passando pela modernidade (Locke, Hume, Kant) e chegando à contemporaneidade. Vimos como Quine faz uma primeira abordagem dessa noção, uma abordagem crítica, atacando o fundamento da noção contemporânea de analiticidade, ou seja, a noção de significado. 30 CAPÍTULO II A ANALITICIDADE E SINONÍMIA Resumo O presente capítulo se destina a apresentar e analisar o argumento central de Two Dogmas of Empiricism contra a analiticidade e analisar algumas críticas contra tais argumentos, sendo que daremos destaque a Carnap, Benson Mates, Grice e Strawson. A justificativa para a escolha destes autores se baseia simplesmente no fato de julgarmos que as críticas e alternativas propostas ao ceticismo de Quine com relação à analiticidade tem impacto considerável sobre as teses de Quine. A primeira parte do capítulo apresentará a tese de Quine contra a analiticidade que necessita da sinonímia. Este argumento demonstra que os critérios propostos para se produzir a sinonímia que permite converter enunciados analíticos de segunda classe em verdades lógicas não cumprem tal tarefa de modo satisfatório, pois a maioria desses critérios pressupõe a própria sinonímia ou que já tenhamos uma compreensão clara da analiticidade. 31 2.1. Introdução No capítulo anterior fizemos referência à passagem da crítica às intensões, mais especificamente aos significados, para a crítica à sinonímia. Após suas considerações sobre o significado, Quine nos diz que os enunciados analíticos são divididos em duas classes: as verdades lógicas ou enunciados analíticos estreitos e os enunciados analíticos amplos. A primeira classe de enunciados analíticos é caracterizada pelo fato de que sua verdade é definida por sua forma lógica, independentemente da interpretação adotada aos outros termos componentes, excetuando as partículas lógicas. O exemplo de Quine para a primeira classe é Nenhum homem não casado é casado. Dada uma lista de partículas lógicas “nenhum”, “não”, “se” “então”, “e” etc., dizer que uma sentença S é uma verdade lógica é dizer não apenas que S é verdadeira, mas que sua verdade é indiferente à natureza particular de seus símbolos não lógicos. As verdades lógicas, assim como os significados, não recebem muita atenção de Quine em Two Dogmas of Empiricism. Somente em texto posteriores é que as verdades lógicas são mais bem detalhadas. No livro Filosofia da Lógica elas ganham a devida atenção, como demonstra o capítulo IV do referido livro. No artigo de 1954 intitulado Carnap and Logical Truth, Quine nos diz que as verdades lógicas são aquelas em que as partículas lógicas ocorrem essencialmente, excetuando as outras palavras que as compõem, pois estas podem variar sem que com isso afete a verdade assegurada pelas partículas lógicas. 20 Mas ao menos no caso das verdades lógicas Quine apresenta um motivo. Segundo ele, o problema reside na segunda classe de enunciados analíticos. Essa classe é problemática, pois ela necessita da noção semântica de sinonímia para ser transformada em uma verdade lógica. O exemplo apresentado por Quine para essa segunda classe de enunciados analíticos é Nenhum solteiro é casado. 20 QUINE, 1976, p. 109-110. 32 2.2. Analiticidade como um dogma A simplicidade no procedimento de conversão da segunda classe na primeira é exatamente o problema. O que garante a sinonímia de “solteiro” e “homem não casado”? Quine examina dois critérios em que se poderia criar a sinonímia necessária para a segunda classe de enunciados analíticos se transformarem em verdades lógicas: definição e permutabilidade. 2.2.1. Definição As definições são partes fundamentais da atividade científica. Este método é essencial na medida em que os conceitos necessitam ser esclarecidos. Carnap dedicou atenção às definições, como veremos adiante. Desse modo, Quine começa examinando três tipos de definições: definição lexical, explicação e definição notacional. O motivo porque Quine se volta para as definições é apresentado no início da segunda seção de Two Dogmas of Empiricism: Existem aqueles que acham reconfortante dizer que os enunciados analíticos da segunda classe se reduzem aos da primeira, as verdades lógicas, por definição; “solteiro”, por exemplo, é definido como “homem não casado”. Mas como descobrimos que “solteiro” é definido como “homem não casado”? 21 Sigamos, portanto, os argumentos de Quine no que diz respeito à definição e sua possibilidade de criar a sinonímia necessária à analiticidade. Mas, para tornar clara nossa descrição, devemos ter em mente o que Quine pretende. Há duas classes de enunciados analíticos, as verdades lógicas e os enunciados analíticos amplos. As verdades lógicas, em um primeiro momento parecem não apresentar qualquer dificuldade para Quine, o problema está na segunda classe, que devido 21 QUINE, 2011, p. 43. 33 a sua forma, não tem o privilégio das verdades lógicas e necessitam serem convertidas nesse tipo de enunciado que é verdadeiro unicamente devido às partículas lógicas que ocorrem nela essencialmente. As verdades analíticas da segunda classe padecem por estar na dependência da linguagem em que ela é apresentada. Assim, a segunda classe dos enunciados analíticos fica refém de uma noção semântica tão obscura quanto à própria analiticidade, ou seja, a sinonímia. Essa noção de analiticidade é atribuída a Frege 22 . Desse modo, tendo em mente as considerações acima, sigamos de perto a argumentação de Quine. O primeiro tipo de definição que entra em cena em Two Dogmas of Empiricism é a definição lexical ou a definição do dicionário. Esse tipo de definição é fruto do trabalho do lexicógrafo. Quando não compreendemos uma determinada palavra recorremos ao dicionário para clarificar nossa compreensão. Se não sabemos o que “solteiro” quer dizer e devido a isso recorremos a um dicionário, como o Aurélio, por exemplo, encontramos que tal palavra pode ser definida como “homem não casado”. Segundo Quine o problema com a definição lexical está no fato de que o lexicógrafo, sendo um cientista empírico, trabalha com base em uma crença de que há uma relação de sinonímia entre “solteiro” e “homem não casado”, que é “implícita no uso geral ou preponderante, anterior a seu próprio trabalho” 23 Como o objetivo era derivar a sinonímia por meio da definição lexical, viuse claramente que, na verdade, a sinonímia era pressuposta para esse tipo de definição. Logo, devemos deixar de lado esse tipo de definição e nos voltarmos para outro tipo de definição. O segundo tipo de definição analisado por Quine é a explicação. A explicação consiste em tornar vagas e ambíguas as expressões da linguagem cotidiana. Temos desse modo, de um lado, o explicandum, ou seja, a expressão 22 23 BRANQUINHO, 2006, p. 37. QUINE, 2011, p. 43. 34 que necessita ser precisada e de outro lado o explicantum, a expressão exata que deve substituir o explicandum. A explicação de conceitos não é verdadeira nem falsa, porém mais ou menos adequada. Assim, Carnap estipulou quatro critérios para avaliar a adequação de uma explicação de conceitos: (1) Semelhança; (2) Exatidão; (3) Fecundidade; (4) Simplicidade. O objetivo desse tipo de definição “não é apenas parafrasear o definiendum em um sinônimo imediato, mas na verdade aperfeiçoar o definiendum, refinando ou complementando seu significado” 24 . Entretanto, assim como a definição lexical, a explicação, baseia-se em sinonímias preexistentes. Nas palavras de Quine: Dois definientia alternativos podem ser igualmente apropriados para os propósitos de uma dada tarefa de explicação e, ainda assim, não serem sinônimos um do outro, pois eles podem ser apropriados de maneira intersubstituível em contextos privilegiados e divergir em outros contextos. Sendo fiel a um desses definientia e não ao outro, uma definição de tipo explicativo gera, por decreto, uma relação de sinonímia entre definiendum e definiens que não valia antes. Mas essa definição ainda deve sua função explicativa, como foi visto, a sinonímias preexistentes. 