•Ensaios clínicos aleatórios em neurocirurgia •Qualidade dos ensaios clínicos aleatórios em neurocirurgia publicados no Brasil •Comentários: Ensaios clínicos aleatórios em neurocirurgia •Anomalias dos nervos lombossacrais em natimortos a termo. Estudo anatômico •Cavernomas pontinos extraventriculares. Parte I. Acesso transtentorial a cavernoma pontino dorsolateral •Cavernomas pontinos extraventriculares. Parte II. Acesso pré-sigmoideo transpetroso a cavernoma pontino ventrolateral •Meios contínuos em neurocirurgia vascular e neurorradiologia intervencionista. Parte I •Meningiomas do forâmen magno •Metástase de adenocarcinoma de mama no ângulo pontocerebelar Volume 28 • Número 2 • Junho • 2009 Órgão Oficial da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Órgão Oficial das Sociedades de Neurocirurgia de Língua Portuguesa (ISSN 0103-5355) Editores Gilberto Machado de Almeida Milton K. Shibata Mário Gilberto Siqueira Editores Associados Atos Alves de Sousa (Belo Horizonte, MG) Benedicto Oscar Colli (Ribeirão Preto, SP) Carlos Umberto Pereira (Aracaju, SE) Eduardo Vellutini (São Paulo, SP) Ernesto Carvalho (Porto, Portugal) Fernando Menezes Braga (São Paulo, SP) Francisco Carlos de Andrade (Sorocaba, SP) Hélio Rubens Machado (Ribeirão Preto, SP) João Cândido Araújo (Curitiba, PR) Jorge Luiz Kraemer (Porto Alegre, RS) José Alberto Gonçalves (João Pessoa, PB) José Alberto Landeiro (Rio de Janeiro, RJ) José Carlos Esteves Veiga (São Paulo, SP) José Carlos Lynch Araújo (Rio de Janeiro, RJ) José Perez Rial (São Paulo, SP) Manoel Jacobsen Teixeira (São Paulo, SP) Marcos Barbosa (Coimbra, Portugal) Marcos Masini (Brasília, DF) Nelson Pires Ferreira (Porto Alegre, RS) Pedro Garcia Lopes (Londrina, PR) Sebastião Gusmão (Belo Horizonte, MG) Sérgio Cavalheiro (São Paulo, SP) Waldemar Marques (Lisboa, Portugal) Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Diretoria (2008-2010) Presidente Conselho Deliberativo Presidente Luiz Carlos de Alencastro Cid Célio Jayme Carvalhaes Vice-Presidente Jorge Luiz Kraemer Secretário Secretário-Geral Kunio Suzuki Arlindo Alfredo Silveira D’ Ávila Conselheiros Tesoureiro Albert Vicent B. Brasil Marcelo Paglioli Ferreira Atos Alves de Sousa Secretário Permanente Carlos Roberto Telles Ribeiro Samuel Tau Zymberg Djacir Gurgel de Figueiredo Primeiro Secretário Evandro Pinto da Luz de Oliveira Alexandre Mac Donald Reis José Alberto Landeiro Presidente Anterior José Antonio Damian Guasti José Carlos Saleme José Carlos Saleme Presidente Eleito da SBN 2010 Léo Fernando da Silva Ditzel José Marcus Rotta Luis Alencar Biurrum Borba Presidente do Congresso 2010 Mário Gilberto Siqueira Silvio Porto de Oliveira Nelson Pires Ferreira Presidente Eleito do Congresso 2012 Paulo Andrade de Mello Marco Aurélio Marzullo de Almeida Sebastião Nataniel Silva Gusmão Secretaria Permanente Rua Abílio Soares, 233 – cj. 143 – Paraíso 04005-001 – São Paulo – SP Telefax: (11) 3051-6075/3051-7157/3887-6983 Home page: www.sbn.com.br E-mail: [email protected]; [email protected] Instruções para os autores Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia, publicação científica oficial da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia e das Sociedades de Neurocirurgia de Língua Portuguesa, destina-se a publicar trabalhos científicos sobre neurocirurgia e ciências afins, inéditos e exclusivos. 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Página-título: título do artigo; nome completo de todos os autores; títulos universitários ou profissionais dos autores principais (máximo de dois títulos por autor); nomes das Instituições onde o trabalho foi realizado; título abreviado do artigo, para ser utilizado no rodapé das páginas; nome, endereço completo, e-mail e telefone do autor responsável pelas correspondências com o Editor 2. Resumo: de forma estruturada, utilizando cerca de 250 palavras, descrevendo objetivo, métodos, principais resultados e conclusões; abaixo do resumo, indicar até seis palavraschave, com base no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde), publicado pela Bireme e disponível em http://decs. bvs.br 3. Abstract: título do trabalho em inglês; tradução correta do resumo para o inglês; indicar key words compatíveis com as palavras-chave, também disponíveis no endereço eletrônico acima mencionado 4. Texto principal: introdução; casuística ou material e métodos; resultados; discussão; conclusão; agradecimentos 5. Referências: relacionar em ordem alfabética, pelo sobrenome do primeiro autor e, quando necessário, pelo sobrenome dos autores subsequentes; se existir mais de um artigo do mesmo autor, ou do mesmo grupo de autores, utilizar ordem cronológica crescente; nas referências utilizar o padrão de Vancouver; listar todos os nomes até seis autores, utilizando “et al.” após o sexto; as referências relacionadas devem, obrigatoriamente, ter os respectivos números de chamada indicados de forma sobrescrita, em local apropriado do texto principal; no texto, quando houver citação de nomes de autores, utilizar “e cols.” para mais de dois autores; dados não publicados ou comunicações pessoais devem ser citados, como tal, entre parênteses, no texto e não devem ser relacionados nas referências; utilizar abreviatura adotada pelo Index Medicus para os nomes das revistas; siga os exemplos de formatação das referências (observar, em cada exemplo, a pontuação, a sequência dos dados, o uso de maiúsculas e o espaçamento): Artigo de revista Agner C, Misra M, Dujovny M, Kherli P, Alp MS, Ausman JI. Experiência clínica com oximetria cerebral transcraniana. Arq Bras Neurocir. 1997;16:77-85. Capítulo de livro Peerless SJ, Hernesniemi JA, Drake CG. Surgical management of terminal basilar and posterior cerebral artery aneurysms. In: Schmideck HH, Sweet WH, editors. Operative neurosurgical techniques. 3rd ed. Philadelphia: WB Saunders; 1995. p. 1071-86. Livro considerado como todo (quando não há colaboradores de capítulos) Melzack R. The puzzle of pain. New York: Basic Books Inc Publishers; 1973. Tese e dissertação Pimenta CAM. Aspectos culturais, afetivos e terapêuticos relacionados à dor no câncer. [tese]. São Paulo: Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 1995. Anais e outras publicações de congressos Corrêa CF. Tratamento da dor oncológica. In: Corrêa CF, Pimenta CAM, Shibata MK, editores. Arquivos do 7º Congresso Brasileiro e Encontro Internacional sobre Dor; 2005 outubro 19-22; São Paulo, Brasil. São Paulo: Segmento Farma. p. 110-20. Artigo disponível em formato eletrônico International Committee of Medial Journal Editors. Uniform requirements for manuscripts submitted to biomedical journals. Writing and editing for biomedical publication. Updated October 2007. Disponível em http://www.icmje.org. Acessado em 2008 (Jun 12) 6. Endereço para correspondência: colocar, após a última referência, nome e endereço completos do autor que deverá receber as correspondências enviadas pelos leitores 7. Tabelas e quadros: devem estar numerados em algarismos arábicos na sequência de aparecimento no texto; devem estar editados em espaço duplo, utilizando folhas separadas para cada tabela ou quadro; o título deve ser colocado centrado e acima; notas explicativas e legendas das abreviaturas utilizadas devem ser colocadas abaixo; apresente apenas tabelas e quadros essenciais; tabelas e quadros editados em programas de computador deverão ser incluídos no disquete, em arquivo independente do texto, indicando o nome e a versão do programa utilizado; caso contrário, deverão ser apresentados impressos em papel branco, utilizando tinta preta e com qualidade gráfica adequada 8. Figuras: enviar duas coleções completas das figuras, soltas em dois envelopes separados; as fotografias devem ter boa qualidade, impressas em papel brilhante, sem margens; letras e setas autoadesivas podem ser aplicadas diretamente sobre as fotografias, quando necessárias, e devem ter tamanho suficiente para que permaneçam legíveis após redução; utilizar filme branco e preto para reproduzir imagens de filmes radiográficos; o nome do autor, o número e a orientação vertical das figuras devem ser indicados no verso delas; os desenhos devem ser apresentados em papel branco, elaborados profissionalmente, em dimensões compatíveis com as páginas da revista (7,5 cm é a largura de uma coluna, 15 cm é a largura da página); figuras elaboradas em computador devem ser incluídas no disquete, no formato JPG ou TIF; a resolução mínima aceitável é de 300 dpi (largura de 7,5 ou 15 cm); os autores deverão arcar com os custos de ilustrações coloridas 9. Legendas das figuras: numerar as figuras, em algarismos arábicos, na sequência de aparecimento no texto; editar as respectivas legendas, em espaço duplo, utilizando folha separada; identificar, na legenda, a figura e os eventuais símbolos (setas, letras etc.) assinalados; legendas de fotomicrografias devem, obrigatoriamente, conter dados de magnificação e coloração; reprodução de ilustração já publicada deve ser acompanhada da autorização, por escrito, dos autores e dos editores da publicação original e esse fato deve ser assinalado na legenda 10. Outras informações: provas da edição serão enviadas aos autores, em casos especiais ou quando solicitadas, e, nessas circunstâncias, devem ser devolvidas, no máximo, em cinco dias; exceto para unidades de medida, abreviaturas devem ser evitadas; abreviatura utilizada pela primeira vez no texto principal deve ser expressa entre parênteses e precedida pela forma extensa que vai representar; evite utilizar nomes comerciais de medicamentos; os artigos não poderão apresentar dados ou ilustrações que possam identificar um doente; estudo realizado em seres humanos deve obedecer aos padrões éticos, ter o consentimento dos pacientes e a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição onde foi realizado; os autores serão os únicos responsáveis pelas opiniões e conceitos contidos nos artigos publicados, bem como pela exatidão das referências bibliográficas apresentadas; quando apropriado, ao final do artigo publicado, serão acrescentados comentários sobre a matéria. Esses comentários serão redigidos por alguém indicado pela Junta Editorial 11. Endereço do Editor: Milton K. Shibata Rua Peixoto Gomide, 515 – cj. 144 01409-001 – São Paulo, SP Telefax: (11) 3287-7241 E-mail: [email protected]; [email protected] Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia Rua Abílio Soares, 233 – cj. 143 – 04005-006 – São Paulo – SP Tels.: (11) 3051-6075/3051-7157/3887-6983 Fax: (11) 3887-8203 Este periódico está catalogado no ISDS sob o no- ISSN – 0103-5355 e indexado na Base de Dados Lilacs. É publicado, trimestralmente, nos meses de março, junho, setembro e dezembro. São interditadas a republicação de trabalhos e a reprodução de ilustrações publicadas em Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia, a não ser quando autorizadas pelo Editor, devendo, nesses casos, ser acompanhadas da indicação de origem. Pedidos de assinaturas ou de anúncios devem ser dirigidos à Secretaria Geral da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia. Assinatura para o exterior: US$ 35,00. Índice Volume 28 – Número 2 – Junho de 2009 41 Editorial: Ensaios clínicos aleatórios em neurocirurgia Milton K. Shibata e Mário G. Siqueira 43 Qualidade dos ensaios clínicos aleatórios em neurocirurgia publicados no Brasil Duarte Nuno Crispim Cândido, Fabiano Timbó Barbosa 48 Comentários: Ensaios clínicos aleatórios em neurocirurgia Benedicto Oscar Colli 50 Anomalias dos nervos lombossacrais em natimortos a termo. Estudo anatômico Max Franco de Carvalho, Roberta Teixeira Rocha, João Tiago Silva Monteiro, Carlos Umberto Pereira, Alex Franco de Carvalho, Francisco do Prado Reis 54 Cavernomas pontinos extraventriculares. Parte I. Acesso transtentorial a cavernoma pontino dorsolateral Marcos Augusto Stávale Joaquim, Gustavo Cartaxo Patriota, André de Macedo Bianco 58 Cavernomas pontinos extraventriculares. Parte II. Acesso pré-sigmoideo transpetroso a cavernoma pontino ventrolateral Marcos Augusto Stávale Joaquim, Gustavo Cartaxo Patriota, André de Macedo Bianco 62 Meios contínuos em neurocirurgia vascular e neurorradiologia intervencionista. Parte I Rogelio Iván Ortiz-Velázquez, Jose Guilherme Mendes Pereira Caldas, Jorge Arturo Santos Franco, Rodrigo Mercado Pimentel, Rogelio Revuelta 74 Meningiomas do forâmen magno Revisão da literatura Danilo Otávio de Araújo Silva, Leonardo Ferraz Costa, Matheus Augusto Pinto Kitamura, Joacil Carlos da Silva, Hildo Rocha Cirne de Azevedo Filho 81 Metástase de adenocarcinoma de mama no ângulo pontocerebelar Relato de caso José Nazareno Pearce de Oliveira Brito, Gerson Luis Medina Prado, Ricardo Marques Lopes de Araújo, Wildson de Castro Gonçalves Neto Contents Volume 28 – Number 2 – June, 2009 41 Editorial: Randomized controlled trials on neurosurgery, in Brazil Milton K. Shibata e Mário G. Siqueira 43 The quality of a randomized controlled trials on neurosurgery published in Brazil Duarte Nuno Crispim Cândido, Fabiano Timbó Barbosa 48 Randomized controlled trials on neurosurgery. Comments Benedicto Oscar Colli 50 Anomalies of the lumbosacral nerve roots in stillborns. An anatomical study Max Franco de Carvalho, Roberta Teixeira Rocha, João Tiago Silva Monteiro, Carlos Umberto Pereira, Alex Franco de Carvalho, Francisco do Prado Reis 54 Extraventricular pontine cavernomas. Part I. Transtentorial route to remove a postero-lateral pontine cavernoma Marcos Augusto Stávale Joaquim, Gustavo Cartaxo Patriota, André de Macedo Bianco 58 Extraventricular pontine cavernomas. Part II. Pre-sigmoid, transpetrosal approach to ventrolateral pontine cavernomas Marcos Augusto Stávale Joaquim, Gustavo Cartaxo Patriota, André de Macedo Bianco 62 Mechanics of continuous media in vascular neurosurgery and endovascular neuroradiological procedures Rogelio Iván Ortiz-Velázquez, Jose Guilherme Mendes Pereira Caldas, Jorge Arturo Santos Franco, Rodrigo Mercado Pimentel, Rogelio Revuelta 74 Foramen magnum meningiomas Literature review Danilo Otávio de Araújo Silva, Leonardo Ferraz Costa, Matheus Augusto Pinto Kitamura, Joacil Carlos da Silva, Hildo Rocha Cirne de Azevedo Filho 81 Breast andenocarcinoma metastasis in the cerebello pontire angle. Case report Case report José Nazareno Pearce de Oliveira Brito, Gerson Luis Medina Prado, Ricardo Marques Lopes de Araújo, Wildson de Castro Gonçalves Neto Arq Bras Neurocir 28(2): 41-42, junho de 2009 Editorial: Ensaios clínicos aleatórios em neurocirurgia Os ensaios clínicos aleatórios são fundamentais para a demonstração da efetividade de um novo procedimento em medicina. Para que uma nova droga seja introduzida na prática clínica, ensaios aleatórios deverão demonstrar que ela é mais efetiva, ou pelo menos tão efetiva quanto os tratamentos disponíveis. O mesmo deveria ocorrer em relação aos procedimentos cirúrgicos, mas infelizmente essa não é a realidade.3 Com frequência, os cirurgiões baseiam-se em séries cirúrgicas sem controle rigoroso para julgar os méritos de um determinado procedimento,5 o que é arriscado, pois os estudos não controlados e sem alocação aleatória apresentam diversos vieses que podem levar a valorização inadequada da efetividade de uma nova forma de tratamento.4 É evidente que os procedimentos neurocirúrgicos também necessitam de avaliação por ensaios clínicos aleatórios, mas deve ser lembrado que, mesmo com todas as possibilidades de controle que esse tipo de estudo oferece, sua realização deve ser cuidadosa, pois tais ensaios são passíveis de defeitos na elaboração, condução, análise e relato.6,7 Existem dois estudos que analisaram os ensaios clínicos aleatórios em neurocirurgia. Em 1983, Haines2 relatou um levantamento realizado na literatura de língua inglesa (Acta Neurochirurgica; Annals of Neurology; Archives of Neurology; Brain; British Journal of Surgery; Child’s Brain; Journal of Neurosurgery; Journal of Neurology, Neurosurgery and Psychiatry; Neurology; Neurosurgery e Surgical Neurology) durante um período de 36 anos (1945-1977). Além do número restrito de ensaios encontrados, no total de 51, o autor verificou que, embora todos tenham adotado o procedimento de alocação aleatória, somente 17 (33%) relataram procedimentos de mascaramento e somente em seis dos relatos foi realizada uma análise estatística adequada dos resultados. Em 2004, Vranos e cols.,10 utilizando o MedLine, o Embase e o Cochrane Library Controlled Trials Registry, selecionaram dentre as publicações em inglês, francês, alemão e italiano realizadas nos 30 anos que precederam essa pesquisa, 108 estudos clínicos aleatórios. Embora alguns aspectos deste último estudo sejam diferentes do anterior, as conclusões gerais são bastante semelhantes: na maioria dos relatos existe um limitado número de amostras, e diversos parâmetros de qualidade (ex.: alocação aleatória e mascaramento duplo-cego) foram relativamente negligenciados na maioria dos ensaios. Conclusões semelhantes foram descritas em ensaios aleatórios em cirurgia pediátrica1 e em cirurgia laparoscópica,8 sugerindo que tais problemas talvez sejam inerentes às áreas cirúrgicas. Neste número de Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia está publicado um estudo de Cândido e Barbosa intitulado “Qualidade dos ensaios clínicos aleatórios em neurocirurgia publicados no Brasil”. O propósito básico do trabalho não pôde ser alcançado, pois após a análise de 183 artigos publicados nesta revista, no período de março de 1999 a março de 2008, os autores constataram que nenhum ensaio clínico aleatório havia sido publicado. Além da escassez comprovada de ensaios clínicos aleatórios em neurocirurgia, conforme atestada pelas duas publicações mencionadas anteriormente, a ausência desse tipo de estudo na nossa revista tem uma explicação adicional. Quando um autor brasileiro produz um artigo mais elaborado, sua tendência natural é tentar publicá-lo em uma revista indexada onde o fator de impacto é maior. Infelizmente, apesar dos esforços dos editores e de membros da Diretoria da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, nos últimos 15 anos, Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia persiste fora dos indexadores de maior prestígio. Em consequência, apesar da qualidade dos artigos publicados na revista, muitos dos trabalhos de maior impacto são destinados às publicações de maior pontuação. Cada vez mais os neurocirurgiões reconhecem a necessidade de ensaios clínicos aleatórios para a avaliação de novos procedimentos. No entanto, deve ser lembrado que muito do que aprendemos sobre o tratamento dos pacientes neurocirúrgicos foi oriundo de séries não controladas de pacientes, muitas vezes analisadas de forma retrospectiva. Muitos procedimentos neurocirúrgicos são complicados e caros e alguns desses são realizados em condições incomuns, Arq Bras Neurocir 28(2): 41-42, junho de 2009 o que inviabiliza ensaios muito grandes. Por outro lado, a irreversibilidade habitual dos resultados cirúrgicos pode impedir a alocação aleatória de pacientes em estudos comparando cirurgia versus terapia medicamentosa ou cirurgias de diferentes complexidades e riscos.9 A despeito de todas essas explicações e justificativas, não há dúvida de que é “por meio de estudos de ensaio clínico aleatório que se consegue um melhor nível de evidências científicas, por esses relacionarem-se com um menor índice de vieses na seleção das investigações”, conforme ressaltado no excelente artigo de Cândido e Barbosa. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. Curry JI, Reeves B, Stringer MD. Randomized controlled trials in pediatric surgery: could we do better? J Pediatr Surg. 2003;38:556-9. Haines SJ. Randomized clinical trials in neurosurgery. Neurosurgery. 1983;12:259-64. Horton R. Surgical research or comic opera: questions, but few answers. Lancet. 1996;347:984-5. Ioannidis JP, Haidich AB, Pappa M, Pantazis N, Kokori SI, Tektonidou MG, et al. Comparison of evidence of treatment effects in randomized and nonrandomized studies. JAMA. 2001;286:821-30. Johnson AG, Dixon JM. Removing bias in surgical trials. BMJ. 1997;314:916-7. Moher D, Dulberg CS, Wells GA. Statistical power, sample size, and their reporting in randomized controlled trials. JAMA. 1994;272:122-4. Schulz KF, Chalmers I, Hayes RJ, Altman DG. Empirical evidence of bias: Dimensions of methodological quality associated with estimates of treatment effects in controlled trials. JAMA. 1995;273:408-12. Slim K, Bousquet J, Kwiatkowski F, Pezet D, Chipponi J. Analysis of randomized controlled trials in laparoscopic surgery. Br J Surg. 1997;84:610-4. Solomon MJ, Laxamana A, Devore L, McLeod RS. Randomized controlled trials in surgery. Surgery. 1994;115: 707-12. Vranos G, Tatsioni A, Polyzoidis K, Ioannidis JPA. Randomized trials of neurosurgical interventions: a systematic appraisal. Neurosurgery. 