Trombose de veias cava e renal Simi DT, et al. Pediatria (São Paulo) 2003;25(1):61-4 Relato de caso Case Report Relato de Caso Trombose de veias cava inferior e renal com hemorragia adrenal bilateral em recém-nascido Renal and inferior cava veins thrombosis with bilateral adrenal hemorrhage in a newborn Trombosis de las venas cava inferior y renal con hemorragia bilateral de las adrenales en recién nacido Danielli Trindade Simi1, Priscilla Yukiko Sano1, Antônio Soares2, Airton Moscardine3, José Maria Pereira de Godoy4 Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP. São José do Rio Preto, SP, Brasil Resumo Objetivo: descrever um caso de trombose de veias cava inferior e renal acompanhado de hemorragia adrenal bilateral focalizando o diagnóstico e a etiopatogenia. Descrição: um recém-nascido internado com insuficiência respiratória e sepse apresentou uma massa abdominal palpável. O achado conduziu à realização de exames de imagem - ultra-sonografia, tomografia e cintilografia, que revelaram uma extensa trombose venosa. O tratamento com heparina foi instalado. A criança sobreviveu, embora com atrofia renal. Conclusões: a trombose venosa pode ser evidenciada pelo exame físico. Os fatores causais possivelmente implicados foram o cateter umbilical, a hipóxia e infecção. Descritores: Trombose venosa, diagnóstico. Trombose venosa, etiologia. Veia cava inferior. Veias renais. Hemorragia. Glândulas supra-renais. Diagnóstico por imagem. Ultrasonografia. Anticoagulantes, uso terapêutico. Recém-nascido. Abstract Objective: to describe an inferior cava vein and renal vein thrombosis case accompanied by bilateral adrenal gland hemorrhage, focusing on the diagnosis and ethiopathogeny. Description: an hospitalized newborn presenting respiratory distress and sepsis had an abdominal mass on physical examination. Image exams were performed – ultrasonography, tomography and scintilography showed an extensive venous thrombosis. Than, the heparin IV in treatment was started. The child survived with renal atrophy. Conclusions: the thrombosis could be suspected through the physical examination. The factors possibly implicated were the umbilical catheter, hypoxia, and infection. Keywords: Venous thrombosis, diagnosis. Venous thrombosis, etiology. Vena cava, inferior. Renal veins. Adrenal glands. Hemorrhage. Diagnostic imaging. Ultrasonography. Anticoagulants, therapeutic use. Infant, newborn. 1 Residente do Departamento de Pediatria da FAMERP Professor Doutor. Chefe do Departamento de Radiologia da FAMERP 3 Professor Doutor. Chefe do Depto de Pediatria da FAMERP 4 Professor Doutor. Chefe do Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular da FAMERP 2 61 Pediatria (São Paulo) 2003;25(1):61-4 Trombose de veias cava e renal Simi DT, et al. Resumen Objetivo: describir un caso de trombosis de las venas cava inferior y renal acompañado de hemorragia adrenal bilateral focalizando el diagnóstico y la etiopatogenia. Descripción: un recién nacido internado con insuficiencia respiratória y sepsis presentó una masa abdominal palpable. El hallazgo condujo a la realización de examenes de imajen - ultrasonografia, tomografia y cintilografia que revelaron una trombosis venosa extensa. El tratamiento con heparina fué instalado. El niño sobrevivió, solo que con atrofia renal. Conclusiones: la trombosis venosa podia ser evidenciada durante el examen físico. Los factores que posiblemente causaron esta enfermedad fueron el cateter umbilical, la hipoxia y la infección. Palabras clave: Trombosis venosa, diagnostico. Trombosis venosa, etiología. Vena cava inferior. Venas renales. Hemorragia. Glandulas suprarrenales. Diagnóstico por imajen. Ultrasonografia. Anticoagulantes, uso terapeutico. Recién nacido. Introdução As tromboses de veias renais e cava são eventos clínicos graves que podem determinar disfunções de rim e supra-renal, resultando em elevação da morbi-mortalidade do recém-nascido (RN). A importância do reconhecimento precoce das tromboses venosas decorre da possibilidade de realizar terapia específica. O diagnóstico causal geralmente é realizado com base na clínica e nos achados ultra-sonográficos1. O diagnóstico de trombose das veias renais e cava pode ser difícil, o que impede a adequada anticoagulação. O objetivo do presente relato foi descrever e analisar a abordagem diagnóstica e a etiopatogenia de um caso de trombose de veias renais e cava inferior, com hemorragia supra-renal bilateral, que ocorreu em um recém nascido. Relato do caso Em ampla revisão, de 4.000 autópsias em recém-nascidos, foi detectada uma incidência de trombose venosa em 1,1%2. A veia renal é o principal local de trombose em neonatos, podendo resultar em insuficiência renal, disfunção tubular renal, hipertensão arterial e atrofia renal 3,4. A incidência, em estudo multicêntrico, foi de 2,2 casos por 100.000 crianças nascidas vivas, sendo que no prétermo foi de 13 por 100.0003. A trombose da veia cava inferior também é descrita3. As causas congênitas de trombose venosa profunda em recém-nascidos são o diabetes gestacional, os anticorpos antifosfolipídicos (de aquisição transplacentária) e as alterações trombofílicas da coagulação (mais freqüentes nos prematuros)2,5-7. As causas adquiridas são o cateter umbilical, a hipoxia, a sepse e a desidratação. Destas causas, a cateterização da artéria umbilical e a instalação de cateter venoso central são as principais2,5. Crianças com cateterização umbilical apresentam incidência de trombose entre 12,5% e 62,5%, sendo que muitas são assintomáticas2. Outro grupo propício à ocorrência de trombose vascular é constituído pelos filhos de mães diabéticas2,5. 