1 Anais Eletrônicos do X Encontro Internacional da ANPHLAC São Paulo – 2012 ISBN 978-85-66056-00-6 Heresias ecléticas e história das ideias na América Latina: os intelectuais e a reinvenção das identidades Luciano dos Santos1 Carlos Altamirano, ao esboçar um possível programa de História Intelectual, em que se estabelece a comunicação entre História política, a História das elites culturais e a análise histórica da “literatura das ideias”, constatou que este campo, como muitos nas ciências humanas, também é marcado pelas heresias ecléticas, que embora ainda mal vistas por alguns, são celebradas por muitos.2 No entanto, se hoje no campo da história intelectual as “heresias ecléticas”, não só na forma da interdisciplinaridade, mas também na da transdisciplinaridade, podem ser celebradas e defendidas,3 ou, como Baczko afirma, que “a época das ortodoxias parece ultrapassada”4, dificilmente o mesmo poderia ser dito nesse campo na América Latina durante as décadas de 1940 a 1970. Por ser um campo reivindicado, como lembra Francisco C. Falcon, tanto por historiadores quanto por filósofos,5 a trajetória da história das ideias na América Latina foi atravessada por debates e polêmicas sobre modelos e formas de praticar a escrita da história. Nesse debate, entre 1940 a 1980, se destacaram um grupo de intelectuais – liderados pelo mexicano Leopoldo Zea (1912-2004), o uruguaio Arturo Ardao (1912-2003) e o argentino Arturo Andrés Roig (1922-1912), entre outros – por desenvolverem um peculiar projeto intelectual que pode ser compreendido a partir da noção de heresias ecléticas ou intelectuais. Normalmente o termo heresia é mais utilizado para definir ações, pensamento e atitudes contrárias às ortodoxias próprias do campo religioso. Como lembra Georges Duby, “todo herético tornou-se tal por decisão das autoridades ortodoxas”6. Mas esse termo pode também ser utilizado para definir representações e práticas de outros campos do fazer humano. Heresia pode ser compreendida como visão de mundo, representação, teoria, ação e/ou prática 2 que contraria, ou contesta, os princípios científicos, filosóficos ou morais de uma dada época e lugar. No caso específico que estamos tratando aqui, as “heresias” seriam as construções intelectuais feitas e fundamentadas no ecletismo e na hibridização teórica e disciplinar promovida por Zea, Roig, Ardao. Uma mistura entre história das ideias e filosofia que não foi bem vista por algumas perspectivas “universal-abstracionistas” da filosofia das décadas de 1940-50 e pela historiografia “objetivista” dos anos 1970, sobretudo de historiadores estadunidenses. Talvez seja forçoso compreender as construções desses intelectuais como heresias, na medida em que suas construções tiveram grande repercussão e aceitação na América hispânica, constituindo quase que um paradigma7 de história das ideias e/ou filosofia historicista. Contudo, por outro lado, também é certo que ao passo em que estes defendiam proposições de um modelo de história das ideias e/ou filosofia que fugia das ortodoxias disciplinares e acadêmicas, na busca de promover um projeto político-intelectual-cultural para a América Latina, muitas de suas interpretações e posicionamentos acabavam sendo altamente criticados. O limite de espaço de um texto como esse e a complexidade das construções intelectuais dos pensadores envolvidos nesse projeto faz-nos optar por centrar, para o momento, nas ações, no discurso e nas polêmicas de um de seus principais representantes: Leopoldo Zea. Pretende-se aqui, então, oferecer uma história do itinerário intelectual e dos debates que caracterizaram a escrita desse pensador até a década de 1970 – já que as polêmicas e seus debates intelectuais vão pelo menos até a década de 1990.8 Assim, no primeiro momento de nossa comunicação abordaremos as proposições de sua filosofia nos anos 1940-50 – citando duas pequenas críticas a ela –, depois nos centraremos na polêmica que ele estabeleceu no final dos anos 1960 e início dos 1970 com os historiadores estadunidenses. Com isto, buscamos corroborar a hipótese que, para além de uma história das ideias, o projeto de Zea era construir uma filosofia da história que almejava explicar o sentido da história da América Latina, o caminho da libertação e construção de sua identidade. O universalismo de carne e osso: o contraponto ao universalismo abstrato 3 Embora não muito conhecido no Brasil pelo grande público, Leopoldo Zea foi uma figura reconhecida no meio intelectual hispano-americano. Ele nasceu em 1912 e morreu em 2004. Foi professor de filosofia da UNAM, Secretário de Relações Internacionais do México, diretor do Centro de Estudos Latino-americanos, fundou e dirigiu diversas organizações (Comité de Historia das Ideas no IPGH; SOLAR; FIEALC e CCyDEL), publicou mais de 40 livros e 180 artigos e ensaios, recebeu inúmeros prêmios e vários títulos de Doutor Honoris Causa em diversas universidades. Seus livros foram traduzidos para várias línguas e objeto de estudos em diversos países.9 Foi um dos principais líderes de um dublo projeto: o movimento latino-americano de história das ideias e a filosofia do americano ou filosofia da libertação. Sua obra tem duas funções básicas: a primeira, mais relacionada a historia das ideias, seria a de historicizar o pensamento hispano-americano, e a segunda, de construir uma filosofia da história hispano-americana. Assim a partir da simbiose de certa concepção de história e filosofia – um historicismo filosófico – há a criação de um projeto do