INVESTIGAÇÃO DA CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS MATEMÁTICOS EM CRIANÇAS DO 1º E 2º CICLOS DO ENSINO FUNDAMENTAL Vitor Lira Veloso Yara Maria Leal Heliodoro Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) [email protected]; [email protected] Maria Cecília Antunes de Aguiar Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) [email protected] RESUMO A pesquisa se propôs a investigar como se processa a formação do conceito de espaço, em um nível de ensino subseqüente ao estudado por Aguiar (2006), com a perspectiva de também analisar sua articulação com as representações de objetos e figuras no espaço, assim como essas representações matemáticas se articulam com a medição de objetos, de deslocamentos, de distâncias e de figuras geométricas, o que conseqüentemente envolve a utilização dos números racionais na representação decimal. O estudo está ancorado na Teria dos Campos Conceituais (TCC) do teórico Francês Vergnaud (1991, 1994, 1996 e 2000) para quem o conhecimento está organizado em campos conceituais cujo domínio, se dá pelo sujeito ao longo da vida, através da experiência, da maturidade e da aprendizagem. Esta teoria se ocupa do desenvolvimento e da aprendizagem. De acordo com esta teoria, fica evidente a impossibilidade de se estudar as coisas separadamente. E é neste sentido que os campos conceituais são unidades de estudo frutíferas para dar sentido aos problemas de aquisição e às observações feitas em relação a conceitualização. Vergnaud (1991: 135), considera a TCC como “uma teoria cognitivista que visa a fornecer um quadro coerente e alguns princípios de base para o estudo do desenvolvimento e da aprendizagem de competências complexas, especialmente aquelas que decorrem das ciências e técnicas”. A Metodologia de coleta dos dados inclui: a caracterização da escola e do seu entorno - instalações, estrutura, rituais e o funcionamento pedagógico da escola; gestores e funcionários; e a uma observação da prática pedagógica de uma professora do 1º Ciclo do Ensino Fundamental. Nos três últimos meses de 2007, foi iniciada a observação, de uma turma de 2ª série (3° ano do 1° ciclo), acompanhada, em 2008, na 3ª série (1° ano do 2° ciclo). Foram observadas 72 horasaula, sendo as atuações de 29 alunos, entre 8 a 11 anos, registradas por meio de gravador de áudio e bloco de anotações. O registro em áudio foi transcrito, compondo um relato com as observações anotadas no diário de bordo, o qual foi analisado nas reuniões semanais do grupo da pesquisa. O conteúdo das aulas de Matemática observadas enfatizou as operações fundamentais, sendo o conceito de localização espacial trabalhado explicitamente numa aula de geografia, na qual utilizou o mapa do Brasil, dividido em regiões e estados. Nesta aula, foi possível inferir que os alunos utilizaram um “teorema-em-ação”, que não era completamente adequado, mas que consistia num passo inicial na construção dos pontos colaterais. Outro “teorema-em-ação” utilizado pelos alunos foi o de inferir a fronteira de um desenho pela relevância dada à espessura dos traços contidos nele, desconsiderando os diferentes componentes iconicamente em um mapa, como rios. físicos representados Dando prosseguimento, foi elaborada uma seqüência didática a ser aplicada na sala pelos pesquisadores que pretende provocar o surgimento dos conceitos alvos da presente pesquisa. Palavras-chave: Localização espacial; campo conceitual; formação de conceitos; prática pedagógica; Educação Matemática. Introdução Este trabalho deu continuidade ao estudo realizado por (AGUIAR, 2006), no qual o desenvolvimento do conceito de espaço em crianças foi investigado, com vistas a contribuir numa proposta pedagógica para a Educação Infantil. Faz parte de um projeto mais amplo que compreende localização espacial, medição e suas representações matemáticas. Propõe-se a descrever e analisar processos cognitivos e didáticos encontrados na prática pedagógica e na aprendizagem desses conceitos pelas crianças, assim como sua utilização e o exercício de competências perceptivo-gestuais, intelectuais complexas, lingüísticas ou simbólicas e sociais mobilizadas na resolução de problemas. E mais, investigar as principais dificuldades e possibilidades de crianças, quanto à aprendizagem e formação de conceitos envolvidos na construção e na sistematização de conteúdos básicos relativos ao eixo curricular da Matemática “Espaço e Forma” (BRASIL, 1997,1998), no 2º Ciclo do Ensino Fundamental, e seus rebatimentos nos blocos curriculares “Números e Operações” e “Grandezas e Medidas” (BRASIL, 1997,1998). A Teoria dos Campos Conceituais (TCC) do neopiagetiano Gerard Vergnaud (1991, 1994, 1996 e 2000) servirá como um dos suportes teóricos fundamentais do presente trabalho, desde que sua utilização no campo da didática, ou seja, no estudo dos processos de ensino e de aprendizagem. Esta teoria favorece, por um lado, a delimitação do conhecimento em campos conceituais, a especificação epistemológica na transposição didática do saber e, por outro, a descoberta de situações que dão sentido, significação aos conceitos, a explicitação dos invariantes operatórios subjacentes à ação e as diversas formas de simbolização do problema e de sua resolução pelo sujeito. (MAIA, 