Novo QUTENZA 1* para a dor neuropática periférica PUB1.QTZ.NOV10 1 única aplicação, 3 meses1 de liberdade Qutenza 179 mg adesivo cutâneo. comPosiÇÃo QuaLitativa e Quantitativa Cada adesivo cutâneo de 280 cm2 contém 179 mg de capsaícina no total, ou 640 microgramas de capsaícina por cm2 de adesivo (8 % p/p). Excipiente Cada bisnaga de 50 g de gel de limpeza para Qutenza contém 0,2 mg/g de butil-hidroxianisol (E320). FoRma FaRmacÊutica Adesivo cutâneo. indicaÇões teRaPÊuticas Qutenza é indicado para o tratamento da dor neuropática periférica em adultos não diabéticos, isoladamente ou em associação com outros medicamentos para o tratamento da dor. PosoLogia e modo de administRaÇÃo Qutenza deve ser aplicado nas zonas da pele mais dolorosas (utilizando um número máximo de 4 adesivos). Qutenza deve ser aplicado na pele seca, intacta e não irritada e deixado no local durante 30 minutos, em caso de tratamento nos pés (por exemplo, neuropatia associada ao VIH) e 60 minutos nas outras localizações (por exemplo, nevralgia pós-herpética). Os tratamentos com Qutenza podem ser repetidos a intervalos de 90 dias, em caso de persistência ou reaparecimento da dor. O adesivo cutâneo Qutenza deve ser aplicado por um médico ou por um profissional de saúde sob a supervisão de um médico.Devem ser sempre utilizadas luvas de nitrilo durante o manuseamento de Qutenza e a limpeza das áreas em tratamento. NÃO devem ser utilizadas luvas de látex, pois não conferem protecção adequada. Os adesivos não devem ser manuseados perto dos olhos ou das membranas mucosas. Deve ser evitado contacto directo com Qutenza, com a gaze usada ou com o gel de limpeza. Antes da aplicação de Qutenza, a área em tratamento deve ser previamente tratada com um anestésico local, para reduzir o desconforto decorrente da aplicação. Qutenza é um adesivo de utilização única, podendo ser cortado para se adequar ao tamanho e à forma da área em tratamento. O adesivo Qutenza deve ser cortado antes da remoção da película protectora. Para assegurar que o Qutenza se mantém em contacto com a área em tratamento podem ser utilizadas meias elásticas ou uma ligadura de gaze em volta do adesivo. Após a remoção do adesivo Qutenza, deve aplicar-se generosamente o gel de limpeza na área tratada, deixando-se permanecer no local durante, pelo menos, um minuto. contRa-indicaÇões Hipersensibilidade à substância activa ou a qualquer um dos excipientes. eFeitos indesejáveis Dos 1327 doentes tratados com Qutenza nos ensaios clínicos aleatorizados, 883 (67 %) apresentaram reacções adversas que o investigador considerou estarem relacionados com o medicamento. As reacções adversas referidas mais frequentemente foram as reacções temporárias de sensação de queimadura, dor, eritema e prurido no local da aplicação. As reacções adversas foram passageiras, desapareceram espontaneamente e foram, normalmente, de intensidade ligeira a moderada. Em todos os estudos controlados, a taxa de abandono devida a reacções adversas foi de 0,8 % para os doentes em tratamento com Qutenza e 0,6 % para os doentes que receberam o controlo. De seguida são listadas as reacções adversas que ocorreram com uma incidência superior à observada com o controlo e em mais de um doente, nos ensaios clínicos controlados efectuados em doentes com nevralgia pós-herpética e neuropatia associada ao VIH, divididos por classes de sistemas de órgãos e por frequência: muito frequentes (≥ 1/10), frequentes (≥ 1/100 a < 1/10) As reacções adversas são apresentadas por ordem decrescente de gravidade dentro de cada classe de frequência: Perturbações gerais e alterações no local de administração Muito frequentes: Dor no local da aplicação, eritema no local da aplicação Frequentes: Prurido no local da aplicação, pápulas no local da aplicação, vesículas no local da aplicação, edema no local da aplicação, inchaço no local da aplicação, secura no local da aplicação. Para mais informações deverá contactar o titular de autorização de introdução no mercado. data da revisão do texto: 25.09.2009. Medicamento Sujeito a Receita Médica 1 Resumo das Caracteristicas do Medicamento Qutenza, 2009 * Em adultos não diabéticos capsaícina 8% DOR ® ISSN: 0872-4814 Órgão de Expressão Oficial da APED Volume 18 • N.o 4/2010 Mensagem do Presidente da APED 3 Editorial 4 Musicoterapia na Unidade de Dor do Hospital Garcia de Orta 5 Hipersensibilidade aos Anti-Inflamatórios Não-Esteróides 10 Ensino da Analgesia Pós-Operatória em Portugal – A Actualidade e Propostas Para o Futuro 19 O Desespero e a Reacção Terapêutica Negativa: Obstáculos no Tratamento da Dor 27 Síndrome Dolorosa Regional Complexa: O Desafio no Controlo Álgico 31 DOR ® ISSN: 0872-4814 Órgão de Expressão Oficial da APED Volume 18 • N.o 4/2010 Director da revista Silvia Vaz Serra Editores Armanda Gomes Ananda Fernandes Graça Mesquita Mensagem do Presidente da APED 3 Editorial 4 Musicoterapia na Unidade de Dor do Hospital Garcia de Orta 5 Duarte Correia Silvia Vaz Serra Ana Filipe Garcez e Sílvia Monteiro Hipersensibilidade aos Anti-Inflamatórios Não-Esteróides 10 Ensino da Analgesia Pós-Operatória em Portugal – A Actualidade e Propostas Para o Futuro 19 O Desespero e a Reacção Terapêutica Negativa: Obstáculos no Tratamento da Dor 27 Síndrome Dolorosa Regional Complexa: O Desafio no Controlo Álgico 31 Ângela Gaspar e Mário Morais de Almeida Graça Dores Cristina Catana Hugo Martins e Teresa Ferreira Ilustração da capa: Maria de Fátima Barbosa da Cruz PERMANYER PORTUGAL www.permanyer.com NORMAS DE PUBLICAÇÃO 1. A Revista «DOR» considerará, para publicação, trabalhos científicos relacionados com a dor em qualquer das suas vertentes, aguda ou crónica e, de uma forma geral, com todos os assuntos que interessem à dor ou que com ela se relacionem, como o seu estudo, o seu tratamento ou a simples reflexão sobre a sua problemática. A Revista «DOR» deseja ser o órgão de expressão de todos os profissionais interessados no tema da dor. objecções ou comentários referentes a artigos publicados na Revista «DOR», bem como observações ou experiências que possam facilmente ser resumidas; a Revista «DOR» incluirá outras secções, como: editorial, boletim informativo aos sócios (sempre que se justificar) e ainda a reprodução de conferências, protocolos e novidades terapêuticas que o Conselho Editorial entenda merecedores de publicação. 2. Os trabalhos deverão ser enviados em disquete, CD, DVD, ZIP o JAZZ para a seguinte morada: 4. Os textos deverão ser escritos configurando as páginas para A4, numerando-as no topo superior direito, utilizando letra Times tamanho 12 com espaços de 1.5 e incluindo as respectivas figuras e gráficos, devidamente legendadas, no texto ou em separado, mencionando o local da sua inclusão. Permanyer Portugal Av. Duque d’Ávila, 92, 7.º Esq. 1050-084 Lisboa ou, em alternativa, por e-mail: [email protected] 3. A Revista «DOR» incluirá, para além de artigos de autores convidados e sempre que o seu espaço o permitir, as seguientes secções: ORIGINAIS - Trabalhos potencialmente de investigação básica ou clínica, bem como outros aportes originais sobre etiologia, fisiopatologia, epidemiologia, diagnóstico e tratamento da dor; NOTAS CLÍNICAS - Descrição de casos clínicos importantes; ARTIGOS DE OPINIÃO - assuntos que interessem à dor e sua organização, ensino, difusão ou estratégias de planeamento; CARTAS AO DIRECTOR - inserção de 5. Os trabalhos deverão mencionar o título, nome e apelido dos autores e um endereço. Deverão ainda incluir um resumo em português e inglês e mencionar as palavras-chaves. 6. Todos os artigos deverão incluir a bibliografia relacionada como os trabalhos citados e a respectiva chamada no local correspondente do texto. 7. A decisão de publicação é da exclusiva responsabilidade do Conselho Editorial, sendo levada em consideração a qualidade do trabalho e a oportunidade da sua publicação. Currículo da autora da capa Maria de Fátima Barbosa da Cruz nasceu no Porto a 13 de Julho de 1970. Frequentou a Faculdade de Medicina do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, concluindo a licenciatura em Julho de 1994. Realizou o Internato Geral no Hospital Geral de Santo António (HGSA) de Janeiro de 1995 a Julho de 1996. Efectuou o Internato Complementar de Anestesiologia no HGSA de Janeiro de 1997 a Julho de 2001. (A interrupção do internato deveu-se à participação numa missão humanitária em Timor Leste). Exerceu actividade clínica como Assistente de Anestesiologia no Hospital Padre Américo – Vale de Sousa (2002) e no Centro Hospitalar de Vila Real – Peso da Régua (2002-2003). Actualmente exerce a sua actividade clínica como Assistente Hospitalar de Anestesiologia no Centro Hospitalar do Porto – Hospital de Santo António. Desde Janeiro de 2004 frequenta o atelier livre de pintura da professora Isaura Amen. Participou nas seguintes exposições colectivas de pintura: – Reencontro: Casa da Cultura de Paranhos, Junho de 2004. – A cor de Julho: Casa da Cultura de Paranhos, Julho de 2005. – Recantos da Terra: Casa da Cultura de Paranhos, Julho de 2006. – O Porto pintado de Luz: Casa da Cultura de Paranhos, Junho de 2007. – V Exposição de Arte Médica: Centro de Cultura e Congressos da Ordem dos Médicos, Junho a Julho de 2007. – À Flor da Pele: Casa da Cultura de Paranhos, Julho de 2008. – VI Exposição de Arte Médica: Centro de Cultura e Congressos da Ordem dos Médicos, Julho de 2008. © 2011 Permanyer Portugal Av. Duque d’Ávila, 92, 7.º E - 1050-084 Lisboa Tel.: 21 315 60 81 Fax: 21 330 42 96 www.permanyer.com ISSN: 0872-4814 Dep. Legal: B-17.364/2000 Ref.: 569AP104 Impresso em papel totalmente livre de cloro Impressão: Comgrafic Este papel cumpre os requisitos de ANSI/NISO Z39-48-1992 (R 1997) (Papel Estável) Reservados todos os direitos. Sem prévio consentimento da editora, não poderá reproduzir-se, nem armazenar-se num suporte recuperável ou transmissível, nenhuma parte desta publicação, seja de forma electrónica, mecânica, fotocopiada, gravada ou por qualquer outro método. Todos os comentários e opiniões publicados são da responsabilidade exclusiva dos seus autores. Dor (2010) 18 Mensagem do Presidente da APED Duarte Correia Vinte anos, uma vida!... Em que o recordar de factos e acontecimentos passados, reencontro de vivências e de amizades, em que a ausência é presença, muitas destas consolidadas na dureza da rotina diária, seja em simultâneo o início de novos projectos, o relançar de objectivos ainda infelizmente não atingidos, a concretização de anseios e expectativas. Por todos estes motivos, a que a APED não poderia estar virtualmente dissociada, distante ou ausente, iremos promover no sábado, 4 de Junho de 2011, data comemorativa da constituição desta sociedade, um almoço de confraternização precedido de uma sessão, na Ordem dos Médicos no Porto, denominado «Retorno às origens da APED a partir d’hoje», a que estão naturalmente convidados todos os nossos associados, sendo este convite extensivo aos representantes das Ordens Profissionais (médicos, enfermeiros e psicólogos), das sociedades científicas que subscreveram a proposta da criação da Competência em Medicina da Dor e dos nossos parceiros da indústria farmacêutica, que connosco muito têm colaborado. A vossa presença, colaboração e participação no XX aniversário da APED é necessária e imprescindível! Conto convosco!... DOR Ao escrever estas breves linhas no final do primeiro trimestre de 2011, não posso deixar de recordar que no vertiginoso passar do tempo, 20 anos decorreram desde a fundação da Associação Portuguesa para o Estudo da Dor (APED), com o seu registo notarial efectuado por Nestor Rodrigues, Zeferino Bastos e Helder Camelo na cidade do Porto, no dia 4 de Junho de 1991. Duas décadas, numa sociedade que se consolidou, cresceu e contribuiu, de forma inequívoca, para a transformação do tratamento da dor em Portugal, dignificando os objectivos dos seus fundadores. Duas décadas, em que muitos contribuíram para que a realidade em que hoje vivemos seja substancialmente diferente do passado, em que o presente traduz muitos dos anseios, esforço e querer de todos aqueles, muitos deles de forma anónima, incansável e dedicada, sem louvores, honras ou mercês, porventura esquecidos e não recordados na voracidade do tempo, que no seu esforço diário, exerceram e exercem a sua actividade no âmbito da Medicina da Dor. A todos estes profissionais, a APED, e certamente os milhares de doentes deste país e as suas famílias, reconhecem o seu enorme contributo, na melhoria dos cuidados prestados e na humanização do sistema de saúde. 3 Dor (2010) 18 Editorial Silvia Vaz Serra A APED faz anos… 20 anos Vinte anos carregados de simbologia… Este é o momento não só para comemorar o presente, lançar os alicerces para o futuro mas também o tempo certo para recordar e enaltecer todos os que contribuíram para o momento actual. Um já longo e bonito percurso foi trilhado – somatório de vivências, aprendizagens (mais ou menos dolorosas, como todas) – sempre pautado pela ambição de melhorar a qualidade de tratamento da dor. Nenhuma das várias vertentes do conhecimento foi descurada: dor aguda e dor crónica, ciências básicas e clínica, multidisciplinaridade, cuidados primários, ensino pré- e pós-graduado, fóruns de discussão, Dia Nacional de Luta contra a Dor, Competência em Dor, Plano e Programa Nacional de Luta contra a Dor… Estamos todos de parabéns! DOR Como directora desta nossa revista não posso deixar de expressar o meu respeito por quem me antecedeu nesta tarefa e que tão exemplarmente souberam exercê-la – Dr. José Caseiro e Professor Doutor José Castro Lopes (sem qualquer desmérito para os restantes, perdoem por só nomear os mais recentes com os quais me orgulho de ter colaborado). Souberam imprimir um cunho e 4 rigor científico apurados que distinguem esta nossa revista. Gostaria, também, de agradecer a Dr. José Romão e Dr. Duarte Correia a confiança que em mim depositaram para continuar o trabalho destes Senhores (não sei se será o local apropriado mas, por vezes, há palavras que ficam por dizer). A revista mantém-se viva, plena de vitalidade, de projectos e ideias, um local que se propõe como espaço de debate, de salutar troca de ideias e conceitos mas que espera manter um rigoroso e exigente saber. «Todo o português popular é um reformador impaciente. Não há atitude que não avalie, serviço que não comente, governança que não desconheça, ingratidão que não ouse, para maior desembaraço das suas aptidões… O último homem sobre a terra terá de ser um português que duvida do que é natural e que se indisciplina perante a consumação dos séculos… Há raças mais dinâmicas, outras mais brilhantes, mas nenhuma outra possui o segredo da importunidade, que estimula, desassossega, altera, contradiz e, no entanto, não chega a ser violência.» Agustina Bessa Luís Conto convosco. Obrigada. Musicoterapia na Unidade de Dor do Hospital Garcia de Orta Ana Filipe Garcez e Sílvia Monteiro Resumo As autoras fazem uma reflexão baseada na sua experiência de intervenção da musicoterapia em pacientes da Unidade de Dor do Hospital Garcia de Orta (HGO). Esta técnica complementar, não-farmacológica e não-invasiva, tem vindo a demonstrar uma grande eficácia na diminuição da dor, stress, ansiedade, depressão e isolamento, tendo como principal objectivo o aumento da qualidade de vida dos pacientes desta unidade. Palavras-chave: Musicoterapia. Dor crónica. Stress. Qualidade de vida. Abstract The authors make a reflection based on their experience of music therapy intervention in patients from the Hospital Garcia de Orta’s Pain Unit. This complementary technique, which is non-pharmacological and non-invasive, has shown strong efficacy in reducing pain, stress, anxiety, depression, and isolation, with the primary aim being to increase the quality of life of patients in this unit. (Dor. 2010;18(4):5-9) Corresponding author: Ana Filipe Garcez, [email protected]; Sílvia Monteiro, [email protected]. Key words: Music therapy. Chronic pain. Stress. Quality of