CLITICIZAÇÃO PRONOMINAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO

Propaganda
Universidade Federal do Rio de Janeiro
CLITICIZAÇÃO PRONOMINAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE
JANEIRO: A INTERFACE SINTAXE-FONOLOGIA
Cristina Márcia Monteiro de Lima Corrêa
2012
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CLITICIZAÇÃO PRONOMINAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE
JANEIRO: A INTERFACE SINTAXE-FONOLOGIA
Cristina Márcia Monteiro de Lima Corrêa
Dissertação de Mestrado apresentada ao programa
de
Pós-graduação
em
Letras
Vernáculas
da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como
quesito para a obtenção do título de Mestre em
Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Orientadora: Profa. Doutora Silvia Rodrigues Vieira
Coorientador: Prof. Doutor João Antônio de Moraes
Rio de Janeiro
Março de 2012
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CLITICIZAÇÃO PRONOMINAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE
JANEIRO: A INTERFACE SINTAXE-FONOLOGIA
Cristina Márcia Monteiro de Lima Corrêa
Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira
Coorientador: Professor Doutor João Antônio de Moraes
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Examinada por:
___________________________________________________________________
Presidente, Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira – UFRJ (Orientadora)
_________________________________________________________________________
Professor Doutor João Antônio de Moraes – UFRJ (Coorientador)
_________________________________________________________________________
Professora Doutora Eliete Figueira Batista da Silveira – UFRJ
_________________________________________________________________________
Professor Doutor Alexsandro Rodrigues Meireles – PPG Linguística – UFES
_________________________________________________________________________
Professora Doutora Silvia Figueiredo Brandão – UFRJ, Suplente
_________________________________________________________________________
Professor Doutor César Augusto da Conceição Reis – PPG Linguística – UFMG, Suplente
Rio de Janeiro
Março de 2012
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CORRÊA, Cristina Márcia Monteiro de Lima.
Cliticização pronominal na região metropolitana do Rio de Janeiro: a
interface sintaxe-fonologia./Cristina Márcia Monteiro de Lima Corrêa. – Rio de
Janeiro: UFRJ/FL, 2012.
XXV, 278 f.: il.; 31 cm.
Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira
Dissertação (mestrado) – UFRJ/Faculdade de Letras/Programa de Pósgraduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), 2012.
Bibliografia: f. 248-253.
1. Cliticização pronominal 2. Sociolinguística 3. Fonologia Experimental.
I. Vieira, Silvia Rodrigues II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Faculdade de Letras, Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas. III.
Cliticização pronominal na região metropolitana do Rio de Janeiro: a interface
sintaxe-fonologia.
5
À minha avó Palmyra,
À minha mãe, Marcia,
À minha orientadora, Silvia,
que me ensinaram, dentre muitas coisas,
a importância do estudo, da ética e do trabalho.
6
AGRADECIMENTO
A Deus, por me dar oportunidade de viver, aprender, evoluir, contribuir; por
despertar em mim uma fé tão forte, que me move em direção à superação. Sem Ele, nada
poderia fazer.
À minha família. À minha mãe, Marcia, porque nunca hesitou em abrir mão do que
queria, e muitas vezes precisava, para garantir meu bem-estar e minha boa formação;
porque é minha mãe maravilhosa e todos os dias arranja um jeitinho de demonstrar isso.
Ao meu pai, Alvimar, que, da maneira que sabia ou podia, ajudava e reconhecia meus
esforços para ir adiante nos estudos. À minha irmã, Lívia, minha amiga de todas as horas, a
pessoa que melhor me conhece. Ao meu irmão, Fábio, por ser tão protetor. Aos meus avós
e padrinhos, Palmyra (in memoriam) e Adelino, que me mostraram que, com dedicação e
estudo, é possível alcançar os objetivos. Amo muito cada um!
À minha orientadora, Silvia. Palavras me faltam para agradecer-lhe como merece. É
uma alegria tão grande tê-la conhecido, ser sua aluna. É uma orientadora fantástica, a
melhor referência que eu poderia ter. Me ensina tanto... todos os dias. Não há dúvida de
que, sem sua ajuda, esse trabalho não ficaria pronto. Agradeço por acreditar e torcer por
mim. Agradeço por atender a cada pedido de socorro, pelas palavras motivadoras e pelas
explicações superdidáticas. Se não é possível agradecer adequadamente, posso ao menos
reconhecer que, nessa parceria, eu saí ganhando.
Ao meu coorientador, João Moraes. Sou grata por compartilhar sua ampla
sabedoria, dando orientações referentes à análise prosódica. Suas contribuições foram
essenciais e instigantes.
Às professoras Célia Lopes, Cláudia Cunha, Dinah Callou, Eliete Silveira,
Filomena Varejão, Marcia Machado, Mercedes Sebold, Silvia Brandão, Silvia Cavalcante e
Silvia Rodrigues, pelos cursos a que assisti, como ouvinte ou aluna regular. Em todos os
casos, a qualidade das aulas, os atendimentos para sanar dúvidas e a disponibilidade de
materiais colaboraram bastante para minha formação.
7
A Eliete Silveira, em especial, por sua humildade e generosidade. Sou grata por
poder contar com uma pessoa tão amável e competente, que trilha um caminho de sucesso
com empenho, ajudando as pessoas, tratando-as bem como gostaria de ser tratada. Sou
grata por estar sempre disponível para ajudar ou simplesmente para compartilhar as
situações do dia a dia. Por colaborar com minha formação acadêmica, por compor a Banca
e principalmente pela amizade, muito obrigada!
A Marcia Machado e Silvia Brandão. Agradeço por me terem como uma “filhota”,
conforme afetuosamente diz Silvia Brandão. Agradeço por serem duas mentoras com quem
convivi e aprendi durante praticamente todo o tempo em que fui aluna na UFRJ. Agradeço
as oportunidades de trabalho e de estudo que me proporcionaram, bem como os gestos de
carinho e as divertidas confraternizações de que participamos. Aproveito esse momento
para expressar que são duas pessoas por quem sinto enorme carinho e admiração.
A Alessandra de Paula, Andressa Abraão, Anna Carolina Avelheda, Carla Nunes,
Danielle Kely, Daniely Cassimiro, Hugo Chagas, Maria de Fatima Vieira, Fabrícia de
Sousa, Giselle Esteves, Maíra Paiva, Mara Mariano, Olívia de Mello Alves, Vinícius
Maciel e a tantos outros amigos que encantaram o convívio ao longo da graduação e
mestrado. Cada um do seu jeitinho tornou a trajetória especial.
A Alessandra de Paula, Andressa Abraão e Giselle Esteves, em especial. Três
amigas adoráveis, capazes de gestos ternos que me enchem de alegria e de confiança.
Agradeço a generosidade e o companheirismo. Obrigada, meninas!
A Danielle Kely. Agradeço suas colaborações, sobretudo nos momentos finais do
mestrado, os mais tensos de todos! Agradeço o apoio ultra-acadêmico!
A Maria de Fatima Vieira e Vinicius Maciel, por tornarem mais fraterno o ambiente
de estudo e de trabalho, por tornarem as viagens para congressos e as confraternizações
mais alegres, por me ajudarem sempre que necessário. São amigos muito queridos e
talentosos.
8
A Olívia de Mello Alves, uma grande amiga, por acompanhar e se importar com os
altos e baixos do percurso acadêmico. Viagem a Congresso sem dinheiro, desenvolvimento
de trabalho até a madrugada, resultado de concurso negativo? A Olívia estava perto, fosse
em pessoa, fosse em Messenger. Formatura, aprovação em concurso, confraternização? A
Olívia estava perto. Apoiando ou comemorando, sempre podia contar com ela, sempre
posso contar com ela. Obrigada por tudo!
A todos que colaboraram para a formação dos corpora, sem os quais este trabalho
não seria possível. Remeto um sincero agradecimento aos integrantes e voluntários do
Projeto intitulado Estudo comparado dos padrões de concordância em variedades
africanas, brasileiras e europeias e àqueles que efetuaram, para mim, gravações no
laboratório de acústica da Faculdade de Letras/UFRJ. Agradeço também ao Paulo Silveira,
que gentilmente me recepcionava no laboratório, manipulava os equipamentos e se
dispunha a ser um informante se eu precisasse.
Finalmente, dirijo meu agradecimento às instituições UFRJ, CNPq e CAPES,
devido aos financiamentos que recebi, por meio dos quais realizei e participei de diversas
atividades acadêmicas desde o início da graduação.
9
Esta pesquisa foi realizada com o apoio da
CAPES (ago./2010 a fev./2012).
10
SINOPSE
Estudo dos clíticos pronominais calcado em
princípios da Teoria da Variação e Mudança e da
Fonologia Experimental. Descrição da colocação
pronominal em contextos de complexos verbais
na fala de indivíduos de Copacabana e Nova
Iguaçu. Comparação entre as vogais átonas
de pronomes oblíquos e de sílabas pretônicas/
postônicas vocabulares. Investigação da direção
da ligação fonológica, com base em síntese de
vogal e teste de percepção auditiva.
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RESUMO
CLITICIZAÇÃO PRONOMINAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE
JANEIRO: A INTERFACE SINTAXE- FONOLOGIA
Cristina Márcia Monteiro de Lima Corrêa
Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira
Coorientador: Professor Doutor João Antônio de Moraes
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Letras Vernáculas (Setor de Língua Portuguesa), da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Língua Portuguesa.
A pesquisa abrange duas análises complementares: uma de cunho sociolinguístico e outra
de cunho prosódico. Primeiramente, de acordo com a Teoria da Variação e Mudança, foram
investigadas as possibilidades de colocação do clítico pronominal em sentenças com complexos
verbais, considerando duas comunidades de fala (Copacabana e Nova Iguaçu). Posteriormente,
consoante os pressupostos da Fonologia Experimental, foram investigadas as possibilidades de
ligação fonológica, visto que os clíticos pronominais podem ser incorporados por uma palavra à
direita (próclise) ou à esquerda (ênclise).
Em termos estruturais, um pronome átono pode localizar-se antes ou depois de um verbo.
No âmbito de complexos formados por um verbo auxiliar e um temático, teoricamente a variável é
composta por quatro variantes: Cl V1 V2, V1-Cl V2, V1 Cl-V2 e V1 V2-Cl. Na modalidade oral,
nem sempre é possível reconhecer a diferença entre V1-Cl V2 e V1 Cl-V2 (diferença que pode ser
evidenciada quando há elemento interveniente, pode até me dizer). Contudo, é possível distinguir, a
princípio, ao menos três posições superficiais: antes dos verbos (se pode dizer), entre os verbos
(pode se dizer) e depois dos verbos (pode dizer-se).
Os resultados da análise sociolinguística revelaram que: (i) o fenômeno funciona como
uma regra semicategórica (LABOV, 2003), em que a posição do clítico entre os verbos é a ordem
não-marcada; (ii) a posição anterior ao complexo verbal ocorre em construções modais em
contexto não inicial e exclusivamente com o clítico se indeterminador; (iii) a posposição ao
complexo é restrita às estruturas com V2 no infinitivo seguido de clítico acusativo de terceira
pessoa. Em termos extralinguísticos, o acesso à escolaridade é o fator responsável pela introdução
de estruturas distintas da variante preferencial e natural da variedade brasileira do português.
Com base em três experimentos de natureza fonético-fonológica, atestou-se que, em
situação com uma ou mais de uma forma verbal, os pronomes átonos assumem, geralmente,
comportamento essencialmente proclítico. Os resultados, embora demonstrem que a distinção entre
as estruturas com se seja bastante sutil, indicam que o pronome indeterminador apresenta
comportamento particular não só em termos sintáticos, mas também em termos fonéticos, com
ligação preferencial à primeira forma verbal.
De modo geral, a pesquisa, de natureza empírica, permite observar aspectos sintáticos e
fonético-fonológicos que, em interface, configuram efetivamente a cliticização pronominal.
Palavras-chave: cliticização pronominal, Sociolinguística, Fonologia Experimental.
Rio de Janeiro
Março de 2012
12
ABSTRACT
PRONOUN CLITICIZATION IN THE METROPOLITAN AREA OF RIO DE
JANEIRO: THE SYNTAX- PHONOLOGY INTERFACE
Cristina Márcia Monteiro de Lima Corrêa
Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira
Coorientador: Professor Doutor João Antônio de Moraes
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Letras Vernáculas (Setor de Língua Portuguesa), da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Língua Portuguesa.
Two complementary analysis have been developed in the present research: the first one is a
sociolinguistic investigation and the other one is a prosodic analysis. First, according to the Theory
of variation and linguistic change, possibilities of pronominal placement in sentences with verbal
complexs have been investigated, taking into consideration two speech communities (Copacabana
and Nova Iguaçu). Afterwards, grounded in Experimental Phonology patterns of phonology liaison
– if the pronominal clitics can be incorporated in the beginning of a word (proclitic liaison) or in its
ending (enclitic liaison) – have been established.
In structural terms, an unstressed pronoun can be produced before or after a verb.
Complexs formed by an auxiliary verb and a thematic verb present a variable which is composed
by four variants: Cl V1 V2, V1-Cl V2, V1 Cl-V2 and V1 V2-Cl. Oral data reveal that it is not
always possible to identify the difference between V1-Cl V2 e V1 Cl-V2 (difference that is clear
when there is an element inside the complex, pode até me dizer). However, it is possible to find at
least three superficial positions at first: before verbs (se pode dizer), between verbs (pode se dizer)
and after verbs (pode dizer-se).
The results of sociolinguistic analysis have revealed that: (i) the phenomenon functions as a
semicategorical rule (LABOV, 2003), according to which the clitic position between the verbs is
the unmarked order, (ii) the indeterminate clitic se occurs before the verbal complex in non-initial
modal constructions , (iii) the postponed pronoun is restricted to complexs with V2 in the infinitive
followed by accusative third person clitic [o/a(s)]. In extralinguistic terms, education is the relevant
factor for the introduction of structures which are different from the preferred and natural variant of
the Brazilian variety of Portuguese.
Based on three phonetic-phonological experiments, it was found that the unstressed
pronouns usually assume a proclitic pattern of liaison. The results show that, although the
distinction between the structures with se is highly subtle, indeterminate pronoun presents a
particular behavior in syntactic and phonetic terms, as it is attached to the first verb.
Overall, this empirical research allows to observe syntactic and phonetic-phonological
aspects that, in interface, delineate pronoun cliticization.
Key-words: pronominal cliticization, Sociolinguistics, Experimental Phonology.
Rio de Janeiro
Março de 2012
13
SUMÁRIO
ÍNDICE DE FIGURAS .................................................................................................. 16
ÍNDICE DE TABELAS.................................................................................................. 18
SÍMBOLOS E CONVENÇÕES ..................................................................................... 25
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 26
2. CLITICIZAÇÃO
PRONOMINAL
EM
COMPLEXOS
VERBAIS:
DELIMITAÇÃO DO TEMA ....................................................................................... 31
2.1. Cliticização .............................................................................................................. 31
2.2. Tipos de complexo verbal ........................................................................................ 32
3. CLITICIZAÇÃO PRONOMINAL: REVISÃO DA LITERATURA ................ 38
3.1. Abordagem tradicional-normativa ........................................................................... 39
3.1.1. Aspectos sintáticos ................................................................................................ 39
3.1.2. Aspectos fonético-fonológicos ............................................................................. 42
3.2. Abordagens não-prescritivas.................................................................................... 45
3.2.1. Compêndios gramaticais ....................................................................................... 46
3.2.2. Pesquisas científicas diversas ............................................................................... 52
3.2.2.1. Aspectos sintáticos: abordagem sociolinguística ............................................... 52
3.2.2.1.1. Estudos na perspectiva diacrônica .................................................................. 52
3.2.2.1.2. Estudos na perspectiva sincrônica .................................................................. 57
3.2.2.2. Aspectos fonético-fonológicos .......................................................................... 63
4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .......................................................................... 70
4.1. Teoria da variação e mudança ................................................................................. 70
4.2. Fonologia Experimental ........................................................................................... 76
5. METODOLOGIA .................................................................................................... 88
5.1. Tratamento variacionista.......................................................................................... 88
5.2. Tratamento fonético-fonológico ............................................................................ 108
14
5.2.1. Experimento 1 ..................................................................................................... 110
5.2.2. Experimento 2 ..................................................................................................... 112
5.2.3. Experimento 3 ..................................................................................................... 114
6. ANÁLISE ................................................................................................................ 119
6.1. Análise variacionista .............................................................................................. 119
6.2. Análise fonético-fonológica ................................................................................... 156
6.2.1. Experimento 1: características acústicas de proclíticos e enclíticos ................. 158
6.2.2. Experimento 2: características acústicas do pronome “se” no interior de
complexo verbal ............................................................................................................ 213
6.2.3. Experimento 3: a percepção da cliticização pronominal em enunciados (com
complexo verbal) modificados por ressíntese de fala ................................................... 227
7. CONCLUSÃO ........................................................................................................ 240
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 248
ANEXOS ...................................................................................................................... 254
Frases gravadas para o experimento 1 .......................................................................... 254
Formulários entregues a vinte juízes no experimento 3 ................................................ 257
Duração da vogal do pronome me e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 .. 259
Duração da vogal do pronome te e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 .... 260
Duração da vogal do pronome se e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 ... 261
Intensidade da vogal do pronome me e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 ...
...................................................................................................................................... 263
Intensidade da vogal do pronome te e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 .....
...................................................................................................................................... 264
Intensidade da vogal do pronome se e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 ....
...................................................................................................................................... 265
F1 da vogal do pronome me e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 ........... 267
F1 da vogal do pronome te e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 ............. 268
F1 da vogal do pronome se e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 ............. 269
F2 da vogal do pronome me e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 ........... 271
F2 da vogal do pronome te e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 ............. 272
15
F2 da vogal do pronome se e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 ............. 273
Duração das vogais estudadas no experimento 2 .......................................................... 275
Intensidade das vogais estudadas no experimento 2 ..................................................... 276
F1 das vogais estudadas no experimento 2 ................................................................... 277
F2 das vogais estudadas no experimento 2 ................................................................... 278
16
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1: Exemplos de colocação pronominal em relação a complexos verbais ................ 40
Figura 2: Exemplo de grade métrica com ênclise................................................................ 65
Figura 3: Interseção entre intensidade e frequência na produção de segmentos vocálicos . 83
Figura 4: Espaço acústico onde são definidas as vogais ..................................................... 84
Figura 5: Trapézio vocálico ................................................................................................. 84
Figura 6: Estratificação do corpus, segundo uma das localidades ...................................... 90
Figura 7: Vocábulos utilizados para as medições da sílaba clítica e da sílaba átona
vocabular/lexical ................................................................................................................ 110
Figura 8: Paralelismo fonético entre estruturas com complexo verbal – comparação entre
tipos de clítico se e entre clítico(s) e sílaba(s) pretônica(s) ............................................... 113
Figura 9: Apagamento vocálico na pronúncia da frase pode-se dirigir a 80 km na cidade
pelo informante 1 ............................................................................................................... 115
Figura 10: Relação de modificações feitas na etapa de ressíntese de fala ......................... 116
Figura 11: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e
pós-CV ............................................................................................................................... 119
Figura 12: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e
pós-CV na fala de indivíduos de Copacabana e de Nova Iguaçu ...................................... 127
Figura 13: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e
pós-CV na fala de indivíduos de homens e mulheres ........................................................ 128
Figura 14: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e
pós-CV na fala de indivíduos com diferentes graus de escolaridade ................................ 129
Figura 15: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e
pós-CV na fala de indivíduos em diferentes faixas etárias ................................................ 131
Figura 16: Relação de complexos verbais registrados no corpus e relação de pronomes que
ocorreram antes, no interior ou depois de cada uma dessas estruturas verbais ................. 138
Figura 17: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e
pós-CV, segundo os complexos verbais em que se observou alguma variação na colocação
pronominal ......................................................................................................................... 139
Figura 18: Contextos morfossintáticos antecedentes aos complexos verbais registrados no
corpus ................................................................................................................................ 146
17
Figura 19: Quantidade de votos, em percentuais, do clítico se ligado ao primeiro verbo
(ênclise) e ao segundo verbo (próclise) ............................................................................. 229
Figura 20: Quantidade de votos, em percentuais, do clítico se ligado ao segundo verbo
(próclise) ............................................................................................................................ 234
Figura 21: Representação escalar dos resultados dos testes de percepção auditiva de Corrêa
(2009) ................................................................................................................................ 234
Figura 22: Quantidade de votos, em percentuais, de clítico em estrutura indeterminadora e
em estrutura reflexiva ........................................................................................................ 236
18
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1: Valores médios de F1 e F2 em Hz de vogais em fala masculina ........................ 85
Tabela 2: Valores médios de F1 e F2 em Hz de vogais em fala feminina .......................... 86
Tabela 3: Índice geral de produtividade de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV
........................................................................................................................................... 119
Tabela 4: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal das sílabas pretônicas [me],
[mi] derivada, [mi] e da postônica [m]............................................................................ 160
Tabela 5: Significância das diferenças entre a duração da vogal das sílabas
vocabulares/lexicais [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ...................................................... 161
Tabela 6: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico me e da vogal das
sílabas [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ........................................................................... 162
Tabela 7: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico me [mi/m] antes
do verbo e depois do verbo ................................................................................................ 163
Tabela 8: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico me antes do
verbo e da vogal das sílabas [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ......................................... 163
Tabela 9: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal das sílabas pretônicas [te],
[ti] derivada e [ti] e da postônica [t]............................................................................ 164
Tabela 10: Significância das diferenças entre a duração da vogal das sílabas
vocabulares/lexicais [te], [t] derivada, [t] e [t] ......................................................... 165
Tabela 11: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico te e da vogal
das sílabas [te], [t] derivada, [t] e [t]......................................................................... 166
Tabela 12: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico te [ti/t] antes
do verbo e depois do verbo ................................................................................................ 166
Tabela 13: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico te antes do
verbo e da vogal das sílabas [te], [t] derivada, [t] e [t] ............................................. 167
Tabela 14: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal das sílabas pretônicas
[se], [si] derivada e [si] e da postônica [s] ...................................................................... 168
19
Tabela 15: Significância das diferenças entre a duração da vogal das sílabas
vocabulares/lexicais [se], [si] derivada, [si] e [s] ............................................................ 169
Tabela 16: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se
reflexivo/inerente e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] ............................ 170
Tabela 17: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se
indeterminador/apassivador e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] ............ 170
Tabela 18: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico se
reflexivo/inerente [si/s] antes do verbo e depois do verbo .............................................. 171
Tabela 19: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se
reflexivo/inerente antes do verbo e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] .... 172
Tabela 20: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico se
indeterminador/apassivador [si/s] antes do verbo e depois do verbo .............................. 172
Tabela 21: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se
indeterminador/apassivador antes do verbo e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e
[s]..................................................................................................................................... 173
Tabela 22: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal das sílabas pretônicas [me],
[mi] derivada e [mi] e da postônica [m] .......................................................................... 176
Tabela 23: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal das sílabas
vocabulares/lexicais [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ...................................................... 177
Tabela 24: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico me e da
vogal das sílabas [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ........................................................... 178
Tabela 25: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico me [mi/m] antes
do verbo e depois do verbo ................................................................................................ 178
Tabela 26: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico me antes do
verbo e da vogal das sílabas [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ......................................... 179
Tabela 27: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal das sílabas pretônicas [te],
[ti] derivada e [ti] e da postônica [t]............................................................................ 180
20
Tabela 28: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal das sílabas
vocabulares/lexicais [te], [t] derivada, [t] e [t] ......................................................... 181
Tabela 29: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico te e da vogal
das sílabas [te], [t] derivada, [t] e [t]......................................................................... 182
Tabela 30: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico te [ti/t] antes do
verbo e depois do verbo ..................................................................................................... 182
Tabela 31: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico te antes do
verbo e da vogal das sílabas [t], [t] derivada, [t] e [t] ............................................. 183
Tabela 32: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal das sílabas pretônicas [se],
[si] derivada e [si] e da postônica [s] .............................................................................. 184
Tabela 33: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal das sílabas
vocabulares/lexicais [se], [si] derivada, [si] e [s] ............................................................ 184
Tabela 34: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se
reflexivo/inerente e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] ............................ 185
Tabela 35: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se
indeterminador/apassivador e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] ............ 186
Tabela 36: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se
reflexivo/inerente [si/s] antes do verbo e depois do verbo .............................................. 186
Tabela 37: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se
reflexivo/inerente antes do verbo e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] .... 187
Tabela 38: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se
indeterminador/apassivador [si/s] antes do verbo e depois do verbo .............................. 187
Tabela 39: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se
indeterminador/apassivador antes do verbo e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e
[s]..................................................................................................................................... 188
Tabela 40: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [me], [mi]
derivada e [mi] e da postônica [m] .................................................................................. 190
21
Tabela 41: Significância das diferenças entre F1 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais
[me], [mi] derivada, [mi] e [m] ....................................................................................... 191
Tabela 42: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico me e da vogal das
sílabas [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ........................................................................... 191
Tabela 43: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico me [mi/m] antes do verbo e
depois do verbo.................................................................................................................. 192
Tabela 44: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico me antes do verbo e da
vogal das sílabas [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ........................................................... 192
Tabela 45: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [te], [ti] derivada
e [ti] e da postônica [t].................................................................................................. 193
Tabela 46: Significância das diferenças entre F1 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais
[te], [t] derivada, [t] e [t] ........................................................................................... 194
Tabela 47: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico te e da vogal das
sílabas [te], [t] derivada, [t] e [t] ............................................................................... 194
Tabela 48: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico te [ti/t] antes do verbo e
depois do verbo.................................................................................................................. 195
Tabela 49: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico te antes do verbo e da
vogal das sílabas [te], [t] derivada, [t] e [t] ............................................................... 195
Tabela 50: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [se], [si] derivada
e [si] e da postônica [s].................................................................................................... 196
Tabela 51: Significância das diferenças entre F1 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais
[se], [si] derivada, [si] e [s] ............................................................................................. 197
Tabela 52: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se reflexivo/inerente e
da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] ............................................................ 197
Tabela
53:
Significância
das
diferenças
entre
F1
da
vogal
do
clítico
se
indeterminador/apassivador e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] ............ 198
Tabela 54: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se reflexivo/inerente [si/s]
antes do verbo e depois do verbo ...................................................................................... 198
22
Tabela 55: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se reflexivo/inerente
antes do verbo e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] ................................. 199
Tabela 56: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se indeterminador/apassivador
[si/s] antes do verbo e depois do verbo ........................................................................... 199
Tabela
57:
Significância
das
diferenças
entre
F1
da
vogal
do
clítico
se
indeterminador/apassivador antes do verbo e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e
[s]..................................................................................................................................... 200
Tabela 58: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [me], [mi]
derivada e [mi] e da postônica [m] .................................................................................. 201
Tabela 59: Significância das diferenças entre F2 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais
[me], [mi] derivada, [mi] e [m] ....................................................................................... 202
Tabela 60: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico me e da vogal das
sílabas [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ........................................................................... 203
Tabela 61: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico me [mi/m] antes do verbo e
depois do verbo.................................................................................................................. 203
Tabela 62: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico me antes do verbo e da
vogal das sílabas [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ........................................................... 204
Tabela 63: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [te], [ti] derivada
e [ti] e da postônica [t].................................................................................................. 204
Tabela 64: Significância das diferenças entre F2 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais
[te], [t] derivada, [t] e [t] ........................................................................................... 205
Tabela 65: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico te e da vogal das
sílabas [te], [t] derivada, [t] e [t] ............................................................................... 206
Tabela 66: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico te [ti/t] antes do verbo e
depois do verbo.................................................................................................................. 206
Tabela 67: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico te antes do verbo e da
vogal das sílabas [te], [t] derivada, [t] e [t] ............................................................... 207
23
Tabela 68: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [se], [si] derivada
e [si] e da postônica [s].................................................................................................... 208
Tabela 69: Significância das diferenças entre F2 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais
[se], [si] derivada, [si] e [s] ............................................................................................. 208
Tabela 70: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico se reflexivo/inerente e
da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] ............................................................ 209
Tabela
71:
Significância
das
diferenças
entre
F2
da
vogal
do
clítico
se
indeterminador/apassivador e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] ............ 209
Tabela 72: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico se reflexivo/inerente [si/s]
antes do verbo e depois do verbo ...................................................................................... 210
Tabela 73: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico se reflexivo/inerente
antes do verbo e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] ................................. 210
Tabela 74: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico se indeterminador/apassivador
[si/s] antes do verbo e depois do verbo ........................................................................... 211
Tabela
75:
Significância
das
diferenças
entre
F2
da
vogal
do
clítico
se
indeterminador/apassivador antes do verbo e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e
[s]..................................................................................................................................... 211
Tabela 76: Significância das diferenças entre a intensidade da voga do clítico se
(reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba pretônica
[se] em pode seviciar ......................................................................................................... 216
Tabela 77: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se
(indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar.......... 216
Tabela 78: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar ........... 217
Tabela 79: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar ........... 217
Tabela 80: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar ........... 218
Tabela
81:
Valor
médio
de
F2,
em
Hertz,
da
vogal
do
clítico
se
(indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar.......... 219
24
Tabela 82: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se
(reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se curar e da sílaba pretônica
[si] derivada em pode segurar ........................................................................................... 220
Tabela 83: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se
(reflexivo/inerente) em pode se curar e da sílaba pretônica [si] derivada em pode segurar ..
........................................................................................................................................... 220
Tabela 84: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) em pode se curar e da sílaba [si] derivada em pode segurar220
Tabela 85: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente) em
pode se curar e da sílaba [si] derivada em pode segurar .................................................. 221
Tabela 86: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se
(reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se dar e das sílabas pretônicas
[se] em pode sedar e [si] em pode citar ............................................................................ 222
Tabela 87: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico se
(reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se dar e da sílaba pretônica [si]
em pode citar ..................................................................................................................... 223
Tabela 88: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se
(reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se dar e das sílabas pretônicas
[se] em pode sedar e [si] em pode citar ............................................................................ 223
Tabela 89: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se
(reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se dar e das sílabas pretônicas
[se] em pode sedar e [si] em pode citar ............................................................................ 224
Tabela 90: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) em pode se dar e das sílabas pretônicas [se] em pode sedar e
[si] em pode citar............................................................................................................... 224
Tabela 91: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) em pode se dar .................................................................... 225
25
SÍMBOLOS E CONVENÇÕES
Adv.
Advérbio
Ap.
Apud
Apass.
Apassivador
Cl
Clítico
Cf.
Confira, confronte
CV
Complexo verbal
dB
Decibel
Dur.
Duração
F0
Frequência fundamental
F1
Primeiro formante
F2
Segundo formante
Hz
Hertz
Ibid.
Ibidem
Indet.
Indeterminador
Intens.
Intensidade
ms
Milissegundo
Neg.
Negação
p
Índice de significância estatística
Refl.
Reflexivo
V1
Verbo (semi-)auxiliar
V2
Verbo temático ou principal
ω
Palavra fonológica
D.P.
Desvio padrão
26
1. INTRODUÇÃO
Os pronomes oblíquos átonos (ou clíticos pronominais) são elementos gramaticais
híbridos. Em alguns aspectos, assemelham-se a uma palavra; em outros, a um afixo. O fato
de eles poderem se deslocar nas adjacências do verbo – seja este expresso por uma só
forma, lexia simples (me dá, dá-me), ou por mais de uma, lexia complexa (me está
fazendo, está me fazendo, está fazendo-me) – aproxima-os do estatuto de palavra; todavia,
por manterem uma relação de dependência estrutural e acentual com outro termo da oração
(cliticização sintática e fonológica, respectivamente), esses pronomes também apresentam
características de afixo. Dessa forma, observa-se uma interface dos níveis fonéticofonológico, morfológico e sintático da gramática no tocante à caracterização dos pronomes
átonos. Este trabalho detém-se em especial nos níveis sintático e fonético-fonológico da
referida interface.
Em termos práticos, o trabalho propõe, primeiramente, uma análise variacionista
sobre a colocação pronominal em relação a complexos verbais a partir de dados
representativos da língua oral contemporânea de indivíduos da região metropolitana do Rio
de Janeiro. Apesar de diversos estudos terem avançado no entendimento da complexidade
que envolve os pronomes átonos, a referida análise fez-se necessária dada a ausência de
investigações que descrevam a norma de uso da colocação pronominal em contextos de
complexos verbais com dados recentes da comunidade de fala considerada. Assim sendo,
embora estudos anteriores proponham generalizações acerca da norma que se objetiva
descrever – e desse modo ajudem a traçar hipóteses e gerar novas perguntas –, a análise
variacionista foi fundamental para a depreensão do que efetivamente ocorre
contemporaneamente na variedade em questão.
Além dos estudos precedentes, situações do cotidiano também motivaram e
ajudaram a delimitar o objeto da pesquisa: frases como “eu não sei onde colocar o clítico”
e “em Portugal, não é natural usar o pronome dessa forma” apontaram objetivos a
perseguir. No primeiro caso, é nítida a confusão que se instaura entre norma objetiva e
subjetiva, pois todo falante nativo usa eficientemente sua língua materna, especialmente a
norma de sua comunidade de fala, mas experimenta a sensação de não saber usar
corretamente a própria língua. A segunda frase indica o uso diferenciado dos pronomes
átonos em variedades linguísticas, como a brasileira em relação à lusitana. Ambas as
situações ilustradas justificam, em parte, o interesse científico em caracterizar o
27
comportamento dos clíticos pronominais em variedades do Português em contraponto às
recomendações normativas, pois evidenciam a coexistência de normas distintas de
colocação.
Ao contrário do que possa parecer, o presente trabalho não tem por objetivo
principal comparar diferentes normas. A investigação sociolinguística centra-se na norma
de uso da comunidade de fala da área metropolitana do Rio de Janeiro, contemplando na
análise, sempre que necessário, aspectos de norma subjetiva, por se supor que afetariam o
comportamento dos dados descritos, na medida em que costuma ser progressiva a adoção,
conforme aumenta o nível de escolaridade, da noção de “uso correto” da língua. Além
disso, foram cogitados, na presente pesquisa, como possíveis condicionamentos para o uso
dos pronomes, aspectos formais que figuram não só nas regras e explicações das
gramáticas tradicionais, mas também em trabalhos descritivos relativos a outras variedades
do Português.
No âmbito sintático, em síntese, foi investigada, em termos sociolinguísticos, a
variação posicional dos pronomes átonos em relação a complexos verbais. Em que
posições os pronomes átonos costumam ocorrer, tomando por base a norma de uso do Rio
de Janeiro? Teoricamente, eles podem ocupar quatro posições: antes do complexo verbal
(me deve fazer); depois do complexo (deve fazer-me); e em seu interior, ligado à primeira
(deve-me até fazer) ou à segunda forma verbal (deve até me fazer). Como em raras
ocorrências se verifica a presença de elemento interveniente no complexo, presença que
asseguraria se o clítico está localizado na adjacência da primeira ou da segunda forma
verbal, nem sempre foi possível controlar as duas variantes no interior do complexo verbal
na análise variacionista, o que se esclarece melhor no capítulo referente aos procedimentos
metodológicos.
Em um segundo momento, a partir do que se conheceu acerca da variação que
envolve a colocação pronominal, sobretudo a respeito das estruturas que se mostraram
produtivas, foi desenvolvida a análise específica da cliticização no âmbito fonéticofonológico. Experimentos acústicos foram realizados com o intuito de definir as
características prosódicas dos pronomes átonos e, assim, verificar a direção prototípica de
sua ligação com o hospedeiro fonológico – inclinação do pronome para a direita, em
próclise fonológica (deve me-fazer), ou para a esquerda, em ênclise fonológica (deve-me
fazer).
28
Desse modo, a investigação sociolinguística permitiu o controle das motivações
eminentemente morfossintáticas – ainda que possíveis fatores fonéticos, como
‘tonicidade’, também tenham sido controlados – que atuariam na cliticização de natureza
sintática. Posteriormente, o caráter da investigação torna-se essencialmente fonéticofonológico, etapa em que, com base nos métodos da Fonética Acústica e da Fonologia
Experimental, foi possível aprofundar o estudo da cliticização de natureza fonológica.
Apesar de as análises terem sido realizadas separadamente, cada qual com seu aporte
teórico-metodológico, ambas não são totalmente independentes, pois os resultados de uma
colaboraram para o desenvolvimento da outra, caracterizando o estudo da interface sintaxefonologia dos clíticos pronominais.
Sabe-se que os clíticos, por serem desprovidos de acento, se apóiam em vocábulo
anterior (ênclise) ou posterior (próclise), ainda que esse hospedeiro fonológico não seja um
verbo. No caso dos complexos verbais, tomando como premissa o fato de o clítico ocupar
superficialmente as posições sintáticas pré, intra ou pós-complexo verbal, acredita-se que a
variante mais produtiva seja a intra-complexo verbal, com ligação prototípica em próclise.
Em outras palavras, espera-se constatar a hipótese de que a realização mais frequente seria
a próclise ao verbo temático, na forma nominal; mais que isso, espera-se depreender as
estruturas em que as demais variantes são realizadas.
Feita uma breve apresentação da temática e das pretensões da pesquisa, cabe
explicitar como o trabalho está organizado. Ao todo, são seis capítulos principais além
deste primeiro introdutório.
No capítulo 2, o próximo, o objeto da investigação é delimitado. Para tanto, são
elucidadas tanto as premissas de que se partiu para realizar a presente pesquisa, como a
perspectiva adotada de cliticização pronominal e de complexos verbais.
No capítulo 3, é feita uma revisão da literatura. Nele, são ressaltados pontos de
outros trabalhos que foram pertinentes à pesquisa, sobretudo para a definição das
hipóteses. Ele divide-se em duas grandes seções: a primeira abarca o que consta em
gramáticas tradicionais sobre os pronomes átonos nas perspectivas sintática e fonéticofonológica; na segunda, constam trabalhos sobre as normas de uso do Português – alguns
deles, gramáticas descritivas, e outros, pesquisas científicas diversas, que assumem uma
abordagem sincrônica e/ou diacrônica.
Do capítulo 4, consta a fundamentação teórica, em que são apresentadas as bases
teóricas das duas análises, a variacionista e a fonético-fonológica. Fundamenta o primeiro
29
momento da pesquisa a Teoria da variação e mudança (cf. WEINREICH, LABOV &
HERZOG, 1975; LABOV, 1972a, 1972b, 1994, 2003). Em relação ao segundo momento,
as bases teóricas relacionam-se, principalmente, ao campo da Fonologia Experimental
proposta por Ohala (1987, 1990) e às reflexões apresentadas por Carvalho (1989).
No capítulo 5, são descritas as metodologias utilizadas, o que implica descrever as
etapas de cada análise (variacionista e fonético-fonológica) e detalhar o modo como os
corpora foram constituídos. De modo geral, o tratamento variacionista consistiu em uma
análise qualitativa e quantitativa dos dados. Estes correspondem a todas as ocorrências de
clítico em complexo verbal – núcleo oracional complexo com mesmo referente-sujeito –
registradas na fala de indivíduos de duas localidades do Rio de Janeiro (Copacabana e
Nova Iguaçu). As pessoas entrevistadas diferenciam-se pelo perfil sociocultural, ordenado
por escolaridade (ensino fundamental, médio ou superior), sexo (homem ou mulher), faixa
etária (entre 18 e 35 anos, entre 36 e 55 anos ou com mais de 56 anos), e ainda localidade
onde habita desde criança (Copacabana ou Nova Iguaçu). Feito o levantamento das
ocorrências, procedeu-se à análise linguística de cada dado e ao tratamento computacional
para a quantificação do material. Por meio desse tratamento, foi possível a caracterização
dos dados por frequência, considerando sua distribuição (em valores absolutos e
percentuais) segundo cada contexto controlado.
O tratamento fonético-fonológico, diferente daquele variacionista, contou com
enunciados lidos e gravados em laboratório acusticamente isolado – circunstância
necessária para assegurar a desejável qualidade sonora, sem ruídos. Como os dados
necessários e a qualidade do material para a análise acústica não se encontram em
gravações de fala espontânea, recomendou-se previamente aos colaboradores a pronúncia
mais natural possível na leitura dos enunciados. Desse modo, as sentenças obtidas
permitiram realizar os experimentos, de modo a estudar (i) parâmetros acústicos da vogal
de clíticos pronominais, bem como de sílabas átonas vocabulares a que eles poderiam
corresponder, e (ii) a percepção da ligação fonológica, avaliada através de testes de
percepção auditiva aplicado a ouvintes brasileiros com enunciados originais e modificados
por meio de ressíntese de fala.
No capítulo 6, são descritos e interpretados os resultados de cada análise realizada:
variacionista e fonético-fonológica. Os resultados desta, por sua vez, serão explorados
respeitando a sequência com que foi desenvolvido cada um dos experimentos.
30
No capítulo 7, finalmente, são feitas as considerações finais. Nesse momento, a
partir das análises realizadas, são feitas a apreciação geral da pesquisa e as generalizações
cabíveis.
De modo geral, a pesquisa, de natureza empírica, permite observar que elementos
sintáticos e fonético-fonológicos, em interface, configuram efetivamente os padrões de
cliticização pronominal na variedade brasileira do Português. Esses padrões possibilitam
delinear o que configura não só o parâmetro preferencial adotado, mas também as
estruturas que resistem a esse padrão e sinalizam, em seu comportamento por vezes
oscilante, diferenças fonéticas indicadoras de construções morfossintáticas distintas.
31
2.
CLITICIZAÇÃO
PRONOMINAL
EM
COMPLEXOS
VERBAIS:
DELIMITAÇÃO DO TEMA
O tema do presente trabalho foi definido a partir da noção de cliticização
pronominal aplicada ao contexto de complexos verbais. Para o tratamento dessa noção, a
pesquisa baseou-se fundamentalmente em Klavans (1985), que postula parâmetros de
cliticização; quanto à delimitação dos complexos verbais, o estudo centrou-se nas
propostas de graus de auxiliaridade de Mateus et alii (2003 [1983]), que postula a
existência de construções auxiliares e semi-auxiliares, e de Machado-Vieira (2004;
mimeo), segundo a qual existem diferentes tipos de complexos verbais em função dos
estágios de gramaticalização de verbos “auxiliares”. Nesta seção, é feita uma breve
apresentação dessas concepções, assim como são ilustradas possíveis construções.
2.1. Cliticização
Clítico consiste em uma partícula átona com significação e função eminentemente
gramaticais. Em Português, corresponde aos artigos, a algumas preposições (a, de) e aos
pronomes oblíquos átonos [me, te, se, o/a(s), nos, vos, lhe(s)]. Estes – em que se detém o
trabalho – frente aos demais clíticos, apresentam um caráter singular, porque
correspondem a sintagmas, o que lhes permite mover-se em torno do núcleo verbal que os
seleciona.
Com uma palavra adjacente, identificada como hospedeiro, os clíticos mantêm
relações de dependência (fonológica e sintática), as quais configuram o fenômeno da
cliticização. A esse respeito, Klavans (1985) elege três parâmetros para caracterizar o
fenômeno em qualquer língua do mundo. Os dois primeiros dizem respeito à sintaxe
(cliticização sintática), enquanto o terceiro diz respeito à fonologia (cliticização
fonológica). Segundo a autora, cada um deles, apesar de configurarem, reunidos, uma
situação de interface, pode ser investigado separadamente; assim sendo, cabe apresentálos, destacando aqueles dos quais o trabalho se ocupa.
O parâmetro 1 corresponde ao parâmetro da dominância. Ele identifica o hospedeiro
sintático do clítico a partir da localização – inicial ou final – desse hospedeiro em relação à
posição que o clítico ocupa no domínio sintagmático. No caso dos pronomes oblíquos
32
átonos, o hospedeiro sintático consiste necessariamente em um verbo, cuja mobilidade na
oração não constitui objeto da presente pesquisa.
