Universitas 19 - Serviço Social

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A ECONOMIA DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA:
NOTAS DIDÁTICAS DA DISCIPLINA FORMAÇÃO
SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL III
COELHO, Rodrigo Pereyra de Sousa
Faculdade Santa Lúcia
[email protected]
RESUMO
O artigo procura discutir as etapas de política econômica
adotadas durante o período 1964-1985, quando o Brasil esteve sob uma Ditadura Militar. A discussão parte das ações
governamentais, avalia seu impacto, inclusive quais os principais ganhadores e perdedores decorrentes da adoção de
tais políticas. A partir de 1973, com a mudança no contexto
econômico internacional, o Governo tenta um novo plano
de desenvolvimento, mas é incapaz de conduzir a economia
conforme planejado.
PALAVRAS-CHAVE: Política econômica; Ditadura Militar
brasileira; Formação Sócio-Histórica do Brasil.
INTRODUÇÃO
O curso de Serviço Social conta com quatro semestres de discussão
sobre a Formação Sócio-Histórica do Brasil. Nesta matéria discutimos como
aspectos históricos moldam a nossa sociedade de hoje. A ideia de Formação
(em oposição à Forma) indica um processo em desenvolvimento, fugindo de
uma concepção estática dos aspectos históricos voltada para fatos, nomes,
datas. Assim, pretendemos nesta disciplina identificar as relações sociais
que já foram superadas como predominantes no nosso país, mas ainda
subsistem localizadamente; e pretendemos discutir a base econômica, as
relações sociais e políticas e a vida cultural que estão na origem dos nossos
atuais dilemas e desafios (GRUPPI, 1978).
Recebido em 11-05-2016 • Aceito em 24-10-2016
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Na sua terceira etapa, a disciplina discute a Ditadura Militar que
perdurou entre 1964 e 1985 e o período de redemocratização subsequente.
O esperado seria discutir como resquícios do período autoritário influenciam
nosso cotidiano atual. Porém, em diversas manifestações políticas ocorridas
em 2015 e 2016, o pedido de retorno à Ditadura foi explicitado por uma
parcela dos manifestantes. Neste sentido, a matéria ganha em atualidade, pois
somente o desconhecimento sobre o período permite um pedido tão absurdo.
Este artigo busca discutir um aspecto crucial do modelo de sociedade desenvolvido entre 1964 e 1985: a economia. Para isto, ele começa
recuperando a ordem econômica do pós-Guerra no mundo e as motivações
para o Golpe de 1º de abril, com ênfase nas justificativas econômicas. Em
seguida ele discorre sobre os quatro momentos econômicos do período: o
início com o Plano de Ação Econômica do Governo, o “Milagre Econômico”, e o II Plano Nacional de Desenvolvimento e o período de esgotamento.
Neste último período, a Ditadura foi incapaz de manter um papel ativo na
gestão econômica, fato que deixou muitos desafios a serem vencidos após
a redemocratização.
Por fim, cabe destacar – como faz parte da concepção da disciplina
– que os aspectos econômicos não encerram a totalidade do período. Há
importantes análises discutidas na disciplina sobre cidadania, vida cultural,
relações políticas, entre outras. Porém, estes temas fogem ao escopo deste
artigo.
2. ANTECEDENTES DO GOLPE
Após a Segunda Guerra Mundial, o mundo capitalista desenvolvido
entra numa etapa prodigiosa. Primeiramente, a enorme instabilidade gerada
no período imediatamente anterior (Primeira Guerra Mundial [1914-1918],
Grande Depressão [1929-1932], ascensão do fascismo e do nazismo [1936]
e a própria Segunda Guerra [1939-1945]) chega ao fim, abrindo-se um período de prosperidade, redução da desigualdade e paz sem precedentes no
século. Crescia a economia, os lucros, a produtividade e – a partir das lutas
dos sindicatos europeus – os salários. Tudo isto num ambiente onde as inovações tecnológicas avançavam num ritmo lento, com grande estabilidade.
O último salto tecnológico relevante tinha ocorrido com a 2ª Revolução Industrial, na segunda metade do século XIX, quando o petróleo e eletricidade
substituíram o carvão como fonte de energia, com o desenvolvimento da
indústria química, com a criação do motor a explosão, entre outros avanços
(PRONI, 1997).
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A economia da Ditadura Militar brasileira: notas didáticas da disciplina formação sócio-histórica do Brasil III
De imediato, após a Guerra Mundial, havia a necessidade de se
bancar a reconstrução europeia – para isso, os EUA investiram no Plano
Marshall, com o maior envio jamais visto de recursos financeiros para outros
países. Estima-se que o plano Marshall mobilizou para a Europa e Japão, a
partir de 1947, aproximadamente US$ 13 bilhões, o que corresponderia a
US$ 130 bilhões em valores atualizados. Obviamente, estes recursos levaram
à criação de empregos, aumento da renda e aumento da concorrência entre
empresas europeias e norte-americanas pelos bons negócios. Um efeito
colateral deste acirramento da concorrência dentro do território europeu
foi a migração de capitais para a América do Sul, particularmente o Brasil,
como forma de ampliar seus lucros (PRONI, 1997).
Porém, nem tudo eram flores no capitalismo desenvolvido. O sucesso
econômico da União Soviética (URSS) projetava o espectro do comunismo
por todo o mundo. Passa a vigorar, então, a Guerra Fria. Esta guerra foi um
conflito não declarado e não explícito entre o bloco capitalista (liderado
pelos EUA e abarcando a Europa Ocidental e a América Latina) e o bloco
comunista (liderado pela URSS e tendo por base o Leste Europeu e grande
parte da Ásia). Com isso, no mundo capitalista, o medo comunista era crescente, impulsionado pela ameaça de uma guerra nuclear entre as potências
(TEIXEIRA, 1983).
Especificamente, no caso latino-americano, havia um alinhamento
quase integral aos EUA. Porém, em 1959, “[...] a Revolução Cubana inaugurou uma fase na história da esquerda latino-americana que durou até a derrota
eleitoral dos sandinistas, três décadas depois. A ideia de revolução ocupou
o centro do palco do teatro de esquerda” (CASTAÑEDA, 1995, p. 68).