25 24 25 QUINE, 2011, p. 44. QUINE, 2011, p. 44-45. 35 O terceiro tipo de definição é a definição notacional. O objetivo deste tipo de definição é simplesmente introduzir uma nova convenção notacional para fins de abreviação. De acordo com Quine, diferentemente dos outros dois tipos de definição, a definição notacional gera o tipo de sinonímia por definição sem, no entanto, depender da própria sinonímia. O definiendum é criado para ser sinônimo do definiens. Mas esse tipo de definição tem nada a ver com o problema da analiticidade. 2.2.2. Permutabilidade Salva Veritate A definição se mostrou incapaz de servir ao propósito de criar a sinonímia necessária à analiticidade, pois ela depende de sinonímias anteriores. Assim, Quine se volta para outro modo de se criar a sinonímia que fundamenta a analiticidade, ou seja, a permutabilidade salva veritate ou indiscernibilidade dos idênticos. A permutabilidade consiste em substituir sinônimos por sinônimos. No entanto, como observa Quine, há casos em que o valor de verdade é comprometido pelo apelo à permutabilidade, como é o caso da ocorrência da palavra “solteiro” em “cabo solteiro”, e no enunciado: “Solteiro” tem oito letras. Como claramente se percebe, se tomarmos “homem não casado” como sinônimo de “solteiro”, a substituição desses sinônimos nos exemplos acima se torna problemática. No entanto, Quine reconhece que a permutabilidade acima é problemática por se tratar de ocorrências fragmentárias dentro de uma palavra. 26 Esses tipos de ocorrência devem ser deixadas de lado. Quine se volta então para a questão de saber se a permutabilidade salva veritate serve ao propósito de criar a sinonímia necessária à conversão da segunda classe de enunciados analíticos em verdades lógicas. 26 QUINE, 2011, p.48. 36 Deve-se deixar claro que o tipo de sinonímia ao qual Quine se refere é a sinonímia cognitiva, ou seja, a “sinonímia devido ao significado literal dos termos integrantes”. 27 O argumento de Quine mostra que a permutabilidade salva veritate também é incapaz de gerar a sinonímia cognitiva, pois mesmo que façamos uso do advérbio “necessariamente”, em um enunciado como: Necessariamente todos e somente os solteiros são solteiros. Que em um primeiro momento torna a permutabilidade salva veritate uma condição suficiente para a sinonímia cognitiva. Desse modo, a substituição de “solteiro” por “homem não casado” deveria manter o valor de verdade do enunciado: Necessariamente todos e somente os solteiros são homens não casados. No entanto, Quine chama nossa atenção para o advérbio “necessariamente”. Aceitar que ele faz sentido é “supor que já demos um sentido satisfatório para “analítico” 28. O problema é que a permutabilidade salva veritate só pode ser utilizada em uma linguagem extensional. Mas mesmo neste caso não há garantia de sinonímia cognitiva: Não há garantia (...) de que a concordância extensional de “solteiro” e “homem não casado” se baseie no significado em vez de se basear meramente em questões de fato acidentais, como acontece com a concordância extensional entre “criatura com coração” e “criatura com rins”. 29 Quine conclui que tentar derivar a analiticidade da sinonímia é um modo equivocado de abordar o problema. Um modo mais apropriado poderia ser tentar clarificar a analiticidade sem recorrer à noção de sinonímia cognitiva. É interessante observar que Two Dogmas of Empiricism não é o primeiro texto em que Quine se volta para o problema da permutabilidade. No livro O 27 STEIN, 2009, p. 108. QUINE, 2011, p. 50. 29 QUINE, 2011, 52. 28 37 Sentido da Nova Lógica, por exemplo, o tema é abordado no capítulo III Identidade e Existência. Parte deste capítulo deu origem ao artigo Notes on Existence and Necessity. A questão levantada nesses textos é que dado um enunciado de identidade como: Giorgione = Barbarelli. E dado o enunciado: Giorgione era assim chamado por ser gordo. A identidade do primeiro enunciado nos autoriza a aplicar o princípio da substitutividade da identidade ao segundo enunciado. Esse princípio nos diz que “dado um enunciado verdadeiro de identidade, um dos dois termos pode ser substituído pelo outro em qualquer verdade, permanecendo o resultado verdadeiro”. 30 Assim, a substituição de Giorgione por Barbarelli no segundo enunciado deveria manter o valor de verdade deste enunciado, o que facilmente comprovamos que não ocorre. O mesmo argumento é retomado em Referência e Modalidade, que por sua vez é composto do artigo acima referido Notes on extence and necessity e pelo artigo The Problem of Interpreting Modal Logic. 2.2.3. Regras Semânticas A seção IV de Two Dogmas of Empiricism começa com um breve resumo do percurso trilhado por Quine no que diz respeito a suas considerações sobre a analiticidade. A analiticidade pareceu, em princípio, ser mais naturalmente definível recorrendo a um reino de significados. Fazendo um refinamento, o recurso aos significados deu lugar a um recurso à 30 QUINE, 1996, p. 119-120. 38 sinonímia ou à definição. Mas a definição se revelou um fogo-fátuo, e a sinonímia pôde ser mais bem compreendida apenas por força de um recurso anterior à própria analiticidade. 31 Deixando de lado a sinonímia e se voltando exclusivamente para a analiticidade, Quine se propõe a discutir um argumento segundo ao qual o problema de traçar uma fronteira clara entre enunciados analíticos e enunciados sintéticos nas linguagens naturais se deve ao fato dessas linguagens serem imprecisas e ambíguas. Se nos voltamos para uma linguagem artificial à situação é completamente diferente, pois essas linguagens possuem regras semânticas explícitas. Esse argumento, como mostra claramente Quine, é fruto de uma confusão. Quando nos referimos a regras semânticas, nos lembra Quine, os trabalhos de Carnap entram em cena. Carnap apresentou essas regras semânticas sob diversas formas. Seguindo o argumento de Two Dogmas of Empiricism consideremos duas formas em que Carnap considera estas regras semânticas no que concerne à questão da analiticidade. O primeiro conjunto de regras semânticas considerados por Quine são aquelas em que dada uma linguagem artificial L o em que as regras semânticas estipulam quais enunciados são analíticos. O problema está obviamente com a palavra “analítico”, pois não poderemos compreender “analítico para L” se não foi esclarecido o que a palavra “analítico” quer dizer. O segundo conjunto de regras semânticas não tem a pretensão de dizer quais enunciados são analíticos, mas nos diz que esses enunciados estão incluídos entre as verdades. Desse modo: Uma regra semântica desse segundo tipo, uma regra de verdade, não tem de especificar todas as verdades da linguagem; ela apenas estipula, recursivamente ou de outro modo, certa quantidade de 31 QUINE, 2011, 53-54. 