O parâmetro 2 corresponde ao parâmetro da precedência. Ele indica as posições que
o clítico pode ocupar em relação a seu hospedeiro sintático: antes ou depois. Esse
parâmetro ajuda a caracterizar o fenômeno analisado na primeira etapa da pesquisa, a
variacionista. Neste caso, devido ao fato de o hospedeiro sintático ser um complexo verbal,
os pronomes podem teoricamente ocupar as posições adjacentes ao verbo temático ou ao
verbo auxiliar (me deve fazer, deve-me até fazer, deve até me fazer, deve fazer-me).
O parâmetro 3 corresponde ao parâmetro da ligação fonológica. Carente de acento,
o clítico necessita apoiar-se em uma palavra acentuada; isso acontece através da ligação
fonológica estabelecida entre ele e seu hospedeiro fonológico, o qual não coincide
necessariamente com seu hospedeiro sintático. Esse parâmetro, então, determina a direção
da ligação fonológica: se o clítico se apóia na palavra à direita, a ligação é proclítica (deve
me-fazer); se ele se apóia na palavra à esquerda, a ligação é enclítica (deve-me fazer). Com
isso, definem-se as possibilidades que configuram o fenômeno analisado na segunda etapa
da pesquisa, de natureza fonético-fonológica.
Sendo o objeto de investigação a ordem e a ligação dos pronomes átonos, são
verificadas, inicialmente, as posições e as circunstâncias envolvidas na realização desses
clíticos em relação a complexos verbais. Na sequência, são analisados aspectos que possam
revelar a direção em que eles se projetam em termos fonético-fonológicos. Embora
tratados separadamente, os fenômenos designados (colocação pronominal ou ordem dos
clíticos pronominais, e cliticização fonológica) estão imbricados de tal forma que, por
vezes, sobretudo quando referidos na revisão da literatura, costumam ser relacionados.
Para complementar a caracterização do tema, falta esclarecer a configuração das
estruturas que foram consideradas complexos verbais.
2.2 Tipos de complexo verbal
Complexo verbal, neste trabalho, é concebido como uma unidade nuclear formada
por uma ou mais formas verbais (semi-)auxiliares acrescida(s) de um verbo temático na
forma nominal, de modo que possuam o mesmo referente-sujeito e o mesmo domínio de
predicação (vai fazer, pode fazer, começa a fazer, quer fazer). Embora haja essa
uniformidade, há diferentes tipos de complexos, decorrentes da natureza dos chamados
33
verbos (semi-)auxiliares que não tiveram ainda concluído o processo de gramaticalização1,
o que implica pressupor a existência de menor grau de integração com o verbo temático.
Haveria um continuum de auxiliaridade. Nele, os verbos seriam nivelados conforme
obedecessem a determinados critérios (cf. Mateus et alii, 2003 [1983]; Machado-Vieira,
2004, mimeo); quanto mais obediência a esses critérios, mais próximo de ser um auxiliar
legítimo o verbo estaria. Os extremos do continuum são ocupados, de um lado, por verbos
predicadores (pólo de lexicalidade), e, do outro, por verbos auxiliares (pólo de
auxiliaridade). Aqueles que estão entre um e outro são verbos semi-auxiliares, referidos,
neste trabalho, também como auxiliares, apesar das reconhecidas diferenças.
Mateus et alii (2003[1983]) elegeram seis critérios de auxiliaridade; MachadoVieira (2004, mimeo) expandiu para onze o número de critérios que definem um verbo
auxiliar. Alguns deles – os considerados fundamentais para a coleta dos dados – serão,
nesse momento, brevemente apresentados, a fim de elucidar como através deles foram
determinados os tipos diferentes de complexos verbais.
Um dos critérios diz respeito à projeção de argumentos pelo verbo predicador
(temático), ao fato de esse verbo determinar o número de argumentos necessários e
estabelecer com eles uma relação semântica. De acordo com esse critério, observando a
sentença mas eu vou te ensinar um método (Copacabana, homem, faixa B, ensino médio),
nota-se que o verbo ir atenderia à condição de auxiliaridade, pois o verbo ensinar seria o
responsável por projetar tanto o sujeito agente eu quanto o objeto um método.
Outro critério refere-se à impossibilidade de o verbo temático flexionar-se
formando uma oração subordinada completiva desenvolvida (por exemplo, tenho cantado
não corresponde a *tenho que cante, ou a outra estrutura qualquer desenvolvida). Em uma
locução verbal – termo que tradicionalmente remete a duas ou mais formas verbais em uma
mesma oração –, o verbo predicador não poderia desenvolver-se formando uma oração
introduzida por uma conjunção integrante (que ou se). Os complexos verbais que
admitissem essa transformação, ainda que obedecessem a outras condições de
auxiliaridade, seriam tão pouco integrados que poderiam ser interpretados como
integrantes de duas orações.
Ademais, para haver um verbo auxiliar e um verbo predicador, não poderiam
incidir sobre cada um adjuntos adverbiais de tempo diferente. Por meio da sentença hoje
1
Esvaziamento semântico (alteração semântica) e decategorização (alteração de categoria) transformando o
verbo predicador em verbo auxiliar – aquele que, na locução, carrega as informações gramaticais.
34
João vai sair, nota-se que, sobre o evento referido através de ambos os verbos, há o
domínio temporal expresso pelo adjunto hoje, de modo que não seria possível, por
exemplo, uma estrutura do tipo *Hoje João vai amanhã sair. Assim, novamente o verbo ir
atenderia a um critério de auxiliaridade.
Por fim, um último critério a ser mencionado refere-se à ocorrência de apenas um
referente-sujeito para o complexo verbal, o que pode ser observado em eu tava me sentindo
muito fraca (Nova Iguaçu, mulher, faixa A, ensino médio). O referente do sujeito que entra
em relação de concordância com o verbo estar é aquele que experiencia a sensação
expressa pelo verbo predicador (temático) sentir; desse modo, a forma verbal estar na
construção estar mais gerúndio atende a esse critério de auxiliaridade.
Dentre as diversas construções que podem ter verbos categorizados na literatura
como auxiliares ou semi-auxiliares, esta pesquisa não contempla aquelas que admitem
referentes-sujeito distintos para cada forma verbal da construção, como, por exemplo, as
dos tipos causativo e sensitivo. Considera-se que essas construções configuram duas
orações, de modo que, além de as formas verbais possuírem referentes-sujeito diferentes
(João mandou[-o] sair), o verbo temático pode ser substituído por oração subordinada
desenvolvida (João mandou que ele saia). Em se tratando da ordem dos pronomes átonos,
em alguns casos, não considerar essas estruturas é também uma necessidade no que se
refere ao tratamento da regra variável, visto que os clíticos estariam impedidos de antemão
de ocupar todas as posições previstas sem implicar mudança de sentido referencial.
Mandou-o sair, por exemplo, não pode ser intercambiável com mandou saí-lo; dessa
forma, não haveria a alternância que configura a variável dependente pesquisada (cf. item
4.1).
Com base nos critérios ora apresentados, foi possível caracterizar os complexos
verbais considerados na coleta dos dados, que contemplam uma diversidade de construções
formadas por verbo(s) (semi-)auxiliar(es) + verbo temático. Na presente pesquisa, foi
observada e codificada inicialmente cada forma verbal auxiliar encontrada no corpus
separadamente, de modo que os verbos não foram reunidos e categorizados de antemão,
sobretudo porque há um limite tênue entre algumas construções, como, por exemplo, as
temporais e as aspectuais. Para efeito de apresentação das construções que apareceram no
corpus, listam-se, a seguir, os tipos de complexos com base na categorização
habitualmente divulgada na literatura, que se baseia principalmente em aspectos
semânticos, decorrentes, muitas vezes, do sentido ainda resguardado do verbo (semi-)
35
auxiliar. Não se propõe, então, uma categorização rigorosa dos tipos de complexos verbais,
mas pretende-se apenas apresentar as estruturas registradas na análise variacionista.
De modo geral, foram elas:
- Complexos verbais de natureza temporal:
1. vou dizer para você... que: minha mãe e meu pai tenha me influenciado não porque:
eu não experimentei dentro de casa. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária B, ensino
fundamental).
2. você não sabe exatamente no que que você vai se especializar. (Copacabana, mulher,
faixa etária A, ensino médio).
3. alguém vai te dar uma Bolsa Família o resto da vida (Copacabana, mulher, faixa B,
ensino superior)
- Complexos verbais de natureza aspectual:
4. gosto como as coisas tão se encaminhando. (Copacabana, homem, faixa etária A,
ensino fundamental).
5. ela vai se: enriquecendo. (Copacabana, homem, faixa etária A, ensino médio).
6. você vê aquelas pessoas ali você acaba se sentindo inseguro de passar por elas.
(Copacabana, homem, faixa etária A, ensino médio).
7. e ali ele começou a se meter a se envolver com negócio de drogas. (Copacabana,
homem, faixa etária C, ensino médio).
8. aí eu passei a conhecê-lo. (Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino médio).
9. passamos uns... uns três meses sem se ver depois voltamos a se encontrar de no:vo.
Copacabana, homem, faixa etária B, ensino superior).
10. não sei quanto se roubava antes mas continua se roubando hoje. (Copacabana,
mulher, faixa etária B, ensino superior).
11. as mulher ficaram me olhando. (Copacabana, homem, faixa etária B, ensino
superior).
- Complexos verbais de natureza modal:
12. não se pode mais comparar o que era há vinte anos atrás. (Nova Iguaçu, homem,
faixa etária A, ensino superior).
13. e eu tive até uma atitude que não se deve ter né? (Nova Iguaçu, homem, faixa etária
B, ensino fundamental).
14. não é que ache que a pessoa não tem que se divertir [brincar] não... não eu acho
que tem. (Copacabana, mulher, faixa etária C, ensino fundamental).
15. a pior a partir do momento [em] que você se envolve com a política você não
precisa se envolver sendo político mas você estar interado dos assuntos estar interado
36
do que ocorre você se torna alguém capaz de mudar. (Copacabana, homem, faixa etária
A, ensino médio).
- Complexos verbais com semi-auxiliares de habilidade:
16. eu: tenho amigas assim pessoas que falam errado que não sabe se expressar. (Nova
Iguaçu, mulher, faixa etária B, ensino fundamental).
- Complexos verbais com semi-auxiliares volitivos:
17. não quero me formar. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental).
18. as pessoas passavam de bicicle:ta... assaltavam... todos os tipos de assalto que você
pode imaginar tentaram me assaltar. (Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino
superior).
19. procura se informar melhor das coisas com eles. (Copacabana, homem, faixa etária
B, ensino superior).
20. até que eu consegui levá-la pra lá. (Copacabana, homem, faixa etária C, ensino
superior).
- Complexos verbais com mais de um (semi-)auxiliar2:
21. eles estavam tentando me jogar dentro do carro. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária
B, ensino fundamental).
22. po meus filho vai ter que se formar... vai ter que se formar. (Nova Iguaçu, homem,
faixa etária C, ensino médio).
23. não dá razão pra ninguém ... porque ele não quer se estressar ... porque ele é
hipertenso então ele não quer ficar se estressando. (Copacabana, mulher, faixa etária A,
ensino superior).
24. ainda tou morando aqui ainda... porque eu já podia ter se mudado daqui.
(Copacabana, homem, faixa etária C, ensino fundamental).
Complexo verbal, então, corresponde a duas ou mais formais verbais em um
mesmo domínio de predicação. O verbo temático ou principal sempre ocorre na forma
nominal (gerúndio, particípio ou infinitivo), ao passo que a(s) forma(s) “auxiliar(es)”
aparece(m) flexionada(s), desde que a oração não seja reduzida.
Os clíticos pronominais podem vir teoricamente antes (pré-CV), no interior (intraCV) ou depois (pós-CV) desses complexos verbais. Nesta pesquisa, conforme já
anunciado, foram averiguadas, primeiramente, as circunstâncias que envolvem essa
2
Diferentemente das categorias anteriores, o critério para definir “complexos com mais de um verbo (semi-)
auxiliar” não foi semântico. Por apresentar mais de um auxiliar, a estrutura expressa mais de uma nuance; por
isso, em uma categoria à parte, foram considerados os complexos com mais de duas formas verbais.
37
suposta variação sintática; posteriormente, a análise fonético-fonológica busca verificar em
que palavra adjacente os pronomes se apoiam.
38
3. REVISÃO DA LITERATURA
O termo “norma”, em sua produtiva polissemia, pode remeter pelo menos a duas
noções: a um conjunto de regras postuladas como o uso ideal da língua (norma subjetiva
ou norma idealizada) ou a um conjunto de regras concretizadas por um grupo de falantes
(norma objetiva ou norma de uso).
A primeira noção, aos olhos dos usuários da língua, parece configurar uma norma
sempre defasada, porque a priori ninguém concretizaria o conjunto de regras idealizadas
por quem quer que seja; em outras palavras, as normas idealizadas não constituem
efetivamente uma variedade do Português. Sabe-se, porém, que, na medida em que
aumenta o grau de escolaridade do indivíduo ou seu contato com pessoas escolarizadas e
com diversificados meios socioculturais, a interferência das regras tidas como ideais na
norma objetiva praticada pelo falante tende a aumentar, pois, nesse processo, estão
imbricadas as noções de “certo” e “errado”, de “falar bonito” e “falar feio”, de inserção e
exclusão social.
Como o índice de escolarização e a comunicação entre pessoas de diferentes classes
sociais na comunidade de fala observada são elevados, por se tratar de regiões
metropolitanas, supõe-se que a influência da norma subjetiva, de modo geral, também seja
acentuada. Por esse motivo, neste capítulo, em uma seção dedicada à abordagem
tradicional, apresenta-se uma revisão do que as gramáticas normativas normalmente
postulam sobre a ordem dos pronomes átonos.
Do mesmo modo, em uma seção dedicada à abordagem não-tradicional, faz-se
alusão a algumas gramáticas descritivas e a trabalhos sobre a variedade brasileira que
possam, de alguma maneira, contribuir para o entendimento da norma de uso que se
objetiva descrever. A respeito da ordem dos clíticos, são resenhadas algumas pesquisas
sociolinguísticas, com foco diacrônico e/ou sincrônico; todas elas ajudam a traçar a
trajetória da variação do fenômeno e, dessa forma, podem auxiliar no estudo referente à
sincronia atual. Posteriormente, sobre o estatuto fonético-fonológico dos clíticos, são
mencionados um trabalho cunhado na Fonologia métrica e outros na Fonologia
experimental.
39
3.1. Abordagem tradicional-normativa
Três manuais gramaticais foram tomados como base desta seção: Bechara (2005
[1961]), Lima (2006 [1972]) e Cunha & Cintra (2001 [1985]). A respeito da ordem dos
pronomes átonos, todos eles fazem referência majoritariamente a aspectos sintáticos (as
estruturas em que os pronomes devem ocupar cada uma das três posições – “próclise”,
“ênclise” ou “mesóclise”3); em raros momentos, os autores reportam-se a aspectos
fonéticos. Ainda assim, podem-se verificar evidências, já em gramáticas normativas, de
uma provável interferência mútua entre os níveis sintático e fonético-fonológico no
fenômeno da colocação pronominal; por exemplo, quando apresentam uma explicação de
natureza fonética para justificar a ocorrência do clítico em determinada posição.
Nas descrições diversas que propõem, os manuais comentam que os pronomes
brasileiros apresentam comportamento singular (isto é, fazem alusão à norma de uso);
contudo, sobretudo em Lima (2006 [1972]) e Cunha & Cintra (2001 [1985]), são utilizados
exemplos literários para ilustrar a aplicação das regras, ratificando o intuito das gramáticas
em fazer recomendações para o “bom” e erudito uso linguístico, supostamente ideal.
A seguir, será sintetizado o que as referidas gramáticas tradicionais apresentam
sobre colocação pronominal em relação a complexos verbais; na sequência, serão descritas
as referências que versam especificamente sobre as propriedades fonéticas dos clíticos
pronominais e sua ligação fonológica com um dos termos adjacentes.
3.1.1. Aspectos sintáticos
Entre os compêndios gramaticais mencionados, as informações são praticamente
consensuais. Há poucas diferenças, decorrentes principalmente do maior ou menor grau de
detalhamento durante a apresentação das regras.
Nesses manuais, o complexo verbal – chamado normalmente de “locução verbal” –
é definido como um núcleo sintático formado por um verbo que carrega as noções
gramaticais de tempo, modo, número, pessoa, voz e aspecto (verbo auxiliar – V1) e outro
verbo no infinitivo, gerúndio ou particípio, que porta o valor lexical (verbo temático ou
3
Por não ser usual na oralidade brasileira, a mesóclise, considerada como um tipo especial de ênclise por
alguns gramáticos, constará, neste trabalho, apenas na revisão da literatura, visto que faz parte da trajetória
evolutiva dos pronomes átonos. Se houver alguma realização desta categoria no corpus, será analisada à
parte.
40
principal – V2). São exemplos das locuções abordadas construções como vai dar, pode
criar, vinha fazer, acaba escolhendo, está trazendo, ter comprado.
No capítulo dedicado à ordem dos clíticos pronominais, não se faz distinção entre
tipos de verbos auxiliares. Os autores distinguem os complexos apenas pela forma de V2.
Quando este se encontra no particípio, postulam que o pronome pode estar enclítico ou
proclítico a V1, o que significa que o clítico se localiza nas adjacências da forma auxiliar;
ou seja, nessa circunstância, apenas duas posições são concebidas para o pronome átono.
Não se admite a posposição do pronome a V2 participial, ao contrário de quando este se
encontra no infinitivo ou no gerúndio.
Considerando os padrões gerais estabelecidos tradicionalmente, são contempladas
primordialmente as construções a seguir exemplificadas:
Figura 1: Exemplos de colocação pronominal em relação a complexos verbais
me vinha fazer
vinha-me fazer
vinha fazer-me
me está trazendo
está-me trazendo
está trazendo-me
me ter comprado
ter-me comprado
Quando V2 se encontra no infinitivo ou no gerúndio, Bechara (2005 [1961]), Lima
(2006 [1972]) e Cunha & Cintra (2001 [1985]) postulam que o pronome, além de enclítico
ou proclítico a V1, pode vir enclítico a V2; portanto, três posições seriam possíveis. Para
Lima, além dessas posições, quando V2 se encontra no infinitivo, o pronome pode ser
também proclítico a ele, desde que entre as duas formas verbais haja uma preposição
(começou a se divertir); sendo assim, o autor atenta para a possibilidade de uma quarta
posição sintática. Grosso modo, então, como se adotou neste trabalho, até quatro posições
sintagmáticas são possíveis para um clítico pronominal, posições que se concretizariam e
se identificariam a depender da construção morfossintática em questão.
Por ora, cabe ainda esclarecer que, nesses manuais, os termos “próclise” e “ênclise”
se referem geralmente tanto à posição sintática quanto à ligação fonológica do pronome, ao
passo que, na presente pesquisa, eles são usados para indicar apenas a ligação fonológica
entre o clítico e seu hospedeiro fonológico, o qual não coincide necessariamente com seu
hospedeiro sintático. Para a ordem, como já foi explicitado, são utilizados os termos
“antes” e “depois” do hospedeiro sintático, o que permitiu a configuração das variantes
pré, intra e pós-CV. Desse modo, neste trabalho, os termos próclise/ênclise e antes/depois
41
não são respectivamente sinônimos; quando empregados em textos de orientação
tradicional, entretanto, esses termos podem ser correspondentes.
Nas três gramáticas observadas, são claramente apresentados os contextos em que a
próclise é recomendada; entretanto, nos casos em que se prescreve o uso da ênclise em um
CV, nem sempre se especificam se deve ser a V1 ou a V2, gerando incerteza quanto ao
elemento a que o clítico deve se ligar. Novamente, uma questão de ligação fonológica tem
repercussão sobre o que está sendo apresentado a respeito da colocação pronominal, pois
ser enclítico ao primeiro ou ao segundo verbo implica posições sintáticas diferentes.
Em relação à variação linguística, a ênclise (tida como elemento posposto) é
considerada, por princípio geral, a forma “normal”, uma espécie de variante default. São
apresentados, então, os contextos que determinariam a anteposição do pronome ao verbo.
Nesse aspecto, é preciso salientar que os manuais consideram fundamentalmente as
construções com apenas uma forma verbal. Das gramáticas consultadas, apenas em Cunha
& Cintra (2001 [1985]) esses contextos são listados em seção referente a clíticos em
complexos verbais. Apesar disso, todos os contextos apresentados por Bechara (2005
[1961]) e Lima (2006 [1972]) convergem para o que Cunha & Cintra (2001 [1985])
apresentam. De acordo com este manual, deve ocorrer a variante pré-CV quando o
complexo for precedido por palavra negativa, pronome ou advérbio interrogativo ou
integrar uma oração subordinada desenvolvida. Por fim, a próclise (tida como elemento
anteposto) seria facultativa quando o complexo é antecedido por uma palavra exclamativa
ou quando o complexo integra uma oração que exprime desejo.
Facultativa também seria a ordem pós-CV quando V2 se encontra no infinitivo,
ainda que haja alguma das características descritas anteriormente como propícias à ordem
pré-CV.
Em seção à parte, alguns comentários são normalmente feitos acerca do uso dos
pronomes átonos na variedade brasileira do Português; eles complementam as informações
postuladas anteriormente. Os autores concordam que, com frequência, a colocação
pronominal na realidade difere do que seus manuais prescrevem. A próclise a V2 seria
produtiva, estrutura esta não considerada em termos normativos, com exceção dos casos
com preposição ressaltados por Lima (2006 [1972]). Este autor acrescenta ainda, a
propósito, referindo-se à linguagem literária, que essa produtividade ocorre desde o
Romantismo e não envolve os clíticos acusativos, pois a fragilidade fonética desses
pronomes não propiciaria tal posição.
42
O reconhecimento feito pela tradição – ainda que em um plano secundário – de que
o clítico pode se ligar a V2 demonstra uma percepção da ligação fonológica do pronome a
uma das formas verbais, aspecto a ser abordado na próxima seção deste trabalho. No que
diz respeito à ordem dos elementos, importa a informação de que a variante intra-CV
concebida como próclise a V2 configuraria uma estrutura bastante recorrente, a ponto de as
próprias gramáticas tradicionais a registrarem como uma tendência da norma de uso
brasileira.
Em síntese, pode-se afirmar que a ênclise a V1 ou a V2 (esta não aplicável ao
particípio) são consideradas formas “originais”. Em outras palavras, essas variantes são as
posições indicadas normalmente para os contextos que não configuram estruturas que
promovam o deslocamento do pronome para antes do complexo verbal, listadas mais
comumente na seção referente a uma só forma verbal. Ademais, verifica-se que, mesmo
nas gramáticas normativas, se encontram alusões ao uso diferenciado dos pronomes na
variedade brasileira, sugerindo que a variante proclítica a V2 costuma ser produtiva nessa
norma de uso.
3.1.2. Aspectos fonético-fonológicos
Nas três gramáticas mencionadas, os termos “próclise” e “ênclise” são definidos
como uma partícula desprovida de acento que se apoia fonologicamente em uma palavra
seguinte e precedente, respectivamente. Ocorre que, de modo geral, aspectos fonéticos são
ressaltados, sobretudo, para explicar o comportamento morfossintático dos pronomes
átonos, seja quando indicam a que verbo o clítico está ligado4, seja quando apresentam
uma característica fonética para justificar a posição do clítico; por isso, não fica evidente
qualquer generalização acerca da cliticização fonológica em Português.
Quando Bechara (2005 [1961]) e Cunha & Cintra (2001 [1985]) tratam da
anteposição dos pronomes átonos a uma só forma verbal (lexia simples) por influência de
uma palavra atratora, mencionam que a pausa depois desse “atrator”, marcada ou não
grafematicamente, neutralizaria sua força de atração, pois um pronome átono não iniciaria
4
Nem sempre fica claro se se trata de ligação sintática ou fonológica, por utilizarem os termos “próclise” e
“ênclise” para destacar a posição que o pronome ocupa em relação a um ou mais verbos. Além disso, quando
se menciona ligação, normalmente ela articula o pronome e um verbo, o que acarreta dúvida quanto à
natureza dessa ligação, visto que o hospedeiro sintático do clítico é obrigatoriamente um verbo enquanto o
hospedeiro fonológico pode a princípio ser qualquer uma das palavras adjacentes ao pronome.
43
uma enunciação (finalmente, realizou-se a partida). Lima (2006 [1972]), por outro lado,
declara que, quando se trata de início absoluto, apesar da recomendação de posposição
(realizou-se a partida), a anteposição do pronome ao verbo (se realizou a partida)
ocasionaria uma sensação agradável, de eufonia. Assim, uma pausa, na abordagem de
Bechara (2005 [1961]) e Cunha & Cintra (2001 [1985]), impediria o pronome de ser
deslocado para antes do verbo, ainda que imediatamente antes dessa pausa haja uma
palavra atratora; todavia, Lima (2006 [1972]), referindo-se a início de elocução, que não
retrata apenas um momento de silêncio, afirma que parece bem construída a estrutura em
que o pronome precede o verbo começando um enunciado. No que se refere à cliticização
fonológica, as descrições tradicionais permitem aferir que tanto pausa quanto início
absoluto indicariam que o clítico, nessas circunstâncias, se liga fonologicamente à palavra
à sua direita.
Em termos de complexos verbais, Lima (2006 [1972]) acrescenta, ainda, que os
pronomes acusativos de terceira pessoa [o/a(s)], em virtude de sua fragilidade fonética, não
ocupariam a posição intra-CV.
Como se pode ver, as referências de natureza fonética são feitas, nessas gramáticas,
frequentemente a serviço da caracterização sintática da colocação pronominal, mas
Bechara (2005 [1961]) também mostra que a sintaxe pode contribuir para entender a
cliticização fonológica. Com tom descritivo, ele destaca que o grau de tonicidade de uma
palavra pode mudar em função da posição que ela ocupa no grupo de força a que pertence;
com isso, ele afirma que a ordem dos elementos pode interferir na tonicidade que possuem.
Desse modo, para ilustrar a situação, ele mostra que a palavra arco em arco desaparece
(Bechara, 2005 [1961]: 89) é tônica, mas em arco-íris (Bechara, 2005 [1961]: 89) é átona
proclítica; associando, assim, a variação de tonicidade a tipos de dependência sintática.
Seja em função da ordem ou do tipo de dependência sintática dos elementos constitutivos,
é estabelecida uma influência da sintaxe sobre a fonética. Assim sendo, da mesma forma
que se encontra evidência de interferência da fonética no comportamento sintático dos
clíticos, também ocorreria o contrário, sustentando a hipótese de uma mútua atuação das
duas faces gramaticais.
Afirmando a posição que o clítico está em relação ao hospedeiro fonológico –
aquele com o qual o clítico forma um “grupo de força” –, consolida-se a direção para a
qual ele se inclina. Desse modo, o comentário de Bechara permite inferir que a direção da
ligação fonológica do clítico interfere no padrão acentual da unidade vocabular formada
44
pelo pronome e a palavra vizinha acentuada a que se acoplou prosodicamente. Então, a
partir de uma análise fonético-fonológica dessas unidades vocabulares, provavelmente será
possível depreender as características acústicas dos pronomes átonos, que revelarão como
eles são realizados quando se projetam para cada uma das direções de ligação fonológica
possíveis.
Sobre a cliticização fonológica especificamente, observa-se que as informações
recolhidas figuram nas gramáticas normalmente nas seções em que os autores remetem, em
um tipo de anexo, à norma de uso brasileira. Talvez isso decorra da preocupação das
gramáticas em prescrever um uso ideal, sobretudo no tocante à modalidade escrita. Por se
tratar de algo que atinge acento/som/fala, parece que o fenômeno se afasta do interesse
primordial desses manuais.
Bechara (2005 [1961]) e Cunha & Cintra (2001 [1985]) chamam a atenção para
construções com clítico e complexo verbal em que V1 se encontra no futuro. Nesse caso,
na posição supostamente mais natural (intra-CV), em vez de ocorrer ênclise a V1, a
próclise a V2 (poderá se dizer) seria produtiva, para assim evitar que o pronome se
acoplasse a V1 na forma de mesóclise (poder-se-á dizer), estrutura não usual no Brasil.
Além disso, ainda sobre a próclise a V2, os autores destacam as construções com
pronome de primeira pessoa do plural (nos). De acordo com eles, tal próclise evitaria
algumas adaptações fonéticas da forma verbal, como acontece em Façamo-nos o que
pediram, em que V1 se modificaria levemente para hospedar o clítico, caso este fosse
enclítico a ele.
Como se pode ver, alguns aspectos fonéticos que dizem respeito aos pronomes
átonos são contemplados nas gramáticas normativas consultadas. A maior parte das
informações recolhidas sustenta a ideia de que essas propriedades devem ser investigadas
empiricamente. Sobre a ligação fonológica, pouco é mencionado. O que consta nos
manuais a esse respeito normalmente está associado à caracterização da colocação
pronominal. Observou-se que a posição e a ligação fonológica dos pronomes, nesses
compêndios, estão imbricadas de tal forma que os autores não versam sobre elas
separadamente, como dois fenômenos independentes.
45
3.2. Abordagens não-prescritivas
A observação da língua em uso para depreender suas regras de funcionamento não
consiste em uma tarefa recente. Esse mecanismo de pesquisa empírica já rendeu muitos
trabalhos, que têm avançado na meta de descrever e explicar o sistema da Língua
Portuguesa contemplando as diferentes normas de uso. Nesta seção, serão apresentados
gramáticas e trabalhos científicos de natureza descritiva, ressaltando suas colaborações
acerca das cliticizações sintática e fonológica.
Primeiramente, são revisadas duas gramáticas descritivas: Ali (2008 [1908]) e
Perini (2007 [1995]). A primeira mostra que, já no início do século XX, quando a primeira
edição da gramática foi lançada, existia uma reflexão teórica acerca de uma possível
atração fonética interferindo na colocação pronominal revelada a partir de textos literários
do Português arcaico (entre o séc. XIV e XVI). Ainda assim, é imprescindível resgatar o
que se observava nessa época e que ainda hoje pode influenciar o fenômeno da cliticização
pronominal.
Perini (2007 [1995]), por outro lado, corresponde a um compêndio gramatical com
uma descrição específica e mais recente da variedade brasileira. Ele remete ao que
configuraria o padrão de escrita moderna, especialmente registrada em textos técnicos e
jornalísticos. Não se compromete, pois, a descrever a norma de uso da língua falada por
uma comunidade de fala; mas, sem desconsiderar a variação linguística, reúne
características atuais dessa variedade especialmente no que tange à modalidade escrita.
Dessa forma, essas gramáticas descritivas reúnem generalizações do que seria o
comportamento dos pronomes átonos em Português. Elas divergem quanto à sincronia
retratada e quanto à variedade linguística em foco, mas ambas, de alguma forma,
colaboraram para a presente pesquisa.
Outros estudos, reportados logo após a seção referente às gramáticas,
primeiramente versam sobre a colocação pronominal e fundamentam-se na Teoria da
variação e mudança, com exceção de Cyrino (1996 [1993]), Pagotto (1992) e Galves &
Abaurre (1996), cuja abordagem busca conjugar aspectos sociolinguísticos e formalistas
voltados à análise da variação paramétrica. Por fim, remete-se a pesquisas sobre a
cliticização fonológica, cujas bases teóricas procedem da Sociolinguística e da Fonologia
prosódica.
46
3.2.1. Compêndios gramaticais
Ali (2008 [1908]) consiste em um trabalho de cunho filológico, cujas conclusões
estão baseadas em obras literárias do período que compreende os séculos XVI a XIX. A
respeito da colocação pronominal, o autor centra-se na descrição da norma lusitana, porque
as obras consultadas são basicamente de autoria portuguesa. Após fazer isso, Said Ali
aborda a norma brasileira, contrapondo brevemente as duas variedades. Neste caso, não é
especificada a sincronia retratada; a julgar que a descrição foi feita utilizando o presente do
indicativo, acredita-se que o momento referido foi final do século XIX e início do XX,
quando a obra foi produzida.
No que diz respeito à colocação pronominal em Portugal, o autor relata as posições
em que o pronome átono costumava ocorrer; eis o que diz: “O nosso pronome é, de fato,
pospositivo: ou ele se encosta ao verbo, ou ao outro vocábulo anterior” (ALI, 2008 [1908]:
24). Quando se colocava antes do termo regente (no caso do pronome átono, o verbo), o
pronome pospunha o elemento que provocou seu deslocamento, ainda que a atração
fonética o afastasse do verbo (muitos que se com elle foram – Fernão Lopes, ap. ibid. p.
24). De acordo com a declaração de Said Ali, as noções de cliticização fonológica e
sintática confundem-se, pois a posição sintática (estabelecida, na realidade, em função do
hospedeiro sintático, o termo regente), neste caso, é definida em função do termo ao qual o
pronome se liga (hospedeiro fonológico).
Embora se informem as situações em que o pronome costumava ocorrer, antes ou
depois do verbo, de acordo com a declaração de Said Ali, é evidente a referência feita à
necessidade de o clítico se apoiar em um termo vizinho, fosse este um verbo ou não. Assim
sendo, nesse momento, caracterizou-se a cliticização fonológica, de modo a definir a
ligação do clítico para a esquerda (enclítica) como a direção padrão. Desse modo, entendese, por exemplo, por que razão o clítico não iniciava o discurso; de acordo com Said Ali, o
pronome só iniciava uma oração quando esta era principal precedida de uma oração
subordinada adverbial.
Assim como se verificou nas gramáticas tradicionais, em Ali (2008 [1908]), a
ênclise (entendida como posposição do pronome ao verbo) é descrita como a construção
normal. O pronome ocuparia a posição que normalmente compete a um complemento, mas
manteria com o verbo uma relação de dependência fonética e sintática.
47
Mesmo em algumas circunstâncias em que se esperaria o deslocamento do pronome
para antes do verbo, essa ordem não era categórica; a atração, muitas vezes, não ocorria, ao
que parece porque a posposição era tão natural que um ou mais atratores precisariam
exercer uma “força” significativa para alterar a sintaxe original. Na linguagem intitulada de
pré-clássica, tal atração “falhava” com frequência.
Essa força atrativa, de acordo com Said Ali, era de natureza puramente fonética.
Determinado vocábulo anterior ao verbo solicitaria que o pronome fosse para sua
proximidade, e a ele o clítico se submeteria e se ligaria. Quando houvesse mais de um
“atrator”, o clítico localizar-se-ia ao lado daquele mais próximo do verbo.
A atração no Português arcaico podia, algumas vezes, afastar o pronome do verbo
de um modo que não se verifica na atualidade. Podia haver entre o pronome e o verbo um
sujeito ou algum outro termo (da guisa que vos eu digo – Fernão Lopes, ap. ibid. p. 24),
fenômeno que ficou conhecido como interpolação. Segundo o autor, já no século XVI, esse
tipo de construção começava a extinguir-se; no século XVII, a estrutura pré-verbal
contemplava o clítico imediatamente antes do verbo; a exceção ocorreria apenas em frases
negativas (que se não pede a par de que não se pede – ibid., p. 24).
Sobre as palavras que metaforicamente exerciam força atratora, Said Ali alerta para
o equívoco de tomar a classe gramatical em vez de analisar a “potência” de cada palavra.
Ele descreve, primeiramente, frases cujo pronome se encontrava antes de verbo na forma
simples. Observou-se que palavras negativas (não, nada, nunca, nem) atraíam o clítico,
assim como algumas preposições (especialmente de e para diante de verbo no infinitivo
flexionado, e em diante de verbo no gerúndio).
Em casos com preposição a, como em disposto a a abandonar, propenso a o
enganar ou propenso ao enganar (ibid., p. 34), haveria confusão entre o pronome e um
artigo. Dessa maneira, para desfazer a ambiguidade, o clítico ocorreria depois do verbo.
Essa tendência, por sua vez, se estenderia para construções com outros pronomes, além dos
acusativos de terceira pessoa.
Com potencial atrator, também atuavam algumas conjunções (se, quando, que, ou),
as palavras que denotavam individualização ou delimitação quantitativa (cada, poucos,
quantos, um deles), e os advérbios que expressavam circunstância.
Um sujeito ou um objeto, quando antes do verbo, também podia atrair o pronome
átono, desde que estivesse em situação de foco (deste estofo se fazem os grandes homens e
deste estofo fazem-se blusas, saias, vestidos etc – ibid., p. 51). Contudo, quando o objeto
48
era representado por um pronome pessoal oblíquo tônico, o uso do pronome átono podia
ser antes ou depois desse mesmo verbo (a mim me desconsola infinito/ a mim parece-se
demasiado dizer – ibid., p. 52).
Havia, ainda, um contexto em que o clítico pré-verbal era categórico: pronome em
frases iniciadas por palavra exclamativa ou interrogativa sem pausa antes do verbo
(Quanto se perde!/ Onde o viste? – ibid., p. 45).
Diversos vocábulos são apontados como atratores do pronome átono. Said Ali é
enfático ao dizer que a motivação para essa variação morfossintática é essencialmente
fonética. O filólogo associa tais vocábulos e a posição do pronome a uma harmonia
rítmica. Ele declara que
se a teoria da atração fonética é correta, necessariamente deslocarão também o pronome
átono quaisquer outros vocábulos, não pertencentes às categorias gramaticais até aqui
consideradas, que se unem, porém, igualmente antes do verbo, destituídos de entoação e
sem admitirem pausa. (ibid., p. 41).
Em outras palavras, não só os atratores apresentados até o momento, mas também
outros poderiam exercer uma “força” de modo a provocar o deslocamento do pronome
átono.
A respeito dos complexos verbais especificamente, pouco se explicita.
Primeiramente, Said Ali afirma que
o lugar próprio do regímen enclítico é depois do verbo principal; mas, como as duas
expressões verbais se pronunciam ligadamente, e o verbo subsidiário tem intensidade
mais fraca, há sempre a tendência de se unir ao vocábulo que se profere primeiro. (ibid.,
p. 52-3).
Quando se trata de complexo formado por V1 mais V2 no particípio passado, o
autor propõe uma regra diferente, pois o pronome não se ligaria ao segundo verbo.
Todavia, quando a ordem do complexo estava invertida, o pronome o sucederia (prometido
lhe está – ibid., p. 53).
Outra peculiaridade apontada na gramática envolve complexos com o auxiliar
haver de. Quatro posições são descritas como possíveis: depois do verbo principal (há de
mandar-me – ibid., p. 54), antes da preposição (então há-se de pronunciar a sentença, lá
há-se de esperar o tempo – Vieira, ap. ibid., p. 55) ou depois dela (há de me mandar –
ibid., p. 54), ou ainda antes do complexo verbal (daqui a poucas horas me has-de conhecer
– Herc., ap. ibid., p. 55). Nesse caso, por meio de um complexo com preposição
49
interveniente, evidencia-se a totalidade de posições que um clítico pronominal pode
ocupar, previstas na introdução deste trabalho.
Além disso, enquanto versa sobre complexos verbais, Said Ali explica que o futuro
do pretérito e do presente têm origem, no século XIV, no verbo no infinitivo combinado a
um verbo auxiliar. Isso é importante para entender o surgimento da mesóclise, atribuído à
não consciência pelos lusitanos da origem desses tempos verbais ou a uma percepção
confusa dessa evolução linguística, o que acarretou estruturas como obedecer-lhe-á
(obedecerlhe ha) e obedecer-lhe-ia (obedecerlhe hia) – ibid., p. 53.
No que concerne ao tipo de clítico e complexo, Said Ali descreve a produtividade
de pronome acusativo sucedendo V2 no infinitivo (quer guardal-o – ibid., p. 54).
No mais, por fim, quando contrasta características das variedades brasileira e
lusitana, o filólogo remete a noções de percepção auditiva: a fala lusitana soava mais
ligeira, ao passo que a brasileira parecia mais pausada. Isso provavelmente decorria das
diferenças de qualidade vocálica e acento constatadas por Said Ali:
lá o e final em me, te e se é tão abafado que mal se ouve... Cá estamos habituados a
empregar já certa acentuação quando o pronome vem anteposto ao verbo, dizendo
aproximadamente mi, ti e si; para nós brasileiros seria extremamente difícil pronunciar à
portuguesa me, te, se, lhe. (ibid., p. 57).
No Brasil, a depender da colocação, o pronome possuiria um grau de acentuação
diferenciado – quando posposto, seria mais átono que quando anteposto. O mesmo não
aconteceria na variedade lusitana, quando o pronome teria grau semelhante de fragilidade
acentual em qualquer das posições.
Além do acento, o autor propôs que a vogal média do pronome átono brasileiro
seria claramente alteada, enquanto a do pronome lusitano tendia a ser percebida como um e
breve. O mesmo descompasso foi registrado quanto ao pronome relativo que, notado na
norma brasileira como qui e na portuguesa como que.
Tal como em Portugal, os pronomes átonos não iniciariam discurso na linguagem
literária brasileira; mas, nesta, haveria uma maior liberdade na colocação pronominal,
resultante do uso geral, que privilegiaria a anteposição do pronome ao verbo e a próclise.
Em síntese, os pronomes átonos no Português arcaico, segundo Ali (2008 [1908]),
eram naturalmente enclíticos e pospostos, salvo quando alguns contextos ou palavras
atratoras provocavam seu deslocamento para antes do verbo. Sobre as construções com
complexo verbal precisamente, pouco se descreve, mas notou-se variação relacionada à
forma do verbo principal, à forma do clítico e ao verbo auxiliar, especialmente se era haver
50
de. Em se tratando de variedade brasileira, a cliticização pronominal parece ter se
desenvolvido de forma distinta: os clíticos, nem sempre tão átonos, não teriam de forma
tão natural o padrão de colocação e ligação fonológica semelhante ao lusitano.
Perini (2007 [1995]), diferentemente de Ali (2008 [1908]), objetivou descrever o
padrão de escrita não-literária (jornalística e acadêmica) da variedade brasileira no final do
século XX. No que concerne aos pronomes átonos, o autor versa sobre a colocação
pronominal, ressaltando motivações morfossintáticas para a variação. Em virtude do objeto
de observação de Perini (2007 [1995]), não foi valorizada a descrição da cliticização
fonológica
nem
foram
apresentadas
características
fonéticas
para
explicar
o
comportamento sintático desses pronomes.
Em princípio, são mostradas as posições em que um clítico pronominal podia
ocorrer, fosse o núcleo da oração uma lexia simples ou complexa. Neste caso, a regra geral
consistia em o clítico ser colocado após V1 ou V2, desde que não houvesse um elemento
que o atraísse para antes desses verbos.
Antes de elucidar os elementos que exercem atração, Perini ressalta algumas
circunstâncias em que próclise/ênclise não seria usual. De acordo com ele, não constitui a
opção preferencial na escrita culta padrão descrita a construção formada por próclise em
início de oração não-subordinada ou logo após um elemento topicalizado. A ênclise, por
outro lado, não é indicada quando o verbo que hospeda o clítico se encontra no gerúndio e
é precedido de em, quando ele está no particípio ou quando a oração contém um elemento
atrator. Em qualquer outra situação, ambas as “posições” seriam plausíveis.
Seja em relação à lexia verbal simples ou à complexa, os elementos que
supostamente atraem o pronome seriam os seguintes: pronomes relativos, interrogativos,
palavras negativas (não, nada, ninguém, nenhum), pronome indefinido “alguém” e alguns
advérbios (bem, mal, ainda, já, sempre, também).
Sobre os complexos verbais especificamente, a depender da construção, a posição
pré-CV poderia, segundo o autor, não ser considerada natural. Quando há, por exemplo,
estrutura com verbo “saber” (me sabe agradar – idem) ou com V1 seguido de preposição
(ela se deixou de maquiar – idem), essa ordem teria baixa aceitabilidade. Para Perini (2007
[1995]), o padrão brasileiro era próclise a V2.
Diante dos aspectos reunidos, Perini (2007 [1995]) mostra que tanto a próclise
quanto a ênclise eram produtivas, mas a realização de cada uma acontecia em função do
51
ambiente morfossintático. Embora tenham sido apresentados alguns contextos, o autor
alerta para a necessidade de um tratamento sistemático do fenômeno, para explicar fatos
como, quando as duas posições são possíveis, qual e por que uma delas é preferível.