dever ser, isto é, de um projeto de reinvenção de identidade para a América Latina. Na busca de compreender o passado da América Latina Zea acabou por construir um projeto do que ela deveria ser, passou a fazer parte de uma longa tradição10 hispano-americanista. Os primeiros textos de Zea são da década de 1940. Ele foi muito influenciado pelo círculo intelectual construído pelas perspectivas de Samuel Ramos (1897-1959) e José Gaos (1900-1969). Nessa esfera o historicismo e o circunstancialismo orteguiano eram hegemônicos no modo dos intelectuais interpretarem o fazer filosófico e a própria realidade social. O mundo era visto e construído sobre essa representação intelectual. Além disso, o nacionalismo resultante da Revolução Mexicana e o clima de decadência do ocidente, provocado pela Primeira e depois pela Segunda Guerra Mundial,11 alimentavam as representações sociais e intelectuais que defendiam a importância da compreensão e afirmação das peculiaridades culturais do mundo hispano-americano.12 Foi nesse contexto, que Zea escreveu El Positivismo en México – sua dissertação de mestrado publicada pela primeira vez em 1943 – em que, a partir de uma eclética utilização da sociologia do conhecimento de Karl Mannheim (1893-1947), da sociologia do saber de Max Scheler (1874-1928), do historicismo Wilhelm Dilthey (1833-1911) e do circunstancialismo por via de José Ortega y Gasset (1883-1955), buscava escrever uma história das ideias das apropriações e ressignificações da filosofia positivista no México. Segundo suas palavras, “ver cómo há sido interpretado el positivismo por nuestros pensadores. El positivismo será una doctrina con pretensión universal, pero la forma en que ha sido interpretada y utilizada por los mexicanos, es mexicana”13. 4 Para Zea existia um mundo anterior à interpretação filosófica e a compreensão dessa filosofia só se dava na compreensão do mundo que a precedia e cercava. Para ele, “En vez de tomarse las ideas em abstrato como lo hacen las concepciones filosóficas con pretensiones de eternidade, se considera a las ideas en su concreción histórica. En vez de abstraer las ideas, se las liga con las demás expresiones de la cultura en que han surgido”14. Percebe-se que o historicismo (e não o historismo)15 cedo se manifestou nas obras de Zea. Mas nessa época ainda não havia um projeto de criar um programa sistematizado de história das ideias e/ou filosofia que desembocaria na reinvenção da identidade latinoamericana. Esse projeto começaria a iniciar-se depois da viagem que ele realizou por vários países da América Ibérica e aos Estados Unidos da América entre os anos 1945 e 1946. A partir de contatos que estabeleceu com vários pesquisadores durante a viagem, como também em função do apoio do Instituto Pan-americano de Geografia e História, ele e outros intelectuais criam, em 1947, o Comité de Historia de las Ideas, com a proposta de construir uma biblioteca de história das ideias de cada país da América Latina. Inicia-se aí o projeto que Zea chamava de “historia de nuestras ideas”. Tal projeto acabou por constituir-se em um verdadeiro movimento intelectual de proporções continental.16 Essa história das ideias desenvolvidas por Zea, e outros pesquisadores,17 logo começou a trilhar outros caminhos que a fariam se diferenciar das demais perspectivas de produção do conhecimento histórico que tinha por objeto as “ideias”. Ela assumia uma característica que ia além de uma perspectiva metodológica,18 ela se convertia em um projeto político-filosófico-cultural de tomada de consciência de um passado que apontava para sua superação e afirmação de uma identidade. Concomitante ao empreendimento de história das ideias (que na verdade era mais uma historia do pensamento hispano-americano) havia também um projeto de criar uma filosofia da própria América. Um dos pontos desse itinerário se deu em 1949, quando um grupo de jovens professores e estudantes de filosofia, criaram o Hiperión.19 No primeiro momento o grupo promoveu diversas conferências sobre o existencialismo de Jean-Paul Sartre (1905-1980) e a fenomenologia de Martin Heidegger (1889-1976) e de Maurice Merleau-Ponty (1908-1961). Com base nessas concepções filosóficas, logo o segundo ciclo de palestras se direcionou mais para a reflexão filosófica sobre o ser mexicano. Segundo Selvino Assmann, Hiperión é o nome de um mito grego que simboliza a união da terra (Gea) com o céu (Urano), a unidade entre o concreto e o abstrato.20 E para o grupo de jovens intelectuais que constituíam essa agremiação, e logo para Zea, esse era o 5 significado que se atribuía ao termo, isto é, a universalidade não devia ser buscada em entes abstratos, mas sim na concretude das construções humanas. Para Horacio Cerutti Guldberg, uma espécie de humanismo do “homem de carne e osso”, o universalismo-concreto.21 Segundo Francisco Miró Quesada, para os integrantes do grupo “no se trata de crear tal como lo han hecho los europeos, no se trata de imitarlos en su "manejo" de la filosofía. La creación filosófica del latinoamericano debe ser la revelación de su propia realidade”22. Ou seja, a filosofia europeia (historicismo, existencialismo, fenomenologia) não era compreendida como objeto de estudo em si, mas como ferramenta para um filosofar próprio da América Latina. Fruto dessas preocupações, em 1952, Zea publica Conciencia y posibilidad del mexicano. Nessa obra, ao rebater as críticas que recaiam sobre o perigo do nacionalismo da Revolução Mexicana, ele dizia que o perigo não estava