A força do El Niño

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A força do El Niño
Como as interferências no clima causadas pelo fenômeno são
debatidas pela comunidade científica
Instigado por El Niño, o furacão Pauline castigou a costa do México em 1997
Grandes quantidades de chuva entre o sul do Amazonas, o oeste de São Paulo e
o norte do Paraná. E, ao mesmo tempo, secas severas na região do
Nordeste. Com mais uma etapa da formação do El Niño iniciada em setembro de
2013, seu auge deve ser sentido na segunda metade de 2014, ano considerado o
mais quente desde o início das observações meteorológicas. Em São Paulo, o
fenômeno tem boas chances de provocar as tão esperadas chuvas acima da
média entre dezembro e fevereiro de 2015.
Objetivos de aprendizagem: Interpretar fenômenos do clima; Reconhecer
aspectos climáticos e suas relações com o cotidiano e a economia local
Mas, afinal, o que é o El Niño?
Trata-se de um fenômeno climático oceânico-atmosférico que se manifesta como
um aquecimento (de 3 a 8 graus acima da média, aproximadamente) das águas do
Oceano Pacífico nas proximidades da Linha do Equador. A comunidade científica
ainda não sabe afirmar sua periodicidade exata. No último século, por exemplo, ele
teria ocorrido cerca de 30 vezes, em intervalos de 2 a 11 anos.
O nome El Niño foi dado por pescadores latino-americanos em alusão ao Menino
Jesus (Niño Jesus, em espanhol), já que o fenômeno costuma ocorrer no mês de
dezembro, próximo ao Natal. A denominação teria surgido no Peru, país que há
tempos sente os esporádicos efeitos da diminuição da disponibilidade de pescados
nessa época do ano.
Não se sabe também ao certo o que causa o El Niño. Acredita-se que esteja
relacionado a uma diminuição natural da velocidade dos ventos alísios que sopram
no Hemisfério Sul. Normalmente, na porção sul-equatorial do planeta, os ventos
alísios sopram no sentido leste-oeste a uma velocidade média de 15 metros por
segundo.
Tais ventos constantes geram um aumento de cerca de 50 centímetros no nível
das águas do Oceano Pacífico nas proximidades da Austrália, além de promover a
formação de correntes de ar que empurram as águas superficiais, mais quentes,
em direção à Oceania. Uma vez iniciado o aquecimento, estima-se que seus
efeitos durem perto de 18 meses.
Isso é bom para a costa oeste da América do Sul. Como esses ventos alísios
favorecem a ocorrência da ressurgência – processo por meio do qual as águas
mais frias e ricas em nutrientes sobem à superfície oceânica graças à
movimentação das camadas mais quentes em direção ao litoral australiano – os
países costeiros podem contar com farta disponibilidade de pescados,
dinamizando a economia dos mesmos. A pesca da anchova na costa do Peru, por
exemplo, tem se mostrado uma das mais produtivas do mundo.
Nos anos de ocorrência do El Niño, percebeu-se que a velocidade média desses
ventos constantes que sopram em direção aos trópicos diminui para
aproximadamente 1 a 2 metros por segundo. A causa dessa redução ainda é um
mistério para os cientistas, cujas pesquisas ainda não chegaram a um veredicto
final.
O que se percebe, de fato, é que sem a força da ação dos ventos em condições
normais, o nível das águas eleva-se em direção à América do Sul e as águas
superficiais, pouco deslocadas, passam a ter sua temperatura aumentada.
Com esse aumento na temperatura da superfície do mar (TSM) do Pacífico lesteequatorial, muitas mudanças (com maior e menor intensidade, dependendo do ano
de ocorrência) passam a acontecer na dinâmica da circulação atmosférica
planetária. As transformações envolvem desde o aumento da evaporação em
determinadas áreas, ocasionando mais chuvas, até as estiagens mais severas em
outras regiões.
Aumento e queda anormais de temperatura também são perceptíveis. No caso da
costa oeste sul-americana, por exemplo, há um comprometimento do fenômeno da
ressurgência, levando à diminuição dos cardumes e à consequente perda
econômica dos países que dependem dessa atividade.
Apesar de registrado desde 1877, os maiores picos já alcançados pelos efeitos do
El Niño aconteceram nas últimas décadas, em especial nos períodos entre
1982/1983 e 1997/1998. O El Niño de 1982, por exemplo, causou tempestades
torrenciais em zonas do Equador, do Brasil e do Peru.
Nos EUA, aconteceram enormes tempestades e chuvas ao longo da costa da
Califórnia, causando prejuízos para a economia do país. Períodos de estiagem
também foram observados na Austrália, Indonésia e Índia, trazendo fome para
esses dois últimos países.
