Nascimento e Desenvolvimento da Filosofia da História Birth and Development of the Philosophy of History Resumo Gilberto Brandão Marcon O artigo em questão visa a refletir em torno do conceito trazido para a área da filosofia por Kant, em 1804, em torno da possibilidade de haver leis tais como as que conduzem à natureza física, que em seu aspecto determinístico seriam capazes de definir as relações humanas e, assim, definindo a construção da sociedade, a filosofia da história, como algo distinto da historiografia voltada a escrever a história. Neste sentido, a crítica é em relação a se buscarem meios de aproximação da realidade ocorrida. Em um caso se tem a História como disciplina, em outro, como conceito filosófico especulativo, desenvolvido posteriormente por Hegel, o qual foi fonte para Marx, que adotou tal preceito como basilar em sua estruturação teórica, em torno da qual se produziram diversas abordagens na educação. Assim, o que aqui se objetiva identificar é a sua origem, visando a discutir a sua efetiva extensão e significação, para que se avalie a distância entre a teoria e a realidade. Autor Palavras-chave Determinismo, Educação, Filosofia, Filosofia da História, Historiografia Gilberto Brandão Marcon: Coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UNIFAE. Economista formado pela UNICAMP (1986), Especialista em Economia de Empresas pela FAE (1988), Mestre Interdisciplinar em Administração, Comunicação e Educação pela UNIMARCO (2008), Doutorando (2011-2015) em Educação UNIMEP. Empresário por 20 anos na área de assessoria econômico-contábil (1986-2007). Professor Associado UNIFAE (2003), Ex-Presidente do IPEFAE (20052007) e Membro da Academia de Letras de São João da Boa Vista, ex-comentarista econômico TV UNIÃO (2008 - 2011) e Delegado Municipal CORECON. e.mail: [email protected]; [email protected] Recebido em 13/outubro/2011 Aprovovado em 31/outubro/2012 50 Pensamento Plural: Revista Científica do , São João da Boa Vista, v.6, n.1, 2012 Nascimento e Desenvolvimento da Filosofia da História Introdução Ao se atentar para o segmento do conhecimento da História, a percepção por conta da familiaridade com o termo desde os primeiros anos de educação formal é que se trata de algo objetivo, constituído pelo esforço de pesquisadores da área que assim permitem acesso ao passado. Mais do que isto, tem-se por conta da cultura ocidental que ajustála a uma leitura cronológica. Entretanto, ao se propor constituir artigo neste sentido passa-se a perceber que se trata de algo bem mais complexo, onde subsidiam a sua elaboração questões de linha metodológica que interagem ao objeto de estudo no que diz respeito à abordagem. Ou seja, não se tem ainda a possibilidade de uma história total, mas sim, fragmentos, a partir de um olhar do historiador, o que deveria propor no mínimo uma reflexão crítica ante o material que se tem à disposição para a leitura. Em ciências humanas os dados são oferecidos pela história e propiciam a construção das informações e, em sendo ciência, seria desejável a sua imparcialidade para então direcionar o foco dos vários segmentos das ciências sociais sobre a mesma. O problema é que o historiador também é um ser humano com uma subjetividade constituída, e mesmo que este se guie pelos cuidados em ser objetivo, haverá de estar interagindo com o próprio contexto histórico e epistemológico em que está vivendo. Neste sentido o que aqui se propõe é identificar duas situações que se mostram presentes na formatação deste conhecimento, interagindo constantemente: a historiografia e a filosofia da história. Quanto ao conceito ou definição de historiografia, segundo a livre docente Silvia Helena Zanirato: “a produção do conhecimento histórico é complexa, e essa complexidade implica examinar os fundamentos da ciência da história, de modo que se compreenda como é organizado o pensamento histórico”(ZANIRATO, 2006), o que transparece é que ao querer definir o verbete não se encontra algo exato, mas antes de aproximações, ou ainda indicações daquilo que não é historiografia. Primeiramente, tentando encontrar aquilo que viria a ser: “Em 1821, diante da Academia de Ciências de Berlin, Wilhelm Von Humboldt pronunciou sua famosa conferência sobre a tarefa do historiador. Para ele, o intuito fundador da prática historiográfica seria ‘expor o que aconteceu’ [...]” (NICOLAZZI; ARAÚJO, 2009). De modo geral, ao se buscar nos dicionários pela palavra “historiografia”, o que pressupõe uma definição mais sintética a liga desde a arte de escrever a história até o estudo e descrição da história, além de acrescer o estudo crítico realizado pelos historiadores que seriam os autores dos trabalhos históricos. E então já se observa algo de dúbio, afinal se alguns veem arte, outros propõem descrição. Se no primeiro caso temos expressão do sujeito, no segundo trata-se de fixar-se no objeto, neste caso, o fato histórico. De fato, o que parece a princípio dúbio, expressa uma realidade onde: A escrita da história opera, [...] no jogo entre o singular e o geral, entre os planos do visível e do invisível: ‘a verdade de tudo o que aconteceu repousa sobre a reunião da parte que em cada fato permanece invisível; o historiador deve, consequentemente, realizar esta reunião’ [...]” (NICOLAZZI; ARAÚJO, 2009), ou seja, em que pese visar o fato, ainda assim haverá interferência do historiador. Numa proposta de aproximação conceitual poderia dizer que historiografia tem por fundamento essencial escrever a história, a sua crítica é no sentido de apurar a ação de melhor escrever, o