life. A utilização da musicoterapia, especificamente no contexto de Unidade de Dor, é uma prática pioneira a ser desenvolvida no HGO pelas autoras. Este artigo visa, assim, introduzir uma nova forma de intervenção multimodal não-farmacológica e não-invasiva, bem como a sua aplicabilidade em meio hospitalar, como complemento ao tratamento da dor crónica. A intervenção da musicoterapia incide sobre aspectos adjacentes à dor, como o stress, ansiedade, baixa auto-estima e isolamento; factores que influem directamente na recuperação e qualidade de vida dos pacientes com dor crónica. A utilização dos elementos musicais, com a aplicação do princípio de identidade sonora (ISO), é, assim, colocada em prática com objectivos terapêuticos que incorrem no recobro da qualidade de vida dos pacientes. Alguns dos procedimentos Mestrandas de Musicoterapia Licenciadas em Ed. Musical Instrumentistas (Violoncelo, Piano, Flauta transversal) Hospital Garcia de Orta, SA Almada, Portugal E-mail: [email protected] [email protected] médicos, tais como a quimioterapia, bloqueios, infiltrações e diatermia, entre outros, provocam dor, além de um grande desgaste psicológico, apreensão, resistência e revolta, perante a condição clínica para a qual não existe, na maioria das vezes, solução. Frequentemente, a identidade do paciente é absorvida pelo abismo da dor, havendo a necessidade de resgatar o seu lado saudável. Neste artigo será possível verificar que a musicoterapia tem a capacidade de desviar a atenção do paciente dos tratamentos descritos acima, facilitando a intervenção dos profissionais de saúde. A música surge pois, como um agente mascarador dos ruídos produzidos pelas máquinas, humanizando o espaço hospitalar. Breve perspectiva histórica «A música foi, primeiramente, a linguagem mágica do homem primitivo, na sua evocação às divindades. Em seguida tornou-se ciência, como as matemáticas e a astronomia, entre outras. Durante muitos séculos permaneceu oração e, finalmente, ao se misturar com o mundo profano, tornou-se arte e divertimento, trazendo considerável enriquecimento, por vezes, puramente material.»1 DOR Introdução 5 Dor (2010) 18 A utilização da música com fins medicinais remonta a tempos ancestrais. Descobertas arqueológicas indicam que as civilizações antigas faziam uso da música em rituais religiosos, com o objectivo da evocação de deuses, capazes de trazer algum tipo de benefício nos mais variados contextos ligados à condição humana. Podemos encontrar referências nas escrituras sagradas da Bíblia, a respeito da forma como o jovem Davi fazia uso da lira para livrar os maus espíritos que atormentavam o rei Saúl, trazendo-lhe alívio momentâneo à sua alma. Filósofos gregos pré-socráticos, tais como Aristóteles e Platão, consideravam que existia uma relação directa entre a música e os estados de alma, acreditando ser possível alcançar a harmonia entre corpo e mente, através de determinados intervalos e modos. Desde a Antiguidade até à Idade Média, a música foi regida pela batuta da lei moral e ética. A partir do renascimento, Idade da Luz, com o despertar da ciência e das artes, o homem começou a descobrir-se, desenvolvendo o sentido de estética e a expressão de emoções através da música. Em 1800, foram realizadas as primeiras intervenções hospitalares com música, altura em que Florence Nightingale notou que a música e voz humana tinham influência na recuperação de pacientes. Em finais de 1800, com o aparecimento do fonógrafo, foi utilizada, pela primeira vez, música gravada nos hospitais. A partir de 1900, foram realizadas outras experiências, aliando a música a procedimentos, como anestesia e analgesia. Com o surgimento da Segunda Guerra Mundial, houve um aumento de população psiquiátrica e, nesse contexto, a música surge no meio hospitalar, havendo uma sistematização de métodos utilizados com objectivos terapêuticos. Verificaram-se, assim, benefícios em veteranos de guerra com síndrome de stress pós-traumático ao nível das perturbações do sono, redução de ansiedade e da dor, associadas aos procedimentos médicos. Após a desinstitucionalização hospitalar, houve a necessidade de colocar doentes crónicos na comunidade. Iniciou-se então um trabalho de reabilitação, que exigiu técnicos e terapeutas que fizessem o acompanhamento dos doentes. A musicoterapia permitiu a aquisição de competências através de actividades que incidissem nas preferências musicais dos pacientes. DOR Princípio de ISO 6 O psiquiatra argentino Roland Benenzon foi pioneiro no trabalho com crianças autistas, ao propor a produção sonora de materiais não convencionais, tais como a água e outras texturas. É ele o precursor da filosofia do ISO musical. «Princípio de ISO é um conceito totalmente dinâmico que resume a noção de existência de um som, ou um conjunto de sons, ou o de fenómenos acústicos e de movimentos internos, que caracterizam ou individualizam cada ser humano»2. Este princípio refere que só é possível estabelecer canais de comunicação, quando se vai ao encontro da identidade sonora do paciente, isto é, o ritmo da música, utilizado em musicoterapia, deve ter o mesmo tempo mental que o paciente, que está a ser assistido, tem. As ideias-base assentam no pressuposto que a música de iniciação é a que parte do paciente, a qual traduz a sua forma de estar na relação com o outro; a partir disto, o paciente é convidado a agir e relacionar-se com o musicoterapeuta através da música, podendo este dirigir o foco à situação problemática, na tentativa de alterá-la através da prática musical. Método Nordoff-Robbins – Creative Music Therapy Este método teve início em 1959, altura em que o músico e compositor Paul Nordorff e o professor de educação especial Clive Robbins se uniram com a finalidade de trabalhar com crianças com problemas de aprendizagem e patologias do desenvolvimento acentuadas. Eles descobriram que, se tomassem o comportamento da criança como base para a música que produziam, poderiam criar momentos de ligação e contacto com elas. A base teórica deste método assenta sobre a teoria humanista, antroposofia e a abordagem de Rudolf Steiner à educação, com base nas expressões artísticas. A linha deste método defende que todo o ser humano tem a capacidade inata de responder musicalmente ao som e à música. Essa musicalidade é, por sua vez, activada para promover um crescimento e desenvolvimento pessoais, uma vez que o corpo humano é constituído por ritmo, frequências e vibrações. Uma ideia central que veio do humanismo, adoptada pelos autores, é a de que todo o ser humano tem um músico-criança no seu interior, o qual pode nunca passar de embrião ou, em alternativa, vir a tornar-se um músico profissional. O objectivo máximo deste método é a descoberta do ser musical dentro do paciente e a pessoa dentro do músico. O músicocriança é o músico embrionário que precisa de crescer. O termo músico-criança implica a organização de capacidades receptivas, cognitivas e expressivas, que se poderão tornar num elemento de organização da personalidade, na medida em que o paciente pode ser ajudado a utilizar estas capacidades num nível significativo de envolvimento pessoal. Este envolvimento pessoal, quando apoiado de forma criativa, estimula as capacidades de reconhecimento, percepção e memória. Pensar musicalmente significa vivenciar a música ao detalhe da vida pessoal e relacional. A música tem o poder de facilitar a expressão e comunicação num plano de genuinidade, permitindo contactar as estruturas internas que abrem as portas ao verdadeiro «eu». É utilizada como veículo de desenvolvimento pessoal, com a convicção de que, mesmo dentro das limitações, é possível haver crescimento. A música ocupa o lugar central, por isso, tudo o que o paciente faz musicalmente é aceite, na busca do músico embrionário. A improvisação clínica assume o foco principal da terapia e é dada ênfase à relação estabelecida entre o paciente e o musicoterapeuta. Através desta técnica, a criatividade inata de cada pessoa é utilizada para superar as dificuldades emocionais, cognitivas e até mesmo físicas. Esta forma de expressão criativa possibilita a que os pacientes tenham um papel activo na produção musical, através de vários instrumentos ou voz. A relação terapêutica estabelece-se verdadeiramente quando o músico-criança do paciente, se cruza com o músico-criança do musicoterapeuta, num fluir musical conjunto. O instrumento harmónico ocupa um lugar central, sendo usado pelo musicoterapeuta para dar continuidade às produções musicais dos pacientes, musicando os seus comportamentos e sons. Das fases do processo terapêutico destacam-se o contacto exploratório, no qual são efectuadas experiências musicais, no sentido de encontrar o verdadeiro «eu» do paciente, o desenvolvimento integrativo que ocorre após o estabelecimento de contacto, aprofundamento da relação, suporte ao ISO, o proporcionar de novas possibilidades e variações e o desenvolvimento das capacidades de comunicação, mobilidade, emotividade e vocalização. Após isso acontece a expressão de si, numa constante actualização, que fomenta a libertação dos efeitos da patologia e promoção da realização pessoal. Os pacientes não necessitam de ter conhecimentos musicais para tocar os instrumentos que escolhem livremente. A musicoterapia e a dor crónica A literatura comprova os efeitos da música, a diversos níveis do funcionamento humano. Ela tem a capacidade de suscitar reacções fisiológicas, tendo impacto no ritmo cardíaco, pressão sanguínea, temperatura da pele, respostas musculares, respostas galvânicas e movimentos intestinais, influenciando, assim, o funcionamento do organismo. A nível psicológico pode influenciar o estado de espírito, humor e respostas afectivas, provocando também a evocação de imagens e associações extra-musicais, dependendo da cultura, experiências musicais e história do indivíduo. Suscita ainda respostas a nível cognitivo, as quais poderão ser determinantes da eficácia da intervenção terapêutica. Por estes factores, a musicoterapia tem vindo a demonstrar-se eficaz na redução da dor, ansiedade, stress, isolamento social e depressão, entre outros factores que afectam esta população. Sendo a dor crónica de origem multifactorial e multidimensional, não existe uma abordagem isolada quanto ao seu tratamento, pelo que há que investir na diversificação, contemplando todas as dimensões que constituem o ser humano, psicológica, física, espiritual e económico-social. A musicoterapia surge assim como um processo de intervenção sistematizado, no qual paciente e musicoterapeuta estabelecem uma ligação, cujo objectivo é a promoção da saúde e qualidade de vida, através da vivência de experiências musicais estruturadas, dentro do contexto da relação terapêutica, para auxiliar o paciente a atingir os objectivos para ele determinados. Por alterar os processos sensoriais, cognitivos e afectivos, as técnicas usadas em musicoterapia podem ajudar a reduzir a percepção da dor e sofrimento, elevar o humor e aumentar a sensação de controlo e relaxamento. A pesquisa recente descreve as técnicas de musicoterapia mais usadas para atender às necessidades dos pacientes. São elas a audição musical, canto e vocalizo, escrita de canções, análise lírica e escolha de canções3, improvisação e execução estruturada de um instrumento musical3 e Guided Imaginary Music4,5. «É provável que o acto físico de bater com as mãos, acompanhando um padrão rítmico continuamente, durante cinco minutos, ou cantar durante esse mesmo tempo, estimule e produção de endorfinas no cérebro» (Halpern S, 1985). «Música calmante e suave pode ajudar a produzir as grandes moléculas chamadas de endorfinas, que aliviam a dor, actuando sobre os receptores cerebrais»1. Estudos revelam que músicas com ritmos acentuados estimulam a actividade das células musculares, activando a produção hormonal nas glândulas supra-renais. Por outro lado, música melodiosa contribui para equilibrar o ritmo respiratório, diminuindo a pressão arterial. A música estimula, assim, o centro de emoções, o tálamo, cooperando no restabelecimento do equilíbrio entre o corpo e a mente na diminuição do stress e ansiedade6. Segundo a obra de O’Callaghan7, entre tantas outras actividades que a música oferece, os doentes podem «cantar» os seus sentimentos, escrevendo a letra das músicas; podem tocar instrumentos; fazer uma autobiografia musical e fazer música em família. Como é sabido, a música tem a capacidade de nos fazer «viajar» através do tempo, permitindo reviver sentimentos e sensações, positivas ou negativas. Segundo Leinig1, citando Juliette Alvin (1965), «a música pode reflectir o sentimento do momento ou mudar esse sentimento com a sua mera presença. Também pode exaltar o estado de ânimo do momento e levá-lo até ao DOR A. Filipe Garcez, S. Monteiro: Musicoterapia na Unidade de Dor do Hospital Garcia de Orta 7 Dor (2010) 18 clímax ou aplacá-lo. Os compositores são, eles mesmos, afectados pelas suas próprias execuções. O poder que a música possui de afectar o ânimo é muito grande, e isso devido aos seus elementos sugestivos e persuasivos, como é o caso do ritmo que persuade o indivíduo a ajustar o seu ritmo corporal a ele (ritmo musical).» DOR A musicoterapia na Unidade de Dor do Hospital Garcia de Orta 8 A Unidade de Dor do HGO recebeu a musicoterapia de braços abertos, abrindo portas à concretização de uma intervenção que tem actuações em diversas áreas do funcionamento da Unidade, desde a sala de espera, consulta externa da dor, passando pelo hospital de dia e, finalmente, em setting terapêutico individual ou de grupo. Relativamente à sala de espera e consulta externa da dor, a musicoterapia assume um carácter recreativo, proporcionando a vivência de experiências gratificantes humanas e de proximidade com o outro. Este tipo de acção permite quebrar a rotina e amenizar os sentimentos negativos, associados ao hospital, oferecendo momentos de descontracção e promoção de bem-estar. Este é um espaço onde podem surgir sentimentos de esperança e evocação de memórias afectivas positivas, bem como a libertação de tensões que irão influenciar a pré-disposição do paciente, relativamente à consulta ou tratamentos, tornando-o mais aberto à intervenção clínica. No que concerne ao hospital de dia, a musicoterapia actua como elemento mascarador dos ruídos das máquinas, humanizando e suavizando este meio. Essa transformação permite que o paciente experiencie um ambiente familiar, contributo essencial para a redução do stress e ansiedade; a sua atenção desvia-se da dor, sendo canalizada para a experiência musical emocionalmente aliciante. Age ainda como facilitador comunicacional, por tornar o paciente mais receptivo e colaborante à abordagem da equipa médica. Em setting terapêutico, individual e em pequeno grupo, observamos pacientes que entram no consultório com semblante abatido e postura curvada, sendo visível a tensão provocada pela dor. A sua expressão verbal centra-se na doença, demonstrando um fixismo na dor traumática e resistência em sair desse ciclo. No decorrer das sessões tornam-se visíveis alterações ao nível da expressão e postura corporais e faciais, conjuntamente com a verbalização de sentimentos de alívio. É possível ir de encontro às questões mais precoces dos pacientes, quando estes estabelecem uma relação afectiva com a música. A musicoterapia é particularmente eficiente na produção de efeitos na mente que afectam o corpo e vice-versa8. É possível, através da música, conduzir os pacientes para outra realidade; uma realidade virtual, onde os mesmos são saudáveis e livres, isto é, onde não existe dor. Os pacientes permitem-se viajar ao seu mundo interior, descobrindo o seu eu através da relação musical estabelecida com o musicoterapeuta. «Se considerarmos a mente humana como um grande teatro, é possível afirmar que, devido à fragilidade do “Eu” de actuar dentro de si, a maioria das pessoas fica na plateia assistindo passivamente à encenação dos seus conflitos e misérias psíquicas no palco»9. É possível dizer que através da música «é possível fazer o doente sair da plateia da vida, entrar no palco dos seus pensamentos e emoções e dirigir a sua própria história»9. Desta forma, é possível ajudar os pacientes a reestruturarem a sua identidade, assumindo uma posição de destaque nas suas vidas, através da organização e canalização de pensamentos para outros aspectos do seu «eu». A produção musical dos pacientes revela imagens, pensamentos e sentimentos directamente relacionados com a sua condição física e emocional. Este é um aspecto importante, pois permite examinar e compreender a relação que existe entre a música e o mundo psíquico. Muitas vezes ao cantar, o paciente chora ou ri consoante a música que está a ser criada. A música funciona assim como um continente seguro, abrindo canais de comunicação não verbais, atractivos, por permitirem uma forma de correspondência simbólica indirecta e não-confrontacional, o que faz com que o paciente reproduza, sem máscaras, os seus aspectos internos, através do processo musical criativo, que ocorre nas sessões, proporcionando, desta forma, ferramentas para que o musicoterapeuta consiga estabelecer uma aliança terapêutica proveitosa para o paciente, na concretização dos objectivos estabelecidos para ele. Considerações finais Através da observação de pacientes da Unidade de Dor do HGO, foi possível verificar que existe todo um equilíbrio psíquico e fisiológico que precisa de ser mantido para uma recuperação bem sucedida. Neste artigo, foi realizada uma breve análise dos factores que geram stress e ansiedade nos pacientes, os seus efeitos psicofisiológicos e de que maneira pode a musicoterapia contribuir para amenizar, ou mesmo dissipá-los. Estudos realizados neste âmbito mostram que a música diminui claramente o stress que é gerado pelas alterações na dinâmica familiar, aspectos económicos, questões psicológicas e físicas geradas pela doença, favorecendo uma recuperação mais rápida, que passa pelo aumento do desempenho do sistema imunológico, diminuição da ansiedade e pela forma como o paciente encara a doença. Segundo Groen10, a musicoterapia é um componente que deve A. Filipe Garcez, S. Monteiro: Musicoterapia na Unidade de Dor do Hospital Garcia de Orta Bibliografia 1. Leinig CE. A Música e a Ciência se encontram. Curitiba: Juruá Editora; 2009. 