PSICOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: Formação, Atuação e Compromisso Social MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO E O TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE NA INFÂNCIA Aluna do Curso de Psicologia Luana Paula Vizotto*; Docente Curso de Psicologia Dr.ª Daniele Andrade Ferrazza Faculdades Integradas de Ourinhos; Ourinhos-SP, Brasil. Contato: [email protected]; [email protected] Palavras-chave: Psicologia da Saúde. Psicofármacos. Diagnósticos psiquiátricos na infância. Introdução O avanço da medicina ao longo dos últimos anos trouxe inúmeros benefícios para o tratamento e cura de doenças, porém também ocasionou uma excessiva dependência dos indivíduos às terapêuticas medicamentosas que são apresentadas a população como a solução para eliminar qualquer sofrimento, independente se a origem é orgânica ou psíquica. O rastreamento da medicina na tentativa de identificar possíveis portadores de supostas doenças ou mal-estares psíquicos não permaneceu limitado apenas aos adultos e, atualmente, percorre também os espaços educacionais com o intuito de identificar entre crianças e adolescentes essencialmente por meio possíveis de diagnósticos prescrições médico-psiquiátricos psicofarmacológicas que tratados prometem eliminar comportamentos considerados inadequados ou patológicos. Esse processo de psicopatologização da vida e medicalização do social não é um fenômeno enfrentado unicamente por adultos, pois na atualidade a infância também vem sendo alvo de inúmeras rotulações diagnósticas e prescrições medicamentosas (MOYSÉS; COLLARES, 2014). Na contemporaneidade, o Transtorno de Déficit de Atenção de Hiperatividade, “TDAH”, é um dos diagnósticos psiquiátricos mais determinados entre crianças e adolescentes. E o Metilfenidato, mais conhecido pelo nome comercial de Ritalina e Concerta, vem sendo o medicamento mais prescrito para o tratamento do suposto transtorno. (ITABORAHY; ORTEGA, 2013). Recentemente, o Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos (IDUM) divulgou informações que mostram que houve um aumento de 1.616% na venda do cloridrato de metilfenidato no Brasil entre os anos de 2000 a 2008, (IDUM, 2009). Informações muito semelhantes foram reveladas também pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária Brasileira - ANVISA que divulgou um boletim que denuncia um aumento de 75% na venda de metilfenidato, entre os anos de 2009 a 2011, prescrito para crianças e adolescentes brasileiros com idades que variavam entre 6 a 16 anos PSICOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: Formação, Atuação e Compromisso Social (ANVISA, 2013). A Ritalina e o Concerta, além do atual Venvanse, são os medicamentos prescritos para o suposto tratamento de crianças diagnosticadas com TDAH e passaram a ser considerados por diversos autores como um tipo “droga da obediência” (SOUZA, 2013; MOYSÉS, 2001). Considera-se que a criança ou adolescente que fazem uso de qualquer um desses medicamentos comportam-se conforme as exigências sociais, um tipo de efeito “tapaburaco” que deixa de lado as investigações das reais causas que geram problemas de aprendizagem ou maus comportamentos na escola. Nesta perspectiva, o presente trabalho tem como objetivo analisar o processo de psicopatologização do ambiente escolar que tem se amparado no discurso médico-psiquiátrico atual e discutir os aspectos contemporâneos que influenciam na proliferação de rotulações diagnósticas na infância, como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, e a disseminação de prescrições de psicofármacos. Para o desenvolvimento da presente pesquisa e com o intuito de embasar teoricamente o estudo proposto, foi realizada uma revisão bibliográfica da literatura crítica especializada pautada em publicações de livros, teses acadêmicas, sites institucionais e artigos científicos pesquisados em bases de dados, sem um recorte temporal específico. Resultados e Discussão Na contemporaneidade, vivencia-se um processo de medicalização da educação marcado por discursos médico-psiquiátricos que foram inseridos também no contexto educacional para auxiliar nas dificuldades com aquelas crianças e adolescentes que enfrentavam dificuldades de aprendizado e/ou comportamento considerado inadequado na escola. Os discursos médico-psiquiátricos que já se alastravam por diferentes contextos sociais e institucionais desde princípios do século XX, com objetivos de categorizar comportamentos, gestos e atitudes definidas como anormais ou patológicas, na