que não deve ser confundido com uma outra disposição que é a de refletir sobre a história. Se no primeiro caso se tem um direcionamento funcional, no Pensamento Plural: Revista Científica do outro prevalece a possibilidade da abstração, do filosofar sobre a história, portanto, a ‘filosofia da história’. É importante buscar delimitar seus espaços de atuação, não porque não interajam entre si, mas pelo motivo de não poderem ser confundidos entre si. A historiografia reconhece, assim, tanto o sujeito quanto a reflexão racional, mas seu sentido é em direção do fato, o que pode ser feito em diferentes graus de amplitude. Visando a identificar estes territórios, quanto ao conceito de ‘filosofia da história’, é esclarecedor o historiador Voltaire Schilling: Se Isaac Newton descobrira as leis até então secretas do funcionamento do Cosmo, não haveria a possibilidade da filosofia vir algum dia também a descobrir as leis ocultas que movem a história das sociedades? Refletindo sobre isso o pensador Immanuel Kant, morto em 1804, criou a Filosofia da História (SCHILLING, 2003, p.34) O filósofo britânico Simon Blackburn identifica que a expressão ‘filosofia da história’: “[...] foi usada no século XVIII (por exemplo, por Voltaire) para referir o pensamento histórico crítico, que se opõe à mera coleção e repetição de histórias sobre o passado” (BLACKBURN,1997), explica mais, que: “Kant levou esta ideia mais longe, de tal modo que a filosofia da história se converteu na procura de um sistema grandioso sobre o desdobramento da evolução da natureza humana, testemunhado em fases sucessivas (o progresso da racionalidade ou do Espírito) [...] (BLACKBURN,1997), para completar que: “esta filosofia da história essencialmente especulativa encontrou um complemento extra-kantiano em Fichte, para quem a associação da mudança temporal com a implicação lógica introduz a ideia de que os próprios conceitos são o instrumento dinâmico da mudança histórica” (BLACKBURN,1997). Porém não será Kant (1724-1804) que desenvolverá seus pressupostos, mas sim Hegel (1770-1831), no que é interessante deixar claro que não se trata do que se conceberia como um historiador profissional, mas sim um filósofo produzindo reflexões sobre a história: “seu trabalho não foi reconhecido como obra de profissional e sim, de um filósofo idealista que desejava demonstrar uma tese: o desfile do Espírito Absoluto pelos tempos afora, rumo à liberdade” (BLACKBURN,1997). Porém, o plano filosófico haverá de influir sobre a historiografia: “Doravante a verdadeira história, a grande história deveria ser escrita numa perspectiva universal e não mais local. Em todo o transcorrer do século XIX e do XX surgiram coleções mastodônticas denominadas genericamente de ‘histórias universais’ ou ‘mundiais’” (BLACKBURN,1997). Em torno da proposta de Hegel surgiram, via afirmação e refutação de pressupostos, duas linhas distintas: a ‘história [...] positivista, impregnada pela concepção de ‘ordem e progresso’ de um lado, e a ‘história marxista’, sustentada no pressuposto do determinismo econômico da infraestrutura, que nasceram ao longo do século XIX, respectivamente tendo como ícones do pensamento, no caso do positivismo, o francês Auguste Comte (17981857) e o marxismo pelo alemão o Karl Marx (18181883), surgidos na primeira e segunda metade do século XIX. No final do século XIX e início do XX desenvolvese o pensamento de Max Weber (1864 -1920), Suas teorias e propostas metodológicas produziram reflexos na denominada História Temática originada nas primeiras , São João da Boa Vista, v.6, n.1, 2012 51 MARCON, G. B. décadas do século XX. Reafirma-se que tais personalidades não eram historiadores, mas pensadores que antes atuavam como filósofos e sociólogos, que buscaram na reflexão em torno da história a justificava para parte das suas argumentações teóricas. Por fim, uma linha de pensamento marcada pela ideia de decadência se fará presente no início do século XX: “após o colapso geral do poder europeu em 1918 que se cogitou de uma outra visão da história universalista. [...] ela deu-se por intermédio de um pensador e não de um historiador profissional: Oswald Spengler” (SCHILLING. 2003). Em relação a ele: “o seu livro A decadência do Ocidente, publicado em 1918, estava longe do otimismo dos tempos iluministas e do positivismo do século XIX. O mundo spengleriano era um mundo sombrio” (IDEM). O trabalho em questão visa a entender os aspectos propostos por estes autores, pois que estes acabaram não só por influir na própria construção da historiografia, como na ação humana, a partir das suas ideias, ou seja, na bifurcação do caminho acima proposto. O estudo, neste caso, se propõe em direção à filosofia da história. O desenvolvimento da filosofia da história O espaço geográfico de tais acontecimentos é a Europa Ocidental. É o contexto histórico onde se expande a burguesia que ascenderá à classe dominante, à qual ficaram associadas concepções como a valorização da visão científica e do aspecto empírico-experimental, o racionalismo e o individualismo antropocêntrico e sua consequente mudança de relação entre homem e natureza, características que colocam em questionamento a formação do saber anterior ligado à escolástica, baseado em certezas dogmáticas, questionadas no período de transição do Renascimento em direção ao Iluminismo: Trazer à luz a costura interna do tecido da história que permitiria decifrar esse enigma. Em sua Idéia de uma história universal sob o ponto de vista cosmopolita, de 1784, Kant não só estimulou a procura