tanto em povos que falavam de se encontrar no próprio o sentido universal. Pelo contrário, o perigo estava nas proposições dos povos que através da história haviam se considerado como expressão e instrumentos das formas mais abstratas do humano, como podem ser a Civilizacão, a Cultura, a Humanidade.23 E continuava os europeus en nombre de estas abstracciones, de las cuales se consideran celosos guardianes, no han vacilado en sacrificar a hombres y pueblos concretos que no estaban de acuerdo con las ideas que sobre lo humano mantenian tales pueblos. Son también estos pueblos los que han convertido sus intereses locales en universales para mejor justificarlos. La historia nos ofrece muchos ejemplos de esta falsa universalidad que no es otra cosa que expresión del más peligroso de los nacionalismos disfrazado en una terminologia que sólo tiende a justificar sus propios intereses.24 Para o filósofo mexicano só não havia sentido a pergunta pelo próprio, tal qual fazia o mexicano na filosofia ocidental, porque essa partia do pressuposto que encarnava o homem por excelência, o homem ocidental era tido como o homem universal.25 Zea usava a filosofia europeia para solapar as proposições imperialistas que se fundamentavam nessa filosofia. Na sua crítica um dos filósofos modernos que começou a aparecer com maior frequência – ficando apenas atrás de Hegel – foi René Descartes (15961650). Para Zea, era, sobretudo, a partir das ideias de Descartes que se desenvolveu na Europa moderna a concepção que havia algo permanente e natural no homem: a razão.26 Na sua interpretação, a filosofia racionalista de Descartes servia como um mecanismo de legitimação da desigualdade, já que por tal proposição cartesiana todos os homens eram iguais em 6 essência, mas diferentes pelo acidental: pelos hábitos, pelos costumes, pelas etnias, pelo que neles havia de concreto.27 Além de Descartes, Zea via nas proposições de Buffón, De Pauw, Voltaire, Hume, Reynal, Adam Smith, e outros filósofos e cientistas da Europa, a justificativa dos interesses do europeu.28 Uma obra importante para as interpretações de Zea sobre o olhar do europeu sobre a América foi Viejas polêmicas sobre el Nuevo Mundo de Antonello Gerbi.29 Nessa época, a perspectiva de Zea sofreu várias críticas. Ora era chamada de pragmática e utilitarista, como uma interpretação fundada na teoria darwiniana, como dizia, em 1954, o teórico norte-americano Patrick Romanell.30 Outras vezes, como nas críticas de Charles C. Griffin, feitas em 1957, que as interpretações de Zea eram cheias de estereótipos (liberalismo, imperialismo, colonialismo) e palavras usadas de forma equivocadas.31 Para compreender essa postura de Zea, juntamente com os fatores próprios da realidade mexicana, deve-se levar em conta fatores e personalidades que se destacaram no período do pós Segunda Guerra. Não se pode deixar de lembrar que nos anos 50-60 do século passado, a maioria das ex-potências europeias ainda mantinham colônias em diversas localidades da África, da Ásia e em algumas ilhas do Caribe.32 Ainda na década de 40, mesmo após a Carta do Atlântico33 diversos líderes europeus justificavam a colonização por certos valores eurocêntricos e se recusavam a dissolver seus impérios.34 De algum modo esse contexto influenciava a interpretação de Leopoldo Zea. Ele não só conhecia toda essa situação das colônias ocidentais, por leituras, mas também pelas viagens que realizou alguns anos depois a diversos países da África e Ásia, e pelo contato que estabeleceu com intelectuais dessas regiões.35 Assim, mesmo com posições contrárias, o grupo de história das ideias continuou e ampliou sua analise das realidades nacionais para uma realidade latino-americana. Zea encabeçou essa tarefa e logo, a partir da década de 1960, passou de uma história das ideias para uma filosofia da história latino-americana, uma visão escatológica do devir histórico latino-americano, uma interpretação filosófico-historicista do sentido da história de dominação e busca por libertação. E esse projeto não ficou imune a críticas. Do debate em torno do modelo de história das ideias Na década de 1960 – em meio, e em diálogo com, a construção discursiva da Guerra Fria, da 7 repercussão da Revolução Cubana, da Teoria da dependência, do fortalecimento da ideologia latino-americanista, da afirmação da Filosofia da libertação – Zea reformulou um livro que havia escrito em 1949 com o título de Dos etapas del pensamento en Hispanoamérica: del romantismo al positivismo. Em 1965, com uma perspectiva bem mais hegeliana da história – que já estava presente na obra de 1949 –, ele buscava ampliar a análise das construções dos intelectuais latino-americanos do século XIX e início do XX. O novo livro passou a ser intitulado El pensamiento latino-americano. Nele, Zea afirmava que as proposições de inferioridade da América foram absorvidas pela elite intelectual e dirigente da América Hispânica após a independência. Na sua concepção, para os pensadores do pós-independência não bastava libertar-se politicamente da Espanha, haveria que mudar também os hábitos e costumes introjetados pela colonização nos povos da América, haveria que mudar a mentalidade desse povo e, em alguns casos, o próprio “sangue”, a própria “raça”.36 Porém, na interpretação de Zea, isso não ocasionou uma completa libertação e, sim, pelo contrário, uma nova justaposição, uma justaposição da cultura requerida sobre a cultura colonialmente imposta, da cultura ocidental sobre a cultura indo-ibérica. O