2004;55:18-26. Milton K. Shibata e Mário G. Siqueira Editores 42 Editorial Shibata MK e Siqueira MG Arq Bras Neurocir 28(2): 43-47, junho de 2009 Qualidade dos ensaios clínicos aleatórios em neurocirurgia publicados no Brasil Duarte Nuno Crispim Cândido1, Fabiano Timbó Barbosa2 Universidade de Ciências da Saúde de Alagoas Escola de Ciências Médicas de Alagoas Liga de Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva de Alagoas RESUMO Contexto: O ensaio clínico aleatório é definido como um estudo prospectivo, o qual compara o efeito e o valor de intervenções em seres humanos, envolvendo um ou mais grupos, a pelo menos um grupocontrole, com alocação aleatória dos participantes e utilização de medidas de controle. A qualidade de um ensaio clínico aleatório pode ser definida como a probabilidade de um estudo planejado gerar resultados sem tendenciosidades e que se aproximem da realidade terapêutica. Objetivo: Avaliar a qualidade dos ensaios clínicos aleatórios em neurocirurgia publicados no Brasil. Métodos: Este estudo é transversal e descritivo; critérios de inclusão: artigo original de ensaio clínico aleatório em neurocirurgia publicado no Brasil; critérios de exclusão: estudo experimental, estudos laboratoriais e estudos observacionais. Utilizou-se estatística descritiva para descrever as variáveis secundárias. Resultados: Entre 183 artigos publicados, 15% (27/183) foram classificados como artigos originais. Não foram identificados ensaios clínicos aleatórios. Entre os artigos originais, 63% (17/27) foram caracterizados como estudos do tipo transversal de incidência/prevalência, 30% (8/27) como coorte, 4% (1/27) como acurácia e 4% (1/27) como de revisão sistemática da literatura. Conclusão: Após busca manual e criteriosa, não foram encontradas publicações de ensaios clínicos aleatórios em neurocirurgia no Brasil. PALAVRAS-CHAVE Ensaio clínico aleatório. Avaliação em saúde. Neurocirurgia. ABSTRACT The quality of a randomized controlled trials on neurosurgery published in Brazil Background: The randomized clinical trial is defined as a prospective study witch compares effects and the value of interventions on human beings, involving one or more groups over at least one control group, with randomized allocation of participants and using measures to prevent bias. The quality of a randomized controlled trial is defined as probability to ensure results without biases in a trial and that to come near to reality. Objective: To evaluate the quality of randomized controlled trials published on neurosurgery in Brazil. Methods: This is a transversal and descriptive study; inclusions criteria: original article of randomized clinical trial; exclusions criteria: experimental studies, laboratory studies, observational studies. Results: In 183 published articles, 15% (27/183) were classified as original articles. There were no randomized clinical trials identified. Among the original articles 63% (17/27) were classified as transversal (incidence/prevalence) studies, 30% (8/27) as coort studies, 4% (1/27) as accuracy studies and 4% (1/27) as meta-analysis. Conclusion: After criteriously and manual search there were not found randomized clinical trials on neurosurgery published in Brazil. KEY WORDS Clinical trial. Randomized. Health evaluation. Neurosurgery. 1 Estudante do 6º ano de Medicina na Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal) – Escola de Ciências Médicas de Alagoas (ECMAL). Membro da Liga de Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva (LADTI) de Alagoas. 2 Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Tutor da LADTI de Alagoas. Arq Bras Neurocir 28(2): 43-47, junho de 2009 Introdução Vive-se atualmente uma fase em que existe exacerbação de pesquisas e publicações, tanto na esfera nacional quanto internacional. É impossível que um profissional da área de saúde consiga manter-se atualizado com todas as publicações que se fazem dia a dia na literatura especializada. Para tal, devem-se identificar os estudos relevantes, com base na qualidade metodológica, e assim selecionar aqueles que possam complementar ou até mesmo modificar a prática profissional.1 O tipo de estudo empregado na pesquisa, quando adequadamente realizada, determinará sua confiabilidade. É por meio de estudos de ensaio clínico aleatório que se consegue um melhor nível de evidências científicas, por esses relacionarem-se com um menor índice de vieses na seleção das investigações.29 O ensaio clínico aleatório é definido como um estudo prospectivo, o qual compara o efeito e o valor de intervenções em seres humanos, envolvendo um ou mais grupos, a pelo menos um grupo-controle, com alocação aleatória dos participantes e utilização de medidas de controle. Deve objetivar testar o efeito de uma intervenção terapêutica, profilática ou diagnóstica para elucidação de perguntas quanto às condutas terapêuticas ou prevenção de doenças.6 A qualidade de um ensaio clínico aleatório pode ser definida como a probabilidade de um estudo planejado gerar resultados sem tendenciosidades e que se aproximem da realidade terapêutica.14 Sendo assim, esta variável (qualidade) pode ser avaliada por meio de três tipos de instrumentos: itens individuais, listas de verificação e escalas.20 O uso de escalas revela vantagem ao transformar as informações em números, cuja simplicidade permite uma rápida e fácil compreensão da qualidade desse tipo de estudo.14 A hipótese testada nesta pesquisa é que apenas 5% dos artigos originais de ensaios clínicos aleatórios publicados em neurocirurgia sejam de boa qualidade. Objetiva-se, então, avaliar a qualidade dos ensaios clínicos aleatórios publicados. Métodos Esta pesquisa não foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa, por não se relacionar com pesquisa em seres humanos e não dispor de carências éticas, não se aplicando essa avaliação. O termo de consentimento esclarecido não se aplica a esse tipo de pesquisa. Os gastos inerentes à pesquisa foram de responsabilidade dos autores. 44 Trata-se de um estudo transversal e descritivo. A revista Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia foi escolhida por ser a revista oficial da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, ter grande impacto em sua área, além de ser indexada à base de dados Lilacs. O critério de inclusão para a avaliação da qualidade metodológica foi: artigo original de ensaio clínico aleatório em neurocirurgia publicado no Brasil. Os critérios de exclusão para avaliação da qualidade metodológica foram: estudo experimental, estudos laboratoriais e estudos observacionais. A variável primária foi a qualidade dos ensaios clínicos aleatórios, sendo essa definida como a probabilidade de um ensaio clínico planejado gerar resultados sem tendenciosidades.14 As variáveis secundárias foram: número de autores, local de origem da publicação, classificação do tipo de estudo, realização do cálculo do tamanho da amostra, descrição das variáveis analisadas, encaminhamento da pesquisa para o comitê de ética em pesquisa, utilização do termo de consentimento livre e esclarecido, descrição de critérios de inclusão e exclusão, descrição da fonte de fomento, teste estatístico utilizado e nível de significância adotado na pesquisa. As variáveis secundárias foram colhidas em todos os artigos originais pesquisados, caracterizando-se como artigos originais aqueles em que o estudo fosse do tipo revisão sistemática, casocontrole, coorte, prevalência/incidência (transversal), acurácia e ensaio clínico aleatório. Foram analisados todos os artigos publicados na revista Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia, entre março de 1999 e março de 2008, por intermédio da busca manual e observando-se as palavras: “randômico”, “randomizado”, “aleatório”, “duplo-cego”, “placebo” ou qualquer outra palavra que sugerisse que o artigo se tratava de um ensaio clínico aleatório. Para que não houvesse perdas ou erros na classificação dos estudos, todos os estudos em que surgiram dúvidas foram revisados e discutidos em um segundo momento entre os autores, e as discordâncias resolvidas após consenso entre eles. A escala de qualidade utilizada nesta pesquisa para analisar os ensaios clínicos aleatórios pode ser vista no quadro I. Os critérios descritos para avaliação pela escala de qualidade foram:14 1) Para a randomização: o método de geração da sequência aleatória foi considerado apropriado quando permitiu a cada participante do estudo ter a mesma chance de receber cada intervenção, e quando o investigador não pudesse prever qual seria o próximo tratamento. 2) Para o mascaramento duplo-cego: um estudo foi considerado duplo-cego quando o termo duplocego foi usado. O método foi considerado apropriado quando nem o paciente, nem o responsável Qualidade dos artigos de ensaios clínicos aleatórios Cândido DNC & Barbosa FT Arq Bras Neurocir 28(2): 43-47, junho de 2009 Quadro 1 Itens da Escala de Qualidade. Adaptado de Jadad AR e cols.14 * Itens da Escala de Qualidade 1a – O estudo foi descrito como aleatório (uso de palavras como “randômico”, “aleatório”, “randomização”)? 1b – O método foi adequado? 2a – O estudo foi descrito como duplo-cego? 2b – O método foi adequado? como coorte,8,9,11,15,18,22,31,33 4% (1/27) como acurácia3 e 4% (1/27) como revisão sistemática da literatura (Gráfico 1).13 Nenhum ensaio clínico aleatório foi identificado pela busca manual. Quanto à origem dos artigos, 47% (14/30) tiveram como sede o estado de São Paulo, 20% (6/30), Sergipe, 10% (3/30), Rio Grande do Sul, 7% (2/30), Rio de Ja- 3 – Houve descrição das perdas e exclusões? 4% * Pontuação: cada item (1, 2 e 3) recebe um ponto para a resposta sim ou zero ponto para a resposta não. Um ponto adicional é atribuído se, no item 1, o método de geração da sequência aleatória foi descrito e foi adequado e se, no item 2, o método de mascaramento duplo-cego foi descrito e foi adequado. Um ponto é deduzido se, na questão 1, o método de geração da sequência aleatória foi descrito, mas de maneira inadequada e se, na questão 2, foi descrito como duplo-cego, mas de maneira inadequada. pela coleta de dados tiveram como identificar o tipo de tratamento dispensado a cada um, ou, na ausência dessa declaração, se o uso de placebos idênticos ou imitações foi mencionado. 3) Para as perdas e exclusões: os participantes que entraram no estudo mas não completaram o período de observação, ou que não foram incluídos na análise mas foram descritos pelos autores dos artigos originais. O número e as razões para as perdas em cada grupo precisavam ser declarados. Quando não houvesse perdas, isso também deveria ser declarado no artigo. Quando não houve descrição de perdas foi atribuída nota zero a esse item. Um máximo de cinco pontos poderia ser obtido por meio dessa escala, sendo: três pontos para cada sim, um ponto adicional para um método adequado de randomização e um ponto adicional para um método adequado de mascaramento. Um estudo é considerado de má qualidade quando recebe dois pontos ou menos na escala de qualidade.14 Foi planejada a avaliação do método de randomização e do sigilo da alocação nos artigos originais de ensaios clínicos aleatórios. As variáveis secundárias foram descritas com uso de estatística descritiva. O número de autores foi descrito como mediana e amplitude interquartílica. 4% 30% 63% Transversal Coorte Acurácia Revisão sistemática Gráfico 1 – Distribuição dos artigos originais. neiro e 17% (5/30) divididos entre os estados da Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Goiás e Santa Catarina. A mediana do número de autores por artigo foi de 3 (2 a 6). Em nenhum artigo foi descrito o cálculo do tamanho da amostra. Houve descrição das variáveis analisadas no método estatístico em 81% (22/27), aprovação por Comitê de Ética em Pesquisa em 15% (4/27), apresentação de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em 7% (2/27), descrição dos critérios de inclusão em 81% (22/27), descrição dos critérios de exclusão em 26% (7/27) e fonte de fomento em 26% (7/27). Os testes estatísticos mais utilizados estão demonstrados no gráfico 2: 30% (8/27) dos artigos revelam nível de significância < 0,05.5,8,11,18,28,30,34,35 30% 25% 20% Qualidade dos artigos de ensaios clínicos aleatórios Cândido DNC & Barbosa FT 10% 5% r lgo m Sm oro irn vof Sp ea rm an AN OV A t en Fis ch e Ko T de S tud do 0% ad ra Foram investigados 183 artigos publicados na revista Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia no período entre março de 1999 e março de 2008, visto que 15% (27/183) dos artigos foram classificados como artigos originais. Entre os artigos originais 63% (17/27) foram caracterizados como estudos do tipo transversal de incidência/prevalência,2,5,10,12,16,17,19,23-28,30,32,34,35 30% (8/27) 15% Qu i-Q u Resultados Gráfico 2 – Gráfico em pirâmides demonstrando a frequência dos testes estatísticos utilizados nos artigos originais. 45 Arq Bras Neurocir 28(2): 43-47, junho de 2009 Discussão O passo inicial na investigação científica é a formulação de projetos que sigam o rigor metodológico. Níveis de evidência só serão alcançados se boas publicações forem realizadas nas revistas específicas de cada especialidade da área de saúde. A descrição inadequada de um estudo pode torná-lo difícil ou impossível de ser interpretado21 e redundar impraticável a aplicação dos seus resultados na clínica diária. Em 2002, Camargo,4 verificou o crescente número de publicações e corrobora o achado de uma minoria de artigos originais. São publicados principalmente trabalhos retrospectivos ou transversais, realizados a posteriori, quando o autor tenta mostrar um tratamento clínico ou técnica cirúrgica realizada. O tipo de estudo em que se pode encontrar melhor nível de evidência científica, menores tendenciosidades e vieses, que seria o estudo de ensaio clínico aleatório, não foi encontrado, talvez por carecer de melhor rigor técnico ou um bom entendimento de estatística, ou até mesmo por falta de grupos de estudo interessados, ou ainda por haver pesquisadores com pouca experiência nesse tipo de estudo. Quanto ao local de origem, a maioria das publicações teve como local de sede o estado de São Paulo, sendo 14 entre 30 artigos originais (47%). A diferença encontrada em relação aos outros locais de origem não pareceu ser qualitativa, mas quantitativa, uma vez que é no estado de São Paulo onde existe o maior número de centros formadores, maior número de cursos de pós-graduação e, consequentemente, maior número de pesquisadores. O número de autores teve a mediana de três autores por artigo, um número considerado aceitável. Não há consensualmente uma regra normativa quanto à quantidade de autores por artigo, apenas criticam-se aqueles com vários autores, já que existe uma prática de se acrescentar nomes de pessoas ao trabalho quando essas não contribuíram efetivamente para a execução da pesquisa. Indivíduos que contribuem de maneira indireta poderiam ser mencionados no item de agradecimentos do artigo original. Estudo com amostra por conveniência foi um achado universal neste trabalho. Tal modalidade facilita o agrupamento e a estruturação da amostra, já que muitos pesquisadores carecem de grande número de pacientes para a efetivação da pesquisa. No entanto, esse tipo de amostra pode influenciar na relevância estatística do estudo. O tamanho da amostra influencia inversamente no valor de “p”, por isso amostras muito grandes tendem a apresentar baixos valores de “p” e a induzir a erros na tomada de decisões em relação às diferenças encontradas na pesquisa.7 Não apresentar o cálculo do tamanho da amostra põe em dúvida a 46 validade dos resultados obtidos, visto que o valor de “p” pode estar super ou subestimado. Também existem implicações éticas envolvidas no cálculo do tamanho da amostra, pois utilizar o número adequado para cada amostra evita que um número maior de participantes se exponha a uma determinada intervenção. Saber o número de participantes também permite prever os gastos envolvidos em uma pesquisa. Quanto ao item Comitê de Ética em Pesquisa, verifica-se que poucas são as publicações que se submeteram à aprovação prévia, apenas quatro das 27 (15%).3,8,19,31 Isso fica ainda pior no que tange ao consentimento livre e esclarecido, pois apenas foi encontrada menção em dois trabalhos.8,31 Esses itens são parte fundamental nas escalas de avaliação de qualidade, para que ao término da pesquisa não haja dilemas ou transgressões éticas. Outra crítica vincula-se à omissão dos critérios de exclusão, presentes apenas em sete dos 27 trabalhos (26%), e tão importantes para que se tenham amostras homogêneas, adequadas às variáveis primárias e secundárias, a fim de evitar desvios da pesquisa. Apoio financeiro por meio de fonte de fomento só foi apresentado em sete das 27 publicações, dessas a maioria em programas de incentivo à pesquisa na graduação.2,5,18,24,27,28,31 As limitações desta pesquisa foram a falta de artigos de ensaios clínicos aleatórios para que os autores pudessem confrontar sua hipótese, esboçada como variável primária, e a busca em apenas uma revista. Outras revistas relevantes da área de neurocirurgia poderiam ter sido tomadas como amostra para tentar minimizar as limitações. Entretanto, por ser uma das duas revistas nacionais encontradas indexadas à base de dados Lilacs, o que favorece divulgação pública nacional e internacional, e sendo aquela que contava com maior número de publicações e histórico mais antigo de publicações (25 anos), foi tida pelos autores como revista de boa relevância na área a que se detém. Avaliar a qualidade de artigos de ensaios clínicos aleatórios é essencial, uma vez que além de observar o número de artigos publicados (novas evidências geradas), orientar-se-ão autores a minimizar falhas nas etapas de planejamento, execução e divulgação de futuras pesquisas e se determinará o grau de confiabilidade dos resultados de estudos já publicados. Orientações para as publicações de ensaios clínicos aleatórios são encontradas no instrumento intitulado CONSORT (Consolidated Standards of Reporting Trials) statement, desenvolvido por um grupo internacional de estatísticos, pesquisadores, epidemiologistas e editores de revistas biomédicas.21 Esse consta de 22 itens a serem checados e um fluxograma que apresenta informações sobre as quatro fases de um estudo (cadastro, randomização, seguimento e a análise) e está disponível em URL: http://www.consort-statement.org/. Qualidade dos artigos de ensaios clínicos aleatórios Cândido DNC & Barbosa FT Arq Bras Neurocir 28(2): 43-47, junho de 2009 Conclusão 19. Após busca manual e criteriosa, não foram encontradas publicações de ensaios clínicos aleatórios em neurocirurgia no Brasil. 20. 21. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. Amatuzzi MLL. Análise da evolução qualitativa de publicações em Ortopedia e Traumatologia. Comparação entre a “Revista Brasileira de Ortopedia” e “The Journal of Bone and Joint Surgery”. Rev Bras Ortop. 2004;39:527-35. Botelho RV, Abgussen CMB, Machado GCFP, Elias AJR, Silva AMB, Bittencourt LRA, et al. Epidemiologia do trauma raquimedular cervical na zona norte da cidade de São Paulo. Arq Bras Neurocir. 2001;20(3-4):64-76. Brainer-Lima PT, Brainer-Lima AM, Azevedo Filho HRC. Deslocamento do cérebro na craniotomia estereotáxica para lesão superficial. Arq Bras Neurocir. 2004;23:148-50. Camargo OP. 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Arq Bras Neurocir. 2006;25:54-9 Original recebido em setembro de 2008 Aceito para publicação em março de 2009 Conflito de interesses não declarado Endereço para correspondência Duarte Nuno Crispim Cândido Alameda São Benedito, 308 57055-600 – Maceió, AL, Brasil E-mail: [email protected]; [email protected] 47 Arq Bras Neurocir 28(2): 48-49, junho de 2009 Comentários: Ensaios clínicos aleatórios em neurocirurgia Benedicto Oscar Colli 1 O artigo “Qualidade dos ensaios clínicos aleatórios em neurocirurgia publicados no Brasil”, escrito por Cândido e Barbosa, publicado nas páginas precedentes, teve por objetivo avaliar a qualidade dos ensaios clínicos publicados no país. Para a avaliação dos trabalhos, utilizaram a definição de ensaio clínico aleatório como “um estudo prospectivo, o qual compara o efeito e o valor de intervenções em seres humanos, envolvendo um ou mais grupos, a pelo menos um grupo-controle, com alocação aleatória dos participantes e utilização de medidas de controle”. Os autores selecionaram a revista Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia como representativa das publicações neurocirúrgicas, por ser essa indexada à base de dados Lilacs, e analisaram os artigos nela publicados nos últimos dez anos (março de 1999 a março de 2008). Para a avaliação da qualidade dos ensaios clínicos aleatórios seriam utilizados os critérios recomendados pela literatura.1 A conclusão principal da pesquisa, não surpreendente para quem trabalha no ramo, foi que não foram encontrados ensaios clínicos aleatórios publicados no país nesse período. Como conclusão secundária observou-se que apenas 15% dos artigos publicados foram classificados como originais. Alguns fatos devem ser ressaltados na análise dessa publicação: 1. Os critérios utilizados para a seleção da revista a ser adotada para a pesquisa dos estudos aleatórios foram os fatos de ela ser indexada no Lilacs e ser publicada há 25 anos. Porém, isso não significa necessariamente que nela são publicados os melhores trabalhos, pois outra revista brasileira, indexada no MedLine e com fator de impacto, também publica trabalhos neurocirúrgicos. Outro fato que reforça essa hipótese é que apenas 15% dos trabalhos publicados no período estudado eram originais. 