da interpretação racional da história, como também defendeu a idéia de que ela deveria ser escrita sob o prisma de “uma história universal geral” que abarcasse toda a humanidade. Essa ambição correspondia aos tempos iluministas, quando um surto cosmopolita ocorreu por entre a intelectualidade do Velho Mundo, fazendo com que fossem rompidos os muros medievais em que o pensamento estava até então contido. (SCHILLING, 2003) Coube, entretanto, a outro filósofo alemão, desenvolver o proposto por Kant, assim “a primeira tentativa de escrever uma história universal não foi feita por nenhum historiador profissional, e sim, por Hegel (1770-1831) que publicou suas ‘Lições sobre a filosofia da história universal’ em 1830” (SCHILLING, 2003), trata-se do que gerou a denominada ‘historia idealista’, constituída em torno do pensamento do autor ao afirmar que: “a história universal poderia ser explicada como a marcha da razão e que todas as diferenças que encontramos entre povos e países nada mais são do que as faces multiformes dessa mesma razão e que “uma vontade divina rege poderosa o mundo” (SCHILLING, 2003). Para o que conclui que: “nada está sujeito ao acaso, mas sim faz parte de uma ordenação regida por leis naturais perceptíveis pela mente humana” (SCHILLING, 2003). Suas ideias são um marco na filosofia da história e foram construídas no seguinte contexto: Apesar da decepção com o desenrolar dos acontecimentos na França, ele nunca negaria a grandeza histórica da revolução, que influenciaria suas reflexões sobre o curso de história. O movimento francês, assim como a civilização grega, o Império Romano, as mudanças advindas da revelação cristã e da Reforma protestante, são para Hegel, meios de compreender o presente. E para explicálo é preciso dar conta de suas contradições. (ABRÃO, 1999, p.349). Iluminar, ilustrar, esclarecer, fornecer as luzes: a Luz, metáfora da razão desde Platão, torna-se no século XVIII – o Século das Luzes – a grande palavra de ordem. Na Inglaterra, na Itália, na França e na Alemanha, proliferam ideias em seu nome, que, se não se agrupam em só movimento, têm a mesma intenção: combater o seu oposto, as trevas e obscurantismo, seja ele filosófico, religioso, moral ou político (ABRÃO, 1999, p. 249). Em que pesem os anseios de objetivos superiores, na prática criou-se um quadro conflituoso refletindo o confronto entre os novos interesses e aqueles associados ao antigo regime, levando a questionamentos tais como: “é possível extrair-se alguma lógica dessa sucessão de guerras, de grandes confrontos bélicos, de destruição de templos e cidades inteiras, de construção de tantas outras, do desaparecimento de antigas e da emergência de novas civilizações, que marcaram a história da humanidade?” (SCHILLING, 2003). É este quadro que influenciará o filósofo iluminista alemão Immanuel Kant (1724-1804) que terá resposta afirmativa à questão: “mesmo levando em conta o predomínio da loucura e da insensatez entre os homens, devíamos nos esforçar, disse ele, para descobrir o “plano secreto” da natureza que explicasse qual o sentido, aparentemente desencontrado, das ações humanas” (SCHILLING, 2003). Em síntese o proposto por Kant será o abaixo exposto: 52 No mais, é importante observar o corte feito, pois: “conforme Hegel, as mudanças culturais – que constituem a História – não são resultantes do desenvolvimento harmonioso, amoroso, de um plano de Deus, defendido pelos princípios da Teoria do Providencialismo Histórico de Santo Agostinho” (MOTTA, 2005, p.80). Essencialmente suas reflexões recaem sobre o foco das contradições, e estas não faltam naquele momento. Afinal a Revolução Francesa: “[...] saudada como a instauração da razão e da liberdade, como realização da autonomia pregada nos ideais do Iluminismo, [...] transformou-se rapidamente no Terror, e depois, no imperialismo militarista de Napoleão [...]”(ABRÃO, 1999, p.348). Tal situação levou aos seguintes questionamentos: “os resultados do movimento acabam por negar os seus ideais. Por quê? Como eles se articulam, do ponto de vista histórico? A questão intriga Hegel e é o ponto de partida de seu sistema filosófico” (ABRAÃO, 1999, p.349). No desenvolvimento deste problema da contradição entre ideal e realidade é que acabarão por interagir respectivamente as áreas de filosofia e da história: “o esforço de Hegel, Pensamento Plural: Revista Científica do , São João da Boa Vista, v.6, n.1, 2012 Nascimento e Desenvolvimento da Filosofia da História segundo Franklin Leopoldo e Silva, professor de filosofia da USP, concentra-se num objetivo muito claro: a compreensão do presente, a partir da explicação do sentido do desenvolvimento histórico” (ABRAÃO, 1999, p.349), para concluir que: “a filosofia hegeliana caracteriza-se nesta medida, por um intenso compromisso com a realidade.” (ABRAÃO, 1999, p.349). De onde então surge uma nova questão para ser refletida: mais o que é realidade? Para Hegel ela: “se caracteriza justamente por seu aspecto mutável em todos os níveis, principalmente, histórico” (ABRAÃO, 1999, p.349), e então a questão passa a ser: “até que ponto os conceitos formulados por distintos sistemas filosóficos dão conta desse dinamismo?” (ABRAÃO, 1999, p.350). Para resolver tal impasse: “interessa-lhe considerar o aspecto de processo que a mobilidade do real envolver [...] as mudanças [...] desde a percepção sensível até as revoluções políticas. Compreender a realidade significa entender o modo como esse processo transcorre” (ABRAÃO, 1999, p.349). A história idealista, em essência é um modelo que