projeto dos emancipadores mentais não buscava assimilar as contribuições da cultura indo-ibérica, pelo contrário, queria negá-las, compreendendo-as como elementos que impossibilitavam a construção de uma nova América em compasso com a modernidade.37 A partir da concepção de Ramos, Zea reafirmava que o ser latino-americano padecia de um complexo de inferioridade frente à cultura europeia ocidental, e o melhor mecanismo para superar isso, era a tomada de consciência dessa desumanização que o homem de tal cultura vinha historicamente sofrendo. Esses homens estavam alienados, não conseguiam ver valor algum na herança ibérica, indígena e negra. Para tais pensadores, tudo que foi produzido pela colonização era um mal que precisava ser extirpado, que precisava ser negado. Para serem modernos, para fazer parte do novo mundo que se fazia na Europa e nos Estados Unidos, deveriam negar seu passado colonial, seu passado hispano-americano e serem como o outro era: civilizado. O problema maior, na interpretação dialético-hegeliana de Zea, era o fato de que no projeto identitário dos emancipadores mentais a negação do passado não implicava a sua assimilação. Não negavam o passado de uma forma dialética. A negação proposta e colocada em prática pelos intelectuais e políticos do pós-independência foi à refutação do passado como experiência. Negaram-no rejeitando por completo, rejeitaram-no como elemento constitutivo de sua identidade. Não sentiram e nem queriam sentir a herança cultural indo-ibérica e africana como própria. Nas suas percepções, não eram, não foram e nem queriam ser aquilo 8 que representasse esse passado. Produziram assim, na visão de Zea, uma negação de seu ser e logo uma nova justaposição cultural.38 Para o pensador mexicano, a mudança começou a ocorrer com o que ele chamava de Geración asuntiva. Com Martí, Rodó, Mariatagui e Vasconcelos, começava a ocorrer uma valorização da cultura do ser latino-americano. Zea não se restringia a analisar essa geração, ele se compreendia como parte dela. Dizia ele que La tercera etapa, la que ahora agregamos a esta historia, la historia contemporânea de nuestro pensamiento, viene a ser la antíteses del pensamiento filosófico del siglo XIX. Un pensamiento consciente de los errores cometidos por sus antecesores tratando de realizar al extraño a lo que deberia ser potenciado, la propia realidade.39 Zea colocava-se na missão de promover uma mudança de interpretação da realidade latino-americana, de promover uma reinterpretação do passado que levasse ao que ele chama de superação dialética. Uma reinvenção da identidade latino-americana. Assim, a história das ideias constituía um instrumento para além de uma tarefa historiográfica, na verdade, se vinculava a um projeto de conscientização, libertação e identidade da América Latina. Como vimos, esse projeto havia sido iniciado a partir do final da década de 1940, com a criação do Comitê de História das Ideias e logo começou a ganhar vida na organização de congressos,40 na circulação de revistas,41 e programas que buscavam construir uma rede de intelectuais na América Latina. Mas, assim como as proposições de uma filosofia do particular foram criticadas nos anos 1950, diferente não foram às proposições de Zea sobre a história das ideias. Só que no contexto da década de 1960-1970, foram os historiadores, sobretudo, os estadunidenses, que criticaram tal projeto. No final da década de 1960 e início de 1970 os principais críticos da história das ideias desenvolvida por Zea foram os estadunidenses Charles A. Hale, em seu texto publicado na revista História Mexicana sob o título Sustancia y Método en el pensamiento de Leopoldo Zea, e William D. Raat, que na mesma data, 1970, publicou no anuário Latinoamérica uma crítica com o título Ideas e historia en México, un ensayo sobre metodología. Em ambos os trabalhos recaíam sobre Zea as críticas de que nos seus textos não era possível separar o filósofo do historiador, e logo sua obra se tratava mais de metahistória do que propriamente de história intelectual. Além disso, diziam os historiadores norte-americanos que a obra de Zea era demasiado subjetivista. Era uma produção muito comprometida com o passado para pensar o futuro, não separando a história das preocupações presentes e futuras. 9 De tal modo, aos olhos desses historiadores, o pensamento de Zea violava o princípio básico da temporalidade. Tanto Raat como Hale, viam a filosofia como o outro da história, compreendiam as fronteiras disciplinares como limites e não como lugar de encontro. No campo das definições identitárias da disciplina, deveria haver uma assepsia do conhecimento histórico. E o modelo de história das ideias de Zea era demasiadamente híbrido para ser aceito. Para Raat, o método de Zea, levava a compreender as ideias filosóficas como ideologias e associá-las a grupos sociais. E mais, suas argumentações eram mais assentadas em especulações do que efetivamente em uma história em seu sentido empírico. Assim, nem sempre era fácil determinar se Zea escrevia história ou filosofia.42 Raat também enfatiza o fato que a documentação principal de Zea está baseada em fontes literárias, filosóficas ou secundárias, e que Zea nem sempre sabia selecionar bem essas fontes. E continuava: “Al igual que muchos escritores, la historia de las ideas de Zea es en realidad una historia de las ideas de algunos académicos e intelectuales. La historia intelectual de México resultó ser la historia de una pequeña elite”43. Charles Hale, também afirmava