O contexto brasileiro seguia a efervescência política observada no
plano mundial. Desde 1963, o presidente era João Goulart, que assumiu
após um plebiscito restaurar o presidencialismo e acabar com o breve parlamentarismo inventado como forma de acomodação para permitir a posse
do sucessor de Janio Quadros. O presidente tinha uma relação conflituosa
(e perdedora) com os donos do poder, como atesta Elio Gaspari:
Em fevereiro de 1954 um manifesto de coronéis tirara-o do
Ministério do Trabalho. Em 1961, quando Janio Quadros
renunciou, era o vice-presidente e viu-se vetado pelos
ministros militares. Só assumira, depois de uma crise em
que o país esteve perto da guerra civil, porque aceitara uma
fórmula pela qual se fabricou um humilhante regime parlamentarista cuja essência residia em permitir que ocupasse
a Presidência desde que não lhe fosse entregue o poder
(GASPARI, 2002, p. 46).
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Jango enfrentava grandes dificuldades no plano econômico. Para a
realidade dos anos 1950 e 1960, o Produto Interno Bruto (PIB), que mede
as riquezas do país, estava desacelerando numa velocidade muito grande.
Como podemos ver na Figura 1, o primeiro ano do governo Jango é o que
apresenta menor crescimento quando se pensa no período de 20 anos entre
1954 e 1973. O ano de 1964 seguia o mesmo caminho, apresentando uma
melhora devido a mudança nos rumos da política governamental (IPEADATA, 2016).
Figura 1 – Crescimento do PIB, em %, Brasil, 1954-1973.
Fonte:
(2016,
s.p.).s.p.).
Fonte:IPEADATA
IPEADATA
(2016,
Também a inflação estava elevada. Em 1963, o presidente Jango não deu conta de
Também a inflação estava elevada. Em 1963, o presidente Jango
não deu conta de reverter a tendência de crescimento da inflação, que
trajetória
1964anuais
(IPEADATA,
2016).
O gráficotrajetória
a seguir mostra
a escalada
dos preços desde
chegou em
a 80%
e seguia
a mesma
em 1964
(IPEADATA,
o2016).
final daOdécada
de 1950.
gráfico
a seguir mostra a escalada dos preços desde o final da
década de 1950.
Portanto, um crescimento de apenas 0,6% no PIB e uma inflação
Figura 2 – Índice Geral de Preços (IGP-DI)/ FGV, em %, Brasil, 1955-1973.
de quase 80% ao ano eram ingredientes econômicos que traziam grande
instabilidade
para o governo. Estas foram a justificativa econômica para
100,0
86,5
o golpe
militar.
Porém, evidentemente,
82,0 o maior conflito envolvido era
90,0
político.
Nos anos 1960, cresceu no Brasil a luta por Reformas de Base.
80,0
As 70,0
Reformas de Base eram um conjunto de propostas de modificações na
54,1pretendia aumentar a democratização
estrutura
institucional brasileira50,2que
60,0
50,0
da sociedade
e diminuir a37,7desigualdade social. Entre
as reformas propostas
36,1 37,0
40,0 a Reforma Agrária, 30,7
estavam
a
reforma
eleitoral,
a
reforma
urbana, a reforma34,1
26,1
26,1
25,1
24,3 24,5
30,0
educacional,
entre outras (BERCOVICI, 2014).
19,0 19,5 19,5
15,7 16,3
reverter a tendência de crescimento da inflação, que chegou a 80% anuais e seguia a mesma
12,2
20,0
1974
1973
1972
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1971
1970
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0,0
1969
5,4
10,0
[G2] Co
Também a inflação estava elevada. Em 1963, o presidente Jango não deu conta de
reverter
a tendência
deMilitar
crescimento
inflação,
chegou formação
a 80% anuais
e seguia
a mesma
A economia
da Ditadura
brasileira:da
notas
didáticasque
da disciplina
sócio-histórica
do Brasil
III
trajetória em 1964 (IPEADATA, 2016). O gráfico a seguir mostra a escalada dos preços desde
[G2]
o final da década de 1950.
Figura 2 – Índice Geral de Preços (IGP-DI)/ FGV, em %, Brasil, 1955Figura
1973.2 – Índice Geral de Preços (IGP-DI)/ FGV, em %, Brasil, 1955-1973.
100,0
90,0
82,0
86,5
80,0
70,0
60,0
50,2
50,0
37,7
40,0
30,0
54,1
26,1
25,1
36,1 37,0
34,1
30,7
26,1
24,3 24,5
19,0 19,5 19,5
12,2
20,0
15,7 16,3
5,4
10,0
Fonte:
IPEADATA
(2016,
s.p.).
Fonte:
IPEADATA
(2016,
1974
1973
1972
1971
1970
1969
1968
1967
1966
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1964
1963
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1961
1960
1959
1958
1957
1956
1955
1954
0,0
s.p.).
Portanto, um crescimento de apenas 0,6% no PIB e uma inflação de quase 80% ao ano
No seu último discurso público, no Comício da Central do Brasil,
em 13 de março de 1964, o presidente João Goulart falou destas rejustificativa
formas: econômica para o golpe militar. Porém, evidentemente, o maior conflito
eram ingredientes econômicos que traziam grande instabilidade para o governo. Estas foram a
envolvido era político. Nos anos 1960, cresceu o Brasil a luta por Reformas de Base. As
A reforma agrária não é capricho de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade
de todos os povos do mundo. Aqui no Brasil, constitui4
a legenda mais viva da reinvindicação do nosso povo,
sobretudo daqueles que lutaram no campo. A reforma
agrária é também uma imposição progressista do mercado interno, que necessita aumentar a sua produção para
sobreviver. [...]
Assim, a reforma agrária é indispensável não só para aumentar o nível de vida do homem do campo, mas também
para dar mais trabalho às industrias e melhor remuneração
ao trabalhador urbano. Interessa, por isso, também a todos
os industriais e aos comerciantes. A reforma agrária é
necessária, enfim, à nossa vida social e econômica, para
que o país possa progredir, em sua indústria e no bem-estar
do seu povo.
[...]
Na mensagem que enviei à consideração do Congresso
Nacional, estão igualmente consignadas duas outras reformas que o povo brasileiro reclama, porque é exigência do
nosso desenvolvimento e da nossa democracia. Refiro-me
à reforma eleitoral, à reforma ampla que permita a todos
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os brasileiros maiores de 18 anos ajudar a decidir dos seus
destinos, que permita a todos os brasileiros que lutam pelo
engrandecimento do país a influir nos destinos gloriosos
do Brasil. Nesta reforma, pugnamos pelo princípio democrático, princípio democrático fundamental, de que todo
alistável deve ser também elegível.
Também está consignada na mensagem ao Congresso a reforma universitária, reclamada pelos estudantes brasileiros.