2. Benenzon R. Teoria da musicoterapia – Contribuição ao conhecimento do contexto não-verbal. São Paulo: Summus Editorial; 1988. 3. Krout RE. The Effects of Single Session Music Therapy Interventions on the Observed and Self-reported Levels of Pain Control, Physical Comfort and Relaxation of Hospice Pacient. American Journal of Hospice & Palliative Care. 2001;18(6):383-90. 4. Magill-Levreault L. Music Theraphy in Pain and Symptom Management. Journal of Palliative Care. 1993;9(4):42-8. 5. Trauger-Querry B. Balancing the Focus: Art & Music Therapy for Pain Control and Symptom Management in Hospice Care. The Hospice Journal. 1999;14(1):25-8. 6. Turry A. Integrating Musical and Psychological Thinking: The Relationship Between Music and Words in Clinically Improvised Songs. Music and Medicine. 2009;1(2):106-16. 7. O’Callaghan C. Communicating with brain-impaired palliative care through music therapy. Journal of Palliative Care. 1993;9 (4):53-6. 8. Miller AH, Capuron L, Raison CL. Immunologic influences on emotion regulation. Clinical Neuroscience Research. 2005;4 (5):325-33. 9. Cury A. Doze semanas para mudar uma vida. Cascais: Editora Pergaminho; 2004. 10. Groen KM. Pain assessment and management in end of life care: a survey of assessment and treatment practices of hospice music therapy and nursing professionals. Journal of Music Therapy. 2007;XLIV(2):90-112. DOR integrar as equipas multidisciplinares e as suas técnicas são adequadas para colmatar uma variedade de necessidades dos pacientes, como o apoio espiritual, diminuição da dor, depressão, e isolamento, contribuindo assim para a melhoria da sua qualidade de vida. 9 Dor (2010) 18 Hipersensibilidade aos Anti-Inflamatórios Não-Esteróides Ângela Gaspar e Mário Morais de Almeida Resumo Os autores fazem uma revisão sobre a hipersensibilidade ao ácido acetilsalicílico (AAS) e outros anti-inflamatórios não-esteróides (AINE), focando aspectos relacionados com a prevalência, os grupos de risco, a patogénese, as várias formas de apresentação clínica, o diagnóstico e as estratégias terapêuticas existentes, desde possíveis alternativas, tais como os inibidores preferenciais e os inibidores selectivos da isoenzima 2 da cicloxigenase (COX-2), até à dessensibilização à aspirina. Palavras-chave: Hipersensibilidade medicamentosa. Anti-inflamatórios não-esteróides. Paracetamol. Inibidores da COX-2. Meloxicam. Coxibes. Abstract The authors present an update about hypersensitivity to acetylsalicylic acid and other nonsteroidal anti-inflammatory drugs, discussing prevalence, risk factors, pathogenesis, different clinical presentation forms, diagnosis, and therapeutic strategies in these patients, from possible alternative drugs, such as partially selective and selective cyclooxygenase-2 inhibitors, to aspirin desensitization. (Dor. 2010;18(4):10-18) Corresponding author: Ângela Gaspar, [email protected] Key words: Drug hypersensitivity. Nonsteroidal anti-inflammatory drugs. Paracetamol. Inhibitors of COX-2. Meloxicam. Coxibs. Introdução DOR O AAS e outros AINE estão entre os agentes farmacológicos mais utilizados na prática clínica, devido à eficácia que apresentam no tratamento da dor e da inflamação. São utilizados como analgésicos, anti-inflamatórios, antipiréticos e em terapêutica profiláctica nas doenças cardiovasculares. Devido à sua ampla e crescente utilização, não é de estranhar que sejam uma das classes de fármacos mais frequentemente implicada em reacções adversas, incluindo as reacções de hipersensibilidade, as quais podem variar desde quadros de rinite, conjuntivite, broncospasmo, urticária, angioedema a choque anafiláctico. De acordo com a actual classificação proposta pelo Comité de Nomenclatura da World Allergy Organization (WAO), na reacção de 10 Centro de Imunoalergologia, Hospital CUF Descobertas José de Mello Saúde, Lisboa E-mail: [email protected] hipersensibilidade medicamentosa os sintomas e/ou sinais são objectivamente reprodutíveis, desencadeados pela exposição ao fármaco, numa dose tolerada por indivíduos normais. Consideram-se reacções alérgicas aquelas em que se demonstre um mecanismo imunológico subjacente, mediado por anticorpos ou por células, e não-alérgicas todas as outras (Fig. 1)1. A maioria das reacções de hipersensibilidade a AINE são não-alérgicas, estando envolvidos mecanismos não-imunológicos, relacionados com a inibição da via da cicloxigenase (COX)2-4. No entanto, em alguns casos, mecanismos mediados por imunoglobulina E (IgE) têm sido implicados, nomeadamente em reacções imediatas a derivados pirazolónicos4,5. Prevalência e factores de risco A prevalência de hipersensibilidade a AAS/ AINE na população geral varia de 0,3 a 2,5%3,6,7, estando no entanto descritas prevalências superiores em grupos de risco, nomeadamente em doentes com asma ou urticária crónica. Num estudo epidemiológico efectuado em Portugal, 1,9% da população adulta em geral auto-reportava hipersensibilidade a AAS e/ou outros AINE6. Hipersensibilidade a AINE Alérgica (mecanismo imunológico) IgE-mediada Não-alérgica (mecanismo não-imunológico) Não IgE-mediada Figura 1. Classificação da reacção de hipersensibilidade medicamentosa a AINE1. A hipersensibilidade a AAS/AINE surge em cerca de 10% dos asmáticos adultos, atingindo até 21% dos doentes com asma grave3,4. Esta prevalência é mais elevada nos doentes com asma e polipose nasal, podendo afectar 30 a 40% destes doentes. Em doentes com urticária crónica, a prevalência de hipersensibilidade a AAS/AINE varia entre 20 a 40%3. A associação clínica da hipersensibilidade à aspirina, asma e polipose nasal foi pela primeira vez descrita por Widal, et al., em 1922, que a designou por «tríade da aspirina», também conhecida por síndrome de Fernand-Widal8. A importância desta entidade foi, 46 anos depois, reforçada por Samter e Beers, sendo denominada tríade de Samter9. Actualmente utiliza-se o termo «doença respiratória exacerbada pela aspirina» (DREA), proposto por Stevenson, que define a presença de doença inflamatória contínua das vias aéreas após a administração destes fármacos10. Esta síndrome é caracterizada pela presença de rinossinusite crónica eosinofílica, polipose nasal, asma e hipersensibilidade a AAS/AINE. Nesta síndrome observa-se um predomínio do sexo feminino de 2,5:1 em relação ao sexo masculino e cerca de 1/3 dos doentes são atópicos. Os primeiros sintomas surgem, em média, aos 30 anos de idade. Em 1 a 6% dos casos existe uma história familiar de hipersensibilidade à aspirina3. Patogénese Os mecanismos fisiopatológicos subjacentes à hipersensibilidade ao AAS e a outros AINE não se encontram completamente esclarecidos. Geralmente estão envolvidos mecanismos não-imunológicos, muitas vezes relacionados com tipo e/ou doses dos fármacos utilizados. A teoria mais aceite propõe um papel central para as alterações do metabolismo do ácido araquidónico. A inibição da COX, desencadeada por estes fármacos, provoca uma alteração no equilíbrio entre os metabolitos do ácido araquidónico: aumento dos produtos da lipoxigenase (LO), leucotrienos cisteínicos (CysLT), com marcada actividade pró-inflamatória e propriedades broncoconstritoras (LTC4, LTD4, LTE4) ou quimiotácticas (tais como o LTB4) e redução da produção de prostaglandinas E2 e I2, que têm uma acção inibidora na síntese de leucotrienos e são por si só broncodilatadoras (Fig. 2)4,11. Esta hipótese é suportada por diversas observações: – Foi demonstrada uma correlação positiva no que respeita à potência do fármaco para inibir a actividade da COX in vitro e a sua potência in vivo para exacerbar a asma em doentes com hipersensibilidade ao AAS2,3. – Nos doentes sensíveis ao AAS, os analgésicos que não afectam a COX não possuem propriedades broncoconstritoras2,3. – Vários estudos documentam a importância dos leucotrienos na patogénese do broncospasmo induzido pelo AAS. Observa-se após provocação com aspirina um aumento significativo da concentração de leucotrienos na urina12, no lavado broncoalveolar13 e no exsudado nasal14. – Os antagonistas dos leucotrienos previnem a broncoconstrição induzida pelo AAS3,4. As concentrações basais de LTE4 urinário em doentes sensíveis ao AAS são significativamente superiores às encontradas em doentes não sensíveis, o que sugere um metabolismo anormal do ácido araquidónico no primeiro grupo3,4. Esta diferença torna-se ainda mais acentuada após prova de provocação, oral ou brônquica, com AAS12. O aumento da concentração urinária do LTE4 correlaciona-se com a gravidade dos sintomas respiratórios e a queda do FEV115. Estão identificados dois isoenzimas da COX: COX-1 e COX-2. A COX-1 é uma enzima constitucional, expressa em condições fisiológicas na maioria dos tecidos, dando origem à síntese de prostaglandinas responsáveis pela manutenção de uma normal actividade celular, nomeadamente da homeostase vascular e das funções gástrica e renal. A COX-2 é indutiva, sendo uma enzima não detectável na maioria dos tecidos em condições fisiológicas, surge quando induzida por citocinas, mitogénios e endotoxinas em situações patológicas; os seus níveis aumentam marcadamente durante a inflamação. Tem sido sugerido que a actividade anti-inflamatória dos AINE é conseguida pela inibição da COX-2, enquanto que os efeitos adversos dos mesmos, tais como a toxicidade gástrica e renal, derivam da inibição da COX-1, cujos produtos têm uma acção protectora dos tecidos (Quadro 1). Mais recentemente foi proposta a existência de uma terceira isoforma, a COX-3, que não está relacionada com o aparecimento de mediadores pró-inflamatórios, mas cuja inibição leva a efeitos analgésicos e antipiréticos. O paracetamol aparenta ser um inibidor selectivo desta enzima, facto que esclarece a ausência de efeitos anti-inflamatórios deste fármaco. Em termos fisiopatológicos, podemos concluir que nos asmáticos sensíveis a AAS/AINE ocorrem DOR Â. Gaspar, M. Morais de Almeida: Hipersensibilidade aos Anti-Inflamatórios Não-Esteróides 11 Dor (2010) 18 Fosfolípidos de membrana Ácido araquidónico Via lipoxigenase Via cicloxigenase 5-lipoxigenase (5-LO) Cicloxigenase (COX) LTA4 LTA4 hidrolase LTC4 sintetase LTB4 Cys-leucotrienos LTC4, LTD4, LTE4 Quimiotaxia e activação de neutrófilos Aumento da permeabilidade vascular, hipersecreção de muco, broncoconstrição COX-1 Inibição PGE2 PGI2 COX-2 Prostaglandinas inflamatórias PGD2 PGF2 Inibição da libertação de Cys-leucotrienos, inibição broncoconstrição Inflamação, dor, febre DOR Figura 2. Principais mecanismos de acção envolvidos na hipersensibilidade a AAS/AINE (modificado de Jenneck, et al.4). 12 alterações no metabolismo do ácido araquidónico e que a administração destes fármacos induz uma resposta inflamatória crónica na mucosa nasal e brônquica. Ocorre forte inibição da COX-1, desequilíbrio COX-1/COX-2 e acentuada diminuição da produção de prostaglandina E2 (PGE2). A PGE2 é sintetizada sobretudo pela acção da isoenzima COX-1 e tem importante actividade anti-inflamatória, com acção reguladora na inibição da síntese de leucotrienos e na libertação de mediadores pelos mastócitos e eosinófilos. Observa-se, ainda, uma diminuição da expressão e alterações funcionais da COX-2 nas células epiteliais destes doentes (Fig. 2)4. Szczeklick sugere que a inflamação respiratória na hipersensibilidade ao AAS poderá ser causada por uma infecção viral crónica latente com produção de linfócitos citotóxicos específicos16. A actividade destes elementos é habitualmente suprimida pela PGE2; quando a supressão é removida pelos AINE, os linfócitos actuam nas células infectadas pelo vírus, libertando mediadores de inflamação que provocariam a crise asmática. A existência de um componente genético tem também sido proposto. Foi encontrada uma expressão aumentada de HLA-DPB1 0301 em indivíduos com doença respiratória exacerbada pela aspirina. Esta associação foi descrita pela primeira vez numa população polaca em 199717 e posteriormente confirmada numa população coreana18. Na urticária induzida pela aspirina, foi encontrada uma associação com os alelos HLA-DRB1 1302 e HLA-DQB1 060918. A patogenia da resposta inflamatória cutânea aos AINE é ainda mais controversa, tendo sido sugerido que os metabolitos da COX possam não desempenhar um papel importante no seu desenvolvimento. Das várias teorias que têm sido propostas, uma das mais aceites sugere que o AAS e outros AINE induzem, nos indivíduos sensíveis, reacções cutâneas (urticária/angioedema) e/ou anafilácticas, por uma activação inespecífica de mastócitos e eosinófilos4,11. Foi também proposto que, ao contrário da asma, os mecanismos mediados por IgE poderiam ter mais importância na patogénese da urticária/angioedema e anafilaxia induzidos pelos AINE4,11. Neste caso, as reacções são específicas de um determinado fármaco, independentemente da sua inibição preferencial ser COX-1 ou COX-2. Este mecanismo mediado por IgE tem sido descrito em algumas reacções imediatas ao diclofenac, paracetamol, aspirina e, particularmente, com derivados pirazolónicos, como o metamizol4,5. Reactividade cruzada Os AINE que inibem a COX apresentam reactividade cruzada com o AAS, relacionada com a concentração requerida para a inibição da enzima Â. Gaspar, M. Morais de Almeida: Hipersensibilidade aos Anti-Inflamatórios Não-Esteróides Quadro 1. Isoenzimas COX-1 e COX-22,4 COX-1 COX-2 Enzima constitucional Expressa em condições fisiológicas Responsável pela síntese de prostaglandinas Enzima indutível Não detectável em condições fisiológicas Induzida por citocinas, mitogénios e endotoxinas Níveis ↑↑↑ durante a inflamação Inibição da COX-1: predominantemente relacionada com os efeitos adversos dos AINE Inibição da COX-2: predominantemente relacionada com a actividade anti-inflamatória dos AINE in vitro; os AINE que têm reactividade cruzada com doses mais baixas tendem a apresentar uma maior inibição da COX. No quadro 2, apresentam-se alguns AINE, de utilização frequente na prática clínica, que inibem preferencialmente a COX-1 e apresentam reactividade cruzada com o AAS. Os AINE apresentam diferentes graus de selectividade em relação à COX-1 e COX-2. Alguns AINE revelam uma maior inibição da COX-2 em relação à COX-1, enquanto que outros inibem com maior potência a COX-1. Os diferentes graus de selectividade para as duas enzimas podem ser expressos pela relação entre as concentrações necessárias para produzir 50% de inibição da enzima in vitro (IC50). Quanto menor for a relação IC50 COX-2 / IC50 COX-1, maior a selectividade para a COX-2. A maioria dos AINE mais utilizados na prática clínica, nomeadamente o AAS, o naproxeno, o piroxicam, o ibuprofeno e a indometacina inibem preferencialmente a COX-1, enquanto que o diclofenac é habitualmente equipotente contra a COX-1 e a COX-219. Entre os AINE associados a uma inibição preferencial da COX-2 encontram-se o nimesulide e o meloxicam. A relação IC50 COX-2 / IC50 COX-1 é muito menor para o nimesulide e o meloxicam (≤ 0,2), comparativamente aos outros AINE; Churchill, et al.20 encontraram valores de 18,5, 5,8, 3,5 e 0,5 para a relação IC50 COX-2 / IC50 COX-1, respectivamente do naproxeno, ibuprofeno, indometacina e diclofenac (Quadro 3). Os AINE com maior selectividade para a COX-2 estão associados com uma potência anti-inflamatória semelhante à dos AINE convencionais, com menores efeitos adversos; estudos farmacológicos demonstraram relação entre a inibição selectiva da COX-2 in vitro e uma melhor tolerância gastrintestinal e renal in vivo2,4. O meloxicam não apresenta reactividade cruzada com o AAS na DREA quando administrado em baixas doses (ocorrendo uma inibição selectiva da COX-2), mas apresenta reactividade cruzada quando administrado em doses elevadas (ocorrendo neste caso também inibição da COX-1). Os coxibes, inibidores selectivos da COX-2, constituem uma nova classe de AINE, que não apresentam reactividade cruzada com o AAS, pelo facto de não inibirem a COX-1 (Quadro 2). Quadro 2. Inibição da COX e reactividade cruzada com AAS – Fármacos que inibem preferencialmente a COX-1 • AAS, piroxicam, indometacina, sulindac, tolmetina, ácido mefenâmico, diclofenac, cetorolac, ibuprofeno, naproxeno, flurbiprofeno, cetoprofeno – Fármacos inibidores fracos da COX-1 (só inibem a COX-1 em altas concentrações) • Paracetamol, salicilato – Fármacos que inibem preferencialmente a COX-2 (também inibem a COX-1 em altas concentrações) • Nimesulide, meloxicam – Fármacos inibidores selectivos de COX-2 (não inibem a COX-1; não ocorre reacção cruzada com AAS) • Celecoxib, rofecoxib*, parecoxib, valdecoxib*, etoricoxib *Retirado do mercado pelo fabricante Modificado de Stevenson11. A hipersensibilidade a AINE tem sido associada a uma grande variedade de sintomas, desde rinite, conjuntivite, broncospasmo, urticária, angioedema e/ou choque anafiláctico. As reacções usualmente ocorrem durante os primeiros 30 a 60 minutos após a toma do fármaco, até três a quatro horas após3,11. As manifestações clínicas surgem habitualmente após a terceira década de vida4. A sintomatologia brônquica predomina nos adultos e a sintomatologia cutânea nas crianças7. Nos adultos, as reacções adversas a AAS/AINE ocorrem em maior número nos indivíduos do sexo feminino4, contrastando com a relação entre o sexo masculino e feminino de 2:1 encontrada em idade pediátrica21. Stevenson, et al., com o objectivo de sistematizar este grupo complexo de reacções aos AINE, propuseram uma classificação baseada em três critérios: tipo de manifestações clínicas, padrão de reactividade cruzada entre os diferentes AINE e doenças do foro alérgico concomitantes10. DOR Manifestações clínicas 13 Dor (2010) 18 Quadro 3. Relação IC50 COX-2 / IC50 COX-12,20 AINE IC50 COX-1 IC50 COX-2 IC50 COX-2 / IC50 COX-1 Naproxeno 2,70 ~ 50 18,5 Ibuprofeno 13,88 ~ 80 5,8 Indometacina 0,10 0,35 3,5 Diclofenac 0,059 0,031 0,5 9,4 0,2 0,49 0,01 Nimesulide ~ 50 Meloxicam 36,6 Quadro 4. Classificação das reacções aos AINE Reactividade cruzada entre AINE Síndromes associadas a reactividade múltipla Síndrome selectiva Fenótipo clínico Reacção a AINE Doença concomitante Tipo 1 Asma e/ou reacção naso-ocular Rinite e/ou asma com ou sem rinossinusite/ polipose nasal (DREA) Tipo 2 Urticária e/ou angioedema Urticária/angioedema crónicos Tipo 3 Angioedema periorbitário Doença atópica Tipo 4 Urticária e anafilaxia Nenhuma 22 Modificado de Quiralte . Posteriormente, Quiralte, com base nos mesmos critérios, propôs uma nova classificação22: – Tipo 1, asma/rinite induzida por AINE, com ou sem rinossinusite/polipose nasal, designado por DREA. – Tipo 2, urticária/angioedema induzida por AINE. – Tipo 3, angioedema periorbitário, induzido por múltiplos AINE. – Tipo 4, urticária e anafilaxia induzidos por um único AINE (Quadro 4). Na DREA, a rinorreia e a obstrução nasal surgem como primeiros sintomas, habitualmente por volta dos 30 a 35 anos de idade. A rinite tende a ser refractária ao tratamento, acompanhando-se progressivamente de sinusite crónica e polipose nasal. A asma e a hipersensibilidade à aspirina tipicamente surgem alguns anos mais tarde. Nesta síndrome, a asma é em geral de difícil controlo e evolução desfavorável, sendo que até metade destes doentes apresentam formas de asma grave corticodependente4. DOR Diagnóstico 14 O diagnóstico de hipersensibilidade a AAS/ AINE é baseado numa história clínica cuidadosa. Os testes cutâneos, por picada e intradérmicos, não são habitualmente realizados por se considerar que não têm utilidade, exceptuando algumas situações, raras, de urticária e anafilaxia, com possível resposta IgE mediada, nomeadamente em casos de suspeita de reacção imediata a fármacos do grupo das pirazolonas5,23. Embora existam avanços recentes nos métodos in vitro para o diagnóstico de hipersensibilidade a AINE 24, estes não se encontram ainda validados e têm habitualmente uma baixa sensibilidade diagnóstica. O Cellular Allergen Stimulation Test (CAST) baseia-se no doseamento por enzyme-linked immunosorbent assay (ELISA) da libertação de leucotrienos pelos leucócitos do doente após activação pelo fármaco implicado. Em trabalhos iniciais, este teste demonstrou uma sensibilidade e especificidade razoáveis, mas estudos posteriores demonstraram uma baixa eficácia do CAST no diagnóstico de hipersensibilidade a AAS/AINE5,25. O Basophil Activation Test (BAT), denominado teste de activação dos basófilos, baseia-se na detecção, por citometria de fluxo, de CD63 em basófilos estimulados, como indicador da activação induzida pelo fármaco. Este teste tem revelado resultados mais promissores24, mas encontra-se disponível só para fins de investigação. O diagnóstico definitivo de hipersensibilidade a AAS/AINE é confirmado por prova de provocação, habitualmente oral, aberta ou em ocultação simples ou dupla. A prova de provocação deve ser realizada de acordo com as indicações estabelecidas pela Academia Europeia de Alergologia e Imunologia Clínica (EAACI)26. Constituindo o gold standard no diagnóstico de hipersensibilidade medicamentosa, a prova de Â. Gaspar, M. Morais de Almeida: Hipersensibilidade aos Anti-Inflamatórios Não-Esteróides Alternativas terapêuticas Os AINE que são fracos inibidores da COX, como o paracetamol e os salicilatos não-acetilados, tais como o salicilato de sódio, a salicilamida e o trissalicilato de magnésio, são habitualmente bem tolerados3,4 e constituem alternativas terapêuticas conhecidas há vários anos. No entanto, a ocorrência de reacções adversas com o paracetamol27,28, embora pouco frequentes, e a indisponibilidade dos salicilatos no mercado nacional, excepto para uso tópico, salientam a importância da procura de outras alternativas terapêuticas. Os inibidores selectivos (coxibes) e preferenciais (meloxicam e nimesulide) da enzima COX-2 (inibidores COX-2) são um subgrupo de fármacos habitualmente bem tolerados como alternativa nos doentes com hipersensibilidade a AAS/ AINE, porque permitem que a enzima COX-1 mantenha a sua actividade, pelo menos parcialmente, verificando-se que a sua tolerância está relacionada com a selectividade para a COX-2. A associação de terapêutica com antagonista dos leucotrienos poderá, em doentes atópicos, facilitar a aquisição de tolerância a estes fármacos, conforme foi demonstrado por Morais-Almeida, et al., em duas doentes asmáticas com hipersensibilidade a múltiplos AINE, incluindo paracetamol e meloxicam29. Paracetamol O paracetamol, medicamento frequentemente utilizado na prática clínica e raramente responsável por reacções adversas, é considerado como uma alternativa terapêutica nos casos de hipersensibilidade a AAS/AINE. No entanto, em alguns indivíduos com hipersensibilidade ao AAS, verifica-se reactividade cruzada do paracetamol com AAS/AINE, quando utilizado em doses elevadas (fenómeno dose-dependente)27. Uma baixa frequência e até ausência de reactividade cruzada (0 a 6%) tem sido descrita com doses de 650 mg ou menores30. Resultados díspares, com percentagens de reactividade de 0 a 29%, foram descritos com doses de 1.000 mg31,32. Settipane, et al.27, utilizando doses de 1.000 a 1.500 mg de paracetamol encontraram uma frequência de 34% de reactividade cruzada. Os autores sugerem uma relação entre o aparecimento de sintomas com doses baixas de AAS e a probabilidade de reactividade cruzada com o paracetamol; os doentes sensíveis a doses baixas do AAS apresentariam maior sensibilidade à fraca inibição da COX associada ao paracetamol, devendo evitar doses elevadas do mesmo27. O paracetamol em doses terapêuticas inibe preferencialmente a COX-3 e é um fraco inibidor da COX-1 e da COX-233; apenas em altas doses vai inibir a COX-1. Nos doentes com hipersensibilidade ao AAS recomenda-se, quando indicado, a prescrição de paracetamol em doses não superiores a 1.000 mg. Inibidores preferenciais da COX-2 Nimesulide O nimesulide (4-nitro-2-fenoximetano-sulfonanilida) é um AINE que pertencente ao grupo dos derivados sulfanilamídicos. Possui propriedades anti-inflamatórias, antipiréticas e analgésicas marcadas, estando propostos vários mecanismos para a sua acção2,28: inibição preferencial da COX-2; inibição do metabolismo oxidativo dos neutrófilos; captação de radicais livres de oxigénio; prevenção da inactivação da α1 antitripsina; inibição da síntese de factor activador de plaquetas (PAF) e leucotrienos; inibição da libertação de histamina dos mastócitos e basófilos. DOR provocação deve ser efectuada com o objectivo de confirmar ou excluir hipersensibilidade, ou para encontrar fármacos alternativos seguros e bem tolerados. Na ausência de contra-indicação, deve proceder-se à introdução controlada do fármaco, em doses crescentes até atingir a dose terapêutica. A reacção adversa ocorre usualmente nas primeiras quatro horas após a administração do fármaco (resposta imediata). As contra-indicações para a realização da prova de provocação oral são, história de reacção anafiláctica grave, doença médica e/ou cirúrgica grave associada, gravidez, reacções imunocitotóxicas graves, vasculite sistémica e reacções de toxidermia grave. A prova de provocação oral, pelo risco que comporta, deve ser sempre efectuada em meio hospitalar, sob vigilância cardiorrespiratória e com controlo espirométrico. Está reservada para os casos duvidosos em que é necessário a confirmação do diagnóstico e na investigação de fármacos alternativos. Considera-se a prova positiva quando ocorre uma queda do FEV1 de pelo menos 20% ou o aparecimento de sintomatologia brônquica e/ou nasal e/ou cutânea26. Um método alternativo para o diagnóstico de hipersensibilidade ao AAS, associada a manifestações respiratórias, é a prova de provocação brônquica com acetilsalicilato de lisina inalado. Esta prova é igualmente específica e menos morosa que a prova de provocação oral, mas demonstra uma menor sensibilidade26. Comparativamente com a provocação oral, associa-se mais raramente a reacções sistémicas. A prova de provocação nasal com acetilsalicilato de lisina tem sido utilizada no diagnóstico da hipersensibilidade ao AAS em doentes com sintomatologia nasal ou em doentes com sintomatologia brônquica em que a prova oral e brônquica estejam contra-indicadas pela gravidade da asma (FEV1 basal inferior a 70% do previsto). No entanto, o valor preditivo negativo da prova de provocação nasal é inferior ao dos outros testes, pelo que quando negativa deve ser seguida por uma provocação oral ou brônquica26. 15 Dor (2010) 18 Estudos in vitro demonstram que o nimesulide provoca uma inibição preferencial da COX-220. Estes dados estão de acordo com a eficaz actividade anti-inflamatória do fármaco associada a uma melhor tolerância gastrintestinal e suportam a sua utilização em doentes com hipersensibilidade a AAS/AINE34,35. Nos últimos anos foram realizados diversos estudos com o objectivo de avaliar a tolerância ao nimesulide em doentes com reacções adversas a AAS/AINE. Os vários estudos, efectuados com provas de provocação oral, têm revelado entre 69 a 100% de tolerância ao nimesulide2,35,36. Se a população adulta tem sido amplamente estudada, pelo contrário escasseiam estudos em idade pediátrica. No entanto, neste grupo etário o nimesulide revela particular interesse como alternativa terapêutica28, estando aprovada a sua utilização em crianças com idade igual ou superior a 12 anos, contrariamente ao meloxicam e aos coxibes. Bianco, et al.35, num estudo com provas de provocação oral em dupla ocultação, verificaram que todos os 20 doentes com asma induzida por AAS toleraram o nimesulide na dose de 100 mg. Numa posterior avaliação, três desses doentes desenvolveram asma ligeira após a administração de 400 mg de nimesulide. Destaca-se pela dimensão da amostra (429 doentes), o estudo efectuado em 1994 por Andri, et al.37, com provas de provocação oral em ocultação simples, na dose de 200 mg de nimesulide, no qual se verificou uma tolerância de 96,7%. Um estudo realizado em Portugal aponta para uma tolerância em 71,5% dos doentes sensíveis ao AAS36. Nos doentes com hipersensibilidade a AAS/AINE, recomenda-se, quando indicado, a prescrição de nimesulide em doses não superiores a 5 mg/kg/dia (dose total diária não superior a 200 mg). DOR Meloxicam 16 O meloxicam é um inibidor preferencial da COX-2 (Quadro 2). Este AINE em doses baixas (7,5 mg) inibe preferencialmente a COX-2, mas inibe também a COX-1 de uma forma dose dependente em doses mais elevadas. Os estudos efectuados, com doses diárias de 7,5 e 15 mg de meloxicam, revelaram uma eficácia anti-inflamatória e analgésica equivalente à de outros AINE habitualmente utilizados na prática clínica, tais como piroxicam, diclofenac e naproxeno, na terapêutica da osteoartrose, da artrite reumatóide e de outras doenças reumatológicas38-40. Verificou-se também uma melhoria da tolerância gastrintestinal e renal, com doses equipotentes destes AINE38,39, justificado pela inibição preferencial da COX-2. Quarantino, et al. estudaram 177 doentes com hipersensibilidade a AINE, que foram submetidos a provocação oral com dose cumulativa de 7,5 mg de meloxicam, com apenas duas reacções positivas (1,1%)41. Resultados semelhantes (1,35%) foram obtidos por Nettis, et al. numa população de 148 doentes submetidos a provocação oral com a mesma dose cumulativa deste fármaco42. Sánchez Borges, et al. publicaram uma série de 110 doentes em que verificaram uma maior frequência de reacções positivas (17,3%), quando submetidos a provocação oral com uma dose cumulativa de 15 mg de meloxicam43. Num estudo realizado em Portugal, 13 das 68 provocações orais realizadas com meloxicam em doentes com hipersensibilidade a AINE foram positivas (19%)44. Em geral, podemos concluir que entre 81 e 100% dos doentes com hipersensibilidade a AAS/AINE tolera