A lei de Coulomb Fundamentos da Eletrostática Aula 05 A Lei de Coulomb e o Campo Elétrico Conforme mencionamos anteriormente, trataremos neste curso de distribuções estáticas de cargas; isto é, vamos sempre supor que os corpos carregados permanecem xos durante todo o tempo e, como conseqüência, todas as grandezas que vamos considerar são independentes do tempo. Prof. Alex G. Dias Prof. Alysson F. Ferrari Esta simplicação nos permitirá encontrar com mais facilidade forças, campos e energia de tais congurações. Neste processo, você deverá praticar várias das habilidades necessárias para o desenvolvimento completo da teoria eletromagnética, que envolve a situação de cargas em movimento. Começamos com a lei de Coulomb, uma constatação exerimental de que a força sobre uma carga pontual q1 r1, devido à existência de carga q2 localizada em r2 é zada em outra locali- F = uma q1 q2 r1 − r2 . 4πε0 |r1 − r2|3 Aparece nesta expressão a constante fundamental ε0 = 8.85 × 10 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 C −12 N 2 · m2 , 1 Carga Elétrica chamada de permissividade do vácuo. Você verá mais adiante que o eletromagnetismo possui outra constante fundamental, µ0, relacionada ao campo magnético gerado por cargas em movimento, −7 N µ0 = 12.57 × 10 Note que o produto ε0 µ0 · s2 C tem dimensões de 2 Paramos agora para uma observação sobre a carga elétrica. . observado que as cargas livres (manipuláveis) existentes na natureza são encontradas em múltiplos inteiros de uma unidade de carga. Tal 1 (velocidade) 2 . De fato, James Clerck Maxwell descobriu, no nal do século XIX, que unidade corresponde exatamente à carga de um elétron, ε0 µ 0 |qe| = 1.6019 × 10−19C . está relacionado à velocidade da luz através de c=√ É 1 . µ 0 ε0 O elétron é considerado uma partícula pontual, sem estrutura interna, na teoria padrão que descreve parte das interações fundamentais O fato de que a luz não é mais que um fenômeno eletromagnético foi uma das maiores descobertas do século XIX. A radiação eletromagnética recebe diferentes nomes conforme o seu comprimento de onda típico - luz, microondas, ondas de rádio, raios-X, etc... , e suas aplicações práticas são tão difundidas que é difícil imaginar a vida moderna sem elas. da natureza. Por se tratar de uma partícula microscópica, o comportamento do elétron só pode ser descrito por uma teoria quântica, e na mecânica quântica não é possível ter controle total da trajetória do elétron para testar, por exemplo, a lei de Coulomb entre dois elétrons. Por outro lado, qe é um número extremamente pequeno e as cargas macroscópicas que manipulamos em laboratório envolvem tipicamente um número muito grande de elétrons. Isto nos permite usar uma aproximação clássica em que carga elétrica pode estar continuamente distribuída num dado volume, por exemplo. Assim, podemos considerar as cargas contidas em um dado volume, por exemplo, como resultando de uma distribuição contínua de cargas, com uma densidade volumétrica ρ (r). Denimos ρ da seguinte maneira: consideramos um dado volume de NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 2 r, contendo n (∆V ) num ponto ∆V r em torno elétrons. Não podemos simplesmente tomar NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 3 ∆V → 0, evidente. ou a natureza corpuscular da carga elétrica se tornará Assim, tomamos ∆V muito pequeno (do ponto de vista de Coulomb? No mundo microscópico, devemos usar a