39 enunciados que, com outros não especificados, devem ser considerados verdadeiros. 32 Temos, assim, os enunciados analíticos sendo definidos como se segue: um enunciado é analítico se é verdadeiro segundo a regra semântica. Nesse caso há apenas uma mudança de foco, mas o problema permanece. O termo “regras semânticas”, de acordo com Quine necessita da mesma clarificação que o termo “analítico para”. Quine conclui que recorrer a regras semânticas para especificar os enunciados analíticos de uma linguagem artificial não faz sentido se não clarificarmos antes o conceito de analiticidade. Essas regras semânticas não têm qualquer utilidade para obter essa clarificação. Após expor suas supostas teses contra a analiticidade Quine apresenta uma das passagens mais famosas de Two Dogmas of Empiricism: É óbvio que a verdade em geral depende tanto da linguagem como de fatos extralinguísticos. O enunciado “Brutus matou César” seria falso se o mundo tivesse sido diferente sob certos aspectos, mas também seria falso se “matou” tivesse o sentido de “gerou”. Assim, é-se tentado a supor, em geral, que a verdade de um enunciado é de alguma forma decomponível em um componente linguístico e um componente factual. Dada essa suposição, parece em seguida razoável que, em alguns enunciados, o componente factual deva ser nulo; e estes são os enunciados analíticos. Mas, apesar de razoável a priori, simplesmente não foi traçada uma fronteira entre enunciados analíticos e sintéticos. Que tal distinção deva ser feita é um dogma não empírico dos empiristas, um metafísico artigo de fé. 33 A conclusão de Quine decorre do fato de que, uma vez que não foi apresentado qualquer critério que possa fazer uma distinção clara entre enunciados analíticos e sintéticos, então esta divisão é apenas um dogma que deve ser abandonada. 32 33 QUINE, 2011, p. 56. QUINE, 2011, p. 59. 40 0 O ceticismo de Quine com relação à analiticidade não é unanimidade na comunidade filosófica. Desde a publicação de Two Dogmas of Empiricism em 1951, várias foram as tentativas de defender a analiticidade dos ataques de Quine. É interessante observar que há alguns pontos em comum entre todos aqueles que se propuseram a defender a distinção analítico/sintético do ceticismo de Quine: para esses autores Quine é radical demais em suas exigências de um critério que possa nos ajudar a compreender o que quer dizer o termo “analítico”. Tendo em vista certa semelhança no que diz respeito ao argumento levantado contra o ceticismo de Quine no que diz respeito à noção de analiticidade, os trabalhos de Carnap, Grice e Strawson, Benson Mates. Um ponto em comum na defesa da analiticidade empreendida por esses autores, como veremos detalhadamente adiante, é a acusação de que Quine está sendo muito rigoroso em suas exigências para que se apresentem critérios claros e seguros para a analiticidade. Como é de conhecimento de todos, os trabalhos de Quine são um diálogo direto com Carnap. Tendo em vista a questão da analiticidade, poderíamos lançar mão da seguinte questão: Por que a distinção analítico/sintético é tão importante para a Filosofia a ponto de filósofos como Quine dedicarem tanto esforço em refutá-la? Uma resposta a essa questão é apresentada por Carnap no livro An Introduction to the Philosophy of Science, editado em 1966 por Martin Gardner. No capítulo XXVII do referido livro, Carnap nos diz que uma nítida distinção entre enunciados analíticos e enunciados sintéticos é importante para a Filosofia da Ciência: The theory of relativity, for example, could not have been developed if Einstein had not realized that the structure of physical space and time cannot be determined without physical tests. He saw clearly the sharp dividing line that must always be kept in mind between pure mathematics, with its many types of logically consistent geometries, and physics, in which 41 only experiment and observation can determine which geometries can be applied most usefully to the physical world. 34 É interessante observar, a partir da citação acima, que a teoria da relatividade, assim como a tese heliocêntrica de Copérnico se valem desta distinção entre elementos teóricos e elementos factuais. Assim, uma distinção entre enunciados analíticos e sintéticos, no âmbito da construção de teorias científicas é de fundamental importância. Para Carnap, acreditando ser de fundamental importância a distinção entre enunciados verdadeiros unicamente em virtude do significado (analíticos) e enunciados que necessitam de conteúdo factual para determinar seu valor de verdade (sintético), elaborou algumas réplicas ao ceticismo de Quine com relação à distinção analítico/sintético. Em Meaning Postulates a estratégia de Carnap foi acrescentar às regras da linguagem um conjunto indefinidamente grande de frases formais que representam frases intuitivamente analíticas em português como “solteiros são não casados”. Como ele diz “se há relações lógicas (por exemplo, implicação lógica ou incompatibilidade) entre os predicados primitivos de um sistema, então a explanação da analiticidade requer que sejam especificados postulados para todas essas relações”. Em outras palavras, postulados de significado são axiomas suplementares da linguagem formal para estender o alcance lógico das regras semânticas. Usando postulados juntamente com as regras semânticas originais, todas as frases analíticas estreitas e amplas podem ser derivadas logicamente como teoremas e, portanto, como verdades lógicas adicionais. Outra defesa elaborada por Carnap pode ser encontrada em um texto publicado no livro Dear Carnap, Dear Van. No texto Quine on analyticity, Carnap mostra que diferentemente do Quine alega, o problema com um enunciado como 34 CARNAP, 1995, p. 257. 42 “Tudo o que é verde é extenso”, não está no fato dele ser classificado como analítico, mas sim na ambiguidade das palavras que o compõem. No artigo Analytic Sentenses Benson Mates, contra a alegação de Quine de que as tentativas de explicar a analiticidade são circulares, observa que “definições circulares são frequentemente muito eficazes na produção de conhecimento”. 35 Mesmo diante da alegação de que todas as definições de analiticidade acima apresentadas são circulares, ainda assim, elas podem muito satisfatoriamente ajudar a clarificar nosso entendimento do termo “analítico” que Quine diz não entender. Mates acrescenta que do fato de não ser capaz de dizer quais casos um determinado predicado pode abranger, não podemos inferir que não compreendemos esse predicado. Se não somos capazes de decidir se um enunciado como “Tudo que é verde é extenso”, isso não nos coloca em uma tal situação em que somos obrigados a admitir que não entendemos o termo “analítico”. As exigências de Quine para uma definição satisfatória de “analítico”, adverte Mates, podem ser altas demais a ponto de não ser possível apresentar tal definição. Mates apresenta um resumo das críticas de Quine às diversas versões da noção de analiticidade. A primeira definição considerada é a que estipula que um enunciado é analítico se e somente se for verdadeiro em todos os mundos possíveis. Esta definição para Quine, segundo Mates, não serve ao propósito de nos auxiliar na compreensão do termo “analítico”, pois admitir que advérbios como “necessariamente” e “possivelmente” fazem algum sentido é supor que já estamos de posse de uma clara compreensão de “analítico”, quando na verdade é exatamente esta clara compreensão que estamos buscando. 