o meloxicam44,45, apresentando este fármaco resultados mais favoráveis que o nimesulide. Inibidores selectivos da COX-2 Desde a introdução dos coxibes, têm sido realizados vários estudos controlados que têm demonstrado que em doses terapêuticas estes fármacos não apresentam reactividade cruzada com AAS/AINE, pelo facto de não inibirem a COX-1. Os coxibes constituem uma alternativa terapêutica eficiente em doentes com doença respiratória exacerbada pela aspirina ou com urticária associada (Quadro 2). O primeiro composto a ser utilizado foi o celecoxib, aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) em Dezembro de 1998. Seguiu-se o rofecoxib, o parecoxib, o valdecoxib e o etoricoxib. Por pouparem a COX-1, os coxibes foram introduzidos como uma nova classe de AINE de eficácia equivalente e menor índice de complicações gastrintestinais. Alguns autores defendem tratar-se de uma alternativa segura, demonstrando tolerância em 99 a 100% dos doentes com hipersensibilidade a AINE11. No entanto, reacções de hipersensibilidade a múltiplos AINE incluindo coxibes têm sido descritas46, pelo que a avaliação de tolerância a estes fármacos em doentes com hipersensibilidade a AAS/AINE deve ser efectuada por prova de provocação sob vigilância médica11,46. Gyllfors, et al.47 avaliaram a tolerância ao celecoxib 400 mg em 33 doentes com DREA; os autores verificaram que nenhum dos indivíduos reagiu e que não ocorreram alterações nos níveis do LTE4 urinário durante a prova de provocação com o celecoxib. Igualmente, Nettis, et al., em 182 doentes submetidos a provocação oral com uma dose cumulativa de 25 mg de rofecoxib, não observaram qualquer reacção. Avaliaram ainda a tolerância a este fármaco a longo prazo, após três anos, tendo verificado que, dos 131 doentes reexpostos, apenas sete (5%) referiram reacções cutâneas ao rofecoxib48. Sánchez Borges, et al., num estudo comparativo entre diferentes inibidores da COX-2, demonstraram uma frequência de intolerância ao celecoxib de 33,3% e ao rofecoxib de 3% 43. Â. Gaspar, M. Morais de Almeida: Hipersensibilidade aos Anti-Inflamatórios Não-Esteróides Dessensibilização A dessensibilização está reservada a casos excepcionais em que o fármaco é imprescindível. Se existir hipersensibilidade comprovada ao fármaco, sem tratamento alternativo, e na ausência de contra-indicações absolutas para a realização da dessensibilização, tais como reacções imunocitotóxicas graves, vasculite sistémica e toxidermias graves como síndrome de StevensJohnson, necrólise epidérmica tóxica (NET), síndrome de hipersensibilidade com eosinofilia e sintomas sistémicos (DRESS) e pustulose exantemática aguda generalizada (AGEP). A dessensibilização é um procedimento de risco, que deve ser sempre realizado em meio hospitalar e por pessoal médico diferenciado. Baseia-se na administração regular do medicamento, em doses crescentes, até à dose de manutenção pretendida, que deve ser mantida diariamente. As principais indicações para a realização de dessensibilização à aspirina são: – Necessidade de tratamento com baixas doses de aspirina (terapêutica antiplaquetária), em caso de doença coronária com indicação para terapêutica crónica de dupla antiagregação e na síndrome de anticorpos antifosfolípidos. – Necessidade de melhorar o controlo da DREA, com asma corticodependente, rinossinusite resistente à terapêutica ou polipose nasal recorrente. – Necessidade de tratamento crónico anti-inflamatório, em caso de patologia osteoarticular, em que não foi conseguido um tratamento alternativo. Este último ponto, com o aparecimento dos inibidores selectivos da COX-2, apenas em raras situações será motivo para dessensibilização a AINE. Os diferentes protocolos de dessensibilização existentes dependem, entre outros factores, da dose de AAS/AINE necessária para o tratamento da patologia de base do doente. Em doentes com hipersensibilidade ao AAS/AINE e doença coronária concomitante, diferentes protocolos têm sido preconizados, habitualmente para doses de manutenção de 100 a 150 mg de aspirina52,53. Em mulheres com síndrome de anticorpos antifosfolípidos, as dessensibilizações têm sido realizadas com êxito em mulheres grávidas que precisaram de tratamento com AAS em doses antiagregantes54. A dessensibilização à aspirina em doentes com DREA de difícil controlo, ocorre habitualmente em dois a três dias, até atingir a dose de manutenção de 325 a 650 mg duas vezes ao dia55. Os estudos têm demonstrado que a dessensibilização nestes doentes conduz a uma melhoria significativa da sintomatologia brônquica e nasal, com redução da corticoterapia sistémica e prevenção de sinusite e polipose nasal recorrente4,55. Conclusões A prevalência de hipersensibilidade ao AAS e outros AINE varia entre 0,3 a 2,5%, na população geral, aumentando para 10 a 21% nos doentes asmáticos e até 20 a 40% na urticária crónica. Os fenótipos de apresentação clínica são variados, com manifestações desde rinoconjuntivite, asma, urticária a choque anafiláctico. A doença respiratória exacerbada pela aspirina é caracterizada pela presença de asma, rinossinusite, polipose nasal e hipersensibilidade ao AAS. O principal mecanismo patogénico implicado ocorre por alteração no metabolismo do ácido araquidónico, por inibição da enzima COX-1, com desvio para a via da LO, com aumento da síntese de leucotrienos com marcada actividade pró-inflamatória e propriedades broncoconstritoras e diminuição de prostaglandinas com acção anti-inflamatória. Os testes cutâneos não são recomendados na investigação da maioria destes doentes e, na ausência de testes in vitro de eficácia comprovada, a prova de provocação torna-se essencial, quer na abordagem diagnóstica quer na instituição de alternativas terapêuticas. O paracetamol e os inibidores selectivos (coxibes) e parcialmente selectivos (meloxicam) da COX-2 são fármacos habitualmente bem tolerados nestes doentes. Em casos excepcionais a dessensibilização está indicada, quando o fármaco é imprescindível e não existe tratamento alternativo. Bibliografia 1. Johansson SG, Bieber T, Dahl R, et al. Revised nomenclature for allergy for global use: Report of the nomenclature review committee of the World Allergy Organization, October 2003. J Allergy Clin Immunol. 2004;113:832-6. 2. Morais de Almeida M, Gaspar A, Carvalho F, Abreu Nogueira J, Rosado Pinto J. Hipersensibilidade aos anti-inflamatórios não esteróides - novas e velhas estratégias. Rev Port Imunoalergol. 1998;5:335-43. 3. Szczeklik A, Nizankowska-Mogilnicka E, Sanak M. Hypersensitivity to aspirin and other NSAIDs: Mechanisms, clinical presentation and DOR Num estudo realizado em Portugal, três das 32 provocações orais realizadas com rofecoxib em doentes com hipersensibilidade a AINE foram positivas (9%)44. El Miedany, et al., avaliando a tolerância do etoricoxib (60, 90 e 120 mg) em 77 doentes com DREA, demonstraram que nenhum dos doentes reagiu na provocação, concluindo da segurança da utilização deste inibidor selectivo da COX-2 nestes doentes49. No entanto, os resultados na urticária/angioedema induzida pelos AINE são ligeiramente inferiores. Pagani, et al. avaliaram a tolerância ao etoricoxib em 139 doentes com hipersensibilidade a AINE, tendo encontrado quatro respostas cutâneas positivas (2,8%)50. Muratore, et al. avaliaram a tolerância ao etoricoxib em 37 doentes, tendo três deles reagido com urticária generalizada (8%)51. 17 Dor (2010) 18 DOR 18 management. Em: Pichler WJ, ed. Drug hypersensitivity. Basel: Karger; 2007. p. 340-9. 4. Jenneck C, Juergens U, Buecheler M, Novak N. Pathogenesis, diagnosis, and treatment of aspirin intolerance. Ann Allergy Asthma Immunol. 2007;99:13-21. 5. Gaspar A, Piedade S, Morais de Almeida M. Alergia IgE-mediada ao metamizol. Rev Port Imunoalergologia. 2009;17(Supl 2):77. 6. Gomes E, Cardoso MF, Praça F, Gomes L, Mariño E, Demoly P. Selfreported drug allergy in a general adult Portuguese population. Clin Exp Allergy. 2004;34:1597-601. 7. Settipane RA, Constantine HP, Settipane GA. Aspirin intolerance and recurrent urticaria in normal adults and children. Epidemiology and review. Allergy. 1980;35:149-54. 8. Widal MF, Abramin P, Lermoyez J. Anaphylaxie et idiosyncrasie. Presse Med. 1922;30:189-92. 9. Samter M, Beers RF. Intolerance to aspirin: clinical studies and consideration of its pathogenesis. Ann Intern Med. 1968;68:975-83. 10. Stevenson DD, Sanchez-Borges M, Szczeklik A. 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A formação inadequada dos profissionais de saúde, bem como a insuficiente informação do doente, constituem barreiras ao tratamento da dor capazes de explicar, pelo menos parcialmente, a razão pela qual a DPO continua a ser subavaliada e ineficazmente tratada. Este artigo procura caracterizar os vários aspectos do ensino da analgesia pós-operatória em Portugal (formação pré-graduada e pós-graduada dos profissionais de saúde e informação do doente), identificando fragilidades e estabelecendo paralelismo com a realidade de outros países. Além disso, sugerem-se estratégias de intervenção, baseadas em projectos internacionais desenvolvidos e implementados com sucesso, que poderão contribuir para a melhoria da qualidade do ensino da analgesia pós-operatória em Portugal. Palavras-chave: Dor pós-operatória. Profissional de saúde. Ensino. Formação. Doente. Informação. Abstract Despite the recent advances in our understanding of the pathophysiology of pain and the development of advanced methods for treating postoperative pain, evidence suggests that many patients still suffer unacceptable levels of pain after surgery. The inappropriate education of the healthcare providers, as well as the insufficient information supply to the patients, are known as barriers to the pain treatment and are capable to explain, at least partially, the reason why the postoperative pain is still under evaluated and ineffectively treated. This article’s aim is to describe the various aspects of postoperative analgesia’s teaching in Portugal (undergraduated and postgraduated education of the healthcare providers and patient information), pointing out fragilities and comparing it with other countries’ reality. The author also suggests intervention strategies, based on international projects, successfully developed and implemented, which may contribute to the improvement of the quality of postoperative analgesia’s teaching in Portugal. (Dor. 2010;18(4):19-26) Corresponding author: Graça Dores, [email protected] Introdução Apesar dos avanços substanciais registados nas últimas décadas, no conhecimento científico relativo à fisiopatologia da dor aguda, no Unidade de Dor Aguda Serviço de Anestesiologia Centro Hospitalar do Porto Porto E-mail: [email protected] desenvolvimento de novos analgésicos e de inovadores métodos para a sua administração, bem como da crescente utilização de técnicas cirúrgicas minimamente invasivas, a DPO continua a representar uma preocupação significativa dos doentes e um desafio persistente para os profissionais de saúde1. As consequências fisiológicas, psicológicas e socioeconómicas deletérias do controlo inadequado da DPO2-5, o seu contributo no desenvolvimento de dor crónica após a cirurgia6,7 e os DOR Key words: Postoperative pain. Healthcare provider. Teaching. Training. Patient. Information. 19 Dor (2010) 18 Relacionadas com o profissional de saúde – Formação inadequada nos aspectos relacionados com a abordagem da dor – Preconceito étnico/racial/género – Avaliação inadequada da dor (subavaliação, utilização exclusiva de aspectos comportamentais) – Sentimentos negativos relativos ao doente com dor (medo, suspeição, raiva, vingança, negação, etc.) Relacionadas com o doente – Não reportar a dor – Acreditar que a «dor pode ser visualizada» – Subestimar a intensidade da dor – Receio de que a dor seja prenúncio de doença grave – Preocupação com os efeitos laterais dos analgésicos, incluindo os opióides Relacionadas com o sistema de saúde – Não adoptar instrumentos de avaliação – Não atribuir tempo para que os profissionais de saúde avaliem a dor ou local apropriado para efectuar o seu registo – Políticas de pagamento dos cuidados de saúde – Confusão acerca dos verdadeiros riscos dos opióides – Acesso reduzido a analgésicos ou a cuidados de saúde ministrados por especialistas em dor (unidades de dor) – Satisfação com o tratamento realizado, apesar de sentir dor moderada ou intensa – Incapacidade de reconhecer a dor como causa major de incapacidade DOR Figura 1. Barreiras ao tratamento da dor oncológica (traduzido e adaptado de Continuing Medical Education - Pain Management17). 20 consideráveis benefícios resultantes do seu alívio8-11 são amplamente reconhecidos e concorrem para a humanização e a qualidade dos cuidados de saúde1. A melhoria esperada do outcome clínico do doente, associada à analgesia pós-operatória eficaz, torna-se ainda mais evidente se avaliada no contexto da sua integração nos modernos programas de reabilitação cirúrgica fast-track1,12,13. Dispomos actualmente de fármacos analgésicos e técnicas de administração específicas (p. ex. analgesia regional) cuja eficácia no tratamento da DPO é fundamentada pela medicina de evidência. Na Europa, América do Norte e Austrália assistiu-se, nas últimas décadas, a um progressivo investimento na melhoria dos aspectos organizativos relacionados com a DPO, através da criação de unidades de dor aguda responsáveis pela implementação de boas práticas na abordagem deste tipo de dor. Contudo, resultados de estudos recentes14,15 destacam o inadequado controlo da DPO num número significativo de doentes. Em Portugal, os resultados preliminares de um estudo multicêntrico sobre DPO16, envolvendo 12 hospitais e uma amostra de 1.351 doentes, mostram que 71% dos inquiridos sentiram dor no segundo dia pós-operatório, sendo esta de intensidade moderada a severa em 25% deles. Os factores relacionados com os profissionais de saúde, os doentes e o sistema de saúde, primariamente identificados como sendo capazes de interferir com o tratamento eficaz da dor oncológica, são agora percebidos como aplicáveis à abordagem de outros tipos de dor17. Estes factores, conhecidos como «barreiras ao tratamento da dor» (Fig. 1), poderão explicar, se não na totalidade, pelo menos parcialmente, a disparidade existente entre o conhecimento e a tecnologia disponíveis e os actuais resultados práticos, que apontam para a subavaliação e inadequado tratamento da DPO. Os défices de conhecimento dos profissionais de saúde relativos à dor, à sua avaliação, opções farmacológicas disponíveis, preocupação exagerada e muitas vezes infundada com os efeitos laterais dos analgésicos e atitudes negativas relativas a alguns fármacos, nomeadamente os opióides, influenciam negativamente a eficácia da abordagem da DPO. Do mesmo modo, a insuficiente informação do doente relativa à DPO (suas consequências, necessidade de a reportar e benefícios do tratamento), bem como os mitos relacionados com a utilização dos analgésicos, poderão afectar significativamente o seu tratamento. Embora estejam identificadas as vantagens do adequado tratamento da DPO na melhoria da qualidade dos cuidados de saúde prestados bem como na racionalização de recursos e controlo dos custos com eles dispendidos, nem sempre é fácil garantir o apoio formal das estruturas de gestão hospitalar para a implementação de estratégias de formação imprescindíveis à prestação de analgesia pós-operatória eficaz e segura. Ensino da analgesia pós-operatória em Portugal Falar do ensino de analgesia pós-operatória significa abordar o modo como se processa Ensino da analgesia pós-operatória Formação profissionais de saúde Informação do doente e/ou cuidador Formação pré-graduada Formação pós-graduada Figura 2. Organização do ensino da analgesia pós-operatória. transmissão de conhecimentos para os principais intervenientes do processo de abordagem da DPO, nomeadamente os profissionais de saúde e o doente (Fig. 2). No entanto, não deverá ser esquecida a