que “lo que hace poco satisfactario em trabajo de Zea como obra historiográfica, es la imposibilidad de separar al filósofo del historiador. No es posible advertir cuándo asume la interpretación propia de los hechos, y cuándo los presenta como tales”44. Assim, concluía que “Los estadounidenses creen que las hipótesis de que los autores dejan los mexicanos son completamente diferentes de lo que un historiador debe tomarse en el sentido estricto de la palabra”45. Como se percebe, as críticas de Hale e Raat recaíam sobre a perspectiva metodológica de Zea e, sobretudo, a estreita relação que este estabelecia entre história e filosofia, levando-o a um relativismo subjetivista na escrita da história. Todavia, por mais que as críticas de Hale e Raat apresentassem alguns equívocos e uma perspectiva, certamente, muito próxima de uma concepção “positivista” da história, não eram de todo equivocadas. Na verdade, a obra de Zea não era uma história das ideias de modelo propriamente historiográfico acadêmico objetivista, era uma etapa necessária para a construção de uma filosofia da história latino-americana. Em todo caso, a resposta de Zea veio em meados dos anos 70. Em 1975, em La Historia de las Ideas en América Latina, ele dizia, como quem questionasse Raat e Hale, “¿Mas es esto posible? ¿Quien reflexiona sobre su propia historia puede abstraerla de su vivencia? [...] ¿Escapan estos nuestros críticos al criticado subjetivismo?”46. Zea colocava em 10 questão a própria noção de subjetividade/objetividade nas ciências humanas. Sua visão historicista leva-o a crer que a objetividade total não era possível. Em outro livro publicado em 1978, Filosofia de la Historia Americana, o filósofo mexicano voltou a tratar das críticas dos autores estadunidenses. Dizia que se seu projeto era ambicioso e subjetivista, menos não o era o de Raat, já que o autor norte-americano, ao acreditar que o historiador estrangeiro era o mais preparado para escrever uma autêntica história intelectual da América Latina por não se encontrar comprometido com a realidade da região, caía em outro subjetivismo ao crer que seria possível uma análise do historiador estrangeiro completamente objetiva. Dizer que aquele que não faz parte de uma determinada realidade é o mais capaz de analisá-la era a própria afirmação da subjetividade, pois se esquece de que esse analista também é fruto de uma determinada cultura e contexto histórico. Sua visão, por mais que se afastasse era a visão “subjetiva” de sua cultura. E se eram os procedimentos metódicos que validavam a análise do estrangeiro, os mesmos validavam a do historiador local. E se a proximidade desse com sua realidade invalidava tal processo, o mesmo poderia ser dito do analista estrangeiro. Para Zea, contrariamente, haveria que assumir a subjetividade do analista, o lugar de onde falava, só assim seria possível lidar com ela.47 Segundo Zea, na concepção de Hale e Raat, a historia das ideias praticada por ele, e outros autores hispano-americanos, não era nem um modelo proposto por Arthur Lovejoy, de análise interna das ideias, nem o de história intelectual de James Harvey Robinson, que trabalhavam as ideias em sua relação com a realidade social. Essa história das ideias estava baseada em um projeto subjetivista de busca de salvamento da América Latina.48 Na sua concepção, por não seguir o modelo norte-americano, a historia das ideias desenvolvida pelos latino-americanos era chamada de subjetivista. Por não estar de acordo com o modelo norte-americano não era legítima. A partir de sua visão historicista, Zea questiona a velha relação sujeito-objeto, não acreditava que esta separação levasse a maior objetividade. Há sempre na historia elementos de subjetividade. Para ele, a História das Ideias produzida na América Latina se pautava pela perspectiva de que toda história é uma história contemporânea, visto que o que se diz do passado é feito em função do que se é e do que se pode chegar a ser. Entre esses dois modelos de história das ideias e/ou história intelectual eram impossível haver um verdadeiro diálogo. Zea propunha um modelo demasiadamente relativista e historicista – além de se pautar na ideia de um comprometimento com a mudança de uma realidade – para ser aceito pelos historiadores norte-americanos. E Raat e Hale propunham um modelo demasiadamente “cientificista” da objetividade histórica, de uma 11 investigação desinteressada, para que Zea aceitasse suas críticas. Não era possível um diálogo entre neo-positivismo e neo-historicismo. Mas, para além dessa atitude de reflexão teórico-metodológica, ao fim, Zea acaba reconhecendo seu real motivo, isto é, promover uma filosofia da história latino-americana, e dizia: Toda la filosofia de la historia, por supuesto, implica un proyecto. [...] Proyecto, insistimos, que implica no atenerse a los hechos; pero que no implicó ignorarlos, que tal fue el error de la interpretacion de la historia captada en la investtgaciàn de la historia de las ideas latinoamericanas. Proyecto que ahora implica superar esta interpretación y los hechos que onginó, esto es, cambiarlos, ir más allá de ellos ¿Pero qué es lo que ofrecen los hechos? La situación de que hablamos, de dependencia y marginalidad de los pueblos de esta parte de América y de otras partes del mundo no occidental. Atenerse simplemente a los hechos seria sólo aceptalos. Conocerlos, para cambiarlos es, por el contrario, la preocupación central de esta filosofia de la historia. ¿Metahistoria? Si, si se entiende como