mecânica quântica para descrever os fenômenos, e aí não se pode empregar macroscópico), mas ainda assim grande o suciente para envolver um o conceito de força. número considerável de elétrons. importância, e a medida, por exemplo, das linhas espectrais do átomo 00 00 ∆V → 0 Denotamos este limite físico por . Assim, Contudo, o conceito de potencial tem grande de Hidrogênio mostram que o elétron está ligado ao núcleo atômico por um potencial que, com grande precisão, é da forma n (∆V ) qe = ∆V ∆V →000 ρ (r) = 00 lim e a distribuição contínua ρ (r) ∆q , 00 ∆V →000 ∆V 1 r , justamente o potencial clássico de Coulomb. lim é uma boa aproximação para uma distribuição de elétrons carregados, de tal forma que a carga total em V ˆ seja dada por Q= V ρ (r) d3V . (Tudo isto é feito, na prática, porque é muito mais fácil manipular formalmente integrais do que somas). Dito isto, o que realmente entendemos por cargas pontuais, quando nos referimos à lei de Coulomb? Na verdade, as observações experimentais que levaram a esta lei envolvem cargas concentradas em corpos carregados de volumes muito pequenos, de tamanho muito menor do que as distâncias entre os corpos envolvidos. Nestas 1 condições, o fato de que a força elétrica varia como 2 foi vericado r experimentalmente com grande precisão. De ora em diante, sempre que nos referirmos a carga pontual estamos nos referindo a este tipo de concentração macroscópica de cargas. Podemos nos perguntar sobre a validade da lei de Coulomb no nível microscópico ou seja, elétrons individuais obedecem à lei NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 4 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 5 Princípio da Superposição Leitura suplementar I No começo do século XX, Robert Millikan efetuou uma experiência para medir a carga do elétron observando que, com Dada uma carga pontual grande precisão, micropartículas de óleo carregadas sempre Q localizada r, a lei de Coulomb nos diz qual a força possuíam carga igual a um múltiplo inteiro de um certo valor, em uma unidade indivisível de carga, que foi entendida como sendo que ela sente devido à presença de uma igual à carga de um único elétron. Este experimento valeu-lhe carga o prêmio Nobel de física em 1923 e é considerado um dos mais verem outras cargas presentes? Digamos belos experimentos da física realizados até hoje. que exista (além de Veja mais em: cargas ri . http://en.wikipedia.org/wiki/Oil-drop%5Fexperiment q1 localizada em qi , Mas e se hou- Q) uma coleção de N cada uma localizada no ponto É um fato experimental da maior im- portância que vale o princípio da superposição : a força sentida por http://www.if.ufrgs.br/historia/millikan.html é simplesmente a soma das forças Leitura suplementar II a carga A teoria clássica do eletromagnetismo não é suciente para qi além de Q. Fi, Q calculadas como se só existisse Ou seja, F = F1 + F2 + · · · # " r − r2 r − r1 Q q1 + q = 2 3 3 + ··· 4πε0 |r − r1| |r − r2| a eletrônica moderna; seu componente mais fundamental, o transistor, só tem seu funcionamento explicado pela mecânica quântica. Além disso, existem transistores sensíveis à passagem de um único elétron, para os quais a aproximação macroscópia discutida acima é totalmente inválida. N Q X r − ri qi = 4πε0 i=1 |r − ri|3 Veja mais em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Trans%C3%ADstor http://en.wikipedia.org/wiki/Transistor http://physicsworld.com/cws/article/print/1420 No caso de uma distribuição contínua, a soma será substituída por uma integral sobre a distribuição de carga Q F (r) = 4πε0 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 r1 . 