visa a explicar o movimento de evolução do universo. Este, por seu lado, está em contínua evolução, o que ocorre sem interferência do ser humano. A causa primeira deixa de ser a ‘providência divina’ introduzida por Santo Agostinho. Deus não é abolido, mas fica antes ligado à natureza, como aquele que dirige o mundo por leis. Neste sentido, o projeto para o mundo é absolutamente racional: [...] Deus é o sistema de relações no qual todas as coisas se movem e têm sua existência e seu significado. No homem, o Absoluto se alça à consciência de si mesmo e se torna Ideia Absoluta – isto é pensamento que se realiza como parte do Absoluto transcendendo limitações e propósitos individuais, e captando, sobe a competição universal, a oculta harmonia de todas as coisas. ‘A razão é a substância do universo [...] o projeto do mundo é absolutamente racional. (DURANT, 1996. p.281) Por fim, a lei que haverá de colocar todo o sistema em movimento será a dialética que, nesta concepção, não apenas atua no plano do pensamento abstrato, mas também no mundo concreto, e mais do que isto é elemento de interação entre os dois planos distintos: Porque não só os pensamentos se desenvolvem e evoluem segundo esse ‘movimento dialético’, mas também as coisas; toda a situação contém uma contradição que a evolução deve resolver com uma unidade reconciliadora [...] O movimento do pensamento, então, é idêntico ao movimento das coisas; em cada um deles há uma progressão dialética a partir da unidade para a diversidade e daí para a diversidade na unidade (DURANT, 1996, p.280/281). Com tais pressupostos, Hegel faz a conexão entre filosofia e história, pois se interligam pensamento e fato: “de todas as relações, a mais universal é a do contraste, ou oposição. Toda condição de pensamento ou das coisas – toda ideia e toda situação do mundo – leva irresistivelmente ao seu oposto e depois se une a ele para formar um todo mais elevado e mais complexo” (DURANT, 1996, p.280), eis o “movimento dialético”. Tal explicação parte da postulação filosófica de que para Hegel tudo aquilo que Pensamento Plural: Revista Científica do existe nada mais é do que uma manifestação da Ideia, que por seu lado evolui necessariamente em direção ao Espírito, onde se pode identificar o mecanismo denominado de dialético: e a Ideia num primeiro momento equivale à tese, a qual se contrapõe à antítese como negação da primeira, que representa a Natureza, sendo que da interação de ambas surgirá a síntese, expressão do Espírito. Em suma, haverá negação, retomada e superação. Assim, parte-se das ideias gerais para o plano dos fenômenos sensíveis, que são particulares, concretos e definidos. Neste sistema conceitual a história será definida como sendo: “feita nos períodos em que as contradições da realidade estão sendo resolvidas pelo crescimento, assim como as hesitações e a falta de jeito da juventude se transformam na facilidade e na ordem da maturidade” (DURANT,1996, p.281). Ao analisar tal sistema, a visão de Will Durant é de que: “essa filosofia da história parece levar a conclusões revolucionárias. O processo dialético faz da mudança o princípio cardinal da vida: nenhuma condição é permanente: em cada estágio das coisas há uma contradição que só a ‘luta de contrários’ pode resolver. A mais profunda lei da política, portanto, é a liberdade” (DURANT, 1996, p.282). Entretanto, conforme a leitura pode-se fazer uma abordagem de forma conservadora, e isto acabou ocorrendo com Hegel, entre a sua juventude vivida em meio a incertezas e sua maturidade com posição consolidada. Neste caso, como o sistema direcionava para a liberdade, para ele esta só poderia ser conseguida se os indivíduos se organizassem em Estado. Se no primeiro caso o fundamento do movimento era a realização, neste segundo instante é a satisfação. Tinha-se antes competição e confronto, modificou-se para paz e harmonia ao longo da vida do filósofo, algo de comum interesse com o Estado autoritário prussiano: “se Hegel, no final da vida, se inclinava mais para as implicações conservadoras de sua filosofia do que para as radicais, isto, em parte, se devia ao fato de que o Espírito da Era desconfiava de excesso de mudanças [...] o filósofo da luta como a dialética do crescimento [torna-se] defensor da satisfação (DURANT, 1996, P. 288). Abre-se espaço para uma abordagem idealista e romântica voltada para estudar apenas os fatos de destaque, onde homens eram transformados em heróis, sendo supervalorizados quanto à sua participação, deixando de lado a perspectiva evolucionista em direção ao futuro, para ficar à mercê de um culto ao antigo, visando antes à manipulação social do que ao esclarecimento. Tal dualidade acabará pela ambivalência na herança hegeliana cindida em direita e esquerda. Na direita hegeliana: “Weisse e o Fichte mais jovem encontraram, na teoria do real como racional, uma expressão filosófica da doutrina da Providência e uma justificativa para uma política de absoluta obediência” (DURANT, 1996, P. 288). Já pelo lado da esquerda hegeliana: “Feuerbach, Moleschott, Bauer e Marx voltaram ao ceticismo e à “crítica mais elevada” da juventude de Hegel, e desenvolveram a filosofia da história, transformando-a numa teoria de lutas de classes levando, por uma necessidade hegeliana, ao ‘socialismo inevitável” (DURANT, 1996, P. 288). Por conta da abordagem de Hegel em relação ao Estado, em seu idealismo, este haverá de encontrar afinidade no positivismo de Comte, em ambos os casos ocupando o lugar de ator principal da história. A construção da teoria positivista