O autor não deixa dúvida de que o padrão de escrita brasileira destoa, em parte, do
que gramáticas normativas postulam; por exemplo, a ocorrência da próclise em diversos
contextos, exceto em início absoluto, bem como a tendência descrita de próclise a V2
constituem estruturas não recomendadas por esses manuais. De acordo com Perini (2007
[1995]), a divergência ocorre em virtude de essas gramáticas não se basearem no atual
padrão brasileiro de escrita. Desse modo, os estudos sugeridos viriam a colaborar para
traçar, de forma mais consistente, esse padrão.
As duas gramáticas descritivas explicitadas mostram que os pronomes podem
ocupar posições diferentes em relação ao núcleo verbal. Para Said Ali e Perini, cada qual a
respeito das sincronias abordadas, alguns elementos exercem força que provocam
anteposição do pronome. Para Said Ali, a atração seria puramente fonética.
A respeito dos complexos verbais, dependendo da estrutura, a posição pré-CV nem
sempre é produtiva. Said Ali, referindo-se ao Português europeu nos séculos XVI a XIX,
salienta que a posição pós-CV parece categórica quando se trata de clítico acusativo de
terceira pessoa, o que pode configurar uma tendência brasileira atualmente. De acordo com
Perini, referindo-se ao Português brasileiro no final do século XX, a construção mais
frequente era a intra-CV.
Acerca da cliticização fonológica, Said Ali destaca que havia diferenças fonéticas
entre as variedades linguísticas brasileira e lusitana, às quais estaria associado o padrão de
ligação do pronome para a esquerda (ênclise) em Portugal e para a direita (próclise) no
Brasil. Perini expõe que a próclise ainda é a ligação mais produtiva no Brasil, mas ressalta
que a ênclise também pode ocorrer.
Na sequência, serão apresentadas algumas das contribuições de pesquisadores
acerca de colocação pronominal e cliticização fonológica em contexto com complexos
verbais, objeto específico da presente pesquisa.
52
3.2.2. Pesquisas científicas diversas
O que consta nas gramáticas descritivas nem sempre tem base científica. O que às
vezes surge como impressão, para ser postulado como uma verdade, necessita de ser
analisado por meio de um estudo rigoroso e objetivo. Nesse sentido, para conhecer como
de fato funcionam a colocação pronominal e a cliticização fonológica na norma em
questão, foram consultadas pesquisas que se centraram nesses fenômenos.
Primeiramente, serão reportados trabalhos sobre colocação pronominal, cuja
orientação é de natureza sociolinguística, como a adotada em parte desta pesquisa.
Posteriormente, apresentam-se trabalhos sobre a cliticização fonológica, cujas bases estão
fundamentadas na Sociolinguística e/ou na Fonologia Experimental.
3.2.2.1. Aspectos sintáticos: abordagem sociolinguística
O repertório de trabalhos conta com investigações com foco diacrônico e outros
com foco na sincronia atual. Reunidas, colaboram para traçar o percurso evolutivo da
colocação pronominal até os dias atuais. Com exceção de Vieira (2002), eles valeram-se de
corpora constituídos de textos escritos. A maioria deles recorreu a esse tipo de fonte por
não dispor de amostras de fala espontânea para depreender o vernáculo; outros tinham o
intuito de verificar as estruturas empregadas especificamente na modalidade escrita, que
possivelmente configurariam regras diferentes daquelas postuladas em gramáticas
normativas. Servindo-se de material oral ou escrito, as pesquisas contempladas nas duas
subseções seguintes reúnem conhecimentos já adquiridos a respeito da colocação
pronominal na variedade brasileira.
3.2.2.1.1. Estudos na perspectiva diacrônica
Roberts & Kato (1996 [1993]) reúnem resultados de várias pesquisas diacrônicas,
duas delas sobre clíticos pronominais. Uma é de autoria de Sonia Cyrino; a outra, de
Emílio Pagotto. Esta, por sua vez, é apresentada na íntegra em Pagotto (1992), a que se
remeterá mais adiante.
Por meio da observação de peças brasileiras, Cyrino (1996 [1993]) traçou um
caminho de mudança no padrão de colocação pronominal brasileira no período que
53
compreende os séculos XVIII, XIX e XX. Concernente aos complexos verbais, verificou
que, no início do período em questão, o clítico podia ocupar três posições: pré-CV, intraCV ou pós-CV, sendo que, no segundo caso, o pronome seria enclítico a V1.
Com o passar do tempo, progressivamente, foi deixando de haver variação. Diante
de partícula atratora, verbo no imperativo afirmativo ou em início de sentença, o pronome
passou a ocupar, de modo proclítico a V2, apenas a posição intra-CV. Somente o clítico
acusativo de terceira pessoa não obedeceria a essa regra, desde que o verbo principal se
encontrasse no infinitivo; neste caso, o pronome, enclítico, ocupava a posição pós-CV.
Segundo as conclusões do referido estudo, no século XVIII, qualquer dos pronomes
átonos poderia ocupar diferentes posições. No século XX, já não se observaria efetiva
alternância: apenas a posição intra-CV era produtiva, com exceção do clítico o/a(s), que
seguia o verbo principal no infinitivo. Sônia Cyrino atribuiu tal mudança a uma
reinterpretação sintática – em vez de ligado a V1, as crianças teriam passado a interpretar o
pronome ligado ao verbo principal. Além disso, mostrou que as mudanças envolvendo os
clíticos desencadearam outras mudanças sintáticas: a queda de clíticos, especialmente de
terceira pessoa, que, por sua vez, ocasionou a refixação do parâmetro de objeto nulo do
Português brasileiro. Assim sendo, essa análise diacrônica aponta mudanças na colocação
pronominal e, ainda, mostra que outras mudanças em cadeia aconteceram.
Pagotto (1992) trata do fenômeno de colocação pronominal considerando cartas
pessoais, processos criminais, escrituras e testamentos dos séculos XVI a XX. Para tanto,
estabelece quatro variáveis dependentes. As duas primeiras referem-se ao posicionamento
do clítico em relação a uma lexia verbal simples. As demais referem-se a sentenças com
complexos verbais – uma delas contempla, especificamente, complexos verbais precedidos
de negação ou advérbio, de modo que as variantes eram Cl + adv./ neg.+ V1 V2; adv./ neg.
+ Cl V1 V2; adv./ neg. + V1-Cl V2; adv./ neg. + V1 Cl V2; adv./ neg. + V1 V2-Cl.
A investigação consistiu em verificar a variação sintática dos pronomes átonos em
função de possíveis grupos de fatores, tais como: ‘estatuto do verbo’, ‘tipo de verbo
auxiliar’, ‘tipo de sujeito’, ‘presença/ausência de elemento atrator’, ‘tipo de sentença’,
‘estrutura básica da sentença’, ‘tipo de clítico’, ‘papel temático do clítico’, ‘tipo de texto’,
‘época do texto’ e ‘documento ou série de documentos’.
A respeito das sentenças com complexos verbais na variedade brasileira, a análise
variacionista mostrou principalmente que, até o século XVIII, a anteposição do clítico ao
54
complexo era majoritária, a tal ponto que, nesse período, entre o pronome e o complexo
podia ocorrer uma palavra negativa (Ela me não pode dizer a verdade – ibid., p. 42). O
tipo de clítico revelou-se um dos grupos de fatores que influenciava a variação; constatouse, por exemplo, que os tipos de se divergiam quanto à colocação pronominal: “o clítico se
de construções passivas e de indeterminação se concentra categoricamente à esquerda do
primeiro verbo, ao passo que os reflexivos admitem variação” (Pagotto, 1992: 119). O
pronome reflexivo passou a ocupar as posições adjacentes a V2. Além disso, mais uma
vez, notou-se que o clítico acusativo de terceira pessoa era mais produtivo sucedendo o
segundo verbo no infinitivo.
No final do século XVIII, começou, segundo o autor, uma mudança no padrão de
colocação pronominal. Não era mais tão assídua a subida do pronome para antes do
complexo verbal. Essa redução de frequência da variante pré-CV pode ter ocorrido em
razão de alguma mudança sofrida pelo estatuto categorial da negação e dos verbos
auxiliares.
Diante dessas considerações, percebe-se, então, que alguns fatores condicionadores
da variação descritos no tratamento de corpora do século XX parecem já exibir sua
relevância no material em questão. Nota-se ainda que, mesmo na escrita, algumas
características observadas no período que sucede ao século XVIII se aproximam do que se
acredita configurar a atual norma brasileira.
Nunes (2009) corrobora alguns dos resultados de Cyrino (1996 [1993]) e de
Pagotto (1992). Tomando por base textos jornalísticos dos gêneros notícia, editorial e
anúncio, investiga a colocação pronominal nas variedades brasileira e lusitana nos séculos
XIX e XX. Considerando o hífen como marca explícita de ênclise na modalidade escrita,
estabeleceu quatro variantes: Cl V1 V2, V1-Cl V2, V1 Cl V2, V1 V2-Cl.
No que concerne à variedade brasileira, as alternâncias configuram uma regra
variável em todo o período analisado. Desconsiderando os dados com variantes em início
absoluto, no século XIX, a estrutura pré-CV foi a mais produtiva (64%), seguida da pósCV (26%); as demais não alcançaram 10% da amostra. No século XX, a produtividade de
pré-CV reduziu para 44%, enquanto a pós-CV ascendeu para 38%; a incidência de V1 Cl
V2 também aumentou (de 3% para 14%), ao passo que V1-Cl V2 diminuiu (de 7% para
4%). Assim sendo, de um século para o outro, a variação ficou mais intensa. A hierarquia
entre as formas variantes foi mantida, mas os pronomes, ainda que em número pequeno,
55
passaram a figurar mais vezes sem o hífen, o que sinalizaria, na escrita, a ligação do
pronome ao segundo verbo, ocupando assim posições adjacentes a ele.
A declaração de Cyrino (1996 [1993]) de que com o tempo teria diminuído o teor
de variação na ordem dos clíticos pronominais não pôde ser atestada na modalidade escrita
jornalística. De fato, os resultados de Nunes (2009) confirmam uma diminuição da
construção pré-CV e aumento da intra-CV (V1 Cl V2), mas isso acaba por mostrar que
acentuou a concorrência entre as variantes. Segundo o que indicam os resultados de Cyrino
(1996 [1993]), a partir do final do século XVIII, o clítico passou a não subir mais com
tanta frequência para antes do complexo verbal, o que se confirma com os valores
apresentados em Nunes (2009), referentes ao período entre os séculos XIX e XX.
Considerando a variante intra-CV, a próclise a V2 revelou-se, nos três trabalhos –
Cyrino (1996 [1993]), Pagotto (1992) e Nunes (2009) –, uma tendência crescente. Em
Nunes (2009), isso é matematicamente mostrado por meio da progressão de 11% da
produção dessa estrutura (assinalada por clítico no interior do complexo verbal sem a
presença de hífen) entre os séculos XIX e XX. Outra ascendência na produtividade,
mostrada por Nunes (2009), diz respeito à variante pós-CV, cujo crescimento foi de 12%,
tomando por base o mesmo período. Esses resultados de Nunes (2009) podem convergir
para a conclusão de Pagotto (1992) de que os clíticos teriam passado a ocupar
preferencialmente as posições adjacentes ao verbo principal; mas ele, bem como Cyrino
(1996 [1993]), mostrou que essa predisposição estaria associada ao tipo de pronome átono.
Frente às distribuições dos dados na escrita jornalística, é oportuno indagar que
uma distribuição das variantes mais igualitária no século XX pode refletir uma transição
para a fixação de novo padrão de escrita; pode-se tratar também de uma característica
específica da escrita jornalística ou, ainda, de contextos morfossintáticos que não foram tão
produtivos no século XIX como foram no século XX. Faz-se necessário, então, verificar
como se comportaram as variáveis independentes controladas no estudo e as conclusões
que os resultados permitiram a Nunes (2009) alcançar.
Os grupos de fatores que se mostraram relevantes foram ‘presença de elemento
atrator’, ‘forma do verbo principal’, ‘tipo de clítico’, ‘época da publicação’ e ‘gênero
textual’. De modo geral, eles revelam que, mesmo nos editoriais – o mais tradicional dos
gêneros jornalísticos –, algumas regras normativas não foram seguidas, especialmente no
século XX.
56
A presença de um elemento atrator não era suficiente para que o clítico fosse
deslocado para antes do complexo verbal. O segundo verbo no particípio não admitia
ênclise, diferentemente do infinitivo que favorecia essa ligação. Quanto ao tipo de clítico, o
se indeterminador se ligava preferencialmente a V1, enquanto o se reflexivo/inerente se
ligava a V2, conforme havia mostrado Pagotto (1992). Sobre a época da publicação, no
final do século XX, a variante pré-CV não era significativamente favorecida. Por fim, a
respeito dos gêneros textuais, o editorial foi o único a colaborar para esta realização.
Observa-se, portanto, que houve, de um século para o outro, uma queda da
produtividade da variante inicialmente mais recorrente (Cl V1 V2), ainda que houvesse um
elemento tradicionalmente considerado atrator. Associados a esse declínio, estão a
tipologia do clítico, a forma do segundo verbo e o gênero textual. Dessa forma, na escrita
jornalística, considerando os séculos XIX e XX, foram confirmadas algumas características
ressaltadas por Cyrino (1996 [1993]) e Pagotto (1992) sobre o comportamento dos
pronomes átonos.
Com uma perspectiva diacrônica, a colocação pronominal foi retratada em três
pesquisas reportadas nesta seção: Cyrino (1996 [1993]), Pagotto (1992) e Nunes (2009).
Elas permitiram traçar uma trajetória da colocação pronominal desde o século XVI ao XX.
Em síntese, pode-se afirmar que, inicialmente, era habitual o clítico preceder o
complexo verbal quando houvesse uma palavra atratora (partícula de negação,
principalmente); em posição intra-CV, ele costumava ser enclítico a V1. No final do século
XVIII, esse quadro começaria a se modificar, aproximando-se da atual norma vernacular
brasileira. No século XX, as transformações ganharam mais expressividade; reduziu a
incidência da variante pré-CV, mas aumentou a recorrência das variantes intra e pós-CV,
sugerindo que os pronomes estavam passando a colocar-se preferencialmente em torno da
segunda forma verbal. Em se tratando de escrita, os estudos mostram que essa evolução
linguística parece estar fixando um novo padrão de escrita culta, que, em alguma medida,
refletiria possível alteração de parâmetros de ordem no vernáculo brasileiro.
No que se refere aos tipos de pronomes átonos, de acordo com Cyrino (1996
[1993]), os acusativos de terceira pessoa [o/a(s)] eram genuinamente pós-verbais, bem
como se acredita que seja atualmente. De acordo com Pagotto (1992) e Nunes (2009), o
clítico se reflexivo/inerente ligava-se sintaticamente ao verbo temático, mantendo-se ao
seu lado, ao passo que o se apassivador e indeterminador se ligavam ao primeiro verbo;
57
todavia não se sabe se essas relações sintáticas refletiam a ou repercutiam na direção da
ligação fonológica. Quando se tratava da ordem intra-CV, ao que parece, teria havido uma
interpretação de próclise que repercutiu em uma escrita sem hífen.
Com os resultados ora sintetizados, compreende-se um pouco do percurso do
fenômeno “colocação pronominal” na variedade brasileira do Português. Apesar de os
estudos se basearem em dados escritos, pôde-se perceber o comportamento das formas
alternantes ao longo dos séculos XVI a XX. Na sequência, serão apresentadas
características do mesmo evento, contudo, em uma perspectiva sincrônica.
3.2.2.1.2. Estudos na perspectiva sincrônica
Dada a escassez de trabalhos que se dedicam a tratar da variação da ordem dos
clíticos pronominais na fala contemporânea, três trabalhos que também discutem esse tema
na modalidade escrita serão apresentados na sequência, pois ajudam a explicar a
sistematicidade do fenômeno. Ao final desta subseção, finalmente, será explicitado um
trabalho que tem em seu material de análise amostras de fala, contribuindo para a descrição
da norma de uso brasileira.
O primeiro trabalho sincrônico a ser apresentado corresponde a Schei (2003). Visto
que geralmente as gramáticas normativas apresentam regras que se concretizariam em
textos literários, Schei (2003) traçou um paralelo entre esses dois planos (as
recomendações gramaticais e os textos literários). Ela verificou que, no que toca à
colocação pronominal, muitas vezes, as regras utilizadas na escrita não estão de acordo
com o que é prescrito, mas assemelham-se ao que se acredita ser o padrão de ordem no
Português falado.
Por meio da análise da colocação pronominal em romances brasileiros do século
XX, Schei mostra que as gramáticas não atentam para o que é de fato realizado na
variedade brasileira, nem na fala cotidiana, nem na escrita literária. Essa inferência foi
conduzida por evidências linguísticas que dizem respeito a (i) discrepâncias entre o que foi
registrado no corpus e o que as gramáticas recomendam, e a (ii) semelhanças entre o que
foi registrado no corpus e o que acredita ser Português falado.
A posição intra-CV foi a mais produtiva em todo o corpus. A posição pré-CV
praticamente não foi registrada, mesmo quando havia um elemento atrator; entretanto,
58
quando o núcleo verbal iniciava sentença, era semicategórica a ênclise a uma das formas
verbais, ou seja, as posições intra e pós-CV, o que está em consonância com as gramáticas
normativas.
Dentre as variáveis independentes investigadas, a autora chama a atenção para a
interferência da forma de V2, da ambiente morfossintático e do tipo de clítico.
Sobre a forma de V2, ela relata que a anteposição do pronome a V1 é mais comum
quando V2 está no particípio, ao contrário de quando este se encontra no infinitivo ou
gerúndio.
Sobre o ambiente morfossintático, o pronome nem sempre se desloca para a
posição pré-CV na presença de um elemento tradicionalmente postulado como atrator.
Quando se desloca, pode não haver necessariamente um atrator recomendado em manuais
prescritivos. A ausência de qualquer elemento antes dos verbos, por outro lado, restringe a
ordem pré-CV. Assim sendo, parece interferir no fenômeno, sobretudo, a presença ou
ausência de ao menos um termo antes do complexo verbal, não tanto a natureza desse
elemento anteposto.
Sobre a natureza dos clíticos, Schei mostra que os pronomes de primeira e segunda
pessoa se comportam de maneira diferente daqueles de terceira pessoa. Os acusativos de
terceira pessoa nunca ocorrem na posição intra-CV, apesar de esta corresponder à variante
mais produtiva no corpus como um todo. Em alguns romances, o me foi o único pronome a
ocupar a posição inicial. O se raramente apareceu anteposto ao complexo. A respeito dos
demais, não se pôde tirar conclusões devido à sua pouca frequência no corpus.
Essa pesquisa já mostra indícios do que configura o padrão culto da variedade
brasileira no que tange à modalidade escrita. Esse padrão, por sua vez, como pôde ser
visto, nem sempre reflete o que é postulado nas gramáticas normativas. Em alguns casos
em que, de acordo com elas, se esperaria a realização pré-CV, por exemplo, com
frequência ocorre próclise [exceto de o/a(s)] ao verbo principal; construção que
normalmente ocorre na fala. Sendo assim, como nem sempre há coincidência entre o que
propõe a abordagem normativa e a escrita literária contemporânea, Schei ressalta a
importância de que sejam realizados outros estudos, a fim de reunir mais evidências que
traduzam a genuína escrita padrão atual.
O trabalho de Peterson (2010) colabora para a compreensão da colocação
pronominal tomando para a análise cartas de leitores de jornais com diferentes perfis de
59
público. Os veículos são O Globo, Extra e Meia Hora, que, em uma linha escalar, estão
aqui dispostos, em ordem, do mais elitizado (quanto ao preço do jornal e ao suposto
público-alvo) ao mais popular. Como se pode ver a seguir, a sistematicidade da variação no
gênero carta de leitor é condicionada por vários aspectos extralinguísticos, dentre eles o
perfil de quem escreve e de quem supostamente lê o jornal.
A tradição do gênero carta de leitor no que tange à colocação dos clíticos na frase não
estaria vinculada somente ao tipo de carta, ou ao perfil do jornal, mas também ao perfil
do leitor/escritor. (PETERSON, 2010: 201).
A linha tênue que diferencia os veículos jornalísticos quanto à colocação
pronominal forma um continuum de formalidade. Quanto mais formal o veículo, mais se
buscaria obedecer às regras normativas de colocação pronominal, como acontece com O
Globo, que assume um perfil formal/conservador diante das regras prescritas, para atender,
com credibilidade, a um público que costuma ser “mais letrado”. Quanto mais
informal/menos conservador, menos rígido seria o cumprimento do ideal prescrito.
Em termos linguísticos, no que se refere às lexias verbais complexas, a variante
intra-CV novamente foi a mais produtiva. O corpus abarcava 132 dados. Em 28, o
pronome antecedeu o complexo verbal; em 84, ele encontrava-se entre V1 e V2 (em75, era
retratada a variante V1 Cl V2; em 9, a variante V1-Cl V2); em 20, o pronome sucedeu o
complexo verbal.
Considerando todo o corpus, observou-se V2 no infinitivo, gerúndio e particípio. A
maior parte correspondia a infinitivo. Dentre essas estruturas (universo de 103 dados), em
seis deles, houve ênclise a V1 marcada por hífen. Nesses seis casos, o clítico era do tipo se
indeterminador/apassivador.
Em todas as ocorrências de clítico depois do complexo verbal, V2 encontrava-se no
infinitivo. As demais variantes ocorreram com V2 nas diferentes possibilidades de
realização.
Sobre a variante pós-CV, chamou a atenção também o fato de todos os clíticos
acusativos de terceira pessoa terem ocorrido nessa posição. Mais uma vez, o resultado
reafirma uma tendência apontada por outras pesquisas.
Por fim, sobre a variante pré-CV, pode-se dizer que geralmente era formada por V1
do tipo modal, se indeterminador/apassivador e o complexo costumava vir antecedido por
um atrator, principalmente uma partícula de negação (Mas não se pode dizer que o
Michael Jackson da foto não é o original [Extra-23-07-09] – ibid., 154).
60
De acordo com os resultados de Peterson (2010), no que concerne à colocação
pronominal em relação aos complexos verbais na escrita jornalística, o fenômeno é
sistematizado por uma regra variável. As variantes são realizadas principalmente em
função do tipo de clítico, tipo de complexo verbal, contexto morfossintático antecedente e
veículo jornalístico; grupos de fatores, portanto, que exercem influência sobre as formas
concorrentes.
Rodrigues-Coelho (2011) dedicou-se a pesquisar o domínio da colocação
pronominal por estudantes das redes pública e privada, com base na análise de textos
dissertativos e narrativos. No momento em que os textos foram produzidos, alguns alunos
frequentavam o 9º ano do ensino fundamental e outros, o 3º ano do ensino médio.
Não há dúvida de que a escola contribui para ampliar o repertório linguístico dos
alunos. No que se refere aos clíticos, principalmente por meio dessa instituição, os
estudantes passam a utilizar formas como clítico acusativo de terceira pessoa e se
indeterminador/apassivador como estratégia de indeterminação do agente.
Por se tratar às vezes de construções que não são naturais aos brasileiros, mesmo os
alunos do 3º ano nem sempre seguiram fielmente os preceitos relativos à colocação
pronominal. Por outro lado, a hipótese de que a rede privada, possivelmente por apresentar
maior comprometimento com o ensino do padrão culto linguístico, atenderia mais a esse
objetivo doutrinário foi confirmada.
Na escrita escolar, registro em que se espera verificar a aplicação das regras
normativas, os índices de frequência das variantes foram parecidos com aqueles dos dois
trabalhos variacionistas apresentados anteriormente. Esses índices contemporâneos acabam
por corroborar os apontamentos das pesquisas diacrônicas que sugerem uma diminuição do
teor variável e a consequente refixação de padrões de colocação pronominal.
A ordem intra-CV foi soberana em todo o corpus, sobretudo nos textos narrativos;
entretanto, também houve registro das outras variantes. Em geral, o pronome naquela
posição não só representa uma construção bastante recorrente como também integra as
mais variadas sentenças, configurando, assim, a forma não-marcada. Além disso, cabe
ressaltar que, nessa posição, geralmente ele não aparecia ligado a V1 por hífen; mas,
quando aparecia esse sinal de pontuação, tratava-se de se indeterminador/apassivador e V1
do tipo modal.
61
As ordens pré e pós-CV ocorreram em ambientes bem específicos. A primeira
ocorreu em construções com V1 do tipo modal e em construções com V2 no particípio
(estrutura passiva). A outra, por sua vez, ocorreu quando o clítico era acusativo de terceira
pessoa, ainda que houvesse, antes do complexo, uma palavra que costuma exercer força
atratora.
Os resultados, então, sugerem que atualmente não é qualquer pronome átono ou
complexo verbal que licencia a subida do clítico até a posição pré-CV. Esta ordem, por sua
vez, não ocorre no início da sentença, pois necessita que um elemento desencadeie o
deslocamento do clítico para a posição antes do complexo. A posição intra-CV, por outro
lado, só não é ocupada pelo clítico acusativo de terceira pessoa, o qual fica basicamente
limitado à posição pós-CV.
Ao que parece, na modalidade escrita, não há coincidência plena entre as regras
normativas (norma subjetiva) e as regras efetivamente aplicadas nos textos (norma
objetiva). Isto porque haveria certa instabilidade nas opções do falante em atender à norma
que ele conhece, sua(s) norma(s) de uso vernaculares e, ao mesmo tempo, não se afastar
completamente das convenções tacitamente assumidas na modalidade escrita.
Como se pôde observar na análise de dados da modalidade escrita, a alternância
entre as posições pré e intra-CV costuma abranger V1 modal e clítico se
indeterminador/apassivador. A posição pós-CV parece ter ficado restrita aos pronomes
o/a(s) depois de V2 no infinitivo. Os demais clíticos, independentemente do tipo de
complexo verbal ou da presença de atrator, ocorrem preferencialmente na posição intraCV. Apesar de frequência de uso não indicar probabilidade, é inquestionável que, sobre a
variável dependente, ocorra influência do tipo de clítico, tipo de complexo verbal,
presença/ausência de elemento atrator, bem como do gênero textual e do veículo de
divulgação do texto.
Vieira (2002) consiste na única pesquisa sociolinguística, dentre as pesquisadas,
com abordagem sincrônica que se vale, para a análise, não só de textos escritos, mas
também de amostras de fala. No que se refere aos dados orais do Português brasileiro,
Vieira mostra que a ordem intra-CV prevaleceu no corpus, com índice que chegou a 90%
(229/254). Ela verificou que, na norma de uso brasileira, a colocação pronominal em
relação a complexos verbais ainda configurava uma regra variável.
62
Contrapondo a variante interna ao complexo à segunda mais produtiva, a pré-CV
(18/254, 7%), foram selecionados, por ordem de relevância, os seguintes grupos de fatores:
‘tipo de clítico/valor do se’, ‘constituição do complexo verbal’, ‘forma do verbo nãoflexionado’ e ‘escolaridade’. De modo geral, os resultados equivalem aos retratados nos
trabalhos previamente citados.
O clítico se reflexivo/inerente não tende a anteceder V1, a não ser que este verbo
seja
pronominal
(se
habitua
a
comprar
–
VIEIRA,
2002:
295).
O
se
indeterminador/apassivador, por outro lado, tem .86 de chance de ocorrer nessa posição.
Essa tendência, pois, foi comprovada através da distribuição dos dados, visto que a forma
pronominal se em estruturas de indeterminação/voz passiva (9/34, 26%) foi
significativamente mais produtiva na posição pré-CV do que em estruturas reflexivas ou
com verbos pronominais (2/111, 2%).
A respeito da constituição do complexo verbal, verificou-se que a variante pré-CV é
favorecida (.97) por complexo bi-oracional com referentes-sujeito distintos – estruturas
cujos verbos auxiliares são de natureza causativa ou sensitiva (me mandou sair – ibid., p.
298). No entanto, os complexos bi-oracionais com mesmo referente-sujeito e as legítimas
“perífrases verbais” (tempo composto, perífrases modais e aspectuais) desfavorecem essa
ordem, com peso relativo de .45 e .48, respectivamente.
Sobre a forma do verbo temático especificamente, o particípio colaboraria para a
anteposição do pronome ao primeiro verbo (.78), ao contrário do infinitivo (.48), apesar de
este fator ter condicionamento praticamente neutro.
Por fim, o grupo de fatores ‘escolaridade’ interfere na variação de modo que, à
medida que aumenta o nível de instrução, aumenta a chance de o clítico ocorrer na posição
pré-CV. O informante que possui nível superior tem .76 de chance de realizar essa
variante, ao contrário do que tem nível médio, que tem apenas .33. Não houve ocorrência
dessa variante na fala de indivíduos com ensino fundamental; logo, não foi possível
averiguar a probabilidade de o clítico ocorrer antes do complexo verbal quando o falante
possuía esse grau de instrução.
A variante pós-CV, por ser rara, não foi analisada estatisticamente. Por meio de
uma análise qualitativa, por outro lado, Vieira constatou que ela “ficaria restrita a
construções com segunda forma verbal no infinitivo seguida, principalmente, do clítico
acusativo de 3ª pessoa” (ibid., p. 407).
63
A predominância da ordem intra-CV sobre as demais é, então, reafirmada. A
ocorrência das variantes intra-CV e pré-CV mostrou-se condicionada pelas variáveis tipo
de clítico (valor do se) e forma do verbo não-flexionado – consolidadas por outros
trabalhos –, constituição do complexo verbal e escolaridade. Ao contrário do que foi visto
em outros estudos, Vieira (2002) não constatou a relevância da presença ou ausência de
elemento proclisador sobre o fenômeno estudado, mas o modo como o se indeterminador e
apassivador parece vinculado a V1 se manteve. Por fim, mais uma vez, observou-se que a
ordem pós-CV é pouco produtiva e limitada a uma circunstância específica de clítico
acusativo e V2 no infinitivo.
Diversos trabalhos sobre colocação pronominal foram consultados. Alguns deles
sugerem que a variedade brasileira seguiu um caminho evolutivo diferente da variedade
lusitana, encaminhando-se para o que Vieira (2002) descreveu como a atual norma de uso.
Para averiguar o que já foi descrito e explicado sobre esse fenômeno na
contemporaneidade, esta subseção apresentou os resultados de Vieira (2002), que se
baseou também em dados de fala, e de diversos trabalhos desenvolvidos com base em
dados da modalidade escrita – Schei (2003), Peterson (2010) e Rodrigues-Coelho (2011) –
que mostraram que as recomendações normativas nem sempre foram seguidas, levando a
crer que a concepção de padrão culto também tem sofrido alterações. De modo geral, os
resultados obtidos foram confluentes: o fenômeno consiste em uma regra variável; na
escrita (literária, jornalística e escolar) e especialmente na oralidade, a estrutura intra-CV
mostrou-se preferencial; as demais variantes, que assumem produtividade bastante
diferenciada a depender do material em análise, ocorreram em função, principalmente, da
forma de V2, do tipo de clítico e, em alguns materiais, da presença/ausência de elemento
atrator.
3.2.2.2. Aspectos fonético-fonológicos
Poucos são os estudos científicos que se valem de dados produzidos no Português
do Brasil para aferirem o caráter proclítico ou enclítico dos pronomes átonos em termos
fonético-fonológicos.
Galves & Abaurre (1996) desenvolvem estudo relativo à ordem dos clíticos
pronominais com o objetivo de contribuir para o debate relativo à interface
64
sintaxe/fonologia no Português brasileiro falado. Com base em pressupostos da Gramática
Gerativa, as autoras postulam que os pronomes átonos brasileiros, essencialmente
proclíticos, correspondem a projeções máximas (e não a núcleos) e movem-se como
sintagmas, de modo que podem ser considerados palavras autônomas. Partindo dessa
interpretação, buscam esclarecer o motivo por que, com frequência, esses pronomes
descumprem a Lei de Tobler Mussafia, que estabelece que um clítico não pode ocupar a
primeira posição sintática. Os poucos casos de ênclise que sobrevivem no PB seriam
explicados como um processo de afixação (caso de o, a seguido de infinitivo) ou como
uma cliticização puramente fonológica (caso de se enclítico a verbo finito).
A fim de averiguar as motivações de natureza fonético-fonológica para a ordem dos
clíticos pronominais no PB, Galves & Abaurre (1996) tomam por base o aporte da
Fonologia Métrica. Elas partem do pressuposto de que os enunciados na variedade
brasileira se organizam obedecendo a um padrão rítmico trocaico – ciclo formado por uma
batida forte seguida de uma fraca5. Valem-se de sentenças do acervo do Projeto NURC-Rio
(Norma Urbana Oral Culta do Rio de Janeiro), que contempla amostras de fala das décadas
de 1970 e 1990, para mostrar que os pronomes átonos brasileiros são naturalmente préverbais e proclíticos, mas podem variar a posição e a ligação fonológica, e, ainda assim,
atender à grade métrica.
Em termos de ligação fonológica em contexto de complexos verbais, o estudo
admite que os clíticos pronominais podem ligar-se de forma enclítica ou proclítica a V1 ou
a V2. De acordo com as autoras, esses pronomes não são totalmente átonos, já que podem
receber acento secundário quando proclíticos, o que os coloca na categoria de clíticos
“fortes”. Nos raros casos de ênclise superficial, normalmente envolvendo os clíticos o/a(s),
os pronomes são categorizados como clíticos “fracos”; funcionando como última sílaba,
devem ser mais débeis e provavelmente extramétricos.
Algumas vezes, ocorreria uma simplificação silábica, para favorecer a binaridade
rítmica, como pode ser verificado no seguinte exemplo com lexia verbal simples
(GALVES & ABAURRE, 1996: 307).
5
“São consideradas fracas as batidas que não coincidem com nenhuma outra batida nos níveis métricos
hierarquicamente superiores. São consideradas fortes, por outro lado, todas as batidas que coincidem com
alguma outra batida nos níveis métricos hierarquicamente superiores.”. (GALVES & ABAURRE, 1996:
277).
65
Figura 2: Exemplo de grade métrica com ênclise
*
*
*
*
. * .
(*
*) (* *)
Par tseum o vo
Nota-se que a fusão de te, se e um propiciou a sequência de dois troqueus. Assim
sendo, embora a próclise do pronome anteposto seja a construção que se acredita ser
prototípica, o pronome enclítico e posposto e a ocorrência de sândi externo podem, por
vezes, ser adequados para constituir o enunciado com esse ritmo; por esse motivo, as
estudiosas creem que a ênclise e a posposição do pronome ainda se mantêm em algum grau
produtivas na variedade brasileira.
Galves & Abaurre (1996) mostram, portanto, que, no século XX, se confirmariam
as tendências supostamente iniciadas no século XIX a respeito da anteposição do pronome
ao verbo, conforme mostram Cyrino (1996 [1993]) e Pagotto (1992). Com uma perspectiva
diferente destes e com base em amostras de fala, as autoras defendem que, além das
motivações de ordem sintática (e ainda sociolinguística e estilística), haveria motivação
rítmica para a colocação pronominal, e, a partir disso, traçam características da cliticização
fonológica na variedade brasileira. Elas mostram que tanto a próclise, soberana na
variedade brasileira, quanto a ênclise, ainda que pouco produtiva, podem ser oportunas
para atender ao padrão rítmico trocaico.
Além dos estudos que consideram motivações rítmicas para o fenômeno da
colocação pronominal, investigações que se valem de experimentos acústicos também vêm
auxiliando no estudo acerca da cliticização fonológica na variedade brasileira. Como bem
salientou Said Ali em sua gramática descritiva, sílabas átonas, nessa variedade, não
possuem o mesmo grau de (a)tonicidade (cf. item 4.2). Por hipótese, uma sílaba pretônica
não seria tão átona quanto uma postônica. Com base nessa proposta, Vieira (2002) testou a
hipótese de que o pronome brasileiro seria proclítico e teria propriedades acústicas
semelhantes às de uma sílaba pretônica prototípica, a vocabular. Assim sendo, dedicou
parte de sua pesquisa a averiguar empiricamente essa suposição, considerando a sincronia
atual. A partir do comportamento acentual do pronome átono, fisicamente comprovado, o
66
estudo pôde propor a direção fonológica do clítico – propósito que se coaduna com a
subárea intitulada Fonologia experimental (cf. item 4.2).
Em Vieira (2002), a análise prosódica contou com dois tipos de experimentos: (i)
medições e comparações dos parâmetros duração, intensidade e frequência fundamental
(F0); e (ii) ressíntese de fala. No primeiro grupo, analisou-se, primeiramente, um pequeno
corpus formado por sentenças em que o clítico era precedido de um ‘operador de próclise’
(constituinte morfossintático que poderia atrair o pronome átono) e seguido por palavras
oxítonas com diferentes números de sílabas (Esse é o homem que me vê todos os dias bem
cedo/Esse é o homem que me verá todos os dias bem cedo/Esse é o homem que me vetará
todos os dias bem cedo – VIEIRA, 2002: 81).
Outro corpus, mais extenso, concentrou uma diversidade de frases (Esse remédio
pode me curar de todos os males/Esse remédio pode me proteger dessa doença/Pode-se
virar a mesa sempre que se chega/Pode-se revirar a mesa sempre que se chega/Ela vinha
me comunicar a nota – idem). Como pode ser visto a partir dos exemplos, são
contemplados clíticos pré-verbais e pós-verbais; núcleo verbal em início de frase e também
antecedido por um sujeito. Além disso, há frases com lexia verbal simples e outras com
complexo verbal, variando, neste caso, V1 (poder, ir, haver, ter) e também o número de
sílabas de V2 (dar, curar, comunicar).
Um terceiro corpus foi formado por 6 pares “homófonos”6 inseridos em frases
(Esse aluno só me dita no final do curso/Esse aluno só medita no final do curso – ibid., p.
82). Essa amostra viabilizou a comparação específica entre pronome átono e sílaba
pretônica legítima.
Do segundo corpus apresentado, duas frases foram destacadas para que se pudesse
realizar ressíntese de fala, técnica que pressupõe a manipulação dos componentes físicos
do som, como duração, intensidade e frequência fundamental (F0). Foram elas: “ele vinha
me comunicar o fato” e “tenho me visto cansado”. Cada um dos três parâmetros acústicos
do pronome foi manipulado, isoladamente ou em conjunto. A redução da duração e da
intensidade podia ser leve (50%) ou forte (70%), e da F0 podia ser de 20 Hz, de modo a
transformar o padrão descendente em ascendente. Feitas as alterações, os enunciados
originais e manipulados foram submetidos a julgamento de um grupo de ouvintes, para
identificar, na versão original, como é percebida a direção da ligação fonológica do clítico
6
Os pares controlados são, em sua maioria, análogos, como m[i] sangra/m[i]çanga e m[i] dita/m[e]dita,
cuja diferença está normalmente em uma consoante ou na qualidade vocálica da vogal das sílabas átonas
analisadas (alteada no caso do clítico).
67
e verificar se a percepção dos informantes/juízes modificava quando um ou mais
parâmetros estavam alterados.
Os resultados mostraram que as pessoas percebem a ligação dos pronomes entre
dois verbos produzidos por brasileiros como inclinada para a direita, como uma sílaba
pretônica. Os enunciados em que a sílaba clítica sofreu, consoante o recurso da síntese,
redução da duração, bem como da intensidade, também foram reconhecidos como ligados
à direita, o que permitiu atestar que esses parâmetros acústicos desempenham papel
importante na direção fonológica dos clíticos pronominais. A redução principalmente da
duração acarretou julgamento de ênclise. Sobre a F0, não ficou evidente sua relevância,
tendo em vista a instabilidade dos resultados quanto aos julgamentos feitos. Quanto ao
possível condicionamento fonético dos ‘operadores de próclise’ e tipos de complexos
verbais, a pesquisa não apresentou resultados seguros, tendo salientado a necessidade de
realização de outros experimentos, para que se pudesse tecer qualquer generalização a esse
respeito.
Corrêa (2009) também realizou estudos experimentais. Ela fez uso de alguns
procedimentos da pesquisa precedente, porém efetuou reformulações. Em princípio, um
novo corpus foi formado com 22 pares “homófonos”, abrangendo, dessa vez, não só os
pronomes me e te, mas também se, o e a. Além disso, cada par foi inserido em frases
semelhantes e contextualizadas, a fim de assegurar maior naturalidade para a produção do
enunciado (Você agora me diz que o Thiago avisou que a reunião foi cancelada. Eu não
lembro nada disso. Se ele me disse aquilo, eu saberia./Preciso que meçam esse muro,
porque ele parece torto. Mas só tem um funcionário aqui e acho que ele não sabe. Se ele
medisse aquilo, eu saberia. – CORRÊA, 2009: 933).
Em um segundo momento, frases com os enunciados “vinha me lavar” e “vinha se
lavar” foram gravadas para que se aplicasse o método de ressíntese de fala, seguido de
teste de percepção auditiva. Os procedimentos desse experimento foram semelhantes aos
efetuados em Vieira (2002), com exceção de que a redução leve correspondeu a apenas
30% e a forte, a 50%.
De modo geral, houve um refinamento metodológico e uma ampliação dos
contextos gravados para a realização dos experimentos. Apesar disso, os resultados obtidos
confirmam aqueles de Vieira (2002), merecendo destaque algumas considerações.
Primeiramente, as sílabas clíticas e vocabulares comparadas assemelharam-se, sobretudo,
68
no que diz respeito à intensidade; no entanto, as diferenças obtidas quanto ao parâmetro da
duração, ao que parece, estavam associadas à divergência entre a qualidade vocálica das
sílabas átonas vocabulares e dos pronomes, cujas vogais médias quase sempre foram
alteadas. Quanto aos resultados relativos à F0, não houve efetiva oportunidade para atestar
sua relevância, visto que a frequência fundamental, por estar associada à melodia das
frases – que, no experimento, eram todas assertivas –, não pôde prover informação segura
quanto à natureza específica da ligação fonológica do clítico pronominal. Por fim, a etapa
de ressíntese de fala acompanhada de teste de percepção mostrou novamente a relevância
da duração, assim como da intensidade, para a caracterização da ligação do pronome
proclítico (à direita).
As pesquisas supracitadas indicaram o caráter prototipicamente proclítico dos
pronomes átonos. Galves & Abaurre (1996) mostram que, em decorrência da mudança por
que passou a ligação dos pronomes átonos no PB, embora as duas direções (ênclise e
próclise) ainda coexistam minimamente, a ligação fonológica não-marcada no Brasil é, de
fato, a próclise. Assim sendo, haveria uma influência de natureza fonética sobre a variação
na colocação pronominal, de modo que a posição do clítico oscilaria a fim de fixar um
padrão rítmico (trocaico); algumas vezes, sândi externo também ocorreria favorecendo
esse mesmo ritmo.
As pesquisas de Vieira (2002) e Corrêa (2009) evidenciam que os parâmetros
acústicos da duração e da intensidade são importantes para essa concretização da ligação
proclítica. Assinalam, porém, que usualmente há diferença entre a qualidade vocálica dos
pronomes e das sílabas átonas correspondentes; por esse motivo, não se comportariam
sistematicamente como formas análogas. Dessa forma, a qualidade vocálica também pode
revelar características vinculadas à concretização da ligação fonológica dos pronomes
átonos.
Diante de toda essa revisão da literatura, observou-se que tanto os trabalhos
apresentados sobre a ordem dos clíticos quanto àqueles sobre sua ligação fonológica
convergiram para conclusões convergentes no que se refere ao caráter anteposto e
proclítico do pronome átono brasileiro.
De modo geral, os trabalhos mostram as estruturas produtivas. Apontam, de certa
forma, o teor de variação e as circunstâncias em que cada forma era esperada. Cada um,
69
portanto, foi capaz de fornecer à presente pesquisa relevantes informações para compor um
panorama do percurso evolutivo dos dois fenômenos (colocação pronominal e cliticização
fonológica), bem como as supostas e efetivas motivações para a concretização de cada
variante.
70
4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Conforme já anunciado, a pesquisa desmembra-se em duas análises. A primeira
trata de investigar o estatuto variável da colocação dos pronomes oblíquos átonos; por esse
motivo, fundamenta-se na Teoria da variação e mudança, cujos pressupostos serão
descritos na seção 4.1. A segunda, de natureza prosódica, trata de investigar a ligação
fonológica desses clíticos a partir de aspectos fonéticos; por isso, ela embasa-se,
principalmente, na proposta de Fonologia Experimental, apresentada na seção 4.2.