Pelos universitários, classe que sempre tem estado corajosamente na vanguarda de todos os movimentos populares
nacionalistas.
[...] Dentro de poucas horas, outro decreto será dado ao
conhecimento da Nação. É o que vai regulamentar o preço
extorsivo dos apartamentos e residências desocupados,
preços que chegam a afrontar o povo e o Brasil, oferecidos
até mediante o pagamento em dólares. Apartamento no
Brasil só pode e só deve ser alugado em cruzeiros, que
é dinheiro do povo e a moeda deste país. (GOULART,
1964, s.p.).
E a briga não era apenas teórica. Algumas experiências radicalizavam na melhoria das condições de vida da população com a ampliação da
democracia. O caso de Pernambuco era emblemático. Sobre a experiência
desenvolvida pelo governador Miguel Arraes, o jornalista Antonio Callado escreveu um livro que mostra a criatividade e a força do trabalho do
povo ganhando forma a partir de uma gestão onde a polícia não tinha a
função primeira de reprimir os trabalhadores em sua insatisfação, onde a
educação de qualidade em larga escala foi tentada, onde o Estado passou
a olhar para todos os segmentos sociais (CALLADO, 1979). De maneira
pouco otimista, o autor finaliza sua reportagem apontando que o Governo
de Miguel Arraes:
[...] com sua administração, indagava em primeiro lugar
se a democracia era possível no Brasil, se ela conseguiria
absorver e utilizar mesmo as energias dos que gostariam
de implantar aqui um regime totalitário – e sobreviver
como democracia. Se isto fosse possível – se se pudesse
eliminar a gritante injustiça social em que vivemos e
manter o regime democrático – talvez víssemos o Brasil
entrar na fase histórica brasileiramente, sem derramamento de sangue.
À grande tentativa que fez Arraes, a bernarda de 1º de abril
de 1964 respondeu já se sabe como (CALLADO, 1979,
p. 179).
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3. A ECONOMIA DA DITADURA MILITAR
Em termos econômicos, existem três movimentos importantes
durante a Ditadura Militar: a) o Plano de Ação Econômica do Governo
(PAEG), onde foi aplicado um plano de estabilização e de mudanças institucionais profundas; b) o período do Milagre Econômico; e c) o II Plano
Nacional de Desenvolvimento (PND), implementado após a primeira crise
do petróleo, em 1973. Estes movimentos impuseram mudanças grandes no
sistema econômico brasileiro, mas fracassaram profundamente nos seus
objetivos mais explícitos (crescimento econômico e controle da inflação),
além de deixarem um legado de problemas que demoraram anos a serem
superados. Após 1976, a política econômica entre em uma fase de esgotamento que segue até 1985.
3.1. O Plano de Ação Econômica do Governo (1964-1967)
Segundo Mario Henrique Simonsen, importante economista que
serviu à ditadura, “tudo indica que a inflação galopante foi uma das razões
destacadas para a Revolução [sic!] de 31 de março” (SIMONSEN, 1970,
p. 9). Porém, uma vez no poder, uma multiplicidade de objetivos entrou na
agenda governamental, o que fez com que a queda da inflação não tivesse
o ritmo planejado.
Basicamente, o diagnóstico que levou ao PAEG era ortodoxo:
a inflação era causada por excesso de demanda – com muitas compras
por parte de famílias, empresas e governos e pouca produção, os preços
tendiam a crescer – afinal a procura é maior do que a oferta; por consequência, o excesso de inflação impedia o crescimento econômico, pois
não havia investimentos frente às incertezas. Nesta situação, a saída
proposta era enxugar o aumento de demanda – ou seja, que os salários
não aumentem (ou não aumentem tanto); que o governo corte gastos
(mesmo em saúde, educação, assistência social ou obra importante); que
o crédito não seja concedido às empresas (que assim não investirão).
Com isso, a demanda diminui e os preços tendem a cair (MARTONE,
1975).
A partir deste diagnóstico, o PAEG articula três frentes de ação
(MARTONE, 1975):
a) Corte / Diminuição do déficit público: o governo precisa diminuir seus
gastos, aumentar a arrecadação e, se for necessário, se financiar de forma
não inflacionária, ou seja, não emitir papel-moeda e optar por empréstimos
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junto ao setor privado. Assim, o Ato Institucional nº 1 (AI-1) impediu o
Congresso de opinar a respeito do orçamento, somente o Poder Executivo
poderia propor aumento de despesa – com isso há menos transparência,
mas maior possibilidade de ação por parte do Executivo1. Porém, esta
diminuição de gatos públicos não conseguiu se efetivar por motivos políticos: uma das primeiras medidas do novo governo foi conceder aumentos
reais a uma parcela do funcionalismo público (fator importante na medida
em que as empresas estatais eram um pilar importante no bloco de poder
pós Golpe).
b) Política salarial restritiva: Os salários não poderiam aumentar acima dos
ganhos de produtividade. Com isso, seria feito a média do salário real nos
últimos 24 meses que seria acrescido de uma previsão da inflação para os
próximos 12 meses. Como foi possível implantar uma medida que prejudicava tanto os assalariados? O AI-1 permitiu ao governo cassar qualquer
pessoa de seus direitos políticos. Isto atingiu em cheio os líderes sindicais,
o que abriu espaço para a adoção das medidas de arrocho salarial sem contestação. Em 1964, as negociações salariais do setor privado eram livres,
cabendo ao máximo um julgamento por parte da Justiça do Trabalho. Na
maioria dos casos, o reajuste foi superior ao proposto na legislação; no caso
do funcionalismo público, o aumento dado pelo governo para se legitimar
dificultou o alcance da meta de corte de gastos. Em 1965, a lei foi modificada como forma de impedir aumentos superiores à média, mesmo entre
trabalhadores do setor privado. Com o funcionalismo público, o aumento
de 1965 foi 0%. O resultado é que o aumento salarial foi, em média, de
10%, mas a inflação do período foi de 40%, o que implicou em elevada
perda do valor real dos salários.
c) Contenção do crédito: O crédito torna-se bastante restrito. Com isso,
não há aumento de demanda por parte das empresas que não conseguem
se autofinanciar – as pequenas e médias empresas. Em 1965, foi criada a
Instrução Normativa nº 289/1965 que permitiu empréstimos em moeda estrangeira entre empresas (logo, destinado a favorecer o autofinanciamento de
empresas multinacionais) cujo risco cambial era assumido pelo Governo (o
pagamento do empréstimo era realizado pelo mesmo câmbio da contratação,
com a diferença, caso fosse negativa, sendo coberta pelo governo). Muitas
Diz o artigo 5º do AI-1: Caberá, privativamente, ao Presidente da República a iniciativa dos projetos
de lei que criem ou aumentem a despesa pública; não serão admitidas, a esses projetos, em qualquer
das Casas do Congresso Nacional, emendas que aumentem a despesa proposta pelo Presidente da
República.