contemporaneidade, será disseminado em sites, blogs, nas redes sociais, nos noticiários, em programas de televisão, entre outros meios de comunicação, com propósitos de divulgar supostos sintomas de doenças e tipos de diagnósticos de indivíduos considerados doentes e que necessitam de tratamento, principalmente medicamentoso. (FERRAZZA et al., 2010). Os discursos psiquiátricos predominam de determinada forma em âmbito social que, conforme comenta Lima (2005), a visibilidade do tema coopera para que todos tenham acesso à descrição dos sintomas, e os pais começam a reconhecer no cotidiano de sua família PSICOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: Formação, Atuação e Compromisso Social supostos “sinais”, “comportamentos” ou “sintomas” que indicariam a presença de algum transtorno, distúrbio ou desvio de seus filhos e filhas. Diferente de outras especialidades médicas, a psiquiatria não se baseia em marcadores biológicos que identifiquem no corpo do sujeito problemas relacionados aos sofrimentos e mal-estares e permanece ainda na atualidade dependente das narrativas de seus pacientes. Caliman (2009) ressalta que há uma dificuldade da psiquiatria em distinguir o normal do patológico, pois não há propriamente a visibilidade da suposta doença, como ocorre nas demais especialidades que se utilizam de testes e exames para definir diagnósticos. O fenômeno de banalização da prescrição de psicofármacos e da generalização do consumo de drogas farmacológicas é algo de interesse principalmente das indústrias farmacêuticas que são beneficiadas com a expansão da venda de medicamentos (CALIMAN, 2009). O conluio entre psiquiatria e as indústrias farmacêuticas tem perpetuado a determinação do diagnóstico de TDAH, uma das rotulações psiquiátricas mais comuns e modernas no âmbito da infância e que supostamente atingiria crianças e adolescentes que apresentariam supostos sintomas de desatenção, impulsividade e hiperatividade, conforme aponta Itaborah e Ortega (2013). Para Viegas e Oliveira (2014), a rotulação e a determinação diagnóstica de TDAH provocam diversos efeitos subjetivos em crianças e adolescentes saudáveis que apresentam alguma dificuldade ou problemas de aprendizagem, transformando-os nos principais e únicos culpados por seu insucesso. O TDAH deposita a culpa no sujeito por seu diagnóstico, retirando a responsabilidade social, familiar e educacional, pois desconsidera os conteúdos que o compõem, afirmando que a origem do problema é biológica, comenta Brzozowski e Caponi (2012, p. 956): “Os problemas sociais são transferidos para o nível individual, no qual existe unicamente a pessoa doente, sem levar em conta os determinantes sociais”. Ao enfatizar o problema como individual, a sociedade transfere a culpa apenas à criança ou ao adolescente, e o considera como doente sem identificar a origem das causas que o levaram a apresentar problemas, sofrimentos e mal-estares. Segundo Lima (2005), ao observar as determinações diagnósticas, como o TDAH, é necessário atentar-se a questão de que o mundo contemporâneo exige uma imensa plasticidade e que as consideradas hiperatividades e desatenções podem ser um produto cultural da atualidade, pois se exige que sejam feitas diversas tarefas ao mesmo tempo, que PSICOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: Formação, Atuação e Compromisso Social ocorra uma aprendizagem rápida a cada nova tecnologia e sistema, entre outras coisas que avançam numa frenética rapidez. Nessa configuração, o resultado da apropriação do saber-poder psiquiátrico no âmbito escolar se dá no momento em que a escola passa a utilizar o discurso médico constantemente no espaço educacional, resultando em altos índices de diagnósticos e em diversas determinações de transtornos de aprendizagem. Desde seu início a escola possui o caráter que vai além do sentido educacional, pois carrega consigo a pretensão de preparar o sujeito para o âmbito social, disciplinarizando-o e estabelecendo normas de comportamentos. Dessa forma, a escola também funciona “[...] como uma máquina de ensinar, mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar [...]” (FOUCAULT, 2008, p. 126). A escola buscou a configuração e a universalização do espaço escolar, e mesmo na infância e adolescência, período de constituição da subjetividade, busca classificar e capturar comportamentos, gestos e atitudes considerados anormais, agindo como determinante de discursos e práticas consideradas saudáveis e normais. (CÉSAR; DUARTE, 2009). Considera-se que o mundo