35 MATES, 1951, p. 528. 43 A mesma crítica pode ser estendida à segunda definição, um enunciado é analítico se e somente se não puder ser falso. Neste caso, assim como no caso anterior, está sendo pressuposto que já compreendemos o que “analítico” quer dizer e no entender de Quine, nós não sabemos o que esse termo quer dizer. As duas primeiras definições de enunciados analíticos são inúteis em esclarecer o significado claro do termo. A terceira definição de analiticidade é a que se vale da noção de autocontrariedade, desse modo, um enunciado analítico seria aquele em que sua negação implica contradição. Entretanto, a noção de autocontrariedade utilizada para fundamentar a analiticidade nesse caso é tão duvidosa quanto à própria noção que ela tem que fundamentar, segundo Quine são os dois lados da mesma e duvidosa moeda. A quarta definição, que foi analisada no primeiro capítulo do presente trabalho, nos diz que um enunciado é analítico se e somente se for verdadeiro em virtude de significados sem que haja a necessidade de se recorrer a fatos. O problema com essa definição é que essas entidades chamadas “significados”, para Quine, ou são mentais ou são platônicas, logo, não há como fundar uma ciência sobre tão duvidoso fundamento. A quinta definição, como vimos no começo deste capítulo é problemática porque se vale da noção de sinonímia, que também necessita ser clarificada. E, no entender de Quine, todos os critérios utilizados para derivar a analiticidade da sinonímia falham, pois ou eles já pressupõem a sinonímia ou pressupõem que já compreendemos claramente a analiticidade. A sexta definição de analiticidade é atribuída a Carnap. Um enunciado é analítico se for verdadeiro em todas as descrições de estado. Logicamente, que tal definição não é aplicável às linguagens naturais, mas visa às linguagens artificiais. Aqui o motivo de Quine parece ser que se esta definição fosse aplicada à linguagem natural seria insatisfatória. Pressupõe que as frases atômicas da linguagem são logicamente independentes uma da outra, que não poderia ser o caso se houvesse qualquer 44 sinônimo extralógico pares na notação primitiva. Assim, o conjunto de frases definida pela definição (6) é, com efeito, somente o conjunto de verdades lógicas e não de sentenças analíticas na sua integralidade. Quine não discute o que aconteceria se estávamos a rever a definição de "descrição de estado" para cuidar da possibilidade de tais sinônimos, mas provavelmente teremos que usar a “regra semântica”, que também não vai passar no teste. 36 A sétima definição recorre às definições para fundamentar a analiticidade. Um enunciado seria analítico quando fosse reduzido a verdades lógicas por meio de definições. Vimos que Quine havia mostrado que os tipos de definições que se poderiam recorrer nesse caso são insatisfatórios, pois pressupõem a controversa noção de sinonímia. A oitava definição, também atribuída a Carnap, diz respeito às regras semânticas. Nesse caso, a analiticidade é considerada para uma linguagem artificial, onde é possível evitar as ambiguidades das linguagens naturais, mas ainda assim, ressalta Quine, tais linguagens fazem uso do termo “analítico” que não compreendemos bem. Uma das defesas clássicas da analiticidade encontra-se no artigo In Defense of Dogma de H. P. Grice e P. F. Strawson, publicado em 1956. Neste artigo os autores defendem que a distinção analítico/sintético tem um uso filosófico estabelecido, sendo que isso é um motivo suficiente para considerar absurdo negar que tal distinção deva ser feita. Os autores defendem a opinião de que alegar falta de precisão não justifica a rejeição de um conceito como “analítico”. Entretanto, é essa a sugestão de Quine. Se até o momento ninguém conseguiu apresentar um conceito claro ou mesmo um critério objetivo que nos ajude a elucidar o problema da analiticidade, então toda a tradição filosófica que defendeu tal distinção estava equivocada. Esse é outro ponto que os autores chamam a atenção: é correto colocar em xeque toda uma tradição de filósofos que se utilizaram da distinção analítico/sintético (embora haja diferença quanto à terminologia empregada), figurando nesta lista nomes como Kant e Hume? Obviamente a resposta é 36 MATES, 1951, p. 526. 45 negativa. Todos esses filósofos parecem não ter duvida sobre os casos em que podem aplicar tal distinção. Eles aplicam o termo “analítico”, por exemplo, aos mesmos casos: (...) se um para de expressões contrastantes são habitualmente e geralmente usados na aplicação dos mesmos casos, onde estes casos não formam uma lista fechada, isto é uma condição suficiente para dizer que há tipos de casos ao quais as expressões se aplicam; e nada mais é necessário para distinguir uma distinção. 37 Assim, o argumento de Grice e Strawson tem como base a constatação histórica de que o termo “analítico” serviu a toda uma tradição filosófica e foi utilizado eficientemente nas analises dos grandes filósofos. Inicialmente, o que está sendo defendido é que uma vez que sabemos usar termos como “analítico”, não justifica sua rejeição o fato de não sermos capazes de apresentar uma definição clara de tal conceito. Como veremos adiante, Searle leva as últimas consequências esse argumento. Toda a argumentação de Quine, segundo Strawson e Grice, sustenta-se na exigência de clarificação de certos conceitos filosóficos. Essa clarificação, entretanto, deve seguir certas condições; sendo que a principal condição é a de, ao se tentar definir conceitos, não se utilizar, do conjunto daquelas que pertencem à mesma família do conceito a ser definido, expressões ainda não clarificadas. Os autores aceitam, até certo ponto, este requerimento de precisão, por reconhecerem a peculiaridade de termos como “analítico”, que são termos técnicos, isto é, termos da linguagem ordinária usados em sentido restrito. Mas insistem no fato de que Quine faz exigências exageradas quanto à forma das definições dos termos técnicos. “O fato, se for um fato, que as expressões não podem ser explicadas na forma precisa em que Quine parece requerer, não significa que elas não possam ser de nenhuma forma explicadas”. É interessante observar como os autores utilizam-se do argumento que defendem que a possibilidade de uso de uma expressão, em certas circunstâncias apropriadas, delega sentido à expressão. Segundo os autores, não 37 GRICE; STRAWSON, 1954, p. 143. 46 parece haver necessidade de definirmos primeiramente uma expressão para, somente após, a utilizarmos em certos contextos linguísticos. Podemos aprender a usar uma expressão sem conseguir defini-la, sem com isso a expressão seja sem sentido. Podemos simplesmente negar que exista tal distinção apenas porque ela não nos parece clara? Não dependemos da noção de analiticidade, ou da de relação de expressões a priori, para poder explicar a estrutura de uma linguagem? 47 CAPÍTULO III A “GUINADA CIENTÍFICA” NA FILOSOFIA ANALÍTICA E O PRAGMATISMO Resumo O presente capítulo se destina a apresentar como Quine promoveu a “guinada científica” na Filosofia Analítica a partir de Two Dogmas of Empiricism. O percurso trilhado vai da crítica ao dogma do reducionismo e chega até a alternativa apresentada por Quine: o holismo. Veremos que essa proposta tem sua inspiração na ideia de Duhem. Há também algumas considerações sobre o pragmatismo, para por fim podermos concluir o trabalho proposto. 