1
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pequenas e médias empresas foram à falência pela falta de crédito. Em 1965,
nas eleições para governadores, o governo leva uma grande derrota, o que
o faz rever a forma como lidar com os direitos políticos no Brasil, al[em de
rever sua política de arrocho no crédito. Com isso, o governo afrouxa os limites do crescimento dos empréstimos para empresas em 1966. Para atender
especificamente às demandas do setor agrário, o governo estabeleceu uma
política de preços mínimos, que foi apontada por Simonsen (1970) como
um dos fatores de expansão do crédito.
Ao mesmo tempo, o PAEG mudou a estrutura bancária brasileira
para tentar fazer com que o financiamento privado passasse a ter a relevância que, até então, cabia ao financiamento estatal. O mercado de ações iria
garantir a liquidez dos ativos das empresas (curto prazo); os investimentos
de longo prazo ficariam a cargo de bancos de investimentos, o crédito para
bens de consumo duráveis (como carros) caberia às financeiras; e os bancos comerciais financiariam o capital de giro das empresas. Ou seja, uma
variedade de tipos de instituições bancárias, cada uma com uma finalidade
específica. Esperava-se, assim, que o dilema do financiamento da produção
fosse resolvido via mercado (GUIMARÃES, 1990).
Com isso, os índices de inflação perderam sua tendência crescente,
mas ficaram muito acima do previsto no planejamento. Para Simonsen
(1970), alguns aspectos explicam este fracasso:
• Inflação corretiva por conta do fim a subsídios de tarifas públicas e preços
controlados (por exemplo, os aluguéis subiram mais de 110% em 1965 e
mais 84% em 1966);
• Desenvolvimento de um sofisticado mercado de capitais, com diversos
ramos de operações e títulos públicos. Com isso, as taxas de juros tiveram
dificuldade em cair;
• A criação da correção monetária, que passou a alimentar a inflação. Porém,
o autor justifica esta medida dizendo que ela era fundamental para dar
credibilidade ao mercado financeiro que se planejava estruturar;
• Uma mudança nas regras do comércio exterior que facilitou a entrada de
capitais e a correção do câmbio;
• O plano habitacional aqueceu o capital imobiliário e as empresas de construção civil, e o impacto na inflação foi grande.
Como a economia não é uma política governamental neutra, é sabido
que suas ações levam a ganhos e perdas. Grosso modo, da descrição das
medidas tomadas nos dois primeiros anos da Ditadura Militar, podemos
chegar ao Quadro 1:
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Quadro 1 – Atores que ganharam e que perderam com as medidas econômicas do PAEG.
Ganhou
Perdeu
Empresas estatais (com aumento salarial)
Congresso (sem possibilidade de discutir
orçamento)
Empresa multinacional (com a possibilidade
de empréstimo em moeda estrangeira com
seguro cambial garantido pelo governo)
Pequenas e médias empresas (pouco crédito)
Setor agrário (compra mínima)
Sindicalistas (com cassações do AI 1)
Alugueis (com fim do controle de preços)
Trabalhadores (com política salarial)
Mercado de capitais (criação da correção
monetária e com regulamentação da entrada
de capital estrangeiro)
Capital imobiliário e construção civil (com o
BNH)
Fonte: Baseado em Guimarães (1990) e Simonsen (1970)
Os resultados, como se pode ver nas Figuras 1 e 2, são uma reversão
da tendência de crescimento da inflação, apesar desta ainda continuar em
patamares elevados. Com relação ao crescimento econômico, os resultados
foram instáveis, ainda abaixo do esperado. Somente com o Milagre Econômico é que se recuperaria – e superaria – o ritmo de crescimento do período
JK (IPEADATA, 2016).
3.2 O período do Milagre Econômico (1968-1973)
Os períodos de baixo crescimento da economia eram sempre politicamente difíceis para a Ditadura Militar, pois ela precisava de apoio político
que não seria conseguido num ambiente de crise econômica. Com isso, já em
1967 houve o abandono do controle dos gastos públicos e o governo passou
a estimular fortemente a produção, o consumo e o crescimento econômico
(MARTONE, 1975).
Em 1967, o governo aumentou a alíquota de imposto de renda, o
que significou cerca de 5% a mais no bolso dos contribuintes. A agricultura
também ganhou isenções fiscais relevantes para ser mais dinâmica, pois
se avaliava que os preços de produtos agrícolas tinham puxado a inflação
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para cima e o aumento da produção resolveria esta fonte de pressão. Houve
também o alongamento do prazo para recolhimento do IPI, o que gerou mais
capital de giro para o setor industrial. A partir de 1968, houve um aumento
do crédito, especialmente o direto ao consumidor e à agricultura. O setor
exportador também ganhou crédito fácil, além de ser estimulado pela desburocratização dos entraves (ALVES; SAYAD, 1975).
Além de diminuir impostos (para estimular o gasto das famílias), o
governo passa a gastar diretamente, especialmente em:
• Habitação: com os recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS) que são direcionados para o Sistema Financeiro de Habitação, há
a ampliação de moradia para a classe média.
• Infraestrutura: Subsídios e incentivos fiscais específicos para setores
econômicos e regiões do país;
• Produção: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE,
que nos anos 1980 se transformou em BNDES, incorporando o Social ao
nome) passou a emprestar mais para o setor privado.
Ou seja, o governo passou a estimular (ao contrário do que ocorreu
entre 1964 e 1967) o consumo e o investimento. Os resultados positivos logo
apareceram. A demanda por habitação impactou nas indústrias de cimento,
material de construção, siderurgia. Num ambiente de alta concentração
de renda e com farto estímulo ao crédito pessoal, o setor de bens duráveis
cresceu (automóveis, eletrodomésticos). A exportação deu um impulso aos
setores têxteis e de calçados (ALVES; SAYAD, 1975).
Além disto, a agricultura começou a incorporar maior mecanização,
deixando sua simplicidade tecnológica para trás. Com isso, houve reflexos
no setor industrial (tratores, colheitadeiras, caminhões), na produção de
alimentos (no aumento da quantidade e na diminuição do preço) e na continuidade do êxodo rural (migração do campo para a cidade) e no crescimento
desordenado das cidades.