2. O segundo fato a ser comentado são as dificuldades na realização de ensaios clínicos aleató­ rios com pacientes neurocirúrgicos no Brasil. Essas dificuldades podem ser divididas em três grupos: a) número de pacientes necessários para esses estudos; b) dificuldades de financiamento da pesquisa; c) falta de recursos humanos. a) Concentração de pacientes – o primeiro grande problema é a falta de centralização no atendimento neurocirúrgico por capacitação, competência e resolutividade. A centralização de pacientes neurocirúrgicos nos hospitais ocorre por falta de opção e concentra-se nos hospitais públicos que, na maioria das vezes, não são os mais bem equipados e não têm alta resolutividade no atendimento dos pacientes. Portanto, a constituição aleatória de grupos de estudos em um período razoável para comparação torna-se muito difícil em nosso meio. b) Financiamento das pesquisas – as variações sazonais financeiras e de recursos humanos das instituições públicas dificultam a manutenção de esquemas padronizados de tratamento (exames complementares, medicações, instrumental, órteses e próteses etc.) e também constituem obstáculos para estudos clínicos aleatórios. Embora seja possível recorrer a financiamento de instituições de fomento à pesquisa, a dificuldade de planejamento de ensaios clínicos aleatórios, especialmente no estabelecimento de cronogramas de execução, torna esses estudos menos competitivos na captação de recursos. c) Falta de recursos humanos – o número de neurocirurgiões com formação adequada em pesquisa e que dedicam algum tempo do seu trabalho para essa atividade é pequeno. Além disso, a falta de profissionais especializados 1 Editor associado. Professor Titular da Divisão de Neurocirurgia do Departamento de Cirurgia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP). Arq Bras Neurocir 28(2): 48-49, junho de 2009 envolvidos na execução de vários processos da pesquisa, desde o planejamento adequado, a coleta de dados, a análise dos dados e a sua publicação, contribui para aumentar as dificuldades. 3. Como a produção científica do Brasil está muito relacionada aos cursos de pós-graduação, outro fator que contribui para que ensaios clínicos aleatórios não sejam publicados no país são os critérios de classificação dos cursos de pósgraduação preconizados pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Ensino Superior (Capes). Entre esses critérios, um dos mais importantes é a publicação em periódico com fator de impacto. Portanto, para atender aos critérios preconizados pela Capes, dificilmente autores participantes de cursos de pós-graduação que conseguem realizar um ensaio clínico aleatório irão publicar seus resultados em revistas nacionais sem fator de impacto. Vários desses problemas afetam também países desenvolvidos, como a dificuldade de concentração de pacientes para se obter números adequados. Por essa razão, os grandes ensaios clínicos aleatórios resultam da cooperação entre vários centros. Esse tipo de co- Comentários: Ensaios clínicos aleatórios em neurocirurgia Colli BO operação não é frequente no Brasil, exceto quando envolve interesses da indústria farmacêutica ou de instrumentais cirúrgicos que fornecem a infraestrutura financeira e logística para a sua realização. De grande auxílio nos países desenvolvidos é a existência de boa infraestrutura voltada para publicações, constituída por pessoal auxiliar para todas as fases da pesquisa. A questão do financiamento da pesquisa é facilitada pela possibilidade de bom planejamento e pela participação da iniciativa privada (indústria farmacêutica ou de instrumental). A iniciativa dos autores é muito louvável por levantar, em nosso meio, a questão da qualidade das publicações científicas. Referência 1. Jadad AR, Moore A, Carrol D, Jenkinson C, Reynolds DJ, Gavaghan DJ, et al. Assessing the quality of reports of randomized clinical trials: is blinding necessary? Control Clin Trials. 1996:17(1):1-12. Endereço para correspondência Prof. Dr. Benedicto Oscar Colli Divisão de Neurocirurgia do Departamento de Cirurgia - HCFMRP Campus Universitário – USP 14048-900 – Ribeirão Preto, SP, Brasil E-mail: [email protected] 49 Arq Bras Neurocir 28(2): 50-53, junho de 2009 Anomalias dos nervos lombossacrais em natimortos a termo. Estudo anatômico Max Franco de Carvalho1, Roberta Teixeira Rocha2, João Tiago Silva Monteiro3, Carlos Umberto Pereira4, Alex Franco de Carvalho4, Francisco do Prado Reis5 Laboratório de Anatomia do Departamento de Morfologia do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal de Sergipe (UFS). RESUMO Contexto: Existe controvérsia entre autores quanto à incidência de variações anatômicas dos nervos espinhais lombossacros. A incidência dessas anomalias nervosas varia de 0% a 30% como verificado em estudos anatômicos em cadáveres adultos de diferentes nacionalidades, de 2,0% a 4,0% em estudos de imagem diagnóstica e de 0,34% a 10% em séries cirúrgicas. Objetivo: Determinar a incidência de anomalias anatômicas nos nervos espinhais lombossacros em 40 natimortos a termo de nacionalidade brasileira. Métodos: O segmento lombossacro da coluna vertebral de 40 natimortos, provenientes do laboratório de patologia clínica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe (UFS), foi estudado no Laboratório de Neuroanatomia do Departamento de Morfologia da UFS. Foram excluídos aqueles casos que possuíam síndromes ou qualquer defeito orgânico associado. Os espécimes anatômicos foram fixados com solução de formaldeído a 10%, infundida por meio da veia umbilical. As peças foram preparadas com a ressecção em bloco das partes moles dorsais, processos espinhosos e lâminas da décima vértebra torácica até o sacro. Resultado: Neste estudo, foram encontradas seis variações anatômicas dos nervos espinhais lombossacros, em seis diferentes espécimes, de quatro tipos, totalizando 15% das peças. As variações anatômicas dos nervos espinhais lombossacros foram classificadas em oito tipos, sendo a anastomose intradural a mais presente. O quinto nervo lombar foi o mais frequentemente comprometido Não foi observada diferença significativa quanto ao sexo e lado envolvido. Conclusão: O presente estudo enfatiza a importância do conhecimento dessas anomalias anatômicas durante os procedimentos cirúrgicos na região lombossacral, pois não se trata de evento muito raro. PALAVRAS-CHAVE Nervo lombossacral. Anomalias. ABSTRACT Anomalies of the lumbosacral nerve roots in stillborns. An anatomical study Context: There is such controversy among authors about the real incidence of lumbosacral nerve roots anomalies. The incidence ranges from 0% to 30% in anatomic studies in different populations, from 2% to 4% in diagnostic image studies and 0.34% to 10% in surgical series. Objective: To determine the incidence of anatomical abnormalities of the lumbossacral spinal nerves in 40 Brazilian stillborns. Methods: The segment of the lumbosacral spine of 40 stillborns, from the clinical pathology laboratory at the University Hospital of Federal University of Sergipe (UFS) was studied in the Laboratory of Neuroanatomy, Department of Morphology of the UFS. We excluded those cases that had any defects or syndromes associated. The anatomical specimens were fixed with formaldehyde solution 10%, infused through the umbilical vein. The specimens were prepared with en bloc resection of the soft dorsal spinous processes and laminae from the tenth thoracic vertebra to the sacrum. Results: In this study, were found four types of anatomical variations of lumbosacral spinal nerves in six different specimens, accounting for 15% of the specimens. The fifth lumbar nerve was the most frequently involved (66%). The anatomical variations of lumbosacral spinal nerves were classified into eight types, and the intradural anastomosis was the most frequent. There was no significant difference regarding gender and side involved. Conclusion: Our study emphasizes the importance of knowledge of these anatomical anomalies during surgical procedures in the lumbosacral region because they are not too rare. KEY WORDS Lumbosacral nerve roots. Anomaly. 1 Professor MSc substituto do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Aluno do Programa de Pós-graduação (doutorado) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). 2 Médica Radiologista da UFS. 3 Acadêmico de Medicina e bolsista PIBIC (01220587) UFS. 4 Professor Doutor Adjunto do Departamento de Medicina da UFS. 5 Professor Titular do Departamento de Morfologia da UFS. Arq Bras Neurocir 28(2): 50-53, junho de 2009 Introdução As descrições clássicas da coluna vertebral nos livros de anatomia não fazem referência sobre a existência de variações anatômicas na origem ou trajeto dos nervos espinhais lombossacros.6,8,21 A maioria dos estudos aborda essas anomalias por meio de relatos de casos, pequenas séries de achados incidentais transoperatórios e de exames imagéticos.3,5,9,10,16,17,20 Existe controvérsia entre autores quanto à incidência de variações anatômicas dos nervos espinhais lombossacros. A incidência dessas anomalias nervosas varia de 0% a 30% como verificado em estudos anatômicos em cadáveres adultos de diferentes nacionalidades,2,7,9,13 de 2,0% a 4,0% em estudos de imagem9,14,16 e de 0,34% a 10% em séries cirúrgicas.4,15 Os relatos cirúrgicos de que os nervos espinhais anômalos ocupam mais espaço no canal vertebral ou forâmen intervertebral e a dificuldade de mobilização transoperatória desses nervos sugerem que haveria sintomas clínicos compressivos lombares, durante os movimentos normais de flexão e extensão da coluna vertebral, sem haver a necessidade de compressão extrínseca.10,22 Por muito tempo, a importância clínica dessas anomalias estava relacionada aos maus resultados pós-discectomia e lombalgias de causas obscuras. Postacchini et al.16, com base em estudo de 46 casos com anormalidades anatômicas dos nervos espinhais lombossacros, diagnosticadas por meio de mielografia, concluíram que essas anomalias são achados incidentais sem qualquer importância clínica. Em razão do grande número de procedimentos cirúrgicos na região lombossacra, o conhecimento dessas anomalias anatômicas é de grande importância, para evitar lesões iatrogênicas e danos neurológicos irreparáveis. O objetivo deste estudo é determinar a incidência de anomalias anatômicas nos nervos espinhais lombossacros em 40 natimortos a termo de nacionalidade brasileira. Casuística e métodos O segmento lombossacro da coluna vertebral de 40 natimortos (21 masculinos e 19 femininos), provenientes do laboratório de patologia clínica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe (UFS), foi estudado no Laboratório de Neuroanatomia do Departamento de Morfologia da UFS. Foram excluídos aqueles casos que possuíam síndromes ou qualquer defeito orgânico associado. Os espécimes Anomalias dos nervos lombossacrais em natimortos a termo. Estudo anatômico Carvalho MF e col anatômicos foram fixados com solução de formaldeído a 10%, infundida por meio da veia umbilical. As peças foram preparadas com a ressecção em bloco das partes moles dorsais, processos espinhosos e lâminas da décima vértebra torácica até o sacro. O estudo extradural consistiu na observação macroscópica da simetria, da origem, do trajeto, da emergência dural dos nervos espinhais até o forâmen de conjugação e relação dos nervos espinhais com os pedículos. Após o estudo extradural, a dura-máter foi aberta longitudinalmente, permitindo a visualização direta da medula espinhal, origem dos filamentos radiculares na medula espinhal, cone medular, cauda equina e junção intradural dos filamentos radiculares que formam as raízes nervosas ventrais e dorsais. Os fragmentos intradurais e extradurais obtidos durante o estudo macroscópico foram retirados e fixados em formol a 10% por 48 horas e, após esse período, inclusos em parafina e realizados cortes transversais de 5 micrômetros e estudados histologicamente pela técnica de hematoxilina e eosina. A incidência de anomalias nervosas na população estudada foi comparada com outras investigações anatômicas pelo teste de qui-quadrado. Resultados O estudo anatômico revelou seis (15%) anormalidades anatômicas dos nervos lombossacros em seis diferentes espécimes. Dessas, três foram intradurais e três extradurais. Das intradurais, duas anastomoses intradurais estavam entre as raízes do nervo dorsal (Figura 1) e uma entre as raízes do nervo ventral. Nesses três casos, foi observada uma camada espessa da aracnoide aderida aos filamentos radiculares que dificultava a mobilização e individualização dessas raízes. Nas anomalias extradurais, foram visualizadas uma emergência dural comum de duas raízes nervosas (Figura 2), uma divisão extradural e uma raiz nervosa com origem dural cranial que emergia pelo forâmen intervertebral cranial ao esperado (Tabela 1). A raiz de L5 esteve envolvida em quatro casos (66% dos casos) e S1 em três (50%). Três espécimes foram do sexo masculino e três do feminino, os lados direito e o esquerdo foram acometidos em três casos cada. Durante o estudo das três anomalias intradurais, o conteúdo intradural estava friável, o que impediu um estudo detalhado da organização intradural. O estudo histológico revelou tecido nervoso em todas as raízes nervosas anômalas. 51 Arq Bras Neurocir 28(2): 50-53, junho de 2009 Discussão FALTA FIGURA 1 Figura 1 – Anastomose intradural entre L5-S1 em raiz nervosa dorsal direita. 1a. Fotografia do espaço intradural dorsal; a seta demonstra anomalia do tipo I, com anastomose entre a raiz dorsal do quinto nervo espinhal lombar direito e a raiz dorsal do primeiro nervo sacro. 1b. Ilustração esquemática do espaço intradural dorsal; a seta demonstra anomalia do tipo I, com anastomose entre a raiz dorsal do quinto nervo espinhal lombar direito e a raiz dorsal do primeiro nervo sacro. De acordo com os estudos de Kadish e Simmons9 e de Chotigavanich e Sahatapes,2 existem oito tipos de anomalias:1,11,12,17,22 tipo I – anastomose intradural; tipo II – anastomose extradural; tipo III – emergência assimétrica (a) cranial, (b) caudal; tipo IV – emergência dural comum; tipo V – divisão extradural (raízes dorsais e ventrais originam dois nervos distintos); tipo VI – saco dural termina no nível das vértebras lombares com os nervos sacrais, originando-se de um tronco nervoso único; tipo VII – o nervo deixa o canal vertebral por meio do forâmen vertebral caudal ou cefálico; tipo VIII) complexa (Figura 3). Tipo I Tipo IV Figura 2 – Emergência dural comum S1-S2 em raiz nervosa esquerda. 2a. Fotografia do canal vertebral dorsal; a seta demonstra anomalia do tipo IV entre o primeiro e segundo nervos espinhais sacros esquerdos. 2b. Ilustração esquemática do canal vertebral dorsal, onde a seta demonstra anomalia do tipo IV entre o primeiro e segundo nervos espinhais sacros esquerdos. Tabela 1 Anomalias das raízes encontradas Feto nº Tipo I 07 Tipo IV Tipo V S1 e S2 esquerda 17 L5 e S1 esquerda 23 L5 e S1 direita 24 L4 esquerda 32 38 52 Tipo VII L5 direita L4 e L5 direita Tipo II Tipo V Tipo III A Tipo VI Tipo IIIB Tipo VII Tipo VIII Figura 3 – Ilustração esquemática da classificação, com setas demonstrando as anomalias dos nervos espinhais lombossacros. Tipo I: anastomose intradural. Tipo II: anastomose extradural. Tipo IIIa: emergência assimétrica cranial. Tipo IIIb: emergência assimétrica caudal. Tipo IV: emergência dural comum. Tipo V: divisão extradural (raízes dorsais e ventrais originam dois nervos distintos). Tipo VI: saco dural termina no nível das vértebras lombares com os nervos sacrais, originando-se de um tronco nervoso único. Tipo VII: o nervo deixa o canal vertebral por meio do forâmen vertebral caudal ou cefálico. Tipo VIII: complexa. A incidência de variações anatômicas dos nervos espinhais lombossacros encontrada neste estudo foi de 15%. Os achados não apresentaram discrepância significativa (p = 0,87) em relação ao estudo anatômico de Kadish e Simmons,9 que observaram 14% em população norte-americana. Entretanto, houve diferença significante (p = 0,04) quando comparado com a incidência de 30% encontrada no estudo anatômico realizado por Chotigavanich e Sahatapes2 em cadáveres adultos de origem tailandesa, e com a de Oliveira e cols.,13 que não observaram nenhuma anormalidade anatômica nos nervos espinhais após dissecar o conteúdo extradural e intradural de 35 colunas de cadáveres adultos brasileiros. Hasue e cols.7 relataram uma incidência de 8,5% de variações anatômicas extradurais dos nervos espinhais lombossacros, porém não realizaram o estudo intradural das raízes ventrais e dorsais dos nervos espinhais durante a avaliação anatômica. Anomalias dos nervos lombossacrais em natimortos a termo. Estudo anatômico Carvalho MF e col Arq Bras Neurocir 28(2): 50-53, junho de 2009 Os achados do presente estudo estão de acordo com a literatura quanto à inexistência de predominância quanto ao sexo e ao lado acometido.2,7,9 A presença de deformidades congênitas da coluna vertebral associada com anomalias dos nervos espinhais tem sido relatada na literatura.1,2,9,11,12,18,19,22 Entretanto, essa associação não foi por nós estudada. A anomalia tipo I foi responsável por 50% dos casos em questão, as anomalias tipos IV, V e VII foram observadas em apenas um caso cada. Nos estudos cirúrgicos de White 3rd e cols.,22 Neidre e Macnab12 e Stambough e cols.20, a emergência dural comum dos nervos espinhais (tipo IV) foi a mais frequentemente encontrada. Nas variações anatômicas descritas por Kadish e Simmons,9 as anomalias mais presentes foram as dos tipos I e IV. Já no estudo de Chotigavanich e Sahatapes,2 a anomalia anatômica do tipo VIII (complexa) foi a mais frequente. Apesar de essa anomalia não ter sido observada no presente estudo, vale ressaltar que em todos os casos classificados como tipo VIII havia anastomose intradural entre os nervos espinhais envolvidos. O quinto nervo lombar foi o mais envolvido. Por causa do grande número de procedimentos cirúrgicos na coluna lombar baixa, o conhecimento dessas anormalidades pode evitar lesões iatrogênicas durante procedimentos e descompressão insuficiente do canal vertebral. Essas anomalias devem ser lembradas sempre que houver uma discordância entre o exame físico e os achados de diagnóstico por imagem. Durante o ato cirúrgico, a dificuldade de mobilização dos nervos espinhais ou a presença local de compressão radicular ou medular mínima para um quadro clínico exuberante, também, podem constituir fortes indícios da presença de anormalidades anatômicas. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. Conclusão Variações anatômicas dos nervos espinhais lombossacros foram achados frequentes no presente estudo. É importante relacionar a presença de anomalia dos nervos espinhais sempre que houver discrepância entre o exame físico e os achados de imagem e quando houver dificuldade de mobilização das raízes nervosas em procedimentos cirúrgicos no canal vertebral. Referências 1. Cannon BW, Hunter SE, Picasa JA. Nerve roots anomalies in lumbar disc surgery. J Neurosurg. 1962;9:208-14. Anomalias dos nervos lombossacrais em natimortos a termo. Estudo anatômico Carvalho MF e col 20. 21. 22. Chotigavanichc C, Sahatapes S. 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Original recebido em julho de 2008 Aceito para publicação em março de 2009 Conflito de interesses não declarado Endereço para correspondência Max Franco de Carvalho Rua José Seabra Batista, 22, Condomínio Tyrol, Edifício Innsbruck 49025-000 – Aracaju, SE, Brasil E-mail:[email protected] 53 Arq Bras Neurocir 28(2): 54-57, junho de 2009 Cavernomas pontinos extraventriculares. Parte I. Acesso transtentorial a cavernoma pontino dorsolateral Marcos Augusto Stávale Joaquim1, Gustavo Cartaxo Patriota2, André de Macedo Bianco3 Instituto de Neurociências, São Paulo. Serviço de Neurocirurgia do Hospital 9 de Julho, São Paulo. RESUMO Objetivo: Descrever a via transtentorial, por meio de craniotomia têmporo-occipital, para remoção de cavernoma pontino de localização dorsolateral, exemplificado pela apresentação de um caso. Conclusão: O acesso transtentorial demonstra-se útil e seguro para remoção de lesões localizadas nessa região da ponte. PALAVRAS-CHAVE Cavernoma. Angioma cavernoso. Cirurgia do tronco cerebral. ABSTRACT Extraventricular pontine cavernomas. Part I. Transtentorial route to remove a postero-lateral pontine cavernoma Objective: To present the transtentorial route through a temporal-occipital craniotomy for surgical removal of a posterior-lateral pontine cavernomas, exemplified by the presentation of a case. Regional anatomy is discussed. Conclusion: The transtentorial approach may be used safely to remove lesions of highly located in the posterior-lateral region of the pons. KEY WORDS Cavernoma. Cavernous angioma. Brain stem surgery. Introdução Os cavernomas provocam hemorragias de diferentes intensidades ao longo de sua existência. Hemorragias em áreas eloquentes ou áreas de grande densidade e concentração de fibras e núcleos, como o tronco corticoencefálico, podem produzir sequelas irreparáveis2-4,6,8,10,14,20-24. Os cavernomas devem ser removidos profilaticamente quando o risco da cirurgia for menor do que o risco da história natural da doença. A grande maioria dos cavernomas deve ser removida. As lesões do tronco encefálico foram consideradas inoperáveis no passado. A evolução da microcirurgia, dos métodos auxiliares de ressecção, da cirurgia guiada por imagens e das técnicas de monitorização neurofisiológica permite atualmente que essas lesões sejam submetidas ao tratamento cirúrgico. Os acessos ao tronco encefálico citados em publicações anteriores não incluem a citação do acesso transtentorial póstero-lateral, exceto as publicações de Ono e cols.,18 Kashimura e cols.19 e Kumabe e cols.11 Cirurgia dos cavernomas do tronco encefálico Para o planejamento da cirurgia no tronco encefálico, deve-se ter conhecimento segmentar das relações neurovasculares (anatomia topográfica externa), assim como 1 Neurocirurgião do Instituto de Neurociências, São Paulo, SP, Brasil. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). 2 Neurocirurgião do Instituto de Neurociências, São Paulo, SP, Brasil. 