48 3.1. Introdução Os capítulos anteriores serviram como uma preparação para o presente capítulo. Até agora discutimos a crítica de Quine à noção de analiticidade em Two Dogmas of Empiricism. Agora nos voltaremos para a alternativa proposta por Quine à distinção analítico/sintético e ao reducionismo, ou seja, o holismo. O passo seguinte neste capítulo será nos voltarmos para a sugestão do Robert Hanna de que Quine proporcionou uma “guinada científica” na Filosofia Analítica. Essa revolução na Filosofia Analítica, queremos defender, começa com o texto Two Dogmas of Empiricism.. De modo resumido, nosso percurso até o momento foi o seguinte. Nossa discussão tem como centro as críticas de Quine à noção de analiticidade apresentadas em seu artigo Dois Dogmas do Empirismo, publicado em 1951 na revista Philosophical Review. No primeiro capítulo nos focamos na relação analiticidade e significado, constatando que os argumentos de Quine, no que diz respeito ao primeiro ser fundamentado pelo segundo, dependem de uma leitura contextualizada de Two Dogmas. No segundo capítulo, nos voltamos para a questão da sinonímia como fundamento da analiticidade. De acordo com Quine há duas classes de enunciados analíticos: os logicamente verdadeiros e os que podem ser transformados em verdades lógicas por meio da substituição de sinônimos por sinônimos. 1.2. Analiticidade e Reducionismo Como foi anunciado no primeiro capítulo do presente trabalho, uma das quatro concepções de analiticidade criticadas por Quine em Two Dogmas of 49 Empiricism se relaciona com o que ele chamou de segundo dogma do empirismo, ou seja, o reducionismo. O Positivismo Lógico almejava fazer uma filosofia científica e para alcançar tal fim este grupo apresentou teses segundo a qual visavam mostrar porque a filosofia tinha falhado em ser científica. Uma destas teses foi a teoria do significado, que é composta de dois princípios: (1) O princípio de verificação: O significado de uma sentença é seu método de verificação ou confirmação; (2) Os enunciados da lógica e da matemática, juntamente com enunciados que explicam as relações de significados, são analíticos no sentido de que elas são verdadeiros unicamente em virtude de significados e não fornecem nenhuma informação sobre o mundo. O princípio de verificação tinha o objetivo explícito de mostrar porque a Filosofia, em particular, a metafísica, foi mal sucedida. No primeiro capítulo nos deparamos com a noção de analiticidade que se valia da duvidosa noção de significado, no entender de Quine; no segundo capítulo fomos confrontados com a questão da sinonímia como fundamento da analiticidade e com a tentativa de definir a analiticidade em uma linguagem artificial por meio de regras semânticas. Nas palavras de Quine: O dogma do reducionismo, mesmo em sua forma mais atenuada, está intimamente ligada a outro dogma: o de que há uma separação entre analítico e o sintético. Com efeito, fomos levados deste problema ao primeiro por meio da teoria verificacionista do significado. De modo mais direto, um dogma claramente apoia o outro da seguinte forma: enquanto se considerar que em geral há sentido em falar de confirmação e invalidação de um enunciado, parece ter sentido falar também de um tipo-limite de enunciado que 50 é confirmado vacuamente ipso facto, aconteça o que acontecer, e tal enunciado é analítico. 38 Para Quine a teoria verificacionista do significado é um método da qual se valiam os Positivistas Lógicos para confirmar ou invalidar um enunciado. Dentro da perspectiva desta teoria, os enunciados analíticos se apresentam como aqueles que podem ser confirmados em todos os casos. Refinando o conceito, tendo em mente a noção de sinonímia requerida anteriormente para a analiticidade, teremos o seguinte conceito: um enunciado analítico pode ser considerado sinônimo de outro enunciado analítico se, e somente se, são semelhantes no que se refere ao método de confirmação ou invalidação empírica. 39 O dogma do reducionismo surge, então, do equívoco de se supor que todo enunciado significativo pode ser traduzido em outro enunciado sobre a experiência imediata. Esse reducionismo foi esposado por Carnap em seu Der Logische Aufbau der Welt, mas suas raízes remontam ao empirismo de Locke e Hume. Entretanto, Carnap não chegou nem perto de efetivar a redução dos dados empíricos em construções lógicas. Segundo Quine, o dogma do reducionismo persiste na medida em que ainda se cultiva a ideia de se que pode confirmar ou invalidar um enunciado isoladamente. Os enunciados analíticos, portanto, seriam aqueles aos quais estão associados um “domínio único de eventos sensoriais possíveis tais que a ocorrência de qualquer um deles aumentam a probabilidade da verdade do enunciado”. 40 38 QUINE, 2011, p. 65. QUINE, 2011, p. 60. 40 QUINE, 2011, p. 64. 39 51 A contraproposta de Quine a esse reducionismo é o holismo: a ideia de que os enunciados não podem ser confirmados ou invalidados um a um, de modo isolado; estes enunciados enfrentam o “tribunal da experiência” como um “corpo organizado”. 1.3. A Tese Duhem-Quine A proposta holística de Quine é a de que a ciência (ou nossas teorias) se assemelha a um campo de força que está em contato com a experiência apenas em suas extremidades. Se há qualquer desacordo nessas extremidades podemos fazer ajustes de modo a tentar resolver o conflito. Se reavaliarmos um enunciado, os outros também devem ser revisados, pois todos os enunciados estão ligados logicamente, não havendo espaço para enunciados privilegiados que podem ser usados para refutar a teoria. Essa tese centro-periferia de Quine pode ser melhor explicitada como se segue. Diferentemente do que acreditavam os defensores da distinção analítico/sintético, que do ponto de vista metodológico tem como uma característica importante a bifurcação de nossos padrões de conhecimento, a saber, os padrões de aceitação, justificação e revisão de enunciados analíticos diferem dos padrões para a aceitação, justificação e revisão de enunciados sintéticos; Quine rejeitou esta bifurcação em nossos padrões de conhecimento, alegando que nosso conhecimento está sujeito a ambos, pois estão sujeitos ao princípio de revisibilidade universal. De acordo com tal princípio, não há enunciados que não possam ser revisados, mesmo as leis lógicas estão a mercê desse princípio. Desse modo, somos confrontados com outra característica da tese centro-periferia (o holismo) de Quine: seu caráter falibilista. Essa tese ficou conhecida como tese Duhem-Quine, pois ela já havia sido proposta em 1906 por Pierre Duhem no livro La Théorie Physique: Son Objet, As 52 Structure. Voltemos-nos para Duhem no intuito de apresentar, mesmo que resumidamente, a proposta do cientista francês. 1.3.1. Pierre Duhem No capítulo VI do livro The Aim and Structure of Physical Theory, o francês Pierre Duhem apresenta sua proposta “Um experimento isolado na física nunca pode condenar uma hipótese isolada, mas somente todo um conjunto teórico” 41 . O objetivo de Duhem é mostrar que não faz sentido tentar refutar uma hipótese isoladamente. Nas palavras do próprio Duhem: (...) o físico nunca pode submeter uma hipótese isolada ao teste experimental, mas apenas todo um conjunto de hipóteses; quando o experimento está em desacordo com suas previsões, o que ele aprende é que ao menos uma das hipóteses que constituem este grupo é inaceitável e deve ser modificada; mas o experimento não designa qual hipótese que deve ser mudada. 