Todas essas medidas deram no período conhecido como “Milagre
Econômico”, de alto crescimento da economia e de baixa inflação (ver
Figuras 1 e 2, entre 1968 e 1973). Mas, vale perceber que o “Milagre” não
era decorrente apenas de uma abundância, mas também da modernização
dos padrões de consumo e produção (CARDOSO DE MELLO; NOVAIS,
1998). Estes efeitos econômicos positivos foram muito importantes para dar
legitimidade ao Regime político ditatorial, pois este coincidiu com a edição
do Ato Institucional nº 5, que deu inicio ao período de maior repressão, tortura, assassinatos e violência por parte do Estado (WEIS; ALMEIDA, 1998).
Porém, no campo econômico houve problemas decorrentes da
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política do “Milagre”. O financiamento do crescimento foi feito por meio
de acesso a linhas de crédito externas. Ou seja, as instituições bancárias
brasileiras e as grandes empresas contraíam empréstimos internacionais
para financiar o consumo. Isto mostra que as instituições financeiras implementadas pelo PAEG tiveram sua finalidade deturpada, deixando de buscar
poupança nacional para financiar a produção e passando a buscar capitais
estrangeiros, inclusive para especular no recém criado mercado financeiro
nacional (que tinha na correção monetária uma garantia contra possíveis
perdas). O resultado é que a vulnerabilidade e dependência do Brasil em
relação aos capitais estrangeiros aumentou. E se na época de JK os capitais
estrangeiros investiam em empresas, agora eles viam na forma de empréstimos (LACERDA et al., 2010).
No caso dos trabalhadores, continuou valendo a política salarial do
PAEG (reajuste pela média do salário real dos últimos 24 meses). Como
forma de evitar uma desvalorização adicional pela subestimação da inflação,
o governo passou a incorporar o resíduo inflacionário dos últimos 12 meses
na hora do reajuste. Mesmo assim, entre 1964 e 1974, o salário mínimo
perdeu 42% de seu poder de compra, segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE). Entretanto, o
salário dos trabalhadores mais qualificados (sejam administrativos ou de
produção) teve quedas menores ou mesmo aumento no período (o pessoal
ocupado total ganharia em média 6,3% a mais em 1972 em relação a 1964;
o pessoal ocupado na produção teria em 1973 uma queda de “apenas” 10%
em relação a 1964) (LACERDA et al., 2010).
Como podemos refletir, apesar do elevado crescimento econômico e
da modernização dos padrões de consumo, houve ganhadores e perdedores
com esta política econômica. Novamente, tentamos sumarizar a situação
conforme Quadro 2:
Quadro 2 – Atores que ganharam e que perderam com as medidas econômicas do Milagre Econômico.
Ganhou
Perdeu
Contribuintes (com reajuste da tabela do IR)
Trabalhadores que ganham salário mínimo
Agricultores (com subsídios governamentais
e com a modernização do campo)
Trabalhadores ocupados na produção
Industriais (com alongamento do prazo do
recolhimento do IPI)
Cidades inchadas (com o êxodo rural)
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A economia da Ditadura Militar brasileira: notas didáticas da disciplina formação sócio-histórica do Brasil III
Ganhou
Setor exportador (com crédito subsidiado)
Perdeu
Finanças Públicas
Classe Média (consumo de bens duráveis, de Relações financeiras com o exterior
imóveis)
(deterioradas pela crescente vulnerabilidade
de corrente do endividamento)
Trabalhadores qualificados
Fonte: Baseado em Alves e Sayad (1975) e Lacerda et al. (2010).
3.3 II Plano Nacional de Desenvolvimento (1974-1976)
A estratégia esboçada no PAEG e turbinada durante o período do
Milagre Econômico conseguiu bons indicadores econômicos, mas deixou a
economia muito frágil frente a possíveis turbulências externas. E elas chegaram em 1973, quando a Organização de Países Exportadores de Petróleo
(OPEP) decidiu aumentar abruptamente o preço do barril de petróleo – a fonte
de energia mais utilizada no planeta. Era a Crise do Petróleo (PRONI, 1997).
Em 1970, o preço do barril variou entre 2 e 7 dólares, valores estáveis
desde o início do século. Três anos depois, o início da crise se deu com a elevação deste preço para US$ 17. Em 1974, o barril custou entre 12 e 39 dólares. O
resultado é que a maioria dos países desenvolvidos (altamente dependentes do
petróleo) puxou o freio de suas economias como forma de diminuir o consumo
e pensar em alternativas energéticas. Como o petróleo é a fonte de energia mais
utilizada, quanto mais uma economia cresce, mais ele é demandado. Se, por
outro lado, esta economia perde força, há menos necessidade deste produto. Esta
crise marca, também, o fim dos Anos Dourados do Capitalismo (PRONI, 1997).
Logo, a maioria dos países entrou em recessão. Mas o Brasil não podia
se dar a este luxo, já que a Ditadura Militar tinha a sua legitimidade baseada no
consumo da classe média e na incorporação, como consumidores, dos migrantes
rurais que seguiam para as cidades. Uma diminuição no crescimento econômico
poderia trazer problemas na manutenção do governo. Principalmente a partir
de 1974, quando o presidente Geisel assume e, pressionado por organizações
de direitos humanos internacionais, decide promover um processo de volta {a
democracia de forma “lenta, gradual e segura” (GASPARI, 2002).
É formulado, então, o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II
PND), que propõe uma “fuga para a frente”, ou seja, ao invés de encolher
o crescimento, o Brasil iria aprofundar o investimento público e o investimento privado subsidiado buscando concluir sua industrialização dentro dos
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parâmetros da 2ª Revolução Industrial (LACERDA et al., 2010).
O II PND assumia as seguintes tarefas (BRASIL, 1974):
• Ajustar a sua estrutura econômica à situação de escassez de petróleo;
• Consolidar, até o fim da década de 1970, uma sociedade industrial moderna
e um modelo de economia competitiva;
• A política de energia passaria a ser peça decisiva da estratégia nacional;
• A política de Ciência e Tecnologia teve previsão de contar com Cr$ 22
bilhões em recursos;
• A política de Integração Nacional teve previsão de contar com Cr$ 165
bilhões em recursos;
• A ocupação produtiva da Amazônia e do Centro Oeste receberia impulso;
• A estratégia de desenvolvimento social teria por base: a) a conjugação da
política de emprego com a de salário; b) uma política de valorização de recursos humanos (com educação, treinamento profissional, saúde, saneamento e
nutrição); c) o fortalecimento de políticas que garantam a renda e o patrimônio
do trabalhador, como o PIS, PASEP, política de habitação e de previdência
social; e d) o desenvolvimento social urbano (transporte coletivo e outras);
• Na integração com a economia mundial, a prioridade seria a conquista de
mercados externos para produtos primários e produtos manufaturados.