4.1. Teoria da variação e mudança
A teorização sobre a estreita relação entre língua e sociedade ganha um estruturado
escopo com o advento da Sociolinguística, cujos principais axiomas podem ser assim
resumidos: (i) a variação linguística funciona consoante a dinâmica social; (ii) ela faz parte
do sistema linguístico; (iii) é condicionada tanto por fatores linguísticos quanto
extralinguísticos; e (iv) pode resultar em mudança ou manter-se estável ao longo dos anos.
Visto que a pesquisa da colocação pronominal visa a responder questões atinentes a seu
caráter variável, a Teoria da variação e mudança mostra-se adequada para orientar os
procedimentos apropriados (cf. item 5.1) e para auxiliar na compreensão do fenômeno,
relacionando-o às variáveis linguísticas e extralinguísticas que possam exercer influência
sobre a concretização das variantes.
Primeiramente, é importante destacar que, segundo a proposta adotada, a variação
faz parte da competência linguística dos falantes, isto é, do conhecimento acerca do
sistema linguístico que determinado grupo de pessoas partilha. A variação é, então, uma
propriedade coletiva e, por isso, deve ser estudada considerando a comunidade de fala
como um todo.
“Difícil de ser encontrado” (LABOV, 1972b: 9), dadas as circunstâncias de recolha
das amostras de fala para a pesquisa (cf. item 5.1), o vernáculo consiste no objeto almejado
a ser descrito em uma análise sociolinguística. Ele corresponderia à norma de uso natural,
espontânea de dada comunidade de fala. Trata-se das escolhas linguísticas adquiridas pelo
falante através do convívio social, sem a intervenção da escola. Como, ao longo da vida,
são assimilados novos aprendizados linguísticos, decorrentes do contato com dialetos,
71
línguas diferentes e, geralmente, com ao menos uma norma prescritiva, Labov sugere que
se busque depreender o vernáculo através de uma fala o menos monitorada possível:
O vernáculo pode ser definido como a forma da fala que exige o menor grau de
monitoramento pelo falante, aprendido e mais que aprendido nos anos da préadolescência, e é usado nos mais íntimos e casuais tipos de comunicação. Todos,
portanto, falam o vernáculo, rico ou pobre, educado ou não educado: é uma forma
vernacular deles que determina e explica o que acontece quando eles adquirem outros
supostos dialetos ou linguagem mais tarde na vida. (LABOV, 1972b: 9). 7
A variação e seus possíveis desdobramentos se dão em função da sociedade,
sobretudo em função das interações dos falantes (rede social) e do papel social que cada
um desempenha; por isso, um estudo sociolinguístico é desenvolvido a partir da
observação da língua em uso, considerando a fala de indivíduos representativos da
comunidade de fala analisada – eles não podem morar há pouco tempo na localidade – e/ou
a fala de indivíduos em diferentes situações interativas, se o estudo for de rede social (cf.
MILROY, 2002).
Para a presente pesquisa, foi preciso delimitar as comunidades de fala que seriam
analisadas. No que se refere à delimitação de comunidades de fala, é oportuno apresentar
as características apresentadas por Guy (2001: 3), segundo o qual
a comunidade de fala é um grupo de falantes que:
- compartilham traços linguísticos que distinguem este grupo dos outros;
- se comunica, relativamente mais entre eles do que com os outros;
- compartilham normas e atitudes frente ao uso da linguagem.
Como se pode depreender, a circunscrição de uma comunidade de fala é um ato
abstrato realizado a partir das propriedades citadas para desenvolver um estudo
sociolinguístico; portanto, a delimitação é relativa, podendo ser mais ou menos abrangente.
O importante é que não se pressuponha efetivo desrespeito às características apresentadas
por Guy (2001), que apresenta uma ampla definição de comunidade de fala.
No âmbito dos usos linguísticos partilhados pelos membros dessas comunidades de
fala, convivem, de acordo com Labov (2003), três tipos de regras: categórica,
semicategórica e variável. O primeiro tipo corresponde a 100% de aplicação, isto é, a regra
não pode ser violada sem comprometer a gramaticalidade da construção. Neste caso, não
existe variação.
7
The vernacular may be defined as that form of speech which requires the last amount of monitoring by
speaker, learned and over-learned in pre-adolescent years, and used for the most intimate and casual kind of
communication. Everyone therefore speaks a vernacular, rich or poor, educated or uneducated: it is a form of
their vernacular which determines and explains what happens when they acquire other supposed dialects and
languages later in life. (LABOV, 1972b: 9).
72
O segundo tipo corresponde à regra que lida com mais de uma forma alternante e
uma delas é realizada em 95% a 99% dos casos. Trata-se de uma regra em que uma
variante praticamente é a única forma realizada, porém as demais são reconhecidas por
todos os falantes da língua. Por serem menos usuais, estas podem ser interpretadas como
uma violação e, por isso, podem ser repreendidas, sobretudo, por falantes com baixa
escolaridade. Esse tipo de regra costuma retratar o início ou o final do processo da
mudança em progresso.
O terceiro tipo corresponde à regra em que as formas variantes são
significativamente produtivas, podendo ser realizadas em 5% a 95% dos casos. Ela não é
ensinada, é natural e facilmente reconhecida pelos usuários da língua; por sua própria
concepção, não é passível de violação.
Em tese, o fenômeno da colocação pronominal pode se enquadrar no segundo ou no
terceiro tipo de regras proposto por Labov (2003), visto que se trata de um fenômeno que
em algum grau lida com formas alternantes.
Para ser considerado uma regra variável (e poder ser tratado como uma variável
dependente8), a teoria prevê que o fenômeno precisa necessariamente ser formado por duas
ou mais formas concorrentes. Para isso, além de as estruturas disputarem no mesmo
contexto linguístico, elas devem ser “idênticas na referência e no valor de verdade, mas
opostas no significado social e/ou estilístico” (LABOV, 1972: 271). Normalmente, essa
condição de identidade de sentido entre as variantes é facilmente percebida e respeitada
quando o fenômeno envolve o nível fonológico da gramática, pois esse nível, embora afete
a construção de uma unidade de sentido, lida com estruturas privadas de significado.
Quando o nível ultrapassa o fonológico, a equivalência semântica nem sempre é de fácil
percepção e, às vezes, fica comprometida, por tratar-se de níveis cujas estruturas portam
nuances significativas particulares.
Em Lavandera (1978) e em Romaine (1981), propõe-se relativizar o conceito de
regra variável no que se refere à exigência do mesmo valor de verdade9. Em vez de
identidade referencial das formas alternantes, os referidos trabalhos sugerem que elas
sejam ao menos comparáveis funcionalmente. Em Lavandera (1978), é proposto relativizar
8
A variável dependente recebe esse nome em decorrência da realização do tratamento estatístico que permite
observar que o fenômeno sofre pressões de forças que atuam independentemente, intituladas de variáveis
independentes (ou grupos de fatores).
9
Em níveis gramaticais superiores ao fonológico (sintático, semântico-discursivo), a alternância de algumas
estruturas é questionada. Lavandera (1978) e Romaine (1981) acreditam que, ainda que o valor de verdade
não seja idêntico, as estruturas variantes devem manter entre si uma comparabilidade funcional.
73
o conceito até que se abarquem variantes dos níveis morfológico e sintático e, em Romaine
(1981), até variantes do nível discursivo. Para as autoras, se as formas são comparáveis de
modo a tornar evidente a variabilidade, o aporte teórico-metodológico sociolinguístico
fornece, em alguma medida, subsídios para o tratamento do fenômeno. No presente estudo,
a análise da colocação pronominal, que corresponde a um fenômeno sintático em contexto
linguístico específico (enunciado com o pronome átono adjacente à forma verbal),
fundamenta-se, sem restrições, no conceito de variável dependente.
O estudo de natureza variacionista pressupõe as seguintes etapas: (i) coleta dos
dados variáveis, que compõem o corpus; (ii) análise dos dados, que abarca, inicialmente,
uma distribuição de frequência (quantidade, em valor absoluto e percentagem, dos dados
reais em toda a amostra e segundo cada contexto retratado pelas variáveis independentes)
e, posteriormente, uma testagem de hipóteses, prevendo chances de realizações futuras das
variantes da variável dependente; e (iii) interpretação dos dados. A análise sociolinguística,
neste trabalho, foi, a propósito, realizada utilizando o software especialmente desenvolvido
para estudos variacionistas de orientação laboviana, o Goldvarb X, que fornece valores que
permitem a observação objetiva da realidade linguística e, desde que os dados possibilitem,
oferece com segurança as tendências (pesos relativos) de as formas concorrentes
ocorrerem, quando fatores estão exercendo pressão a favor de ou contra a sua realização.
Em Weinreich, Labov & Herzog (1975), são postulados cinco problemas que
competem aos estudos sobre variação e mudança linguística: o problema dos fatores
condicionantes, o problema da transição, o problema do encaixamento, o problema da
avaliação e o problema da implementação.
O problema dos fatores condicionantes refere-se à condição de heterogeneidade
linguística, de modo que, sobre um fenômeno variável, atuariam sistematicamente
variáveis linguísticas e sociais, que poderiam, por sua vez, provocar uma mudança no
sistema linguístico – uma forma antiga passa a competir com uma forma nova e,
geralmente depois de anos, esta pode passar a ser a única realizada. Este problema – que
constitui uma das prioridades do presente estudo – relaciona-se à preocupação do
pesquisador com a delimitação de variáveis e com a averiguação do modo como elas
interferem na dinâmica linguística.
O problema da transição diz respeito ao percurso da variação que pode ocasionar
mudança. O olhar sobre a variação e os fatores que a condicionam passa a ser desenvolvido
ao longo do tempo (aparente – com base no comportamento das faixas etárias – ou real).
74
Dessa forma, é possível averiguar se ela se mantém estável ou se uma mudança tende a ser
implementada em curto prazo.
Na pesquisa sobre a colocação pronominal, o problema da transição foi abordado
na medida em que se observou o fenômeno em amostra estratificada por faixas etárias, o
que permitiu considerações acerca da transição em relação ao tempo aparente. A
observação do comportamento por faixas etárias – embora limitado, no sentido de que
acaba por conceber a atitude dos indivíduos por faixa uniformemente – permite supor se o
fenômeno configura um caso de variação estável ou mudança em progresso. Sem dúvida, a
melhor forma de investigar o estatuto da variação ou mudança no tempo é a observação de
dados ao longo de várias décadas, com intervalo de no mínimo cerca de 20 anos. Por todo
o exposto, para complementar a pesquisa da transição é sugerido o estudo em tempo real,
seja do tipo painel (análise a partir da fala dos mesmos indivíduos em diferentes
sincronias) ou tendência (análise a partir da fala de indivíduos diferentes, mas com mesmo
perfil social, em diferentes sincronias).
Em estudo de tempo aparente, consoante foi realizado neste trabalho, de acordo
com Labov (1994), os indivíduos tendem a passar a realizar uma variante inovadora depois
da puberdade. Se, na fase seguinte, a variante conservadora se torna a mais produtiva
novamente, diz-se que a variação é estável; caso contrário, propõe-se mudança em
progresso.
O princípio do uniformitarismo, definido por Christy como a premissa de que o
“conhecimento de processos que operaram no passado pode ser inferido pela observação
de processos em andamento no presente” (ap. Labov, 1994: 21)10, consiste em uma précondição necessária ao tratamento do problema da transição. Como se trata de um olhar
sobre sincronias; é importante saber que elementos de um tempo pretérito podem auxiliar
na compreensão do funcionamento da língua em tempo presente, e vice-versa. Em virtude
disso, esse princípio também constitui ferramenta que ajuda a fundamentar a análise
variacionista.
O problema do encaixamento consiste em determinar como repercute uma mudança
linguística no sistema e na comunidade de fala. Por meio dele, fica estabelecido que as
mudanças são encaixadas no âmbito linguístico – o que significa dizer que elas não
acontecem isoladamente e podem interferir em outros planos gramaticais – e no âmbito
10
“Knowledge of processes that opered in the past can be inferred by observing ongoing processes in the
present.” (LABOV, 1994: 21).
75
social – o que significa dizer que elas podem ter início em determinado ponto do ambiente
social e podem se espalhar em cadeia pelas variáveis sociais. Esse problema refere-se à
magnitude da variação e mudança linguística, cuja extensão atinge o nível linguístico e
social; por isso, considerar apenas fatores estruturais não seria a priori suficiente para
explicar o processo que culminou na mudança linguística, nem as mudanças que esta
desencadeou. A análise esteve relacionada a este problema apenas no tocante ao
contraponto entre os níveis linguístico e social, mas não investigou diretamente os efeitos
em cadeia do fenômeno nos níveis internos e externos à língua.
O problema da avaliação diz respeito ao julgamento de valor que os falantes fazem
sobre as formas variantes, que pode incentivar ou dificultar uma mudança. Quando um
falante utiliza preferencialmente uma variante em detrimento da outra, em alguns casos, há
uma motivação subjetiva envolvendo essa preferência, a fim de, talvez, realizar uma forma
prestigiada socialmente, de integrar-se a um grupo ou por alguma outra razão. Acontece
que, quando a forma não é marcada (forma pouco produtiva e avaliada como “estranha”)
nem estigmatizada (avaliada negativamente), o grau de consciência do falante sobre sua
avaliação é mínima ou nula; mesmo assim, pode-se dizer que houve uma intuição a
respeito do que seria adequado no contexto de sua produção.
Quando uma forma variante é fortemente marginalizada a ponto de fazer parte de
uma regra semicategórica, ou os falantes ainda não a reconhecem naturalmente como
gramatical ou estão deixando de fazê-lo. Então, identificar um fenômeno supostamente
variável como uma regra semicategórica, distinguindo-o de uma regra variável, pode
significar um julgamento entre o que é ou não aceitável em determinada variedade da
língua.
Normalmente o estudo da avaliação se dá através de testes de atitude; todavia, neste
trabalho, embora não se utilizem métodos específicos de investigação de atitudes, postular
a possibilidade de interferência da avaliação foi importante para compreender o tipo de
regra linguística (semicategórica ou variável) que envolve a suposta variação da ordem dos
clíticos na fala dos indivíduos escolarizados.
O problema da implementação, por fim, consiste na dificuldade de prever e explicar
a efetivação de uma mudança. Por depender de uma mudança no comportamento social e
esta ser imprevisível, a explicação da mudança linguística de fato viria a posteriori.
Contudo, haveria pistas que indicariam a conclusão iminente do processo, como o aumento
do grau de consciência de uma mudança, a existência de um estereótipo social (marca que
76
identifica um grupo) e a seleção de uma das alternativas como uma constante. Desse modo,
esse último problema teórico – do qual o presente trabalho não se ocupou diretamente – diz
respeito à previsão de uma mudança linguística e aos motivos que levam a concluir tal
processo.
Assim, nesta seção do trabalho, verificou-se que a pesquisa da colocação
pronominal assumiu pressupostos sociolinguísticos fundamentais à delimitação e à
interpretação do fenômeno variável. Foram brevemente expostas as condições teóricas sine
qua non para um estudo de diversidade linguística, tanto no que tange às noções de
comunidade de fala, regras linguísticas e variável dependente, quanto aos problemas que se
busca responder, especialmente o problema dos fatores condicionantes; os demais foram
abordados conforme os dados permitissem aprofundar a reflexão sobre mudança linguística
e sobre a conjugação entre o fenômeno linguístico e as comunidades de fala observadas.
4.2. Fonologia Experimental
Assim como na investigação da colocação pronominal em termos sociolinguísticos,
a análise da cliticização fonológica abarca um aspecto variável da língua portuguesa.
Contudo, neste caso, o aporte teórico-metodológico que embasou o estudo não foi a Teoria
da variação e mudança, pois o instrumental de que ele se vale não é próprio para atender às
questões a que a análise fonético-fonológica se propôs responder. Devido ao fato de a
pesquisa se servir de características suprassegmentais para investigar representações
fonológicas, o segundo momento da pesquisa encontrou respaldo, sobretudo, na Fonologia
Experimental, conforme propõe Ohala (1987, 1990).
Tradicionalmente, fonética e fonologia são concebidas como disciplinas autônomas
e independentes. A primeira está relacionada ao som da fala (parte física), ao modo como
ele é produzido e percebido. A segunda está relacionada à representação mental desse som
(parte abstrata, conhecimento) e à sua funcionalidade. No entanto, de acordo com Ohala,
essas disciplinas podem ser vistas como complementares, de modo que o estudo
exclusivamente fonético seria, na realidade, artificial e o estudo fonológico sem considerar
dados de natureza fonética seria inviável. Dessa forma, fonética e fonologia não estariam
propriamente ligadas no modo de interface, mas estariam integradas, reunindo e
interagindo forma e conteúdo.
77
Com base nessa tese, Ohala (1987) propõe o campo de atuação do que intitulou
Fonologia Experimental, que consiste no estudo fonológico a partir da observação
cuidadosa de aspectos fonéticos11. Ele compara o método a procedimentos adotados em
pesquisas biológicas. Quando transpassado o mecanismo experimental (“hipotéticodedutivo”) para a linguística, geralmente ele é aplicado a estudos fonéticos
especificamente; mas, cada vez mais, com o aperfeiçoamento de técnicas, é possível testar
teorias, verificar atitudes a partir da fala, “incorporar certas áreas da psicologia bem como
os experimentos sociolinguísticos do tipo desenvolvido por Labov”12 (OHALA, 1987: 208209). A lógica proposta por Ohala, portanto, não consiste exatamente em uma proposta
teórica adicional aos estudos fonológicos, mas na possibilidade de fazer generalizações
acerca da sistematicidade fonológica a partir de testagem empírica.
Além dessas bases, o estudo sobre a cliticização fonológica valeu-se de
pressupostos relativos tanto ao comportamento fonético-fonológico dos clíticos e de seu
estatuto silábico, quanto ao quadro fonético-fonológico das vogais do Português do Brasil,
que é determinante para a composição da tonicidade e, por conseguinte, para a
caracterização do estatuto acentual dos pronomes átonos.
Os clíticos e o acento
O acento, para Câmara Jr., é “uma maior força expiratória, ou intensidade de
emissão, da vogal de uma sílaba em contraste com as demais vogais silábicas” (2005
[1970]: 63). De acordo com essa perspectiva, o acento é definido no âmbito do vocábulo
fonológico – palavra morfológica com sílaba tônica (portadora de acento primário) mais as
palavras funcionais átonas que podem estar acopladas ([me deve] ω [trazer] ω; [o salva] ω[vidas] ω). Dessa forma, um vocábulo fonológico é formado por uma sílaba que recebe o
grau mais elevado de tonicidade (acento primário) e por outras sobre as quais recaem graus
inferiores, quando se trata de vocábulo polissílabo.
O Português, de modo geral, é uma língua predominantemente paroxítona; dessa
forma, o acento primário normalmente recai sobre a penúltima sílaba da palavra. Todavia,
com menos frequência, encontra-se também acentuação dos tipos oxítono, em que acento
11
É preciso salientar que o campo de atuação da chamada Fonologia Experimental, tal como se concebe no
presente trabalho, é bastante variado, de modo que sua aplicação alcança não só a descrição dos níveis de
representação das unidades fonológicas, mas também as aplicações no plano da interpretação dos enunciados
nos níveis sintático e semântico.
12
“ït incorporates certain areas of psychology as well as the sociolinguistic experiments of the type
performed by Labov”.
78
recai sobre a última sílaba, e proparoxítono, em que o acento se localiza na antepenúltima
sílaba.
Referindo-se à variedade brasileira, Câmara Jr. postula uma escala de 0 a 3 para
mostrar como o contraste acentual se organiza no domínio do vocábulo fonológico. À
sílaba tônica, é atribuído o grau 3. À pretônica, grau 1. À postônica, grau 0. Em raros
momentos, para assinalar a presença de uma outra sílaba forte, é atribuído grau 2, que
configuraria um acento secundário. Com isso, mostra-se que, apesar de ambas serem
átonas, as sílabas pretônicas não seriam tão átonas quanto as postônicas.
As referidas palavras funcionais átonas desprovidas de acento, os clíticos, são
incorporadas por uma palavra acentuada à sua direita (próclise) ou esquerda (ênclise),
assumindo caráter prosódico de sílaba pretônica ou postônica, respectivamente. Sendo
assim, a depender da direção da ligação fonológica dos clíticos, eles manifestam-se
razoavelmente átonos (como pretônicas) ou extremamente átonos (como postônicas).
Carvalho (1989) corrobora que os clíticos se assemelham a sílabas átonas e que, na
variedade em questão, sílabas pretônicas são mais fortes que postônicas. Contudo, ressalta
que tal semelhança prosódica entre clíticos e sílabas átonas legítimas (de palavra
morfológica) deveria ser investigada empiricamente. De acordo com Carvalho, bem como
indica Câmara Jr, a diferença acentual no interior do vocábulo fonológico seria devido à
qualidade das vogais.
Assim sendo, a etapa da pesquisa destinada ao estudo da cliticização fonológica,
que consistiu em investigar sílabas átonas (clíticas e de palavra morfológica) a partir de
parâmetros acústicos da vogal de cada uma delas, baseou-se no fato de as sílabas
pretônicas serem menos débeis que as postônicas em decorrência da diferença de qualidade
das vogais, as quais são determinantes para a construção do acento. Além disso, no que
toca à elaboração e à interpretação dos resultados, partiu-se da premissa de que a sílaba
clítica e a sílaba átona de palavras morfológicas são comparáveis (me disse e medisse).
Os parâmetros acústicos (duração, intensidade e frequências) atuam em conjunto no
plano suprassegmental, de modo que não se restringem a caracterizar especificamente um
segmento, mas a cadeia que se constrói a partir deles. Nesse sentido, é possível delimitar
constituintes prosódicos – unidades menores que se juntam formando unidades mais
complexas –, o que permite propor hierarquias prosódicas.
A esse respeito, a proposta na qual o trabalho em alguma medida está
fundamentado é de Nespor & Vogel (1986), preservada e discutida em Bisol (2005
79
[1996]). Ela é importante para a pesquisa no sentido de mostrar que, embora as
características e a comparabilidade silábica apontadas por Câmara Jr. (2005 [1970]) e
Carvalho (1989) sejam verídicas e pertinentes, entre clítico e palavra morfológica há
características que ora os aproximam da concepção de ambos comporem uma única
unidade vocabular, conforme postula Câmara Jr., ora os afastam, sedimentando a
necessidade de colocar o agrupamento em um nível superior ao de palavra fonológica.
As estruturas da fala – estabelecidas segundo a complexidade do constituinte –
mantêm entre si uma relação de dominância quanto à proeminência acentual. Essa relação
determina a hierarquia que, segundo a proposta adotada, se organiza desde a categoria
silábica (mais simples) até o enunciado (mais complexo): sílaba (σ), pé (Σ), palavra
fonológica (ω), grupo clítico (C), frase fonológica (Ф), frase entonacional (I) e enunciado
(U). Desse modo, pode-se observar que há um nível intermediário entre a palavra
fonológica e a frase fonológica, a que se deu o nome de grupo clítico. As características
que levaram as pesquisadoras a diferenciar palavra fonológica de grupo clítico – o que
destoa de Câmara Jr., que considera a junção como vocábulo fonológico – foram também
consideradas na pesquisa, por se supor que elas podem interferir nos parâmetros acústicos
das vogais estudadas.
Palavra fonológica seria o constituinte mais inferior na hierarquia prosódica que
relacionaria morfologia e fonologia. Em virtude de os clíticos possuírem tanto
características de afixo (forma presa) quanto de palavra/vocábulo (forma dependente, nos
termos de Câmara Jr, 1970), Nespor & Vogel (1986) propõem que não é plenamente
adequado enquadrar o(s) clítico(s) no nível da palavra fonológica, nem no nível da frase
fonológica; por isso, propõem um nível intermediário nomeado de grupo clítico.
Bisol (2005 [1996]) explora a tese de Nespor & Vogel mostrando que, entre o
clítico e seu hospedeiro fonológico, ocorrem processos fonético-fonológicos que justificam
a existência do grupo clítico. Além disso, sobretudo os clíticos pronominais podem
deslocar-se na cadeia sintagmática, o que sugere um grau de independência que os
diferencia de sílabas prototípicas, que compõem tanto uma palavra morfológica quanto
uma palavra fonológica nessa perspectiva.
De acordo com Bisol (2005 [1996]), nem sempre o clítico se acoplaria a uma
palavra vizinha. O pronome só equivaleria a uma sílaba quando estivesse enclítico; assim
sendo, quando proclítico, o pronome não seria incorporado à palavra de conteúdo; seria
apenas adjacente a ela, formando uma locução. Esse grau de autonomia do pronome
80
consiste em um argumento que, somado a outros, sustenta a tese de que haveria o nível
prosódico ‘grupo clítico’.
Outro argumento diz respeito à possibilidade de elisão, como em []
(“pela idade”), pois esse processo fonético-fonológico ocorre apenas entre palavras. Além
disso, pode ocorrer crase se as vogais fronteiriças forem segmentalmente idênticas, como
em [] (“te impedir” – VIEIRA & CORRÊA, mimeo). Portanto, para o clítico ser
incorporado à palavra fonológica à sua direita, pode ocorrer sândi externo.
No que se refere ao domínio prosódico que contempla os pronomes átonos, foi,
então, importante a definição de vocábulo fonológico feita por Câmara Jr. (2005 [1970]),
complementada por Carvalho (1989). Contudo, as particularidades dos clíticos que levaram
Nespor & Vogel (1986) e Bisol (2005 [1996]) a postularem mais um nível prosódico não
foram negligenciadas no estudo da cliticização fonológica, ainda que os clíticos
pronominais tenham sido tratados, na presente pesquisa, como sílabas (“sílabas clíticas”)13.
Além disso, foi importante atestar que o padrão acentual da língua portuguesa é
paroxítono, pois assim a direção da ligação fonológica do clítico pode colaborar para
atender a ele.
Ao estabelecimento do acento, estão associados os parâmetros duração e
intensidade (cf. VIEIRA, 2002; CORRÊA, 2009). A regularidade na alternância de sons
acentuados e não acentuados cria um ritmo, que facilita a percepção e induz à segmentação
em unidades rítmicas. Dessa forma, tanto a análise do comportamento dos parâmetros
acústicos quanto de sua percepção pode revelar aspectos interessantes dos sons da fala. A
esse respeito, é oportuna a reflexão de Netto (2007: 23):
A segmentação de formas significativas na língua envolve a percepção de sons e,
portanto, também envolve a análise de alguns de seus aspectos físicos como frequência
e intensidade, e suas possibilidades combinatórias como a duração e o acúmulo de
frequências, que se caracteriza como timbre. De fato, o som, tal como riscos e gestos, é
a materialidade do uso da língua sem a qual não haveria possibilidade de contato entre
interlocutores. A análise dessa materialidade condiciona-se necessariamente tanto à sua
produção quanto a sua percepção. Dessa maneira, compreender o canal sonoro,
propriamente dito, pode trazer alguma novidade para a compreensão de seu uso.
Como afirma Netto (2007), aspectos físicos do som e a percepção auditiva
complementam-se. Sobre os aspectos físicos precisamente, outros parâmetros acústicos
13
É preciso enfatizar que não constituiu objeto específico da presente pesquisa o produtivo debate acerca da
interpretação dos níveis das unidades que constituem a hierarquia prosódica. Antes, esse debate serviu de
base para a constituição da amostra a ser contemplada na investigação dos clíticos, que contemplou palavras
lexicais e vocábulos fonológicos/grupos clíticos com os pronomes átonos do Português.
81
além da intensidade e duração também são importantes para a constituição das ondas
sonoras. Esses dois foram estudados, com a finalidade de refletir sobre questões relativas a
acento, especialmente do tipo lexical. Algumas das frequências secundárias (formânticas)
também foram estudadas, mas com outro objetivo. Elas, de acordo com Netto (2007), não
são suficientes para segmentar unidades rítmicas, mas são fundamentais para a definição
das vogais; por isso, também foram investigadas, já que um método empregado para
estudar a cliticização fonológica consistiu em comparar vogais.
Em virtude de sons vocálicos terem servido de material para a análise fonéticofonológica, faz-se necessário expor, então, noções conhecidas a seu respeito.
Os clíticos e as vogais em Português
Câmara Jr. (2005 [1970]) descreve o quadro fonológico vocálico do Português em
função dos tipos de sílabas (pretônica, tônica, postônica não-final e postônica final) e dos
segmentos fonéticos através dos quais os núcleos poderiam materializar-se. Para os
experimentos prosódicos realizados, foram de suma importância as formas que podem
tomar os fonemas vocálicos de sílabas pretônicas e postônicas finais, visto que a elas
poderia corresponder a vogal dos pronomes investigados.
O máximo de vogais orais distintivas em Português é encontrado na posição tônica:
/i/, /e/, //, //, //, /o/ e /u/ (s/i/co; s/e/co; s//co; s//co; s//co; s/o/co; s/u/co), cada qual
sendo realizada, respectivamente, pelos fones [i], [e], [], [], [], [o] e [u]. Quando se
observa o ambiente pretônico, esse quadro fonológico reduz-se para cinco segmentos, pois
os fonemas mediais se neutralizaram, formando os arquifomenas /E/ (neutralização de /e/ e
//) e /O/ (neutralização de // e /o/). Dizer que houve neutralização, na fonologia, significa
que, em determinado contexto, os fonemas envolvidos não mais acarretam mudança de
sentido da palavra; dessa forma, seus respectivos fones tornam-se realizações do
arquifonema. Assim, enquanto para /i/, /a/ e /u/, há, na ordem, os fones [i], [a] e [u]; para
/E/, há as possibilidades [e] e [] (p[e]pino ou p[]pino), e, para /O/, há [] e [o]
(b[o]neca ou b[]neca).
Em alguns casos, há debordamento, de modo que os fones [i] e [u], que
normalmente concretizam os fonemas altos, são utilizados para concretizar /E/ e /O/
respectivamente (p[i]pino; b[u]neca), o que configura uma situação de alteamento. Esses
82
fones, nesses casos, funcionam como variantes competindo com as variantes legítimas dos
arquifonemas, mas não se pode dizer que houve neutralização também envolvendo os
fonemas altos porque esses segmentos fonológicos ainda são distintivos no sistema
(r/i/maria; r/E/maria; r/O/maria; r/u/maria).
Em se tratando das vogais anteriores, que podem ser núcleo dos clíticos
investigados na análise da cliticização fonológica (me, te e se), cabe salientar aspectos da
variação que envolve /E/. Algumas pesquisas (cf. BRANDÃO, 2010; NASCENTES, 1953)
mostram que, no Rio de Janeiro, basicamente são produtivas as variantes [i] e [e],
condicionadas por fatores linguísticos e extralinguísticos. O alteamento acontece
principalmente em função da natureza da sílaba pretônica (eventual ou permanente), da
presença de vogal alta na sílaba tônica, de determinados segmentos adjacentes à vogal
pretônica, dentre outras razões (cf. AVELHEDA & SILVEIRA, 2011). Acontece que,
apesar disso, essa vogal alta não é tão recorrente quanto à vogal média [e], tendência que
se inverte quando se trata de sílaba postônica final.
As sílabas postônicas comportam-se de forma particular consoante se localizem em
contexto não-final ou final de palavra. As não-finais constituem realizações de /i/, /E/, /a/ e
/U/. Nota-se que as vogais posteriores também se neutralizaram nessa posição. Quanto às
anteriores, segundo Câmara Jr. (2005 [1970]), a perda da qualidade distintiva só ocorreu
com as médias; todavia, há quem proponha um arquifonema para todas as vogais anteriores
(cf. BISOL, 2003; DE PAULA, 2009), devido à assimetria do quadro fonológico e à
escassez de par mínimo que comprove a existência de segmentos fonológicos diferentes.
Esta perspectiva faria com que o quadro das vogais postônicas não-finais ficasse igual ao
das finais, como se verá a seguir.
O quadro fonológico das vogais postônicas finais é bastante simplificado, com
apenas três segmentos: /I/, /a/ e /U/. Nota-se que as vogais anteriores se neutralizaram,
assim como as posteriores. Desse modo, [], [e] e [] constituem as possibilidades de
concretização do arquifonema /I/; e [], [o] e [] são as variantes de /U/. Normalmente se
encontram [] e [] na fala espontânea; por esse motivo, fez-se anteriormente a
consideração de que as vogais anteriores dos clíticos – habitualmente realizadas como alta
– se pareçam segmentalmente com vogais postônicas.
Do ponto de vista acústico, as vogais, de modo geral, diferenciam-se pelas
frequências formânticas, visto que a corrente de ar expiratória através da qual o som é
83
produzido, embora não seja obstruída por pontos de articulação, sofre modificações a
depender do grau de abertura da boca, da posição da língua no eixo horizontal e do
arredondamento dos lábios. Cada uma dessas condições gera perturbações na onda sonora,
que, por sua vez, acarreta frequências diversas; duas delas serão investigadas neste
trabalho: F1 (relacionada ao grau de abertura da boca) e F2 (relacionada à posição da
língua no eixo horizontal).
Moraes (mimeo) descreve o processo como essas frequências são geradas. Ele
explica que:
quando um som vocálico é emitido, a corrente de ar põe em movimento as cordas
vocais, gerando a voz, que se caracteriza por uma onda sonora com uma determinada
frequência de vibração. Essa frequência, que corresponde ao número de vezes que as
cordas vocais se abrem/fecham num determinado espaço de tempo, é chamada de
frequência fundamental, e se relaciona diretamente à percepção da melodia. Além dessa
frequência básica, frequências secundárias, dela múltiplas (os chamados harmônicos),
estão também presentes nessa onda sonora “primitiva”, mas com intensidades que se
tornam cada vez menores, à medida que a frequência se torna mais alta, como se pode
perceber no gráfico à esquerda, a seguir:
Figura 3: Interseção entre intensidade e frequência na produção de segmentos vocálicos
F1
Espectro da onda glotal
intensidade
Espectro da vogal [i]
intensidade
F2
F0
harmônicos
frequência
intensidade
frequência
Espectro da vogal [a]
F1
F2
frequência
Fonte: Moraes (mimeo)
Em função da forma assumida pelas cavidades supra-glóticas (cavidades faringal, nasal,
labial e, sobretudo, cavidade oral), que atuam como uma caixa de ressonância, algumas
dessas frequências, já presentes no sinal original, serão amplificadas, e, outras,
amortecidas, gerando o que se chamou de zonas de frequências formantes, ou
simplesmente formantes, (por “formarem” cada um dos timbres vocálicos), conforme
ilustrado nos dois esquemas à direita.
84
Três elementos podem alterar a configuração da cavidade bucal, fundamental na
emissão
das
vogais
orais:
altura
da
língua
ou
abertura
da
boca,
posteriorização/anteriorização da língua e arredondamento dos lábios. Conforme
determinado elemento modifica o espaço da cavidade, a onda precisa acomodar-se no novo
espaço, o que, por consequência, modifica seu tamanho, provocando mudança na
frequência.
Considerando a cavidade bucal como a caixa de ressonância das ondas sonoras, a
área máxima representa um trapézio, conforme aparece ilustrado na figura seguinte.
Figura 4: Espaço acústico onde são definidas as vogais
Fonte: Site Aspectos de gramática14
A depender das modificações que essa área sofre, são produzidas as vogais:
Figura 5: Trapézio vocálico
Fonte: Site Aspectos de gramática15
Observando a figura 5, estabelecida com base em traços articulatórios, confirma-se
o que se sistematizou anteriormente do ponto de vista segmental: as vogais [], [e], [] e
14
15
<http://www.radames.manosso.nom.br/gramatica/vogal.htm>, consultado em 20/12/2011.
<http://www.radames.manosso.nom.br/gramatica/vogal.htm>, consultado em 20/12/2011.
85
[i], abordadas neste trabalho, nessa ordem, organizam-se da mais baixa a mais alta; todas
elas são anteriores; nenhuma é arredondada.
Essas características são constatadas através dos valores formânticos. Com base em
Catford (1988: 161)16, podem-se observar os valores médios, em Hertz, de F1 e F2, obtidos
para segmentos vocálicos a partir da fala masculina.
Tabela 1: Valores médios de F1 e F2 em Hz de vogais em fala masculina
Vogal Valor médio de F1 Valor médio de F2
[i]
240
2400
[e]
390
2300
610
1900
[]
[a]
[]
[o]
[u]
850
500
360
250
1610
700
640
595
De acordo com esses valores, conforme aumenta a abertura da boca, aumenta o
valor de F1; em outras palavras, quanto mais alta a vogal, menor é o valor de F1. Assim
sendo, [a] apresenta maior valor médio de F1 (850 Hz); as vogais médias-baixas [] e []
vêm em um segundo nível, com 610 Hz e 500 Hz respectivamente; seguidas pelas vogais
médias-altas [e] (390 Hz) e [o] (360 Hz); as vogais altas [i] e [u] apresentam os menores
valores desse formante (240 Hz e 250 Hz, nessa ordem).
Sobre F2, quanto mais anterior a vogal, maior o valor referente a esse formante. A
vogal mais anterior, [i], apresenta o maior valor médio de F2, com 2400 Hz; ao passo que a
mais posterior, [u], apresenta apenas 595 Hz. Da mesma forma, a respeito das demais
vogais, observa-se que a frequência diminui gradativamente em função da posteriorização
da língua: [e] (2300 Hz), [] (1900 Hz), [a] (1610 Hz), [] (700 Hz) e [o] (640 Hz).
Orsini (1995), a partir da fala feminina da variedade brasileira do Português,
ocupou-se de pesquisar F1 e F2 de vogais orais tônicas e átonas – subjacentes e derivadas
(resultantes de redução de ditongo e de alteamento). Fazendo uma média dos formantes de
todas as vogais estudadas, ela verificou a mesma gradação apontada por Catford (1988),
conforme se observa na tabela a seguir, extraída de Orsini (1995: 82).
16
Os valores formânticos apresentados por Catford (1988), apesar de não se referirem a vogais átonas do
Português (conforme aqueles abordados na presente pesquisa), ilustram como a frequência altera a depender
das características articulatórias das vogais cardeais.
86
Tabela 2: Valores médios de F1 e F2 em Hz de vogais em fala feminina
Vogal
Valor médio de F1 Valor médio de F2
[i]
360
2125
[e]
483
2143
[]
617
2063
[a]
714
1679
[]
634
1090
[o]
489
1037
[u]
379
1041
Moraes, Callou & Leite (1996) também exploraram essas duas frequências
formânticas. Com base em fala espontânea, analisaram o comportamento de F1 e F2 de
vogais tônicas, pretônicas e postônicas, realizadas por três indivíduos de cada região
contemplada no estudo (Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo). De modo geral, as
médias obtidas refletem as tendências demonstradas através das tabelas 1 e 2.
Considerando precisamente as realizações das vogais pretônicas [e] e [i] e da
postônica [] na fala de indivíduos do Rio de janeiro, a pesquisa revelou que a vogal [i]
apresentou, em média, 324 Hz/2193 Hz, e a [e], 433 Hz/1884 Hz. A vogal [], por outro
lado, apresentou, em média, 333Hz/2099Hz. Dessa forma, a partir dos dados dessa área
urbana, constatou-se que as vogais altas (pretônica e postônica) possuem menor valor de
F1 e de F2 que a vogal média-baixa; portanto, [e] com F1 superior a 400 Hz e F2 inferior a
2000 Hz é mais baixa e menos anterior que [i]/[].
Com intuito meramente informativo, sobre F3, cabe dizer que seu valor diminui à
proporção que aumenta o arredondamento dos lábios na produção da vogal. Como todas as
vogais analisadas na presente pesquisa são distensas (não-arredondadas), essa frequência
não foi contemplada.
Por fim, em Scarpa (1999), Moraes declara que, em Português, a duração intrínseca
das vogais se correlaciona ao seu grau de abertura: quanto mais alta a vogal, mais breve.
Essas e os outros aspectos vocálicos ressaltados foram importantes para se entender as
vogais enquanto objetos da análise fonético-fonológica. Como foi proposto na subseção
intitulada “os clíticos e o acento”, a vogal de um pronome átono pode corresponder a uma
vogal pretônica ou postônica; com base nesse pressuposto, o estudo da cliticização
fonológica pode ser realizado comparando propriedades vocálicas. Desse modo, justificase a sistematização relacionada aos fonemas vocálicos e aos fones que podem concretizálos, especialmente aqueles que estão em variação. Além disso, porque o estudo se
87
concentra em propriedades acústicas, é importante também entender como se comportam
os formantes, responsáveis pelos diferentes sons vocálicos, além dos parâmetros de
duração e intensidade.
Em síntese, na seção 4.1, foram apresentados os pressupostos sociolinguísticos nos
quais o estudo da colocação pronominal se fundamentou. Ademais, na seção 4.2, foram
apresentadas informações essenciais para o estudo da cliticização fonológica, feito a partir
de experimentos acústicos; elas referiram-se a uma proposta de Fonologia Experimental, à
relação entre os clíticos e o acento lexical e à sistematização de propriedades fonéticofonológicas das vogais em Português. Dessa forma, torna-se possível compreender as bases
teóricas que licenciaram a execução dos procedimentos metodológicos descritos no
próximo capítulo.
88
5. METODOLOGIA
De modo a informar os procedimentos de natureza metodológica necessários ao
desenvolvimento das duas investigações propostas, a metodologia empregada tanto na
análise variacionista quanto na de cunho fonético-fonológico encontra-se descrita neste
capítulo.
5.1. Tratamento variacionista
A análise sociolinguística investiga o teor de variação da colocação pronominal em
relação a complexos verbais, considerando os contextos linguísticos e extralinguísticos em
que cada posição é produtiva. Para tanto, os procedimentos foram executados respeitando o
método empírico da Sociolinguística Laboviana, cujas etapas são (i) estabelecimento da
variável dependente, (ii) constituição do corpus, (iii) estabelecimento das variáveis
independentes e das hipóteses, (iv) codificação dos dados segundo as variáveis
estabelecidas; (v) tratamento matemático dos dados, e (vi) análise e interpretação dos
resultados.
Primeiramente, definiu-se a variável dependente, que equivale, na verdade, ao
fenômeno investigado. A variação posicional dos pronomes átonos em ambiente com
complexo verbal abarca basicamente quatro alternativas: antes do verbo auxiliar (me deve
fazer), depois dele (deve-me até fazer), antes do verbo temático (deve até me fazer) e
depois dele (deve fazer-me). Em se tratando da posição do clítico no interior de complexos
verbais sem elementos intervenientes, que constituem maioria no corpus em análise, não é
possível precisar a priori se o pronome está foneticamente apoiado na primeira forma
verbal (deve-me fazer) ou na segunda (deve me-fazer). Dessa forma, ficam configuradas
em termos superficiais três formas alternantes:
(i)
Clítico antes do complexo verbal (pré-CV ou Cl V1 V2):
25. então... eu acho que isso é vandalismo... que isso não se deve aprender dentro do
colégio. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária A, ensino superior).
(ii)
Clítico entre as duas formas verbais do complexo (intra-CV ou V1 Cl V2)17:
26. então elas não podiam se permitir serem pegas assim de forma assim tão flagrante.
(Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino superior).
17
As ocorrências com complexo formado por mais de duas formas verbais foram analisadas à parte.
89
(iii)
Clítico depois do complexo verbal (pós-CV ou V1 V2-Cl):
27. você não pode deixá-los até... as tantas porque eles tão correndo risco. (Nova
Iguaçu, mulher, faixa etária B, ensino superior).
A partir principalmente do que revelaram os resultados de Vieira (2002), a
expectativa inicial foi a de que, ainda hoje, a escolha dos indivíduos acerca da colocação
pronominal assumiria o comportamento de uma regra variável. A hipótese geral foi a de
que a ordem intra-CV seria a mais produtiva, constituindo a forma não-marcada; a
realização das demais variantes ocorreria em proporção bem menor e em função da coatuação de determinados fatores.