42 O argumento de Duhem para justificar tal hipótese se vale de alguns exemplos que mostram sua veracidade. Para ele, um físico, ao realizar um experimento implicitamente reconhece a precisão de um conjunto teórico como um todo. Nesse sentido, Duhem caracteriza dois tipos de experimentos: (1) Experimento de aplicação, o conjunto de teorias que permitem solucionar um determinado problema; embora de fundamental importância para a ciência, o experimento de aplicação deve ser acompanhado do experimento de teste; 41 42 DUHEM, 1977, p. 183. DUHEM, 1977, p. 187. 53 (2) Experimento de teste, de uma proposição que é posta em dúvida, deriva-se a previsão de um fato experimental, mesmo que se disponha as condições necessárias para que tal previsão se concretize e tal previsão não ocorra, a proposição que serviu de fundamento deve ser condenada; Valendo-se de dois exemplos Duhem demonstra que uma proposição nunca está desvinculada de um conjunto teórico. Se as previsões falham, não é só a proposição avaliada que falha, mas todo o fundamento teórico da qual se valia o físico. Duhem conclui, então, que a teoria física é como um organismo, assim como o médico não pode dessecar o paciente para determinar a origem de um determinado problema, seja uma dor de cabeça ou uma hemorragia, o físico também não tem esse privilégio, como vimos acima o experimento não indica qual hipótese deve ser modificada. 1.4. Rumo ao Pragmatismo? Na introdução de Two Dogmas of Empiricism Quine nos diz que uma das consequências de se abandonar os dois dogmas cultivados pelo empirismo é “uma mudança de direção rumo ao pragmatismo” 43 No entanto, como veremos essa “mudança de direção” é controversa. Quine não era um pragmatista, o próprio Quine chamava a atenção para o fato de que classificá-lo como pragmatista era interpretar de modo equivocado os últimos parágrafos de Two Dogmas of Empiricism.44 43 44 QUINE, 2011, p. 37. DE WALL, 2007, p. 203. 54 Para entendermos melhor essa questão nos voltemos para as raízes do pragmatismo americano. Veremos que pragmatismo e pragmático, de um ponto de vista filosófico, não são sinônimos. O pragmatismo é caracterizado de dois modos distintos: (1) Há estudiosos que definem o pragmatismo como uma teoria do conhecimento; 45 (2) Outros defendem que o pragmatismo é um método com o qual se faz filosofia, e não uma teoria filosófica. 46 Essa divergência não é privilégio somente dos estudiosos do pragmatismo, o seu fundador Charles S. Peirce já havia constatado esse problema, no que se refere às inúmeras ramificações que se proliferaram no seio do pragmatismo, a ponto de declarar que o pragmatismo era “uma casa em guerra contra si mesma” 47 Vamos analisar mais a fundo estas duas interpretações do pragmatismo. Tal análise tem um objetivo definido. Como veremos adiante o naturalismo em epistemologia não é de modo algum privilégio de Quine. A proposta de uma epistemologia naturalizada de Quine remonta de seu artigo homônimo de 1970 e, para se ter uma noção do quão avançados estavam os pioneiros do pragmatismo, nesta perspectiva, basta lembrar que John Dewey faleceu em 1959, apenas oito anos após Quine ter apresentado Two Dogmas of Empiricism. Do ponto de vista da interpretação (1) o pragmatismo é uma teoria do conhecimento que visa dar uma resposta adequada para a questão “como se dá o conhecimento?”. A hipótese pragmatista é que o homem dispõe de apenas uma metodologia complexa de conhecimento, que apresenta vários níveis de habilidade. 45 SHOOK, 2002, p. 11. DE WALL, 2007, p. 22. 47 DE WALL, 2007, p. 15. 48 SHOOK, 2002, p. 11-12. 46 48 Há, 55 entretanto, uma forma básica de investigação inteligente que garante a continuidade desses níveis. Por mais que divergissem em vários pontos, Peirce, James e Dewey concordavam que apesar da experiência ser o fundamento do conhecimento, a mente transforma a experiência em objeto de conhecimento, sendo que este processo visa atenuar a dúvida (a etapa preparativa de uma ação com vista a um fim específico). É por meio da atividade experimental que a mente transforma a experiência em objeto do conhecimento, pois ela visa a uma crença prática. Por fim, o processo experimental de criar crenças sólidas pode ser logicamente avaliado com base em sua função de nos possibilitar prever confiavelmente e controlar nosso ambiente. Peirce, por exemplo, discutiu a questão da fixação de crenças. Para ele esse processo poderia ser alcançado recorrendo a quatro métodos distintos: (1) Método da tenacidade; (2) Método da autoridade; (3) Método a priori; (4) Método científico. Desse modo: O quarto e último método que Peirce distinguiu é o método científico. Esse método difere dos três primeiros em que a fixação da crença não é mais um esforço puramente humano, no sentido de que quais ideias são fixadas é determinado em última instância pelo que desejamos acreditar. Nesse método, nossas crenças são 56 determinadas “por algo sobre o que nosso pensamento não tem efeito algum”. 49 Assim o pragmatismo promoveu duas contribuições significativas ao empirismo: (1) O ponto de vista naturalista: surge da tentativa de naturalizar nossa compreensão de como o sujeito conhece e o que é o conhecimento; (2) Ponto de vista historicista: os pragmatistas defenderam que, diferentemente do que acreditavam os empiristas e racionalistas clássicos, o modo em que a mente conhece é dinâmico, está em evolução; Outro ponto interessante, que deve ser ressaltado é que a filosofia de Peirce e Dewey era antidualista, ou seja, eles se voltavam contra todos os dualismos da filosofia. Assim, o empirismo defendido pelos pragmatistas não era dualista, pois eles não acreditavam que a experiência humana ocorresse fora do mundo natural. 50 A segunda interpretação do pragmatismo referida acima é a que o concebe como um método para se fazer filosofia. Nessa interpretação do pragmatismo tem uma ênfase no método em vez do conteúdo da investigação, mas isso não significa que os pragmatistas defendiam um dualismo método/conteúdo, pelo contrário esses dois elementos não podem ser desvinculados. O pragmatismo, em sua origem, se assemelhava ao empreendimento proposto pela tradição analítica, ou seja, clarificar termos obscuros. O objetivo era 49 50 DE WALL, 2007, p. 35. SHOOK, 2002, p. 33. 57 mostrar que um grande número de termos filosóficos não tinha significado e por isso muitos problemas filosóficos surgiam da falta de clareza desses termos. 