importância da formação de gestores e administradores de saúde relativamente às consequências deletérias da DPO, de forma a entenderem como são prioritárias as medidas dirigidas à melhoria da qualidade da sua abordagem. Formação pré-graduada dos profissionais de saúde Relativamente ao ensino pré-graduado da dor, a presença do tema nos planos de estudos dos cursos que formam profissionais de saúde (Medicina, Medicina Dentária, Enfermagem, Fisioterapia, Farmácia e Psicologia) é muito reduzida ou mesmo nula18,19. Além disso, a análise dos planos de estudos de alguns destes cursos permite concluir que os conteúdos relacionados com a dor se encontram frequentemente dispersos ao longo de todo o plano curricular (apenas uma Faculdade de Medicina tem no seu plano de estudos uma disciplina dedicada à dor, mas a sua frequência é opcional18,19). Este modelo de aprendizagem, em que a integração da informação que vai sendo apresentada esporadicamente ao longo dos vários módulos deve ser realizada pelo aluno, poderá ser responsável por fragmentação de conhecimentos e omissões importantes. Formação pós-graduada dos profissionais de saúde A nível da pós-graduação académica, é possível encontrar em Portugal uma ampla oferta de cursos e mestrados em dor. No entanto, no que diz respeito à formação profissional, o cenário é bem diferente. Por exemplo, ao nível dos internatos médicos, apenas a especialidade de Anestesiologia inclui formação obrigatória em dor. A actualização do Programa de Formação do Internato de Anestesiologia20, publicada em Janeiro de 2011, reforça a importância da aquisição de conhecimentos na abordagem da DPO e da integração dos profissionais em formação na actividade das unidades de dor aguda. Pelo contrário, a actualização do Programa de Formação do Internato Médico de Cirurgia Geral, publicada na mesma data, não faz qualquer referência à abordagem da DPO20. No que concerne às actividades de formação contínua relacionadas com os cuidados de analgesia pós-operatória, a concretização das iniciativas de formação da equipa multidisciplinar de profissionais de saúde envolvidos nos cuidados perioperatórios é frequentemente dificultada pelo reduzido número de estruturas organizativas locais (unidades de dor aguda) capazes de assegurar esta actividade, bem como pela habitual escassez de alocação de recursos humanos e materiais a tarefas não assistenciais. O estudo Postoperative Analgesic Therapy Observational Survey – Inquérito Observacional da Terapêutica Analgésica Pós-Operatória (PATHOS)15, realizado em 2005, em sete países europeus incluindo Portugal, com o objectivo de avaliar as práticas de tratamento da DPO, revelou que nas 746 unidades hospitalares analisadas ainda existe espaço considerável de melhoria dos cuidados de analgesia pós-operatória. Relativamente à formação dos profissionais de saúde, 34% dos 1.558 profissionais de saúde inquiridos (anestesiologistas e cirurgiões) consideraram não existir formação regular em dor proporcionada pela instituição onde desempenham a sua actividade (Quadro 1). No entanto, 78,6% dos profissionais de saúde portugueses inquiridos referiram existir formação regular, relativa à abordagem da DPO, destinada aos anestesiologistas. Estes dados sugerem a seguinte questão: Será que o baixo investimento na formação dos profissionais de saúde portugueses, relativamente à abordagem da dor, se traduz num nível reduzido de conhecimentos? A resposta a esta questão fica obviamente afectada pela escassez da investigação realizada nesta área. No entanto, dois estudos realizados recentemente em Portugal merecem uma referência particular. O primeiro estudo21 foi realizado em 2005, na Beira Interior, envolvendo uma amostra constituída por 421 profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) de 4 hospitais e 10 centros de saúde, e 193 indivíduos da população em geral. Teve como objectivo comparar a «opioidofobia» entre os dois grupos de participantes no estudo. Os resultados demonstraram existirem falsas crenças relativas ao uso de opióides em ambos os grupos em estudo (profissionais de saúde e população), e os seus autores concluíram pela DOR G. Dores: Ensino da Analgesia Pós-Operatória em Portugal – A Actualidade e Propostas Para o Futuro 21 Dor (2010) 18 Quadro 1. Resultados do estudo PATHOS - Respostas ao inquérito relativas à formação dos profissionais de saúde Formação dos profissionais Formação local, regular, relativa à abordagem da DPO Respostas n (%) (n = 1.558) Para Para Para Para Para cirurgiões anestesiologistas enfermeiros da enfermaria enfermeiros da sala de recobro médicos em formação 299 725 582 612 509 (19,2%) (46,5%) (37,4%) (39,3%) (32,7%) Mínimo 8,2% 29,8% 14,2% 21,2% 13,6% (França) (França) (Espanha) (Espanha) (Bélgica) Máximo 30,1% 78,6% 64,2% 61,7% 51,4% (Suíça) (Portugal) (Bélgica) (Bélgica) (Suíça) Traduzido e adaptado de Benhamou, et al.15 Quadro 2. Resultados do estudo PATHOS: respostas ao inquérito relativas à informação do doente Informação do doente Respostas n (%) (n = 1.558) Informação pré-operatória relativa à abordagem da DPO Sim, sistematicamente Sim, se caso difícil/específico Sim, a pedido do doente Não Informação fornecida Intensidade da dor e alívio esperado Como será a dor avaliada Opções terapêuticas Modo de administ. dos analgésicos Mínimo Máximo 755 522 327 186 (48,5%) (33,5%) (21,0%) (11,9%) 22,2% 19,6% 12,7% 0 (Espanha) (França) (França) (França) 84,1% (França) 45,3% (Alemanha) 37,7% (Portugal) 34,0% (Espanha) 1.028 605 1.068 989 (66,0%) (38,8%) (68,5%) (63,5%) 50,0% 13,2% 35,1% 35,5% (Portugal) (Espanha) (Espanha) (Espanha) 78,0% 83,3% 86,4% 79,0% (França) (França) (Bélgica) (Bélgica) Traduzido e adaptado de: Benhamou, et al.15 necessidade de serem desenvolvidas campanhas de informação dirigidas à abordagem da dor e uso da morfina e de melhorar a formação dos profissionais de saúde e a informação dos doentes. Num outro estudo22 realizado em 2010, num hospital universitário português, pretendeu-se avaliar conhecimentos e atitudes dos profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) em relação à dor e aos opióides, através da resposta a um questionário cujo conteúdo foi estabelecido a partir das recomendações da World Health Organization, American Pain Society e Healthcare Research and Quality. Os resultados obtidos permitiram concluir que a média geral de conhecimentos na população em análise era insuficiente. Além disso, é interessante salientar que a prestação dos profissionais de saúde que indicaram ter formação em dor não apresentou diferenças estatisticamente significativas da dos restantes participantes que não mencionaram qualquer tipo de formação específica em dor. Tal como no estudo anterior, os autores concluíram pela necessidade de melhorar a formação dos profissionais de saúde, orientada pelos resultados do estudo. DOR Informação dos doentes 22 Os European Minimum Standards for the Management of Postoperative Pain23 definem que os doentes submetidos a procedimentos cirúrgicos devem receber informação relativa ao modo de avaliação da dor, objectivos do tratamento e seus benefícios, opções terapêuticas disponíveis e respectiva eficácia, efeitos laterais e complicações potenciais e escasso risco de dependência associado à administração de opióides. A informação do doente tem como objectivo transformá-lo num participante activo do processo terapêutico, corrigir concepções erradas acerca da dor e dos métodos de analgesia e adequar comportamentos e atitudes que influenciam a experiência dolorosa. Contudo, não existem dados publicados que permitam aferir que tipo de informação recebem os doentes cirúrgicos portugueses acerca da DPO, nomeadamente quais os conteúdos e modo como é transmitida (oral, escrita). De acordo com os resultados do estudo PATHOS 15, já referido anteriormente (Quadro 2), 48% dos 1.558 participantes reconheceram que era transmitida informação oral ou escrita a todos os doentes submetidos a cirurgia nos seus hospitais, 34% dos inquiridos responderam que essa informação só era transmitida em situações especiais, e 21% referiram que essa informação apenas era fornecida se solicitada pelo doente. Ensino da analgesia pós-operatória – A realidade de outros países Relativamente às estratégias de formação contínua dos profissionais de saúde utilizadas noutros países apresentam-se, de seguida, dois programas inovadores. Na Austrália, o National Prescribing Service (NPS) – organização independente, fundada pelo Australian Government Department of Health and Ageing – desenvolveu um programa denominado Acute Postoperative Pain (APOP) Drug G. Dores: Ensino da Analgesia Pós-Operatória em Portugal – A Actualidade e Propostas Para o Futuro – A abordagem adequada da dor começa no período pré-operatório – A dor deve ser avaliada regularmente, usando uma escala validada – Todos os doentes submetidos a procedimentos cirúrgicos devem receber analgesia segura e eficaz – É imprescindível monitorizar e abordar adequadamente os efeitos adversos – O plano de abordagem da dor deve ser comunicado ao doente e ao seu médico dos cuidados primários, aquando da alta hospitalar Use Evaluation (DUE) Toolkit24, que tem como objectivo contribuir para a melhoria contínua da qualidade de abordagem da DPO nas unidades hospitalares, através da promoção de boas práticas (Quadro 3). O APOP DUE Toolkit é uma aplicação informática disponível para instalação via internet, e compreende um instrumento de auditoria (APOP e-DUE audit tool) e recursos educacionais (diapositivos, cartazes, folheto de informação para os doentes, etc.). A aplicação fornece um suporte para a recolha de dados relativos à abordagem da DPO, os quais, introduzidos no programa de auditoria, permitem a elaboração imediata de um relatório identificando as práticas da unidade hospitalar. Os resultados devem ser reportados aos profissionais de saúde envolvidos e servir de guia para a definição das estratégias de intervenção educacional e/ou melhoria de qualidade mais adequadas à correcção das deficiências detectadas. A realização destas intervenções, utilizando os recursos educacionais disponibilizados igualmente pelo programa, deverá ser seguida de nova avaliação da qualidade, de modo a monitorizar a sua eficácia, no que respeita à melhoria de cuidados. Este modelo de formação dos profissionais de saúde australianos, disponível desde 2009, baseia-se, assim, numa estratégia educacional continuada, acompanhada por ciclos iterativos de auditoria e feedback capazes de suportar a melhoria de qualidade. Um outro projecto de melhoria da qualidade de abordagem da DPO, denominado RADAR Approach25, foi desenvolvido a partir de uma conferência de consenso, realizada em 2009, por um painel multidisciplinar de peritos do Reino Unido26. Na opinião dos seus autores, a DPO pode ser tratada de modo mais eficaz se for encarada como prioridade e antecipada por uma equipa de profissionais adequadamente informada em relação às opções analgésicas mais apropriadas para cada caso, e sensibilizada para as vantagens do alívio da dor. A definição de uma estrutura prática, baseada em recomendações-chave, poderá, segundo os mentores do projecto, contribuir para a formação dos profissionais e implementação de boas práticas, de modo a melhorar a qualidade da abordagem da dor aguda. RADAR é o acrónimo resultante das recomendações-chave, destinadas a optimizar a abordagem da DPO, que emergiram deste consenso: responsability (responsabilidade), anticipation (antecipação), discussion (discussão), assessment (avaliação) e response (resposta) (Fig. 3). Este projecto, organizado e financiado por uma empresa farmacêutica, disponibiliza no seu site da internet um conjunto de recursos educacionais que podem ser utilizados na formação dos profissionais de saúde e informação dos doentes, dos quais se destacam: – Módulo de auto-aprendizagem, disponível online, composto por uma apresentação de diapositivos, estudos de caso e um teste de avaliação de conhecimentos. – Apresentações de diapositivos a utilizar em acções de formação dirigidas aos profissionais de saúde. – Cartaz e folheto informativo destinado aos doentes, encorajando-os a comunicar a sua dor e salientando o seu importante papel no processo de abordagem da DPO. – Inquérito de satisfação do doente: os resultados destes inquéritos, para além da avaliação da satisfação do doente relativamente ao cuidado da DPO, podem ser utilizados para monitorizar a qualidade da abordagem da dor na unidade hospitalar. Os projectos APOP e RADAR constituem exemplos, embora distintos, de uma mesma estratégia de melhoria da formação baseada no desenvolvimento de programas educacionais/ informativos de âmbito nacional, com objectivos globais e dirigidos a todos os profissionais de saúde envolvidos no cuidado do doente cirúrgico. Estes programas, que têm como objectivo final a implementação de boas práticas na abordagem da DPO (avaliação da dor, prescrição de fármacos segundo protocolo, comunicação interprofissional, etc.), contribuem para a criação de uma plataforma educativa uniforme que poderá melhorar significativamente e, de modo sustentado, a formação dos profissionais de saúde e a qualidade da abordagem da DPO. Os excelentes resultados obtidos, por exemplo, pelo projecto australiano (APOP)27 levam a acreditar que este e outros programas semelhantes representam uma base de trabalho válida para a formulação de futuras estratégias de formação dos profissionais de saúde portugueses, no âmbito da abordagem da DPO. Propostas para o futuro A concretização dos objectivos definidos pelo Programa Nacional de Controlo da Dor28 relativos à DPO, nomeadamente a redução da prevalência de dor não controlada, pressupõe não só o reforço dos aspectos organizativos ligados à abordagem deste tipo de dor, mediante o incentivo DOR Quadro 3. Mensagens-chave do projecto APOP24 23 Dor (2010) 18 A abordagem da dor aguda deverá envolver todos os elementos da equipa de profissionais de saúde responsável pelo cuidado do Responsabilidade doente. O papel desempenhado por cada elemento desta equipa multidisciplinar, bem como as suas responsabilidades deverão estar perfeitamente identificados. A Unidade de Dor Aguda é responsável por assegurar que todos os elementos da equipe possuam treino e competências adequadas. Antecipação Estas 5 etapas devem ser consideradas como um processo contínuo Discussão Avaliação Resposta A dor deve ser antecipada, sempre que possível. O planeamento da analgesia pós-operatória deve ter início no período pré-operatório e ser realizado de acordo com a avaliação do doente, nomeadamente a sua história prévia de dor, as suas necessidades e as características dos protocolos locais. O plano analgésico perioperatório deve ser discutido e partilhado por todos os membros da equipa multidisciplinar. Os objectivos do tratamento e as opcões terapêuticas disponíveis devem ser discutidos também com o doente. A dor deve ser avaliada e documentada regularmente, do mesmo modo que os outros sinais vitais. A avaliação da dor na unidade hospitalar deve ser uniformizada, mediante a utilização de uma escala aplicável à maioria dos doentes. A resposta deve ser rápida e utilizar um regime analgésico multimodal, de modo a optimizar a abordagem da dor aguda e minimizar a ocorrência de efeitos laterais. Figura 3. Recomendações-chave do projecto RADAR (traduzido e adaptado de The RADAR Approach25). à criação de unidades de dor aguda, mas também a materialização das estratégias de formação dos profissionais de saúde e informação dos doentes, determinadas pelo mesmo documento. DOR Formação dos profissionais de saúde 24 A aquisição e actualização de conhecimentos sobre dor é uma responsabilidade que deve ser partilhada pelas instituições de ensino, de prestação de cuidados e pelos profissionais de saúde, individualmente. No sentido de ultrapassar barreiras ao tratamento da DPO, é imprescindível incentivar a formação específica dos profissionais de saúde envolvidos nos cuidados