O Lado Feliz das Lágrimas - Universidade Fernando Pessoa

Propaganda
CMYK
19 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 6 de setembro de 2015
Editora: Ana Paula Macedo
[email protected]
3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155
Estudo sugere que o choro, depois
de provocar tristeza inicialmente, é capaz de
elevar o astral da pessoa. Especialistas
destacam o poder de alívio da reação emocional
O lado
feliz das
lágrimas
» ROBERTA MACHADO
O
Esses resultados indicam que chorar
pode ter um efeito terapêutico nas pessoas”
Asmir Gracanin, pesquisador da Universidade de Tilburg, na Holanda
“O cérebro precisa chorar
para a regulação emocional”
Armindo Freitas-Magalhães,
especialista da Universidade Fernando Pessoa, em Portuga
efeito relaxante do choro, outros mostram
que as lágrimas não trazem nada mais do
que tristeza. A nova pesquisa sugere que os
dois efeitos podem surgir: alívio emocional
após um momento inicial de desânimo. “Esses resultados indicam que chorar pode ter
um efeito terapêutico nas pessoas”, ressalta
Asmir Gracanin, pesquisador da Universidade de Tilburg, na Holanda, e principal autor
do novo estudo, publicado recentemente na
revista Motivation and Emotion.
Como a conclusão do estudo se baseia
apenas no relato dos participantes, os autores não descartam a possibilidade de o alívio
retratar uma falsa sensação positiva influenciada pela recente onda de tristeza. “Pode ser
que as pessoas gostem dessas mudanças e
que as sintam ou ao menos se lembrem delas
como alívio, embora isso seja um simples retorno ao estado inicial”, especula Gracanin.
“Precisamos de mais estudos como esse. Em
vez de perguntar às pessoas como elas se
sentem, seria útil medir o comportamento
que reflete seu humor. Isso é o que planejamos fazer em breve”, adianta o pesquisador.
Evolução
O experimento comportamental pode
não encerrar o debate sobre um dos mais intrigantes comportamentos humanos, mas
reforça antigas teorias que defendem o efeito
transformador das lágrimas. No século 4 a.C.,
o filósofo Aristóteles afirmava que o choro
pode livrar a mente de emoções suprimidas.
Charles Darwin acreditava que as lágrimas
traziam alívio para aquele que as produz,
embora, para o naturalista, esse fosse um
CMYK
calor súbito no rosto e o aperto na
garganta anunciam o que está por
vir: lágrimas começam a brotar e,
com elas, vêm a respiração pausada
e os soluços. Seja na companhia de alguém
ou em uma situação íntima, o choro parece
ser uma experiência catártica, que lava os
sentimentos incômodos de dentro para fora.
Por vezes, esse processo deixa a pessoa sem
fôlego, mais cansada do que ficaria depois de
praticar um exercício aeróbico. Mas, assim
como uma longa corrida, terminar uma boa
sessão de choro também deixa uma sensação de alívio, que, aos poucos, substitui a tristeza que vertia pelos olhos.
Essa montanha-russa emocional, garante
a ciência, é perfeitamente natural e tem um
efeito benéfico que justifica qualquer rosto
inchado ou maquiagem borrada. Um experimento feito recentemente mostrou que, embora as lágrimas tragam à tona sentimentos
negativos em um primeiro momento, provocam um efeito similar ao de um exercício de
relaxamento. No estudo, 60 pessoas participaram de uma sessão de cinema digna de, ao
menos, alguns olhos marejados. Em cartaz,
os filmes Sempre ao seu lado, que conta a história real de um cão japonês que passou anos
esperando em vão pelo dono falecido, e A vida é bela, produção ganhadora do Oscar em
que Roberto Benigni interpreta um judeu
confinado com o filho pequeno num campo
de concentração nazista.
Depois de ver os filmes, os voluntários foram questionados sobre como se sentiam.
Os 28 participantes que deixaram escapar algumas lágrimas admitiram que não se sentiam tão bem quanto estavam antes da exibição. Porém, quando essas mesmas pessoas foram entrevistadas novamente uma
hora e meia depois, elas afirmaram que haviam mudado completamente de humor e
que se sentiam ainda melhores do que estavam antes de assistirem às obras. Já quem
não se emocionou com a história de Benigni
nem com a do solitário cão não demonstrou
qualquer mudança de ânimo.