Estes objetivos foram considerados por Furtado (1981, p. 46) como
“[...] corretos, se bem que pareçam envoltos na bruma de uma visão paranóica da economia brasileira [...]. Entre as grandes obras iniciadas pelo II
PND destacam-se as Hidroelétricas de Itaipu/PR e Tucuruvi/PA, a Usina
Nuclear de Angra I/RJ (foram contratadas também as usinas de Angra II e
III), o programa Proálcool, os pólos petroquímicos de Paulínia/SP, Camaçari/BA e Triunfo/RS, o projeto de extração de petróleo em águas profundas
(que deu resultados após a descoberta da Bacia de Campos, nos anos 1980).
Estas obras pretendiam modificar a matriz energética brasileira, diminuindo
a dependência com relação ao petróleo – além de distribuir regionalmente os
grandes investimentos públicos (FURTADO, 1981).
Acrescente-se que foram abertas estradas, foram realizados investimentos em fertilizantes, cimento, papel e celulose, siderurgia, entre outros.
Era a época do Brasil Grande, com muitos projetos faraônicos. Como a iniciativa privada (nacional e internacional) estava retraída, temendo os efeitos
da recessão mundial, o Estado foi o grande protagonista destes investimentos,
sendo financiado pelo endividamento externo. A dívida externa salta de US$
3 bilhões em 1964 para 12,5 bilhões, em 1973, US$ 21,2 bilhões, em 1975,
e, por fim, US$ 43,5 bilhões, em 1978 (LACERDA et al., 2010).
Apesar deste esforço, o II PND fracassou terrivelmente.
Recebido em 11-05-2016 • Aceito em 24-10-2016
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Universitas - Ano 10 - Nº 19 - Julho/Dezembro 2016
A economia da Ditadura Militar brasileira: notas didáticas da disciplina formação sócio-histórica do Brasil III
Para Lessa (1978), o plano foi lançado num momento inapropriado
(internamente havia o fim do ciclo de expansão do Milagre Econômico,
externamente houve a crise do petróleo). Serra (1982) também aponta que
o plano não estava contextualizado na conjuntura nacional e internacional e
acrescenta que o fato de ter de recorrer a empréstimos externos foi um grave
problema. Lessa (1978) ainda critica o superdimensionamento dos projetos
do plano, o que acarretou em desperdício e capacidade ociosa2.
Furtado (1981, p. 49) mostra que o esforço do governo em manter a
inflação controlada e o desejo de consumo das classes média e alta (que legitimavam a Ditadura) acabou por destruir as contas internacionais brasileiras e
“levou à quase imobilização do governo como gestor da economia”. Malan e
Bonelli (1983) entenderam que o Governo fugiu do ajuste recessivo que a teoria
econômica convencional indicava, pois necessitava de apoio político. Devemos
lembrar que, em 1974, a Ditadura estava saindo de seu momento mais violento
e ainda necessitava de legitimação, que seria perdida em caso de recessão.
3.4 O esgotamento econômico da Ditadura Militar (1977-1985)
O II PND fracassou de uma forma muito mais radical do que os gestores
econômicos tinham previsto. O fim dos Anos Dourados do Capitalismo e a emergência de posições ligadas ao neoliberalismo trouxeram profundas mudanças,
às quais os gestores econômicos brasileiros não estavam preparados para lidar.
Em 1979, houve um segundo choque do Petróleo, com nova elevação do preço
do barril (chegou a US$ 80). Para fazer frente aos novos desafios, os EUA elevaram sua taxa de juros, o que levou a um efeito dominó de elevação dos juros
mundiais – o que foi péssimo para todos os países devedores, o Brasil entre eles.
Para Carneiro e Modiano (1992, p. 324)
Talvez a conseqüência mais importante do fracasso das políticas adotadas no período 1979-80 no combate à inflação
e na redução do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos tenha sido a perda de confiança no gerenciamento
de curto prazo da economia.
Esse quadro levou o governo a se apoiar nas políticas ortodoxas do
2
Vale destacar a visão de Barros de Castro e Souza (1985), que vai na contramão de todas as demais
avaliações feitas. Para estes autores, a opção por aprofundar a substituição de importações foi correta.
Apenas os acontecimentos do segundo choque do petróleo e a alta dos juros norte-americanos, em 1979,
impediram que o país seguisse nesta direção.
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Fundo Monetário Internacional (FMI), o que resultou numa política econômica
de forte ajuste de gastos públicos, contenção de salários, desemprego e recessão.
Devemos destacar que à medida em que a Ditadura Militar chegava
ao seu fim, a perda de apoio político ficava cada vez maior, inviabilizando
que o Governo fosse capaz de reagir. Tavares e Assis (1985) chamaram o
período de Administração do Caos, dada a incapacidade de contar com mecanismos mínimos de política econômica. O ministro da Fazenda Delfim Netto
(o mesmo que comandou o Milagre Econômico) não conseguia organizar a
economia. Dizem os autores:
Na fase do primeiro “milagre”, Delfim pôde comparar-se
ao mestre de navegação que orientou as velas para colher
a melhor força dos ventos internacionais, assim deixando
impelir o barco da economia com força máxima. Em 1980,
ele pretendeu criar o próprio vento (TAVARES; ASSIS,
1985, p.73).
A alternativa do governo foi provocar uma forte recessão interna,
via arrocho de salários e contenção de gastos públicos, ao mesmo tempo em
que estimulava os empresários a vender para o exterior, por meio de políticas de estímulo fiscal e de uma desvalorização cambial forte e contínua. O
resultado foi uma grande recessão em 1981 (-3,1% de crescimento do PIB)
e em 1983 (-2,8%), fato que não ocorria com a economia brasileira desde o
fim da Grande Depressão, ainda no começo da década de 1930. Com isso,
o custo social do desgoverno econômico do período foi altíssimo.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: OS FRACASSOS ECONÔMICOS DA
DITADURA MILITAR
O fracasso da economia da ditadura é evidente pelo seu final catastrófico. Em termos de índices econômicos, bastaria voltar a analisar o
desempenho daqueles que influenciaram no Golpe Militar: crescimento da
economia e inflação. Conforme visto no Figura 1, um crescimento do PIB,
em 1963, inferior a 1% foi considerado uma tragédia. Nos anos finais da
Ditadura, especialmente após o segundo choque do Petróleo e a elevação
dos juros norte-americanos, o Brasil passa por um período recessivo consideravelmente mais grave. Ou seja, se a situação que motivou o golpe era
ruim, o resultado da política econômica ditatorial foi ainda mais desastroso.