62 Uma gestação de 37 semanas foi encerrada através de parto cesáreo em decorrência de pré-eclâmpsia materna. O RN pesou 3.730 g e teve Apgar de 4-7-9. Evoluiu nas primeiras horas com desconforto respiratório e foi encaminhado para a Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP. Deu entrada no Serviço de Emergência com insuficiência respiratória aguda, onde foi submetido à entubação orotraqueal, ventilação mecânica e cateterização arterial umbilical. No berçário, ao exame físico abdominal foi constatada uma massa palpável em flanco esquerdo. O paciente evoluiu, a seguir, com icterícia, hematúria, distensão abdominal e quadro de sepse. Na ultra-sonografia foi demonstrada a presença de trombose da veia cava inferior, da veia renal esquerda e hemorragia da adrenal bilateral. A tomografia confirmou os achados do ultra-som e o posicionamento do cateter na veia cava inferior. O RN recebeu antibióticos por via endovenosa e heparina na dosagem média de 20 U/kg/h, com ajuste laboratorial. O paciente evoluiu com hipertensão arterial transitória, durante a internação. Os exames não mostraram insuficiência renal, porém a cintilografia renal detectou redução renal esquerda. Após a estabilização clínica a criança recebeu alta hospitalar com anticoagulante oral e foi acompanhada em ambulatório. O ultra-som abdominal documentou a evolução do rim esquerdo até a Pediatria (São Paulo) 2003;25(1):61-4 Trombose de veias cava e renal Simi DT, et al. atrofia; a resolução do trombo ocorreu em período de seis meses. A função renal manteve-se normal durante os dois anos de seguimento clínico. Discussão No presente caso as tromboses de veia renal e cava foram suspeitadas inicialmente pela palpação da massa abdominal, que corresponde ao rim e supra-renais aumentados. Os sinais clínicos de trombose em neonatos dependem do órgão afetado. A trombose da veia renal freqüentemente apresenta hematúria e hipertensão arterial, observadas no presente relato, e trombocitopenia2. A trombose da veia cava origina repercussão clínica menos intensa. Pode estar presente vários dias antes do diagnóstico, levando a edema insidioso e progressivo com cianose do membro1, o que não ocorreu. A comprovação é feita por ultra-sonografia de abdome, ressonância magnética e tomografia computatorizada, como observado. No presente caso entende-se a hemorragia supra-renal como secundária à trombose. Os fatores causais de trombose no recém-nascido foram a cateterização umbilical, a hipóxia neonatal e a infecção (sepse). Destes, a cateterização umbilical é a mais importante2. Distúrbios da coagulação foram avaliados: a presença de anticorpos anticardiolipina maternos, investigados durante a internação, e as alterações fetais da antitrombina III, proteína C e proteína S, avaliadas posteriormente. A pesquisa das trombofilias é sugerida, principalmente quando não se detecta outra causa trombogênica. As abordagens terapêuticas empregadas na trombose da veia renal e veia cava, associadas ou não com a hemorragia da adrenal, incluem: suporte clinico - fluidos, antibióticos, ventilação, anticoagulação e o uso de fibrinolíticos. A escolha do tratamento deve ser determinada pela extensão do quadro trombótico. Nos casos de trombose de veia cava são utilizadas a heparina em altas doses ou fibrinolíticos3. Não foram detectadas diferenças significantes entre as modalidades terapêuticas empregadas3, principalmente pelo reduzido número de casos avaliados. A opção foi a anticoagulação com heparina endovenosa seguida da utilização de cumarínico oral por três meses. Algumas complicações podem ocorrer com a terapêutica. Foi observada hemorragia pulmonar em uma criança que recebeu fibrinolítico, necessitando de reintubação; e houve aumento da hemorragia na adrenal em outra criança que recebeu heparina em altas doses. Neste caso, reduziu-se a dosagem da heparina3. Na evolução do presente caso constatou-se a resolução do trombo da veia cava, com atrofia renal unilateral. A conseqüência clínica foi a hipertensão arterial transitória, com resolução tardia. Esta evolução é freqüente. Na literatura, a evolução para atrofia renal, em estudo multicêntrico, foi de 26 em 39 casos. Esta complicação ocorre independentemente da modalidade terapêutica empregada3. A insuficiência renal e a hipertensão arterial ocorrem em torno de 30% dos casos3. Conclusões A cateterização umbilical aliada à hipóxia e infecção propiciou a ocorrência de trombose venosa extensa em recém-nascido, tendo como seqüela a atrofia renal. Para o caso foi importante o diagnóstico precoce, propiciado pelo exame físico cuidadoso, complementado por exames de imagem. Este caso, como outros, evidencia a necessidade de utilizar cateter em vasos periféricos, sempre que possível. Referências 1. Brill PW, Jagannath A, Winchester P, Markisz JA, Zirinsky K. Adrenal hemorrhage and renal vein thrombosis in the newborn: MR imaging. Pediatr Radiol 1989;170:95-8. 3. Bökenkamp A, von Kries R, Nowak-Göttl U, Göttl U, Hoyer PF. Neonatal renal venous thrombosis in Germany between 1992 and 1994: epidemiology, treatment and outcome. Eur J Pediatr 2000;159:44-8. 2. Manco-Johnson MJ. Diagnosis and management of thrombosis in the perinatal period. Semin Perinatol 1990;14:393-402. 4. Mocan H, Beattie TJ, Murphy AAV. Renal venous thrombosis in infancy: long-term follow-up. Pediatr Nephrol 1991;5:45-9. 63 Pediatria (São Paulo) 2003;25(1):61-4 5. Oppenheimer EH, Esterly JR. 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