Para testar essas suposições, foi iniciada, após a delimitação da variável
dependente, a coleta das ocorrências do corpus, constituído de entrevistas sociolinguísticas
realizadas pela equipe do Projeto intitulado Estudo comparado dos padrões de concordância
em variedades africanas, brasileiras e europeias. Procedeu-se ao levantamento de todas as
ocorrências de clítico em domínio de complexo verbal (cf. item 2.2) na fala de indivíduos
de duas localidades da região metropolitana do Rio de Janeiro: Copacabana 18 (e
adjacências) e Nova Iguaçu. Cabe dizer que as amostras de fala são semi-espontâneas, pois
foram obtidas por meio de entrevista gravada19 com falantes representativos de cada uma
das localidades.
O fato de almejar que o informante fale espontaneamente quando, na realidade, ele
se encontra na tensão de ser entrevistado e gravado configura uma limitação metodológica
inevitável, habitualmente referida como “paradoxo do observador” (cf. LABOV, 1972).
Embora isso tenha implicações na obtenção de dados que representem o vernáculo, pois
essa situação discursiva costuma desencadear certo grau de monitoramento da fala,
algumas medidas foram tomadas para atenuar os efeitos dessa restrição, como a
descontração na forma de perguntar e a escolha do repertório temático 20. Com isso, os
efeitos negativos do gênero entrevista são minimizados e não inviabilizam o estudo.
18
Apesar de a região retratada ter sido Copacabana, foi necessário, em alguns poucos casos, expandir os
limites geográficos para bairros vizinhos (Botafogo e Leme), pois não foram encontrados para entrevistar, em
Copacabana, todos os indivíduos com os perfis almejados, de modo que obedecessem à regra de morar desde
criança nesta localidade. A relativização das fronteiras não invalidou a representatividade dos dados, pois os
bairros adjacentes contemplados mantêm com Copacabana semelhança, sobretudo, socioeconômica.
19
As gravações das entrevistas são disponibilizadas na íntegra no site <http://www.letras.ufrj.br/
concordancia/>.
20
As entrevistas deveriam estimular o informante a dar sua opinião acerca de assuntos diversos, comuns ao
seu cotidiano, de modo que o deixassem confortável para falar. Por exemplo, era-lhe perguntado sobre a vida
90
Ainda a respeito do corpus, ele foi estratificado não só por localidade (Copacabana
ou Nova Iguaçu), mas também por faixa etária (entre 18 e 35 anos, entre 36 e 55 anos ou
com mais de 55 anos), nível de escolaridade (ensino fundamental, médio ou superior) e
sexo (homem ou mulher) dos indivíduos. Isso se traduz em 36 informantes segundo os
perfis sociais controlados.
Pode-se verificar, a seguir, a organização do corpus, tomando por base uma das
localidades.
Faixa A
Faixa B
Faixa C
Figura 6: Estratificação do corpus, segundo uma das localidades
Ensino Fundamental
Ensino médio
Ensino superior
Homem
Mulher
Homem
Mulher
Homem
Mulher
1 indivíduo
1 indivíduo
1 indivíduo
1 indivíduo
1 indivíduo
1 indivíduo
1 indivíduo
1 indivíduo
1 indivíduo
1 indivíduo
1 indivíduo
1 indivíduo
1 indivíduo
1 indivíduo
1 indivíduo
1 indivíduo
1 indivíduo
1 indivíduo
Como se pode observar, para cada perfil social, um indivíduo foi entrevistado. A
fim de compor efetivamente o corpus para análise, foram colhidas, então, da fala de cada
um, todas as ocorrências de clíticos ligados a complexos verbais. Feito isso, estabeleceramse, a partir principalmente das leituras prévias, os grupos de fatores que poderiam interferir
no fenômeno, aqueles que mostrariam como funciona a regra supostamente variável.
Foram eles:
Variáveis independentes extralinguísticas
(i)
Localidade
Duas localidades foram selecionadas para representar a região metropolitana do Rio
de Janeiro. Ambas compõem as variantes desta variável, a saber:
- Copacabana (e adjacências)
- Nova Iguaçu
A caracterização das comunidades a serem estudadas – ainda que seja, a princípio,
superficial – é fundamental para que se conjugue a realidade linguística e a vida social da
região. A esse respeito, Labov ressalta:
profissional, a infância, a educação das crianças, a vida na cidade – lazer, saúde pública e privada, violência,
dentre outros temas.
91
O linguista deve gastar algum tempo recolhendo dados demográficos e observações de
padrões culturais de que ele pode não precisar normalmente. Ele pode ter de perturbar o
fluxo da interação natural com seus informantes por questões padronizadas que
fornecem dados comparativos sobre as atitudes sociais (LABOV, 1972b: 6).21
Assim sendo, buscaram-se informações sobre as comunidades no site da prefeitura
do Rio de Janeiro22 e de Nova Iguaçu23 e do IBGE24 (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística). Além disso, traçou-se um perfil das localidades também através da observação
e de relatos de moradores antigos (sediados há mais de vinte anos), que vieram a se tornar
informantes para a pesquisa.
Segundo a Prefeitura do Rio de Janeiro, a região metropolitana do Estado é
composta por 17 municípios, distribuídos em uma área de 4.930 km2. Dentre eles, estão
Rio de Janeiro, com 1.224 km2, e Nova Iguaçu, com 521,25 km2. Segundo o censo 2010 do
IBGE, a cidade do Rio de Janeiro, apesar de possuir áreas cuja natureza se mantém
preservada, conta com uma população totalmente urbana formada por 6.323.037 pessoas.
No mesmo período, Nova Iguaçu contemplava 795.212 pessoas, sendo 786.536 da área
urbana e 8.676 da rural. Não se encontraram dados demográficos relativos a bairros.
Copacabana corresponde a um bairro litorâneo do município do Rio de Janeiro,
próximo ao centro comercial. Sua economia se baseia principalmente no setor terciário –
relacionado a serviços, como comércio, educação, saúde, transporte e turismo –, voltado
para a população local (moradores de Copacabana) e resultante de movimentos pendulares
(pessoas que vão a Copacabana, mas moram em outros bairros, municípios, estados ou
países). Isso, de certo modo, ajuda a entender a organização populacional, que interfere
diretamente na dinâmica sociolinguística.
Por um lado, grande parte da população residente em Copacabana adveio de um
processo de imigração. Algumas pessoas são oriundas de outros bairros, e outras, de outros
estados; neste caso, quase sempre se trata de um processo de êxodo, o qual foi
determinante para a favelização que integra a cidade do Rio de Janeiro. Todos esses
moradores, por outro lado, dividem espaço com pessoas de outros locais que vão ao bairro
a trabalho ou em busca de lazer, visto que se trata de um bairro turístico.
21
The linguist must spend some time gathering demographic data and observations of cultural patterns that
he might not ordinarily need. He might have to disturb the flow of natural interation with his informants by
standardized questions which give comparative data on social attitudes (LABOV, 1972b: 6).
22
<http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/principal>, consultado em 11/10/2011.
23
<http://www.novaiguacu.rj.gov.br/>, consultado em 11/10/2011.
24
<http://www.ibge.gov.br/home/default.php>, consultado em 11/10/2011.
92
Trata-se de uma comunidade em que coexistem e dialogam pessoas com diferentes
origens, culturas, interesses, poder aquisitivo. A interação intensa nessa sociedade plural
certamente repercute na diversidade linguística. Além disso, pode-se dizer que a
concentração de grupos, decorrente, por exemplo, da favelização, forma subcomunidades,
em que possivelmente se partilham regras próprias de ordem sociocomportamental.
Sobre Botafogo e Leme, tomados neste trabalho como partes integrantes da
comunidade de fala de Copacabana, são também bairros cariocas, adjacentes a
Copacabana. Embora aqueles não sejam tão famosos pelo turismo quanto este, os três
territórios vizinhos são socialmente parecidos; por isso, a relativização das fronteiras não
enviesou a constituição da referida comunidade de fala.
Nova Iguaçu, a outra comunidade investigada, diferentemente, não consiste em um
bairro, mas em um município fronteiriço ao município do Rio de Janeiro. Em se tratando
de Baixada fluminense, seu potencial de desenvolvimento econômico e demográfico se
destaca em relação aos demais municípios, de modo que, grosso modo, é comparável a
Copacabana.
Da mesma forma que Copacabana, Nova Iguaçu é povoada em grande parte por
pessoas oriundas de outros estados. Contudo, apesar de fundada há menos tempo, a
economia local, que envolve não só o setor terciário, mas também primário – relacionado à
exploração de recursos naturais – e secundário – relacionado à industrialização –, é
movimentada majoritariamente por trabalhadores que residem no próprio município;
quando não, acolhe trabalhadores de outros municípios da própria Baixada fluminense
(São João de Meriti, Nilópolis).
O município de Nova Iguaçu é bem mais extenso que a região formada por
Copacabana e os bairros adjacentes de Botafogo e Leme. Distante do centro comercial, há
regiões mais rurais, porém integradas por meio de transporte público vasto. Sem dúvida, é
uma das cidades no domínio fluminense que mais se desenvolveu no canal que interliga,
através da conurbação, as capitais estaduais Rio de Janeiro e São Paulo.
Essa breve descrição dos pontos de inquérito permite observar que as duas
localidades consistem, então, em polos econômicos. Por esse motivo, atraem pessoas de
regiões diversas. Contudo, enquanto em Copacabana o deslocamento é principalmente
temporário e contínuo, o que se acentua pela inerente vocação turística do bairro, os
imigrantes, em Nova Iguaçu, normalmente fixam residência. Desse modo, as
93
movimentações, bem como o tipo de relação que as pessoas mantêm são importantes para
compreender a dinâmica linguística nas regiões.
De modo geral, embora algumas semelhanças possam ser identificadas entre as
duas regiões, Copacabana e Nova Iguaçu apresentariam diferenças relevantes quanto ao
status sociocultural; nesse sentido, Copacabana é concebida como localidade de prestígio,
diferentemente de Nova Iguaçu. O reflexo dessas diferenças para o campo linguístico
especialmente no que toca ao fenômeno estudado – que, na modalidade oral, não costuma
ser objeto de avaliação, prestigiosa ou desprestigiosa – não parece, por hipótese, ser
relevante. Assim sendo, supõe-se que o comportamento das duas comunidades obedeceria
às mesmas regras; em outras palavras, essas localidades exibiriam comportamento, quanto
à colocação pronominal, equivalente, próprio de uma mesma comunidade de fala.
(ii)
Escolaridade
Três níveis de escolaridade foram definidos, a fim de verificar se, na medida em
que se aprofunda o conhecimento acerca do padrão culto idealizado em abordagens
prescritivas, se modifica a ordem dos pronomes átonos em complexos verbais.
- Nível 1: ensino fundamental
- Nível 2: ensino médio
- Nível 3: ensino superior
Sabe-se que apenas a escolaridade não é suficientemente responsável por promover
o domínio da norma padrão, idealizada em compêndios tradicionais, por parte do
indivíduo, mas o papel da escola em difundir essa norma de prestígio é inquestionável.
Dessa forma, supõe-se que o contato do indivíduo com a escola, especialmente no que se
refere ao contato com a escrita culta padrão, interfere no seu conhecimento e na avaliação
sobre as estruturas linguísticas; por isso, afeta o processo de variação e mudança.
Dentre as variáveis extralinguísticas controladas, supôs-se que esta sobressairia;
quanto maior o nível de instrução do indivíduo, maior seria o índice de variação, pois a
pessoa dominaria as estruturas supostamente pouco usuais, que seriam incentivadas ao
longo do percurso escolar. A atuação da escola favoreceria, então, a realização das três
formas alternantes, aumentando a competitividade e reduzindo a hipotética soberania da
posição intra-CV.
94
(iii)
Sexo
Quando se reflete sobre organização e funcionamento de sociedades, um aspecto
que costuma ser abordado diz respeito ao papel desempenhado por homens e mulheres.
Como a língua é, além de um elo entre as pessoas, um modo de expressão, pois executa
atos de fala, é imprescindível correlacioná-la às categorias de homem e mulher. Dessa
forma, temos as variantes:
- Homem
- Mulher
Historicamente, a essas categorias são atribuídos papéis sociais que, no âmbito da
variação e mudança linguística, costumam refletir atitudes conservadoras e inovadoras. Na
sociedade ocidental, onde se encontram as comunidades de fala investigadas, as mulheres
cada vez mais conquistam funções (profissionais especialmente) que, por muito tempo,
foram desempenhadas apenas por homens. Embora diferenças venham sendo
desconstruídas, propiciando igualdade de direitos e deveres entre essas classes, acredita-se
que as mulheres ainda se empenham para sustentar a conquista de um espaço menos
marginalizado na sociedade, com participação no mercado de trabalho. Assim sendo,
infere-se que elas costumam preocupar-se mais com o status das formas variantes.
Costumam liderar processos de mudança linguística somente quando a forma inovadora
tem prestígio social; caso contrário, apresentam uma postura conservadora (cf. LABOV,
1972a).
Para o estabelecimento das variantes, foi utilizado critério estritamente biológico.
Os papéis tradicionalmente desempenhados por homens e mulheres, por sua vez, ajudaram
a tecer hipóteses. Por não se tratar de variantes com significativo grau de estigma ou
prestígio, a hipótese foi a de que, quanto à colocação pronominal, não haveria expressiva
diferença entre mulheres e homens. Talvez por serem mais sensíveis ao padrão de
prestígio, elas se mostrassem mais rigorosas às regras gramaticais normativas; todavia, a
priori não se postulou qualquer hipótese específica a respeito da variável ‘sexo’ para
explicar uma possível liderança em processo de mudança linguística. Devido ao fato de se
tratar de uma variável social possível de ser controlada no corpus utilizado e que já se
mostrou relevante em vários estudos sociolinguísticos, sua influência sobre o fenômeno foi
naturalmente verificada.
95
(iv)
Faixa etária
Esta é a última variável independente extralinguística controlada. Ela permite
verificar a variação ao longo do tempo (aparente), de modo que a fala dos indivíduos
idosos, por exemplo, refletiria os padrões usuais de cerca de 60 anos atrás ou mais.
- Faixa A: entre 18 e 35 anos
- Faixa B: entre 36 e 55 anos
- Faixa C: a partir de 56 anos
Segundo os estudos de mudança em tempo aparente (cf. LABOV, 1994), os
indivíduos tendem a passar a realizar uma variante inovadora depois da puberdade. Se, nas
fases seguintes, houver um progressivo incremento de certa variante, propõe-se a hipótese
de mudança em progresso; se, entretanto, a variante conservadora se tornar a mais
produtiva novamente, com o passar do tempo, propõe-se que a variação é estável e resulta
meramente das adaptações características de cada faixa ao contexto social.
Nota-se que a primeira faixa compreende o período em que as pessoas costumam
ingressar no mercado de trabalho; na segunda, já apresentariam uma estabilidade
profissional; na terceira, então, estariam aposentados, não mais se preocupando em atender
ao rigor estabelecido para muitas carreiras. Dessa forma, além de avaliar o aparente
percurso diacrônico da variação, as faixas etárias permitem refletir também sobre uma
possível influência do mercado de trabalho, por exemplo, ou de outros fatores que
configuram a complexidade das relações sociais.
Neste trabalho, supõe-se, com base na observação da distribuição das variantes por
faixas etárias, que haja uma regularidade entre as faixas etárias, com expressiva
produtividade da variante intra-CV. Desse modo, a expectativa inicial foi a de que se
trataria de um caso de variação estável.
Variáveis independentes linguísticas
(v)
Número de verbos auxiliares
Em alguns complexos verbais, ocorre simultaneamente mais de uma forma auxiliar,
o que teoricamente implicaria mais posições admissíveis para o pronome átono ocupar.
Assim sendo, foram estabelecidas as variantes abaixo, de modo a compor um grupo apenas
para o controle dos eventuais exemplos com mais de uma forma verbal auxiliar:
- 1 forma verbal auxiliar
96
28. não quero me formar. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental).
- 2 formas verbais auxiliares
29. não dá razão pra ninguém... porque ele não quer se estressar... porque ele é
hipertenso então ele não quer ficar se estressando. (Copacabana, mulher, faixa etária A,
ensino superior).
- 3 ou mais formas verbais auxiliares
Não houve qualquer registro no corpus.
A hipótese foi a de que, quando houvesse mais de uma forma verbal auxiliar, o
clítico seria colocado nas adjacências do verbo temático ou logo após o verbo auxiliar mais
próximo desse verbo temático; dessa forma, a incidência da variante intra-CV seria maior.
Além disso, quanto mais verbos auxiliares, menor seria a chance de ocorrer a ordem préCV.
(vi)
Forma de V2
Quanto à forma do verbo temático, há três possibilidades de concretização,
conforme se lista a seguir:
- Gerúndio
30. você não tá me dizendo nada. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária A, ensino médio).
- Infinitivo
31. “Rodrigo, você vai me desculpar mas você está errado”. (Nova Iguaçu, mulher,
faixa etária C, ensino superior).
- Particípio
32. mas certamente alguém teria me recolocado. (Copacabana, mulher, faixa etária B,
ensino superior).
Estudos sobre o fenômeno sugerem que, em complexos com V2 no gerúndio, o
pronome oscilaria entre as posições intra e pós-CV, enquanto, naqueles com particípio, ele
oscilaria entre as posições pré e intra-CV. As construções com infinitivo seriam a única a
admitir, na realidade, variação entre as três posições.
Em termos de probabilidade, consoante a hipótese de que o clítico se localizaria no
entorno de V2, de modo geral, o particípio restringiria a variante pós-CV, ao passo que o
97
infinitivo, ao contrário, favoreceria essa variante. Sobre a forma de gerúndio, ela seria
imparcial.
Com base nas nítidas diferenças de comportamento ora expostas, o controle desta
suposta variável independente serviu, na prática, ao propósito primordial de separar os
dados em subamostras segundo a forma do verbo temático, a fim de averiguar a comentada
diferença de comportamento da regra variável quanto à ordem dos pronomes átonos.
(vii)
Forma de V1
Os verbos auxiliares podem apresentar-se flexionados em diferentes tempos e
modos. Para cada possibilidade, uma variante foi definida; assim, a influência da forma
desses verbos pôde ser investigada25.
- Presente do indicativo
33. você acaba se sentindo inseguro. (Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino
médio).
- Pretérito imperfeito do indicativo
34. então elas não podiam se permitir serem pegas assim de forma assim tão flagrante.
(Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino superior).
- Pretérito perfeito do indicativo
35. a gente acabou se juntando. (Copacabana, homem, faixa etária A, ensino superior).
- Futuro do pretérito do indicativo
36. e que eu deveria me apresentar no [IME] dentro de uma semana. (Copacabana,
homem, faixa etária C, ensino superior).
- Presente do subjuntivo
37. nada que assim que assuste todo mundo que... que o pessoal queira se mudar que tá
violen:to tá rouban:do não tem nada disso. (Copacabana, homem, faixa etária B, ensino
médio).
- Pretérito imperfeito do subjuntivo
38. provavelmente se eu tivesse me tornado professora... tendo feito pedagogia eu teria
levado grandes reprovações mas eu me tornei professora pelo mérito técnico.
(Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino superior).
- Futuro do subjuntivo
25
Além dos tempos e modos listados, outros (pretérito mais que perfeito do indicativo, futuro do presente do
indicativo e imperativo) também foram previstos, mas não houve registro no corpus.
98
39. se vier eh me me violentar vai me matar vou mandar me matar porque eu também
não quero ficar viva. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária A, ensino médio).
- Infinitivo
40. meu segundo sonho é conseguir me estabilizar um pouco na vida e ter um filho.
(Nova Iguaçu, homem, faixa etária A, ensino fundamental).
- Gerúndio
41. não tem mais ninguém... podendo se achar melhor do que ninguém. (Copacabana,
mulher, faixa etária B, ensino superior).
Esta variável foi estabelecida com a finalidade de averiguar a influência de cada
flexão possível do verbo auxiliar. A hipótese foi a de que o modo subjuntivo, devido ao
caráter subordinativo, favoreceria a anteposição do pronome ao complexo verbal. As
demais flexões, de outro modo, apresentariam comportamento neutro.
(viii) Tipo de complexo verbal
Todos os complexos verbais que se enquadram nas descrições apresentadas na
seção 2.2 foram considerados variantes26.
- Ter + particípio
42. vou dizer para você... que: minha mãe e meu pai tenha me influenciado não porque:
eu não experimentei dentro de casa. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária B, ensino
fundamental).
- Ir + infinitivo
43. você não sabe exatamente no que que você vai se especializar. (Copacabana,
mulher, faixa etária A, ensino médio).
- Vir + infinitivo
44. mas eu vou quebrar ele porque senão ele vem me assaltar. (Nova Iguaçu, homem,
faixa etária C, ensino fundamental).
- Estar + gerúndio
45. gosto como as coisas tão se encaminhando. (Copacabana, homem, faixa etária A,
ensino fundamental).
- Ir + gerúndio
26
Apesar de não terem sido registradas, atentou-se também para a ocorrência de outras estruturas, como ser +
particípio, estar + a + infinitivo, haver + particípio, vir + gerúndio, haver + de/por + infinitivo, precisar +
infinitivo, dar + para + infinitivo, acabar + de/por + infinitivo, chegar + a + infinitivo,
continuar/ficar/habituar/andar + a + infinitivo, costumar + infinitivo.
99
46. ela vai se: enriquecendo. (Copacabana, homem, faixa etária A, ensino médio).
- Ter + que/de + infinitivo
47. não é que ache que a pessoa não tem que se divertir [brincar] não... não eu acho
que tem. (Copacabana, mulher, faixa etária C, ensino fundamental).
- Poder + infinitivo
48. não se pode mais comparar o que era há vinte anos atrás. (Nova Iguaçu, homem,
faixa etária A, ensino superior).
- Dever + infinitivo
49. e eu tive até uma atitude que não se deve ter né? (Nova Iguaçu, homem, faixa etária
B, ensino fundamental).
- Precisar + infinitivo
50. a pior a partir do momento [em] que você se envolve com a política você não
precisa se envolver sendo político mas você estar inteirado dos assuntos estar inteirado
do que ocorre você se torna alguém capaz de mudar. (Copacabana, homem, faixa etária
A, ensino médio).
- Acabar + gerúndio
51. você vê aquelas pessoas ali você acaba se sentindo inseguro de passar por elas.
(Copacabana, homem, faixa etária A, ensino médio).
- Começar + a + infinitivo
52. e ali ele começou a se meter a se envolver com negócio de drogas. (Copacabana,
homem, faixa etária C, ensino médio).
- Passar + a + infinitivo
53. aí eu passei a conhecê-lo. (Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino médio).
- Voltar + a + infinitivo
54. passamos uns... uns três meses sem se ver depois voltamos a se encontrar de no:vo.
Copacabana, homem, faixa etária B, ensino superior).
- Continuar + gerúndio
55. não sei quanto se roubava antes mas continua se roubando hoje. (Copacabana,
mulher, faixa etária B, ensino superior).
- Ficar + gerúndio
56. as mulher ficaram me olhando. (Copacabana, homem, faixa etária B, ensino
superior).
100
- saber + infinitivo
57. eu: tenho amigas assim pessoas que falam errado que não sabe se expressar. (Nova
Iguaçu, mulher, faixa etária B, ensino fundamental).
- Tentar + infinitivo
58. as pessoas passavam de bicicle:ta... assaltavam... todos os tipos de assalto que você
pode imaginar tentaram me assaltar. (Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino
superior).
- Procurar + infinitivo
59. procura se informar melhor das coisas com eles. (Copacabana, homem, faixa etária
B, ensino superior).
- Conseguir + infinitivo
60. até que eu consegui levá-la pra lá. (Copacabana, homem, faixa etária C, ensino
superior).
- Querer + infinitivo
61. não quero me formar. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental).
Com base principalmente nos resultados de Vieira (2002), supôs-se que, dentre
todos os complexos verbais, aqueles formados por poder ou dever + infinitivo seriam mais
propensos a acomodar o pronome antes do verbo auxiliar.
(ix)
Tonicidade de V1
Com a finalidade de controlar minimamente a forma do verbo auxiliar do ponto de
vista fonético, esta variável abarca os padrões de tonicidade possíveis:
- Oxítona
62. eles vão me mandar o mapa de luz mas ali não quer dizer nada. (Nova Iguaçu,
homem, faixa etária A, ensino fundamental).
- Paroxítona
63. procura se informar melhor das coisas com eles. (Copacabana, homem, faixa etária
B, ensino superior).
- Proparoxítona
Não houve qualquer registro no corpus.
101
Conforme já se detalhou, a posição do clítico também poderia ter, por hipótese,
motivação de ordem fonética. Nesse sentido, foram controlados os padrões de tonicidade
de V1 e de V2, para verificar se a posição do acento primário das formas verbais interfere,
em alguma medida, na posição do pronome átono.
Considerando o verbo auxiliar, supõe-se que formas paroxítonas seguidas de
pronomes átonos constituiriam uma estrutura natural no PB. Tendo em vista que, na
posição intra-CV, o clítico seria supostamente proclítico a V2, haveria todas as condições
para manutenção do ritmo troqueu, com a manutenção do padrão preferencial paroxítono.
Por meio desta variável, também poderá ser investigada a atuação do padrão oxítono sobre
a ordem dos clíticos pronominais, que, a princípio, não teria atuação relevante, no sentido
de que não mudaria o padrão de tonicidade do verbo auxiliar.
(x)
Tonicidade de V2
Da mesma forma que a variável precedente, esta controla a tonicidade verbal;
contudo, dessa vez, trata-se do verbo temático. Em virtude de ele poder estar somente no
infinitivo, gerúndio ou particípio, apenas dois padrões acentuais são possíveis:
- Oxítona
64. eles vão me mandar o mapa de luz mas ali não quer dizer nada. (Nova Iguaçu,
homem, faixa etária A, ensino fundamental).
- Paroxítona
65. as mulher ficaram me olhando. (Copacabana, homem, faixa etária B, ensino
superior).
A hipótese foi a de que a forma oxítona favoreceria a posposição do pronome
átono, propiciando uma acentuação, na verdade, paroxítona. Desse modo, quando V2
estivesse no infinitivo, haveria mais chance de ocorrer a ordem pós-CV do que quando
esse verbo estivesse na forma de gerúndio ou particípio, cuja tonicidade é necessariamente
paroxítona.
(xi)
Presença de preposição/conector no complexo verbal
Alguns verbos, mesmo na qualidade de auxiliar, combinam-se com uma preposição
ou um conector, configurando um elemento interveniente no complexo verbal. Com base
nos elementos que apareceram no corpus, foram estabelecidas as variantes:
- Presença de a
102
66. o povo passou a se aperfeiçoar mais. (Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino
superior).
- Presença de que
67. “a senhora tem que se internar”. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária A, ensino
médio).
- Ausência de preposição/conector
68. não posso te dizer muito não. (Copacabana, homem, faixa etária B, ensino
fundamental).
A presença de preposição ou conector no interior do complexo verbal seria um
indício de menor integração sintático-semântica entre os verbos; desse modo, o pronome,
ligado semanticamente ao segundo verbo, dificilmente iria para a posição pré-CV. Haveria
mais chance para essa anteposição quando não houvesse qualquer elemento interveniente.
(xii)
Presença de sintagma(s) no complexo verbal
Alguns adjuntos, semelhantemente aos elementos mencionados na variável anterior,
podem ocorrer no interior do complexo verbal, interferindo na integração dos verbos e,
com isso, nas possibilidades de colocação pronominal. Diante dessa possível interferência,
é plausível configurar as variantes:
- Presença de sintagma(s)
69. só que infelizmente...os nossos planos de saúde estão quase se transformando.
(Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental).
- Ausência de sintagma(s)
70. não vou te enganar. (Copacabana, homem, faixa etária C, ensino fundamental).
Os sintagmas considerados nesta variável não são determinados sintaticamente por
nenhum dos verbos, como acontece na variável anterior. Dessa forma, apesar de se tratar
também de elemento interveniente no complexo verbal, as variantes acima formam uma
variável à parte daquela que contempla a presença ou ausência de preposição ou conector.
Nos dados em que houve presença de qualquer material interveniente, apesar de,
neste trabalho, se controlar, de modo geral, três variantes, conforme se detalhou
anteriormente, foi possível observar o comportamento dos pronomes átonos em função de
quatro variantes. Em outras palavras, através das ocorrências com elemento interveniente,
pôde-se estudar não só as variantes pré, intra e pós-CV, mas também aprofundar a
103
investigação refletindo sobre a alternância entre Cl V1 V2, V1-Cl V2, V1 Cl-V2 e V1 V2Cl, formas que podem ser seguramente atestadas nesse contexto.
Bem como no tocante à variável independente anterior, supôs-se que, na presença
de um sintagma no interior do complexo verbal, o clítico não tenderia a ocorrer na posição
pré-CV. Em se tratando de quatro variantes, o clítico estaria adjacente normalmente ao
segundo verbo.
(xiii) Tipo de clítico
A relevância da tipologia do clítico – fortemente atestada em outros estudos da
colocação pronominal – também foi cogitada, de modo que as variantes postuladas foram
as seguintes:
- Me
71. os vizinhos que são antigos vão me socorrer. (Copacabana, mulher, faixa etária B,
ensino médio).
- Te
72. alguém vai te dar uma Bolsa Família o resto da vida. (Copacabana, mulher, faixa
etária B, ensino superior).
- Se reflexivo/inerente
73. acho que a consciência deles eles nunca vão se livrar disso. (Nova Iguaçu, homem,
faixa etária B, ensino fundamental).
- Se indeterminador/apassivador27
74. um dia vai se descobrir isso no Brasil. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino
fundamental).
- O, a(s)
75. você não pode deixá-los até as tantas porque eles tão correndo risco. (Nova Iguaçu,
mulher, faixa etária B, ensino superior).
- Nos
76. ela quer nos induzir. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental).
27
Na realidade, não houve qualquer registro do pronome se indeterminador nos moldes propostos na tradição
gramatical; antes, as ocorrências referem-se a se ligado a verbos transitivos diretos. É possível que essa
ausência do se indeterminador esteja relacionada à produtiva variação nas estratégias de indeterminação do
agente no Português do Brasil, que conta com outras formas pronominais, como, por exemplo, você, a gente,
além de expressões nominais. Cabe, ainda, salientar que não foram registradas as formas vos e lhe(s) no
corpus.
104
Com exceção dos clíticos acusativos de terceira pessoa, que seriam predispostos à
posição pós-CV, os pronomes átonos, de modo geral, ocorreriam majoritariamente na
posição
intra-CV.
Entretanto,
quando
deslocados,
os
clíticos
se
indeterminador/apassivador, por hipótese, seriam mais propensos ao movimento para a
posição pré-CV. O comportamento particular desse pronome pode estar relacionado a seu
caráter mais gramatical, que o deixa intimamente vinculado ao verbo auxiliar,
configurando a estratégia indeterminadora, ao passo que os demais pronomes seriam mais
comprometidos semanticamente, visto que se vinculam ao verbo temático.
Essa suposta diferença de comportamento entre os tipos de se também foi
fundamental para o estabelecimento das motivações para a análise da direção fonéticofonológica dos clíticos, o que será detalhado na seção 5.2.
(xiv)
Contexto morfossintático antecedente a Cl V1 V2, V1 Cl V2 ou V1 V2 Cl
Tradicionalmente se descreve a atração que alguns elementos exerceriam sobre o
pronome, provocando seu deslocamento. Embora o PB oral sabidamente não dependa de
elemento antecedente ao verbo para licenciar a variante pré-verbal – haja vista a presença
de próclise em início absoluto –, a descrição da norma de uso atual não pode prescindir de
observar o comportamento dos dados em função do contexto morfossintático que antecede
o complexo verbal – contenha ele ou não elemento “atrator” tradicional –, de modo a
detectar a presença de qualquer regularidade na aplicação da regra variável.
Cabe informar que, em termos de codificação dos dados, alguns procedimentos
metodológicos tiveram de ser definidos, especialmente no que se refere à presença de mais
de um elemento no contexto antecedente. Primeiramente, quando houvesse mais de um
elemento considerado tradicionalmente um “atrator”, levou-se em conta o mais próximo do
complexo. Em já não se pode mais dizer isso, por exemplo, em que, segundo a tradição
gramatical, ambos os advérbios poderiam ter provocado a anteposição do clítico ao
complexo verbal, tomou-se como possível atrator o advérbio de negação, que está mais
próximo do pronome. Ademais, se houvesse mais de um elemento no contexto antecedente
ao complexo, mas apenas um fosse tradicionalmente descrito como atrator, este seria
considerado; num enunciado como ele disse que você pode se apresentar amanhã, a
conjunção integrante foi objeto da codificação.
105
Dessa forma, verificamos os seguintes contextos28:
- Ausência de elemento antecedente (início absoluto)
77. “vão nos assaltar”. (Copacabana, mulher, faixa etária C, ensino fundamental).
- Nome na função de sujeito
78. vagabundo fica se metendo na vida dos outro. (Copacabana, homem, faixa etária C,
ensino fundamental).
- Nome mais adjunto adnominal na função de sujeito
79. a outra que comprou o apartamento trezentos e quatro procurou se aproximar ao
máximo. (Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino médio).
- Pronome pessoal na função de sujeito
80. eles vão me mandar o mapa de luz mas ali não quer dizer nada. (Nova Iguaçu,
homem, faixa etária A, ensino fundamental).
- Pronome indefinido, exceto ninguém, na função de sujeito
81. alguém vai te dar uma Bolsa Família o resto da vida. (Copacabana, mulher, faixa
etária B, ensino superior).
- Pronome demonstrativo na função de sujeito
82. isso ia me prejudicar. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária A, ensino médio).
- Partícula de negação (nenhum, não, nunca)
83. não vou te enganar. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária C, ensino fundamental).
- Sintagma adverbial com valor circunstancial – um só vocábulo
84. já tentaram me assaltar lá. (Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino superior).
- Sintagma adverbial com valor circunstancial – locução
85. um dia vai se descobrir isso no Brasil. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino
fundamental).
- Preposição para
86. aí eu comecei também ter um sustento né... pra poder me ajudar a pagar a
faculdade. (Copacabana, homem, faixa etária B, ensino superior).
28
Além dos contextos apresentados, foram previstos outros que poderiam ocorrer mas não foram registrados
efetivamente: SPrep (objeto indireto); predicativo do sujeito; preposição a; de; por; sem; em; conjunção
coordenativa alternativa; conjunção integrante se; que em locução conjuntiva (para que); palavra QU
interrogativa do tipo pronominal (quem, qual); elementos discursivos/fáticos (quer dizer, por favor, então tá).
106
- Conjunção coordenativa aditiva
87. e foi me levando. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária B, ensino fundamental).
- Conjunção coordenativa adversativa
88. não sei quanto se roubava antes mas continua se roubando hoje. (Copacabana,
mulher, faixa etária B, ensino superior).
- Conjunção coordenativa conclusiva
89. é o tal da convivência... eu convivi com meu pai e com minha mãe... então você
acaba se acostumando. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental).
- Conjunção coordenativa explicativa
90. “não façam isso que vocês tão eh até me prejudicando”. (Copacabana, homem,
faixa etária B, ensino superior).
- Conjunção subordinativa (se, embora, enquanto)
91. se você quer se formar e não gosta... não se forma. (Nova Iguaçu, homem, faixa
etária B, ensino fundamental).
- Pronome relativo que
92. o professor tinha que ter... eh... o poder ter... eh... como se diz... ter direito a dar voz
de prisão... porque o professor... como a família... é nata... é aquilo que... é aquele que
vai te ensinar... é aquele que vai se estressar contigo. (Nova Iguaçu, homem, faixa
etária B, ensino fundamental).
- Pronome/advérbio relativo (cujo, o qual, onde, quem)
93. tá precisando de políticos mais sérios que ao invés de pensar em ganhar dinheiro
pensar mais em melhorar o ambiente... o lugar onde eles né... estão... se propondo a
trabalhar (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária C, ensino fundamental).
- Conjunção integrante que
94. eu acho que tá se perdendo um pouco. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária B, ensino
fundamental).
- Que em estruturas clivadas
95. L2: a porta tá aberta aqui
L: tá... é que a moça tá me fazendo a entrevista aqui. (Copacabana, homem, faixa etária
C, ensino fundamental).
- Palavra QU interrogativa do tipo adverbial (quando, como, onde, por que)
96. não... porque a gente... como eu vou te dizer... a gente se diverte muito em casa.
(Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental).
107
- Hesitações (eh, ah), interjeições, truncamentos
97. ah consegue se expressar bem. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária C, ensino
fundamental).
(xv)
Distância entre Cl V1 V2, V1 Cl V2 ou V1 V2-Cl e o elemento antecedente
A última variável independente controlada diz respeito à distância entre o elemento
antecedente, determinado na variável anterior, e o pronome ligado ao complexo verbal.
Além de se considerar, então, a presença e a natureza do elemento antecedente, é
importante mensurar a distância a que ele se encontra do complexo verbal, a fim de testar a
hipótese de que, quanto menor a distância, especialmente no caso dos elementos
tradicionais, maior seria a propensão para o clítico ocupar a posição pré-CV. Isso
aconteceria porque a distância atenuaria a suposta força atratora do elemento antecedente.
Para o controle da distância, foram estabelecidas as variantes:
- 0 sílaba
98. faltou já tão te ligando. (Copacabana, homem, faixa etária C, ensino médio).
- 1 sílaba
99. não devia nem tá falando isso porque eu estou me queimando. (Copacabana,
mulher, faixa etária A, ensino superior).
- 2 sílabas
100. nem todas vou te explicar. (Copacabana, homem, faixa etária C, ensino
fundamental).
- 3 sílabas
101. aqui se o cara tentar me assaltar se eu puder voar no pescoço dele eu vou voar no
pescoço dele COM CERTEZA. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária C, ensino
fundamental).
- 4 sílabas
102. você estuda quando quer... porque o professor vai te dar uma colinha.
(Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino superior).
- 5 sílabas
103. a educação sempre foi deficiente desde a antiguidade... porque a educação quer te
ensinar o que não é próprio do teu meio ambiente. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária
C, ensino superior).
108
Após montar os grupos de fatores e traçar as hipóteses, os dados foram codificados
para serem, em seguida, quantificados por meio do instrumento computacional Goldvarb
X. Desde que seja variável o fenômeno, esse programa permite alcançar, além da distribuição dos
29
dados em valores absolutos e percentuais, pesos relativos , obtidos através da ponderação em
níveis escalares das variáveis independentes, verificando o efeito de cada uma sobre a variável
dependente.
Na presente pesquisa, o uso do programa Godvarb X permitiu verificar a
distribuição geral de cada variante da variável dependente e a produtividade de cada uma
segundo os contextos controlados. Ao passo que essa etapa matemática era cumprida,
realizava-se a análise qualitativa, observando os dados e interpretando os valores obtidos.
Os procedimentos executados, por ora descritos, viabilizaram os resultados que serão
apresentados na seção 6.1, do próximo capítulo.
5.2. Tratamento fonético-fonológico
O tratamento fonético-fonológico abarca três experimentos. É comum a eles o fato
de o material para a análise ter sido gravado, utilizando o programa computacional Sound
Forge, no laboratório de Fonética Acústica da UFRJ, que é acusticamente isolado.
Para a constituição do corpus do experimento 1 e do corpus do experimento 2,
foram gravados três homens30, cariocas, entre 20 e 30 anos. As frases produzidas para
ambos os experimentos e algumas frases distratoras foram colocadas em uma ordem
aleatória e, em seguida, gravadas por cada colaborador cinco vezes.
Alguns cuidados foram tomados, a fim de garantir gravações de qualidade para a
análise. Um deles diz respeito à naturalidade, especialmente na primeira gravação, que
consistia no primeiro contato dos colaboradores com o texto. Em algumas frases, havia
palavras com grandes chances de apresentarem monotongação ou alteamento; se essas
regras variáveis nunca fossem aplicadas, suspeitava-se que a gravação era pouco natural,
sendo então descartada. Atendendo a esse rigor, um dos colaboradores excepcionalmente
gravou seis vezes; a primeira versão, avaliada como inadequada, não foi utilizada no
estudo.
29
Esta função estatística, infelizmente, não foi utilizada na presente pesquisa, dada a pouca variabilidade da
colocação pronominal em orações com complexo verbal (cf. item 6.1).
30
A utilização de voz masculina para a análise deveu-se ao fato de, nesse tipo de voz, os formantes serem
mais nítidos e constantes que na voz feminina (cf. BEBER, 2009).
109
Além disso, a velocidade de fala também se mostrou uma característica importante.
Um candidato a informante teve de ser dispensado por falar, no ato da gravação, bem mais
rápido que fala habitualmente.
Para a constituição dos corpora, foram consideradas três das cinco gravações de
cada informante em condições satisfatórias para o estudo. Devido à ocorrência de
apagamentos vocálicos, as duas últimas (gravações 4 e 5) foram utilizadas para preencher
lacunas nos corpora, cuja estratificação será apresentada nas subseções 5.2.1 e 5.2.2.
Nos experimentos 1 e 2, o material para análise permitiu a comparação entre
pronomes átonos e sílabas átonas vocabulares. Se houvesse alguma diferença formal entre
as estruturas contrastadas, seria em relação à vogal, o que ficará mais evidente na
apresentação dos corpora. Em virtude disso, foram medidos, utilizando o programa
computacional Praat, os parâmetros duração (em milissegundo), intensidade média 31 (em
decibel), primeiro e segundo formantes (em Hertz) de cada vogal analisada. Vale ressaltar
que foram considerados, no que toca à intensidade média, F1 e F2, os 50% centrais do
segmento vocálico, descartando, portanto, os 25% iniciais e finais, correspondentes às
extremidades sujeitas a alterações em função de coarticulação com som vizinho.
Depois de feitas as medições, foram calculados a média e o desvio padrão entre os
valores, utilizando a calculadora no modo estatística. Isso propiciou observar os resultados
segundo a fala de cada informante e considerando a fala dos três indivíduos
simultaneamente. Para a constituição do corpus do experimento 3, por outro lado, foi
gravado um homem, carioca, entre 50 e 60 anos. Esse material serviu ao propósito de
ressíntese de fala, cuja manipulação e utilidade serão descritas ainda neste capítulo.
Por fim, a relevância dos resultados foi verificada mediante a função t.test do
programa computacional para análise estatística R. Quanto mais próximo de 0 o índice de
significância, mais relevante é a variação. Tendo-se estabelecido o limite aleatório de 0,05
para aferição da relevância estatística, entende-se que atestar diferenças até esse limite de
significância denota que a interpretação é confiável, a variação é sistemática; valor de
significância superior a esse índice sugere determinado grau de aleatoriedade dos
resultados, de modo que a diferença detectada não teria relevância em termos estatísticos.
Por meio desse programa, o confronto dos resultados foi feito sempre de forma binária.
31
Algumas limitações metodológicas dificultaram o controle da intensidade. Duas delas estão relacionadas à
etapa de constituição dos corpora: (a) possibilidade de variação da distância entre o informante e o
microfone, e (b) cansaço do indivíduo durante a leitura dos enunciados. Esses aspectos podem ter provocado
a diminuição da força expiratória.
110
É oportuno, nesse momento, apresentar os métodos empregados em cada um dos
experimentos, principalmente o conteúdo e a estratificação dos corpora.
5.2.1. Experimento 1
O primeiro experimento objetivou comparar sílabas clíticas (me, te e se) com
sílabas vocabulares. A hipótese foi a de que esses clíticos se assemelhariam
prosodicamente a sílabas pretônicas, especialmente quando a vogal se encontrasse alteada.
Para tanto, foi constituído o corpus, contendo os clíticos me, te e se antes e depois de
verbo, e vocábulos com sílaba átona a que eles poderiam equivaler do ponto de vista
prosódico, conforme se verifica na figura 7.