O mesmo ocorreu com a inflação. O sinal de alerta conservador
acendeu quando ela estava ascendente no começo dos anos 1960, quase
Recebido em 11-05-2016 • Aceito em 24-10-2016
138
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A economia da Ditadura Militar brasileira: notas didáticas da disciplina formação sócio-histórica do Brasil III
chegando a 100% ao ano. Após 1973, com o primeiro choque do petróleo,
a relativamente baixa inflação (alta para nossos padrões atuais) do Milagre
Econômico se perdeu. Após 1979, o descontrole foi generalizado. Mais uma
vez vale o raciocínio: se quase 100% era ruim, o que dizer de um descontrole
que deixa
a inflação
a quase
250% ao
As oFiguras
3 e 4dotrazem
inflação
crescente
a quasecrescente
250% ao ano?
As Figuras
3 e ano?
4 trazem
desempenho
Produto
inflação crescente a quase 250% ao ano? As Figuras 3 e 4 trazem o desempenho do Produto
o
desempenho
do
Produto
Interno
Bruto
(PIB)
e
da
inflação
entre
1974
e
1985.
Interno Bruto (PIB) e da infla;ao entre 1974 e 1985.
Interno Bruto (PIB) e da infla;ao entre 1974 e 1985.
Figura
3 –3Crescimento
do Produto
Interno Bruto,
emBruto,
%, Brasil,
Figura
– Crescimento
do Produto
Interno
em1974-1985.
%, Brasil,
Figura 3 – Crescimento do Produto Interno Bruto, em %, Brasil, 1974-1985.
12
12
10
10
8
8
6
6
4
4
2
2
0
0
-2
-2
-4
-4
-6
-6
10,3
10,3
1974-1985.
9,2
9,2
8,2
8,2
7,8
7,8
6,8
6,8
5,2
5,2
4,9
4,9
5,4
5,4
5,0
5,0
0,8
0,8
1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985
1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985
-2,9
-2,9
-4,3
-4,3
Fonte:
IPEADATA
(2016,
Fonte:
IPEADATA
(2016,
s.p.).
Fonte: IPEADATA (2016, s.p.).
s.p.).
Figura 4 – Índice Geral de Preços (IGP-DI)/ FGV, em %, Brasil, 1975-1985.
Figura
GeralGeral
de Preços
(IGP-DI)/
FGV, em %,
Brasil,
Figura4 –4Índice
– Índice
de Preços
(IGP-DI)/
FGV,
em1975-1985.
%, Brasil,
1975-1985.
300,0
300,0
250,0
250,0
212,1
212,1
227,9
227,9
242,7
242,7
200,0
200,0
150,0
150,0
110,6
110,6
79,4
79,4
100,0
100,0
50,0
50,0
0,0
0,0
29,9
29,9
1975
1975
46,7
46,7
1976
1976
38,1
38,1
41,5
41,5
1977
1977
1978
1978
Fonte: IPEADATA (2016, s.p.)
Fonte:
IPEADATA
(2016,
s.p.)
Fonte:
IPEADATA
(2016,
1979
1979
1980
1980
94,9
94,9
102,3
102,3
1981
1981
1982
1982
1983
1983
1984
1984
1985
1985
s.p.)
Porém, a ditadura deixou ainda uma herança maldita muito mais grave do que a alta
Porém, a ditadura deixou ainda uma herança maldita muito mais grave do que a alta
Recebidoeconômico.
em 11-05-2016
• Aceito
emchama
24-10-2016
inflação e o baixo crescimento
O que
mais
atenção é a incapacidade de
inflação e o baixo crescimento econômico. O que mais chama atenção é a incapacidade de
apresentar propostas
ou planos
para
esta situação 2009
ou2016
para retomar o
Universitas
Universitas
- -Ano
Ano
10
2 - melhorar
Nº 3
19- -Julho/Dezembro
Julho/Dezembro
apresentar propostas
ou planos
para
melhorar
esta situação ou
para retomar o
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COELHO, R. P. de S.
Porém, a ditadura deixou ainda uma herança maldita muito mais
grave do que a alta inflação e o baixo crescimento econômico. O que mais
chama atenção é a incapacidade de apresentar propostas ou planos para
melhorar esta situação ou para retomar o desenvolvimento econômico. Na
verdade, a Ditadura Militar terminou seus dias sem nenhuma capacidade
de reação por conta dos erros cometidos na gestão econômica (TAVARES
e ASSIS, 1985). Erros estes que continuaram impedindo uma retomada
econômica brasileira até 1994, quando o Plano Real foi lançado – já em um
contexto internacional muito diferente.
Vejamos a seguir, a partir desta analise, os 5 erros capitais da economia da ditadura que levaram a dificuldades que, por uma década, impediram
a economia brasileira a retomar uma estabilidade mínima:
a) Criação da correção monetária: Ainda no PAEG, foi criada a correção
monetária. O governo queria voltar a estimular que os títulos públicos
fossem atrativos – atratividade que era inexistente porque a inflação corroía seu valor real. Porém, ao longo do tempo, a correção monetária foi se
espalhando para outros setores da economia, para outros contratos. O lado
bom é que a correção monetária torna fácil a adaptação a uma situação de
alta inflação; o lado ruim é que a correção monetária alimenta a inflação
– mesmo que os custos não aumentem e não haja excesso de demanda, os
preços crescem, no mínimo, o mesmo que a inflação passada. É a chamada
inflação inercial (BRESSER-PEREIRA; NAKANO, 1983; LOPES, 1984;
LARA RESENDE; ARIDA, 1984).
