do artigo

Propaganda
Castro
Coração na Copa do Mundo
Editorial
Rev Bras Cardiol. 2014;27(2):74-75
março/abril 2014
Editorial
Atesto para os Devidos Fins que o Senhor Está Apto a Assistir aos Jogos da Copa
I Hereby Declare that This Patient May Watch FIFA World Cup Soccer Games
Renata Rodrigues Teixeira de Castro
As orientações relacionadas aos exercícios físicos
devem ser estendidas aos torcedores?
O estresse mental e a raiva são conhecidos fatores
capazes de desencadear eventos cardiovasculares
como infarto agudo do miocárdio, arritmias malignas
e morte súbita1. A maior ativação do sistema nervoso
simpático decorrente do estresse mental leva ao
aumento da pressão arterial, redução da perfusão
miocárdica, aumento do consumo miocárdico de
oxigênio e aumento da instabilidade elétrica cardíaca,
precipitando arritmias cardíacas e infarto agudo do
miocárdio em indivíduos susceptíveis. Em alguns
casos extremos, o estresse mental pode provocar
disfunção ventricular aguda, situação conhecida como
“síndrome do coração partido”2.
O estresse psicossocial decorrente de catástrofes
naturais ou guerras, como terremotos e bombardeios,
é um conhecido fator desencadeante de eventos
cardiovasculares agudos3,4. No período mais intenso
de ataques de mísseis iraquianos sobre Israel houve
duplicação da incidência de infarto agudo do
miocárdio em Tel Aviv, quando comparada àquela de
períodos de paz3. Um estudo mais recente5 constatou
a maior incidência de síndromes coronarianas agudas
no período de três semanas após o grande terremoto
japonês em 2011, quando comparado ao mesmo
período nos dois anos anteriores.
Apesar de conscientemente não se poder igualar as
consequências socioeconômicas de tragédias como
aquelas acima relatadas com partidas de futebol,
muitos torcedores vivem a paixão pelo futebol ao
extremo. Carroll et al.6 constataram aumento de 25,0 %
na incidência de infarto agudo do miocárdio
relacionado ao jogo Inglaterra vs. Argentina, da Copa
do Mundo de 1998. Esse jogo foi decidido por pênaltis
e resultou na eliminação da Inglaterra daquela Copa.
Vale ressaltar que não houve maior incidência na
ocorrência de infarto do miocárdio na Inglaterra em
outros jogos dessa mesma Copa. Assim, os autores
sugerem que o elevado grau de tensão relacionado a
jogos definidos na disputa de pênaltis poderia ser a
causa da maior incidência de infartos encontrada.
Outro estudo encontrou aumento de 63,0 % na
incidência de morte súbita cardiovascular na Suíça,
durante a Copa do Mundo de 20027. Entretanto, mais
recentemente, Niederseer et al.8 concluíram que assistir
ao futebol não estava associado com aumento da
incidência de eventos cardiovasculares na Alemanha.
Às vésperas da Copa do Mundo do Brasil – o país do
futebol – o presente número da Revista Brasileira de
Cardiologia revisita o tema, desta vez com artigo que
avalia o comportamento da pressão arterial de
torcedores de Santa Catarina durante partida de
futebol de seu time. Apesar de ser um estudo que
avaliou um número limitado de pacientes e não
considerou dados relevantes (como a influência do
resultado da partida sobre as variáveis hemodinâmicas
estudadas), sua importância está na reflexão sobre as
orientações que deveriam ser dadas aos pacientes
torcedores. Se por um lado há grande preocupação em
orientar pacientes a respeito das indicações e limites
da prática de atividade física, os médicos não estariam
sendo pouco precisos ao sugerir aos pacientes
portadores de cardiopatias apenas que “evitem se
estressar?”
Quantos médicos orientam os pacientes adequadamente
sobre os riscos de exposição ao estresse mental? O que
Hospital Oeste D’Or - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Hospital Geral de Nova Iguaçu - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Universidade Iguaçu - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Hospital Naval Marcílio Dias - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Correspondência: Renata Castro
E-mail: [email protected]
Rua Olinda Ellis, 93 - Campo Grande - 23045-160 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Recebido em: 16/03/2014 | Aceito em: 27/03/2014
74
Castro
Coração na Copa do Mundo
Editorial
Rev Bras Cardiol. 2014;27(2):74-75
março/abril 2014
seria mais estressante do ponto de vista cardiovascular:
permitir que um paciente com cardiopatia assista a
uma imprevisível partida de futebol ou privá-lo desse
prazer, mantendo-o ansioso pelo resultado que só seria
revelado ao final da partida? Apesar de ainda não
existirem respostas corretas para essas perguntas,
trata-se de tema relevante no qual a sociedade científica
deve se aprofundar nos próximos anos.