superación de una historia que no puede seguir siendo.49 Como se percebe, nessa época, Zea não estava preocupado com uma proposição de história intelectual ou história das ideias no sentido de uma história desinteressada, acadêmica e objetivista.50 As influências do circunstancialismo orteguiano, bem como o existencialismo sartreano, levava-o a assumir uma postura de um intelectual engajado com um projeto de América.51 Para ele, o programa da história das ideias era o de superação da realidade de dependência e marginalização dos povos da América Ibérica.52 Nesse sentido, a história das ideias – como a filosofia existencialista, fenomenológica, ou a dialética hegeliana – era um instrumento para conhecer o passado, a realidade histórica, para a partir daí poder transformála. Conhecer o passado no pensamento de Leopoldo Zea era um elemento de libertação cultural e afirmação de identidade. Enfim, esse ecletismo teórico e disciplinar, foi (e ainda é) considerado por muitos como não sendo filosofia autêntica e, por outros, desprovido de caráter verdadeiramente historiográfico. Mas, ao fim, no longo processo de mudança e permanência das referências teóricas e filosóficas, dos conceitos, concepções e projetos de Zea, se manifestou uma interessante dialética entre o real e o dever ser, entre a utopia e a realidade, que fundamentou um projeto de reinvenção da identidade latino-americana. 1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás – IFG, Doutorando em História Social, Universidade de São Paulo - USP 12 2 ALTAMIRANO, Carlos. Ideias para um programa de História intelectual. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/sociologia/temposocial/site/index.php/dossies. acessado em 25/08/2010>. 3 STROZI, Susana. El discurso del método y el método de los discursos en la historia intelectual de América Latina. In: TRONCOSO, H. C.; KLENGEL; LEONZO, N. (Ed.). Nuevas perspectivas teóricas y metodológicas de la Historia Intelectual de América Latina. Madrid: Iberoamericana; Frankfurt am Main: Vervuer, 1999, p. 1-14. 4 BACZKO, Bronislaw. A imaginação social. In: LEACH, Edmund et Al. Anthropos-Homem. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985, p. 308. 5 FALCON, Francisco C. História das Ideias. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Org.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 92. 6 DUBY, Georges. Heresias e Sociedades na Europa Pré-Industrial, séculos XI-XVIII. In: Idade Média – Idade dos Homens. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 17. 7 Para Thomas S. Kuhn, paradigmas são as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes dessa ciência. KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1998. 8 Em função de sua longa trajetória intelectual, bem como sua eclética concepção teórica e metodológica e sua ensimesmada perspectiva latino-americanista, Leopoldo Zea acumulou um amplo e variado conjunto de crítica, polêmicas e debates. Foram vários os seus oponentes intelectuais: os historiadores estadunidenses William D. Raat e Charles A. Hale (1930-2008); e o filósofo peruano Augusto Salazar-Bondy (1925-1974), nos anos 1970; os filósofos mexicanos Abelardo Villegas (19342001) e Luiz Vilhoro (1922-), no final dos anos 1970 e inicio dos 1980; francês Herbert Lamm, o polonês naturalizado nos Estados Unidos Konstantin Kolenda (1923-1991), o filósofo tcheco Zdenëk Kourín (1932-), o filósofo estadunidense Richard M. Rorty (1931-), nos anos 1980 e 1990, entre outros. 9 Destacamos, entre outros, os trabalhos de Solomom Lipp, Leopoldo Zea: From Mexicanidad to a Philosophy of Histor; Bolina F. C. Leopoldo Zea as na educator for Latin Americans: Self fulfillment through the assimilation of the past; Mario Magallón Anaya, En torno a la filosofia de Leopoldo Zea; Marco Nifantani La filosofia política de Leopoldo Zea; Amy Oliver, The construction of a philosophy of history and life in the major essays of Miguel de Unamuno and Leopoldo Zea, Miguel Velázquez, Conciencia histórica: posibilidad para una filosofia de la história desde América Latina, Introducción al pensamiento del Dr. Leopoldo Zea. 10 Segundo Sonia Lacerda e Tereza Kirschner, não se deve compreender tradição como uma pura conservação ou continuidade de valores imutáveis, mas sim como um movimento de reatualização constante, como sucessão de atos de ressignificação que garantem a atualidade dos bens culturais recebidos. Cf. LACERDA, Sonia; KIRSCHNER, Tereza Cristina. Tradição intelectual e espaço historiografico ou por que dar atenção aos textos clássicos. In: LOPES, Marcos Antônio. Grandes Nomes da História Intelectual. São Paulo: Contexto, 2003, p. 25-38. 11 Como afirma um grande historiador social “a humanidade sobreviveu. Contudo, o grande edifício da civilização do século XX desmoronou nas chamas da guerra mundial”. HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos. O breve século XX 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 30. 12 Em 1942, Zea: “el tema de la posibilidad de una Cultura Americana, es un tema impuesto por nuestro tiempo, por la circunstancia histórica en que nos encontramos. Antes de ahora el hombre americano no se había hecho cuestión de tal tema porque no le preocupaba. Una Cultura Americana, una cultura propia del hombre americano era un tema intrascendente. América vivía cómodamente a la sombra de la cultura europea”. ZEA, Leopoldo. En torno a una filosofia americana. Cuadernos Americanos. México, n. 1, 1942, p. 35. 