Figura 7: Vocábulos utilizados para as medições da sílaba clítica e da sílaba átona vocabular/lexical
Me
Pretônica com /E/
[me]
[mi]
medisse
megera
mexido
menina
[te]
tequila
teclado
[ti]
tesoura
tesouro
[se]
[si]
Pretônica com /i/
[mi]
micose
mitose
Postônica com /I/
[m]
salame
perfume
Palavras
Te
[ti]
titio
tigela
[t]
tomate
tapete
Palavras
Se
secura
setenta
Palavras
seguido
seguro
[s]
[si]
cigarro
cigarra
chatice
alface
Clítico(s)
[mi]/[m]
me disse
me gera
me chifra
me nina
me cobre
me toca
calei-me
lembrei-me
[ti]/[t]
te quica
te cava
te zomba
te zoa
te tiro
te gela
tomei-te
domei-te
[si]/[s]
[si]/[s]
refl./inerente
indet./apass.
se cuida
se trata
se trata
se tenta
se guia
se guia
se nina
se nina
se gaba
se nada
se cala
se dava
cortou-se
pediu-se
furou-se
previu-se
Como se pode observar na figura 7, os vocábulos escolhidos cumprem alguns
requisitos essenciais para garantir a comparabilidade dos resultados. A estrutura das sílabas
111
pretônica e postônica deveria ser do tipo CV (consoante + vogal), bem como ocorre com as
sílabas dos clíticos pronominais observados. A consoante deveria ser igual à do pronome; a
vogal, no entanto, variava em função do tipo de sílaba (pretônica ou postônica) e das
possibilidades de concretização vocálica que pudesse corresponder à do clítico – /E/ ([e] ou
[i], normalmente) ou /i/ ([i]), no caso de pretônicas, e /I/ ([], normalmente) no caso de
postônicas.
Por ser variável o alteamento32, foram selecionadas palavras com propensão ao
cumprimento dessa regra. A consoante anterior e posterior à vogal costuma interferir no
alteamento, mas, como a consoante anterior à vogal deveria ser idêntica à do pronome, a
escolha das palavras foi condicionada apenas pelo ponto de articulação da consoante
seguinte (velar ou palatal) e pela presença de vogal alta na sílaba seguinte.
Por fim, outros dois cuidados foram tomados para a escolha do repertório de
palavras que compõem o corpus. Um deles diz respeito ao número de sílabas dos
vocábulos, até mesmo aqueles formados por clítico e verbo. Em todos os casos, trata-se de
trissílabos cuja tonicidade é paroxítona.
Além disso, para cada categoria de sílaba átona vocabular, foram escolhidas duas
palavras. A quantidade de construções com pronome, por outro lado, foi superior, a fim de
contemplar estruturas parecidas com aquelas cuja sílaba átona seria analisada. Quando o
pronome estava antes do verbo, houve o cuidado, por exemplo, de escolher uma forma
verbal cuja sílaba inicial fosse semelhante à sílaba que sucede a sílaba pretônica que seria
analisada (tigela e te gela).
Cada palavra selecionada e cada construção com pronome se encontravam inseridas
em uma frase padronizada (ele me disse secura de novo, ele me disse ‘te zoa’ de novo), o
que propiciou um contorno melódico comum entre os enunciados e eliminou qualquer
chance de as estruturas investigadas apresentarem evidências prosódicas de enunciado que
finaliza uma construção, posição em que há nítido enfraquecimento articulatório, o que
tornaria mais delicada a obtenção de valores relativos à intensidade e à estrutura
formântica. Quando se tratava de clítico se, a frase foi contextualizada, a fim de que o
informante tivesse noção do tipo de se que iria reproduzir, o qual poderia ser
32
Os fonemas /e/ e // encontram-se neutralizados em sílaba pretônica, resultando no arquifonema /E/, cujas
formas de concretização são [] e [e]. Além disso, embora a oposição entre o fonema /i/ e o arquifonema /E/
não tenha sido neutralizada, ainda distinguindo significado (r/E/mar e r/i/mar), em certos vocábulos o fone [i]
concretiza /E/. Dessa forma, podem ser formas variantes [], [e] e [i] neste tipo de sílaba.
112
reflexivo/inerente (Estou doente, mas não quero fazer o tratamento. Meu amigo sempre me
liga e recomenda a mesma coisa. Hoje ele me ligou de novo. Ele me disse ‘se trata’ de
novo) ou indeterminador/apassivador (Eu sempre pergunto se se trata de algo pessoal. Ele
sempre me responde a mesma coisa. Hoje não foi diferente. Ele me fala ‘se trata’ de
novo). A relação de todos os enunciados gravados para este experimento, bem como as
frases distratoras, está exposta em anexo.
Constituído o corpus e traçados o objetivo e a hipótese geral, os parâmetros
acústicos da vogal de cada sílaba átona analisada foram medidos. Em seguida, os valores
obtidos foram tratados estatisticamente, por meio do programa R, que informa a
significância dos resultados quando comparadas duas categorias de sílaba. Desse modo, foi
possível apresentar resultados que permitissem mostrar se os pronomes átonos brasileiros
parecem realmente com uma sílaba pretônica, assumindo, portanto, comportamento
proclítico.
Ao final, a interpretação dos resultados permitiu as generalizações cabíveis, que
serão apresentadas, juntamente com os resultados, na seção 6.2 deste trabalho.
5.2.2. Experimento 2
O segundo experimento objetivou investigar a ligação fonológica dos clíticos se
reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador quando estivessem entre dois verbos. A
hipótese foi a de que o primeiro seria proclítico a V2, enquanto o outro seria enclítico a
V1. Para testá-la, inicialmente se realizaram dois tipos de comparação: (i) entre pronomes,
e (ii) entre pronomes e sílaba(s) pretônica(s) a que pudessem se assemelhar, o que revelaria
se se tratava de um elemento proclítico.
O corpus foi constituído como mostra o figura 833.
33
O objetivo inicial consistiu em pautar o experimento em estruturas foneticamente idênticas, a não ser pelas
vogais consideradas. Quando não foi possível cumpri-lo, utilizaram-se construções análogas.
113
Figura 8: Paralelismo fonético entre estruturas com complexo verbal – comparação entre tipos de
clítico se e entre clítico(s) e sílaba(s) pretônica(s)
Você encontrará um atendente no balcão. Pode se dirigir tranquilamente
até lá.
Se reflexivo/inerente e se
indeterminador/apassivador É permitido por lei aqui no Rio. Pode se dirigir a 80 quilômetros na
cidade.
É tempo de ditadura. Pode seviciar porque é ditadura.
Cuidado! Você está cheirando demais. Pode se viciar em drogas.
Todos têm de estar atentos. Pode se viciar os garotos em drogas.
Você está com medo. Pode segurar na minha mão.
Você está no caminho certo. Pode se curar seguindo as recomendações.
Clítico(s) se e sílaba(s)
O médico pode ajudar. Pode se curar o menino com um bom tratamento.
É preciso mudar de vez. Pode sitiar o governo em Brasília.
pretônica(s)
Você está incomodando. Pode se tirar daqui.
O material já está disponível. Pode se tirar aqui.
O paciente não tem cura. Pode sedar o paciente.
Ainda não está claro. Pode citar outros exemplos.
Você é muito esforçado. Pode se dar bem no trabalho.
É dia de Cosme e Damião. Pode se dar doce ao menino.
O corpus abarca frases, contextualizadas, contendo estruturas parecidas (nem
sempre foi possível testar realizações idênticas em termos segmentais, como se desejava),
todas com complexo verbal, que serviram de objeto para a análise. Inicialmente, por meio
do par pode se dirigir (encaminhar-se) e pode se dirigir (conduzir), foram medidos e
comparados os parâmetros acústicos da vogal dos clíticos se reflexivo/inerente e do se
indeterminador. Ambos estavam inseridos entre dois verbos, que compõem complexos
verbais foneticamente idênticos, os quais se diferenciam basicamente pelo sentido do verbo
temático.
A respeito dos demais dados do corpus, utilizando um procedimento adotado no
experimento 1, efetuou-se, por meio deles, um confronto entre clítico e sílaba pretônica.
Através do trio pode seviciar, pode se viciar (se reflexivo/inerente) e pode se viciar (se
indeterminador/apassivador), houve uma comparação entre a sílaba pretônica se, de
seviciar, e os clíticos se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador. O mesmo foi
feito em relação ao trio pode segurar, pode se curar (se reflexivo/inerente) e pode se curar
(se indeterminador/apassivador), apesar da diferença de sonoridade entre [g] e [k] em
segurar e curar.
O trio pode sitiar, pode se tirar (se reflexivo/inerente) e pode se tirar (se
indeterminador/apassivador) também apresenta uma diferença formal – entre sitiar e tirar,
um rótico no ataque da sílaba tônica de tirar estabelece a diferença. Apesar disso, a partir
dessas cadeias fônicas, realizou-se um contraponto entre a sílaba pretônica si, de sitiar, e
os pronomes se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador.
114
Por fim, o quarteto pode sedar, pode citar, pode se dar (se reflexivo/inerente) e
pode se dar (se indeterminador/apassivador) permitiu confrontar simultaneamente as
sílabas pretônicas se e ci, de sedar e citar respectivamente, e os clíticos se
reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador.
O experimento 2 teve, portanto, a finalidade de analisar propriedades fonéticas de
clíticos em contexto com complexo verbal – poder + infinitivo precisamente –, por ser uma
estrutura que admite variação sintática de pronome átono, conforme será visto na análise
variacionista. Embora o corpus tenha sido diferente daquele utilizado no experimento 1, o
método de análise do experimento 2 foi semelhante ao empregado naquele, pois comparouse não só a vogal de clíticos entre si, mas também a vogal de clítico(s) com a vogal de
sílaba(s) átona(s) vocabular(es).
Estando os pronomes se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador na
mesma posição sintática, entre V1 e V2, qual dos verbos seria o hospedeiro fonológico? O
corpus do experimento 2 serviu ao propósito de averiguar essa questão. A hipótese foi a de
que características sintáticas intrínsecas aos pronomes se refletiriam na ligação fonológica;
por isso, os pronomes que servem à expressão de caráter indeterminador, mais gramaticais,
seriam normalmente enclíticos a V1, enquanto o se reflexivo/inerente, de natureza
argumental, seria proclítico a V2.
5.2.3. Experimento 3
O terceiro experimento consiste em uma análise da percepção da ligação
fonológica. Para tanto, foi necessário modificar o enunciado gravado com a ressíntese de
fala, seguida da elaboração e aplicação de dois testes de percepção auditiva a 20 juízes –
falantes-ouvintes nativos e moradores do Rio de Janeiro, todos alunos da Pós-graduação da
Faculdade de Letras/UFRJ.
Considerando a frase pode se dirigir ao balcão do lado, alteraram-se os parâmetros
duração e/ou intensidade da vogal do clítico, fazendo uso do programa computacional
Sound Forge. Essas propriedades foram alteradas porque normalmente são responsáveis
pelo acento em nível vocabular; então reduzi-las significaria tornar a sílaba mais débil. A
redução podia ser “leve” ou “forte”. Concernente à duração, a redução “leve” correspondia
à diminuição de 30% do comprimento de onda da vogal, enquanto a redução “forte”
115
correspondia à diminuição de 50%. No que diz respeito à intensidade média, a redução
“leve” correspondia a menos 3 dB, enquanto a redução “forte”, a menos 6 dB.
Com a experiência anterior, de medir a vogal de clíticos em contexto com
complexo verbal, notou-se que, muitas vezes, a sílaba de do verbo auxiliar pode foi
realizada como [d], uma africada resultante da queda da vogal [i] entre [d] e [s]. Nesses
casos, a vogal parece ser ouvida, provavelmente em função da consoante africada,
realizada na comunidade de fala somente quando o /d/ é seguido de /i/, mas não consta
como um segmento ondulatório, conforme aparece ilustrado na figura 9.
Figura 9: Apagamento vocálico na pronúncia da frase pode-se dirigir a 80 km na cidade pelo
informante 1
Considerando o fragmento pode se dirigir, supôs-se que, quando o clítico é
percebido como enclítico, não só ele é foneticamente débil, mas também a sílaba de de
pode, que corresponderia a uma sílaba átona não-final. Por isso, na ressíntese de fala,
foram alteradas as propriedades da vogal do clítico, da vogal de de e de ambas
simultaneamente. Para isso, na frase em que as duas vogais seriam manipuladas, elas
deveriam ter sido realizadas – motivo pelo qual foi efetuada uma gravação à parte daquelas
referentes aos experimentos 1 e 2.
Realizaram-se as modificações conforme mostra a figura 10.
116
Figura 10: Relação de modificações feitas na etapa de ressíntese de fala
Vogal do de do verbo auxiliar pode
Vogal do se refl./inerente
Redução forte da intensidade (6 dB)
Redução fraca da intensidade (3 dB)
Redução forte da duração (50%)
Redução fraca da duração (30%)
Redução forte da duração (50%) + redução fraca da
intensidade (3 dB)
Redução forte da duração (50%) + redução forte da
intensidade (6 dB)
Redução fraca da duração (30%) + redução fraca
da intensidade (3 dB)
Redução fraca da duração (30%) + redução forte da
intensidade (6 dB)
Redução forte da intensidade (6 dB)
Redução forte da intensidade (6 dB)
Redução forte da duração (50%)
Redução forte da intensidade (6 dB)
Redução forte da duração (50%)
Redução forte da duração (50%)
Redução forte da intensidade (6 dB)
Redução forte da duração (50%)
Redução fraca da intensidade (3 dB)
Redução fraca da intensidade (3 dB)
Redução fraca da duração (30%)
Redução fraca da duração (30%)
Redução forte da intensidade (6 dB)
Redução fraca da intensidade (3 dB)
Redução forte da duração (50%)
Redução fraca da duração (30%)
Redução forte da duração (50%) + redução fraca da
intensidade (3 dB)
Redução forte da duração (50%) + redução forte da
intensidade (6 dB)
Redução fraca da duração (30%) + redução fraca
da intensidade (3 dB)
Redução fraca da duração (30%) + redução forte da
intensidade (6 dB)
Total de 22 enunciados alterados
Apenas o fragmento pode se dirigir, extraído da frase pode se dirigir ao balcão do
lado, foi ouvido pelos juízes-ouvintes. Os 22 enunciados alterados foram apresentados em
ordem aleatória; a versão original foi posta no início e depois do décimo primeiro
enunciado alterado. Duas outras versões originais (gravadas no laboratório pelo mesmo
colaborador), as quais não serviram ao propósito de ser modificadas, também foram
colocadas duas vezes para os juízes ouvirem; uma delas apresentava uma ligeira pausa
entre o verbo pode e o clítico se. Os 20 juízes não tiveram acesso à organização das
sentenças. Em cada teste, então, foram ouvidos 28 enunciados por um total de 20 pessoas.
Antes de assinalar uma opção, cada juiz ouviu duas vezes o enunciado, fosse ele alterado
ou original.
Além de as pessoas indicarem qual ligação julgavam compatível com a frase ouvida
[( ) pode-se dirigir (x) pode se-dirigir], deveriam, em uma outra audição das mesmas
frases, indicar como completariam a frase [( ) a 80km na cidade ( ) ao balcão do lado],
117
demonstrando sua interpretação do enunciado a cada audição. Para que os resultados não
fossem enviesados por conta de um efeito da ordem de realização dos dois testes, dez dos
juízes ouviram todos os enunciados, cada um repetido uma vez, e marcaram a suposta
direção da ligação fonológica; posteriormente, ouviram os mesmos novamente e tiveram
de marcar um complemento. Os outros dez juízes fizeram o inverso, isto é, começaram
pelo teste com as possibilidades de complemento e terminaram pelo da ligação fonológica.
Uma cópia dos dois testes fornecidos aos juízes encontra-se em anexo.
Por hipótese, em se tratando de se reflexivo/inerente, as frases originais seriam
majoritariamente percebidas como ligação proclítica e o complemento seria “ao balcão do
lado”, conforme foi gravado originalmente. Consoante o aumento da fragilidade da vogal
do clítico e/ou de de, aumentaria a quantidade de julgamentos de clítico ligado ao primeiro
verbo e do complemento “tranquilamente até lá”.
O experimento 3 tratou de averiguar a intuição de usuários da língua a respeito da
ligação fonológica dos clíticos pronominais e de sua relação com propriedades sintáticas
desses mesmos pronomes. Deve-se sublinhar a relevância dessa etapa em função de a
manipulação dos parâmetros acústicos permitir aferir, de forma empírica e inequívoca, as
razões pelas quais se dá a alteração das opções quanto ao parâmetro de ligação fonológica.
Esperava-se, inicialmente, que os resultados dos testes confirmassem o que havia sido
observado por meio das ondas sonoras. Ademais, por hipótese, esperava-se que houvesse a
identificação das reduções vocálicas do clítico e da sílaba final do verbo auxiliar como
forte indicador de cliticização para a esquerda, configurando um caso de ênclise
fonológica. Essa configuração acústica seria, ainda, compatível com a interpretação
indeterminadora das construções com se, diferentemente da interpretação reflexiva, que
configuraria um caso de próclise ao verbo temático. Com a interpretação desses resultados,
encerrou-se o experimento 3.
Após realizar cada um dos experimentos, foram reunidas as tendências observadas
e, a partir disso, teceram-se as generalizações possíveis a respeito da ligação prototípica
dos pronomes átonos brasileiros, especialmente quando eles se encontram no interior de
um complexo verbal.
Concernentemente ao conjunto de experimentos realizados, salienta-se que os
objetivos e as hipóteses traçados orientaram a formulação dos corpora, que foram
criteriosamente constituídos. Os resultados alcançados com a medição de parâmetros
118
acústicos, com a ressíntese de fala e com o tratamento matemático dado a eles serão
expostos no próximo capítulo, na seção 6.2 deste trabalho.
119
6. ANÁLISE
A análise da presente pesquisa desmembra-se em duas categorias: variacionista e
fonético-fonológica; cada qual atendendo a uma especificidade do comportamento dos
pronomes átonos. A primeira será apresentada na seção 6.1, ao passo que a segunda será
apresentada logo em seguida, na seção 6.2.
6.1. Análise variacionista
O comportamento da totalidade das ocorrências analisadas revela que a realidade
atual da colocação pronominal na região metropolitana do Rio de Janeiro reflete, muito
mais que a suposta variação estável, uma tendência à invariabilidade. Observando a tabela
3, que mostra a distribuição geral dos dados, nota-se a expressiva predominância da ordem
intra-CV sobre as demais.
Tabela 3: Índice geral de produtividade de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV
Frequência
Pré-CV
5/258
Intra-CV
247/258
Pós-CV
6/258
De outro modo, a proporção de cada variante no corpus em percentuais pode ser
assim representada:
Figura 11: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV
120
Surpreendente foi o índice de produtividade da variante intra-CV. De 258
ocorrências, apenas 11 não foram dessa variante. De acordo com as categorias de regras
linguísticas propostas por Labov (2003), pode-se dizer que o fenômeno em pauta assumiu,
na amostra analisada – com aproximadamente 96% de uma das formas controladas –,
comportamento de uma regra semicategórica. Contudo, acredita-se que não se define
efetivamente o tipo de regra em questão apenas com a distribuição geral dos dados, pois
podem ter ocorrido poucas vezes as variantes pré e pós-CV, por exemplo, por falta de
ambiente propício. Convém, antes de qualquer generalização, que os trabalhos
sociolinguísticos observem minuciosamente a qualidade dos dados presentes no corpus e,
ainda, quando possível, realizem uma análise probabilística.
Cabe dizer que, devido ao baixo teor de variação, não se julgou apropriado
desenvolver a análise a partir de valores probabilísticos (pesos relativos), de modo a
estimar as chances de cada uma das formas alternantes ocorrer mediante a influência de um
conjunto de fatores. A suposta relação de causa e efeito entre as variáveis independentes e
a variável dependente foi analisada, então, apenas com base em duas estratégias: (i) na
descrição das ocorrências em termos qualitativos; e (ii) na observação de frequências de
cada variante. Ademais, sempre que possível, os resultados desta pesquisa foram
associados àqueles revistos no capítulo 3, a fim de não só retratar a sistematicidade da
colocação pronominal nos dias atuais, mas também presumir, se possível, a direção
evolutiva do fenômeno.
Nas décadas de 1980 e 1990, de acordo com Vieira (2002), a regra ainda se
manifestava em amostras sociolinguísticas aparentemente de forma variável. A ordem
intra-CV correspondeu a 90% do corpus, enquanto as ordens pré-CV e pós-CV
corresponderam, respectivamente, a 7% e 3%. Considerando o período entre os séculos
XVIII e XX, tomando por base a modalidade escrita da mesma variedade linguística,
observamos, na revisão da literatura, que gradativamente a ordem pré-CV cedeu o posto de
posição preferencial dos pronomes átonos para a ordem intra-CV. Dessa forma, o resultado
geral da presente pesquisa, acrescido deste panorama, sugere que o fenômeno pode estar
progredindo, de fato, em direção a uma invariabilidade; pode-se pensar, ao menos, sobre
um processo de fixação, ao longo dos anos, de um padrão rígido de colocação pronominal,
de modo que as três posições ocorreriam e assumiriam graus diferentes de produtividade,
mas não configurariam formas realmente alternantes.
121
Em vez de explorar a alternância das variantes no corpus por variável independente
controlada, devido ao número reduzido de ocorrências de clítico nas posições pré e pósCV, os dados referentes a essas duas formas serão apresentados e, depois disso, serão
verificadas as circunstâncias mais diversas em que ocorreu a posição intra-CV,
comparando-as com aquelas em que as outras variantes ocorreram34. Almeja-se, por meio
desse modo de apresentação, inicialmente descrever o contexto estrutural e os aspectos
sociais envolvendo a realização de cada forma supostamente alternante, para, ao final,
fazer as possíveis interpretações.
(i)
A posição pré-complexo verbal
Primeiramente, seguem os únicos cinco dados (2%) com clítico antes do complexo
verbal:
104. e eu tive até uma atitude que não se deve ter né? (Nova Iguaçu, homem, faixa B,
ensino fundamental).
105. então... eu acho que isso é vandalismo... que isso não se deve aprender dentro do
colégio (Nova Iguaçu, homem, faixa A, ensino superior).
106. não se pode mais comparar o que era há vinte anos atrás (Nova Iguaçu, homem,
faixa A, ensino superior).
107. então acho que ele é menor em função... das coisas que eu posso colocar ( ) que se
pode colocar dentro de casa (Copacabana, mulher, faixa B, ensino superior).
108. isso nunca se vai saber (Copacabana, mulher, faixa C, ensino superior).
Dentre as características sociais dos informantes que produziram essas cinco
ocorrências, destaca-se o grau de escolaridade do indivíduo entrevistado. A variante préCV foi produzida quase exclusivamente por indivíduos com ensino superior (4/5).
Observou-se, por outro lado, uma distribuição equilibrada dessa variante entre a fala de
homens (3/5) e mulheres (2/5), bem como entre as faixas etárias [A (2/5), B (2/5) e C
(1/5)] e entre as localidades [Copacabana (2/5) e Nova Iguaçu (3/5)].
34
Assume-se, aqui, que essa decisão metodológica quanto à forma de apresentação dos resultados – que
acaba por fazer o leitor evocar à memória diversas vezes os grupos de fatores controlados – é mais adequada
à realidade evidenciada no próprio material estudado. Apesar de todo o trabalho prático que foi empreendido
no tratamento de cada ocorrência segundo grupos de fatores linguísticos e extralinguísticos, conforme se
explicitou na metodologia, não se verificou efetivamente a atuação de variáveis independentes sobre uma
regra variável; antes, o material permitiu visualizar três formas de colocação, que aparecem em contextos
estruturais específicos. Entende-se que a apresentação dos resultados pelas supostas variáveis independentes
seria contraprodutivo no sentido de fazer crer que se estaria diante de um fenômeno verdadeiramente
variável.
122
Em todos os cinco enunciados, o clítico que precedeu o complexo verbal foi do tipo
se indeterminador/apassivador (5/5)35. Quanto ao tipo de complexo verbal, todos com V2
no infinitivo, quatro são formados por V1 modal [dever + infinitivo (2/5) e poder +
infinitivo (2/5)]; o outro (ex. 108) corresponde a um tempo composto, formado por ir +
infinitivo (1/5).
Apenas em uma das ocorrências (ex. 106) se encontrou elemento interveniente no
complexo verbal, o advérbio mais (1/5); desse modo, ao que parece, sua presença não
impede que o pronome se em questão fique adjacente a V1.
A respeito do contexto morfossintático antecedente, houve, quase sempre,
imediatamente antes do pronome, uma partícula de negação (4/5); quando não havia essa
partícula (ex. 107), deu-se a presença de um pronome relativo que (1/5). Ambos os
ambientes correspondem à expectativa de atração pronominal, recomendada em manuais
prescritivos.
Sobre a forma de V1, em todos os casos, o verbo se encontrava no presente do
indicativo. A tonicidade de quatro das formas auxiliares era paroxítona; apenas uma forma
verbal (vai) fugiu a esse padrão acentual, por ser um monossílabo tônico (ex. 108). Quanto
à forma de V2, em todos os casos, o verbo encontrava-se no infinitivo, o que lhe
assegurava tonicidade oxítona.
Todas essas características dos enunciados e de quem os produziu, acompanhadas
dos índices de produtividade, ainda que muito baixos, vão ao encontro, de modo geral, do
que era esperado para os dados em que o clítico antecedesse o complexo verbal. Com
exceção da tonicidade das formas verbais – supôs-se, inicialmente, que V1 paroxítono seria
favorável à ordem intra-CV, enquanto V2 oxítono favoreceria a posposição do pronome –,
todas as outras variáveis independentes, no que toca à variante pré-CV, comportaram-se
conforme a expectativa inicial.
De acordo com a descrição dos dados ora apresentada, o acesso do informante a
alto nível de escolaridade, como é o ensino superior, a construção indeterminadora com se,
o complexo verbal formado por poder ou dever + infinitivo, a ausência de elemento
35
Todas as ocorrências de pronome se utilizado como estratégia de indeterminação do agente encontradas no
corpus envolvem, em termos de predicação básica, verbo transitivo direto, o que, de acordo com a
abordagem tradicional, coloca o pronome na categoria de apassivador. Nesta pesquisa, conforme se
esclareceu na metodologia, a possibilidade de ocorrer se apassivador e se indeterminador foi controlada
separadamente a princípio; ao longo do trabalho, não se mostrou produtivo distinguir as duas classificações,
o que não se configurou um problema, pois as estruturas atendem ao mesmo propósito, diferenciando-se
apenas pela transitividade do verbo em questão.
123
interveniente e a presença de uma partícula negativa no contexto antecedente ao complexo
constituíram contextos que tornam possível a posição pré-CV. Quando forem comparados
esses fatores aos que se mostraram frequentes nos enunciados com as demais variantes,
será possível inferir o que foi determinante para a realização de cada uma.
De antemão, pode-se dizer que as circunstâncias descritas envolvendo se
indeterminador/apassivador, presença de partícula negativa ou de pronome relativo e
complexo verbal com auxiliar modal confirmam a tendência de anteposição do pronome
átono apresentada nos trabalhos sincrônicos referidos na seção 3.2.2.1.2. No que toca ao
contexto morfossintático antecedente, os resultados coincidiram também com o que é
descrito em Perini (2007 [1995)]), para a escrita brasileira, e prescrito nas três gramáticas
normativas consultadas, justificando, neste caso, o fato de a variável ‘escolaridade’ ter se
mostrado importante na presente pesquisa e em Vieira (2002).
(ii) A posição pós-complexo verbal
Antes de detalhar as características dos dados em que o pronome se encontra depois
do complexo verbal, estão expostas, a seguir, as seis sentenças com essa configuração
encontradas no corpus:
109. ele ia encontrar lá um mais velho que ia orientá-lo ia ensinar etc (Nova Iguaçu,
homem, faixa C, ensino superior).
110. você não pode deixá-los até as tantas porque eles tão correndo risco (Nova
Iguaçu, mulher, faixa B, ensino superior).
111. eu precisei de um favor dele aí eu passei a conhecê-lo... aí ficou meu amigo
(Copacabana, mulher, faixa B, ensino médio).
112. nós fomos visitá-lo umas três três vezes (Copacabana, homem, faixa C, ensino
superior).
113. e nós (diríamos) que quem devia julgá-lo seriam oficiais (Copacabana, homem,
faixa C, ensino superior).
114. até que eu consegui levá-la pra lá (Copacabana, homem, faixa C, ensino superior).
Dentre as variáveis sociais relativas aos informantes, foi na escolaridade novamente
que se obteve maior regularidade quanto aos exemplos destacados. A forma pós-CV foi
produzida fundamentalmente por indivíduos com ensino superior (5/6), tendo sido
registrada apenas uma ocorrência (ex. 111) enunciada por informante com ensino médio
124
(1/6). Falantes com ensino fundamental não concretizaram qualquer construção dessa
natureza.
A diferença entre a frequência dos fatores das outras variáveis sociais não supera
duas ocorrências. Ainda assim, pode-se dizer que pessoas de Copacabana realizaram mais
essa forma que aquelas de Nova Iguaçu [Copacabana (4/6) e Nova Iguaçu (2/6)]; homens
mais que mulheres [(4/6) e (2/6), respectivamente]. Os falantes mais idosos também a
produziram mais que os da faixa intermediária [C (4/6) e B (2/6)]; não se registrou essa
variante na fala dos indivíduos da faixa A.
Do ponto de vista linguístico, há que se ressaltar que foi categórico, nessa posição,
o tipo de clítico acusativo de terceira pessoa seguido de forma verbal infinitiva (6/6).
Quanto ao tipo de complexo verbal, registraram-se ir + infinitivo (2/6), poder + infinitivo
(1/6), passar + a + infinitivo (1/6), dever + infinitivo (1/6) e conseguir + infinitivo (1/6).
Nota-se que, assim como em enunciados com a variante pré-CV, aconteceu posposição do
pronome em complexo com V1 modal. Em virtude disso, mais relevante que a natureza
dos verbos é a tipologia pronominal, pois consistiu em um aspecto que diferenciou os
enunciados na ordem pós-CV daqueles na pré-CV.
Em um dos enunciados com ordem pós-CV (ex. 111), foi constatada a presença de
um elemento interveniente no complexo verbal: a preposição a (1/6). Nos outros cinco, não
ocorreu qualquer sintagma, preposição ou conector no interior do complexo verbal (5/6).
Sobre o contexto morfossintático antecedente, verificou-se a presença de diversos
elementos: um pronome relativo que (ex. 109), uma partícula de negação (ex. 110), um
elemento com valor circunstancial, aí, seguido de pronome pessoal (ex. 111), apenas o
pronome pessoal na função de sujeito (ex. 112), uma conjunção integrante que seguida de
pronome indefinido quem (ex. 113), e, por fim, uma locução conjuntiva, até que, seguida
de pronome pessoal eu (ex. 114). A diversidade de elementos e a distribuição equilibrada
pelos contextos ora descritos – além da predominância da variante intra-CV no corpus
como um todo – são suficientes para assegurar que, na amostra, não atua efetivamente um
mecanismo de atração do pronome.
Novamente reforçando a hipótese de relevância da tipologia pronominal, constatase que, mesmo se tratando de indivíduo com ensino superior e de frase com a presença de
não no contexto antecedente ao verbo auxiliar poder, o clítico sucedeu a segunda forma
verbal. Em outras palavras, a co-atuação desses fatores que estimulariam, teoricamente, a
125
ida do pronome para a posição pré-CV não foi mais forte que a atuação do tipo de clítico
(acusativo de terceira pessoa) para a colocação pronominal depois dos verbos.
Referentemente a V1, constataram-se as seguintes formas: pretérito imperfeito do
indicativo (2/6), pretérito perfeito do indicativo (3/6) e presente do indicativo (1/6). Como
se pode observar, todas as formas verbais estavam flexionadas em tempos do modo
indicativo, expressando a maioria (5/6) um tempo pretérito – exceto no exemplo 110. Do
ponto de vista acentual, a maioria apresentou tonicidade paroxítona (4/6), mas também
ocorreu V1 com tonicidade oxítona (2/6), caso dos exemplos 111 e 114; não se encontrou
qualquer proparoxítona.
Quanto a V2, todos estavam na forma infinitiva (6/6), cuja tonicidade é
necessariamente oxítona. A esse respeito, Galves & Abaurre (1996) associa a colocação
pós-verbal a uma adaptação rítmica: o pronome incorporado encliticamente a um verbo
com esse padrão acentual propiciaria uma grade métrica que é prototípica da variedade
brasileira, o troqueu.
Além disso, quando um pronome do tipo acusativo de terceira pessoa (o, os, a, as) é
agregado de forma enclítica a um verbo no infinitivo, visto que este termina em -r, ele
assume uma forma com ataque silábico preenchido (-lo, -los, -la, -las). Como essa
construção silábica, com ataque simples, é bastante produtiva em Português, acredita-se
que tanto a tonicidade do verbo quanto essa adaptação fonética em termos de padrão
silábico podem contribuir para a realização pós-CV do clítico. Dessa forma, a morfologia,
através do infinitivo, juntamente com a fonética, através do acento e do ajuste sofrido pelo
pronome átono, parecem somar-se a favor dessa variante.
A porção do corpus referente à variante pós-CV é superior, em apenas um dado,
àquela relativa à pré-CV – seis dados com a ordem pós-CV e cinco, com a pré-CV. Na
amostra analisada na presente pesquisa, o registro dessas duas posições está praticamente
empatado, sendo ambas raras. Nos registros de Vieira (2002), a ordem pré-CV foi a
segunda mais produtiva (7% dos dados), com 4% de diferença a mais em relação a menos
produtiva, a pós-CV (com 3% dos dados). Comparando-se os dados de Vieira (2002) aos
da presente pesquisa, detectou-se uma redução no uso da ordem pré-CV e o baixo índice de
realização da ordem pós-CV.
De acordo com o que sugerem diversos trabalhos e com o que confirmam os
resultados de Rodrigues-Coelho (2011), cuja pesquisa está baseada em redações escolares,
os clíticos acusativos de terceira pessoa são aprendidos na escola; por isso, quem é
126
instruído formalmente teria mais chance de realizar essa forma. Esse tipo de clítico não
faria parte do vernáculo brasileiro ou, na perspectiva aquisicionista formalista, não
integraria a gramática nuclear dos brasileiros, depreensível na fase de aquisição da
linguagem (cf. KATO, 2005). Isso está plenamente de acordo com o fato de que, na
presente pesquisa, a forma pronominal o, a (s) ocorreu exclusivamente na posição pós-CV
e basicamente na fala de indivíduos com nível superior.
Se, por um lado, o ensino exerce papel fundamental na introdução dessa forma
pronominal, por outro, o uso decorrente desse processo de aprendizagem, especialmente no
que se refere à ordem, não confere exatamente com o que propõem as gramáticas
normativas. Conforme suas recomendações, diante de pronome relativo que, partícula de
negação, sintagma adverbial com valor circunstancial e/ou conjunção integrante que –
“atratores” encontrados em enunciados com a variante pós-CV –, o pronome deve ser
proclítico; então, teoricamente não deve ser enclítico ao segundo verbo. No entanto,
quando V2 se encontra no infinitivo, ainda que a sentença apresente uma palavra atratora,
foi facultada a posposição do pronome nos dados com pós-CV registrados no corpus.
Ao que parece, bem como foi mostrado em Peterson (2010), Rodrigues-Coellho
(2011) e Vieira (2002), a ordem pós-CV normalmente ocorre quando se trata de clítico
acusativo de terceira pessoa sucedendo V2 no infinitivo. Essa tendência – muito expressiva
na modalidade escrita – tem sido atestada também na língua oral, embora com baixa
produtividade, na presença ou não do conjunto de fatores que favorecem as demais
posições.
Descritos os dados de clíticos na ordem pré e pós-CV, vejamos, enfim, como são
aqueles que contêm a variante dominante no corpus – a posição intra-CV. Faz-se
necessário, então, aferir o seguinte: de fato, essa posição é comum aos falantes das duas
comunidades de fala observadas ou não houve, nesses casos, condições favoráveis à
realização das outras variantes? Para tratar dessa questão, os dados com a ordem intra-CV
serão não só descritos, mas também comparados àqueles com as demais posições, a fim de
verificar (i) se alguma característica foi exclusiva aos dados que apresentaram a ordem
intra-CV, (ii) o que foi comum entre variantes e (iii) o que foi fundamental para a
realização das ordens pré e pós-CV.
127
(iii) A posição intra-complexo verbal: descrição e confronto com as demais
posições
(a) ‘Localidade’
Observando inicialmente a produtividade das variantes por localidade, as
proporções revelam a predominância da posição intra-CV tanto em Copacabana quanto em
Nova Iguaçu. Essa variante corresponde a mais de 90% dos dados nas duas amostras. As
outras variantes também são produtivas nas duas regiões, mas cada uma delas não atinge
5%. O baixo teor da suposta variação pode ser mais bem visualizado através da figura 12.
Figura 12: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV na
fala de indivíduos de Copacabana e de Nova Iguaçu
A distribuição dos dados por comunidade de fala mostra que o comportamento dos
pronomes átonos é relativamente uniforme. Registraram-se 94% das ocorrências da
variante intra-CV em Copacabana; com 3% a mais, em Nova Iguaçu, foram registrados
97% dessa mesma forma. A quantidade de ocorrências de pré-CV manteve-se constante,
com 2% de produtividade. A ordem pós-CV, a segunda variante mais registrada em
Copacabana, com apenas 4%, correspondeu à estrutura menos recorrente em Nova Iguaçu,
atingindo apenas 1%. Diante desse panorama, em que se observaram diferenças entre as
localidades que não ultrapassam 3%, a regularidade dos resultados até então descritos
sugere que ambas as regiões se comportam, no que se refere à ordem dos clíticos em
complexos verbais, como uma mesma comunidade de fala.
A discreta diferença referente à concretização da variante pós-CV, de apenas 3%,
relaciona-se, conforme já se esclareceu, ao uso do clítico acusativo o/a (s). Se, de algum
128
modo, a região interfere, pode-se supor que, em Copacabana, haveria maior variação no
uso das formas pronominais flagrantemente em desuso na variedade brasileira do
Português, tendo em vista que essa localidade contempla um público diferenciado, pois
integra uma região nobre do Rio de Janeiro (zona sul), que é socioculturalmente
desenvolvida e prestigiada, conforme já se detalhou neste trabalho.
(b) ‘Sexo’
A organização dos dados em relação à variável ‘sexo’ não foi muito diferente do
que se viu anteriormente. A preferência de homens e mulheres foi radicalmente pela ordem
intra-CV, ainda que as demais variantes tenham sido registradas nos dois grupos.
Figura 13: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV na
fala de indivíduos de homens e mulheres
Em alguns estudos, essa variável já se revelou importante porque os homens ou as
mulheres podem estimular ou retrair um processo de mudança linguística. Como tendência
geral, os estudos sociolinguísticos costumam testar a hipótese laboviana de que as
mulheres seriam inovadoras na implementação de mudanças linguísticas quando essas
mudanças não desrespeitam a norma efetivamente prestigiada socialmente. Diante de uma
iminente mudança completa no padrão de ordem dos clíticos pronominais, não se pode
deixar de supor que esse aspecto social esteja, em alguma medida, relacionado ao
fenômeno. Contudo, se se observar a figura 13, infere-se que os dois grupos de informantes
partilham a tendência à aplicação semicategórica da posição intra-CV. Assim, pode-se
pensar que, na sincronia atual, ser homem ou ser mulher não implica aumentar ou
diminuir, de forma relevante, as chances de uma ou outra variante ser realizada.
129
Observando detalhadamente os resultados, verifica-se que a ordem intra-CV
correspondeu a 98% dos dados na fala feminina, 4% a mais que o registrado na fala
masculina. As ordens pré e pós-CV apresentam-se de forma equilibrada na fala dos
informantes de cada um dos sexos; cada forma equivaleu a 3% na fala masculina e 1%, na
feminina. Novamente a suposta variação é muito pouco expressiva, principalmente dentre
as mulheres. O comportamento feminino, de forma ainda mais nítida do que o masculino,
confirma a completude da mudança da ordem dos clíticos, cuja ordem preferencial já se
encontra certamente aceita, sem qualquer julgamento desprestigioso.
(c) ‘Escolaridade’
Nem todas as variáveis independentes sociais se mostraram efetivamente
imparciais. Ao descrevermos os poucos dados das variantes pré-CV e pós-CV no início
desta análise, a escolaridade pareceu relevante. Nesse momento, um contraste entre as três
variantes e os níveis de instrução controlados possibilita uma observação mais detalhada da
participação da escola na manutenção da variabilidade na colocação pronominal; por isso,
vejamos a figura 14.
Figura 14: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV na
fala de indivíduos com diferentes graus de escolaridade
Na fala de indivíduos com ensino fundamental e médio, foi praticamente categórica
a realização da ordem intra-CV. Em ambos os casos, essa posição atingiu 99%.
Considerando a amostra de indivíduos com ensino fundamental, apenas 1% dos dados,
referente a apenas uma ocorrência, correspondeu à variante pré-CV; a produção da ordem
pós-CV foi nula. No conjunto relativo ao ensino médio, em contrapartida, não se registrou
130
pronome antes do complexo verbal, mas registrou-se 1% da variante pós-CV, que se refere
também a apenas uma ocorrência. Assim sendo, tivesse a pessoa um ou outro nível de
instrução, o comportamento sintático da ordem dos pronomes átonos não muda
significativamente, com realização quase exclusiva da posição intra-CV.
Variação expressiva, entretanto, envolveu o grupo de dados produzidos por
informantes com ensino superior. Dos onze dados, no corpus, das posições diferentes da
ordem intra-CV, nove pertencem ao grupo de pessoas que cursaram o terceiro grau. As três
posições quanto à colocação pronominal constituem formas, embora não restritas à fala
dessas pessoas, muito mais frequentes nela. Sabe-se que o grupo dos informantes altamente
escolarizados costuma ter por prioridade o domínio de uma norma culta idealizada, cujo
perfil sofre certa influência dos modelos propostos nas gramáticas normativas e divulgados
em meios letrados. A aprendizagem desses modelos36 indiretamente nutre a variação da
colocação pronominal especificamente no grupo de falantes com alta escolaridade. Quanto
maior o contato com a educação formal e com meios letrados, maior o domínio das
estruturas recomendadas na tradição gramatical; desse modo, pode-se afirmar que
pertencem à norma culta de uso, ainda que de forma pouco expressiva, as ordens pré e pósCV, posições que não seriam adquiridas naturalmente, como ocorre com a intra-CV, nas
duas comunidades de fala investigadas.
Kato (2005) mostra que, por via do letramento, o indivíduo recupera usos
gramaticais pertinentes a sincronias passadas ou a outras variedades do Português. De
acordo com o aporte teórico formalista de que se vale o referido trabalho, a gramática
nuclear, definida na fase de aquisição da língua materna (até cerca de cinco anos de idade),
conviveria com uma gramática periférica (“periferia estendida”), cujo conteúdo seria
assimilado através do processo de ensino-aprendizagem.
No caso dos pronomes átonos na variedade brasileira, fariam parte da gramática
periférica, pelo que demonstram os estudos variacionistas, os clíticos acusativos de terceira
pessoa e se indeterminador/apassivador. Como mostra Rodrigues-Coelho (2011), em
estudo com redações escolares, essas formas entram no repertório linguístico ao mesmo
tempo em que é aprendida a ordem em que supostamente deveriam ocorrer. Por isso, no
36
Nesse momento, considera-se o aprendizado das regras prescritas pelas gramáticas normativas por meio da
educação formal, mas parte-se da premissa de que esse aprendizado não se limita à fonte escolar. Há por
detrás uma dinâmica linguística e outras fontes de contato com esse padrão, como jornais, que muitas vezes
ajudam a propagá-lo. Em virtude dessa dinâmica, o que é aprendido formalmente nem sempre é usado na fala
cotidiana; por isso, a norma culta – conjunto de regras efetivamente utilizado por falantes escolarizados,
normalmente pertencente à elite urbana – não coincide sempre com o chamado padrão culto idealizado.
131
que toca à colocação pronominal em complexos verbais, os falantes com ensino superior
seriam mais propensos a realizar as estruturas pré e pós-CV.
(d) ‘Faixa etária’
A atuação da variável ‘faixa etária’, embora por meio de índices menos expressivos
que os registrados para a ‘escolaridade’, também, não parece imparcial no que se refere ao
comportamento da ordem dos clíticos em complexos verbais. Ainda que a produtividade da
variante intra-CV prevaleça nas três faixas, o índice diminui ligeiramente em função da
idade das pessoas, gerando um comportamento que ainda poderia ser considerado em
alguma medida variável.