pode ser observada a partir daquele que o próprio Comte (1798 – 1857) , São João da Boa Vista, v.6, n.1, 2012 53 MARCON, G. B. declarou ser seu principal influenciador: Segundo ele próprio afirmava trata-se da obra Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano, de Condorcet (17431794) obra cujo conteúdo: “traça um quadro do desenvolvimento da humanidade, no qual os descobrimentos e invenções da ciência e da tecnologia desempenham papel preponderante, fazendo o homem caminhar para uma era em que a organização social e política seria produto das luzes da razão. Essa idéia tornarse-ia um dos pontos fundamentais da filosofia de Comte”(GIANNOTTI, 1996, p.06) A história positivista se caracterizará pela narrativa e se formará a partir da refutação de aspectos da abordagem hegeliana. O foco será sua concepção ideal e racionalista, contestados em nome da valorização do empírico, da experiência, dos dados positivos, do fato social, fazendo-a fixar o seu foco no passado. Entretanto, assim como Hegel desenvolveu o seu sistema associando a filosofia à história, Comte criticará a fundamentação metafísica do alemão e proporá outro método: o observacional: “a filosofia da História – primeiro tema da filosofia de Comte – pode ser sintetizada na sua célebre lei dos três estados: todas as ciências e o espírito humano como um todo desenvolvemse através de três fases distintas: a teológica, a metafísica e a positiva” (GIANNOTTI, 1996, p.06). Quanto aos positivistas, tem uma abordagem baseada no cientificismo objetivando que o homem venha a conhecer as leis da natureza apoiando-se no método usado nas ciências naturais, não por acaso trazendo em seu bojo o papel que cabe ao historiador, expurgado de sua subjetividade e concepção ideológica, a quem caberá descrição narrativa, exata e objetiva, cronologicamente encadeada. Ou seja, sem conflitos ou contradições, pois não se deseja a interpretação dos fatos, o que ficaria a cargo das ciências sociais. Eis a delimitação da sua contribuição da história. É neste sentido que o núcleo principal do sistema fica ligado antes à educação, baseado nas avaliações sociológicas a partir da história. A evolução à história humana proposta dentro de parâmetros científicos também ocorreria em Marx. Porém em ambos os casos parece ter antes alimentado fundamentos ideológicos do que revelações de leis de condução da história humana com a mesma essência das leis naturais. Em Comte tem-se um reformador e em Marx, um revolucionário: [...] com relação ao principal problema social de sua época – o crescimento do proletariado industrial – a posição do Comte não foi uma posição revolucionária como a de Marx (1818-1883). Comte considerava que todas as medidas sociais deveriam ser julgadas em termos de seus efeitos sobre a classe mais numerosa e mais pobre. Acreditava também que os proletários (e as mulheres) pudessem abrandar o egoísmo dos capitalistas e que uma ordem moral humanitária poderia abolir todos os conflitos de classe. Os capitalistas deveriam ser moralizados e não eliminados: a propriedade privada deveria ser mantida. Comte foi na verdade um conservador [...] (GIANNOTTI, 1996, p.06). 54 O positivismo se insurge contra a metafísica, fosse ela sagrada, fosse humana racionalista, estando neste contexto a valorização do aspecto laico em contraposição ao desprestígio da ideia de religião ligada à providência divina, humanizada. Ocuparam o lugar que era destinado à vida dos santos a dos heróis. A ciência sobrepunha-se, para alguns passava a ser o único fundamento da vida humana, de modo que por mais contraditório que pareça, ela, que nasceu combatendo os dogmas religiosos, acaba sendo objeto de crença, como se fosse espécie de nova religião, que efetivamente acabará proposta por Comte. As características desta abordagem é ser narrado aquilo que teve mais destaque, que foi mais relevante, que apresentou maior repercussão social, onde o laico e o divino aparecem bem separados e o tempo histórico sobrepõe-se ao bíblico. Destaca-se o que é material e concreto em detrimento ao que é abstrato ou místico. A ação do Estado ocupa o lugar que foi da providência divina para construir-se uma História da Civilização que substitui a visão anterior de História Universal, entendendo-se ‘civilização’ como sinônimo de uma sociedade conduzida a partir das leis identificada através da pesquisa científica. O positivismo entende a história num contexto de linearidade progressiva, onde visa à ordem, paz e harmonia, como meios de alcançar o progresso, e se contrapõe ao negativismo da dialética que visa a entender o movimento histórico, onde está implicado certo nível de caos. O que é valorizado no caso do marxismo, onde justifica as revoluções. Se em Hegel e depois, em Marx, a dialética dá movimento independente aos fatos, para Comte estes devem ser vistos de forma isolada, como objetos naturais e inertes. Numa síntese, o positivismo, partindo da sistematização teórica, propunha uma solução para a sociedade: O estado positivo caracteriza-se, segundo Comte, pela subordinação da imaginação e da argumentação à observação. Cada proposição anunciada de maneira positiva dever corresponder a um fato, seja particular, seja universal. Isso não significa, porém, que Comte defenda um empirismo puro, ou seja, a redução de todo conhecimento à apreensão exclusiva de fatos isolados. A visão positiva dos fatos abandona a consideração das causas dos fenômenos (procedimento teológico ou metafísico) e torna-se pesquisa de suas leis, entendidas como relações constantes entre