6 ˆ r − r0 |r − NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 ρ (r) 3 ρ (r r0 | 0 da seguinte forma, ) d3 V 0 . 7 e (quando não especicamos o volume de integra- Q F (r) = 4πε0 ção é porque integramos sob todo o espaço). Note que podemos escrever ˆ r − r0 linha 3 λ (r r0 | |r − 0 ) d`0 . Para concluir, notamos que para uma distribuição discreta de dq 0 = ρ (r0) d3V 0 = ρ (r0) dx0dy 0dz 0 , 0 N qi, podemos denir uma distribuição ρ (r ) por meio da função δ (r − ri), onde ri é a posição de cada carga qi: cargas 0 onde dq 0 é a quantidade innitesimal de carga presente numa região innitesimal em torno do ponto r0 . 0 ρ (r ) = Já se a carga estiver distribuída apenas sobre uma superfície, dq 0 qi δ 3 (r0 − ri) , i=1 será dada por uma distri- buição supercial de carga, de tal forma que ˆ dq 0 = σ (r0) da0 0 3 0 ρ (r ) d V = N X ˆ qi 3 0 3 ˆ r − r0 superfície |r − 3 σ (r r0 | 0 ) da0 . Q F (r) = 4πε0 um longo o condutor, com diâmetro muito i=1 ˆ r − r0 3 ρ (r r0 | 0 ) d3 V 0 N Q X r − ri = qi , 4πε0 i=1 |r − ri|3 será descrita por uma distribuição linear de carga, dq 0 = λ (r0) d`0 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 qi , |r − ˆ N Q X r − r0 3 0 = qi δ (r − ri) d3V 0 3 0 4πε0 i=1 |r − r | uma linha (situação que descreve, por exemplo, dq 0 N X e Se a carga estiver distribuída apenas sobre menor que seu comprimento), 0 δ (r − ri) d V = i=1 e Q F (r) = 4πε0 N X que é justamente a força para uma coleção discreta de cargas. 8 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 9 O Campo Elétrico Num caso mais geral, envolvendo várias distribuições de cargas, podemos simplesmente escrever Q F (r) = 4πε0 ˆ r − r0 |r − 3 dq r0 | 0 , Na expressão geral Q F (r) = 4πε0 onde subentende-se que a integral extenda-se por toda região em que há carga, e em cada situação deve-se tomar o dq 0 Q F (r) = 4πε0 3 |r − r0| ˆ + r−r superfície ˆ + ρ (r ) + ρdiscreto (r ) d3V 0 0 linha |r − r−r |r − 0 3 σ (r r0 | 3 λ (r r0 | 0 0 Q, dq 0 0 , (que são integradas) e que só aparece como um fator multiplicativo na força F. Isto signica que a razão 0 0 |r − 3 dq r0 | existe uma clara assimetria entre as cargas a carga r − r0 r − r0 apropriado. Alternativamente, podemos escrever explicitamente para a força total "ˆ ˆ F (r) = E (r) , Q ) da0 # denominada de campo elétrico ) d`0 . especicar o valor de Q. Q E no ponto r, pode ser calculada sem é a chamada carga teste e dq 0 as cargas fontes do problema em questão. Na verdade, embora a força F só exista quando a carga Q está presente, podemos pensar que o campo elétrico produzido pelas cargas dq 0 r, mesmo se Q está ausente. Assim, uma distribuição ρ (r) cria um campo elétrico E (r) em todo o espaço, que existe em de cargas pode ser calculado de forma geral como 1 E (r) = 4πε0 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 10 ˆ NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 r − r0 |r − 3 dq r0 | 0 , 11 Exemplo 1: distribuição linear de carga ou, mais explicitamente, E (r) = 1 4πε0 "ˆ ρ (r0) + ρdiscreto (r0) d3V 0 r − r0 3 |r − r0| ˆ + superfície ˆ + Problema: determinar o campo elé- r − r0 linha |r − r − r0 3 σ (r r0 | 0 0 0 3 λ (r |r − r0| O campo elétrico só depende das cargas ) da trico em um ponto P no eixo z, consi- derando que há uma distribuição linear de # ) d` dq 0. 