Talvez um dia se chegue ao extremo de redigir atestado
médico liberando pacientes para assistirem a partidas
de futebol, como sugerido no título deste editorial. Por
enquanto, que se pratique o bom senso.
Katz et al.7 indicam que os pacientes sejam advertidos
sobre o risco da ocorrência de eventos durante partidas
de futebol e sugerem que seus familiares estejam
treinados a realizar manobras de reanimação
cardiorrespiratória. Não há dúvida de que a realização
da manobra de reanimação de forma adequada pode
salvar vidas, mas o impacto da implementação de
medidas de prevenção primária e de identificação de
indivíduos sob risco é certamente mais amplo. O teste
de reatividade cardiovascular ao estresse sensorial
apresenta-se como ferramenta potencialmente útil na
detecção de pacientes com maior risco de apresentar
eventos cardiovasculares em situações com elevada
carga de estresse, como aquela que ocorre enquanto
espectadores de partidas de futebol. Tais testes têm
por objetivo incitar situações de estresse mental
durante monitorização contínua do eletrocardiograma
e pressão arterial7 e a ocorrência de respostas exacerbadas
podem indicar, por exemplo, um maior risco de
desenvolver hipertensão arterial ou de apresentar
eventos cardiovasculares8. Estudos futuros poderão
avaliar a acurácia desses testes para identificação de
indivíduos que possam apresentar eventos
cardiovasculares (inclusive morte súbita) relacionados
aos jogos das próximas Copas do Mundo de Futebol.
Por enquanto, um desejo de boa leitura e poucos estresses
para nossos corações na Copa do Mundo – 2014!
Palavras-chave: Estresse psicológico; Futebol; Pressão
arterial; Morte súbita cardíaca
Keywords: Psychological stress; Soccer; Blood
pressure; Sudden cardiac death
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.
Referências
1. Mittleman MA, Maclure M, Sherwood JB, Mulry
RP, Tofler GH, Jacobs SC, et al. Triggering of
acute myocardial infarction onset by episodes of
anger. Determinants of myocardial infarction
onset study investigators. Circulation.
1995;92(7):1720-5.
2. Mesquita CT, Nobrega AC. Miocardiopatia
adrenérgica: o estresse pode causar uma
cardiopatia aguda? Arq Bras Cardiol.
2005;84(4):283-4.
3. Meisel SR, Kutz I, Dayan KI, Pauzner H, Chetboun
I, Arbel Y, et al. Effect of Iraqi missile war on
incidence of acute myocardial infarction and
sudden death in Israeli civilians. Lancet.
1991;338(8768):660-1.
4. Leor J, Kloner RA. The Northdridge earthquake
as a trigger for acute myocardial infarction. Am J
Cardiol. 1996;77(14):1230-2.
5. Nozaki E, Nakamura A, Abe A, Kagaya Y, Kohzu
K, Sato K, et al. Occurrence of cardiovascular
events after the 2011 Great East Japan Earthquake
and tsunami disaster. Int Heart J. 2013;54(5):247-53.
6. Carroll D, Ebrahim S, Tilling K, Macleod J, Smith
GD. Admissions for myocardial infarction and
World Cup football: database survey. BMJ.
2002;325(7378):1439-42.
7. Katz E, Metzger JT, Marazzi A, Kappenberger L.
Increase of sudden cardiac deaths in Switzerland
during the 2002 FIFA World Cup. Int J Cardiol.
2006;107(1):132-3.
8. Niederseer D, Thaler CW, Egger A, Niederseer
MC, Plöderl M, Niebauer J. Watching soccer is not
associated with an increase in cardiac events. Int
J Cardiol. 2013;170(2):189-94.
9. Sant’Anna ID, de Sousa EB, de Moraes AV, Loures
DL, Mesquita ET, da Nobrega AC. Cardiac
function during mental stress: cholinergic
modulation with pyridostigmine in healthy
subjects. Clin Sci (Lond). 2003;105(2):161-5.
10. Loures DL, Sant’Anna I, Baldotto CSR, Sousa EB,
Nóbrega ACL. Estresse mental e sistema
cardiovascular. Arq Bras Cardiol. 2002; 78(5):525-30.
75
Download