contemporâneo está inserido em uma constante busca em encontrar uma descrição patológica que diga ao sujeito sobre seu comportamento, afirma Lima (2005), buscando sempre nomear o que não se encaixa, em “padrões” pré-estabelecidos. O professor ao deparar-se com sujeitos que fogem ao padrão considerado normal será o principal protagonista a encaminhar crianças com dificuldades de aprendizado e desobedientes a neuropediatras e psiquiatras que tendem a determinar medicações psicofarmacológicas a qualquer queixa escolar (GUARIDO, 2007; MOYSÉS, 2001). A rotulação diagnóstica também é vista como uma saída, uma forma de retirar a culpa dos pais pelo fracasso escolar, pois ao justificar as dificuldades dos adolescentes e crianças alivia-os da responsabilidade, conforme afirma Lima (2005). No âmbito educacional a situação não será diferente, pois a escola muitas vezes busca explicar seus problemas educacionais por meio de processos que culminam na medicalização da infância, uma maneira de solucionar e justificar problemas encontrados, retirando a responsabilidade da instituição escolar. Sobre isso, Moysés (2001, p. 30) comenta que: “trata-se de um grave problema educacional, de origem sócio-pedagógica como questão médica, tentando encontrar em cada criança, a nível individual, uma “doença” que justifique seu mau rendimento escolar”. Conclui-se que a educação vem amparando-se no uso de laudos e diagnósticos como tentativa de enfrentar as diversidades subjetivas que compõe o interior da sala de aula e PSICOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: Formação, Atuação e Compromisso Social utiliza-se de argumentos medicalizantes como subsídios para compreensão e justificativa das dificuldades do atual processo educacional no país. Dessa forma, a maneira pela qual as escolas têm se apropriado do discurso médico pelo imediatismo de resolver rapidamente as dificuldades e os fracassos pedagógicos, menospreza a problemática que os efeitos da rotulação diagnóstica poderão provocar na constituição subjetiva de crianças e adolescentes, que medicados com psicofármacos poderão também tornar-se uma geração de adultos toxicômanos. Referências ANVISA. (2013). Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Estudo aponta crescimento no consumo de metilfenidato. Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/wps/content/anvisa+portal/anvisa/sala+de+imprensa/menu+notici as+anos/2013+noticias/estudo+aponta+tendencia+de+crescimento+no+consumo+de+metilfen idato>. Acesso em: 19 jul. 2014. BRZOZOWSKI, F.; CAPONI, S. C. Determinismo biológico e as neurociências no caso do transtorno de déficit de atenção com hiperatividade. Physis, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 941-96, 2012. CALIMAN, L. V. A constituição sócio-médica do “fato tdah”. Psicologia & Sociedade. Rio de Janeiro v. 21, p. 135-144, 2009. CÉSAR, M. R. A.; DUARTE, A. Governo dos corpos e escola contemporânea: pedagogia do fitness. Revista Educação & Realidade. Rio Grande do Sul, v. 34, n. 2, p. 119-124, 2009. FERRAZZA, D. A.; LUZIO, C. A.; ROCHA, L. C.; SANCHES, R. R. A banalização da prescrição de psicofármacos. Paidéia, v. 20, n. 47, p. 381-390, 2010. FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2008. GUARIDO, R. A medicalização do sofrimento psíquico: considerações sobre o discurso psiquiátrico e seus efeitos na educação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 33, n. 1, p. 15116, 2007. IDUM. (2009). Instituto brasileiro de defesa do usuário de medicamentos. Aumenta em 1.616% o consumo da droga da obediência. Disponível em: http://www.idum.org.br/noticia53.html. Acesso em: 18 jul. 2014. ITABORAHY, C.; ORTEGA F. O metifenidato no Brasil: uma década de publicações. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 18, n.3, p. 803-816, 2013. LIMA, R. C. Somos todos desatentos?: O TDA/H e a construção de bioidentidades. Rio de Janeiro: Relume. Dumará, 2005. MOYSÉS, M. A. A.; COLLARES, C. A. L. Mais de um século de patologização da educação. Fórum: diálogos em Psicologia, n. 1 – jul./dez. 2014. MOYSÉS, M.A.A. A institucionalização invisível: crianças que não aprendem na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2001. SOUZA, M. P. R. Com que régua medimos nossas crianças? Blog do Educador: mídia autônoma e independente. São Paulo, 2013. Disponível em: < http://portaldoeducador.org/com-que-regua-medimos-nossas-criancas/ >. Acesso em: 26 fev. 2015. VIEGAS, L. S.; OLIVEIRA, A. R. F. Nuances: estudos sobre Educação. Presidente Prudente-SP, v. 25, n. 1, p. 39-58, 2014.