0 cargas, com densidade constante . lizada sobre o eixo dos de x=0 até x = L. Não podemos, contudo, Posição de medir diretamente o campo elétrico: precisamos colocar uma carga de Q num dado ponto do espaço, medir a força exercida sobre esta carga, e daí inferimos E. Geralmente, é preciso considerar Q pequena x, λ, loca- que se extende P : r = z ẑ teste Elemento de carga: dq 0 = λdx0 o bastante para não inuenciar signicativamente as cargas fontes que queremos estudar. O fundamental é que podemos calcular e estudar o campo elétrico sem precisar da carga teste Q, Posição de dq 0: r0 = x0x̂ e é o que faremos no restante deste curso. 1 E (r) = 4πε0 1 = 4πε0 Como NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 12 ˆ ˆ 0 r − r0 |r − L 3 dq r0 | 0 zẑ − x0x̂ 0 3/2 λ dx 2 z 2 + (x0) x0 é uma variável muda, vamos mudá-la para x por comodidade, NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 13 e calcular: e daí λ E (zẑ) = 4πε0 = ˆ L zẑ − xx̂ 3/2 0 " λ zẑ 4πε0 (z 2 + x2) ˆ L dx 0 λ E (zẑ) = 4πε0 dx (z 2 + x2) ˆ 3/2 − x̂ 0 L # xdx (z 2 + x2) " L L3 − z |z| 2z |z|3 ! ẑ − # L2 3 2 |z| x̂ . 3/2 Por integração direta, ou consultando uma tabela de integrais, obtemos: ˆ L 3/2 (z 2 + x2) 0 ˆ 0 dx L x dx (z 2 + x2) 3/2 L x = √ L = √ z 2 z 2 + x2 0 z 2 z 2 + L2 L 1 = 1 −√ 1 = −√ |z| z 2 + x2 0 z 2 + L2 e portanto, λ L 1 1 √ E (zẑ) = ẑ − −√ x̂ . 4πε0 z z 2 + L2 |z| z 2 + L2 Se supomos que z L, 1 √ = z 2 + L2 vale a aproximação 1 |z| 1 + NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 1 L2 1 ≈ |z| 1 − 2z 2 L2 2 z2 14 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 15 Exemplo 2: carga numa casca esférica Problema: determinar o Logo, campo elétrico dentro e fora de uma superfície (casca) esférica com densidade de carga supercial constante σ. Sem perda de generalidade (por quê?), podemos escolher o ponto z. P no eixo dos Portanto: ˆ r − r0 1 0 E (zẑ) = dq 3 0 4πε0 |r − r | ˆ π ˆ 2π ” σ zẑ − (R sin θ cos φx̂ + R sin θ sin φŷ + R cos θẑ) “ 2 = R sin θ dθ dφ ` ´ 3/2 4πε0 0 0 z 2 + R2 − 2zR cos θ ˆ 2π ˆ −R sin θ (cos φx̂ + sin φŷ) + (z − R cos θ) ẑ σR2 π dφ dθ sin θ = ` ´3/2 4πε0 0 0 z 2 + R2 − 2zR cos θ A integral em 0 0 r =Rr̂ = x x̂ + y ŷ + z ẑ =R sin θ cos φx̂ + R sin θ sin φŷ ˆ |r − r | = = 2 |r| − 2 |r| R cos θ + sin φ são nulas no intervalo 2π 0 ˆ 0 π ˆ dφ dθ π 0 dθ (z − R cos θ) ẑ (z 2 + R2 3/2 − 2zR cos θ) (z 2 + R2 − 2zR cos θ) R2 0 π dθ √ (z − R cos θ) sin θ 3/2 (z 2 + R2 − 2zR cos θ) = = Note que, dentro da esfera, temos sin θ 3/2 z 2 − 2zR + R2 + z − R p z 2 (z 2 − 2zR + R2) |z − R| + z − R z 2 |z − R| z < R e |z − R| = − (z − R), portanto 2 E (zẑ) = 0 dq = σda = σR sin θdθdφ NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 logo só (z − R cos θ) sin θ p z 2 + R2 − 2zR cos θ 0 [0, 2π], Novamente, uma integral que deve ser feita: + R cos θẑ 0 ˆ σR2 ẑ = 2ε0 0 0 e sobra σR2 E (zẑ) = 4πε0 r =zẑ r cos φ 16 (pontos dentro da esfera) NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 17 Já fora da esfera, temos z>R e |z − R| = z − R, logo σR2 E (zẑ) = ẑ ε0 z 2 Note que q = 4πR2σ , logo E (zẑ) = q ẑ . 4πε0 z 2 Questões: 1. Interprete sicamente este resultado, 2. O que a simetria esférica permite concluir sobre está no eixo dos z? E (r) se r não 3. Você consegue argumentar sicamente por que o campo elétrico dentro da esfera é zero? NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 18