perioperatórios e, paralelamente, investir na melhoria da formação básica em dor no ensino pré- e pós-graduado de médicos, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas e psicólogos. Em relação ao ensino pré-graduado, impõe-se sensibilizar os responsáveis dos cursos superiores que formam profissionais de saúde para a necessidade de incluir a dor como tema obrigatório nos respectivos planos de estudos. As recomendações da International Association for the Study of Pain (IASP), relativas aos conteúdos que devem integrar a educação profissional em dor29,30, podem orientar a definição dos temas a abordar nos diferentes cursos, nomeadamente Medicina, Medicina Dentária, Enfermagem, Farmácia, Psicologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, de modo a preparar adequadamente os seus formandos para a abordagem da dor. No que respeita à formação pós-graduada, é indispensável o patrocínio científico as ordens profissionais nas estratégias de educação, formação e ensino essenciais ao desenvolvimento de boas práticas, nos diversos contextos de intervenção profissional. A inclusão da dor nos temas de formação obrigatória dos internatos médicos de Cirurgia, Cirurgia Vascular, Ortopedia, Obstetrícia e Ginecologia, Urologia, Medicina Interna, Reumatologia, Endocrinologia, Oncologia, Neurologia, Medicina Física e de Reabilitação, Psiquiatria e Medicina Geral e Familiar poderá colmatar a lacuna identificada na preparação destes profissionais relativa à abordagem do doente com dor. Nos internatos das especialidades cirúrgicas deverá ser dado particular ênfase à abordagem da DPO. As iniciativas internacionais atrás mencionadas (projectos APOP e RADAR) sugerem que a G. Dores: Ensino da Analgesia Pós-Operatória em Portugal – A Actualidade e Propostas Para o Futuro Informação do doente Uma vez que a insuficiente informação dos doentes relativamente à DPO é, também, um factor responsável pelo seu inadequado tratamento, importa melhorar os conhecimentos dos doentes, famílias e/ou cuidadores relativos à dor e à sua abordagem. dos profissionais de saúde relativamente à abordagem da DPO, as quais aliadas à insuficiente informação do doente poderão afectar negativamente a abordagem da DPO. A melhoria da qualidade da abordagem da DPO impõe a adopção de programas de informação/educação dirigidos aos profissionais de saúde, sensibilizando-os para a importância de uma adequada abordagem da DPO, mas também aos doentes, alertando-os para a necessidade de reportar a dor e incentivando à sua participação activa no processo terapêutico. As estratégias de formação desenvolvidas e implementadas com sucesso na Austrália e no Reino Unido poderão dar um contributo importante para o planeamento da formação dos profissionais de saúde e informação dos doentes portugueses relativa à abordagem da DPO. Bibliografia Conclusão Poder-se-á dizer que, actualmente, em Portugal, é possível identificar várias fragilidades no ensino da dor e, mais especificamente, na formação 1. White PF, Kehlet H. Improving postoperative management. What are the unresolved issues? Anesthesiology. 2010;112:220-5. 2. Cousins MJ, Brennan F, Carr DB. Pain relief: a universal human right. Pain. 2004;112(1-2):1-4. 3. Liu SS, Wu CL. Neural blockade: impact on outcome. Em: Bridenbaugh PO, Carr D, Horlocker T, Cousins MJ, eds. Neural Blockade in Clinical Anesthesia and Pain Medicine. 4.a ed. Filadélfia: Wolters Kluwer, Lippincott, Williams & Wilkins; 2008. 4. Chapman CR, Tuckett RP, Song CW. 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Group, Healthcare Education Products DOR melhoria da formação profissional contínua específica para a abordagem da DPO poderá passar pela definição de uma estratégia apoiada em dois tipos de acções de formação, com objectivos diferentes mas complementares. A melhoria dos conhecimentos básicos dos profissionais de saúde relativos à abordagem da dor em geral e da DPO, em particular, poderá ser conseguida através do desenvolvimento de programas de informação/ensino/formação dirigidos a um leque alargado de destinatários (médicos, enfermeiros, farmacêuticos, etc.) e cuja implementação deverá ter um carácter nacional, visto que as informações por eles veiculados importam a todos os profissionais de saúde envolvidos no cuidado do doente submetido a cirurgia. Este tipo de formação poderá contemplar a transmissão de conceitos gerais tais como a importância da adequada avaliação e registo da DPO, aspectos relacionados com a prescrição e administração de analgesia de modo eficaz e seguro e a relevância da monitorização na identificação e controlo dos efeitos adversos dos analgésicos. A implementação de um programa deste tipo poderá, a exemplo dos projectos anteriormente descritos, basear-se na utilização de instrumentos pedagógicos simples (apresentação de diapositivos, cartazes, folhetos informativos) e utilizar o suporte das novas tecnologias da comunicação (internet) para facilitar a sua acessibilidade, reduzindo, deste modo, o investimento em recursos humanos e materiais que a execução de uma tarefa desta envergadura implica. Esta formação básica terá, necessariamente, que ser complementada por outra, realizada a nível local, adaptada às características de cada unidade hospitalar (tipos de cirurgia realizados, fármacos e técnicas analgésicas disponíveis, protocolos de administração) e às especificidades dos doentes que cuida. Estas actividades de formação devem envolver todos os elementos da equipa multidisciplinar e multiprofissional (anestesiologistas, cirurgiões, fisiatras, psiquiatras, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, psicólogos e outras especialidades médicas ou grupos profissionais, de acordo com as especificidades da unidade hospitalar) responsável pelo cuidado do doente cirúrgico e ser coordenadas pela unidade de dor aguda. 25 Dor (2010) 18 DOR 26 & Standards, Feb de 2010 [acesso em 12 de Março de 2011]. Disponível em http://www.ama-cmeonline.com/pain_mgmt/index.htm. 18. Centro Nacional de Observação em Dor, Comissão de Coordenação do PNCDOR. Estudo em curso sobre o Ensino da Dor em Portugal. 19. Pain Proposal - A dor crónica em Portugal [internet]. Setembro de 2010 [acesso em 11 de Maró de 2011]. Disponível em http://www. pfizer.pt/Files/Billeder/Pfizer%20P%C3%BAblico/Not%C3%ADcias/ Portugal_Country%20Snapshot.pdf. 20. Diário da República, 1.ª série. N.º 18 . 26 de Janeiro de 2011. 21. Verloo H, Mpinga E, Ferreira M, Rapin C-H, Chastonay P. Morphinofobia: the situation among the general population and health care professionals in North-Eastern Portugal. BMC Palliative Care. 2010;9:15. 22. Cardoso A, et al. Knowledge and attitudes toward pain and the use of opioid analgesia among a portuguese university hospital´s heath care providers [comunicação oral]. 21st European Students Conference; Outubro 2010; Berlim. 23. Allvin R, Brasseur L, Crul B, et al. European Minimum standards for the management of postoperative pain. European Task Force. Pegasus Healthcare Intl UK; 1998. 24. National Prescribing Service Limited. 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Estas resistências, nestes pacientes, são a última tentativa para evitar uma maior desorganização psíquica e o desencadeamento das angústias catastróficas. Salienta que a interpretação das defesas é da maior importância para a elaboração da angústia catastrófica, do desespero e da reacção terapêutica negativa. Palavras-chave: Dor crónica. Reacção terapêutica negativa. Desespero. Angústia catastrófica. Abstract In this article the author presents the notion of negative therapeutic reaction and despair to reflect on obstacles and paradoxes how create the difficulties of the treatment chronic pain. The final attempt made by these patients to avoid even greater mental disorganization and catastrophic-anxiety. The author stresses that the interpretation of this defensive mechanism is of the foremost importance for the elaboration of the catastrophicanxiety, the despair and the negative therapeutic reaction. (Dor. 2010;18(4):27-30) Corresponding author: Cristina Catana, [email protected] «A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer…» Stig Dagerman1 Introdução A prática da clínica da dor é indesmentivelmente complexa e levanta questões de várias ordens, seja no vértice científico como no humano. A escolha da reflexão do presente artigo não será feita sobre os êxitos, satisfações e do que somos capazes de tolerar e conter na nossa actividade. Ela ir-se-á desenvolver sobre os obstáculos e paradoxos que emergem na relação com alguns pacientes que recorrem às Unidades de Dor. Não são raros os pacientes que põem em causa os limites do setting terapêutico; não são raros os que quebram o nosso espelho ilusório Psicóloga clínica Unidade de Dor Hospital Garcia de Orta, EPE Almada E-mail: [email protected] do «happy end», e/ou a nossa tentação do «furor curandi», conduzindo-nos à atitude de questionamento. Estes pacientes considerados, por nós, «difíceis» que parecem padecer de dor interminável que buscam, por sua vez, uma relação terapêutica interminável e incondicional, tendem a criar na equipa sentimentos de desgaste e fortes ambivalências. Comunicam uma demanda paradoxal: «Tratem-me não me tratando». Alienados na dor e pela dor investem grande parte da sua energia psíquica na resistência massiva (incluindo-se na resistência à mudança e alívio da dor), no negativismo e na RTN, deixando o profissional de saúde no lugar da impotência e da incompreensão. A psicanalista F. Alexandre2 diz que Freud na publicação do «Ego e Id» tenta explicar «comportamentos» inesperados e paradoxais de certos pacientes, sobretudo aqueles que «... Quando se lhes dá esperança ou se expressa satisfação pelo progresso do seu tratamento mostram sinais de descontentamento e o seu estado, invariavelmente se torna pior… ficamos convencidos, não apenas que tais pessoas não DOR Key words: Chronic pain. Negative therapeutic reaction. Despair. Catastrophic-anxiety. 27 Dor (2010) 18 conseguem suportar qualquer elogio ou apreciação, mas que reagem inversamente ao progresso de tratamento. Toda a solução parcial, que deveria resultar, e noutras pessoas realmente resulta, numa melhoria ou suspensão temporária dos sintomas, produz novos por algum tempo, e uma exacerbação das suas moléstias: ficam piores durante o tratamento, em vez de ficarem melhores… exibem o que é conhecido como reacção terapêutica negativa»3. Ao abrir as portas para a compreensão dos fenómenos psíquicos subjacentes a este tipo de resistência, Freud reconhece-lhe uma tenaz conflitualidade intrapsíquica ligando-a a sentimentos inconscientes de culpa4. E a realidade destes pacientes confirma o poder destrutivo da culpabilidade de se poder mudar para melhor, para o alívio da dor, e abandonar a posição do sofrente: os punidos pela dor. Esta questão poder-se-á ligar ao masoquismo, ou melhor, ao padrão vinculativo sadomasoquista. E como o sabemos, é dos vínculos mais resistentes à transformação. Na experiência na dor crónica, surgem-nos pacientes que parecem estar «em carne viva», ou «num colete de forças de contracção muscular», para os quais a dor é o primado da sua vida, uma espécie de matriz: unidade álgica que a partir da qual organizam a sua vida e as suas relações psicossociais. Wilde, em «De Profundis», acerca da imutabilidade da dor, diz: «O sofrimento é um longo momento. Parece à volta de um centro de dor (…) Para nós há somente uma estação, a estação da dor. O próprio Sol e a própria Lua parecem ter-nos sido roubados»5. O sentimento do «todos me devem» parece mascarar outras dores escondidas: o ressentimento da falta e frustração, a infância roubada. Pacientes que fazem sentir o outro culpado e eles próprios têm uma necessidade inconsciente de se sentirem doentes. Tendem a hipervalorizar os efeitos secundários e assinar a lógica da «pior a emenda do que o soneto». Emergindo-se, deste modo, a vulnerabilidade para o ciclo vicioso do impasse: se se trata o paciente este sente que estão a castigá-lo com os efeitos adversos da terapêutica, se não se trata este sente que o negligenciaram com o abandono. Como gerir emocionalmente estes aspectos difíceis e os vários tipos de negatividade comunicados à equipa terapêutica? É uma questão que paira! Reacção terapêutica negativa e o desespero DOR «A riqueza e o prazer pareciam-lhe tragédias bem maiores do que a pobreza e a dor.» 28 Oscar Wilde Neste momento, proponho reflectir um pouco sobre a evolução do conceito da RTN e seguidamente sobre alguns aspectos psíquicos que estão na sua origem. Sandler J (1973) atribui à RTN o valor de uma síndrome específica distinta de outras formas de resistência ou de atitudes negativas que se podem encontrar no desenrolar do tratamento. Poder-se-á conceptualizar a RTN como um indicador de turbulência emocional mergulhada nas angústias de cataclismo, emergentes do inconsciente. Não deixa de ser um indicador da proximidade de angústias arcaicas onde se inscrevem porventura traumatismos primevos que não foram transformados pela mentalização. (Os psicoterapeutas sabem que estão próximos de áreas de trabalho minucioso de elaboração e integração dos aspectos clivados da mente. São necessárias: prudência, confiança e coragem). Neste sentido, vários autores concebem este fenómeno da RTN como uma defesa psicológica que se opõe à mudança e às consequências desta. Bion6 fala das defesas que se organizam contra uma ameaça latente terrífica: angústias catastróficas. A mudança (ainda que boa) para o paciente pode ser vivida como uma «mudança catastrófica», para a qual ainda não se sente preparado. Resta resistir à mudança e insistir no sintoma. Bion defende que existe um estado primordial psicossomático dos medos (ao nível subtalâmico), das emoções inconscientes que não puderam ser mentalizadas e toleradas. O sujeito fica refém de um funcionamento rígido. Estamos perante núcleos mentais arcaicos inconscientes inacessíveis à palavra e à consciência. A palavra não fala. A palavra é circular e esvazia o discurso. A metáfora ainda é inacessível. A linguagem ainda falta e é a falta. Na nossa prática, acontece com alguma frequência, ficarmos retidos neste impasse cognitivo e emocional do paciente. Nesta relação, facilmente sentimo-nos intoxicados com a impotência e com o vazio. Porventura serão o vazio e a impotência projecções que o paciente nos comunica. Mas, paradoxalmente, também sentimos que há uma parte do paciente que se debate contra ventos e marés para conquistar um lugar, o seu lugar, que ainda não lhe foi dado. Ele repete comportamentos e padrões de forma estereotipada, sem ter consciência. Resiste, repete mas com uma esperança implícita, de um dia poder compreender o(s) seu(s) desconhecido(s). Ribeiro7, Professor de Psicologia da Universidade do Porto, (2003) em «O Corpo que Somos» diz que: «LeDoux descobriu, nos anos 80, o circuito neuronal destas respostas emocionais que escapam ao controlo racional. Trata-se de um autêntico curto-circuito: um pequeno grupo de neurónios que liga directamente o tálamo à amígdala, suprimindo a passagem pelo córtex que faz parte do circuito normal. Esta espécie de “atalho neuronal” permite à amígdala receber informação dos sentidos e emitir logo uma resposta emocional, antes que o neocórtex receba a mesma informação e elabore a resposta racional. Num estado emocional extremo, o próprio córtex préfrontal pode ficar impossibilitado de desempenhar a sua função de gestor de emoções (situação de sequestro emocional)». Esta expressão de sequestro emocional parece-me bastante pertinente e não deixo de a associar à vasoconstrição do espaço mental como uma das prováveis consequências da dor crónica. Numa situação extrema, o eu corporal mergulhado na dor fica privado dos seus cinco sentidos e vive submetido ao primado da dor. A representação da realidade subordina-se à dor e cria profundas fracturas nos vínculos psicossociais. Burlux G. em «The Body and Its Pain» defende que toda a dor tem o carácter