3 Neurocirurgião do Serviço de Neurocirurgia do Hospital 9 de Julho, São Paulo. Arq Bras Neurocir 28(2): 54-57, junho de 2009 da disposição dos feixes de fibras e núcleos que ali se localizam (anatomia topográfica interna). Tais disposições devem estar memorizadas pelo cirurgião e determinam o tipo de monitorização a ser utilizado.4,12,13,16,18 Na região dessa lesão pontina, em relação à topografia externa, nota-se superiormente o colículo inferior e seu braço, a veia basal de Rosenthal e as artérias cerebrais posteriores e cerebelar superior e seus ramos.7 Podem ser vistas veias tectais. Anteriormente, há o sulco das veias mesencefálicas laterais e, inferiormente, visualiza-se o lobo quadrangular do cerebelo que, quando retraído inferiormente, expõe a fissura cerebelo-mesencefálica (fissura pré-centro cerebelar) e o sulco pontomesencefálico.18 Em relação à anatomia vascular e dos troncos nervosos, além do nervo troclear, inferiormente localiza-se o nervo trigêmeo, emergindo da transição entre a ponte e o pedúnculo cerebelar médio. Tais estruturas citadas neste parágrafo situam-se nos espaços incisurais posterior e médio,18 encontrados estudando-se a borda tentorial. A cisterna quadrigeminal continua-se com a cisterna cerebelomesencefálica. A cisterna ao redor do mesencéfalo (cisterna perimesencefálica) corresponde às asas da cisterna ambiens. Esta possui um compartimento supratentorial e um infratentorial que contém o nervo troclear.15,25 Em relação à topografia interna, na ponte deve ser conhecida a disposição das fibras longitudinais, transversas e dos núcleos pontinos. Nessa região são importantes o lemnisco lateral e seu núcleo, o lemnisco espinhal e lemnisco medial, e, mais anteriormente, o trato corticoespinal, corticopontino e corticonuclear, além das fibras transversas e núcleos pontinos. Os núcleos trigeminais e as fibras do pedúnculo cerebelar superior estão relacionados. Cavernomas do tronco encefálico frequentemente revelam uma coloração amarelada na superfície, consequente a hemorragias prévias. Nem sempre o centro dessa área é o melhor acesso à lesão e a anatomia funcional local deve ser considerada em conjunto com a navegação. Após a intrusão no tronco encefálico, o cavernoma é visualizado, dissecado e removido. A coagulação bipolar fraca pode diminuir a lesão e facilitar a remoção. O tecido neural normal não deve ser empurrado ou manipulado. A área gliótica circunjacente, com depósito de hemossiderina, não deve ser removida, pois lesões serão provocadas e, nesse local, não há risco de epilepsia pelo depósito de ferro. Os angiomas venosos locais devem ser preservados. Movimentos leves são realizados e o cirurgião deve interrogar continuamente o neurofisiologista durante a manipulação leve e antes das remoções, para que o neurofisiologista possa ajudar a impedir que a lesão ocorra, e não avisar que ela já ocorreu. Para tanto, o cirurgião deve interrogar o monitoramento a cada compressão ou deslocamento tecidual leve. Tal conduta aumenta o tempo da operação, requer paciência, mas é fundamental na cirurgia do tronco encefálico.3,5,6,9,14,17,21-24 Cavernomas pontinos. Tratamento cirúrgico. Parte I. Stávale Joaquim MA e col Particularidades do acesso em questão Uma craniotomia têmporo-occipital de base larga é planejada com guia estereotáxico ou com neuronavegação. A informatização do acesso é indispensável. A craniotomia de base larga permite manipulação angular dos instrumentos ao longo da borda do forâmen de Pacchioni (espaço incisural) e a observação e o isolamento da veia de Labbé a ser preservada. A membrana aracnoide do espaço incisural deve ser aberta e seu conteúdo visualizado. Em seguida, os seios venosos tentoriais são coagulados e a tenda do cerebelo é aberta até a sua borda.1 Esse procedimento é guiado pelo planejamento informatizado, em direção às asas da cisterna. Caso-exemplo BG, 41 anos, sexo feminino. Admitida no prontoatendimento com queixa de síndrome vestibular aguda e cefaleia. Ao exame neurológico, havia um quadro vestibular central, sem diplopia ou alterações de outros nervos cranianos. A tomografia computadorizada demonstrou uma hemorragia localizada e recente, situada na porção dorsal, lateral e superior da ponte, logo abaixo do sulco pontomesencefálico. A ressonância magnética confirmou o achado (Figuras 1 a 4). A cirurgia foi realizada com a remoção completa da lesão e o exame neurológico da paciente no pós-operatório foi normal (Figuras 5 a 7). A monitorização neurofisiológica intraoperatória revelou descargas por estimulação mecânica piramidal no membro inferior contralateral durante a dissecção da lesão lateralmente ao trato piramidal. Figura 1 – Ressonância magnética, sequência T2, mostrando a lesão pontina. 55 Arq Bras Neurocir 28(2): 54-57, junho de 2009 Figura 2 – Ressonância magnética, cortes axiais, e relação topográfica com a fissura cerebelo-pontina. Figura 3 – Tratografia corticoespinal e das fibras do pedúnculo cerebelar médio. Relações nucleares podem ser inferidas. Figura 5 – Mapeamento estereotáxico. Figura 4 – Relações com o trato corticoespinal. Figura 7 – Ressonância magnética. Controle pós-operatório. Figura 6 – Ressonância magnética. Controle pós-operatório. 56 Cavernomas pontinos. Tratamento cirúrgico. Parte I. Stávale Joaquim MA e col Arq Bras Neurocir 28(2): 54-57, junho de 2009 Discussão A cirurgia do tronco encefálico tornou-se, com boa frequência, um procedimento de baixo risco, mas exige tecnologia elaborada. As lesões com riscos de hemorragias devem ser removidas para que se evitem danos futuros. Os cavernomas do tronco encefálico são retirados atualmente com frequência comparável à dos cavernomas supratentoriais. 10. 11. 12. 13. 14. Conclusão As lesões em localizações incomuns do tronco encefálico merecem publicações para a contribuição na tomada de decisões nos casos semelhantes. O acesso a essa região pontina merece essa atenção. Os cavernomas pontinos craniais e laterais, situados logo abaixo do sulco pontomesencefálico podem ser removidos com segurança por esse acesso. 15. 16. 17. 18. 19. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Browder J, Kaplan HA, Krieger AJ. Anatomical features of the straight sinus and its tributaries. J Neurosurg. 1976;44: 55-61. Conway JE, Rigamonti D. 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Pontine cavernous angioma resected using the subtemporal, anterior transpetrosal approach determined using threedimensional anisotropy contrast imaging: technical case report. Neurosurgery. 2006;58(1 Suppl):ONS-E175. Cavernomas pontinos. Tratamento cirúrgico. Parte I. Stávale Joaquim MA e col 20. 21. 22. 23. 24. 25. Kondziolka D, Lundsford LD, Kestle JR. The natural history of cerebral cavernous malformations. J Neurosurg. 1995;83:820-4. Kumabe T, Suzuki M, Yoshimoto T, Suzuki J. A case of cavernous angioma extend from the ventral part of the pons to the midbrain: subtemporal and trans-tentorial approach. No Shinkei Geka. 1988;16:1193-7. Martin RG, Grant JL, Peace D, Theiss C, Rhoton AL. Microsurgical relationships of the anterior inferior cerebelar artery and the facial vestíbulo cochlear nerve complex. Neurosurgery. 1980;6:483-507. Martinez AG, Oliveira E, Tedeschi H, Wen HT, Rhoton AL. Microsurgical anatomy of the brain stem. Oper Tech Neurosurg. 2000;3:80-6. 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Original recebido em junho de 2008 Aceito para publicação em março de 2009 Endereço para correspondência Marcos Augusto Stávale Joaquim Alameda Campinas, 1.360, 16° andar 01404-002 – São Paulo, SP, Brasil E-mail: [email protected] 57 Arq Bras Neurocir 28(2): 58-61, junho de 2009 Cavernomas pontinos extraventriculares. Parte II. Acesso pré-sigmoideo transpetroso a cavernoma pontino ventrolateral Marcos Augusto Stávale Joaquim1, Gustavo Cartaxo Patriota2, André de Macedo Bianco3 Instituto de Neurociências. São Paulo. Serviço de Neurocirurgia Hospital 9 de Julho, São Paulo. RESUMO Objetivo: Descrever a via pré-sigmoidea ampliada para acesso a lesões localizadas na região ventrolateral da ponte, exemplificado com a apresentação de um caso de cavernoma pontino nessa localização. Conclusão: Esse acesso, amplamente revisto pela literatura, é útil para remoção cirúrgica de cavernomas pontinos ventrolaterais. PALAVRAS-CHAVE Cavernoma. Angioma cavernoso. Cirurgia do tronco cerebral. ABSTRACT Extraventricular pontine cavernomas. Part II. Pre-sigmoid, transpetrosal approach to ventrolateral pontine cavernomas Objective: To describe the pre-sigmoid transpetrosal approach to the ventrolateral pontine region, exemplified by the presentation of a case of cavernoma in this localization. Conclusion: This approach is useful to remove pontine ventrolateral cavernomas. KEY WORDS Cavernoma. Cavernous angioma. Brain stem surgery. Introdução Técnica cirúrgica Os cavernomas do tronco encefálico podem provocar graves repercussões tanto pela hemorragia como pelo crescimento. O avanço da microcirurgia, da neuronavegação, da estereotaxia e da monitorização neurofisiológica intraoperatória possibilita a remoção dessas lesões com baixo risco cirúrgico, o que mudou a conduta atual. Lesões acessíveis devem ser removidas profilaticamente, desde que o planejamento prévio assim o permita.3,5,7,11 A via pré-sigmoidea, acesso amplamente revisto pela literatura, é útil para remoção cirúrgica de cavernomas pontinos de localização ventrolateral. Nesses casos, o paciente é operado em decúbito lateral, com planejamento estereotáxico ou por neuronavegação. Uma craniectomia retromastoidea é ampliada por meio de mastoidectomia e petrosectomia parcial, expondo-se o nervo facial. A cóclea e os canais semicirculares são removidos. O seio sigmoide é preservado. O orifício da veia de Santorini nos seios sigmodes é coagulado. O nervo facial é isolado. A abertura dural retromastoidea associa-se à abertura pré-sigmoidea. Assim, áreas de introdução do instrumental no compartimento cisternal tornam-se amplas. 1 Neurocirurgião do Instituto de Neurociências, São Paulo. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). 2 Neurocirurgião do Instituto de Neurociências, São Paulo. 3 Neurocirurgião do Serviço de Neurocirurgia do Hospital 9 de Julho, São Paulo. Arq Bras Neurocir 28(2): 58-61, junho de 2009 As cisternas do ângulo pontocerebelar, pré-pontina e ambiens são adentradas. O trajeto do complexo nervoso vestibulococlear é seguido até o sulco bulbopontino. A artéria cerebelar ântero-inferior e uma alça descendente da artéria cerebelar superior são visualizadas. O nervo trigêmeo é isolado e o nervo abducente pode ser visualizado.5,12-14 A superfície lateral do tronco encefálico é visualizada no setor pontino, desde o sulco bulbopontino até o sulco pontomesencefálico. As veias locais são identificadas, mas muitas variações são possíveis. O trabalho é realizado no espaço petroclival médio.1,2,4,8-10,15-19 Seguindo-se o mapeamento, o ponto de intrusão na ponte é escolhido, poupando-se a topografia das fibras de maior competência funcional. Nessa região da ponte encontram-se fibras piramidais, núcleos pontinos e fibras transversas da ponte. Adjacente à lesão encontram-se fibras do nervo facial e abducente, o corpo trapezoide e o lemnisco medial. Também podem estar próximos o núcleo olivar superior e o núcleo do nervo trigêmeo. As fibras do pedúnculo cerebelar médio situam-se póstero-lateralmente. Parte do cavernoma pode ser visível na superfície do tronco encefálico, ou um hematoma recente ou antigo (amarelado) pode eventualmente ser visto. Após intrusão no tronco encefálico, hematomas são delicadamente lavados e o cavernoma é, em geral, visualizado na sua parede. O ângulo de visão do microscópio deve permitir inspeção de toda cavidade. Apenas o cavernoma será removido e a gliose nos seus limites não é retirada ou lesionada. Preferencialmente, não se operam lesões na fase aguda das hemorragias, pois o tecido nervoso ao redor do coágulo é amolecido e sua lesão ou aspiração causará deficiências adicionais. Os angiomas venosos são preservados. Durante o procedimento é possível ocorrer a lesão da veia de Dandy. O fechamento minucioso impede fístulas liquóricas. A cavidade cirúrgica no tronco encefálico deve estar bem limpa antes do fechamento para não haver dúvida na ressonância pós-operatória. Nos casos de neoplasias, a ressonância deve ser realizada no primeiro dia após a cirurgia e áreas de captação refletem neoplasia macroscópica residual. Leva-se em conta que, após 48 a 72 horas, áreas de manipulação cirúrgicas e isquêmicas podem captar contraste e confundir a interpretação do exame. Nos casos de estudos pós-operatórios de cavernomas, a ressonância nuclear magnética poderá ser de difícil interpretação se houver sangue “recente”, proveniente da cirurgia, no leito cirúrgico, dentro do tronco encefálico. Nesses casos, o controle a longo prazo revelará o resultado. Caso-exemplo PC, 21 anos, sexo feminino. Apresentou cefaleia hemicraniana e discreta síndrome de Millard-Gubler, com paresia facial homolateral à lesão e hemiparesia incompleta poupando a face contralateral. O quadro foi transitório e reverteu-se em semanas. A ressonância nuclear magnética revelou um cavernoma hemorrágico pontino anterior à emergência do nervo trigêmeo e posterior ao trato piramidal e fibras transversas da ponte (Figuras 1 e 2). A cirurgia envolveu um acesso pré-sigmoideo ampliado anteriormente por petrosectomia, com exposição do nervo facial e, posteriormente, foi associada a técnica retrossigmoidea. O seio sigmoide foi preservado. A estereotaxia mostrou o acesso e o local de intrusão no tronco encefálico (Figura 3). Figura 1 – Ressonância magnética mostrando a topografia da lesão. Figura 2 – Ressonância magnética, sequência T2. Cavernomas pontinos. Tratamento cirúrgico. Parte II Stávale Joaquim MA e col 59 Arq Bras Neurocir 28(2): 58-61, junho de 2009 Figura 3 – Tomografia realizada para estereotaxia e tomografia mostrando osteotomia. A monitorização neurofisiológica intraoperatória acusou frequentes disfunções e instabilidades elétricas do nervo facial. As funções piramidais apresentaram leve instabilidade por estímulo mecânico. A lesão foi removida preservando-se sua área gliótica adjacente (Figura 4). No período pós-operatório houve paralisia facial parcial que melhorou espontaneamente, mas não totalmente. Procedimento de cirurgia plástica foi necessário (cross-facing), tornando a disfunção imperceptível. Ocorreu anacusia definitiva homolateral, causada pela petrosectomia. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. Figura 4 – Ressonância magnética. Controle pós-operatório. Conclusão A face anterior da cisterna pré-pontina e do ângulo pontocerebelar, formada pelo clivo e porção medial da face posterior da pirâmide, é acessível por essa via. Do mesmo modo, suas faces posterior e medial, constituídas pela superfície ventral e ventrolateral do tronco encefálico, também são abordáveis. A remoção óssea adicional (osteotomias ampliadas) permite a visualização do conteúdo cisternal por vários ângulos e a escolha do melhor ponto de intrusão no tronco encefálico. O trabalho é realizado entre as estruturas neurovasculares locais, poupando-se a função. Portanto, lesões ventrolaterais da ponte podem ser abordadas por via pré-sigmoidea, que se associam ao conjunto de abordagens ao tronco encefálico. 60 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. Al-Mefty O, Fox JL, Smith RR. Petrosal approach for petroclival meningiomas. Neurosurgery. 1988;22:510-7. Bricolo Ap, Turazzi S, Talacchi A, Cristofori L. 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Parte II Stávale Joaquim MA e col Original recebido em junho de 2008 Aceito para publicação em janeiro de 2009 Endereço para correspondência Marcos Augusto Stávale Joaquim Alameda Campinas, 1.360, 16° andar 01404-002 – São Paulo, SP, Brasil E-mail: [email protected] 61 Arq Bras Neurocir 28(2): 62-73, junho de 2009 Meios contínuos em neurocirurgia vascular e neurorradiologia intervencionista. Parte I Rogelio Iván Ortiz-Velázquez1, Jose Guilherme Mendes Pereira Caldas2, Jorge Arturo Santos Franco1, Rodrigo Mercado Pimentel1, Rogelio Revuelta1 Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Este trabalho foi realizado graças ao apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) – Processo nº 2006/03977-1. RESUMO Os aneurismas e as placas de ateroma compartem não somente um elevado índice de morbimortalidade, como também sua localização. Isso sugere que fatores hemodinâmicos contribuam no seu desenvolvimento. A quantificação de forças hemodinâmicas é complicada, especialmente em vasos intracranianos; porém, avanços recentes em mecânica computacional têm permitido calcular sua magnitude e distribuição em modelos arteriais com ajuda de técnicas de dinâmica de fluidos computacionais. No entanto, a compreensão desses modelos e a verificação de sua validade e limitações dependem do conhecimento de seu desenho e dos parâmetros hemodinâmicos utilizados. Por outro lado, a determinação das propriedades mecânicas das paredes arteriais é crucial, não somente para a compreensão das alterações do sistema cardiovascular no tempo e das causas responsáveis que dão origem às lesões vasculares, bem como para a realização da angioplastia, o planejamento de pontes arteriais e a seleção de próteses endovasculares. Dessa forma, a mais importante contribuição que podemos obter do conhecimento da biomecânica, em geral, e da mecânica dos meios contínuos, em particular, se encontra no melhor entendimento da fisiologia. Nesta revisão, passamos pelos conceitos fundamentais utilizados na formulação dos problemas da mecânica dos meios contínuos, com ênfase na pesquisa biomecânica das lesões vasculares, no intuito de oferecer algumas definições que promovam a análise crítica dos resultados nesse campo. PALAVRAS-CHAVE Mecânica dos meios contínuos. Neurocirurgia. Neurorradiologia. Lesões vasculares. ABSTRACT Mechanics of continuous media in vascular neurosurgery and endovascular neuroradiological procedures Cerebral aneurysms and atherosclerosis share not only a high rate of morbidity and mortality, but also its location. It suggests that hemodynamic factors contribute to their development. Quantification of hemodynamic forces is complicated, especially in intracranial arteries. However, recent advances in computational mechanics have allowed calculating the magnitude and distribution of these forces in arterial models with the help of techniques of computational fluid dynamics. However, the understanding of these models and verification of their validity and limitations depend on the knowledge of its design and hemodynamic parameters. Furthermore, the determination of mechanical properties of the arterial walls is crucial, not only for the understanding of the changes of the cardiovascular system in time and the causes of the injuries that they develop, as well as to the realization of angioplasty, planning of arterial bypass or the selection of endovascular prosthesis, for example. Thus, concepts on mechanics of continuous media are needed in the body of knowledge of all interested in cerebrovascular disease. In this review, we look the fundamental concepts used in the formulation of the problems of the mechanics of continuous media, focusing on biomechanics research of vascular lesions, in order to provide some definitions that promote the critical analysis of the results in this field. The most important contribution that we can get from the knowledge of biomechanics, in general, and from the mechanics of continuous media, in particular, is a better understanding of physiology. KEY WORDS Mechanics of continuous media. Neurosurgery. Neuroradiology. Vascular lesions. 1 Neurocirurgião. 