fenômenos observáveis. [...] Em suma o espírito positivo, segundo Comte, instaura as ciências como investigação do real, do certo e indubitável, do precisamente determinado e útil. Nos domínios do social e do político, o estágio positivo do espírito humano marcaria a passagem do poder espiritual para as mãos dos sábios e cientistas e do poder material para o controle dos industriais. (GIANNOTTI, 1996, p.09). Por outro lado, numa linha paralela a Comte, desenvolve-se, a partir da denominada esquerda hegeliana, a abordagem de Karl Marx (1818-1883), cujo diferencial inicial em relação a Hegel estará em relação à força motora do mecanismo dialético, porém invertendo o sentido de como o usou Hegel, ao invés da ideia para o plano concreto, basicamente em torno do plano concreto, Pensamento Plural: Revista Científica do , São João da Boa Vista, v.6, n.1, 2012 Nascimento e Desenvolvimento da Filosofia da História buscando o empírico no lugar do racionalismo. Rejeita, assim, o que há de metafísico na dialética hegeliana: “[...] no lugar do Absoluto como determinante da história através do Zeitgeist, Marx sugeria movimentos de massa e forças econômicas como as causas básicas de toda mudança fundamental, fosse no mundo das coisas, fosse na vida do pensamento”. (DURANTI, 1996, p.282/283). No lugar da razão, o movimento onde dialeticamente confrontam-se as classes sociais como mecanismo motor da história: Com Marx e Engels emerge um tipo de história bastante diferente, baseada na estrutura progressiva de Hegel, mas que remete a realização do objetivo da história para um futuro onde surgirão as condições políticas para a liberdade, sendo assim os fatores políticos e econômicos, e não a «razão», o motor da história (BLACKBURN, 1997). O marxismo absorve a visão sistêmica de Hegel. Também para ele a história não seria um conjunto de fatos desordenados, mas segue o anterior como que construindo sua teoria partir da identificação de leis naturais, visando a adicionar caráter científico. No mais, rompe com a tradição teológica, adotando uma postura ateísta que na sua sistematização teórica elimina a possibilidade da intervenção divina epistemologicamente ligada à tradição agostiniana. O universo é matéria, e os fenômenos nada mais são do que reflexo do movimento desta por leis naturais, não sendo expressão de espírito universal racional e nem de Deus, daí reafirmar a refutação da metafísica e do teológico. Neste contexto, se define e atua o mecanismo dialético centrado no terreno econômico em torno das classes sociais de interesses opostos, fundamentando o materialismo histórico, focando o concreto, o passível de ser empírico, visando a reafirmar a qualidade científica da teoria. [...] escola de historiadores que tem em Marx seu fundador e mais brilhante expoente explica os movimentos, as modificações ocorridas na sociedade, como resultado – consequência – das forças econômicas da sociedade, [...] para essa escola, as coisas não são independentes umas das outras, mas interdependentes, [assim embora] a história parece ser apenas uma seqüência de atos desordenados, mas na realidade, conforma-se a um padrão de leis que podem ser descobertas. (HUBERMAN, 1981, p.236) Com a elaboração teórica apoiada na história, Marx propunha que: “a economia, política, lei, religião, educação, de cada civilização estão ligados – um depende do outro e é condicionado pelos, [mas] de todas estas forças a economia é a mais importante” (HUBERMAN, 1981, p. 236). Ou seja: o “fator básico, a chave de tudo são as relações entre os homens, como produtores, a forma pela qual os homens vivem é determinada pela forma de ganhar a vida – pelo modo de produção predominante dentro de qualquer sociedade” (HUBERMAN, 1981, p.237), é estrutura econômica que dá o caráter histórico, com o elemento cultural secundário e gerado a partir dela. Enfim: “partindo de uma perspectiva histórica, define capitalismo como sendo um determinado modo de produção de mercadorias, gerando historicamente desde Pensamento Plural: Revista Científica do o início da Idade Moderna e que encontrou plenitude no intenso processo de desenvolvimento industrial inglês, ao qual se chamou de Revolução Industrial” (CATANI, 1981, p.08). Em síntese: [...] a produção econômica e a organização social que dela resulta necessariamente para cada época da história constituem a base da história política e intelectual dessa época; que, por conseguinte (desde a dissolução da antiga propriedade comum do solo), toda a história tem sido uma história da luta de classes, de lutas entre classes exploradas e classes exploradoras, entre classes dirigidas e classes dirigentes, nos diversos estádios da evolução social; mas que essa luta chegou presentemente a uma fase em que a classe explorada e oprimida (o proletariado) não mais se pode libertar da classe que a explora e oprime (a burguesia), sem libertar, ao mesmo tempo e para todo o sempre, da exploração, opressão e lutas de classes na sociedade inteira (ENGELS apud CHEVALLIER, 1980, p.287). Também o positivismo almejou ser científico, porém, seu método era observacional narrativo. Marx objetivou além: a partir do que é concreto e material identificar a lei que produzia o movimento da sociedade, independe do arbítrio humano, portanto, determinística. Ou seja, assim como no Newton descobriu as leis da física e as aplicou, Marx supunha ter descoberto leis históricas. A partir destas poderia não só prever, como interferir no direcionamento do futuro. Para tanto, incitou o engajamento político, desenvolvendo uma