de uma invasão traumática, pondo em curso a emergência das memórias traumáticas (abusos físicos sexuais e psicológicos, abandonos e separações traumáticas, etc.). Dizendo-nos, também, que «a dor é o afecto regressivo do nosso tempo». Perante o impacto da dor, a pessoa poder-se-á confrontar com desorganização psíquica e fenómenos de despersonalização. Se na pessoa sadia o ego identifica-se com o corpo mantendo-se o sentimento de si e a sua identidade. Perante o adoecer, a imagem do corpo é ameaçada, alterada, tornando-se ela própria estranha ao ego. Temos aqui o terreno para experiências de despersonalização, para a nostalgia do self saudável e do «eu ideal». Instala-se o terreno para o luto de si próprio. Alguns pacientes parecem sujeitos atormentados, incapazes de se defenderem adequadamente das vivências traumáticas. Estes pacientes revelam uma incapacidade de pensar, ficando ávidos e desorganizados. Estas angústias catastróficas remetem para fenómenos de despersonalização e regressivos. Ficam adesivos na relação com os seus terapeutas, vivendo os tempos que intervalam as consultas ou a perspectiva de alta como eminente catástrofe. Apelam a relações de dependência parasitária como uma forma de sobrevivência. Tendem a idealizar o terapeuta de forma messiânica (embora por melhor que ele seja nunca o satisfará). São inconsoláveis como nos refere Dagerman, vivem no fio da navalha no registo da precariedade humana. As expectativas tendem a ser irrealistas e irrealizáveis. Mas interroguemo-nos: criamos expectativas, falamos e pensamos do lugar onde estamos. Que lugar será este? Que lugar será este onde se gera a dor do inconsolável? Não será o lugar do desespero? O psicanalista J. Bégoin8 em «Do Traumatismo do Nascimento à Emoção Estética» (1989) recorda a intuição de Laennec: «Tais eram, por exemplo, tipicamente as situações que encontrávamos outrora, antes da era dos antibióticos, nos sujeitos atingidos pela tuberculose pulmonar… Laenecc, com uma intuição certeira referira às “paixões tristes, profundas de longa duração”, e que eu próprio aproximei de uma forma somatizada de depressão.Com efeito, a modalidade depressiva, que acompanha a existência de um núcleo de terror ameaçando a própria vida psíquica e contrariando qualquer real autonomia, é o desespero: o sujeito tem o sentimento de não poder senão sobreviver. Tal é o sentido do desespero». Sobre a «violência do desespero», Bégoin associa-a ao sofrimento psíquico precoce que não foi contido nem mentalizado. Estes temores precoces de aniquilação que não foram contidos e protegidos na relação materna, tendem a isolarem-se em núcleos arcaicos com ausência do simbólico e da metáfora. Organizam-se numa espécie de «buracos negros» dominados pela destrutividade e por angústias catastróficas. A pessoa vive sentimentos de queda sem limites, com vivências vertiginosas. São lugares do desenvolvimento psíquico onde falhou massivamente a esperança. Bégoin defende que as raízes do desespero centram-se, de uma maneira geral, nos sujeitos cujo sofrimento precoce não foi suficientemente contido, tratam-se de pessoas «hipersensíveis», por vezes «esfolados vivos», sofrendo uma deficiência de «pele psíquica»9. Adiantando que: «Penso que existe, em todo o ser humano, um núcleo mais ou menos secreto de desespero, em relação às partes do self que não puderam encontrar as condições suficientemente boas que lhes teriam permitido desenvolver-se. São partes traumatizadas do self Infantil». Em alguns pacientes com vivência de dor intensa crónica, podem vir a sofrer a derrocada das suas defesas psicológicas a par da desorganização e regressão psíquicas. Desesperam e fazem desesperar o outro, nos seus movimentos de sobrevivência. São os pacientes que se relacionam com o limite: do seu e dos terapeutas. A dor é vivida como experiências de limite e de incompatibilidade. Levam o outro ao limite. Colocando problemas sérios na relação terapêutica. Estabelecem um jogo da confirmação de uma teoria interna, entre o medo de ser abandonado e levar o outro a agi-lo (afinal eu tenho razão, não vale a pena). No meu entender, a tolerância também tem os seus limites, caso cresça para níveis omnipotentes cria-se terreno para o intolerável. Somos terapeutas mas não somos omnipotentes, cabe-nos tolerar que nem tudo é tolerável e realizável. Nesta medida, o terapeuta não deixará de se oferecer para uma nova relação, enquadrada num setting pré-estabelecido. Impera a escuta da dor na sua historicidade e inerente subjectividade. Trabalhar a consciência da dor – que não é a própria dor – é trabalhar o conhecimento e análise dessa dor. O conhecimento e análise da identidade da pessoa que a sofre, que passa pela análise da dinâmica consciente/inconsciente. DOR C. Catana: O Desespero e a Reacção Terapêutica Negativa: Obstáculos no Tratamento da Dor 29 Dor (2010) 18 DOR Impera ajudar o paciente a elaborar as angústias catastróficas através da interpretação das suas defesas (sendo a RTN uma delas) num clima assegurador e de confiança. «É preciso confiar para mudar», diz-nos Alexandre2, em «Mudanças Psíquicas no Processo Terapêutico». Na nossa prática, estes pacientes necessitam, avidamente, da (re)confirmação da confiança terapêutica e da (re)confirmação do compromisso terapêutico contínuos, porque sabemos que existe, algures, o conflito intrapsíquico entre o desespero destrutivo e o desejo de mudança. Trabalhar na dor crónica também é trabalhar com as dialécticas do desespero/esperança da alienação/identidade… Trabalhamos com e nos conflitos humanos. Como nos refere o psicanalista C. Amaral Dias, «o conflito é o pai da humanidade». Termino o presente artigo com o final do filme «Um Eléctrico Chamado Desejo», baseado na obra de Tennessee Williams e interpretado por Marlon Brando e Vivian Leigh. 30 Blanche (segurando-se com força ao braço do médico) diz: – Não sei quem o senhor é, mas… eu sempre dependi da bondade de estranhos. Bibliografia 1. Dagerman S. A Nossa Necessidade de Consolo é Impossível de Satisfazer. Fenda Edições; 1995. (Trabalho original publicado em 1955). 2. Alexandre MF. Mudanças Psíquicas no Processo Terapêutico- O papel do narcisismo. Fenda Edições; 2007. 3. Freud S. O Ego e o Id. Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1976. (Trabalho original publicado em 1923). 4. Freud S. Luto e Melancolia. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1974. (trabalho original publicado em 1917). 5. Wilde O. De Profundis. Editora Estampa; 1991. (Trabalho original escrito em 1897). 6. Bion WR. A Atenção e Interpretação. Rio de Janeiro: Imago Editora; 1970. 7. Ribeiro A. O Corpo que Somos- Aparência, Sensualidade, Comunicação. Casa das Letras/Editorial Notícias; 2003. 8. Bégoin J, Bégoin F. Réaction thérapeutique negative, envie, et angoisse catastrophique. Psycanal Europe. 1980;15:4-16. 9. Bégoin J. Do Traumatismo do Nascimento à Emoção Estética. Lisboa: Fenda; 2005. Dor (2010) 18 Síndrome Dolorosa Regional Complexa: O Desafio no Controlo Álgico Hugo Martins1 e Teresa Ferreira2 Resumo Os autores descrevem um caso clínico de síndrome dolorosa regional complexa (SDRC), cuja evolução clínica condicionou diferentes estratégias terapêuticas. A neuromodulação medular neste paciente foi uma opção terapêutica eficaz, após o fracasso dos tratamentos anteriores. Palavras-chave: Dor. Síndrome dolorosa regional complexa. Neuromodulação. Abstract The authors present a CPRS (complex regional pain syndrome) case report, whose clinical evolution implied different therapeutic strategies. In this patient, spinal cord stimulation was an efficient treatment, once the previous therapeutics had failed. (Dor. 2010;18(4):31-2) Corresponding author: Hugo Martins, [email protected] Introdução A SDRC é uma síndrome dolorosa em que a fisiopatologia ainda não está totalmente esclarecida, compreendida e muitas vezes apresenta uma evolução clínica imprevisível. É muitas vezes resistente a diferentes abordagens terapêuticas e a evolução natural nem sempre é favorável. O diagnóstico da SDRC é baseado em sinais e sintomas derivados da história clínica e exame físico. A abordagem farmacológica da dor e reabilitação física da função dos membros são os principais pilares da terapia e deve ser iniciado o mais precoce possível. Se, no entanto, não ocorrer melhoria da função do membro e a manutenção de dor severa persistente, deve-se considerar a utilização de técnicas invasivas para o controlo da situação álgica1. Caso clínico Homem, de 55 anos, agricultor, com acidente profissional em Janeiro de 1997, resultando traumatismo e esfacelo, membro superior direito. Antecedentes Pessoais (AP) síndrome canal cárpico esq., cirurgia Julho de 90; discectomia L4/L5 à esq., cirurgia Julho de 1994. 1Interno de Anestesiologia 2Anestesiologista Competência em Medicina da Dor OM Unidade de Dor Hospital Central do Funchal, Madeira E-mail: [email protected] Submetido a cirurgia de urgência, para amputação 1/3 distal do antebraço direito, sob anestesia geral, é prescrita analgesia no pós-operatório pela Unidade de Terapêutica de Dor iniciando carbamazepina. Março de 1997, na consulta de Terapêutica de Dor, refere dor no coto com trigger point, sem dor ou sensação de membro-fantasma, alterações discretas do humor. Efectua infiltrações na trigger zone com anestésico local (AL). Inicia amitriptilina e ajustes posológicos dos fármacos (carbamazepina e amitriptilina). Em Maio de 97, melhorado com reaparecimento posterior da sintomatologia álgica em Julho de 97, sendo efectuado infiltração plexo axilar (AL e corticóide) e posteriormente infiltrações do cubital e trigger point, apoio psicológico e ajustes posológicos. Situação dolorosa controlada apresenta episódios de tonturas, reduzindo-se a carbamazepina em Novembro de 1997. Setembro de 1998 apresenta desde algumas semanas agravamento da sintomatologia com características de dor neuropática SDRC tipo II (alodinia e hiperalgesia, sudorese intensa no coto, diminuição de temperatura no coto, palidez cutânea). Inicia, associada à carbamazepina, gabapentina com aumento progressivo, electro estimulação Artigo redigido em Dezembro de 2010 Revisto em Fevereiro de 2011 DOR Key words: Pain. CPRS. Neurostimulation. 31 DOR Dor (2010) 18 32 transcutânea (TENS), infiltrações cubital e trigger point e apoio psicológico, com controlo progressivo da situação álgica, melhoria do humor e aumento gradual da actividade (escala visual analógica [EVA] 1/0,5 Dezembro de 1998). Em Maio de 1999, palpitações, sendo efectuado Holter e observado e medicado na cardiologia por alterações de ritmo (extra sístoles supra ventriculares [ESSV] e raras extra sístoles ventriculares [ESV]), não referindo sintomatologia álgica. Em Junho/Julho de 1999, reaparecimento discreto da dor no membro superior direito e região escapular, com episódios de agravamento paroxístico ou eventualmente relacionados com a sua actividade agrícola acompanhada de sintomatologia neuropática com agravamento progressivo. Em Dezembro de 1999, cervicalgia, com irradiação ao membro superior direito, com dor escapular (compressão do aparelho de prótese?). Efectuada infiltração supra-escapular e inicia tramadol Retard. Em Janeiro de 2000, nódulo no coto, efectuados raios X (RX) e ecografia, neurinoma. Reavaliação clínica e terapêutica, efectuado bloqueio axilar, TENS, infiltrações trigger, tendo sido proposta ablação da lesão pelo neurocirurgia (excisão em Setembro de 2000). Melhorado, mantendo contudo a terapêutica com gabapentina, amitriptilina e tramadol Retard 200. Em Outubro de 2001, reaparecimento da sintomatologia anterior com cerca de um mês de evolução, sendo efectuada ecografia e RX do coto, apresentando neurofibroma do coto. Em Dezembro de 2001, é proposta a neuroestimulação como alternativa terapêutica. Em Janeiro de 2002 é efectuado estimulação electromedular (EEM) (1.o tempo) com implantação de eléctrodo cervical (definitivo em Fevereiro) com diminuição da terapêutica, suspendendo a gabapentina em Abril de 2002, não referindo queixas álgicas compatíveis com membro-fantasma, dor no coto ou alterações simpáticas. Em Setembro de 2002 apresenta dor totalmente controlada. Em Março de 2008, refere cervicalgias, após traumatismo cervical pós-queda. Efectuada tomografia axial computorizada (TC), tendo sido descrito no relatório, «alterações degenerativas do canal cervical». A EEM estava funcionando de forma adequada. Foi medicado com anti inflamatórios não esteroides (NAIDS) durante uma semana, com melhoria desta sintomatologia álgica. A 11 de Dezembro de 2008, durante a avaliação de rotina, foi detectada low bat. Posteriormente, a 11 de Setembro de 2009, bat end desde há cerca de quatro dias, com reaparecimento de dor de intensidade ligeira a nível do membro superior amputado. Efectuada a substituição completa do dispositivo, com implantação de um electrocateter de oito pólos e de uma bateria de maior longevidade (Prime®), com resolução da sintomatologia álgica. Assintomático em Dezembro de 2011. Discussão O caso descrito com 14 anos de evolução, demonstra o desafio que a abordagem destes doentes com SDRC nos impõe, apresentando muitas vezes sucessos e retrocessos terapêuticos de uma forma imprevisível, devido à variabilidade de progressão ao longo do tempo que caracteriza esta síndrome1. A SDRC é uma síndrome dolorosa que ocorre devido a uma complicação cirúrgica ou traumática, mais frequentemente de uma extremidade. Existem dois tipos de SDRC. A distinção é feita pela ausência de lesão nervosa comprovada no tipo I e da presença de lesão nervosa demonstrada no tipo II1,2. Este caso clínico respeita os critérios clínicos de diagnóstico resultantes do consenso de Budapeste3. Durante a evolução clínica inicialmente adoptou-se por atitudes terapêuticas conservadoras (carbamazepina, amitriptilina, tramadol), apoio psicológico e por técnicas de infiltração da trigger zone de acordo com o mecanismo álgico proeminente. Devido ao carácter recidivante e dinâmico do quadro álgico, houve necessidade de instituir técnicas analgésicas progressivamente mais invasivas, tais como: – Infiltração do plexo axilar com anestésico local e corticóide. – Infiltração supra-escapular com anestésico local e corticóide. – Excisão cirúrgica de neurinoma. – Neuroestimulação medular. Consideramos que a neuromodulação é uma opção terapêutica válida e eficaz (nível de evidência na SDRC 2 B+)1, quando esgotadas todas as hipóteses, para tratar a dor e melhorar a qualidade de vida em doentes criteriosamente seleccionados4,5. A neuromodulação é uma técnica invasiva no tratamento sintomático da dor crónica, reversível e não-destrutiva que está indicada quando fracassam todas as técnicas menos invasivas e não existe indicação cirúrgica6. Bibliografia 1. Van Eijs F, Stanton-Hicks M, Van Zundert J, et al. Complex Regional Pain Syndrome. Pain Practice. 2011;11:70-87. 2. Merskey H, Bogduk N. Relatively Generalized Syndromes, Classification of Chronic Pain. 2.a ed. Seattle, Washington: IASP Press; 1994. p. 40-3. 3. Harden RN, Bruehl S, Perez RS, et al. Validation of proposed diagnostic criteria (the ‘‘Budapest Criteria”) for Complex Regional Pain Syndrome. Pain. 2010;150:268-74. 4. Taylor RS, Van Buyten JP, Buchser E. Spinal cord stimulation for complex regional pain syndrome: A systematic review of the clinical and cost-effectiveness literature and assessment of prognostic factors. European Journal of Pain. 2006;10:91-101. 5. American Society of Anesthesiologists Task Force on Chronic Pain Management; American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine. Practice Guidelines for Chronic Pain Management - An Updated Report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Chronic Pain Management and the American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine. Anesthesiology. 2010;112:810-33. 6. Correia FD, Silva R, Ferreira T, Bebiano G. A Neuromodulação Medular. Biblioteca da DOR – Técnicas de Intervenção no Tratamento da Dor - parte II. 2008;14:30-45.