2 Professor livre-docente do Departamento de Radiologia da Universidade de São Paulo (USP) e chefe do Serviço de Neurorradiologia Intervencionista do Hospital das Clínicas da USP. Arq Bras Neurocir 28(2): 62-73, junho de 2009 Introdução A biologia está incluída na ciência e a mecânica não está limitada à física. Y. C. Fung A first course in continuum mechanics No hemisfério ocidental, a aterosclerose representa a patologia emblemática do sistema cardiovascular. No Brasil, 80% dos acidentes vasculares cerebrais são de tipo isquêmico e, conforme dados do Ministério da Saúde, representam a principal causa de morte.26,27 Aneurismas cerebrais e hemorragia subaracnoidea compartem com a doença aterosclerótica não somente o elevado índice de morbimortalidade, mas também sua localização preferencial (curvas e bifurcações arteriais). Isso sugere que forças hemodinâmicas, tal como o shear stress, ou sua distribuição espaço-temporal, contribuam no desenvolvimento dessas lesões18,46 e, em última instância, determinem sua localização, taxa de crescimento e ruptura.19,38 Ainda que a história natural dos aneurismas intracranianos seja desconhecida,4,5,8,16,17,38 sabe-se que fatores mecânicos participam de sua origem, crescimento e ruptura.5,16,17 Forças hemodinâmicas contribuem para o enfraquecimento local da parede, ao passo que forças intramurais participam da estabilidade ou do crescimento do saco aneurismático e, finalmente, a ruptura ocorre quando as forças hemodinâmicas excedem a resistência da parede.16,17 Por outro lado, no desenvolvimento das lesões ateroscleróticas, a disfunção endotelial é um evento precoce24,31,34,42 e sabemos que o endotélio é sensível às forças hemodinâmicas.6,7,24,34,37,42 Ele expressa diferentes genes e produz distintas moléculas, dependendo da magnitude e direção das forças induzidas pelo fluxo.6,18,24,42 Consequentemente, para entender e, por último, controlar a função endotelial, em primeiro lugar há de se conhecer como o fluxo induz as forças que deformam as células, como as células reconhecem essas forças e como a transdução desses estímulos controlam a expressão gênica. É possível comprovar que, sob tensão, os tecidos mudam sua morfologia, composição e taxa de crescimento. Assim, através do tempo existem variações da composição material e propriedades mecânicas em todo o sistema orgânico e essa é uma característica distintiva da vida.12 Particularmente, os vasos sanguíneos estão expostos a uma complexa distribuição de tensões que constituem estímulos que regulam proliferação, migração e apoptose, participando, portanto, do controle do crescimento e remodelamento vascular.24,33 Esse último é um fenômeno-chave no estudo do sistema vascular, pois transforma microestrutura, dimensões, funções, propriedades mecânicas e condiciona o desenvolvimenMeios contínuos em neurocirurgia Ortiz-Velázquez RI e col to de lesões aneurismáticas e ateroscleróticas.11,17,18,42,46 Desse modo, podemos considerar aneurismas e placas de ateroma como exemplos clínicos nos quais o entendimento da mecânica arterial, particularmente do shear stress, é essencial para a neurocirurgia e ao procedimento endovascular. Desde o ponto de vista físico, quando um fluido, como o sangue, é conduzido por intermédio de um tubo deformável, como uma artéria, interações entre as forças que regem a mecânica do fluido e as forças elásticas da parede geram ampla variedade de fenômenos, incluindo as relações não lineares pressão-fluxo, a propagação de ondas e a ressonância.11,13,17,20,31,41,43 O entendimento da origem e da natureza desses fenômenos é ainda um desafio experimental, analítico e computacional formidável que envolve o estudo de fluxos instáveis a baixos números de Reynolds, interações fluxo-estrutura e análise do movimento tridimensional.2,13,15,33,37 Não obstante, nossos conhecimentos vêm se modificando de tal modo que hoje temos a capacidade de visualizar tridimensionalmente a geometria do fluxo sanguíneo e a distribuição dos perfis de velocidade.1,2,8 Quer dizer, a aquisição de imagens detalhadas das bifurcações vasculares permitiu definir características locais do fluxo1,2,8,18,42,46 e ferramentas computacionais possibilitaram análises detalhadas das forças hemodinâmicas associadas ao desenvolvimento de lesões vasculares.23 Assim, não obstante a quantificação de forças hemodinâmicas ser complicada, especialmente em vasos intracranianos, avanços recentes em mecânica computacional têm permitido calcular a magnitude e distribuição dessas forças em modelos arteriais, com ajuda de técnicas de dinâmica de fluidos computacionais (CFD).9,22,38 Portanto, o aperfeiçoamento da angiografia rotacional 3D e a introdução do tratamento endovascular justificam, em parte, o crescimento do interesse pelos estudos de CFD, pois, teoricamente, é possível obter dados para a construção de ferramentas clínicas que auxiliem no planejamento do tratamento ou na determinação do risco de ruptura.4,5,21 No mesmo sentido, a determinação das propriedades mecânicas das paredes arteriais é crucial, não somente para a compreensão dos câmbios do sistema cardiovascular no tempo e das causas responsáveis que dão origem às lesões que nelas se desenvolvem, 5,11,12,16-18,46 bem como para a realização da angioplastia, o planejamento de pontes arteriais e a seleção de próteses endovasculares.4,9,15,21,22 Por exemplo, pode-se comprovar que a proliferação da íntima, após implantação de um stent ou a realização de angioplastia por balão, é inibida por altos níveis de shear stress.41 Finalmente, novos métodos de mensuração, fundamentados na navegação endovascular, permitem hoje a mensuração de variáveis hemodinâmicas in situ e 63 Arq Bras Neurocir 28(2): 62-73, junho de 2009 trouxeram consigo a necessidade de uma melhor análise dos dados, obrigando-nos a entender os fenômenos que somos capazes de mensurar. Por tudo isso, conceitos próprios da biomecânica ou, especificamente, da mecânica dos meios contínuos são cada vez mais necessários no conjunto de conhecimentos de todo interessado na patologia vascular cerebral. Nesta série de revisões, passamos pelos conceitos fundamentais utilizados na formulação dos problemas da mecânica dos meios contínuos, com ênfase na pesquisa biomecânica das lesões vasculares, no intuito de oferecer algumas definições que promovam a análise crítica dos resultados nesse campo. Por alguma estranha razão que não compreendemos completamente, a natureza obedece à matemática. Eli Passow Understanding calculus concepts Como forma de exemplificar nossa motivação, permitimo-nos introduzir alguns questionamentos básicos a respeito de asseverações aparentemente evidentes para todo neurocirurgião e neurorradiologista intervencionista. “O sistema circulatório é um sistema de distribuição e intercâmbio que exemplifica a eficiência do desenho biomecânico.35,39 Descrita de maneira simples, a circulação consiste em uma bomba que força o sangue, periódica e ritmicamente, dentro de um sistema de tubos elásticos que se bifurcam. Os pulsos de pressão e fluxo viajam centrifugamente e são parcialmente refletidos nos pontos de mudança da impedância, dando origem a pulsos retrógrados, enquanto pulsos anterógrados são amortecidos ao alcançar os vasos de resistência. O sangue, então, retorna num fluxo quase contínuo com pulsações secundárias impostas às veias pela contração muscular e pelo próprio coração. Por sua vez, uma árvore vascular típica está constituída por milhares de segmentos conectados em série e em paralelo, de diferentes diâmetros e comprimentos, e submetidos a diversas pressões e taxas de fluxo.” Apesar dessa heterogeneidade morfológica e hemodinâmica, prevalece a hipótese de que seu desenho obedece a princípios físicos simples que otimizam a operação do sistema como um todo.25,2830,32,35,36,39,44,45 Porém, como se definem esses princípios e as bases da otimização? E uma onda de pressão e fluxo? Por que aneurismas e placas de ateroma são lesões exclusivas do segmento convectivo da circulação? O sistema cardiovascular é, desde logo, muito mais complexo que essa descrição sucinta, já que, por exemplo, apresenta geometria variável e viscoelasticidade não uniforme.11,12,14,17,23 Isso faz que soluções para problemas cardiovasculares e circulatórios dependam de descrições detalhadas e do uso de ferramentas analíticas que são, às vezes, estranhas e de difícil compreensão em função do tipo de formação que regularmente se espera de um médico. 64 Novamente, analisemos: “os vasos periféricos têm sido comumente vistos, desde o ponto de vista clínico, como responsáveis da pós-carga”.31 Reconhecemos, então, o conceito que fundamenta o raciocínio clínico do tratamento da hipertensão arterial. Contudo, essa hipótese está fundamentada em condições de fluxo contínuo11,16,17,31 e, portanto, em paredes rígidas. Ademais, tanto artérias de distribuição (mediano calibre) como leitos vasculares periféricos contribuem à resistência.11,23 Assim, intuitivamente, parece que a natureza da descrição é inadequada, dado o caráter evidentemente pulsátil e, portanto, oscilatório da circulação, que se mantém inclusive pela microcirculação.23 Do mesmo modo, se considerarmos que “a impedância, diferentemente da resistência que se mantém constante, é uma variável complexa, cuja magnitude varia com a frequência de pulso”,23 poderíamos nos questionar acerca do significado de uma variável complexa. A título de esclarecimento, o termo variável complexa refere-se a uma entidade matemática, baseada na manipulação de números complexos, sem relação com qualquer nível de dificuldade. “O modelo Windkessel é o sistema acoplado de compliança-resistência mais utilizado para a descrição da natureza pulsátil da circulação”.3 Porém, meditemos acerca da seguinte afirmativa: “modelos baseados em segmentos arteriais viscoelásticos, de movimento livre, e fluxo governado por equações de Navier-Stokes constituem as melhores aproximações dos eventos circulatórios”.45 Diante de ambos os modelos, podemos identificar suas diferenças? Existem diferenças? Podemos definir viscoelasticidade? E as equações de Navier-Stokes? Esses modelos têm clarificado o comportamento da parede arterial quando sujeita a variações de pressão e auxiliado no entendimento do estresse cíclico que atua sobre a parede e na forma como essa se adapta. Porém, o que é o estresse? Assim, para cada modelo de descrição do sistema vascular é necessário verificar sua validade e limitações.1 Tais verificações dependem do conhecimento do desenho específico e dos parâmetros hemodinâmicos utilizados. Portanto, o entendimento da moderna teoria da circulação requer noções de mecânica dos meios contínuos que permitam uma adequada interpretação dos estudos que nela se desenvolvem. Finalmente, a mais importante contribuição que podemos obter do conhecimento da biomecânica, em geral, e da mecânica dos meios contínuos, em particular, encontra-se no melhor entendimento da fisiologia. Devemos estar aptos, graças ao trabalho dos próprios matemáticos, a chegar a uma certeza no que diz respeito à maior parte das questões nas quais devemos nos preocupar; e, dentre essas, devemos ser capazes de encontrar Meios contínuos em neurocirurgia Ortiz-Velázquez RI e col Arq Bras Neurocir 28(2): 62-73, junho de 2009 a exata solução para problemas que, no passado, foram cobertos, por completo, pela tradicional incerteza… Bertrand Russell The principles of mathematics No estudo de lesões vasculares, sejam aneurismas intracranianos ou placas de aterosclerose carotídeas, em algum momento teremos de definir conceitos como força, movimento, fluxo, deformação, propriedades materiais, interação entre corpos e mudanças de estado temporais ou permanentes etc. Afortunadamente, esses aspectos são suscetíveis de expressão matemática, na forma de equações diferenciais e condições de contorno, cuja solução oferece informação quantitativa do problema em estudo.10-12,16,17,23,43 Não propomos a discussão dos métodos de solução dessas equações. Nosso objetivo é oferecer definições que auxiliem na compreensão do processo que permite a expressão de um problema circulatório na sua forma matemática, pois desse modo se facilita a compreensão de sua natureza e a identificação das variáveis envolvidas, gerando, consequentemente, novos modelos e direções de pesquisa a partir de umas poucas suposições iniciais. Porém, dada a disparidade aparente entre as abordagens físico-matemática e médica, revisamos brevemente a história do desenvolvimento de alguns dos conceitos hemodinâmicos que hoje são de uso comum, para demonstrar que essa diferença é fictícia e que, por outro lado, procedimentos físico-matemáticos são muito mais que algoritmos para a resolução de problemas particulares. Geralmente, conceitos físicos e matemáticos são ideias profundas que têm um conjunto de aplicações tão amplo quanto seu tempo de evolução. Galileu, estudante de medicina antes de se converter em físico, mostrou que a matemática é a chave da ciência, sem a qual, essa não pode ser adequadamente compreendida. Ele descreveu a constância do período do pêndulo, o que lhe permitiu mensurar pela primeira vez a frequência do pulso,31 e ainda contribuiu para a parte essencial da demonstração da existência da circulação que se baseou no seu princípio de medida. Harvey, discípulo de Galileu, foi o primeiro a notar que as válvulas do sistema cardiovascular permitem o fluxo unidirecional do sangue. Essa observação, em associação com o princípio da conservação da massa, levou-o a postular que o sangue retorna das artérias às veias. Ele mediu a capacidade ventricular e, sabendo a frequência de pulso, calculou o gasto cardíaco, obtendo um resultado de 234 kg/h. Obviamente, tal resultado, em função do princípio da conservação da massa, exigia a existência do fenômeno circulatório. O conceito da circulação de Harvey requeria, ademais, a existência teórica de capilares. A descoberta dos capilares, por Malpighi, 45 anos depois,11,23 somente corroborou uma Meios contínuos em neurocirurgia Ortiz-Velázquez RI e col necessidade lógica. Isso demonstra, como frequentemente ocorre, que a teoria (princípio de conservação da massa) motiva e guia os estudos experimentais. Por outro lado, Newton não fez estudos de biologia, porém seu cálculo, as leis do movimento e a equação constitutiva dos fluidos viscosos são os fundamentos para qualquer estudo do fluxo arterial.43 No século XVIII, foi notável o desenvolvimento do tratamento teórico da dinâmica dos fluidos, especificamente no campo dos fluidos ideais, nos quais o efeito da viscosidade é ignorado. O líder nesse campo foi médico e o mais prolífico matemático da história: Euler. Euler generalizou as leis do movimento de Newton em equações diferenciais parciais que deram origem à mecânica do contínuo e ao estabelecimento das equações de Navier-Stokes.10 Apesar de descrever as equações da propagação da onda de pulso, reconheceu a dificuldade de analisar tais fenômenos, não sendo capaz de encontrar sua solução.31 A dinâmica dos fluidos do século XIX se dividiu na luta entre os engenheiros que observaram o que não podia ser explicado e os matemáticos que explicaram o que não podia ser observado.16,17,31 Porém, aconteceram importantes avanços na teoria e aplicações. Um dos mais proeminentes se deve, uma vez mais, a um médico: Poiseuille. Ele logrou estabelecer, experimentalmente, a relação entre fluxo, gradiente de pressão e dimensões de um tubo capilar, mostrando que a taxa de fluxo se relaciona com a quarta potência do diâmetro interno do tubo. Seus resultados, por outro lado, permitiram o estabelecimento da mais famosa condição de contorno entre um fluido viscoso e a parede de um sólido: a condição de não deslizamento.43 Uma formação similar em medicina e física teve Thomas Young,19 cujas pesquisas biofísicas incluíram a visão humana e a percepção da cor. Porém, é conhecido por seu trabalho acerca da natureza da elasticidade, particularmente, das propriedades elásticas das artérias e da velocidade de propagação do pulso arterial. Seu trabalho levou ao conceito de módulo elástico (módulo de Young).11,12,16,17,23,31 Por seu turno, os irmãos Weber (um físico e o outro médico) estabeleceram muitas das propriedades das ondas de pulso propagadas e refletidas.31 Seus resultados e o trabalho de Young permitiram que Moens e Korteweg descrevessem matematicamente a relação entre a velocidade de pulso arterial e o módulo de elasticidade da parede arterial), até hoje a mais útil relação entre a propagação da onda de pulso e as propriedades da parede arterial.16,17,23,45 Co = Eh 2rp Nela, é possível reconhecer que a velocidade depende do módulo de elasticidade (E) da artéria e da espessura da 65 Arq Bras Neurocir 28(2): 62-73, junho de 2009 parede (h) e varia de maneira inversamente proporcional ao raio interno da artéria (r) e à densidade do sangue (ρ). Assim, tal formulação é um exemplo de como a correlação de propriedades mecânicas e geométricas é útil na descrição do comportamento do mais básico dos sinais clínicos. Por outro lado, o desenvolvimento do que hoje é a teoria biomecânica moderna teve de esperar até a conclusão da Segunda Guerra Mundial e o desenvolvimento da teoria dos fenômenos não lineares,10-12,16,17,23,31,43 sendo somente possível graças aos avanços em física e matemática aplicada, à introdução do computador digital e ao desenvolvimento de métodos numéricos (elementos finitos) que permitem explorar as capacidades computacionais. Todavia, talvez o mais importante e fundamental avanço no estudo dos problemas circulatórios foi a demonstração por Womersley, McDonald e Taylor, após a introdução de uma aplicação da integral conhecida como transformada rápida de Fourier, da validez e aplicabilidade da análise de Fourier nos fenômenos circulatórios.31 Quer dizer, a representação do sistema arterial como um oscilador contínuo capaz de ser analisado no domínio da frequência. Considere-se, assim, que a regularidade do batimento cardíaco é uma das principais características do sistema cardiovascular. Sabemos também que normalmente essa regularidade é mantida durante longos períodos de tempo. Desse modo, tal qualidade do sistema cardiovascular caracteriza um estado de oscilação contínua. Nessa condição, qualquer onda, de pressão ou fluxo, que se repita regularmente pode ser representada por uma série de Fourier, isto é, a onda pode ser descrita como a soma de um conjunto de ondas cujas frequências são múltiplos inteiros da frequên­cia de repetição da onda em estudo.15,41 A vantagem dessa abordagem é que seu tratamento matemático se facilita. Sem embargo, ao aplicar a análise de Fourier à circulação, certas simplificações têm de ser aceitas. A de maior importância depende da circulação não ser um sistema linear, de tal forma que, apesar de as séries de Fourier representarem o pulso de fluxo ou pressão, estritamente falando, não se pode dizer que um termo harmônico de pressão está relacionado diretamente com seu correspondente termo harmônico de fluxo. Porém, o efeito da não linearidade (calculado por Womersley) é suficientemente pequeno para se negligenciá-lo em uma primeira aproximação.31 Definições A biomecânica provê as ferramentas físicas e analíticas que permitem descrever os problemas fisiológicos com acurácia matemática. Y. C. Fung Biomechanics: mechanical properties of living tissues 66 A abordagem matemática dos problemas circulatórios inicia-se com a ideia de aproximação. Imaginemos que não contamos com as ferramentas para resolver um problema. Assim, em lugar de tentar resolvê-lo de maneira exata, temporariamente nos mantemos satisfeitos com uma solução aproximada. Essa solução, então, é refinada de modo a oferecer melhor estimativa do problema. Logo, continuamos a melhorar a aproximação até alcançar a resposta esperada (limite). A ideia de aproximação é muito comum na vida diária, usamo-la quando tentamos encontrar uma palavra no dicionário ou determinar nosso peso. Em ambos os casos, nossa primeira aproximação é refinada diversas vezes, cada vez mais perto de nosso objetivo, até alcançarmos uma conclusão satisfatória (a palavra ou o peso correto). De maneira análoga, muitos dos problemas em matemática podem ser abordados mediante esses passos: aproximação, refinamento e limite. No mesmo sentido, as teorias científicas também constituem aproximações que descrevem situações físicas com certo grau de acurácia e são continuamente refinadas para uma maior exatitude. A análise fundamentada em modelos matemáticos para descrever a evidência experimental e sua teoria é uma característica de inúmeras disciplinas científicas. Contudo, nas ciências médicas, a complexidade física e a inacessibilidade experimental dos sistemas biológicos têm limitado essa abordagem.23,31 Sem embargo, progressos em matemática analítica e computacional, o melhor entendimento dos sistemas biológicos e novas técnicas de imagem têm permitido o desenvolvimento de modelos que predizem o comportamento biológico em resposta a mudanças internas ou externas.40 No contexto particular do sistema vascular, o objetivo desses modelos é a predição acurada do ambiente mecânico das células que formam a parede arterial (mecânica dos sólidos) e do fluxo sanguíneo (mecânica dos fluidos), considerados determinantes maiores da homeostase do sistema.20 Já que a biomecânica e a mecânica dos meios contínuos proveem o marco teórico-matemático que permite a análise dos problemas do sistema vascular,10-13,15-17,20,23,31,33,40,43 começamos por defini-las. Biomecânica A biomecânica pode ser entendida, de maneira ampla, como o estudo da correlação entre a função de um sistema fisiológico e sua estrutura, a partir dos princípios que regem os eventos do universo físico.11,12,16,17 Seu objetivo é o estudo da geometria, propriedades materiais e condições de contorno que permitam caracterizar a Meios contínuos em neurocirurgia Ortiz-Velázquez RI e col Arq Bras Neurocir 28(2): 62-73, junho de 2009 resposta dos sistemas biológicos, diante das mais diversas forças, facilitando o reconhecimento da influência que o mundo físico exerce na estrutura, propriedades e funções dos seres vivos. Assim, o campo de estudo da biomecânica abrange: a distribuição do estresse; o estabelecimento de equações constitutivas que descrevem as propriedades mecânicas dos materiais; a resistência e propriedades viscoelásticas (creep, histerese, fratura, fadiga, corrosão); os materiais compósitos; o fluxo; a transferência de calor e de massa (difusão e transporte por meio de membranas); o movimento de partículas (correntes iônicas etc.); a estabilidade e o controle dos sistemas mecânicos; a propagação de ondas; a vibração; as ondas de choque e a ressonância; entre outros. Segundo Fung,11,12 existem quatro pré-requisitos para a solução de qualquer problema em biomecânica: 1. identificação da geometria ou estrutura do sistema; 2. identificação dos materiais e suas propriedades mecânicas; 3. identificação das leis básicas que governam o comportamento do sistema; 4. identificação das condições iniciais e de contorno. Assim, o primeiro dos requisitos requer estudos anatômicos, histológicos e microestruturais dos corpos em análise (artérias, aneurismas, placas etc.), com a finalidade de conhecer sua configuração geométrica. O segundo envolve ensaios mecânicos, no intuito de formular equações constitutivas. Essas relacionam o estresse ao estiramento e à taxa de deformação, quer dizer, definem o comportamento mecânico do material do qual está constituído o corpo e são, normalmente, determinadas por uma combinação de experimentação e estudos teóricos (limites termodinâmicos). Esse passo é frequentemente difícil, pois, em geral, não é possível isolar o tecido para testá-lo. Ainda, o tamanho da amostra pode ser muito pequeno ou podem existir dificuldades para manter o tecido em condições fisiológicas. Por outro lado, com frequência, as relações estresse-deformação em amostras biológicas são não lineares e a não linearidade faz a determinação das equações constitutivas um reto. Apesar disso, é possível estabelecer sua forma matemática, fazendo uso de parâmetros (incógnitas), cujo valor pode ser determinado posteriormente, mediante experimentação. O terceiro depende do número de hipóteses assumidas e do grau de simplificação do problema. No entanto, deverão ser satisfeitos os axiomas da mecânica do contínuo: leis do