ideologia para a classe revolucionária, o proletariado. A história, fonte para o marxismo, como havia sido para o positivismo, porém, o método de interpretação e as diretrizes do materialismo histórico são outras. Marx desenvolve a sua análise a partir da ideia: “[...] de uma ordem natural e espontânea, a qual seria melhor ordem para a sociedade e, por via da história, o leva a aceitar o fato da realização dessa ordem por meio da evolução fatal, [...] por esta atitude é levado a uma análise evolutiva e não funcional destes fenômenos, [...] estuda as variações, os movimentos dos fenômenos econômicos e os liames de seu desenvolvimento; interessa-lhe descobrir não as leis de uma economia parada, mas em movimento, em transformação”(HUGON, 1980, p.211). É importante destacar quanto ao relacionamento de Comte e Marx com relação à história. O ponto crucial é que embora seja clara, a influência de ambos através de suas teorizações, entre historiadores como Burke, são vistos como sociólogos: “extremamente interessados pela história, mas desprezavam os historiadores profissionais. Estavam interessados nas estruturas, e não nos acontecimentos, e a nova história tem um débito para com eles que, frequentemente, não é reconhecido” (BURKE, 1992, p. 18/19). Por fim, uma terceira linha de pensamento em relação à história surgirá no último quarto do século XIX, início do XX, o de Max Weber, que alguns autores como Catani para diferenciar da linha econonomicista de Marx, chamará , São João da Boa Vista, v.6, n.1, 2012 55 MARCON, G. B. de culturista. Em comum, ambas objetivam explicar o capitalismo, tratam-se de: “duas grandes correntes representadas por Max Weber (1864-1920) e por Karl Marx (1818-1883); à primeira, chamamos de culturista e à segunda, histórica, em razão dos diferentes pontos de vista dos quais partem para explicar os mesmos conceitos” (CATANI, 1981, p.07). Explicada a abordagem marxista, agora se atém a esclarecer os aspectos da linha weberiana identificada: “através de fatores externos à economia, para Weber, o Capitalismo se constitui a partir da herança de um modo de pensar as relações sociais (as econômicas aí compreendidas) [...] Torna-se evidente nesta concepção do Capitalismo a grande importância conferida a fatores culturais”(CATANI, 1981, p.07/08). Para esclarecê-la é importante entendê-la num contexto onde a questão de método de construção do conhecimento é o foco de problematização, era meados do século XIX: “nessa época, assistia-se ao triunfo dos métodos das ciências naturais, concretizadas nas radicais transformações da vida material do homem; operadas pela Revolução Industrial” (TRAGTENGERG, 1974, p.06). Entretanto, isto não ocorrerá de modo pacífico: “alguns pensadores que procuravam conhecer cientificamente os fatos humanos passaram a abordá-los segundo as coordenadas das ciências naturais. Outros, ao contrário, afirmando a peculiaridade do fato humano e a consequente necessidade de uma metodologia própria” (TRAGTENGERG, 1974, p.06). No primeiro caso, podem-se citar os positivistas com destaque os sociólogos Augusto Comte (1798-1857) e Émile Durkheim (1858-1917) ao tratarem historicamente o fato social como objeto desprovido de significado, apenas observável de constatável mediante descrição objetiva. Por outra via, Karl Marx (1818-1883), ao constituir o materialismo dialético histórico também almeja produzir ciência, seu caminho é o materialismo visando a dar ao seu método força empírica colocando o ser humano de carne e osso na sua concepção de classe social. Mais do que isto, dando à dialética a característica de lei natural, que definiria movimento da história a partir da contraposição de classes. Quanto ao segundo grupo, como já se observou necessitaria de metodologia própria, a qual: “deveria levar em consideração o fato de que o conhecimento dos fenômenos naturais e um conhecimento de algo externo ao próprio homem, enquanto nas ciências sociais o que se procura conhecer é a própria experiência humana” (TRAGTENGERG, 1974, p.06). Ou seja, nas ciências humanas, o método deveria dizer respeito: “à própria experiência humana, seriam introspectivas, utilizando a intuição direta dos fatos, e procurariam atingir não generalidades de caráter matemático, mas descrições qualitativas de tipos e formas fundamentais da vida do espírito” (TRAGTENGERG, 1974, p.06), prevalecendo as concepções de civilização, classificada conforme o progresso, alocando a história via divisão quaternária: Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea, nisto repetindo a escola idealista. Nesta abordagem de modo comparativo, pode dizer que em ciências naturais busca-se uma relação de causa e efeito, de modo a explicar os fenômenos, enquanto que naquilo que se refere às ciências humanas a atitude seria outra, trata-se de compreender os processos inerentes à vivência humana e deles extrair um sentido um significado, o que é bem diferente de uma explicação, a este respeito, Tratenberg esclarece:“os sentidos (ou significados) são dados, segundo Dilthey, na própria experiência do investigador, e poderiam ser empaticamente apreendidos 56 na experiência dos outros” (TRAGTENGERG, 1974, p.06), Será justamente este método compreensivo o adotado por Max Weber, que consistirá: “em entender o sentido que as ações de um indivíduo contêm, e não apenas o aspecto exterior dessas mesmas ações” (TRAGTENGERG, 1974, p.08/09), observadas como: “um fato propriamente humano, ou seja, de uma ação carregada de sentido, [que] não se esgota em si mesmo e aponta para todo um complexo