13 Idem. El Positivismo en México: nacimiento, apogeo y decadencia. México: FCE, 1968 [1943], p. 26. 14 Ibid., p. 24. 15 Sobre a diferença entre historicismo e historismo, cf. WEHLING, Arno. A invenção da História. Estudos sobre o historicismo. Rio de Janeiro: Ed. UGF; UFF, 1994; e FALCON, Francisco J. C. Historicismo: antigas e novas questões. História Revista. Goiânia, v. 7, n. ½, jan.-dez. 2002, p. 23-54. 16 CARVALHO, Eugenio Resende de. Pensadores da América Latina: o movimento latino-americano de história das ideias. Ed. UFG, 2009. 13 17 Este movimento foi constituído pelo mexicano Abelardo Villegas Maldonado (1934-2000), os peruanos Francisco Miró Quesada (1918- ), o uruguaio Arturo Ardao (1912-2003), o argentino Arturo Andrés Roig (1922-1912), o peruano Augusto Salazar Bondy (1925-1972), os argentinos José Luis Romero (1909-1977) e Enrique Dussel (1934- ), o argentino naturalizado mexicano Horacio Cerutti Guldberg (1950- ), os brasileiros João Cruz Costa (1904-1978) e Darcy Ribeiro (1922-1997) e o colombiano Jaime Rubio Ângulo, entre outros. O que demonstra a projeção continental do movimento. 18 PINEDO C., J. Identidad y método: aproximaciones a la historia de las ideas. In: TRONCOSO, H. C.; KLENGEL, S.; LEONZO, N. (Ed.). Nuevas perspectivas teóricas y metodológicas de la Historia intelectual de América Latina. Madrid: Iberoamericana; Frankfurt am Main: Vervuer, 1999, p. 15-34. 19 O Hiperión era composto por Emilio Uranga (1921-1988), Jorge Portilla (1918-1963), Luis Villoro (1922), Ricardo Guerra (1927), Joaquín Sánchez McGregor (1925), Salvador Reyes Nevares (19221993), Fausto Vega (1922) e Leopoldo Zea. 20 ASSMANN, Selvino José. A Filosofia da História de Leopoldo Zea. América Latina e a História. Tese de doutorado. Pontifcia Universita Lateranese – Roma – Itália, 1983, p. 183. 21 CERUTTI GULDBERG, Horácio. Humanismo del hombre de carne y hueso en la filosofia de la historia americana: Leopoldo Zea. Prometeo. UG. Año 2, sep.-dic. 1986, p. 45-60. 22 MIRO QUESADA, Francisco. Leopoldo Zea y el Hiperion. In: Despertar y proyecto del filosofar latino-americano. México: FCE, 1981. 23 ZEA, Leopoldo. El Occidente y a conciencia de México. México: Editorial Porrúa, 1974[1952], p. 17. 24 Ibid., p. 24. 25 Segundo o pensador mexicano, “Ser, por ejemplo, francés, ingles o alemán, significó ser siempre el hombre por excelencia. Sus puntos de vista eran considerados como universales”. Idem., América como conciencia. México: Cuadernos Americanos, 1972 [1953], p. 61. 26 Segundo ele, “Ésta era ‘naturalmente igual en todos las hombres’, decia el propio Descartes. ‘La desigualdad tenia su origen en algo remoto, pero accidental. En algo que le habia sucedido al hombre debido a una serie de diversas circunstancias”. Ibid., p. 46. 27 Segundo ele, “este cuerpo resultaba, asi, una especie de cárcel que impedia a una razón desarrollarse como cualquier otra. La desigualdad occidental se presentaba, así, como una desigualdad esencial, por lo que tenía de ineludible. Pese a la igualdad de todos las hombres la realidad mostraba una desigualdad que debería tener un origen. Este origen era de carácter fisico, natural, biológico. Pese a todas las ideas de igualdad, en el mundo existian hombres superiores y hombres inferiores”. ZEA, Leopoldo. América en la historia. México: FCE, 1957, p.83-84. 28 Contudo, como lembra Selvino Assmann, Zea também mostrava que havia na Europa moderna outros pensadores que tinham perspectivas diferentes sobre a expansão europeia e o discurso da superioridade. ASSMANN, op. cit., p. 302. Na perspectiva de Zea, para Montaigne, todos os homens eram iguais, a única diferença estava em que os civilizados de hoje foram os selvagens de ontem, e os selvagens de hoje serão os civilizados de amanhã. Também Diderot lançou ataques ferozes contra os “bárbaros europeus”. Isto é, não havia no pensamento de Zea uma generalização total com relação a todos os pensadores, o que denunciava era que as vozes de alguns legitimavam as ações colonizadoras. 29 Em diversos de seus livros da década de 1950 Zea fazia referências à edição da obra de 1946. Além disso, acreditamos que Zea teria conhecido Gerbi em 1956 no Primer Seminario de Historia de las Ideas, realizado em San Juan de Porto Rico. 30 A partir da filosofia aristotélica, Romanell, em seu trabalho La formación de la mentalidad mexicana, dizia que a concepção de Zea era demasiadamente pragmatista. Para ele, a perspectiva de Zea “presupone sin saberlo uma interpretación utilitarista de la vida, cuyo fundamento es la teoria darwiniana...” ROMANELL apud CUSPINERA, Margarita Vera. La obra filosófica de Leopoldo Zea a luz de sus críticos. Diánoia. V. 28, n 28, 1982, p. 301. 31 Ao analisar a obra de Zea, Griffien afirmava que "Esta reconstrução do passado dá lugar ao que Huizinga havia denominado de “inflação de termos, ideias estereotipadas e antropomorfismos”. Os dois primeiros aparecem quando Zea fala de ‘liberalismo, ’ ‘imperialismo’ e ‘colonialismo’; usa estas palavras como se fossem realidades imutáveis e para cobrir a vasta complexidade do comportamento social humano. La última tendência se exemplifica no uso do terno ‘civilização ocidental, ’ uma abstração que ele recobre com vontade e as emoções humanas e descreve como “exclusivo”, 14 “explorar” e “negar”” apud GRIFFIN, Charles C. América en la historia, by Leopoldo Zea. The American Historical Review, n. 68, 1957, p. 709-711. 