movimento (Newton), leis de conservação (massa, momento e energia) e as equações constitutivas dos materiais. Qualquer outra hipótese ad hoc deverá ser Meios contínuos em neurocirurgia Ortiz-Velázquez RI e col especificada e tratada com precaução no tocante a sua validade. Com a informação básica (equações constitutivas) e os princípios adequadamente ordenados (leis de movimento etc.), é possível construir as equações governantes que regem o problema. Por último, a identificação das condições iniciais e de contorno depende do tipo de problema. Logo, o conhecimento do ambiente no qual o sistema trabalha é indispensável para sua caracterização, pois as condições de contorno não são mais que os fatos conhecidos que caracterizam o problema. Por ser esse um dos conceitos fundamentais, passamos a esclarecer seu significado, exemplificando a condição de contorno mais importante no estudo da circulação arterial. Considere que, como consequência da viscosidade de um fluido, não possam existir câmbios abruptos da velocidade em qualquer ponto de um campo de fluxo. Então, na interface de um fluido (fluxo de sangue) e sua fronteira sólida (parede arterial), a velocidade do fluido (velocidade do sangue em contato com a parede) deverá ser a mesma que a velocidade da fronteira (parede arterial), pois de outra maneira existiria uma mudança súbita de velocidade nesse ponto. Essa condição é denominada condição de contorno de não deslizamento (no-slip boundary condition) e deverá ser satisfeita em toda análise de fluxos viscosos.43 Isso significa que nas artérias, por exemplo, o sangue não pode simplesmente escorregar. Em vez disso, o sangue em contato com a parede arterial não se move, pois deve ter a mesma velocidade da parede, que se mantém estática. Entretanto, as camadas de fluxo que se separam da parede movem-se com velocidades que crescem ao aumentar a distância à mesma. Portanto, ao conectar a velocidade máxima do centro da luz arterial à velocidade zero na parede, forma-se um perfil parabólico sem câmbios abruptos de velocidade em todos os pontos do campo (perfil parabólico do fluxo laminar). Essa condição é a razão pela qual se requer a ação de bomba do coração para manter o fluxo. Na sua ausência, o fluido seria capaz de escorregar e manter-se em um estado de fluxo contínuo, sem gasto de energia. Na sua presença, o trabalho cardíaco é requerido para manter o gradiente de velocidade com respeito à parede arterial. Por outro lado, os corpos, que regularmente se estudam nas teorias clássicas de hidrodinâmica e elasticidade, têm geometria simples ou ao menos conhecida. As equações constitutivas têm sido provadas e suas condições de contorno identificadas. Em contraste, os problemas em biomecânica não somente fogem das teorias clássicas da elasticidade e hidrodinâmica, bem como sua principal dificuldade encontra-se na ausência de dados que permitam o estabelecimento das equações constitutivas.11,12,23 Contudo, uma vez formulado o problema, resta encontrar soluções para as equações 67 Arq Bras Neurocir 28(2): 62-73, junho de 2009 governantes, com condições iniciais e de contorno apropriadas. A solução pode ser analítica, numérica (elementos finitos) ou experimental. Porém, a realização de experimentos que confirmem as soluções encontradas sempre é necessária, pois comparar os resultados experimentais com os resultados teóricos e numéricos é a única forma de justificar a validade das hipóteses.1 Se estudos analíticos e numéricos são representativos dos achados experimentais, quer dizer, se for possível corroborar a concordância, então estaremos em capacidade de calcular os valores numéricos dos coeficientes indeterminados (parâmetros) presentes nas equações constitutivas. Se as novas equações obtidas predisserem com acurácia o comportamento de outros problemas, então a validade está provada e, somente depois disso, o método poderá ser utilizado para explorar sua utilidade prática e experimental. Mecânica do contínuo Na escala de observação natural (macroscópica) podemos pensar, por exemplo, em qualquer líquido como um meio contínuo (sem descontinuidades, buracos ou fissuras).43 Na realidade, porém, os líquidos são coleções de moléculas discretas que apresentam espaços entre elas. Para o estudo de seu comportamento, a mecânica clássica oferece basicamente duas abordagens: a mecânica do contínuo e a mecânica estatística. A mecânica estatística descreve o comportamento médio de cada molécula individual para entender o desempenho global do meio em escala macroscópica. Na mecânica do contínuo, por outra parte, considera-se um volume de comportamento médio, independentemente de qualquer atenção às moléculas individuais.10 Matematicamente, os objetos físicos (corpos materiais) podem ser tratados como meios contínuos limitados por uma superfície fechada. A superfície pode ser real, como a pele que limita o corpo humano. Porém, pode ser imaginária, como no caso de uma superfície encerrando um lugar do espaço tridimensional. Sabe-se que os objetos físicos estão sujeitos a forças externas atuando em seus corpos, como ocorre com a gravidade (forças de volume ou de campo), e em suas superfícies, como a pressão atmosférica (forças de superfície ou de contato). Se considerarmos esses corpos como meios contínuos, então será possível conhecer a forma como eles reagem a essas forças. Assim, a determinação das condições internas do corpo, em resposta às forças externas, é o campo de estudo da mecânica do contínuo.10 Quer dizer, essa abrange o comportamento dos sólidos e fluidos em uma escala na qual as suas propriedades físicas (massa, momento, energia, velocidade, acelera68 ção, tensão, estiramento, deformação etc.) podem ser definidas para cada ponto do corpo.12,16,43 Porém, o que é um ponto do corpo material? Imaginemos, por exemplo, um líquido como a água. Acreditemos que essa está constituída de pequenas partes, todas elas contínuas umas com as outras, sem espaços vazios entre elas, e as denominemos elementos do fluido (tal como gotas que quando unidas formam um corpo de água). Convenhamos agora que cada elemento do fluido (cada gota) é excessivamente grande para a escala microscópica e infinitamente pequeno para a escala macroscópica. A primeira condição é necessária para assegurar que cada elemento (cada gota) contenha uma quantidade grande de moléculas do líquido, que garantam seu comportamento como tal, e a segunda é indispensável para tratar cada elemento do fluido como um ponto da escala macroscópica. Eis um exemplo, considere um milímetro cúbico de ar. Ele contém 1016 moléculas. Se definirmos um elemento de ar como o volume de uma milionésima parte do milímetro cúbico, esse elemento ainda estará constituído de 1010 moléculas; isso ainda é excessivamente grande para a escala microscópica, assegurando que o elemento se comporte como o ar, porém suficientemente pequeno para que uma milionésima parte do milímetro cúbico possa ser tratada como um ponto na escala macroscópica (Figura 1). 1/106 Escala macroscópica 1 cm3 Escala microscópica 1010 Figura 1 – Definição de ponto em um meio contínuo. Generalizemos a ideia anterior. O tratamento de um corpo material como um meio contínuo é razoavelmente aplicado quando a relação δ/λ << 1,43 onde δ é a escala da microestrutura e λ é a escala do problema físico de interesse. Se se estiver interessado nas forças às quais células endoteliais estão submetidas secundariamente ao fluxo, a escala é de μm para as células endoteliais (microestrutura) e mm para o problema físico (parede arterial). Portanto, a relação δ/λ é μm / mm ≈ 0,001, o que torna a hipótese do contínuo uma proposta razoável. De maneira similar, se o interesse recair na velocidade Meios contínuos em neurocirurgia Ortiz-Velázquez RI e col Arq Bras Neurocir 28(2): 62-73, junho de 2009 da parte central do fluxo em uma artéria, a escala, uma vez mais, é de μm para a microestrutura (diâmetro das células vermelhas) e de mm para o problema físico (diâ­ metro arterial), assim δ/λ << 1. Contudo, essa situação difere no capilar, onde δ/λ ≈ 1, já que os diâmetros do eritrócito e capilar são aproximadamente iguais (5-8 μm). Portanto, nesse caso a hipótese do contínuo não resulta aplicável. Assim, a pertinência de uma abordagem fundamentada na hipótese do contínuo dependerá do desenho experimental. Como mencionado, sob a hipótese do contínuo é possível definir propriedades locais para cada ponto do corpo e encontrar as quantidades físicas de interesse (estresse, deformação etc.) também para cada ponto. Isso indica, por outra parte, que as equações governantes do problema são equações de ponto, tendo, portanto, de ser resolvidas para cada ponto do corpo. Para exemplificar a importância do anterior, pensemos no problema do fluxo sanguíneo. A condição de não deslizamento parece contrariar a evidência experimental de que, na circulação, estase sanguínea é sinônimo de trombose. Contudo, o conflito se resolve ao reconhecer que a condição de contorno é uma condição de ponto e, portanto, um eritrócito ou uma plaqueta, por exemplo, estão em repouso no ponto em que eles interagem com a parede, satisfazendo a condição. Todavia, somente naquele ponto o repouso é uma condição. O resto da superfície, constituída de inúmeros pontos em movimento, provoca seu deslocamento (o rolling observado na microscopia intravital) e, consequentemente, não existe contradição entre a condição de não deslizamento e os princípios de Virchow. Por outro lado, resulta evidente a necessidade de técnicas de cômputo para a resolução desse tipo de problema, pois é possível contar os pontos do corpo por milhares ou milhões. Passemos agora a alguns aspectos formais. O conceito de contínuo deriva da matemática.10 Nessa, o sistema dos números reais é um contínuo, pois entre quaisquer dois números reais (diferentes) que escolhamos existe uma infinidade de outros números reais que preenchem o intervalo da reta numérica, limitado pelos números inicialmente considerados, sem que existam descontinuidades ou buracos. Intuitivamente, o tempo é um contínuo e, por isso, pode ser representado por um sistema de números reais, pois é possível encontrar para cada instante do tempo um instante precedente e outro subsequente que preencham a linha do tempo, como os números reais preenchem a reta numérica. Da mesma maneira, o espaço tridimensional pode ser representado por um contínuo constituído de trios ordenados de números reais (x, y, z). Assim, definir um problema, que varia no espaço e no tempo, é definir um problema do contínuo tetradimensional. Meios contínuos em neurocirurgia Ortiz-Velázquez RI e col Estendendo o conceito do contínuo à matéria, podemos definir a distribuição contínua da matéria no espaço mediante o conceito de densidade. Considerando que a quantidade de matéria é medida pela massa e assumindo que certa quantidade de matéria ocupa certo espaço Vo, escolhemos um ponto P qualquer do espaço Vo e definimos uma sequência de subespaços progressivamente menores de Vo que se acercam ou convergem em P e que denominamos V1, V2, V3, . . . Vn – 1, Vn (Figura 2). V0 V1 V2 V3 M2 M3 P M1 M0 No espaço ocupado por Vo, a sequência de subespaços V1, V2, V3, . . .Vn – 1, Vn que convergem no ponto (P) permite definir a série de razões Mo/ Vo, M1/ V1, M2/ V2,.... Mn – 1/ Vn – 1, Mn/ Vn entre a massa (M) e o volume (V) de cada subespaço. No limite, quando o número de subespaços cresce indefinidamente (Vn→∞), a razão Mn/ Vn define a densidade de massa no ponto (P). Figura 2 – Conceito de densidade em um meio contínuo. Se chamarmos o volume de Vn como Vn , e a massa da matéria contida em Vn como Mn , podemos formar a razão Mn/ Vn à qual denominamos densidade. Continuemos a fazer que Vn se aproxime de P progressivamente, fazendo Vn infinitas vezes menor até que seu valor seja próximo de zero. Esse processo, denominado passo ao limite, gera um valor (limite) da densidade que chamamos densidade da distribuição de massa no ponto P e que, abreviadamente, pode-se escrever como ρ (P). Se a densidade pode ser definida dessa maneira, em qualquer ponto de Vo a massa estará distribuída de maneira contínua. Uma abordagem similar é usada para definir a densidade de momento e de energia. Assim, um material, um corpo, um meio é um contínuo se a densidade de massa, de momento e de energia existirem nesse sentido matemático. Sem embargo, essa definição matemática do contínuo não pode ser satisfeita por sistemas do mundo real.10 Por exemplo, um gás não satisfaz a condição matemática de um meio contínuo se Vn se tornar menor que a distância média entre as moléculas. Da mesma forma, nenhum organismo, tecido ou célula pode satisfazer o critério matemático do contínuo. Por isso, Fung10-12 propõe uma definição do meio contínuo similar ao conceito matemático, exceto pelo tamanho permitido de Vn, o qual nunca pode ser 69 Arq Bras Neurocir 28(2): 62-73, junho de 2009 menor que o tamanho das partículas das quais está constituído o material. Uma vez que se decidiu que um corpo material (sólido ou fluido) pode ser descrito como um contínuo, é possível realizar uma cópia geométrica abstrata, no sentido matemático da definição do contínuo, quer dizer, uma cópia isomórfica em relação ao sistema dos números reais. Isso significa que cada ponto do corpo corresponde a um ponto do espaço euclidiano, que é identificado mediante um e somente um trio (x, y, z) de números reais, formando-se uma cópia ideal do corpo no espaço tridimensional (Figura 3). Essa idealização da matéria tem as seguintes características: • A densidade de massa do sistema idealizado é a mesma que a do sistema real. • O conjunto de forças aplicadas em ambos os sistemas (ideal e real) gera o mesmo estresse e deformação. • As equações constitutivas do sistema real são utilizadas para descrever as propriedades mecânicas do sistema ideal. • O sistema real satisfaz as equações de movimento, continuidade e balanço da energia do sistema ideal com erros cujos limites podem ser calculados. P0 Z Z0 P X0 X Y0 Em uma cópia isomórfica em relação aos números reais, cada ponto do corpo (p) corresponde a um ponto (Po) do espaço tridimensional que, por sua vez, é identificado pelas suas coordenadas (Xo, Yo, Zo). Figura 3 – Cópia ideal de um meio contínuo. A vantagem de idealizar o corpo se encontra na facilidade de cálculo, pois a determinação de estresse e deformações pode realizar-se de maneira rigorosa na cópia isomórfica. Entretanto, no corpo real há limitações experimentais de tamanho e variabilidade estatística que, por outra parte, sempre deverão ser avaliadas.31 Por outro lado, tratando de equações constitutivas, se essas forem as mesmas para valores consecutivos de tamanho do corpo, então, a cópia abstrata tem somente uma equação constitutiva em todas as escalas de tamanho. De maneira recíproca, se as equações constitutivas do corpo são diferentes para diferentes intervalos de valores de tamanho, então a cópia abstrata também tem 70 diferentes equações constitutivas para esses mesmos valores de tamanho. Essa é uma característica útil, pois permite estudar diferentes estruturas do corpo e seu comportamento em diferentes dimensões de observação, o que facilita o entendimento das partes e do todo. Essa hierarquia nas equações constitutivas está relacionada ao grau de similaridade da estrutura do corpo em todos os seus níveis. Por exemplo, a estrutura geométrica do material pode ser fractal, quer dizer, autossimilar em sucessivos limites de valores do tamanho ou, pelo contrário, ser completamente aleatória. Se considerarmos o padrão geométrico das vias aéreas dos grandes brônquios até os pequenos bronquíolos, a estrutura é fractal e pode-se esperar que os bronquíolos obedeçam às mesmas equações constitutivas. Porém, o padrão alveolar não é fractal e as propriedades mecânicas dessa escala necessitam de descrições completamente diferentes. Assim, a escala de observação muda não somente a aparência do objeto, como também seu comportamento e, dependendo da propriedade que se deseja pesquisar, é possível considerar o corpo de estudo com diferentes hierarquias constitutivas. Finalmente, mencionaremos que a mecânica do contínuo tem como axiomas os mesmos da física (leis do movimento de Newton, leis de conservação etc.).10-12,16,17,23,31,45 Porém, existem três axiomas adicionais, próprios da mecânica do contínuo: • Em um corpo ou meio contínuo, duas partículas que são vizinhas em um período de tempo se mantêm vizinhas em todos os tempos. É importante notar que isso não significa que o corpo não possa fraturar-se ou dividir-se. Porém as superfícies de fratura ou de divisão se convertem em novas superfícies externas. Assim, nos organismos o crescimento ou a reabsorção tissular que incrementam ou diminuem a massa criam novas superfícies no corpo. • O estresse e a deformação podem ser definidos em qualquer ponto do corpo. • O estresse em um ponto está relacionado à deformação e à velocidade de deformação no mesmo ponto. Entretanto, a relação de estressedeformação é influenciada por outros parâme­ tros como temperatura, carga elétrica etc. Não obstante, esses podem ser estudados de maneira independente. Estresse Voltemos ao conceito de densidade material e reconsideremos o ponto P no espaço Vo e a mesma sequência de subespaços V1, V2, V3, . . . .Vn – 1, Vn em Vo com seus Meios contínuos em neurocirurgia Ortiz-Velázquez RI e col Arq Bras Neurocir 28(2): 62-73, junho de 2009 volumes correspondentes V1, V2, V3, . . . .Vn – 1, Vn , cada um envolvendo P (Figura 2). Assim, segundo Fung,10 quando o número de subespaços cresce e tende ao infinito (n→∞), o valor de Vn se aproxima de um valor ω e a sequência das sucessivas razões Mn/ Vn tem como valor limite o valor ρ (com uma variabilidade aceitável ε), se e somente se: portanto, a força atuando em um ponto da superfície e pode ser escrita como: T= dF dS + p– Mn Vn <ε ΔS (n→∞) ΔS ΔF ΔF Então, ρ é a densidade do material no ponto P, com uma aceitável variabilidade ε, em um limite definido de volume ω. Assim, e da mesma forma, é possível definir o momento dos pontos por unidade de volume (densidade de momento) ou pela energia (densidade de energia). Porém, se a variável de interesse é a força atuando na superfície do corpo, e o valor limite da força por unidade de área existe para cada ponto da superfície, esse limite é denominado tensão, tração ou estresse, e o conjunto das trações ou tensões, em todas as direções da superfície, é conhecido como tensor das tensões ou tensor de Cauchy. Dada a importância do conceito de tensão, passamos a desenvolvê-lo com maior detalhe. Consideremos um corpo qualquer, por exemplo, uma artéria ocupando uma região do espaço. Imaginemos agora que no interior da artéria possamos limitar uma superfície por uma fronteira, em matemática denominada superfície fechada (Figura 4). Obviamente, algum tipo de interação deverá existir entre o material em ambos os lados dessa superfície. Passemos a analisar um aspecto fundamental dessa interação. Pensemos em uma pequena parte da superfície em questão e a nomeemos de “ΔS”. Desenhemos, desde um ponto qualquer de “ΔS”, um vetor perpendicular de magnitude igual a 1 e apontando para fora (vetor normal unitário) que nos permita saber qual é a orientação da superfície. Assim, o vetor nos ajuda a distinguir os dois lados da superfície “ΔS”. Por conveniência, deixemos que o lado para o qual o vetor está dirigido seja chamado lado positivo. Consideremos agora a matéria situada no lado positivo de “ΔS”. Essa exerce uma força na matéria situada no lado negativo de “ΔS” que denominamos ΔF. Então, podemos esperar que a magnitude, direção e sentido da força ΔF dependa do tamanho e localização da área e da orientação da superfície “ΔS”. A continuação, permitamos que “ΔS” diminua de tamanho até que a razão entre ΔF/“ΔS” tenda para o valor limite dF/ dS. O valor desse limite é uma quantidade vetorial ou vetor, quer dizer, tem magnitude, direção e orientação e a chamaremos de vetor de tração ou vetor de tensão. O vetor de tensão ou simplesmente tensão representa, Meios contínuos em neurocirurgia Ortiz-Velázquez RI e col ΔS ΔF T = dF/dS ΔS ΔS ΔF ΔS ΔF ΔF O valor limite (dF/dS) da razão entre ΔF/ΔS é um vetor que representa a relação força/área, atuando em um ponto da parede arterial, denominado vetor de tensão ou simplesmente tensão. Figura 4 – Vetor de tensão, tração ou estresse. A descoberta de que para qualquer superfície fechada “S” de um meio contínuo existe um campo de tensões, cuja ação sobre a matéria que ocupa o espaço situado no lado interno de S é equipolente à ação da matéria exterior à mesma superfície, é conhecida como o princípio das tensões de Euler e Cauchy.10-12,16,17,43 Em outras palavras, na superfície de um corpo, ou na interface de dois corpos, a tensão atuando na superfície deverá ser a mesma em ambos os lados. Isso constitui mais um axioma na mecânica dos meios contínuos porquanto permite definir a interação entre as partes dos corpos. Desse modo, podemos comprovar que os termos estresse e tensão são usados de maneira intercambiável e, dado que expressam a razão entre a força aplicada e a área de aplicação (relação força/área), sua unidade é a mesma da pressão: o pascal (1 N/m2). Assim, a tensão pode-se entender como a intensidade das forças que atuam dentro do corpo como reação às forças externas aplicadas (forças de superfície ou contato e de volume ou campo). Para seu estudo, dividem-se suas componentes ortogonais em: shear stress ou tensão de cisalhamento, que corresponde à força tangencial à superfície, e tensão normal ou força perpendicular à superfície (Figura 5). Um tipo de estresse uniforme com o qual nós, médicos, estamos acostumados é a pressão. Um estresse uniforme é uma tensão na qual a força atua igualmente em todas as direções. Porém, 71 Arq Bras Neurocir 28(2): 62-73, junho de 2009 pode ocorrer a tensão não ser igual em todas as direções (estresse diferencial). O estresse, em termos gerais, não é fácil de mensurar de maneira direta. Entretanto, como estabelecido pelos axiomas do contínuo, ele pode ser inferido se forem conhecidas as propriedades mecânicas do material (equações constitutivas) e a magnitude do estiramento que condiciona a força aplicada.10 Tensão normal Tensão de cisalhamento (shear stress) material). Assim, os corpos podem ser divididos em duas classes, dependendo de seu comportamento sob tensão: materiais quebradiços (que apresentam uma região de comportamento elástico variável, porém somente uma região pequena de comportamento dúctil antes da fratura) e materiais dúcteis (que apresentam somente uma pequena região de comportamento elástico e uma região grande de comportamento dúctil antes da fratura). Com base no comportamento do material sob tensão resulta evidente que existem diferentes classes de aneurismas e placas de ateroma. Porém, quais são as bases da diferença entre aneurismas pequenos e placas instáveis, de comportamento quebradiço e aneurismas grandes e placas estáveis, de comportamento dúctil, é uma pergunta que ainda espera por resposta, e estudos de mecânica de meios contínuos são indispensáveis para atingi-la. Referências Estiramento Compressão Na tensão normal, a força atua perpendicularmente à superfície. Na tensão de cisalhamento (shear stress) a força é tangente à superfície. Observe-se que a tensão condiciona estiramento e compressão, além do cisalhamento. 