2000 e AGUIAR, 2006). De acordo com a TCC (VERGNAUD, 1991 e 1994) o conceito não se constrói isoladamente, mas num campo com outros conceitos. Sua constituição depende da interrelação entre três dimensões do conhecimento, sendo, então, definido por: C = { S; I O; }, sendo S = conjunto de situações que dão sentido ao conceito (a referência), O = conjunto de invariantes operatórios, mecanismos utilizados pelo sujeito na resolução do problema (o significado) e = formas possíveis de representações simbólicas utilizadas, tanto para a apresentação, quanto para a resolução e solução do problema. A TCC é uma teoria multidimensional do desenvolvimento, da conceitualização, que procura identificar as filiações e as rupturas entre as diversas formas de conhecimento em via de aquisição pelo indivíduo. Porém, nesse processo, as filiações dos saberes e dos fazeres não se realizam numa ordem fixa, como admitia Piaget (1977), mas através de uma hierarquia parcial dos conhecimentos práticos, ou abstratos (VERGNAUD, 2000). Ela leva em consideração tanto características pessoais do sujeito em situação, como o contexto situacional, no qual se insere a atividade do mesmo e os aspectos específicos do conhecimento em aquisição, em particular, as diversas formas de representação simbólica possíveis de serem utilizadas no processo de conceitualização. Justifica-se a preocupação com as representações matemáticas, entendidas aqui como representação decimal do número racional, na medida em que os números racionais representados na forma escrita de decimais são usados, freqüentemente, tanto no contexto escolar como no contexto do cotidiano, em situações de leitura, escrita e de operações, muitas vezes mecanicamente sem nenhuma preocupação com o significado. Muitos dos significados das operações presentes nos números naturais podem ser estendidos às situações que envolvem números racionais, tais como, problemas de estruturas aditivas, envolvendo transformação, combinação e comparação e de estruturas multiplicativas em diferentes situações como razão, comparação, configuração retangular, excluindo o raciocínio combinatório que não é extensivo aos números racionais não inteiros. De acordo com os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), (BRASIL, 1997) “é importante que as atividades de cálculo com números decimais estejam sempre vinculadas a situações contextualizadas, de modo que seja possível fazer uma estimativa ou enquadramento do resultado, utilizando números naturais mais próximos” A reflexão sobre as dificuldades no processo de aprendizagem e de ensino dos conceitos analisados deverá fornecer elementos para a construção e a vivência de alternativas de seqüências didáticas (ZABALA, 1998) que poderão conduzir à superação dessas dificuldades, e que também se alicerçarão na pedagogia de Paulo Freire (1999), entre outros, bem como em resultados de estudos realizados na área da Educação Matemática. Até o presente momento foram observadas a prática pedagógica de uma professora do 1° ciclo do Ensino Fundamental e as atuações de 29 alunos, entre 8 a 11 anos nas turmas sob sua orientação. Metodologia Este trabalho está sendo executado no 1º e 2º ciclos do Ensino Fundamental. Iniciouse em 2007 com a observação de uma turma do 3º ano do 1º Ciclo do Ensino Fundamental, que está sendo acompanhada, em 2008, no 1º ano do 2º Ciclo, desse mesmo nível de ensino. Inicialmente, o grupo de pesquisadores e suas respectivas orientadoras participaram de reuniões semanais, realizadas na UNICAP. Nestas reuniões, foram discutidos todos os passos do projeto e foram estudadas as teorias pertinentes à sua fundamentação teórica. Em seguida, apresentou-se o projeto de pesquisa na escola, para a anuência voluntária dos professores. Nessa reunião, participaram a gestora e doze professores do turno da tarde. Depois da aceitação dos professores e da escola, houve reunião com os pais para explicar a pesquisa e distribuir o termo de consentimento livre e esclarecido, para que os mesmos lessem e consentissem a participação dos filhos na pesquisa. Na metade do mês de outubro foi iniciada a observação em sala de aula, buscando analisar como as crianças compreendiam os conceitos-alvo da pesquisa, espontaneamente. Na maioria das aulas, não foram abordados estes conceitos, mas houve situações, e até em aulas de outras disciplinas, que não matemática, nas quais eles foram abordados. Todo registro foi realizado através da gravação das aulas e pela descrição minuciosa dos fatos, procedimento adotado em comum nas turmas componentes da amostra. Resultados Parciais A análise dos dados coletados na pesquisa possibilitou a caracterização de aspectos da instituição campo da pesquisa. É uma escola pública municipal da Prefeitura do Recife, que funciona regularmente nos três turnos e com as seguintes modalidades de ensino: Fundamental I, Educação de Jovens e Adultos e Educação Inclusiva. A turma foco deste subprojeto, em 2007, foi o 2º ano do 1º ciclo do Ensino Fundamental. Os conteúdos conceituais trabalhados nas aulas de matemática no período das observações contemplavam as quatro operações fundamentais (adição, subtração, multiplicação e divisão). Foram priorizados a resolução de algoritmos (continhas), o sistema de