Os anos de 1997 e 1998 são considerados os mais devastadores. Os efeitos
extremos do El Niño teriam resultado na morte de 21,7 mil pessoas e 4,8 milhões
de desabrigados. Estima-se que mais de 117,8 milhões de pessoas tenham sido
afetadas e os prejuízos somados em 27 países teriam atingido perto de 33 bilhões
de dólares.
Em 1997, incêndios florestais de grandes proporções propagaram pela Indonésia e
Austrália. No Brasil, a faixa de fogo que se estendeu pela floresta alcançou 1,6 mil
quilômetros.
As consequências do El Niño
Sem dúvida, as regiões mais afetadas pelo El Niño têm sido aquelas mais
próximas ao Equador. Os países mais setentrionais, porém, também têm sentido o
seu efeito. No Hemisfério Norte, por exemplo, presume-se ter sido o aquecimento
anormal do Pacífico uma das causas das insuportáveis ondas de calor que
aconteceram em 2010.
Na América Latina, nos anos em que o fenômeno ocorre, uma massa de ar quente
e úmida, atuante no sentido noroeste-sudeste, é formada na região costeira do
continente, na altura do Equador, por causa do aumento da TSM. Como
consequência, a Colômbia (com exceção da parte litorânea), a Venezuela, a
Guiana, o Suriname e a Guiana Francesa sofrem com a redução das precipitações
e da vazão dos rios, enquanto no Equador e no noroeste do Peru ocorre
justamente o contrário. Já na região dos altiplanos boliviano e peruano, o El Niño
causa secas intensas.
Na Colômbia, as plantações de café são afetadas toda vez que as precipitações
diminuem. No México, a ocorrência do furacão Pauline (com chuvas de 200
milímetros em 24 horas), devastou a costa do Pacífico, principalmente a cidade
turística de Acapulco. As autoridades associaram a ocorrência da tempestade mais
violenta desde 1959 ao El Niño. No Peru, entre 1997 e 1998, enchentes e
deslizamentos assolaram o território.
Em inúmeras outras áreas do planeta, os efeitos da anomalia climática também
foram sentidos. Todos os continentes sofreram efeitos de secas prolongadas,
tempestades, tornados e incêndios que resultaram em mortos e desabrigados,
epidemias e perdas econômicas, sobretudo na agricultura.
No Brasil, a massa quente e úmida gerada pelo fenômeno desviará a umidade da
Massa Equatorial Atlântica (mEa) em direção ao sul do País. Entre as
consequências climáticas possíveis estão secas severas na região do Semiárido
nordestino, entre fevereiro e maio; secas atípicas no extremo norte do País,
aumentando a incidência de queimadas na região; aumento da temperatura média
e da pluviosidade no Brasil meridional, principalmente nos períodos de maio a
julho e setembro a dezembro, ocasionando enchentes; aumento da pluviosidade e
da temperatura média na Região Centro-Oeste; desvio da Massa Polar Atlântica
(mPa) para o Oceano Atlântico antes de atingir o Sudeste do País, promovendo
invernos mais amenos nessa região.
Como reflexo das mudanças climáticas, as perdas econômicas também
acontecem, atormentando principalmente os agricultores. Se por um lado o
aumento da pluviosidade pode levar a perdas no setor de grãos, por outro, o
aumento das médias térmicas nas regiões Sul e Sudeste significa ausência de
geada, o que beneficia o setor agrícola. No Nordeste, a estiagem traz perdas mais
significativas: prejuízos na pecuária, na agricultura, queda na oferta de eletricidade
e comprometimento do abastecimento de água.
Por se tratar de um fenômeno instável, esforços estão sendo feitos para
aperfeiçoar as previsões. Já há no Pacífico boias capazes de monitorar a
temperatura oceânica, medindo alterações que possam indicar a ocorrência do El
Niño. Com base nos dados fornecidos pelo Centro de Previsão de Tempo e
Estudos Climáticos (CPTEC) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe), cientistas brasileiros procuram entender de que forma o fenômeno se
irradia pelo oceano.
É de fundamental importância a previsão de alterações climáticas no território
nacional, não apenas para evitar perdas humanas e mobilizar com antecedência o
poder público, como também para estimar possíveis impactos negativos na
atividade agrícola.
Principais efeitos associados ao El Niño
• Águas mais quentes do que o normal no Pacífico Leste.
• Sensível diminuição da intensidade dos ventos alísios.
• Distribuição anormal da pressão atmosférica pelo planeta.
• Formação de nuvens convectivas sobre o setor centro-leste do Pacífico, com
ocorrência de tempestades.
• Presença de ar descendente sobre o Atlântico Equatorial, inibindo a formação de
nuvens.
• Secas atípicas no centro da África, Sudeste Asiático e América Central.
*Fabiana Zuliani Corrêa é professora de Geografia do Ensino Médio do Colégio
Santa Cruz e da Escola Beit Yaacov
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