Figura 15: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV na
fala de indivíduos em diferentes faixas etárias
Na faixa A, alternam somente as estruturas pré e intra-CV. Na faixa B, a
produtividade dessas duas construções diminui em 1%, dando vez aos dados com a ordem
pós-CV, cuja quantidade é 2%, a mesma dos dados com a ordem pré-CV. Da faixa B para
a C, o índice das variantes pré e intra-CV reduz outra vez, 3% e 1% respectivamente,
enquanto o da pós-CV aumenta, atingindo seu pico de 6%.
Embora a produtividade da posição intra-CV tenha oscilado, ela foi dominante na
fala de todos os indivíduos, independentemente de sua idade. Os traçados das variantes
pré-CV e pós-CV encontram-se muito distantes daquele referente à variante intra-CV.
Entre as três épocas que cada faixa etária representa, não se nota mudança de preferência
geral pela ordem intra-CV; nota-se, entretanto, que, da faixa A para a C, houve uma
inversão da preferência no que se refere às variantes pré e pós-CV, visto que, enquanto na
132
fala dos informantes mais jovens não se verifica qualquer ocorrência da ênclise ao
complexo verbal, na faixa C a variante pós-CV se torna a segunda estrutura mais realizada,
em 6% dos dados.
A distribuição dos dados indica, de modo geral, que, embora as formas pré e pósCV sejam pouco recorrentes em qualquer idade, os idosos usam menos (93%) a forma tida
como mais inovadora, a intra-CV, e registram mais (6%) a forma mais tradicional, a pósCV. Além disso, a postura conservadora dos idosos revela-se pelo tipo de pronome que
nessa posição ocorreu [o/a(s)], o qual, segundo pesquisadores como Kato (2005), não é
mais adquirido na primeira infância, quando é formada a gramática nuclear, a vernacular
por assim dizer.
Somente com esses resultados – cuja oscilação não ultrapassa a marca de seis
pontos percentuais, no caso da ordem pós-CV –, não é possível fazer generalizações
seguras a respeito de o fenômeno configurar variação estável ou mudança em progresso. É
oportuno, no entanto, trazer à reflexão o resultado de Vieira (2002) de que a colocação
pronominal, embora já demonstrasse opção preferencial compatível com a verificada na
presente pesquisa, se comportava como uma regra variável na ordem de cerca de 10% dos
dados. Tendo o referido estudo se baseado na fala fluminense e em variáveis independentes
parecidas, é possível comparar seus resultados gerais com os da presente pesquisa, os quais
revelaram inicialmente que a ordem dos clíticos pronominais se comporta, nos dias atuais,
como uma regra semicategórica. Com isso, fica estabelecida uma breve comparação entre
sincronias.
A distinção entre regra variável e regra semicategórica, feita por Labov (2003), é
estabelecida, grosso modo, pela frequência das supostas formas alternantes da variável
dependente. Entretanto, acredita-se que, associado ao aspecto quantitativo, deve estar o
aspecto qualitativo, isto é, o que está por detrás do fato de uma forma ter ocorrido entre 5%
e 95% dos casos (índices variáveis) ou entre 95% e 99% (índices semicategóricos).
Do ponto de vista quantitativo, o contraste entre sincronias constatou uma redução
do teor supostamente variável, a ponto de mudar o fenômeno de categoria. Ao longo dos
anos, ele passou, em termos de produtividade, de variável a semicategórico, pois, no
corpus das décadas de 1980 e 1990, a ordem intra-CV correspondia a 90% das ocorrências,
enquanto, no corpus atual, corresponde a 96%.
Do ponto de vista qualitativo, os resultados até então apresentados corroboram essa
categorização. Uma vez que as ordens pré e pós-CV ocorrem basicamente na fala de
133
indivíduos com elevado grau de escolarização, sobretudo, com mais de 56 anos, acredita-se
que, de fato, atualmente o fenômeno obedece a uma regra semicategórica. O uso das três
variantes integraria provavelmente, ainda que de forma pouco expressiva, a fala das
pessoas mais idosas, mas, nos dias atuais, a realização (rara) das três formas na
comunidade de fala como um todo estaria intimamente relacionada, em termos
extralinguísticos, principalmente à atuação da escola e, em segundo plano, à idade dos
informantes. Do exposto até aqui, as informações por ora reunidas conduzem à projeção de
que uma mudança completa no vernáculo brasileiro já se processou, havendo apenas, por
força da atuação de modelos idealizados de comportamento linguístico, sobrevivência de
algumas estruturas, cujo perfil será, a seguir, descrito a partir do comportamento das
variáveis linguísticas controladas na presente pesquisa.
Cabe apresentar, então, os contextos linguísticos em que se registrou a ordem intraCV, para assim verificar as singularidades que, de fato, foram determinantes para que
ocorressem os poucos dados de pré e pós-CV.
(e) ‘Presença ou ausência de elemento interveniente’ (preposição, conector ou
sintagma)
O primeiro grupo de fatores a comentar refere-se à presença ou à ausência de
elemento interveniente – preposição, conector ou algum sintagma que não fosse clítico
pronominal (até, quase, nem, eh, mais, sempre).
115. o povo passou a se aperfeiçoar mais (Nova Iguaçu, mulher, faixa A, ensino
superior).
116. então assim se você bater o pé ele tem que te atender (Copacabana, homem, faixa
B, ensino médio).
117. eu achava irritante e eles também assim até pelo fato deles tarem sempre me
sacaneando mesmo por causa do meu sotaque (Copacabana, mulher, faixa A, ensino
médio).
118. vou te dar um exemplo (Nova Iguaçu, homem, faixa C, ensino superior).
A maioria dos dados do corpus, 87%, não contém elemento interveniente no
complexo verbal, como ilustra o exemplo 118. Os 13% restantes distribuem-se entre 7% de
complexo com conector que (ex. 116) na sua formação, 2% com preposição a (ex. 115), e
4% são intermediados por um sintagma de outra natureza (ex. 117).
134
Em todos esses ambientes, a variante intra-CV prevaleceu. Quanto à maioria dos
dados registrados, que não possui elemento interveniente, pôde-se observar alternância
entre as três variantes. Os 87% de dados sem elemento interveniente correspondem a 2%
do pronome depois do complexo verbal (ia orientá-lo), 2% de pronome antes dele ([não]
se deve ter) e 83% de pronome entre os dois verbos (vou te dar).
Quando havia algum elemento no interior do complexo, a ordem intra-CV ainda foi
a mais produtiva. Quando o elemento correspondia a um que, o pronome categoricamente
se encontrava na posição intra-CV (tem que te atender). Quando se tratava da presença da
preposição a, em 17% dos dados, o que corresponde a somente um dado, o pronome
ocupou a posição pós-CV (passei a conhecê-lo); em 83%, nos cinco demais dados desse
tipo, ele localizou-se na posição intra-CV (começou a se meter). Quando havia, no interior
do complexo verbal, outro tipo de elemento, como um advérbio, ocorreu em apenas um
dado (11% dos casos) a anteposição do pronome ao complexo verbal ([não] se pode mais
comparar); nos outros oito dados desse tipo (89% dos casos), o pronome ocupou a posição
intra-CV ([pelo fato deles] tarem sempre me sacaneando). Assim sendo, o pronome foi
mais frequente nas posições pré e pós-CV quando não havia elemento interveniente,
sugerindo que este não deve facilitar a realização dessas duas variantes. O pronome na
posição intra-CV, por outro lado, foi a estrutura mais produtiva independentemente de ter
ocorrido ou não algum elemento no interior do complexo verbal, reforçando a hipótese de
que essa variante seria uma forma não-marcada, pois é altamente frequente em diversas
construções.
Na presença de elemento interveniente, conforme já se apresentou no presente
trabalho, a variante intra-CV pode ser considerada enclítica à primeira forma verbal, V1-Cl
V2, ou proclítica à segunda forma verbal, V1 Cl V2. Observando essas duas opções,
associadas às demais, Cl V1 V2 e V1 V2-Cl, seria possível verificar se se trata realmente
de uma regra variável. Com base nos dados com elemento interveniente, os pronomes me,
te e se reflexivo/inerente ocorreram na posição posterior a tal elemento, V1 x Cl V2 (ex.
115, 116, 117), mas não ocorreram em outra posição. Esses dados reforçam a proposta de
que esses pronomes se ligam procliticamente a V2, contradizendo a recomendação
gramatical de ênclise a V1 quando o pronome está na posição intra-CV.
A respeito dos clíticos acusativos de terceira pessoa [o/a(s)], eles ocorreram
exclusivamente na posição enclítica ao verbo principal, V1 x V2-Cl (passei a conhecê-lo).
Por outro lado, o pronome se indeterminador/apassivador, que ocorreu na posição anterior
135
ao complexo verbal, Cl V1 x V2 ([não] se pode mais comparar), foi o único a ocupar
também outra posição, intra-CV, mas em dados sem elemento interveniente, o que não
possibilitou assegurar se ele se liga de forma enclítica a V1 ou proclítica a V2.
Estruturas como pode-se até tentar, pode-se sempre confiar num especialista e
pode-se sempre precisar de gente, não contempladas no corpus, permitiriam atestar que, na
posição intra-CV, o pronome átono se liga encliticamente a V1. Casos como esses fariam
supor que não seria a opção natural, não-marcada, na variedade brasileira, a realização com
esse pronome após o elemento interveniente, adjacente a V2, como em pode sempre se
precisar de gente.
Como bem salienta Vieira (no prelo), tratar da temática colocação pronominal,
especialmente em ambiente com complexo verbal, não consiste em uma tarefa simples, a
começar pela definição da variável dependente, a princípio, eneária. Um fenômeno que
dialoga com vários níveis da gramática não pode prescindir de, além de uma execução
rigorosa dos procedimentos, um olhar objetivo no tratamento variacionista, que busque
separar os contextos de aplicação de cada suposta variante detalhadamente.
Levando isso em consideração e refletindo sobre o que os dados com elemento
interveniente revelaram, infere-se que a expressão da variável dependente, no caso da
amostra estudada, deve ser, na verdade, binária, cuja alternância seria entre pronome se
indeterminador/apassivador antes ou depois de V1; isto se, em posição intra-CV, ele for
enclítico a V1, o que não foi possível verificar com base no corpus da análise variacionista.
Em síntese, os dados com elemento interveniente mostraram que os clíticos me, te e
se reflexivo/inerente se localizam antes do verbo temático, em próclise a V2. Clíticos
acusativos de terceira pessoa, por outro lado, revelaram-se enclíticos a V2. A análise,
entretanto, não permitiu averiguar, lamentavelmente, a hipótese de que o pronome se
indeterminador/apassivador, em intra-CV, estaria sempre adjacente a V1, verbo a que ele
se liga sintaticamente. Na presente pesquisa, essa suposta diferença de comportamento
entre o se indeterminador/apassivador e o se reflexivo/inerente também foi estudada na
análise fonético-fonológica, a ser apresentada na seção 6.2, de modo a verificar se os
padrões de ligação distinguiriam tais estruturas.
(f) ‘Tipo de clítico’
No que toca ao tipo de clítico, quando se trata da variante pré-CV, o se
indeterminador/apassivador se destaca; quando se trata de pós-CV, estão envolvidos os
136
acusativos de terceira pessoa [o/a(s)]. No corpus, não só esses pronomes, mas também me,
te, se reflexivo/inerente e nos foram encontrados.
A frequência de cada um dos pronomes encontrados foi a seguinte: me (34%), te
(20%), se reflexivo/inerente (40%), se indeterminador/apassivador (3%), o/a(s) (2%) e nos
(1%). Nota-se que não se registrou qualquer enunciado com os tipos vos e lhe(s)
envolvendo complexos verbais. Eles, na verdade, em conjunto com nos, o/a(s), se
indeterminador/apassivador, correspondem a formas pouco usuais, que vêm cedendo lugar
a outras formas de referenciação (cf. KATO, 2005; VIEIRA & BRANDÃO, 2007); o uso
do pronome vos, em especial, mantém-se, na modalidade escrita ou em tradições religiosas
orais, principalmente por intermédio de textos antigos a que alguns usuários da língua têm
acesso, como a bíblia, ou da escola, principalmente na promoção de textos literários.
Quando se observou a distribuição das variantes em função da presença ou da
ausência de elemento interveniente no complexo verbal, atestou-se a predominância da
ordem intra-CV em todos os ambientes controlados. No caso da tipologia pronominal, a
variante intra-CV não prevaleceu em todos os contextos. Em se tratando de enunciados
com clítico do tipo se indeterminador/apassivador, de nove dados, em cinco (55%), o
pronome antecedeu o complexo verbal. As exceções encontram-se nos seguintes dados:
119. D: você acha que é comum essa reunião hoje em famílias ou é uma característica
só da sua família?
L: não não só da minha família tem muita família boa ainda mu:ita mas... eu acho que
tá se perdendo um pouco (Nova Iguaçu, mulher, faixa B, ensino fundamental).
120. agora parece-me que vai se estender o projeto oficial é que ele se a Via Light se
estenda até o porto de Sepetiba né (Nova Iguaçu, mulher, faixa C, ensino superior).
121. um dia vai se descobrir isso no Brasil (Nova Iguaçu, homem, faixa B, ensino
fundamental).
122. não sei quanto se roubava antes mas continua se roubando hoje (Copacabana,
mulher, faixa B, ensino superior).
Embora tenhamos visto que, nos casos de ordem pré-CV, os entrevistados
basicamente possuíam ensino superior, essas ocorrências com clítico do tipo se
indeterminador/apassivador em posição intra-CV ocorreram na fala de indivíduos com esse
grau de instrução, bem como com ensino fundamental. Podemos afirmar, ainda, que a
maioria ocorreu em fala feminina e na comunidade de Nova Iguaçu. Nenhuma ocorrência
foi produzida por falante da faixa etária A, a mais jovem.
Essas frases apresentam conjunção integrante (ex. 119, 120), coordenativa (ex. 122)
ou locução adverbial (ex. 121) antes do complexo verbal, mas não apresentam uma
137
partícula negativa nem pronome relativo que, termos que precederam o pronome na
posição pré-CV. Além disso, em nenhuma delas, V1 era do tipo modal (poder ou dever),
formas auxiliares que ocorreram nas construções com ordem pré-CV.
Essas frases não apresentam também nenhum elemento interveniente no complexo
verbal, bem como a maioria dos dados em que se evidenciaram as posições pré e pós-CV.
Assim sendo, a ausência de partícula negativa e de pronome relativo que no
contexto morfossintático antecedente, bem como a ausência de V1 poder ou dever revelam
características
que
podem
ter
sido
determinantes
para
o
pronome
se
indeterminador/apassivador ocupar a posição pré-CV, pois elas constituem a diferença
entre os cinco dados com a variante pré-CV e esses quatro dados com o clítico se
indeterminador/apassivador na posição intra-CV.
Outro tipo de clítico que fugiu à regra da ordem intra-CV foi o acusativo de terceira
pessoa [o/a(s)]. Esse tipo, de modo geral, colaborou para a alternância de colocação na
medida em que esteve envolvido na produção da forma pós-CV (fomos visitá-lo). Ele, por
outro lado, apresentou um caráter invariante, pois, indo ao encontro dos resultados de
Cyrino (1996 [1993]), ocorreu categoricamente nesta posição. Na verdade, foi o único
pronome a ocupar tal posição, reforçando a tese proposta no referido estudo de que esse
tipo de pronome é genuinamente pós-verbal.
Os demais pronomes encontrados – me, te, se reflexivo/inerente e nos – ocorreram
sempre na posição intra-CV. Por representarem a maior porção do corpus, esses pronomes
ajudam a justificar o alto registro da ordem intra-CV, em contrapartida aos poucos dados
com os pronomes que poderiam favorecer as outras posições.
Os resultados da presente pesquisa associados aos de outras demonstram que o fato
de o clítico ser do tipo se indeterminador/apassivador constitui fator importante para que
ocorra a variante pré-CV, pois somente ele se antepôs ao complexo verbal. Observando
enunciados em que esse clítico ocorreu em outra posição, as características ligadas ao
contexto morfossintático antecedente e ao tipo de verbo auxiliar novamente mostraram sua
relevância para a realização da variante pré-CV, o que vai ao encontro dos resultados de
Peterson (2010), Rodrigues-Coelho (2011) e Vieira (2002).
Os clíticos acusativos de terceira pessoa, por outro lado, apenas sucederam V2,
posição que só foi ocupada por esse tipo de pronome. No que toca à realização da variante
pós-CV, então, o tipo de pronome constitui fator determinante para a ocorrência dessa
variante.
138
A produtividade das formas clíticas e a distribuição dessas formas quanto à ordem
permitem confirmar, aqui, que, junto à aprendizagem das formas pronominais pouco
produtivas no PB, são aprendidas também as posições pouco usuais – a pré-CV (com o se
indeterminador/apassivador) e a pós-CV (com o, a, os, as).
(g) ‘Tipo de complexo verbal’
A respeito do tipo de complexo verbal, vinte construções viabilizaram a observação
da colocação pronominal. Na tabela a seguir, podem-se observar não só essas construções,
mas também os clíticos com os quais elas apareceram no corpus.
Figura 16: Relação de complexos verbais registrados no corpus e relação dos pronomes que ocorreram
antes, no interior ou depois de cada uma dessas estruturas verbais
Pronomes
Complexos verbais
Pré-CV
Intra-CV
Pós-CV
ter + particípio
me
ir + infinitivo
se (indet./apass.)
me, te, se (refl./inerente e indet./apass.)
o/a(s)
vir + infinitivo
me
estar + gerúndio
me, te, se (refl./inerente e indet./apass.)
ir + gerúndio
me e se (refl./inerente)
ter + que/de + infinitivo
me, te, se (refl./inerente)
poder + infinitivo
se (indet./apass.)
me e se (refl./inerente)
o/a(s)
dever + infinitivo
se (indet./apass.)
me e se (refl./inerente)
o/a(s)
precisar + infinitivo
se (refl./inerente)
acabar + gerúndio
se (refl./inerente)
começar + a + infinitivo
se (refl./inerente)
passar + a + infinitivo
se (refl./inerente)
o/a(s)
voltar + a + infinitivo
se (refl./inerente)
continuar + gerúndio
se (indet./apass.)
ficar + gerúndio
me e se (refl./inerente)
saber + infinitivo
te e se (refl./inerente)
tentar + infinitivo
me e se (refl./inerente)
procurar + infinitivo
se (refl./inerente)
conseguir + infinitivo
me e se (refl./inerente)
o/a(s)
querer + infinitivo
me, te, nos e se (refl./inerente)
-
A construção ir + infinitivo foi a mais produtiva no corpus, aparecendo em 31%
dos dados. Em segundo plano, ficou estar + gerúndio, aparecendo em 20%. Em terceiro
plano, mais ou menos empatada está a produtividade de ter + que/de + infinitivo, poder +
infinitivo e querer + infinitivo, contemplados, respectivamente, em 7%, 8% e 7% dos
dados. Cada um dos demais tipos não correspondeu a 5% do corpus.
No que toca à colocação pronominal, somente quando se tratava de dever +
infinitivo, a variante intra-CV não prevaleceu. Apesar de ter sido registrada em poucos
dados com esse tipo de complexo verbal (apenas cinco), essa variante, nesse contexto, teve
139
produtividade equivalente à da variante pré-CV (duas ocorrências com intra-CV e duas
com pré-CV), conforme se mostrará adiante.
Conforme se demonstra na figura 17, adiante, em cinco tipos de complexo verbal,
encontrou-se pronome sem ser na posição intra-CV. Foram eles: conseguir + infinitivo, ir
+ infinitivo, dever + infinitivo, poder + infinitivo e passar + a + infinitivo. Apenas nos
tipos ir + infinitivo, dever + infinitivo e poder + infinitivo, houve alternância entre as três
variantes37.
Estar + gerúndio não revelou variação da colocação pronominal, apesar de bastante
produtivo e precedido pelos mais variados contextos morfossintáticos registrados no
corpus – salvo pronome indefinido (exceto ninguém) na função de sujeito e de conjunção
coordenativa adversativa. Esse tipo de complexo verbal registrou sempre a posição intraCV.
Figura 17: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV,
segundo os complexos verbais em que se observou alguma variação na colocação pronominal
Mesmo tão produtivo, no complexo ir + infinitivo, só em 4% desses dados, o clítico
não esteve entre os dois verbos. Por que se registrou tão pouca variação envolvendo o
complexo verbal mais produtivo? O que aconteceu com esses 4% de dados que não
aconteceu com os demais?
37
Exemplos que ilustram a variação na colocação pronominal envolvendo essas cinco construções verbais
serão apresentados adiantes, quando cada estrutura será analisada.
140
Na realidade, fica bastante evidente que é o tipo de clítico o fator determinante para
o registro das variantes pré e pós-CV, independentemente do tipo de complexo38. Em
posição pré-CV, só se encontrou se indeterminador/apassivador; em posição pós-CV,
o/a(s). Dentre esses dois tipos de pronome, só o se indeterminador/apassivador ocorreu no
interior de ir + infinitivo:
123. um dia vai se descobrir isso no Brasil (Nova Iguaçu, homem, faixa B, ensino
fundamental).
124. agora parece-me que vai se estender o projeto oficial é que ele se a Via Light se
estenda até o porto de Sepetiba né (Nova Iguaçu, mulher, faixa C, ensino superior).
A maioria dos pronomes produzidos no interior de ir + infinitivo não coincide com
o tipo se indeterminador/apassivador. Na verdade, na posição intra-CV, outros pronomes
foram bem mais produtivos – me (31%), se reflexivo/inerente (24%), te (41%) e nos (1%)
– que o se indeterminador/apassivador (3%). O único a não superar a produtividade deste
pronome foi nos, com 1% de produtividade. Assim sendo, mais influente que o tipo de
complexo verbal é, de fato, o tipo de pronome, cuja atuação já foi detalhadamente descrita.
Mesmo no caso dos dois dados de se indeterminador/apassivador na posição intraCV, não havia antes do complexo, conforme já se registrou, uma partícula negativa ou um
pronome relativo que; o que configura outra diferença entre os dados de intra-CV
envolvendo o complexo ir + infinitivo e aqueles dados com a variante pré-CV.
No que se refere à forma de V2, não é possível verificar qualquer atuação relevante,
tendo em vista que se trata, aqui, do infinitivo, bem como nos dados referentes às variantes
pré
e pós-CV; mesmo
assim,
quando se trata
de
ir
+
infinitivo, o
se
indeterminador/apassivador ocorreu duas vezes na posição intra-CV. No que se refere à
anteposição do pronome ao complexo verbal, a forma de V2 não parece ser fundamental.
Um aspecto saliente relativo aos dados de pré-CV foi o nível superior dos
indivíduos que os pronunciaram. Em virtude dessa frequência, esse fator da variável
‘escolaridade’ pareceu favorecer a variante pré-CV, porém não foi suficiente para deslocar
38
Não se descarta, nesta pesquisa, o comportamento diferenciado dos complexos verbais na Língua
Portuguesa como um todo, tendo em vista os diferentes graus de auxiliaridade que cada construção assume.
No corpus em análise, entretanto, não se pôde atestar o reflexo desses graus e o fenômeno estudado com
segurança, dado o irrisório número de dados supostamente variável. Embora duas formas auxiliares modais
tenham registrado a pré-CV, essa variante também ocorreu com forma auxiliar de tempo (ir). Além disso,
outras posições dos clíticos ocorreram não só com os modais, mas também com outros tipos de auxiliares.
141
o pronome em agora parece-me que vai se estender o projeto oficial (Nova Iguaçu,
mulher, faixa C, ensino superior).
A ausência de uma partícula negativa ou do pronome relativo que no contexto
morfossintático antecedente pode ter sido determinante para a realização intra-CV nos dois
referidos dados, pois consiste em um aspecto importante que os diferencia, especialmente
aquele que ocorreu na fala do indivíduo com ensino superior, daqueles com a variante préCV.
Se contrastarmos a produtividade das variantes relativa ao complexo do tipo ir +
infinitivo com aquela relativa a poder + infinitivo, veremos que, neste caso, o índice de
intra-CV também destoa do das outras variantes, embora de forma um pouco menos
expressiva. Enquanto 4% dos dados com ir + infinitivo não contemplaram a variante intraCV, 14% dos dados com poder + infinitivo corresponderam às variantes pré e pós-CV. Em
10%, o pronome ocorreu antes do complexo verbal.
Considerando o conjunto de dados com poder + infinitivo em que o pronome
ocupou a posição intra-CV, nenhum enunciado apresentou clítico do tipo se
indeterminador/apassivador ou acusativo de terceira pessoa. Em alguns, o complexo foi
precedido de partícula negativa e pronunciado por indivíduo com ensino superior.
125. pode me acordar dez vezes durante à noite (Copacabana, homem, faixa B, ensino
superior).
126. ela poderia me colocar lá mas só com meu segundo grau (Nova Iguaçu, mulher,
faixa A, ensino médio).
127. isso eu não posso te falar corretamente como é porque não tenho conhecimento de
causa pra te falar (Nova Iguaçu, mulher, faixa B, ensino superior).
128. particular eu não posso te falar muito (Copacabana, homem, faixa B, ensino
fundamental).
129. você pode se apaixonar de novo (Copacabana, mulher, faixa B, ensino superior).
130. o ser humano que deixa de sonhar ele pode se matar (Nova Iguaçu, homem, faixa
B, ensino fundamental).
Com os dados exclusivos de ir + infinitivo, verificou-se que o pronome do tipo se
indeterminador/apassivador por si só não garante a ocorrência da variante pré-CV.
Todavia, em dado como exemplificado em 127, em que co-atuaram os fatores partícula
negativa (não) e ensino superior, esse tipo de clítico se revelou imprescindível para a
anteposição do pronome ao complexo verbal.
142
Com base em dados como 125 e 128, compreende-se que possuir ensino superior
somente não significa que o pronome será alçado para a posição pré-CV. Com base em
128, entende-se que um não antes do complexo não exerce força suficiente para atrair o
pronome. Sendo assim, no que se refere à realização da variante pré-CV, os dados
demonstram que é essencial a atuação simultânea do se indeterminador/apassivador e da
partícula negativa e/ou pronome relativo que, o que ainda se associa, em termos
extralinguísticos, ao alto grau de escolaridade do informante. Os dados 126 e 130
corroboram que, quando nenhuma dessas três características está presente, a ordem
concretizada é a intra-CV.
No que concerne à posição pós-CV, duas características foram salientes quando
dados desse tipo foram descritos: V2 no infinitivo e clítico do tipo acusativo de terceira
pessoa [o/a(s)]. Os dados com poder + infinitivo que não registraram essa variante, seis
deles ilustrados anteriormente, não apresentam esse tipo de pronome; razão pela qual
provavelmente não houve posposição de pronome a esse complexo verbal. A única
ocorrência de posposição do pronome a poder + infinitivo foi você não pode deixá-los até
as tantas porque eles tão correndo risco (Nova Iguaçu, mulher, faixa B, ensino superior).
O complexo dever + infinitivo foi pouco produtivo no corpus: houve apenas cinco
ocorrências.
131. e eu tive até uma atitude que não se deve ter né? (Nova Iguaçu, homem, faixa B,
ensino fundamental).
132. então... eu acho que isso é vandalismo... que isso não se deve aprender dentro do
colégio (Nova Iguaçu, homem, faixa A, ensino superior).
133. eu acho que... realmente o governo deveria se empenhar mais (Nova Iguaçu,
mulher, faixa B, ensino superior).
134. e que eu deveria me apresentar no (IME) dentro de uma semana (Copacabana,
homem, faixa C, ensino superior).
135. e nós (diríamos) que quem devia julgá-lo seriam oficiais (Copacabana, homem,
faixa C, ensino superior).
Houve uma paridade entre a distribuição das variantes. Por apenas um dado, a
variante pós-CV distinguiu-se. Apesar de não se observar o predomínio da variante intraCV, a colocação pronominal, no que toca aos dados com esse complexo verbal, assemelhase ao que foi observado em relação a poder + infinitivo. Não se registrou se apassivador ou
clítico acusativo de terceira pessoa na posição intra-CV, tampouco partícula de negação ou
pronome relativo que antes do complexo verbal. Nessa posição, foram encontrados me (ex.
143
134) e se reflexivo/inerente (ex. 133); ambos pronunciados por falante com ensino
superior. No exemplo 133, é digno de nota o fato de que o clítico ocorre posteriormente a
uma forma do futuro do pretérito do indicativo, mas sem formar mesóclise; esse
comportamento, associado à observação da preferência pela posposição dos clíticos aos
elementos intervenientes, já demonstrada, reforça a hipótese da preferência brasileira pela
próclise a V2. No mais, deve-se registrar que, assim como com poder + infinitivo, não
ocorreu pronome se indeterminador/apassivador sem ser na posição pré-CV (exs. 131 e
132). Na única ocorrência de clítico acusativo de terceira pessoa em oração com dever +
infinitivo, o pronome encontrou-se posposto (ex. 135).
No que toca aos dados com conseguir + infinitivo, a variante intra-CV predominou.
De seis dados, o pronome ocupou essa posição em cinco, (80%); em um (20%), o pronome
pospôs-se ao verbo temático (ex. 141).
136. espero precisar um dia e eles conseguir me atender (Nova Iguaçu, homem, faixa
A, ensino fundamental).
137. e depois teve um negócio de umas fofocas que vieram acontecendo que o
Lindeberg tinha feito não sei que... que não é tinha caixa dois e não sei o que lá mas aí
eu também não consegui me encaixar na conversa das pessoas (Nova Iguaçu, homem,
faixa A, ensino fundamental).
138. meu segundo sonho é conseguir me estabilizar um pouco na vida e ter um filho
(Nova Iguaçu, homem, faixa A, ensino fundamental).
139. ah... consegue se expressar bem (Nova Iguaçu, mulher, faixa C, ensino
fundamental).
140. isso porque... se ele/ ao mesmo tempo que ele chega... a/ diretamente a essas
pessoas que ele consegue se comunicar direto... ele acaba sendo... desvalorizado
(Copacabana, mulher, faixa A, ensino médio).
141. até que eu consegui levá-la pra lá (Copacabana, homem, faixa C, ensino superior).
Na posição intra-CV, ocorreram me e se reflexivo/inerente; na pós-CV, o pronome
acusativo de terceira pessoa (-la). Não houve registro da variante pré-CV com essa
construção verbal, mas também não ocorreu se indeterminador/apassivador.
Observa-se, ainda, que uma das ocorrências foi produzida por informante com
ensino superior, aquele que pospôs o pronome ao complexo verbal. As demais ocorrências,
na maior parte (4/6), foram produzidas por informantes que possuem ensino fundamental.
Em sentença com a ordem intra-CV, ocorreu não, mas o pronome me não foi alçado
para a posição pré-CV; ocorreu pronome relativo que, mas o pronome se reflexivo/inerente
144
também não se localizou na posição pré-CV. Com ou sem esses termos, confirma-se,
então, a preferência pela posição intra-CV.
Sem o pronome se indeterminador/apassivador, independentemente de outras
condições favoráveis à anteposição do clítico ao complexo, não se encontrou uma
evidência no corpus de que o pronome iria para a posição pré-CV. Assim sendo, ainda que
houvesse um termo considerado atrator e/ou o indivíduo possuísse terceiro grau, a variante
não ocorreu.
A ausência de se indeterminador/apassivador em ambiente com conseguir +
infinitivo não permitiu averiguar o peso desse complexo sobre a variante pré-CV, como foi
minimamente possível com o complexo ir + infinitivo. Neste caso, sem a influência de não
ou pronome relativo que, mas diante de outro atrator tradicionalmente prescrito, o pronome
se indeterminador/apassivador não foi para antes do complexo verbal. Um dos dois
enunciados nessa situação foi pronunciado por indivíduo com ensino superior; mesmo
assim, a ordem realizada foi a intra-CV. Logo, verificou-se que a influência desses dois
atratores parece ser maior que a estrutura do complexo verbal; independentemente do tipo
de complexo verbal, sem partícula negativa ou pronome relativo que no contexto anterior
ao pronome se indeterminador/apassivador, a ordem pré-CV não ocorreu.
Em se tratando de conseguir + infinitivo, bem como poder + infinitivo e dever +
infinitivo, a descrição meticulosa contribui para assegurar a relevância de características
recorrentes entre os dados de pré e pós-CV. Ela não permite, no entanto, confirmar com
precisão o papel do tipo de complexo verbal, mas mostra que poder + infinitivo e dever +
infinitivo admitem as três posições, enquanto o complexo conseguir + infinitivo admite as
ordens intra e pós-CV.
Finalmente, a respeito do complexo passar + a + infinitivo, ele esteve envolvido
em uma ocorrência da variante intra-CV e em uma da pós-CV.
142. o povo passou a se aperfeiçoar mais (Nova Iguaçu, mulher, faixa A, ensino
superior).
143. eu precisei de um favor dele aí eu passei a conhecê-lo (Copacabana, mulher, faixa
B, ensino médio).
Um falante com ensino superior realizou um se reflexivo/inerente no interior do
complexo verbal (ex. 142); outro com ensino médio realizou clítico acusativo de terceira
pessoa depois do complexo verbal (143). Não havia, no contexto morfossintático
antecedente, qualquer partícula negativa ou pronome relativo. Contudo, com base em duas
145
ocorrências, não é possível fazer qualquer generalização a respeito da possível
interferência desse complexo verbal. Pode-se, ao menos, afirmar que o posicionamento do
clítico se reflexivo/inerente no interior do complexo verbal vai ao encontro da expectativa
de este clítico se localizar nas adjacências de V2; e, ainda, reafirmar o caráter enclítico ao
complexo do pronome acusativo de 3ª pessoa.
Com base na observação de tipos de complexos verbais, pôde-se verificar que vinte
categorias foram produtivas no corpus, principalmente ir + infinitivo e estar + gerúndio.
Todavia, somente em cinco se constatou variação na colocação pronominal; dentre eles,
não se encontra o referido estar + gerúndio, segundo tipo mais frequente no corpus.
Sintetizando a análise da variação da colocação pronominal em relação aos cinco
tipos de complexos verbais, notou-se que, ao contrário dos clíticos acusativos de terceira
pessoa, que sempre sucedeu os dois verbos, o se indeterminador/apassivador, que foi
encontrado na posição pré-CV, também foi encontrado em posição intra-CV quando o
complexo era do tipo ir + infinitivo. A maior parte dos dados com se
indeterminador/apassivador ocorreu com poder ou dever + infinitivo; em todas essas
ocorrências, o pronome antepôs o complexo verbal.
Ademais, em uma ocorrência com não antes do complexo conseguir + infinitivo,
ocorreu a ordem intra-CV, mas não foi na fala de indivíduo com nível superior, nem o
clítico era do tipo se indeterminador/apassivador.
De modo geral, nos cinco tipos de complexo verbal envolvidos com variação, os
falantes não realizaram a ordem intra-CV em circunstâncias similares àquelas em que se
registraram as demais variantes, o que ficou mais evidente quando o complexo verbal
continha auxiliar modal – contexto em que ocorreram as três variantes –, de modo a
constatar que: (i) o clítico acusativo de terceira pessoa aparece seguindo V2 no infinitivo;
(ii) o se indeterminador/apassivador antecede o complexo verbal quando sucede ora uma
partícula negativa ora um pronome relativo, sobretudo quando o indivíduo possui ensino
superior; e (iii) a ordem intra-CV, na fala de indivíduos com ou sem ensino superior,
ocorreu quando o clítico não era acusativo de terceira pessoa e, em se tratando dos outros
tipos de pronome, quando o auxiliar modal não era precedido de partícula de negação ou
pronome relativo.
146
(h) ‘Contexto morfossintático antecedente a Cl V1 V2, V1 Cl V2 ou V1 V2 Cl’
Quais foram os contextos morfossintáticos anteriores ao complexo verbal
registrados no corpus? Dentre aqueles complexos verbais em que apenas se verificou a
ordem intra-CV, ocorreu uma partícula negativa ou pronome relativo antes? Uma análise
da frequência das variantes em função da variável ‘contexto morfossintático antecedente’
possibilita responder a essas perguntas. Ao mesmo tempo em que esse ambiente foi
investigado, averiguou-se a distância a que determinado elemento estava do complexo
verbal. Em termos práticos, utilizando a função cross tabulation do programa
computacional Goldvarb X, a interseção de variáveis independentes permite esse tipo de
observação metódica e minuciosa.
Em todo o corpus, ocorreram os contextos anteriores ao complexo verbal listados
na figura 18.
Figura 18: Contextos morfossintáticos antecedentes aos complexos verbais registrados no corpus
Ausência de elemento antecedente
Nome com ou sem adjunto adnominal na função de sujeito
Pronome pessoal na função de sujeito
Pronome indefinido, exceto ninguém, na função de sujeito
Pronome demonstrativo na função de sujeito
Partícula de negação
SAdv com valor circunstancial – um só vocábulo
SAdv com valor circunstancial – locução
Preposição para
Conjunção coordenativa aditiva
Conjunção coordenativa adversativa
Conjunção coordenativa conclusiva
Conjunção coordenativa explicativa
Conjunção subordinativa (se, embora, enquanto)
Pronome relativo que
Pronome/advérbio relativo (cujo, o qual, onde, quem)
Conjunção integrante que
Que em estruturas clivadas
Palavra QU interrogativa do tipo adverbial
Hesitações (eh, ah), interjeições, truncamentos
A presença de pronome pessoal na função de sujeito foi o contexto mais recorrente,
correspondendo a 28% dos dados. Também foi bastante produtiva a partícula de negação,
com 17%. A ausência de elemento antecedente consistiu no terceiro ambiente mais
frequente, com 13%. Nome com ou sem adjunto adnominal na função de sujeito esteve
presente em 10% dos dados. Os demais contextos equivaleram a menos de 10%. Dentre
estes, figura o pronome relativo que, em 8% dos dados.
147
Vale ressaltar que os dados considerados com verbo em início absoluto de oração
não abarcam orações subordinadas reduzidas, como em meu segundo sonho é conseguir
me estabilizar um pouco na vida e ter um filho (Nova Iguaçu, homem, faixa A, ensino
fundamental). O início absoluto corresponde a sentenças como vou te dar um exemplo
(Nova Iguaçu, homem, faixa C, ensino superior), em que o complexo verbal inicia novo
enunciado, não havendo qualquer vocábulo precedente. Nessa conjuntura, registrou-se
apenas a variante intra-CV.
Em meio aos contextos em que as gramáticas normativas recomendam a
anteposição do pronome átono, de modo geral, estão: orações com alguma partícula
negativa, pronome ou advérbio interrogativo, orações subordinadas. Além disso, essa
posição seria facultativa quando a frase fosse exclamativa ou exprimisse desejo.
Considerando as orientações de cunho normativo, foram produtivos no corpus os
contextos partícula de negação, conjunção subordinativa (se, embora, enquanto), pronome
relativo que, pronome/advérbio relativo (cujo, o qual, onde, quem), conjunção integrante
que, palavra QU interrogativa do tipo adverbial e determinados advérbios. Mesmo assim, o
pronome não antecedeu o complexo verbal na maioria das vezes.
144. você não tá me dizendo nada (Nova Iguaçu, mulher, faixa A, ensino médio).
145. se vier eh me violentar vai me matar vou mandar me matar porque eu também
não quero ficar viva (Nova Iguaçu, mulher, faixa A, ensino médio).
146. o homem me esculachou tanto que eu tive que descer do ônibus que eu vi a hora
que ele ia me bater dentro do ônibus (Nova Iguaçu, mulher, faixa B, ensino
fundamental).
147. achei que eu ia me aventurar mais numa firma de construção civil (Copacabana,
mulher, faixa C, ensino superior).
148. não... porque a gente... como eu vou te dizer... a gente se diverte muito em casa.
(Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental).
149. já tentaram me assaltar lá. (Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino superior).
Com exceção de partícula negativa e pronome relativo que, os dados com os outros
contextos não continham pronome se indeterminador/apassivador, condição que tem se
revelado sine qua non para a variante pré-CV.
Do total de 17% de dados no corpus com partícula negativa, somente em 2% o
pronome ocorreu na posição pré-CV. Nos demais casos, não houve coincidência entre a
norma de uso (objetiva) e a norma idealizada na tradição gramatical (subjetiva). Do total
de 8% com pronome relativo que, em 0,4% (um dado), o pronome ocorreu na posição pré-
148
CV. Na maior parte das vezes, então, esses elementos não demonstraram a suposta atração
do clítico. Apenas quando o clítico era do tipo se indeterminador/apassivador foi possível
verificar o efeito proclisador de tais elementos. Sendo assim, esses termos por si só não
exercem força de atração, mas precisam estar combinados a outros elementos, como o tipo
de clítico (se indeterminador/apassivador)39. Com isso, observa-se também que, no que
toca à variável ‘contexto morfossintático antecedente’, a variante intra-CV prevaleceu em
todas as possibilidades de realização.
(i) ‘Distância entre Cl V1 V2, V1 Cl V2 ou V1 V2-Cl e o elemento antecedente’
No que se refere à distância entre o elemento anterior e o clítico, verificou-se, que,
na presença de um termo antecedente que pudesse atrair o pronome (80% (180/224) dos
dados), esse termo se localizava na posição imediatamente anterior ao grupo Cl V1 V2, V1
Cl V2 ou V1 V2-Cl. Foi diante de um termo tão próximo que ocorreram os cinco dados de
pré-CV.
(j) ‘Forma e tonicidade de V1’
Dois aspectos que faltam ser abordados dizem respeito à forma e à tonicidade de
V1 e V2. No que se refere à ‘forma de V1’, a variante intra-CV revelou-se a variante mais
produtiva em todos os contextos de que se obteve algum registro. O verbo auxiliar só não
apareceu flexionado no pretérito mais que perfeito do indicativo, no futuro do presente do
indicativo e no imperativo.
O presente do indicativo correspondeu à forma mais produtiva (72%) e a forma
verbal flexionada em relação à qual mais se observou variação, com a qual se registraram
os cinco dados com pré-CV e um com pós-CV. Ocorreu também a ordem pós-CV quando
V1 estava flexionado nos tempos pretérito perfeito e imperfeito do modo indicativo, com
três e duas ocorrências, respectivamente.
Esperava-se que o modo subjuntivo favorecesse a variante pré-CV. No corpus,
apenas 2% dos dados apresentaram verbo auxiliar com essa forma; em todos eles, o
pronome ocupou a posição intra-CV, conforme se observa a seguir.
39
Na realidade, supõe-se que a subida do clítico em determinadas construções cause bastante estranheza a
falantes brasileiros ou até nem seja mais interpretável. Embora não faça parte do escopo desta pesquisa, é de
fundamental importância investigar, com metodologia específica para tratar de atitudes linguísticas, como o
falante avaliaria estruturas como “você não se pode pentear hoje”, de modo a identificar que estruturas
seriam reconhecidas como variáveis ou não. Ao que parece, o reconhecimento e/ou a interpretação dessas
estruturas são importantes elementos para a caracterização do Português do Brasil e do Português Europeu.
149
150. vou dizer para você... que minha mãe e meu pai tenha me influenciado não
porque: eu não experimentei dentro de casa (Nova Iguaçu, mulher, faixa, B, ensino
fundamental).
151. nada que assim que assuste todo mundo que... que o pessoal queira se mudar que
tá violento tá roubando não tem nada disso. (Copacabana, homem, faixa etária B,
ensino médio).
152. provavelmente se eu tivesse me tornado professora... tendo feito pedagogia eu
teria levado grandes reprovações mas eu me tornei professora pelo mérito técnico
(Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino superior).
153. se vier eh me violentar vai me matar vou mandar me matar porque eu também
não quero ficar viva. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária A, ensino médio).
154. numa entrevista de emprego se você não souber se expressar bem você não fica
naquele emprego (Nova Iguaçu, mulher, faixa A, ensino médio).
Nos cinco dados, além do verbo auxiliar no modo subjuntivo, há ao menos um
elemento prescrito como atrator em gramáticas. Em 151 e 154, especificamente, há o
pronome relativo que e o advérbio não, elementos presentes em dados com a variante préCV. Mesmo assim, os pronomes ocorreram na posição intra-CV.