numeração decimal (unidades, dezenas e centenas) e a resolução de problemas. Das aulas observadas, o conceito de localização espacial foi trabalhado explicitamente pela professora, numa aula de geografia. A aula começou com a professora distribuindo um exercício numa folha de papel, onde havia o mapa do Brasil, dividido em regiões e estados. Observou-se nesta aula uma noção de espaço geográfico sendo construído. Este exercício consiste em identificar as regiões do Brasil e os estados que a compõem. Todos os estados possuem uma numeração e a legenda na parte inferior, indica o nome de cada região. Na aula anterior, a professora pediu que os alunos trouxessem lápis de cor, no intuito de identificar por cores cada região do Brasil e correlacionar com a legenda, também pintada com a respectiva cor da região. Houve a retomada de uma aula anterior, na qual a professora reiterou o fato de de todos terem residência no Brasil. O conteúdo da aula propriamente dito começou logo em seguida. Ela dividiu o país em suas cinco regiões, explicando: “A gente tem a região Norte, Sul, Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste”. Quando alguns alunos tentaram acompanhar a professora, e respondem “Leste e Oeste”, eles usaram um teorema-em-ação, baseado num conceito adquirido em aulas anteriores, onde estudaram os pontos cardeais. Para Vergnaud, um teorema-em-ação faz parte dos invariantes operatórios que o sujeito utiliza para solucionar uma determinada situação e com isso construir um conceito. Composto também dos conceitos-em-ação, os invariantes operatórios conduzem o indivíduo a respostas, corretas ou não, baseadas em conceitos que este já possui. Os teoremas-em-ação são proposições das crianças tidas como verdadeiras sobre o real. Como a divisão do Brasil em regiões, toma como referência os nomes dos pontos cardeais, Norte e Sul, os alunos inferiram os outros nomes, Leste e Oeste. Desse modo, é possível inferir que os alunos utilizaram um teorema-em-ação que não era completamente adequado para aquela situação, mas que consistia num passo inicial na construção dos pontos colaterais, ou seja, relacionar Norte com Leste, em Nordeste, e Sul com Leste, em Sudeste. A região CentroOeste foi considerada apenas em um sentido, o Oeste. Após a identificação de todos os estados da região Norte, a professora pede que enumerem os estados desta região e escrevam a quantidade na legenda, atribuindo mais uma característica à região. Posteriormente, ela pede aos alunos que pintem os estados da região Norte, junto com sua legenda, com a cor verde. Neste momento, alguns alunos não pintam a parte territorial acima do Rio Amazonas, este sem identificação. Eles consideram o rio como uma fronteira, ignorando o fato de ter ainda o estado do Amapá, o de Roraima e uma parte do Amazonas e do Pará a serem pintados. É possível interpretar que isto se deve ao conceito anterior que as crianças tinham de fronteira de uma figura. Quando as crianças consideram uma figura, ou uma determinada área delimitada, ela toma por referência, as linhas periféricas do desenho. No mapa, existem outros traços, referentes aos limites dos estados, mas estes não causam confusão, pois são mais delgados que aqueles que delimitam a região Norte. Como o Rio Amazonas está representado por um traço mais largo, ele foi confundido com um limite da região. Esta representação icônica do limite por meio do desenho interfere na compreensão da composição dos estados que pertencem a região, conceito recentemente apresentado pela professora. Por terem o conceito de limite de um desenho como anterior ao de estados que compõem uma região, encaram com menos relevância o fato de conterem estados ignorados na pintura, considerando o contorno mais destacado. Referências Bibliográficas AGUIAR, M. C. A. de. O desenvolvimento do conceito de espaço da criança e a educação Infantil: esquema e interações socioafetivas em situações problemas. 2006. 277 f.Tese (Doutorado em Educação) – Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 276p. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: matemática. Brasília, MEC/SEF, 1997. 142p. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 13 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. 168p. MAIA, L. S. L. A teoria dos campos conceituais: um novo olhar para a formação de professores. Boletim GEPEM. Rio de Janeiro: GEPEM. 36, 37-38. Fev. 2000. PIAGET, J. A tomada de consciência. Tradução de Edson Braga de Souza. São Paulo: Melhoramentos, Ed. Universidade de São Paulo, 1977. 211p. VERGNAUD, G. La théorie des champs conceptuels. Recherches en Didactiques des Mathématiques. Grenoble: La Pensée Sauvage, 10, 23, 133-70, 1991. ______. Le rôle de l'enseignant à la lumière des concepts de schème et de champ conceptuel. In: Artigue, M. et alii (ed.), Vingt des didactiques des mathématiques.Grenoble: La Pensée Sauvage, pp. 177-91, 1994. ______. Au fond de l’ action, la conceptualization. In BARBIER, J. I., Savois théoriques et savois d’ action. Paris: PUF, pp. 275-292, 1996. ______. Didactiques des mathématiques. Conferência realizada na Pós Graduação de Educação – UFRPE, 2000. ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Tradução de Ernani F. da F. Rosa. Porto Alegre: ArtMed, 1998. 224p.