51 1.5. A “Guinada Científica” na Filosofia Analítica A guinada científica é fruto da tese de Quine segundo o qual não há uma demarcação clara entre enunciados analíticos e sintéticos, portanto não há enunciados privilegiados que serão verdadeiros aconteça o que acontecer, até mesmo a lógica é passível de revisão. A noção de Filosofia esposada por Quine advém do Positivismo Lógico. Os Positivistas haviam reduzido a Filosofia à Filosofia da Ciência. Questões metafísicas e morais eram rejeitadas como sendo sem sentido. O próprio Carnap tentou mostrar o absurdo da metafísica em seu texto A superação da metafísica através da análise lógica da linguagem. Do ponto de vista do Positivismo Lógico só havia espaço para discutir questões referentes ao âmbito da Filosofia da Ciência. Do mesmo modo, Quine ainda mantém essa imagem da Filosofia, por isso ele fala em uma continuidade entre Filosofia e Ciência, na melhor das hipóteses, na pior das hipóteses não existe uma fronteira entre elas. Em Espécies Naturais, por exemplo, Quine nos que: (...) encaro a filosofia não como um embasamento ou como um a priori propedêutico para ciência, mas como algo em continuidade com esta última. Para mim, a filosofia e a ciência estão no mesmo barco – um barco que, para retomar a imagem de Neurath, como faço tão frequentemente, só podemos reconstruir no mar, enquanto nele estamos navegando. Não há mirante externo, não há filosofia primeira. 52 Em Two Dogmas of Empiricism esta continuidade não é explícita, mas ainda assim se faz presente de modo implícito. Quando Quine, na introdução, nos 51 52 DE WALL, 2007, p. 22. QUINE, 1975, p. 198. 58 antecipa uma das consequências do abandono dos dois dogmas é a destruição da fronteira entre uma filosofia primeira e as ciências naturais. Em Two Dogmas of Empiricism Quine defende uma Filosofia da Ciência que contém tendências fenomenalistas e instrumentalistas, que serão abandonadas em Word and Object, dando lugar a uma Filosofia da Ciência realística. A ciência, nesta perspectiva, seria uma ferramenta útil para lidar com experiências futuras, tendo como parâmetro experiências passadas. O que está em jogo é um novo modo de conceber a estrutura das teorias. Anteriormente havia a crença de que se poderia fazer uso de enunciados que seriam verdadeiros em todos os casos possíveis e que tais enunciados poderiam servir de fundamento. Quine chama nossa atenção para o fato de que até mesmo a lógica pode ser revisada quando há qualquer desacordo com a experiência. Não há mais necessidade de descartarmos uma teoria só com base em enunciados isolados, temos a possibilidade de fazer reajustes tais que os desacordos podem ser superados. A metáfora de Neurath é a imagem perfeita desta guinada promovida por Quine: estamos em um barco em alto mar, mas não podemos voltar para um cais onde possamos reconstruir e aperfeiçoar nosso navio. Todo e qualquer aperfeiçoamento deve ser feito em alto mar. 59 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nossa discussão teve como centro as críticas de Quine à noção de analiticidade apresentadas em seu artigo Dois Dogmas do Empirismo, publicado em 1951 na revista Philosophical Review. Embora Quine faça referência à Kant em seu texto, chegando até a reformular o conceito de analiticidade kantiano da seguinte forma: um enunciado é analítico quando em virtude de significado e independente de fatos, suas críticas se dirigem à noção de analiticidade que a Filosofia Analítica herdou de Frege. De acordo com Quine há duas classes de enunciados analíticos: os logicamente verdadeiros e os que podem ser transformados em verdades lógicas por meio da substituição de sinônimos por sinônimos. A crítica de Quine se dirige justamente a esse segundo tipo de enunciados analíticos, que necessitam da noção de sinonímia para se tornarem logicamente verdadeiros. E é justamente este segundo tipo de enunciado analítico que caracteriza a noção de analiticidade fregeana. Para Frege uma frase é uma verdade analítica se, e somente se for uma verdade lógica ou transformável em verdade lógica pela substituição de sinônimos por sinônimos. Frege argumenta, ainda, que a analiticidade de uma proposição depende totalmente de sua demonstrabilidade lógica – mais precisamente, que essa prova é o princípio objetivo último da justificação epistêmica para a crença na proposição e que toda derivação lógica começa com premissas verdadeiras primitivas ou indemonstráveis que são leis lógicas gerais. A definição fregeana de verdade analítica mostra seu valor somente quando relacionada a outros conceitos fregeanos como sentido e significado e conceito e objeto. 60 As verdades analíticas seriam, então, proposições que revelam as relações que podem ser estabelecidas entre os sentidos ou ainda entre os conceitos, com autonomia de fatos particulares, fundam-se apenas através do pensamento. Assim, percebemos que a estrutura que constitui uma verdade analítica é uma estrutura de sentido ou pensamento. Para Frege, uma proposição é analiticamente verdadeira somente em virtude da estrutura de sentido nela estabelecida, tendo autonomia dos indivíduos particulares ou fatos, enfim, independentemente da referência das expressões utilizadas. Quine, por sua vez, passa a examinar, então, se é possível obter o tipo de sinonímia ideal para a segunda classe de enunciados analíticos tendo como fundamento alguma forma de definição. No entanto, segundo Quine, a palavra “definição”, devido a seu uso freqüente em escritos lógicos e matemáticos acabou assumindo um “tom perigosamente tranqüilizante”. Mas, de qualquer modo, tanto no trabalho formal quanto no informal a definição está na dependência de relações de sinonímia anteriores. Assim sendo, a definição não pode nos ajudar na questão da sinonímia e da analiticidade, segundo Quine. Tendo examinado a relação da sinonímia e a definição e descoberto que esta não possui a chave daquela, Quine passa a examinar se a permutabilidade pode nos dar acesso ao tipo de sinonímia necessária para transformar enunciados analíticos da segunda classe em verdades lógicas. Mas a permutabilidade que Quine leva em consideração é a permutabilidade salva veritate, ou seja, aquela que conserva o valor de verdade. Assim, de acordo com Quine, permanece a questão de saber se a permutabilidade salva veritate (excetuando as ocorrências no interior das palavras) é condição suficientemente rigorosa de sinonímia, ou se, ao contrário, algumas expressões heterônimas podem ser, deste modo, permutáveis. Porém, esclarecemos que não se trata aqui de sinonímia no sentido da completa identidade nas associações psicológicas ou da qualidade poética; não 61 existem verdadeiramente duas expressões sinônimas neste sentido. Apenas interessa o que pode ser chamado sinonímia cognitiva. Sinonímia cognitiva é aquela que vale para o conhecimento. Assim, o que Quine pretende é tentar derivar a analiticidade da sinonímia cognitiva. Entretanto, tal forma de permutabilidade não tem qualquer significado até que seja relativizada a uma linguagem cuja amplitude esteja especificada em aspectos relevantes. E mesmo aplicada a uma linguagem do tipo extencional a permutabilidade salva veritate não é possibilidade de uma sinonímia do tipo que Quine deseja, já que não se pode, também, derivar a analiticidade. Assim, Quine conclui que o esforço para explicar primeiramente a sinonímia cognitiva, para poder dela posteriormente derivar a analiticidade é uma forma inadequada de abordar o problema. O que deve ser feito é tentar de alguma forma explicar a analiticidade sem apelar à sinonímia cognitiva. Deixando de lado a questão da sinonímia, Quine passa a examinar a possibilidade da analiticidade com base em regras semânticas. Quine nos diz que o problema em distinguir um enunciado analítico de um enunciado sintético na linguagem comum se deve a vagueza desta linguagem, sendo que tal distinção seria mais clara se possuíssemos uma linguagem artificial precisa com regras semânticas explicitas. Entretanto, do ponto de vista da analiticidade um linguagem artificial