b) Endividamento externo: O milagre econômico e o II PND são períodos
onde os empréstimos externos tiveram papel importante na balança de
pagamentos brasileira. Vale destacar que, à diferença com relação ao Plano de Metas, trata-se de empréstimos financeiros e não de investimentos
diretos. Enquanto houve liquidez internacional foi possível crescer com a
poupança externa. Com a mudança no patamar de juros norteamericanos
(1979), a situação ficou dramática. O governo precisava desesperadamente
de dólares para fechar sua balança com o exterior. Mesmo com o aumento
das exportações, os juros da dívida externa eram maiores. A disposição
para novos empréstimos significou hipotecar, em condições ainda piores,
o futuro. Para se ver como a situação era desesperadora, o governo passou
a aceitar que as empresas privadas pagassem em moeda nacional as dívidas
contraídas em dólares durante o Milagre Econômico. O Governo assumia
a dívida externa que foi contraída por empresas privadas (num processo
chamado de estatização da dívida externa). Mesmo assim, o Brasil quebrou
em 1982 e, a partir de então, o FMI passou a acompanhar e, muitas vezes,
Recebido em 11-05-2016 • Aceito em 24-10-2016
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Universitas - Ano 10 - Nº 19 - Julho/Dezembro 2016
A economia da Ditadura Militar brasileira: notas didáticas da disciplina formação sócio-histórica do Brasil III
ditar a política econômica brasileira. Em 1988, o Brasil entrou em moratória
(FURTADO, 1981; CRUZ, 1984).
c) Endividamento interno: O PAEG promoveu uma reforma bancária que
pretendia organizar o fluxo de recursos para os investimentos (esta é a
função do sistema bancário). No fundo, esta organização do mercado não
deu certo e o que houve foi a multiplicação de empresas vivendo da dívida
pública – especialmente na medida em que a correção monetária passou
a garantir no mínimo a reposição de perdas da inflação passada. Assim,
cresce o endividamento interno. E aos poucos, as empresas produtivas vão
se familiarizando com instrumentos financeiros, que passam a compor as
receitas das empresas de forma ampla.
d) Desmonte da capacidade de investimento das estatais: Após o II PND, a
situação externa fica calamitosa. Um exemplo deste desespero foi a ordem
para que as empresas estatais contratassem projetos no exterior (mesmo que
não fosse prioritário ou necessário para o bom funcionamento da empresa).
Por exemplo, o Brasil comprou de uma empresa privada alemã as usinas
nucleares de Angra I, II e III porque o governo alemão se comprometeu a
emprestar os recursos para esta compra. Assim, o governo brasileiro conseguiu dólares para fechar seu balanço com o exterior, ao mesmo tempo em que
comprometia o futuro (pois teria que pagar os empréstimos em algum momento) e comprometia a capacidade de investimento das empresas estatais,
como a Nuclebrás, que não tinha condições de comprar 3 usinas nucleares de
uma só vez. O resultado é que até hoje somente a usina de Angra I funciona,
as outras duas apodrecem no pátio do governo (TAVARES; ASSIS, 1985).
e) Incapacidade de planejamento de longo prazo: Conforme dito, houve alguma
coordenação econômica até 1976, quando acabou o II PND (isto não significa
que não tenha havido erros, pelo contrário). Mas após esta data, a ditadura ainda
durou quase 10 anos, com o agravamento desta situação caótica descrita acima,
com o crescimento inédito da inflação, com dois anos de recessão – algo que
não havia no Brasil desde a crise de 1929. Durante estes dez anos, o governo
vendeu o almoço para comprar o jantar, num processo simples de empurrar
com a barriga os problemas econômicos fundamentais do país.
Em suma, economicamente o período autoritário buscou superar o
Modelo de Substituição de Importações, diminuindo o papel do Estado no financiamento da industrialização e priorizando o capital privado. Também buscava
abandonar um papel estatal ativo no direcionamento da economia, deixando que
o mercado fosse capaz de promover um desenvolvimento por conta própria.
Esta seria a forma encontrada pelas forças conservadoras para responder às
demandas sociais surgidas da industrialização do período 1930-1960.
Recebido em 11-05-2016 • Aceito em 24-10-2016
Universitas
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141
COELHO, R. P. de S.
Esta tarefa tentou se concretizar ao longo de quatro períodos: um breve
período de ajustes (1964-67), outro breve período de Milagre (1968-1973),
dois anos de luta contra um contexto internacional adverso (1974-75) e dez
anos de crise e instabilidade (1976-1985) – e os efeitos negativos das medidas econômicas continuou a desestabilizar a economia por mais 10 anos, até
1994. Durante este período, a ordem econômica mundial, baseada numa ativa
regulamentação de mercados e fluxos financeiros, se transformou, configurando o embrião do processo de globalização que vigora desde os anos 1980.
Entretanto, deve-se notar que a tarefa de superar o Modelo de Substituição de Importações não foi bem sucedida. No último momento em que
foi capaz de ter um protagonismo na condução da política econômica, o
Governo Militar retomou o investimento estatal na promoção da industrialização, conforme pregado pelo modelo (BARROS DE CASTRO; SOUZA,
1985). Porém, há diferenças entre a Substituição de Importações do período
1930-1960 e a política pós 1964:
Ainda quando semelhantes na forma teriam elas conteúdo
essencialmente diversos. O Estado que emerge das reformas
em 1967 seria especialmente desenhado para impulsionar o
processo de acumulação nacional, sustando-lhe os limites
nacionalistas e redistributivos que a aliança populista buscou
lhe imprimir (GUIMARÃES, 1990, p. 315).
Entretanto, a incapacidade gerencial demonstrada acabou por destruir, no longo prazo, a possibilidade de retomada do papel estatal na economia nos moldes do período 1930-1960. Assim, abriu-se a oportunidade
de surgimento de um novo modelo de desenvolvimento.
Por fim, devemos refletir sobre a ilusão vendida pela Ditadura, de que
um governo comandado por técnicos capacitados seria capaz de conduzir o
país melhor do que se estivéssemos numa democracia, onde políticos prestam contas à população por seus atos. A Tecnocracia (governo de técnicos)
teria a vantagem de aplicar as “medidas necessárias” sem considerar seus
impactos políticos negativos.
O que vimos, porém, é que tanto as “medidas necessárias” não
foram tão neutras assim – sempre ajudaram os mesmos e penalizaram os
mesmos. Só foram mais insensíveis, pois os afetados não podiam reclamar
ou reagir. E a preocupação em garantir apoio ao regime muitas vezes mudou
a direção da política econômica, nem sempre no caminho mais responsável.
E a “Técnica” não foi, igualmente, eficaz, já que a situação econômica do
país em 1985 era muito mais precária do que a observada em 1964. Foram,
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A economia da Ditadura Militar brasileira: notas didáticas da disciplina formação sócio-histórica do Brasil III
pois, 21 anos de retrocessos – e isto sem falar nas questões de cidadania,
como direitos civis, direitos políticos e direitos sociais.
A avaliação do período ditatorial fortalece a certeza de que a democracia é a única via para um desenvolvimento para todos.
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