Os resultados, acreditam os autores do experimento, explicam por que pesquisas que
procuram medir os efeitos das lágrimas podem apresentar conclusões contraditórias.
Enquanto alguns trabalhos apontam para o
efeito incidental da liberação de fluidos. Para
Freud, os olhos marejados eram resultado de
reflexos involuntários que levavam à liberação dos sentimentos.
Ao longo do último século, diversos estudos se dedicaram a medir componentes químicos das lágrimas, mudanças hormonais,
variações nas atividades do sistema nervoso
e até mesmo a altura dos gemidos das pessoas acometidas por uma boa crise de choro.
Um estudo de biólogos evolucionistas da
Universidade deTel Aviv defende que o choro
é um tipo de mecanismo que demonstra
submissão e abaixa as defesas do indivíduo,
desfocando sua visão e colocando-o numa
posição pouco ameaçadora. O comportamento, acreditam os especialistas, teria sido
essencial para o fortalecimento das primeiras relações interpessoais e para a formação
de comunidades.
Essa hipótese é similar à defendida por
Ad Vingerhoets, pesquisador e autor de Why
only humans weep? Unraveling the mysteries
of tears (Por que somente os humanos choram? Desvendando os mistérios das lágrimas, sem publicação no Brasil). Para o psicólogo, as lágrimas teriam a função de sinalizar
um pedido instintivo de ajuda, resultado
evolutivo dos tempos em que nossos ancestrais precisavam comunicar a presença de
uma ameaça, sem, no entanto, chamar a
atenção de um possível predador.
A estratégia de sobrevivência seria reforçada pela capacidade altamente desenvolvida que os humanos têm de interpretar sinais
faciais discretos demais para outras espécies
notarem, como uma simples lágrima rolando pelo rosto de um colega ou de um familiar.
“Nossos bebês são criaturas muito desamparadas por um longo tempo quando comparados com outras espécies. Quando ainda somos muito dependentes dos outros, é importante ter um sinal que os estimula a nos ajudarem”, acredita o especialista, que também
participou do trabalho realizado por Gracanin e equipe.
Colírio do cérebro
O uso desse “lubrificante” natural e social,
ressaltam especialistas, é praticado desde a
gestação, quando expressões ligadas ao choro podem ser identificadas no rosto de bebês
em formação. Embora lágrimas não sejam visíveis em exames de ultrassom, as imagens
frequentemente mostram os fetos fazendo as
mesmas caretas que serão usadas para se comunicar com a mãe dali a algumas semanas.
No momento do nascimento, o grito do bebê
é um importante sinal de saúde.
Conforme crescemos, esse comportamento natural ganha o estigma de fraqueza, instabilidade emocional ou até mesmo
de uma possível intenção manipulativa.
Mesmo assim, as pessoas mantêm o instinto que trazem da infância e podem exprimir
sentimentos em momentos íntimos, quando as lágrimas ganham outro significado: a
exorcização da aflição que afeta o humor e
o comportamento. “O cérebro chora, independentemente do processo cognitivo. O
cérebro precisa chorar para a regulação
emocional”, defende Armindo Freitas-Magalhães, diretor do Laboratório de Expressão Facial da Emoção da Universidade Fernando Pessoa, em Portugal.
De acordo com o pesquisador e autor
do livro O poder das lágrimas, as gotas salgadas produzidas pelos olhos em um momento emocional são “o colírio do cérebro”, que ajuda na recuperação dos estados psicológicos de tensão. Portanto, ele
afirma que esse comportamento não deveria ser reprimido por homens ou mulheres, sejam eles adultos ou crianças. “As lágrimas representam um poder que foi sendo alterado ao longo da história, desde o
tempo em que chorar era demonstração
de fraqueza até aos dias de hoje, quando a
tolerância perante as lágrimas chega ao
ponto de considerá-las um vestígio de verdade e de vantagem.”
Download