com regras semânticas, da forma que a permutabilidade salva veritate, não nos ajuda a obter uma compreensão da analiticidade, visto que, para que tal linguagem tenha algum interesse, temos que já possuir uma compreensão de analiticidade. Assim, uma vez que não se pode dar uma explicação não circular de sinonímia, ou seja, não se pode demarcar a fronteira que separa um enunciado analítico de um enunciado sintético, então, conclui Quine, tal distinção é apenas um dogma dos empiristas sem qualquer base empírica, um mero artigo de fé. 62 A crítica de Quine se dirige justamente a esse segundo tipo de enunciados analíticos, que necessitam da noção de sinonímia para se tornarem logicamente verdadeiros. E é justamente este segundo tipo de enunciado analítico que caracteriza a noção de analiticidade fregeana. Para Frege uma frase é uma verdade analítica se, e somente se for uma verdade lógica ou transformável em verdade lógica pela substituição de sinônimos por sinônimos. Frege argumenta, ainda, que a analiticidade de uma proposição depende totalmente de sua demonstrabilidade lógica – mais precisamente, que essa prova é o princípio objetivo último da justificação epistêmica para a crença na proposição e que toda derivação lógica começa com premissas verdadeiras primitivas ou indemonstráveis que são leis lógicas gerais². A definição fregeana de verdade analítica mostra seu valor somente quando relacionada a outros conceitos fregeanos como sentido e significado e conceito e objeto. As verdades analíticas seriam, então, proposições que revelam as relações que podem ser estabelecidas entre os sentidos ou ainda entre os conceitos, com autonomia de fatos particulares, fundam-se apenas através do pensamento. Assim, percebemos que a estrutura que constitui uma verdade analítica é uma estrutura de sentido ou pensamento. Para Frege, uma proposição é analiticamente verdadeira somente em virtude da estrutura de sentido nela estabelecida, tendo autonomia dos indivíduos particulares ou fatos, enfim, independentemente da referência das expressões utilizadas. A noção fregeana da analiticidade é que uma proposição é analítica se e somente se é rigorosamente dedutível de uma ou de ambas as classes especiais de verdades primitivas ou indemonstráveis leis lógicas gerais e definições lógicas. Quine, por sua vez, passa a examinar, então, se é possível obter o tipo de sinonímia ideal para a segunda classe de enunciados analíticos tendo como fundamento alguma forma de definição. 63 No entanto, segundo Quine, a palavra “definição”, devido a seu uso frequente em escritos lógicos e matemáticos acabou assumindo um “tom perigosamente tranquilizante”. Mas, de qualquer modo, tanto no trabalho formal quanto no informal a definição está na dependência de relações de sinonímia anteriores. Assim sendo, a definição não pode nos ajudar na questão da sinonímia e da analiticidade, segundo Quine. Tendo examinado a relação da sinonímia e a definição e descoberto que esta não possui a chave daquela, Quine passa a examinar se a permutabilidade pode nos dar acesso ao tipo de sinonímia necessária para transformar enunciados analíticos da segunda classe em verdades lógicas. Mas a permutabilidade que Quine leva em consideração é a permutabilidade salva veritate, ou seja, aquela que conserva o valor de verdade. Assim, de acordo com Quine, permanece a questão de saber se a permutabilidade salva veritate (excetuando as ocorrências no interior das palavras) é condição suficientemente rigorosa de sinonímia, ou se, ao contrário, algumas expressões heterônimas podem ser, deste modo, permutáveis. Porém, esclarecemos que não se trata aqui de sinonímia no sentido da completa identidade nas associações psicológicas ou da qualidade poética; não existem verdadeiramente duas expressões sinônimas neste sentido. Apenas interessa o que pode ser chamado sinonímia cognitiva. Sinonímia cognitiva é aquela que vale para o conhecimento. Assim, o que Quine pretende é tentar derivar a analiticidade da sinonímia cognitiva. Entretanto, tal forma de permutabilidade não tem qualquer significado até que seja relativizada a uma linguagem cuja amplitude esteja especificada em aspectos relevantes. E mesmo aplicada a uma linguagem do tipo extencional a permutabilidade salva veritate não é possibilidade de uma sinonímia do tipo que Quine deseja, já que não se pode, também, derivar a analiticidade. 64 Assim, Quine conclui que o esforço para explicar primeiramente a sinonímia cognitiva, para poder dela posteriormente derivar a analiticidade é uma forma inadequada de abordar o problema. O que deve ser feito é tentar de alguma forma explicar a analiticidade sem apelar à sinonímia cognitiva. Deixando de lado a questão da sinonímia, Quine passa a examinar a possibilidade da analiticidade com base em regras semânticas. Quine nos diz que o problema em distinguir um enunciado analítico de um enunciado sintético na linguagem comum se deve a vagueza desta linguagem, sendo que tal distinção seria mais clara se possuíssemos uma linguagem artificial precisa com regras semânticas explícitas. Entretanto, do ponto de vista da analiticidade um linguagem artificial com regras semânticas, da forma que a permutabilidade salva veritate, não nos ajuda a obter uma compreensão da analiticidade, visto que, para que tal linguagem tenha algum interesse, temos que já possuir uma compreensão de analiticidade. Portanto, se nem a noção de analiticidade nem a de sinonímia podem ser definidas claramente e, além disso, fazem referência ao uso ordinário que não é explicado pela noção de significado que parecem requerer. Assim, pode-se concluir que não havendo um enunciado que é verdadeiro por si mesmo, então a analiticidade não pode ser estabelecida. Assim, o ponto de partida de Quine é a rejeição da noção de analiticidade. Desse modo, nos vemos diante de um novo modelo de teoria, ou seja, um modelo holista, onde não há espaço para enunciados que tem status privilegiado. O mérito de Quine, assim, foi conduzir a Filosofia Analítica para um novo estágio. Em um primeiro momento a lógica tinha um lugar de destaque nessa tradição, por exemplo, vemos Wittgenstein tentar resolver os problemas da filosofia por meio da análise lógica da linguagem. Entretanto, o caminho para o progresso da tradição analítica estava além da lógica. Não há espaço para uma filosofia a priori, por isso Quine propõe seu holismo, onde não há espaço para este tipo de filosofar. 65 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS AYER, A. J. Linguagem, Verdade e Lógica. Trad. Anabela Mirante. Lisboa: Editoral Presença, 1991. BOGHOSSIAN, P. Analyticity, In: HALE, B; WRIGHT, C. Blackwell Companion to the Philosophy of Language. Oxford: Blackwell, 1997. BONJOUR, L. In Defense of Pure Reason. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. BRAIDA, C. A estrutura lingüística e o fundamento das verdades analíticas. Princípios. Natal, V. 16, N° 25. 2009. BRANQUINHO, João. Enciclopédia de termos lógico-filosóficos. São Paulo: Martins Fontes, 2006. BURGE, T., ‘Philosophy of Language and Mind: 1950–1990’, Philosophical Review, 101 (1992), 3–51. CARNAP, R. The Logical Structure of the World and Pseudoproblems in Philosophy. 2ª ed. Translated by Rolf A. George. Berkeley: University of California Press, 1967. ________. 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