de significações sociais” (TRAGTENGERG, 1974, p.09), postura que o afasta da visão positivista de fato social, ao mesmo tempo que da visão marxista ao rejeitar o aspecto explicativo da causa e efeito, não visa a leis exatas, mas a estabelecer tendências probabilísticas. Por fim, cabe citar o pensamento de Spengler, publicado em 1918, no livro O Declínio do Ocidente, que se tratava de obra com uma: “descrição inevitável da decadência das culturas que, tal como as plantas, tinham seu período de crescimento, esplendor, decadência e morte. Para ele havia chegado a vez da cultura ocidental, ferida de morte. O livro [...] foi acolhido como um retrato depressivo da intelectualidade alemã, atormentada pela guerra e pelo desespero da derrota, um choro dos vencidos” (SCHILLING, 2003), que acabou por influenciar o historiador inglês Arnold Toynbee que publicou: [...] a partir de 1934, o seu monumental A Study of History (O Estudo da História), no qual identificou 21 civilizações na história da humanidade. Toynbee construiu um majestoso cenário onde as civilizações, como se fossem os seres biológicos de Darwin, emergiam ou desapareciam conforme a dinâmica que imprimiam ao desafio-resposta a que eram submetidas pela natureza e por outras civilizações rivais (SCHILLING, 2003). Os citados pensadores, efetivamente, influenciaram na sociedade através da filosofia da história, inclusive contribuindo para própria historiografia e se, parte deles, em algum momento, teve a pretensão de identificar leis históricas, o fato é que antes propuseram abordagens sobre o tema, contribuições efetivas ao conhecimento, mas que cabem ser relativizadas, não sendo confundidas com verdades. O conhecimento do arbítrio humano é um fator que ainda demanda estudos e pesquisas, de modo que a ação do ser humano, quando muito, pode ser mensurada por propensões estatísticas, e não pelo determinismo de leis equivalentes as naturais. Considerações finais O tema aqui estudado visa a contribuir para identificação de duas vertentes que não poucas vezes acabam surgindo misturadas num mesmo texto. A historiografia e a filosofia da história não são áreas estanques, porém, o argumento proposto é que devem ser olhadas a partir de uma dinâmica de interação, pois que contribuem uma para o enriquecimento da outra, seja no sentido de afirmações, seja no sentido de refutações. Mais do que isto, o entendimento a que se chega em favor da imparcialidade do conhecimento demanda que sejam áreas que, embora interativas, tenham garantidas as suas respectivas independências. Trata-se de uma relação onde mais do que nunca a relatividade evita com que a historiografia seja constrangida pelas ideologias, que por vezes nascidas das teorias construídas a partir da reflexão filosófica, porém, não significa descartar a filosofia da história que contribui Pensamento Plural: Revista Científica do , São João da Boa Vista, v.6, n.1, 2012 Nascimento e Desenvolvimento da Filosofia da História Referências em refletir sobre questões que vão desde o método até a influência do sujeito pesquisador, seja quanto a divergências decorrentes de enganos, seja quanto à intencionalidade de impor sobre o emaranhado de fatos produzidos pelo arbítrio humano leis deterministas. Não se trata de refutar por si só, mas se manter o critério de relatividade, estabelecer a dúvida como saudável princípio, manter viva a motivação da investigação, porém tendo maturidade suficiente para não deixar que a razão se aprisione em certezas, convertendo-se em crença, num retorno aos velhos mitos, agora vestidos dos conteúdos da ciência moderna. Não existe aqui o propósito maniqueísta de cadastrar em listagens distintas o que é o bem e o que o mal, nem mesmo se quer propor isto ou aquilo com solução, porque não temos aqui conclusão, mas considerações finais inerentes a este estudo limitado a esclarecer um pouco do que deve fazer parte da filosofia da história, e que pode até influenciar na historiografia, mas por si só não é historiografia. As contribuições da reflexão haverão de sempre contribuir, porém, se não podemos ter nem mesmo a certeza objetiva em sua inteireza do passado, como ter certo o futuro? Porém, os dados devem ser buscados, a iluminação deve prevalecer e o seu ponto de partida é a história. Numa aproximação visa-se a: “práticas científicas de historiadores preocupados tanto em afirmar quanto em negar os princípios ideológicos dos trabalhos selecionados. Em busca de uma compreensão do alcance e dos limites da reflexão acerca da historiografia” (ZANIRATO, 2006). Portanto, uma dinâmica caracterizada pela: “importância de um olhar crítico para a historiografia, da necessária retificação das versões produzidas por historiadores de tempos em tempos, que contribuem para alargar o conhecimento teórico-metodológico da disciplina” (ZANIRATO, 2006). ABRÃO, B S. História da Filosofia, São Paulo: Nova Cultural, 1999. BARROS, C F R. O que é História Cultural? (Resenha) Revista História Agora. Disponível em http://www. historiagora.com/dmdocuments/Historia7_resenha_cla.pdf. Acesso em 18 jun 2011. BLACKBURN, S. Filosofia da História: Revista de Filosofia. 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Therefore the objective here is to identify its origin, is to identify its origin, in order to discuss their actual extent and significance to evaluate the distance between theory and reality. Key words Determinism, Education, Philosophy, Philosophy of History, Historiography 58 Pensamento Plural: Revista Científica do , São João da Boa Vista, v.6, n.1, 2012