1. 2. Figura 5 – Tensões. 3. Brevemente, pois será tema do seguinte artigo desta série, podemos definir o estiramento como a expressão geométrica da deformação causada pela tensão.10-13,15-17, 20,23,31,33,40,43 Portanto, expressa a mudança do tamanho ou da forma. A deformação origina-se quando as partículas ou elementos materiais (moléculas, átomos etc.) que formam o corpo são forçadas a deslocar-se de sua posição original em resposta à tensão. Assim, a tensão ou o estresse está para a força como o estiramento está para a deformação. O estiramento também pode ser dividido em seus componentes ortogonais: estiramento normal e tangencial com base nas forças que causam a deformação. O estiramento normal é secundário às forças perpendiculares, ao plano ou à área de secção transversa do material e o estiramento tangencial (shear strain) é causado pelas forças tangenciais à superfície do corpo. Quando um corpo é submetido ao estresse passa por três sucessivos níveis de deformação: deformação elástica (quando o estiramento é reversível), deformação dúctil (quando o estiramento é irreversível) e fratura (estiramento irreversível com ruptura do 72 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. Acevedo-Bolton G, Jou LD, Dispens BP, Lawton MT, Higashida RT, Martin AJ, et al. 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Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 – 3º andar 05403-001 – São Paulo, SP, Brasil E-mail: [email protected] 73 Arq Bras Neurocir 28(2): 74-80, junho de 2009 Meningiomas do forâmen magno Revisão da literatura Danilo Otávio de Araújo Silva¹, Leonardo Ferraz Costa¹, Matheus Augusto Pinto Kitamura¹, Joacil Carlos da Silva2, Hildo Rocha Cirne de Azevedo Filho3 Serviço de Neurocirurgia do Hospital da Restauração, Recife RESUMO Contexto: Os meningiomas do forâmen magno são patologias raras e representam um dos mais desafiantes tumores do sistema nervoso central em relação ao seu tratamento cirúrgico. Sua frequência varia na literatura em torno de 3% dos meningiomas. Podem ser classificados como ventrais, ventrolaterais e dorsais. Tal classificação é importante, pois define a abordagem cirúrgica a ser utilizada. Objetivo: Revisão dos aspectos clínicos e terapêuticos desse raro e intrigante tumor. Método: Pesquisa eletrônica no PubMed (www. pubmed.com) utilizando as seguintes palavras-chave: meningioma do forâmen magno e acesso extremo lateral. Foram revisados dados de trabalhos do período de 1987 a 2008. Também foi realizada pesquisa das publicações mais citadas em relação ao tema. Artigos com dados clínicos incompletos não foram analisados. Resultados: Como todos os meningiomas, são mais frequentes no sexo feminino. Possuem uma apresentação clínica variável. O diagnóstico precoce é mandatório a fim de se atingir os melhores resultados terapêuticos. O tratamento de eleição, definido pela maioria dos autores, é o cirúrgico, embora a radiocirurgia estereotáxica esteja despontando como uma das possibilidades terapêuticas. A maioria das séries publicadas relata uma taxa de ressecção total em torno de 70% dos casos. Conclusões: A melhor opção terapêutica, até o presente momento, é a remoção cirúrgica do tumor. A abordagem ideal ainda não está estabelecida como um consenso, embora esteja se direcionando para o acesso extremo lateral e suas variantes segundo a maioria dos autores. A embolização pré-operatória tem o seu papel definido e deve ser utilizada sempre que possível. A radiocirurgia estereotáxica pode ser uma opção terapêutica para um grupo seleto de pacientes. O diagnóstico precoce continua sendo a melhor arma de todo esse arsenal para que os pacientes desfrutem de um bom resultado terapêutico e evoluam com um prognóstico favorável. Em virtude da complexidade de sua localização anatômica, é necessário o amplo conhecimento da anatomia dos acessos de base de crânio, em especial o acesso extremo lateral e suas variantes. PALAVRAS-CHAVE Meningioma. Forâmen magno. Acesso extremo lateral. ABSTRACT Foramen magnum meningiomas. Literature review Context: Foramen magnum meningiomas are rare diseases and represent one of the most challenging tumors of the central nervous system for its surgical treatment. Its frequency varies in the literature corresponding to about 3% of all meningiomas. They are classified as ventral, ventrolateral and dorsal. This classification is important because it defines the surgical approach to be used. Objective: Literature review of clinical and therapeutic aspects of this rare and puzzling tumor. Method: An electronic search in PubMed (www.pubmed.com) using the following keywords: meningioma of the foramen magnum and extreme lateral access. We reviewed data from studies published during the period of 1987 to 2008. We also carried out research into the publications cited in the articles. Articles with incomplete clinical data were not analyzed. Results: Like all meningiomas they are more common in women. They have a variable clinical presentation. Early diagnosis is mandatory in order to achieve the best therapeutic results. The treatment of choice, as defined by most authors, is surgery, while stereotactic radiosurgery is emerging as one of the therapeutic possibilities. Most published series report a total resection rate of around 70%. Conclusions: The best therapeutic option, so far, is the surgical removal of the tumor. The ideal approach is not yet established as a consensus, although it is moving toward the extreme lateral access and its variants according to most authors. The preoperative embolization has its defined role and should be used whenever possible. The stereotactic radiosurgery may be a therapeutic option for a select group of patients. Early diagnosis remains the best factor to achieve a good outcome and a favorable prognosis. Due to the complexity of its anatomical location, one must have extensive knowledge of the anatomy of the skull base, especially that concerning with the extreme lateral access and its variants. KEY WORDS Meningioma. Foramen magnum. Extreme lateral approach. 1 Residentes do Serviço de Neurocirurgia do Hospital da Restauração, Recife. 2 Neurocirurgião do Hospital da Restauração, Recife. 3 Chefe do Serviço de Neurocirurgia do Hospital da Restauração, Recife. Arq Bras Neurocir 28(2): 74-80, junho de 2009 Introdução Meningiomas são uns dos tumores mais frequentes que acometem o sistema nervoso central (SNC). Séries clínicas indicam que 20% dos tumores cerebrais são meningiomas, enquanto séries de autópsia mostram uma incidência de até 30%.39 São tumores que derivam das células meningoteliais aracnoideas, geralmente são benignos (grau I OMS); contudo podem ter comportamento mais agressivo, sendo classificados como grau II (atípico), cerca de 7% dos casos, ou grau III (anaplásico ou maligno), 3% dos casos.14 Sabe-se que sua incidência no sexo feminino em relação ao masculino é de 2:1 para os meningiomas cerebrais e de até 10:1 para os espinhais.14 São mais frequentes em adultos e idosos, sendo rara sua apresentação na infância.39 Os meningiomas localizados no forâmen magno (MFM) são raros e representam uns dos mais desafiantes tumores do SNC em relação ao seu tratamento cirúrgico. Sua frequência é estimada em torno de 3% dos meningiomas.3 São classificados como ventrais, ventrolaterais e dorsais.3 Tal classificação é importante, pois define a abordagem cirúrgica a ser utilizada. Possuem apresentação clínica variável. O diagnóstico precoce é mandatório a fim de se atingir os melhores resultados terapêuticos. O tratamento de eleição, definido pela maioria dos autores, é o cirúrgico, embora a radiocirurgia estereotáxica esteja despontando como uma das possibilidades terapêuticas. A maioria das séries publicadas relata uma taxa de ressecção total em torno de 70% dos casos. Por causa da complexidade de sua localização anatômica, é necessário o amplo conhecimento da anatomia dos acessos à base de crânio, em especial o acesso extremo lateral e suas variantes. A presente revisão da literatura tem como objetivo expor os aspectos clínicos e terapêuticos dessa rara e intrigante patologia. Método Esta revisão de literatura foi realizada por meio de pesquisa eletrônica no PubMed (www.pubmed.com) utilizando as seguintes palavras-chave: meningioma do forâmen magno e acesso extremo lateral. Foram revisados dados de trabalhos do período de 1987 a 2008. Também foi realizada pesquisa das publicações mais citadas em relação ao tema. Os artigos com dados clínicos incompletos não foram analisados. Os dados considerados mais importantes são apresentados nesta revisão. Meningiomas do forâmen magno Silva DOA e col Apresentação clínica Os meningiomas são tumores de crescimento lento, assim produzem sintomatologia insidiosa na grande maioria dos casos.39 Quando localizados no forâmen magno, essa regra se repete. Os tumores de localização anterior ou ventral, que são aqueles situados anteriormente ao primeiro ligamento denteado e aos nervos cranianos baixos (IX, X, XI, XII), bilateralmente no plano coronal, têm apresentação clínica diferente daqueles classificados como de localização dorsal.2,3,8,19,40 É importante frisar que a maioria dos MFM é do tipo ventral, correspondendo a 68% a 98% dos casos.3,18,19,40 O quadro clínico mais frequente na maioria das publicações é a associação de sinais de longas vias, principalmente motores, como tetraplegia, tetraparesia ou hemiparesia espástica, disestesia e diminuição da sensibilidade global em graus variados, com déficits dos nervos cranianos IX, X, XI, XII uni ou bilateral­­men­te.2,3,7,8,10,16,18,19,23,27,31,40,45,48 Outras manifestações clínicas importantes são distúrbios da marcha e cefaleia que, no caso dos tumores dorsais, têm a característica de ser occiptocervical.7,23,48 Os pacientes também podem apresentar-se apenas com queixa de torcicolo, cervicalgia e dispneia; esta última já podendo representar insuficiência respiratória.23,48 Os distúrbios esfincterianos podem estar presentes em até 20% dos casos.41 Um dado interessante no exame clínico desses pacientes é observar a atrofia da musculatura interóssea das mãos.10 Alguns autores, no entanto, publicaram manifestações clínicas peculiares e de grande importância para a literatura. Ahmed e cols.1 relataram o caso de um paciente que apresentou rouquidão como sintoma único de um MFM. Tal sintomatologia desapareceu após a remoção cirúrgica da lesão. Sawaya42 apresentou um paciente com quadro clínico mimetizando esclerose lateral amiotrófica. Esse paciente evoluiu com melhora clínica e recuperação dos déficits neurológicos após o tratamento cirúrgico do tumor. Barnadas e cols.6 mostraram um caso no qual o primeiro sinal foi o aparecimento de ulcerações orais traumáticas causadas por mordidas da língua. O exame clínico desse paciente evidenciou desvio, fasciculações e hemiatrofia do lado direito da língua, caracterizando uma paralisia isolada do XII nervo; a ressonância magnética (RM) evidenciou um tumor de forâmen magno, confirmado posteriormente como meningioma. Wörner e cols.57 reportaram um caso de uma paciente de 54 anos com história de hipertensão arterial com sete meses de evolução, associada a tinido, tontura e déficit auditivo à esquerda; a RM revelou um tumor compatível com MFM, confirmado após cirurgia e análise histopatológica; o tratamento cirúrgico do tumor foi realizado e a paciente apresentou melhora da 75 Arq Bras Neurocir 28(2): 74-80, junho de 2009 sintomatologia, inclusive da hipertensão arterial, após oito meses de evolução pós-operatória. Tsao e cols.53 relataram um caso que reflete a importância do exame neurológico em pacientes com disfagia: a paciente com 58 anos de idade apresentava história de disfagia progressiva havia 18 meses; os exames endoscópicos do aparelho gastrintestinal não revelaram anormalidades; a semiologia neurológica flagrou diminuição da sensibilidade distal bilateral nas extremidades, hiper-reflexia e alteração da marcha; a laringoscopia e a videofluoroscopia revelaram marcante disfunção hipofaríngea; após ser diagnosticado um MFM por RM, o tratamento cirúrgico foi realizado com resolução quase completa dos sintomas. Diagnóstico por imagem A tecnologia de imagem revolucionou o tratamento das patologias neurocirúrgicas. Em especial, a RM teve um papel inigualável em virtude do estudo anatômico proporcionado por ela. No entanto, as estruturas ósseas são mais bem avaliadas pela tomografia computadorizada (TC), sendo esta também de grande importância não só no diagnóstico, mas também no planejamento cirúrgico, principalmente nas patologias de base de crânio. A RM é a modalidade de escolha para a avaliação de tumores da região do forâmen magno. Wagle e cols.,54 já em 1987, demonstravam o potencial da RM no diagnóstico dos MFM. Nas imagens ponderadas em T1, geralmente, os meningiomas apresentam-se iso ou hipointensos em relação ao tecido neural, podendo, em algumas ocasiões, ser até discretamente hiperintensos. 10,39 Embora as imagens ponderadas em T1 sejam ótimas para visualização das estruturas anatômicas, a interface tumor/tecido neural não é bem visualizada.10,39 Quando administrado o contraste de gadolíneo, os meningiomas geralmente apresentam uma captação homogênea ajudando a identificar o tumor e sua base dural, onde se pode flagrar o dural tail em alguns casos.10,39 Como a maioria dos MFM é do tipo ventral, a base dural localiza-se na borda occipital anterior do forâmen magno. Nas imagens ponderadas em T2, os meningiomas apresentam-se iso ou hiperintensos em relação ao tecido neural ao seu redor.10,39 Deve-se avaliar detalhadamente as imagens em T2 para visualização do plano aracnoideo entre o tumor e o tronco cerebral.10,39 A ausência desse plano e a presença de edema no tronco cerebral sugerem que a superfície pial foi invadida, o que dificultará a remoção completa do tumor.10,39 O estudo com angiografia digital ou angiorressonância é importante para avaliação das estruturas vasculares da região do forâmen magno, em especial a relação 76 do tumor com as artérias vertebrais.10,39 A fase venosa da angiografia é de igual importância, pois oferece informações cruciais para o planejamento cirúrgico, como a disposição e patência dos seios venosos durais transverso e sigmoide.10,39 A TC de crânio é indispensável para avaliação das estruturas ósseas. As técnicas de reconstrução da junção crânio-cervical em 3D oferecem informações adicionais sobre as estruturas ósseas que podem ser ressecadas.10,39 Carvalho e cols.13 demonstraram o impacto das informações oferecidas pela TC e RM nos resultados cirúrgicos de uma série de 70 pacientes com meningiomas de base de crânio petroclivais. Embora esse trabalho não avalie os MFM, ele nos oferece dados importantes em relação à avaliação radiológica de lesões de base de crânio. Por exemplo, sinais de infiltração tumoral ou edema perilesional no tronco cerebral influenciaram a extensão da remoção cirúrgica. Tratamento O tratamento preconizado para os MFM pela maioria dos autores é a remoção cirúrgica do tumor, podendo esta ser total, subtotal ou parcial. Em virtude da peculiar localização anatômica desses tumores, é mandatório o total domínio da anatomia dos acessos de base de crânio, em especial o acesso extremo lateral e suas variantes. A radiocirurgia estereotáxica é uma opção terapêutica que vem despontando há alguns anos, mas ainda sem eficácia comprovada a longo prazo, segundo a maioria dos autores. A embolização pré-operatória dos MFM, quando possível de ser realizada, deve ser utilizada como medida adjuvante para facilitar a remoção cirúrgica do tumor. As complicações pós-operatórias são aquelas inerentes a qualquer procedimento cirúrgico, no entanto é necessária uma especial atenção ao desenvolvimento de instabilidade da junção craniocervical após o tratamento cirúrgico. Esses aspectos são analisados a seguir. Os MFM de localização ventral, de acordo com a maioria dos autores, são mais bem abordados pelo acesso extremo lateral. George e cols.18 publicaram uma série de 14 tumores abordados com uma extensão lateral do acesso suboccipital mediano clássico. Os autores advogam que se obtém bom acesso à porção anterior do forâmen magno com menor risco de lesão e retração da porção inferior do tronco cerebral. Adicionalmente, preconizam a transposição medial da artéria vertebral para uma melhor exposição cirúrgica. Sen e col.,47 em uma série de seis pacientes publicada em 1990, ratificaram a utilidade do acesso suboccipital extremo lateral para ressecção de tumores ventrais do forâmen magno. Nesse trabalho, os autores mostram que os acessos Meningiomas do forâmen magno Silva DOA e col Arq Bras Neurocir 28(2): 74-80, junho de 2009 transoral e cervical posterior muitas vezes são incapazes de proporcionar a ressecção total desses tumores sem adicionar déficits neurológicos. Sekhar e Javed,43 em outra série publicada em 1993, relataram 17 casos de meningiomas do forâmen magno e petroclivais com acometimento do sistema arterial vértebro-basilar. Dos seis pacientes com acometimento da artéria vertebral, a ressecção completa foi obtida em todos; em um, a artéria vertebral foi ocluída, em outro o vaso foi reparado e, ainda em outro, foi realizada revascularização com enxerto venoso. Nenhum paciente evoluiu com déficit neurológico permanente. Um paciente apresentava invasão das artérias basilar e vertebral, onde a artéria vertebral era hipoplásica. Nesse caso, a artéria vertebral foi ocluída e o tumor ressecado por completo. O paciente evoluiu com piora transitória da hemiparesia. Dos dez pacientes com acometimento da artéria basilar, a ressecção completa só foi possível em três casos, em cinco pacientes foi realizada remoção subtotal (mais de 90% do volume tumoral) e, em dois, foi retirado em torno de 70% do volume tumoral. Os autores concluem que meningiomas com envolvimento das artérias basilar e vertebral podem ser removidos com sucesso com técnicas modernas de cirurgia de base de crânio, mas o cirurgião deve exercer um bom julgamento a respeito de quanto tumor deve ser removido em cada caso particular. Kratimenos e Crockard.27 utilizaram o acesso extremo lateral transcondilar para tratamento cirúrgico de 15 pacientes com tumores ventrais da junção craniocervical. Em 12 casos a ressecção completa foi atingida e, em três, foi feita remoção subtotal. Os autores acreditam que esse acesso oferece melhor exposição da junção bulbomedular e das estruturas vasculares, preservação da estabilidade cervical com remoção do terço posterior do côndilo occipital e elimina a necessidade de retração do tecido neural. Bertalanffy e cols.8 relataram uma série de 19 pacientes com MFM ventrais ou ventrolaterais operados pelo acesso extremo lateral transcondilar. Nos cinco anos de acompanhamento, a mortalidade foi nula e não ocorreram complicações neurológicas. A ressecção total foi obtida em 100% dos casos. Os autores reforçam que, com a análise detalhada dos aspectos anatômicos de cada caso, a remoção cirúrgica desses tumores pode ser feita com sucesso. Samii e cols.40 publicaram uma extensa série de 40 meningiomas da junção craniocervical. Os acessos suboccipitais mediano e lateral, com abertura do forâmen magno e laminectomia dos segmentos cervicais envolvidos, foram suficientes na grande maioria dos casos. A remoção do terço posterior do côndilo occipital com o uso de drill foi necessária em apenas sete casos. As taxas de ressecção total e subtotal foram 63% e Meningiomas do forâmen magno Silva DOA e col 30%, respectivamente. Complicações pós-operatórias ocorreram em 30% dos pacientes. George e cols.,19 em outra grande série de 40 casos de MFM, analisaram o tratamento cirúrgico desses tumores em relação a sua localização. Os acessos utilizados foram o suboccipital lateral em 31 casos, suboccipital mediano em quatro casos e ântero-lateral em cinco casos. A escolha da abordagem cirúrgica foi feita de acordo com a localização tumoral em relação a três aspectos: plano horizontal (anterior n = 18, lateral n = 21, posterior n = 1); artéria vertebral (acima n = 4, abaixo n = 20, ambos n = 16); dura-máter (intradural n = 24, extradural n = 2, ambos n = 4). Os tumores intradurais anteriores e laterais foram operados pelo acesso suboccipital lateral. A remoção do côndilo occipital com drill foi feita quando os tumores localizavam-se acima da artéria vertebral, e da massa lateral do atlas quando o tumor localizava-se abaixo desta. Os tumores intradurais posteriores foram abordados pelo acesso suboccipital mediano. Os meningiomas com componente extradural foram ressecados pelo acesso ântero-lateral isolado ou em combinação com o suboccipital mediano. A taxa de ressecção completa foi de 94% para os tumores intradurais e de 50% para os extradurais. As condições clínicas melhoraram em 90% dos pacientes. Houve apenas três óbitos no pós-operatório. Pirotte e cols.36 relataram uma série de seis casos de MFM, na qual foram analisadas as diferentes extensões laterais do acesso suboccipital mediano. Essas variações incluíram condilectomia occipital parcial, transposição da artéria vertebral e até mesmo exposição e secção do seio sigmoide. Nessa série de pacientes, os autores concluíram que a única maneira de se obter uma boa exposição cirúrgica, sem retração das estruturas vitais localizadas no nível do forâmen magno, é com a aplicação individualizada, caso a caso, do acesso extremo lateral e suas variantes. Na série de Banerji e cols.5 de sete tumores de base de crânio, dos quais dois eram MFM, situados ânterolateralmente, o acesso extremo lateral transcondilar associado à laminectomia de C1 a C3 foi utilizado com sucesso e remoção total desses tumores. Os autores não acreditaram ser necessária a transposição da artéria vertebral nos casos de tumores essencialmente intradurais. Tal técnica cirúrgica foi realizada nos casos de tumores (dois condrossarcomas) com extensão e acometimento extradural da artéria vertebral. Touho52 relatou um caso de MFM com acometimento da artéria cerebelar póstero-inferior em que foi necessária a anastomose término-terminal desta para remoção do tumor. Nesse artigo, o autor chama a atenção para o fato de que os exames de imagem pré-operatórios não foram capazes de diagnosticar o envolvimento dessa artéria. 