32 Boa parte das colônias asiáticas e africanas só foi libertada no final dos anos 50 e início dos 60, algumas, só depois de vários anos de batalhas sangrentas. Algumas com Djibuti e Zimbawe só no final da década de 1970 e início 1980. Isso sem falar no Caribe onde ilhas como Jamaica e Trinidad Tobago foram libertadas somente em 1962, e outras como Belize e Antígua, só em 1981. 33 Documento criado pela ONU em 1941, e assinado por diversos países, que estabelecia a mudança do sistema de relações internacionais através de princípios que, ao menos em teoria, condenava o colonialismo. Entre os diversos princípios defendidos destacava-se o direito de autodeterminação dos povos. Para mais detalhes ver: LINHARES, Maria Yedda. A Luta contra a Metrópole (Ásia e África). São Paulo: Brasiliense, 1981, p.15. 34 Segundo Maria Yedda Linhares, em um de seus discursos no pós-guerra o primeiro ministro britânico Winston Churchill disse que: “Não nos engajamos nesta guerra com o objetivo de lucro ou de expansão, mas tão somente levados pelo sentimento de honra e para cumprir nosso dever como defensores do direito. Entretanto, desejo ser claro: o que temos, nós conservaremos. Tão me tornei primeiro ministro de Sua Majestade a fim de proceder liquidação do império britânico [grifo nosso]”. Ibid., p. 66. 35 Em 1961, Zea participou de uma missão de aproximação com os povos recém-libertos da África, quando entrou em contato com o pensamento africano e com as ideias do Movimento de Negritude. Em tal período conhece diversos pensadores africanos e caribenhos (Leopoldo Sedar Senghor, do Senegal, Aime Cesaire, da Martinica, Kwame N’ Krumah, de Ghana e outros) aprofunda no diálogo com a obra de Frantz Fanon (1925-1961) e a divulga em seu El Pensamiento Latinoamericano (1965), e mais tarde, em Fuentes de la Cultura Latinoamericana (1993). 36 Dizia Zea que “Al igual que Sarmiento en la Argentina, Antelo creía que con la desaparición de la raza india y la mestiza Bolivia se regeneraría [...] Andre Lamas habla aquí con voz semejante a la de Sarmiento, Alberdi, Echeverria, Lastarria, Bilbao, Rodríguez, Bello, Mora y todos esos grandes pensadores que lucharon en todos los campos, el educativo y el político, para libertar a la América espahola de una herencia que consideraban fatal para su desarrollo”. ZEA, Leopoldo. El pensamiento latinoamericano. Barcelona: Editorial Ariel, 1976 [1965], p. 345. 37 Ibid., p 91. 38 Ibid., p. 345. 39 Ibid., p.08. 40 O primeiro evento de grande proporção de história das ideias na América Latina foi o Primer Seminario de Historia de las ideas realizado em 1956 na cidade San Juan de Puerto Rico. 41 Fruto do Primer Seminario de Historia de las ideas nasceu a Revista de Historia de las Ideas que teve sua primeira publicação em 1959 em Quito no Equador, em função das iniciativas de Benjamím Carrión. A revista de Historia de las ideias teve apenas dois volumes publicados, mas outras revistas, como, por exemplo, a revista Cuadernos Americanos, também serviram com veículos de circulação das ideias do grupo. 42 RAAT, William Dirk. Ideas e historia de México: un ensayo sobre metodología. Latinoamérica: Anuario Latinoamericano. Centro de Estudios Latinoamericanos, UNAM, México, n. 3, 1970, p. 185. 43 Ibid., p. 185. 44 HALE, Charles Adam. Sustancia y método en el pensamiento de Leopoldo Zea. Historia Mexicana, El Colegio de México, v. XX, n. 2, oct.-dic. 1970, p. 301. 45 Ibid., p. 286. 46 ZEA, Leopoldo. La historia de las ideas en América Latina. Tunja: UPTC, 1975, p. 9. 47 Idem. Filosofia de la Historia Americana. México: FCE, 1978. 48 Ibid., p. 24. 49 Ibid., p.25. 50 Segundo o historiador chileno Javier Pinedo, a história das ideias de Leopoldo Zea se associava também a uma tarefa de desenvolvimento de um programa filosófico-político-cultural que permitisse o desenvolvimento da consciência latino-americanista. De tal modo, considera que na proposição de história das ideias do pensador mexicano o objeto estava sobre o método. Ibid., p.28-29. 15 51 Essa postura de Zea não era nova. Ele já havia a assumido desde seus primeiros escritos. Em 1952, em La Filosofia como Compromiso y Otros Ensayos, ele colocava que “Todo hombre, cualquier hombre, cualqueira de nosostros, desde el mismo momento en que tomamos conciencia de nuestra existencía, tomamos también conciencia de nuestro ser comprometido”. Ibid., p. 12. Para Zea, a situação em que se encontrava ainda a Hispano-América exigia que o intelectual assumisse uma atitude comprometida. Pois, segundo ele, “En nuestros países no podemos decir que todos los oprimidos se encuentrem organizados. Tampoco podemos decir que todos tengan conciencia de su situación. Por ejemplo, aun tenemos el problema indígena y con él un tipo de explotación primitivo en comparacion con el realizado por la burguesia sobre el proletariado. Al lado de la explotación del Imperialismo y de las burguesias locales, tenemos aún, en varios pueblos de Hispanoamérica, el mismo tipo de explotacion que Ia Conquista impuso sobre los pueblos conquistados hace cuatro siglas. Al lado de los grandes capitanes de empresa del Imperialismo mundial y los pequenos de nuestras burguesias coloniales, se encuentran nuestros típicos dictadores: caudillos, caciques y ‘hombres fuertes’. Aqui, nuestros intelectuales, como tales, tienen aún mucho que hacer, si se consideran responsables”. Ibid., p. 34-35. 52 Em De la Historia de las ldeas a la Filosofia de la Historia Americana o filósofo mexicano, ao comentar o pensamento africano, dizia que “Tal es también, el programa de Ia historia de nuestras ideas. Un programa, de desanajenacion, de descolonizacion”. Ibid., p.22).