77 Arq Bras Neurocir 28(2): 74-80, junho de 2009 Arnautovic e cols.,3 em clássico artigo sobre MFM do tipo ventral, mostraram os resultados de uma série de 18 pacientes. A abordagem cirúrgica preferida pelos autores foi o acesso extremo lateral transcondilar, com remoção de, no máximo, metade do côndilo occipital, a depender do tamanho do tumor. Em geral, realiza-se a laminectomia de C1 e C2. Os autores advogaram a abertura do forâmen transverso de C1 e a transposição inferior medial da artéria vertebral. No entanto, quando o tumor engloba essa artéria, é preferível dissecar e remover o máximo de tecido tumoral quando existe um plano aracnoideo entre o tumor e a artéria. Porém, tal manobra nem sempre é possível, pois o tumor apresenta-se, algumas vezes, aderido ao vaso. Nesses casos, é opinião do autor que não se tente remover as porções tumorais mais aderidas à artéria, por causa do risco de ruptura desta. A taxa de ressecção total foi de 75%, e as de ressecção quase total e subtotal, de 12,5% cada. As principais complicações pós-operatórias foram déficits dos nervos cranianos IX e X. O principal fator relacionado a bom prognóstico no pós-operatório foi um alto escore pré-operatório na Escala de Performance de Karnofsky (EPK). Logo, os autores enfatizaram a necessidade do diagnóstico precoce dessas lesões. Já na série de Gupta e cols.,23 que compreende 12 casos de lesões anteriores e ântero-laterais do forâmen magno, das quais os meningiomas eram maioria, não foi necessária ressecção do côndilo occipital, nem transposição da artéria vertebral para remoção cirúrgica das lesões. Nanda e cols.34 publicaram um importante trabalho com análise da necessidade da remoção do côndilo occipital, durante o acesso extremo lateral, para tratamento cirúrgico de dez pacientes com lesões anteriores do forâmen magno, das quais seis eram meningiomas. Realizaram também estudo comparativo com oito cadáveres. Os autores concluíram que não é necessária a remoção, mesmo que parcial, do côndilo occipital para a ressecção completa e segura das lesões intradurais anteriores do forâmen magno. Pamir e cols.35 publicaram a experiência no tratamento de 22 pacientes com MFM. Em relação aos tumores localizados posteriormente ao ligamento denteado, a abordagem suboccipital mediana mostrou-se satisfatória para a adequada remoção desses tumores. Contudo, para as lesões anteriores do forâmen magno, a aquisição das técnicas do acesso extremo lateral foi de grande importância para o tratamento cirúrgico desses tumores. O trabalho de Suhardja e cols.50 faz um estudo anatômico e comparativo entre o acesso extremo lateral transcondilar e o retrossigmoideo. Foram utilizados 13 cadáveres nos quais de cada lado foi realizado um dos acessos. A área de exposição cirúrgica de cada acesso foi calculada separadamente. Como conclusão, mostrou78 se, com significância estatística, que o acesso extremo lateral proporcionou maior área de exposição operatória e permitiu melhor acesso à região do forâmen magno. Margalit e cols. 29 publicaram uma série de 42 pacientes com tumores anteriores e ântero-laterais da região do forâmen magno. Desses, 18 eram meningiomas. O acesso suboccipital extremo lateral foi utilizado em todos os casos. No entanto, nesse artigo os autores chamam a atenção para a necessidade de individualizar as variantes desse acesso em cada caso particular e de acordo com a patologia de base. Eles defendem que a mobilização da artéria vertebral e a ressecção do côndilo occipital dependem da extensão e localização do tumor, bem como das características patológicas de cada lesão. Por exemplo, em todos os casos de meningiomas foi necessária a mobilização da artéria vertebral, mas a condilectomia occipital parcial foi realizada em apenas oito casos. Contudo, dos 12 pacientes que apresentavam cordomas dessa região, a ressecção condilar completa foi necessária em nove, com posterior fixação occipitocervical. Como demonstrado, a discussão na literatura a respeito das variações do acesso suboccipital lateral para o tratamento cirúrgico dos MFM de localização anterior ou ântero-lateral é ampla. Várias outras referências literárias advogam o acesso extremo lateral com, pelo menos, condilectomia parcial individualizada para cada caso na remoção desses tumores.31,16,28,32,37 Também existem defensores de uma abordagem suboccipital lateral retrocondilar.7 Alguns autores ainda preconizam o acesso suboccipital lateral clássico para a retirada dessas lesões.2,20,26,41,48 Outros preferem o acesso suboccipital mediano clássico.22 As lesões situadas posteriormente são abordadas pela via suboccipital posterior mediana clássica, como consenso entre os autores. Embora ainda seja relatado o acesso transoral para o tratamento desses tumores,11,41 sua utilidade é limitada e ele está sendo cada vez mais abandonado. Em relação ao desenvolvimento de instabilidade occipitocervical após o tratamento cirúrgico de tumores da região do forâmen magno, a literatura converge para uma linha de condutas similares. Os pacientes que são submetidos a ressecção de até 30% ou do terço posterior do côndilo occipital geralmente não necessitam de fusão.9,49 Nos casos em que a condilectomia chega a 50% ou mais, é muito provável que seja necessária a fusão occipitocervical.9,49 A utilização de embolização pré-operatória está bem estabelecida no tratamento dos meningiomas de base de crânio, pois ela facilita o ato operatório e diminui o sangramento.17,38 É um procedimento seguro, entretanto deve-se ter em mente que alguns pacientes podem evoluir com piora do quadro neurológico após o mesmo.38 Meningiomas do forâmen magno Silva DOA e col Arq Bras Neurocir 28(2): 74-80, junho de 2009 Uma análise detalhada a respeito da radiocirurgia estereotáxica vai além do propósito desta revisão. Porém, ressaltamos que Muthukumar e cols.33 publicaram um artigo, no qual essa modalidade terapêutica poderia ser oferecida para pacientes com MFM que não fossem bons candidatos a cirurgia, por exemplo, pacientes muito idosos. Em uma série de cinco pacientes, os autores observaram redução do volume tumoral em um caso e ausência de crescimento da lesão nos quatro restantes. 6. 7. 8. 9. 10. Conclusões Os meningiomas de forâmen magno são tumores raros. Possuem apresentação clínica variável, desde pacientes com graves sintomas motores bilaterais e insuficiência respiratória até pacientes com sintomatologia completamente inespecífica, nos quais um detalhado exame neurológico é imprescindível. Associados à semiologia neurológica, os estudos de imagem com RM, TC e angiografia cerebral são definitivos para o diagnóstico e a programação cirúrgica. A melhor opção terapêutica, até o presente momento, é a remoção cirúrgica do tumor. A abordagem ideal ainda não está estabelecida como um consenso, embora esteja se direcionando para o acesso extremo lateral e suas variantes segundo a maioria dos autores. A embolização pré-operatória tem o seu papel definido e deve ser utilizada sempre que possível. A radiocirurgia estereotáxica pode ser uma opção terapêutica para um grupo seleto de pacientes. O diagnóstico precoce continua sendo a melhor arma de todo esse arsenal para que os pacientes desfrutem de um bom resultado terapêutico e evoluam com um prognóstico favorável. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. Referências 21. 1. 22. 2. 3. 4. 5. Ahmed YS, Hanson DR, Halaka AN. Hoarseness as the sole presenting symptom of foramen magnum meningioma. J Laryngol Otol. 1990;104:715-7. Akalan N, Seckin H, Kilic C, Ozgen T. Benign extramedullary tumors in the foramen magnum region. Clin Neurol Neurosurg. 1994;96:284-9. Arnautovic KI, Al-Mefty O, Husain M. Ventral foramen magnum meningiomas. J Neurosurg. 2000;92:71-80. Avninder S, Gupta V, Sharma KC. Lymphoplasmacyte rich meningioma at the foramen magnum. Br J Neurosurg. 2008;24:1-3. Banerji D, Behari S, Jain VK, Pandey T, Chhabra DK. Extreme lateral transcondylar approach to the skull base. Neurol India. 1999;47:22-30. 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Original recebido em setembro de 2008 Aceito para publicação em abril de 2009 Conflito de interesses não declarado Endereço para correspondência Danilo Otávio de Araújo Silva Rua Paissandu, 200, ap. 401 – Boa Vista 50070-200 – Recife, PE, Brasil E-mail: [email protected] Meningiomas do forâmen magno Silva DOA e col Arq Bras Neurocir 28(2): 81-84, junho de 2009 Metástase de adenocarcinoma de mama no ângulo pontocerebelar Relato de caso José Nazareno Pearce de Oliveira Brito1, Gerson Luis Medina Prado2, Ricardo Marques Lopes de Araújo3, Wildson de Castro Gonçalves Neto3 Disciplina de Neurologia e Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Piauí (Facime-Uespi) e da Faculdade de Saúde, Ciências Humanas e Tecnológicas do Piauí (Novafapi) e Disciplina de Radiologia da Facime-Uespi, Teresina. RESUMO Câncer de mama é a principal neoplasia maligna em mulheres. Apesar de todos os avanços médicos tanto no diagnóstico como na terapêutica, um terço das pacientes com esse tipo de câncer irá morrer em decorrência das metástases. Apesar de tumores no ângulo pontocerebelar (APC) terem uma apresentação clínica com características uniformes, eles representam variedades histopatológicas distintas. Além das metástases, o neurinoma do acústico, meningiomas, cistos epidermoides e neurinomas dos nervos cranianos V, VII, IX, X e XI correspondem, aproximadamente, a 98% dos tumores no APC. Este relato descreve um caso de metástase de adenocarcinoma de mama no APC. PALAVRAS-CHAVE Adenocarcinoma de mama. Metástase. Ângulo pontocerebelar. ABSTRACT Breast andenocarcinoma metastasis in the cerebello pontire angle. Case report Breast cancer is the main malignant neoplasm in women. Despite all diagnostic and therapeutic advances, one third of the patients with this cancer will die as a result of metastasis. Although tumors in the cerebellopontine angle present with clinical uniform characteristics, they represent distinct histopathological varieties. Besides metastasis, acoustic schwannomas, meningiomas, epidermoidal cysts, and neurinomas of V, VII, IX, X and XI cranialnerves occur in about 98% of the tumors of cerebellopontine angle. This report describes a rare case of breast adenocarcinoma metastasis in the cerebellopontine angle. KEY WORDS Breast adenocarcinoma. Metastasis. Cerebellopontine angle. Introdução A principal neoplasia maligna feminina ainda permanece sendo o câncer de mama. Apesar do aumento da sobrevida decorrente do diagnóstico precoce e dos novos métodos terapêuticos, um terço dessas pacientes morre em virtude das metástases.2 O ângulo pontocerebelar (APC) é um espaço latente de forma irregular localizado na fossa posterior cerebral; é formado pela face cerebelar da parte petrosa do osso temporal, ponte e pedúnculo cerebelar médio. Tumores que têm origem no APC são raros, correspondendo a apenas 5% a 10% de todos os tumores intracranianos. Causam, por compressão do tronco cerebral e dos nervos cranianos que trafegam por esse sítio, sintomas neurológicos por interferência nos núcleos e tratos longos do tronco cerebral. Apesar de as apresentações clínicas serem semelhantes, 98% dos tumores encontra- 1 Professor Adjunto Doutor de Neurologia e Neurocirurgia. Coordenador da Disciplina de Neurologia e Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Piauí (Facime-Uespi) e da Faculdade de Saúde, Ciências Humanas e Tecnológicas do Piauí (Novafapi). 2 Professor Adjunto Doutor da Disciplina de Radiologia da Facime-Uespi. 3 Acadêmicos de Medicina da Novafapi. Arq Bras Neurocir 28(2): 81-84, junho de 2009 dos nesse sítio são representados pelo schwannoma do acústico (70%-80%), meningiomas (5%-10%), cistos epidermoides (6%-7%) e schwannomas dos nervos cranianos V, VII, IX, X e XI.3,4,6,7,9,15 O adenocarcinoma metastático da mama é uma lesão mais rara nessa região. Atualmente, não existem diretrizes terapêuticas para metástases isoladas do adenocarcinoma de mama neste sítio.3,8 O presente trabalho relata um caso de metástase de adenocarcinoma de mama no APC direito. A apresentação clínica, características histopatológicas, achados radiológicos e diagnóstico diferencial dos tumores metastáticos do APC serão discutidos. Figura 1 – Tomografia computadorizada de crânio evidenciando a lesão no ângulo pontocerebelar direito. Relato do caso Paciente MDML, sexo feminino, 38 anos, branca, procedente da cidade de Codó, MA, foi admitida no Serviço de Neurocirurgia do Hospital São Marcos (Teresina, PI), em 4/2/2003, com queixas de cefaleia progressiva há um mês, associada a náuseas, vômitos, zumbidos e tonturas, assim como dificuldade para deambular e um episódio de crise convulsiva. Ao exame, apresentava estado geral comprometido, desidratada, torporosa, disfásica, com pupilas isocóricas e fotorreagentes. Como antecedente pessoal havia relato de mastectomia radical em 2001, em razão do nódulo na mama direita, cujo estudo histopatológico revelou tratar-se de um carcinoma ductal infiltrante grau II. Nessa ocasião, recebeu tratamento adjuvante com quimio e radioterapia. A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) do crânio (Figuras 1 e 2) evidenciaram a presença de lesão expansiva de contornos lobulados no APC direito, isodensa ao parênquima cerebelar nas imagens de TC e isointensa nas imagens da RM ponderadas em T1 e T2, com halo de edema circundante e efeito de massa sobre o parênquima cerebelar adjacente. A lesão apresentava intenso realce após a infusão do meio de contraste, tanto nas imagens tomográficas quanto de ressonância. Realizou-se planejamento cirúrgico com exérese do tumor, em 7/2/2003, com boa evolução clínica e melhora da sintomatologia no pós-operatório. O resultado do exame histopatológico foi de carcinoma metastático pouco diferenciado. A paciente foi então encaminhada para radioterapia. Está atualmente em acompanhamento ambulatorial no hospital. 82 Figura 2 – Ressonância magnética da mesma lesão. Discussão Os neurinomas do acústico, meningiomas e outras lesões são clinicamente distintos dos tumores metastáticos do APC que, de modo geral, causam sintomas auditivo-vestibulares de forma aguda. A ligação com neuropatias dos nervos cranianos é comum, visto que os pacientes acometidos podem apresentar dores na região da mastoide, hipoacusia, migrânia e sintomas vestibulares. A ataxia pode representar invasão cerebelar avançada. A paralisia do nervo facial é comum, podendo ser confundida com paralisia de Bell. O acometimento do nervo hipoglosso e dos nervos do forâmen jugular sugere fortemente um processo maligno.6,11,12,14 O aparecimento rápido desses sinais e sintomas e a história de processo maligno devem sugerir o diagnóstico de lesão metastática do APC.6,11-14 Na suspeita de lesão metastática, no pré-operatório, deve-se investigar tumores do pulmão, mama, fígado, rim e próstata.6,12-14 A evolução clínica da paciente em questão demonstrou ser compatível com a história natural de uma lesão metastática de APC. Metástase de adenocarcinoma de mama no ângulo pontocerebelar Brito JNPO e col Arq Bras Neurocir 28(2): 81-84, junho de 2009 A incidência precisa das lesões metastáticas no osso temporal é desconhecida. Apresentam uma longa fase latente antes de surgir algum sintoma. Mais de 200 casos de metástase no osso temporal são descritos na literatura e o tumor primário mais comum é o adenocarcinoma de mama.5,10 As metástases no canal auditivo interno são muito raras, representam apenas cerca de 0,3% das lesões do APC,3 e, diferentemente das metástases no osso temporal, são estas, assim como as lesões do APC, marcadas por sintomas agudos e rapidamente progressivos sobre os nervos cranianos VII e/ou VIII. Desordens faciais estão presentes em 74% dos casos com lesão do canal auditivo interno.10 Yuh e cols.,17 em investigação sobre metástases no APC, identificaram, em relação aos nervos cranianos VII e VIII, que pelo menos um desses é afetado em 92,2% e que a RM revela lesões maiores que aquelas sugeridas pela apresentação clínica, envolvendo frequentemente outros nervos cranianos, podendo também ser bilaterais. Araújo e cols.,2 após análise de 42 prontuários de mulheres com câncer de mama, concluíram que as metástases cerebrais com frequência ocorrem após metástase em outra localização (óssea, pulmonar e hepática). Em mais da metade dos casos foi diagnosticada hipertensão intracraniana e a TC foi o método de eleição para a confirmação diagnóstica. No caso em estudo, o principal sintoma da paciente estava relacionado à hipertensão intracraniana e o primeiro método para diagnóstico foi a TC (seguido de RM), mostrando a localização primária da lesão no APC. A apresentação das lesões metastáticas do APC na TC é variável. Se a parte petrosa do osso temporal estiver envolvida, pode apresentar formas osteolíticas ou osteoblásticas. Existem lesões hipervascularizadas que frequentemente se realçam após administração intravenosa do meio de contraste. As angiografias podem mostrar captação vascular, o que auxilia no diagnóstico.1,4,11 A aparência na RM também varia, sendo hipointensa em T1 e hipo ou hiperintensa em T2, aspecto similar ao neurinoma do acústico; pode ainda se realçar pelo gadolínio. O edema em torno das lesões, visto como um acréscimo de sinal em T2 ou perda na interface entre tumor e parênquima preservado, representa tipicamente o efeito de massa. Quando se suspeita de doença metastática no APC, uma craniotomia suboccipital ou translabiríntica pode ser realizada – dependendo da extensão da perda auditiva – para uma intervenção diagnóstica e/ou terapêutica. A ausência de alargamento do canal auditivo interno é importante, mas não definitiva, no diagnóstico diferencial de outros tumores, como os neurinomas do acústico.16 A história clínica é sempre crucial e pode confirmar o diagnóstico. Se levantada a hipótese de malignidade, deve ser executado um tratamento multidisciplinar com cirurgia para ressecção da lesão, seguido de quimioteraMetástase de adenocarcinoma de mama no ângulo pontocerebelar Brito JNPO e col pia e radioterapia, depois da confirmação diagnóstica.8 O tratamento de pacientes com pequenas lesões no canal auditivo interno é, algumas vezes, expectante; principalmente quando a suspeita é de schwannoma. Entretanto, em pequenas lesões, a definição do tipo de lesão é muito importante para o seguimento do paciente, pois metástases devem ser tratadas agressivamente por apresentarem pior prognóstico.3,6,13,14 A paciente em questão mostrou uma lesão metastática de caráter agressivo com quadro convulsivo e de hipertensão intracraniana, tratada por cirurgia seguida de radioterapia adjuvante conformacional, com resultado satisfatório. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. Ajal M, Roche J, Turner J, Fagan P. 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César do Rêgo Monteiro, 1.220 64049-580 – Teresina, PI, Brasil E-mail: [email protected] Metástase de adenocarcinoma de mama no ângulo pontocerebelar Brito JNPO e col Rua Anseriz, 27, Campo Belo – 04618-050 – São Paulo, SP. Fone: 11 3093-3300 • www.segmentofarma.com.br • [email protected] Diretor geral: Idelcio D. Patricio Diretor executivo: Jorge Rangel Gerente financeira: Andréa Rangel Gerente comercial: Rodrigo Mourão Editora-chefe: Daniela Barros MTb 39.311 Diretor de criação: Eduardo Magno Gerentes de negócios: Claudia Serrano, Eli Proença, Marcela Crespi, Rosana Moreira Coordenador editorial: Alexandre Costa Diretora de arte: Renata Variso Designer: Eduardo Vargas Sales Revisoras: Cristina Moratto e Isabel Gonzaga de Menezes Produtor gráfico: Fabio Rangel Periodicidade: Bimestral Tiragem: 2.000 exemplares Cód. da publicação: 8667.10.09