Em 152, vê-se um enunciado produzido por falante com ensino superior. Essa
característica associada à presença da conjunção subordinativa se e à forma subjuntiva de
V1 não provocou a anteposição do pronome me ao complexo verbal.
Os poucos dados com V1 no modo subjuntivo não sustentam a hipótese de que essa
forma verbal seja verdadeira; mesmo com a presença dessa forma e de outro potencial fator
favorecedor da ordem pré-CV, o pronome não foi alçado. Ao menos, pode-se dizer que o
modo subjuntivo não é decisivo na produção da ordem pré-CV.
Quanto à tonicidade de V1, a maioria das formas verbais registradas era oxítona
(69%), mas também se encontrou a forma paroxítona (31%). Foi neste grupo que se
observou maior produtividade de variantes pré-CV (quatro ocorrências) e pós-CV (quatro
ocorrências). Quando a forma de V1 era oxítona, foram produzidas as posições pré-CV
(uma vez) e pós-CV (duas vezes). Não houve qualquer registro de V1 com tonicidade
proparoxítona no corpus.
O pronome se indeterminador/apassivador, quando não ocupou a posição pré-CV,
sucedeu V1, na maioria das vezes, na forma de monossílabo tônico (tá se perdendo); em
apenas um caso, sucedeu V1 com tonicidade paroxítona (continua se roubando).
Em posição intra-CV, a depender da direção ligação fonológica do pronome
(próclise ou ênclise), ele pode ter colaborado para a formação de uma estrutura com
150
tonicidade paroxítona ou evitado a formação de uma estrutura com tonicidade
proparoxítona, pouco usual na língua. Uma vez que o pronome se liga em ênclise
fonológica, como se supõe que aconteça com se indeterminador/apassivador, se o acento
de V1 recai sobre a última sílaba, constrói-se uma unidade (grupo clítico) com tonicidade
paroxítona.
Sobre os pronomes me, te e se reflexivo/inerente – registrados no corpus apenas em
posição intra-CV –, supõe-se que se ligam em próclise fonológica. Assim sendo, ainda que
V1 possua tonicidade paroxítona, não se teria sido provocada a formação de uma estrutura
com tonicidade proparoxítona.
A investigação fonético-fonológica, apresentada na seção 6.2, complementa a
investigação dos aspectos fonéticos ora descritos no estudo da colocação pronominal, visto
o pressuposto de que a ligação fonológica pode interferir na posição sintática dos
pronomes átonos.
(k) ‘Forma e tonicidade de V2’
Quanto à forma e à tonicidade de V2, ambas estão imbricadas. O alto índice de
infinitivo (68%) acarretou alto índice de tonicidade oxítona (68%). Da mesma forma, as
frequências de gerúndio (29%) e particípio (3%), em conjunto, correspondem à frequência
de paroxítona (32%), porque essas duas formas verbais possuem necessariamente esta
tonicidade.
Tendo a variação posicional ocorrido apenas em relação a complexos verbais cujo
V2 se encontrava no infinitivo – como se demonstrou na descrição dos dados das variantes
pré e pós-CV –, o mesmo aconteceu quando V2 possuía tonicidade oxítona. Assim sendo,
desconsiderando os complexos com V2 no gerúndio ou no particípio, cuja realização do
pronome foi categoricamente na posição intra-CV, a proporção de ordem intra-CV com
infinitivos foi 94% (164/175); de pré-CV, 3% (5/175); de pós-CV, 3% (6/175). Nos casos
com V2 no gerúndio ou particípio, em que a tonicidade de V2 era paroxítona, não houve
posposição de pronome, o que evitou construção de estrutura com tonicidade
proparoxítona. Os acusativos de terceira pessoa, sempre pospostos a V2 no infinitivo no
corpus, sendo naturalmente enclíticos, formaram uma estrutura com tonicidade paroxítona.
O estudo da colocação pronominal a partir da tonicidade de V1 e de V2 está
relacionado à análise fonético-fonológica; pois, para compreender como está a organização
do acento, é preciso saber a quem o pronome está ligado em termos fonético-fonológicos.
151
(l) ‘Número de verbos auxiliares’
Por fim, falta avaliar o fenômeno em função da variável ‘número de verbos
auxiliares’. Até esse momento, foi explorado o total de 258 dados; todos com complexo
verbal formado por dois verbos. A seguir, serão apresentados os complexos formados por
mais de duas formas verbais: total de doze ocorrências apenas. De imediato, nota-se a
diferença de produtividade; o primeiro grupo passa de duzentos dados, enquanto o segundo
não atinge vinte.
A respeito do grupo de dados com mais de uma forma verbal auxiliar, foram todos
compostos que apresentaram apenas duas unidades, além do verbo temático. Os
enunciados foram os seguintes:
155. ainda tou morando aqui ainda... porque eu já podia ter se mudado daqui
(Copacabana, homem, faixa C, ensino fundamental).
156. vou ter que me desfazer (Copacabana, homem, faixa C, ensino fundamental).
157. não dá razão pra ninguém... porque ele não quer se estressar... porque ele é
hipertenso então ele não quer ficar se estressando (Copacabana, mulher, faixa A,
ensino superior).
158. e aí em função da trajetória de cada um posso ter me dado melhor ou pior do que
meu pai (Copacabana, mulher, faixa B, ensino superior).
159. poderia ter me dado muito bem ou não (Copacabana, mulher, faixa C, ensino
superior).
160. eles estavam tentando me jogar dentro do carro (Nova Iguaçu, homem, faixa B,
ensino fundamental).
161. e nós podemos começar a nos preparar de forma errada (Nova Iguaçu, homem,
faixa B, ensino fundamental).
162. nossos filhos podem começar a se preparar de forma errada (Nova Iguaçu,
homem, faixa B, ensino fundamental).
163. o cara vinha querendo me pegar (Nova Iguaçu, homem, faixa B, ensino
fundamental).
164. você vai ficar se matando? (Nova Iguaçu, mulher, faixa B, ensino fundamental).
165. po meus filho vai ter que se formar... vai ter que se formar (Nova Iguaçu, homem,
faixa C, ensino médio).
166. tem que tentar se corrigir até ser melhor para você mesmo né (Nova Iguaçu,
mulher, faixa A, ensino médio).
Independentemente da combinação de verbos auxiliares, é notória a presença do
clítico na posição intra-CV e imediatamente à esquerda de V2, fato que se repetiu nos doze
enunciados. Portanto, no que toca a esses complexos verbais, não houve variação quanto à
152
ordem dos clíticos pronominais, e reafirmou-se a tendência geral relativa à variedade
brasileira.
No que se refere à escolaridade, os dados foram produzidos por informantes dos
três níveis de escolaridade controlados; apenas três dos doze dados ocorreram na fala de
indivíduos com ensino superior. Desse modo, não se pode vincular o comportamento das
ocorrências ao nível de escolaridade, como se fez no caso dos demais complexos
coletados.
Quanto à presença de material interveniente, a maioria não possui qualquer
elemento entre as formas verbais (58%); mesmo quando o dado apresenta algum elemento,
como que (exs. 159, 165, 166) ou a (161, 162), o pronome se localiza igualmente ao lado
do verbo temático.
Não ocorreu pronome dos tipos se indeterminador/apassivador e acusativos de
terceira pessoa, clíticos que apareceram nas posições pré e pós-CV no corpus analisado. Os
verbos ir e poder – auxiliares (além do dever) envolvidos na realização da variante pré-CV
quando o complexo era formado por duas formas verbais – ocorreram como primeira das
formas auxiliares; logo, a mais distante do pronome. Quanto aos elementos que se
mostraram favorecedores da anteposição do clítico ao complexo (partícula negativa e
pronome relativo que), houve apenas um registro de não antes do complexo verbal.
Na maioria das vezes, o primeiro verbo auxiliar esteve flexionado no presente do
indicativo (67%), com tonicidade oxítona (42%) ou paroxítona (58%). Sobre a forma dos
outros verbos, o segundo auxiliar e o temático encontravam-se majoritariamente no
infinitivo, com 83% e 58% de produtividade respectivamente; portanto, com tonicidade
oxítona.
Dessa forma, nessa amostra, não foram registrados contextos que inicialmente
pareceram colaborar para a realização das variantes pré e pós-CV. Os dois únicos tipos de
pronomes que, em enunciado com locução verbal, não ocorreram na posição intra-CV não
ocorreram nessa amostra. Só houve um caso de partícula de negação no contexto
antecedente, e o clítico envolvido era do tipo se reflexivo/inerente, o mais improvável de se
afastar do verbo temático.
Três enunciados foram produzidos por falante com ensino superior; um deles
retratando início absoluto, quando não se espera que o pronome ocupe a posição antes do
complexo verbal.
153
Sobre o tipo de complexo verbal, dois verbos auxiliares envolvidos na anteposição
do pronome (poder e ir) ocorreram nessa amostra com complexo verbal extenso, mas
ocorreram distantes do verbo temático, o que pode ter dificultado o deslocamento do clítico
para antes do primeiro auxiliar.
Fato é que os complexos verbais que contemplam mais de uma forma verbal
auxiliar são escassos no corpus. Eles correspondem à expectativa inicial de que o pronome
se localizaria antes do verbo temático, mas, ao mesmo tempo, não exibem a diversidade de
contextos que permitiria um confronto com o que foi observado na análise dos complexos
com duas formas verbais. Assim sendo, não se pôde observar, na amostra de complexos
com mais de uma forma auxiliar, como funcionaria o fenômeno quando estivessem
presentes características que se mostraram, nos demais dados do corpus, ligadas à
realização das variantes pré e pós-CV.
O que, então, o estudo acerca da colocação pronominal em ambiente com complexo
verbal mostrou? Primeiramente, colaborou-se para o conhecimento da trajetória do
fenômeno. Segundo os estudos históricos, ao longo do tempo, a ordem pré-CV, que era a
mais produtiva, perdeu esse posto para a intra-CV; a ordem pós-CV ainda é realizada, mas
com baixa frequência. Essas características são já, em parte, apresentadas na gramática de
Said Ali 2008 [1908]. Com o aperfeiçoamento de técnicas de estudo variacionista e com a
possibilidade de constituir corpora criteriosamente estratificados, o tema variável passou a
ser investigado calcado na matemática. Com esse rigor, Cyrino (1996 [1993]), Pagotto
(1992) e Nunes (2009), ainda que com base em dados extraídos da modalidade escrita,
mostram um pouco essa trajetória do fenômeno.
Quando foram revistos os estudos sincrônicos, observou-se que o fenômeno, ao
menos até as décadas de 1980 a 1990, se mantinha variável tanto na escrita (de forma
expressiva) quanto na oralidade (de forma menos expressiva: em cerca de 10% das
ocorrências, não se registrava a variante interpretada como proclítica a V2). No presente
trabalho, todavia, considerando os complexos constituídos de duas formas verbais,
constatamos que ele se tornou, em termos quantitativos, semicategórico, sendo a ordem
intra-CV a estrutura preferida, em 96% do total das ocorrências. Especificamente nas
construções com V2 infinitivo, as três posições dos clíticos pronominais continuam sendo
realizadas, mas em construções bastante específicas.
154
O fato de a variante interna ao complexo ser uma forma não-marcada – altamente
frequente em diversos contextos linguísticos e sociais – ficou evidente. Mesmo em
circunstâncias em que se encontraram as ordens pré e pós-CV, como no complexo verbal
cujo auxiliar era poder, também se encontrou a realização da ordem intra-CV.
De fato, as ordens pré e pós-CV ocorrem somente em estruturas bem específicas,
estruturas que, de alguma forma, foram salientadas em Peterson (2010), Rodrigues-Coelho
(2011) e Vieira (2002). O tipo de clítico, por exemplo, mostra-se como aspecto primordial
para o comportamento dos dados. O presente estudo atesta que, mesmo diante de
condições aparentemente favoráveis à variação posicional, se não se tratar de se
indeterminador/apassivador ou o/a(s), a única posição dos clíticos a ocorrer consiste na
intra-CV.
Os clíticos acusativos de terceira pessoa só ocupam a posição pós-CV, seguindo V2
no infinitivo – invariância que enfraquece a concepção do fenômeno como variável
dependente, pois todos os clíticos pronominais não ocupam, na prática, as três posições na
variedade linguística em estudo.
Os resultados permitem postular que o tipo se indeterminador/apassivador assume
um caráter mais gramatical, vinculando-se, por isso, à forma verbal auxiliar. O fato de ele
ter sido, dentre me, te, se reflexivo/inerente, o/a(s) e nos, o único clítico a minimamente
assumir posição distinta da intra-CV, mas em torno de V1, confirma a hipótese. Ele, na
verdade, foi o único tipo de pronome a ocupar outra posição, que não a V1 cl V2, o que
configuraria, ainda que minimamente, um caso de variação da colocação pronominal.
A ordem intra-CV predominou em praticamente todos os contextos controlados; as
exceções envolvem principalmente o tipo de clítico. Quando o clítico era acusativo de
terceira pessoa [o/a(s)], somente ocorreu a ordem pós-CV. Quando era se
indeterminador/apassivador, predominou a ordem pré-CV, com pouca diferença em
relação à intra-CV. Os demais pronomes, como bem se sabe, ocuparam apenas a posição
intra-CV, portanto domínio exclusivo dessa variante.
No que se refere ao contexto específico de realização da forma pré-CV, não só o
tipo de clítico se mostrou importante, mas também a escolaridade do indivíduo (ensino
superior), o tipo de complexo verbal (poder ou dever + infinitivo), o contexto
morfossintático precedente ao complexo verbal (partícula negativa ou pronome relativo
que) e a distância entre Cl V1 V2 e o elemento atrator (distância nula = adjacência, ou seja,
155
elemento imediatamente anterior). Com base na análise realizada, essas características
reunidas revelaram-se condições importantes para que fosse realizada a ordem pré-CV.
Contudo, observaram-se dados em que duas ou mais características estavam
reunidas, mas o pronome não era do tipo se indeterminador/apassivador; nesses casos, a
ordem realizada foi intra-CV (não deve me dizer, em vez de não me deve dizer; ou você
não deve se pentear, em vez de você não se deve pentear). Da mesma forma, enunciados
com se indeterminador/apassivador, mas sem partícula negativa ou pronome relativo que
no contexto morfossintático antecedente, ainda que na fala de indivíduo com ensino
superior, efetivaram a ordem intra-CV (vai se descobrir em vez de se vai descobrir). Em
virtude disso, acredita-se que, no que toca à variante pré-CV, a co-atuação de fatores está
evidente. Pode-se dizer, ainda, que determinada combinação de fatores destaca-se,
demonstrando ser fundamental: partícula negativa e/ou pronome relativo que e pronome se
indeterminador/apassivador. Em outras palavras, ainda soa brasileiro dizer – quando o
indivíduo utiliza essa estratégia de indeterminação – não se deve aprender ou nunca se vai
saber, mas não soa naturalmente brasileiro dizer simplesmente se pode aprender ou se vai
saber.
Por fim, os dados com complexos verbais contendo mais de um verbo auxiliar
foram escassos, mas ratificaram o que fora observado sobre o fenômeno quando a análise
era acerca de complexos formados por um único verbo auxiliar e um verbo temático. Os
pronomes, de modo geral, exibem uma propensão a localizar-se em torno do verbo
temático. O pronome se indeterminador/apassivador, que inicialmente apresentou um
comportamento singular, bem como o/a(s), não ocorreu nos dados com complexo verbal
desse tipo, não demostrando se manteriam o comportamento atestado nos complexos com
apenas duas formas verbais, em que eles não ficaram antes de V2 como os demais.
Diante de uma descrição minuciosa, em termos quantitativos, considerando os
resultados gerais de Vieira (2002) e da presente pesquisa, acredita-se na passagem de um
estágio variável para semicategórico do fenômeno. Entretanto, em termos qualitativos, os
mesmos condicionamentos que se mostraram importantes para a realização das variantes
em Vieira (2002) parecem ter atuado sobre os dados da presente pesquisa, de modo que se
questiona se, já nas décadas de 1980 e 1990, o fenômeno já não configuraria uma regra
semicategórica. Neste caso, o índice menor das variantes pré e pós-CV no corpus
contemporâneo poderia ser de certa forma ocasional.
156
Por ora, verificou-se que não existem três/quatro posições efetivamente variáveis.
Apenas o se indeterminador/apassivador guardaria um vestígio de variação, mas oscilaria
somente entre as posições pré e intra-CV, basicamente na fala de pessoas escolarizadas e
nas condições sintetizadas anteriormente.
Os pronomes, de modo geral, são proclíticos a V2; porém, o/a(s) na posição pósCV assume um caráter enclítico, em decorrência de um padrão antigo de cliticização
aprendido via letramento. O clítico se indeterminador/apassivador, aprendido pelo mesmo
processo, quando aparece na posição intra-CV, parece também se ligar, em ênclise, a V1,
hipótese que foi investigada na análise fonético-fonológica, a ser apresentada na seção
seguinte.
6.2. Análise fonético-fonológica
Na análise variacionista, verificou-se, em síntese, que, em ambiente com complexo
verbal formado por dois verbos, a colocação preferencial dos pronomes átonos na região
metropolitana do Rio de Janeiro, com exceção de se indeterminador/apassivador e dos
acusativos de terceira pessoa, corresponde à posição entre o verbo auxiliar e o verbo
temático. O pronome se utilizado como estratégia de indeterminação ocorre também na
posição pré-complexo verbal. Em função disso, acredita-se que este pronome esteja ligado
sintaticamente ao verbo auxiliar, ao contrário dos demais clíticos, o que não pôde ser
confirmado na posição intra-CV, tendo em vista não haver dados de elementos
intervenientes para revelar a provável posição anterior a eles, como em pode-se até
precisar disso.
Diante dessa configuração sintática, traz-se a seguinte questão para a análise
fonético-fonológica: a ligação sintática do pronome se indeterminador/apassivador a V1
poderia ser confirmada em termos de ligação de caráter fonético-fonológico diferenciada,
se comparada à assumida pelos outros pronomes átonos? Em outras palavras, formaria o
clítico, em um enunciado como pode-se precisar disso, uma unidade fonético-fonológica
com a primeira forma verbal (pode-se) e não com a segunda (se precisar)? Essa questão é
abordada especificamente nos experimentos 2 e 3 (que serão descritos nas seções 6.2.2 e
6.2.3, adiante).
Antes disso, os resultados do experimento 1 permitem traçar as características
fonéticas, sobretudo prosódicas, intrínsecas aos pronomes átonos fluminenses, antes e
157
depois de uma só forma verbal, quando não há dúvidas acerca de sua ligação sintática,
proclítica e enclítica, respectivamente. Esse objetivo foi alcançado contrapondo-se os
aspectos segmentais e suprassegmentais (duração, intensidade média, F1 e F2) da vogal de
pronomes átonos àqueles da vogal de sílabas pretônicas e postônicas vocabulares/lexicais,
o que permite averiguar, ainda, se há coincidência entre a ligação sintática e a fonológica.
Em caso afirmativo, postula-se que o clítico antes do verbo se assemelha a uma sílaba
pretônica, enquanto o clítico depois do verbo assume comportamento aproximado ao de
uma sílaba postônica.
No âmbito desse primeiro experimento, será descrita brevemente a forma segmental
das vogais mensuradas, visto que, em alguns casos, pode ocorrer variação, como em
mexido e menina, em que a vogal pretônica podia ser realizada como média ou alta. Na
sequência, os resultados serão apresentados e comentados de acordo com cada parâmetro
acústico. Em outras palavras, serão abordados duração, intensidade, F1 e F2, nessa ordem.
Ao explorar cada parâmetro, as informações estão organizadas de modo a confrontar a
vogal do pronome me e a vogal das sílabas vocabulares/lexicais a que foi comparada;
depois,
o
mesmo
foi
feito
com
as
formas
te
e
se
(reflexivo/inerente
e
indeterminador/apassivador).
Explorado o experimento 1, a análise fonético-fonológica prossegue com a
apresentação e a interpretação dos resultados do experimento 2. Quando o pronome se se
encontra entre dois verbos em locução, há diferença fonético-fonológica entre as categorias
reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador? Os resultados que permitirão tratar dessa
questão serão apresentados respeitando-se cada grupo discriminado na figura 8 (página
114), ou seja, cada conjunto de sentenças com complexos verbais parecidos; por exemplo,
pode citar, pode sedar, pode se dar (se reflexivo/inerente) e pode se dar (se
indeterminador/apassivador).
Nos experimentos 1 e 2, foram calculados a média e o desvio padrão dos três
valores relativos à fala de um mesmo indivíduo, visto que cada informante realizou a vogal
de cada enunciado três vezes. Ao longo da análise, serão ilustrados os valores segundo a
fala de cada um dos informantes e segundo a fala dos três informantes em conjunto40. Os
resultados na íntegra estão expostos em anexo.
40
Para calcular a média geral – aquela que considera a fala dos três informantes –, não foi utilizada a média
referente à fala de cada indivíduo; foram utilizadas as medidas que geraram a média de cada informante.
158
No experimento 3, foi investigado como os ouvintes percebem a direção da ligação
do clítico no interior de complexo verbal em enunciados modificados pela ressíntese,
sendo mostrada a proporção de votos para ligação à direita ou à esquerda que cada
enunciado recebeu. As versões originais, também ouvidas pelos juízes, serviram apenas
como meio de verificar a coerência dos julgamentos e firmar qual era a interpretação do
clítico quando não havia dúvida acerca da direção da ligação fonológica, ou seja, quando a
sentença apresentava ligeira pausa entre o verbo pode e o clítico se em pode se dirigir.
Primeiramente, será analisada a percepção das pessoas quanto à ligação do pronome átono
(se se liga ao verbo anterior ou posterior a ele); em seguida, será abordada a relação entre a
cliticização fonológica e o tipo de pronome.
Segue, portanto, a análise dos resultados dos experimentos 1, 2 e 3.
6.2.1. Experimento 1: características acústicas de proclíticos e enclíticos
Em termos segmentais, de modo geral, os fonemas vocálicos foram realizados
conforme a expectativa inicial, o que significa dizer que a vogal dos pronomes e a das
sílabas postônicas foram realizadas como alta. Quando se tratava de arquifonema medial, a
regra de alteamento não se aplicou em apenas um caso. Nessa situação, no que se refere às
sílabas /mE/, o informante 2 realizou [me] em vez de [mi]. Na fala desse mesmo
informante, um pronome me foi realizado como [me]. Essas duas ocorrências de vogal, por
não serem representativas das categorias a que pertencem, não foram consideradas.
Outro fato notável foi o apagamento do segmento vocálico quando a sílaba
(“clítica” ou vocabular/lexical) era iniciada por [t] ou [s], especialmente quando se tratava
de clítico te pós-verbal e sílaba te postônica vocabular/lexical. Com clítico te antes do
verbo (te cava), isso aconteceu apenas uma vez na fala do informante 1; mas com o mesmo
depois do verbo (domei-te e tomei-te), aconteceu três vezes na fala do informante 2 e seis
vezes na fala do informante 3 (o que corresponde a um índice categórico). Em se tratando
de te como sílaba postônica vocabular/lexical (tomate e tapete), a vogal esteve ausente uma
vez na fala do informante 2 e duas vezes na fala do informante 3.
Com [si]/[s], clítico ou sílaba vocabular/lexical, o apagamento da vogal não foi
tão frequente. Com clítico se indeterminador/apassivador antes do verbo (se trata),
aconteceu uma vez na fala do informante 2. Com clítico se reflexivo/inerente depois do
159
verbo (cortou-se e furou-se), a vogal foi omitida duas vezes na fala do informante 3; com
se indeterminador/apassivador depois do verbo (pediu-se), uma vez. Em se tratando de ce
como sílaba vocabular/lexical postônica (chatice), a vogal esteve ausente apenas uma vez
na fala do informante 3.
No total, foram registrados dezoito apagamentos vocálicos: treze em realizações de
[t] e cinco de [s]. Das treze, nove correspondiam ao clítico te posposto ao verbo e três, à
sílaba postônica vocabular/lexical /tI/. Ademais, das cinco realizações de [s], três
correspondiam ao clítico se posposto ao verbo e uma, à sílaba postônica /sI/. Nenhum
apagamento ocorreu em sílaba pretônica.
Com isso, observa-se que o apagamento não envolveu sílaba com consoante
oclusiva bilabial no ataque (m), mas ocorreu com consoante africada alveopalatal (t) e
fricativa alveolar (s). Além disso, em virtude de não ter ocorrido em sílabas pretônicas,
inferiu-se que, quanto mais frágil o clítico/sílaba, maior seria a propensão ao apagamento
da vogal.
Amaral (2009) mostra que as consoantes africadas alveolares – [t] e [d] –
ocorrem se e somente se o núcleo silábico corresponder a uma vogal alta anterior. A nãorealização dessa vogal ocorre sobretudo se a sílaba for travada por /S/, como em den[ts]
(AMARAL, 2009: 96). Dessa forma, a vogal /i/ é determinante para a realização africada
de /t/ e /d/, e uma sibilante alveolar na posição de coda pode acentuar a chance de a vogal
não ser pronunciada. Esse fonema vocálico, no entanto, seria realizado através de [t] e
[d], como um tipo de fusão entre a consoante no ataque silábico e a vogal.
Nos casos em que não foi possível delimitar o segmento vocálico, quando se tratava
de duração, considerou-se, para o cálculo das médias e desvio padrão, que a vogal
apresentava 0 ms. No que toca aos outros parâmetros acústicos, não foi possível mensurar
a intensidade, F1 e F2; nesses casos, as vogais não realizadas foram desconsideradas no
cálculo de média e desvio padrão. Todavia, todos esses resultados foram de inegável
importância para mostrar que a fragilidade fonética do clítico/sílaba foi tanta que resultou
no apagamento da vogal.
Feita uma breve descrição do corpus (mostrando os segmentos que foram
realizados e aqueles que foram apagados), dá-se início à análise do experimento 1
160
propriamente dita, aquela em que se observarão duração, intensidade média, F1 e F2 das
vogais que compõem o corpus.
(i)
Duração:
O parâmetro da duração não apresentou um comportamento regular entre os três
grupos de dados – referentes a me, te e se – que serviram de base para a análise dos
clíticos. As diferenças significativas – aquelas apontadas pelo nível de significância
estatística – foram basicamente entre vogal média e alta, ou seja, são decorrentes da
duração intrínseca aos segmentos vocálicos, o que vai ao encontro da proposta de Moraes
(in Scarpa, 1999: 69-84). Essa discriminação esteve mais nítida nos resultados da amostra
relativa ao clítico me e às sílabas a que esse pronome poderia corresponder. A vogal alta
que acompanha /t/ e /s/ mostrou-se tão imbricada em relação à consoante que isso deve ter
influenciado não só no seu apagamento, mas também na duração da vogal quando
realizada.
Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /mE/, cuja vogal pode ser
realizada como média (m[e]disse, m[e]gera) ou alta (m[i]xido, m[i]nina), /mi/ (m[i]cose,
m[i]tose) e /mI/ (salam[], perfum[]), os resultados foram os seguintes:
Tabela 4: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal das sílabas pretônicas [me], [mi]
derivada, [mi] e da postônica [m]
Pretônica /mE/
Pretônica /mi/
Postônica /mI/
medisse
mexido
micose
salame
megera
menina
mitose
perfume
[]
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
média D.P. média D.P. média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
102
13
65
07
61
09
66
10
Informante 2
87
16
66
10
64
08
54
17
Informante 3
93
08
47
08
43
07
46
07
Informantes em conjunto
94
14
58
12
56
12
55
15
Observando a realização de cada informante, as médias de cada tipo de vogal são
próximas, especialmente entre os informantes 2 e 3. As vogais produzidas pelo informante
2, com exceção de [e], são mais reduzidas.
Considerando a fala de todos os informantes, no que diz respeito a cada categoria
de vogal – pretônica média, pretônica alta derivada (vogal alteada), pretônica alta
161
subjacente e postônica alta –, a vogal média é bem mais longa que as demais. Por outro
lado, a pretônica [i] alteada durou mais que a [i] subjacente, que, por sua vez, é mais
extensa que a vogal [i] postônica; entretanto, essas diferenças não atingem em média 2 ms,
o que sugere irrelevância.
Conforme se verifica na tabela a seguir, os resultados dos cálculos estatísticos
referentes ao grau de significância entre os segmentos vocálicos confirmam a semelhança
entre as realizações de vogais altas entre si em oposição às da vogal média, e a distinção
entre os dois grupos (pretônicas e postônica).
Tabela 5: Significância das diferenças entre a duração da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [],
[] derivada, [] e []
Vogais comparadas
Significância
[e]
x [i] derivada
0,01
[e]
x [i] subjacente
0,01
x
[]
[e]
0,00
[i] derivada
x [i] subjacente
0,73
x
[]
[i] derivada
0,66
x
[]
[i] subjacente
0,94
Pretônicas
x
Postônica
0,00
A diferença entre a vogal média e cada tipo de vogal alta correspondeu a p = 0,00
ou p = 0,01 de significância, enquanto o contraste entre as vogais altas assinalou
significância muito superior a 0,05. Do ponto de vista estatístico, isso significa dizer que,
no que diz respeito à duração, qualquer diferença atestada entre as vogais altas foi
aleatória, ao passo que é seguro afirmar que a pretônica média (m[e]disse, m[e]gera) se
distingue de uma vogal alta, seja esta também pretônica (m[i]xido, m[i]nina, m[i]cose,
m[i]tose) ou postônica (salam[] e perfum[]).
Observando o contexto subsequente à vogal, a consoante seguinte à vogal [e]
analisada é sonora (medisse e megera), o que poderia interferir na duração da vogal (efeito
extrínseco), conforme apontam Silva (2008), Lehiste (1970) e Di Cristo (1975). Ocorre que
a vogal postônica [] também foi seguida de consoante sonora (ele me disse salame de
novo). Assim sendo, com mesmo contexto circunvizinho, manteve-se a diferença que foi
atestada no confronto entre a vogal pretônica média e alta (derivada e subjacente).
Além disso, revelou-se expressivo o contraste entre as pretônicas em conjunto e a
postônica. Em virtude das significâncias obtidas a partir da comparação entre vogais de
cada categoria controlada, acredita-se que a diferença entre as pretônicas e a postônica
162
tenha decorrido, na verdade, da oposição entre a vogal média e as demais, isto é, nem todas
as vogais pretônicas possuem duração diferente da referente à vogal postônica.
Tendo observado a duração da vogal das sílabas vocabulares/lexicais, o olhar foi
dirigido à vogal do clítico me. Cada par com pronome átono foi correlacionado ao par de
palavras cuja forma fonética é parecida. As diferenças não foram significativas, conforme
se verifica na figura seguinte.
Tabela 6: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico me e da vogal das sílabas
[], [] derivada, [] e []
me disse
me gera
me chifra
me nina
me cobre
me toca
calei-me
lembrei-me
[i] do clítico
[i] do clítico
[i] do clítico
[] do clítico
0,36
0,82
0,88
0,24
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
medisse
megera
mexido
menina
micose
mitose
salame
perfume
Todas as significâncias estão acima de 0,05, o que mostra que as vogais dos pares
equiparados se assemelham no que diz respeito à duração. A semelhança é ainda mais
acentuada quando se trata de vogal do clítico e da vogal pretônica alta (derivada e
subjacente). Neste caso, o valor supera 0,80.
Quando se observa simplesmente a vogal do clítico antes ou depois do verbo (cf. tabela 7,
a seguir), a duração é basicamente a mesma, de modo que o pronome, em posições que
repercutiriam tonicidades distintas, não apresentou, nos dados observados, comportamento
diferenciado no que se refere exclusivamente à duração.
163
Tabela 7: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico me [mi/m]41 antes do verbo e
depois do verbo
Vogal do clítico me antes do verbo
Vogal do clítico me depois do verbo
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
75
22
75
13
Informante 2
70
13
62
14
Informante 3
59
16
60
09
Informantes em conjunto
68
18
66
14
p = 0,74
Os valores aproximados, no caso do informante 1, idênticos, são respaldados pela
significância obtida de 0,7442, a qual assegura que a duração não muda significativamente
em função da posição sintática do clítico, possivelmente porque, nos dois casos, a vogal
realizada é alta.
Quando comparada, dessa vez, a vogal do clítico antes do verbo em qualquer dos
contextos à vogal das sílabas vocabulares em conjunto ou separadamente, apenas em duas
situações a diferença foi relevante: clítico pré-verbal versus pretônicas em conjunto e
clítico pré-verbal versus pretônica média.
Tabela 8: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico me antes do verbo e da vogal
das sílabas [], [] derivada, [] e []
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
0,02
0,01
0,33
0,21
0,16
pretônicas
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
medisse
megera
mexido
menina
micose
mitose
salame
perfume
Em tese, o pronome proclítico ao verbo assemelha-se a uma sílaba pretônica,
sobretudo quando a qualidade vocálica é a mesma, e diferencia-se de uma postônica.
41
Embora a hipótese seja a de que pronome átono anteposto ao verbo (hospedeiro sintático) é proclítico, a
priori, ele pode ligar-se em próclise ou ênclise, seja o hospedeiro fonológico um verbo ou não. Assim sendo,
a princípio, a representação fonética da vogal do clítico pode ser [i], como convencionalmente é atribuída à
pretônica, ou [], atribuída à postônica. A ilustração, em tabelas, da vogal [i] do clítico em posição Cl V,
como na tabela 8, vai ao encontro da expectativa de que clítico pré-verbal corresponda à sílaba pretônica.
42
Ao longo da análise, os índices de significância que provieram do confronto entre as médias da vogal do
pronome em diferentes posições (antes e depois do verbo) não serão apresentados através de tabelas,
conforme foi feito com a maioria dos resultados estatísticos.
164
Entretanto, essas tendências não puderam ser efetivamente confirmadas nos resultados
expostos na tabela 8. No que se refere especificamente à duração da vogal do clítico me
antes do verbo, esta mostrou-se significativamente distinta da duração das vogais
pretônicas em conjunto. Acredita-se que essa discrepância ocorreu em função da vogal
média, incluída no grupo das vogais pretônicas, pois, quando a vogal do pronome foi
comparada à vogal alta, pretônica ou postônica, a duração foi semelhante, mas, quando foi
comparada somente à vogal pretônica média, a significância foi 0,01.
Dessa forma, a observação da duração isoladamente não permite distinguir sílaba
pretônica de sílaba postônica, mas evidencia a diferença de duração relativa às realizações
segmentais, opondo basicamente às realizações médias às altas; com isso, não ajudou a
distinguir pronome proclítico e enclítico. Os resultados confirmam, assim, uma paridade
entre as realizações de vogal alta quanto à duração.
Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /tE/, cuja vogal pode ser
realizada como média (t[e]quila, t[e]clado) ou alta (t[i]soura, t[i]souro), /ti/ (t[i]tio,
t[i]gela) e /tI/, os resultados estão expostos na tabela a seguir.
Tabela 9: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal das sílabas pretônicas [te], [ti]
derivada e [ti] e da postônica [t]
Pretônica /tE/
Pretônica /ti/
Postônica /tI/
tequila
tesoura
titio
tomate
teclado
tesouro
tigela
tapete
[]
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
média D.P. média D.P. média
D.P.
média D.P.
Informante 1
68
15
77
09
79
15
58
12
Informante 2
65
18
66
19
55
09
39
18
Informante 3
56
12
56
12
56
09
24
18
Informantes em conjunto
63
16
66
16
64
16
41
21
Observando a fala de cada um dos informantes ou dos três em conjunto, a vogal
postônica foi sempre mais reduzida que as pretônicas, assim como aconteceu com /mE/,
/mi/ e /mI/ na fala dos informantes 2 e 3 (cf. tabela 4). Nesse caso, a brevidade de [],
visualizada na tabela 7, é acentuada pelas ocorrências de apagamento do segmento
vocálico (1/6 na fala do informante 2 e 2/6 na fala do informante 2)43, considerado, aqui,
como o estágio máximo de redução.
43
Cada informante realizou três vezes cada enunciado. Considerando que, para cada categoria, há dois
enunciados, cada indivíduo, a princípio, produziu, no total, seis vezes um mesmo tipo de vogal.
165
A redução de [] em [t] (tomate, tapete) é bem mais expressiva que em [m]
(salame, perfume). Nesta sílaba, a duração média da vogal produzida pelos três
informantes foi 55 ms (cf. tabela 4), enquanto em [t] foi 41 ms. Comparando essa vogal
com a pretônica alta subjacente, a segunda mais reduzida nas duas amostras, a diferença
era de apenas 2% no caso de [mi] e [m]; mas, na amostra com [ti] e [t], é de 36% na
média.
Outro aspecto notável diz respeito à vogal [i] de [ti] (tesoura, tesouro), a mais
duradoura, como se mostrou [e] na amostra com [me] (medisse, megera), ambas seguidas
de consoante sonora. De acordo com o cálculo estatístico, ela é significativamente distinta
da vogal mais reduzida [], conforme se verifica na tabela 10.
Tabela 10: Significância das diferenças entre a duração da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [t],
[t] derivada, [t] e [t]
Vogais comparadas
Significância
[e]
x [i] derivada
0,66
[e]
x [i] subjacente
0,77
x []
[e]
0,13
[i] derivada
x [i] subjacente
0,77
x []
[i] derivada
0,00
x []
[i] subjacente
0,14
Pretônicas
x
Postônica
0,12
Esses valores não mostram diferença entre segmentos vocálicos em função da sua
duração intrínseca, como se verificou nos resultados relativos às sílabas /mE/, /mi/ e /mI/
(cf. tabela 5), pois toda vez em que a vogal média foi comparada a uma vogal alta, a
significância foi superior a 0,0544. Em contrapartida, duas categorias de vogal alta
mostraram-se estatisticamente diferentes, com p = 0,00: pretônica [i] derivada (tesoura,
tesouro) e postônica [] (tomate, tapete). Como nem toda pretônica alta se mostrou
realmente diferente da postônica, acredita-se que apenas [i] derivada se distinguiu de []
em função de um efeito extrínseco: consoante sonora no contexto seguinte. A consoante
44
A análise, como já se informou, baseia-se no limite arbitrário de 0,05 para atestar a relevância estatística
do resultado. Não obstante o rigor utilizado no estabelecimento desse limite, é digno de nota que, nas
oposições que contrastam vogais pretônicas à postônica, p seja bastante baixo (por volta de 0,10), se
comparado a p referente às demais oposições.
166
sonora no contexto seguinte parece potencializar a duração da vogal precedente. A
categoria [i] derivada, diferentemente da [i] subjacente, contemplou as duas palavras
contendo a vogal analisada seguida de consoante. A vogal postônica, por outro lado, apesar
de também ser seguida por consoante sonora (ele me disse tomate de novo), não foi
suficiente para neutralizar a diferença entre [i] derivada e [].
Quando se comparou cada par de verbos acompanhado de pronome te e as palavras
possivelmente correspondentes, obtiveram-se os índices estatísticos apresentados na tabela
seguinte.
Tabela 11: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico te e da vogal das sílabas [t],
[t] derivada, [t] e [t]
te quica
te cava
te zomba
te zoa
te tiro
te gela
tomei-te
domei-te
[i] do clítico
[i] do clítico
[i] do clítico
[] do clítico
0,01
0,87
0,61
0,69
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
tequila
teclado
tesoura
tesouro
titio
tigela
tomate
tapete
Apenas a oposição entre os enunciados de um dos pares não se mostrou
equivalente. Com p = 0,01, verifica-se que a diferença entre a vogal alta do clítico te e a
pretônica média não ocorreu ao acaso.
Agrupando os enunciados em pronome antes e pronome depois do verbo, temos os
seguintes resultados:
Tabela 12: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico te [ti/t] antes do verbo e
depois do verbo
Vogal do clítico te antes do verbo
Vogal do clítico te depois do verbo
Média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
59
25
72
18
Informante 2
54
22
18
20
Informante 3
51
13
0
0
Informantes em conjunto
54
21
30
34
p = 0,37
Com exceção das médias relativas ao informante 1, todos os outros valores
demonstram que a vogal do clítico antes do verbo é bem mais longa que a do clítico
posposto. Considerando a fala dos três indivíduos em conjunto, a diferença entre a duração
167
média da vogal em um contexto e outro foi de 45%, valor próximo dos 36% (cf. tabela 9),
registrados entre a média da postônica [] e a pretônica mais reduzida ([i] subjacente).
De acordo com o cálculo estatístico, apesar da referida diferença de milissegundos,
mostrou-se indiferente o fato de o pronome estar antes ou depois do verbo, pois a
significância obtida foi 0,37. Contudo, entende-se ser inegável a importância do fato de
que, desses dois ambientes, somente com clítico posposto tenha ocorrido apagamento de
vogal, assim como em sílaba postônica vocabular/lexical. De dezoito chances de
pronunciar a vogal na situação de V-Cl, em nove, a vogal foi omitida. A presença de
apagamento exclusivamente em sílabas postônicas, vocabulares ou clíticas, revela, sem
dúvida, a fragilidade fonética desse contexto, em comparação ao de sílabas pretônicas.
É preciso salientar, ainda, que o comportamento da duração poderá ser mais bem
aferido na interação com o parâmetro da intensidade. A atuação dos dois parâmetros
simultaneamente pôde ser investigada mediante a ressíntese de fala e os testes de
percepção auditiva, que serão explorados na descrição do terceiro experimento, na
subseção 6.2.3.
Por ora, a vogal do pronome te antes do verbo em todos os contextos controlados
foi comparada às três possibilidades de realização da vogal pretônica a que poderia
corresponder, em conjunto ou separadamente, obtendo-se os seguintes valores quanto à
possível relevância estatística:
Tabela 13: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico te antes do verbo e da vogal
das sílabas [t], [t] derivada, [t] e [t]
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
0,03
0,13
0,00
0,38
0,28
Pretônicas
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
tequila
teclado
tesoura
tesouro
titio
tigela
tomate
tapete
Das três possibilidades de realização, a vogal do pronome só foi realmente diferente
de [i] derivada, o que se refletiu em p = 0,03 na comparação entre vogal de te e as
pretônicas como um todo. A vogal pretônica média, anteriormente apresentada como
168
significativamente distinta da vogal do clítico anteposto, quando confrontadas estruturas
com contexto foneticamente parecido (cf. tabela 11), não mostrou diferença relevante
quando foi comparada a todas as realizações da vogal do clítico anteposto (p = 0,13).
Dessa forma, infere-se que a duração intrínseca às vogais pretônicas não foi determinante
para distingui-las da vogal do clítico, que, na realidade, só divergiu de [i] derivada,
possivelmente em virtude de ela ser seguida pela consoante sonora [z].
Em suma, observou-se que (i) a duração da vogal pretônica [i] derivada é diferente
da postônica []; (ii) a duração da vogal do pronome te não muda significativamente em
função da variação posicional; e (iii) quando anteposto o pronome, sua vogal é diferente de
[i] derivada.
Contudo, não se pode desconsiderar a regularidade dos apagamentos, que só
ocorreram em sílaba postônica vocabular ou em clítico te depois do verbo. A incidência de
apagamento, que, em termos de duração, corresponde a 0 ms, já comprova uma
semelhança entre sílaba postônica e clítico posposto em oposição à sílaba pretônica e
pronome anteposto.
Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /sE/, cuja vogal pode ser
realizada como média (s[e]cura, s[e]tenta) ou alta (s[i]guido, s[i]guro), /si/ (c[i]garro,
c[i]garra) e /sI/ (chatic[], alfac[]), os resultados foram os seguintes:
Tabela 14: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal das sílabas pretônicas [se], [si]
derivada e [si] e da postônica [s]
Pretônica /sE/
Pretônica /si/
Postônica /sI/
secura
seguido
cigarro
chatice
setenta
seguro
cigarra
alface
[]
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
média D.P. média D.P. média
D.P.
média D.P.
Informante 1
82
10
71
17
74
11
62
12
Informante 2
70
13
59
12
67
17
53
10
Informante 3
48
05
42
12
57
12
37
17
Informantes em conjunto
67
17
57
18
59
19
51
17
A pretônica medial [e] (secura, setenta), na fala dos informantes 1 e 2, foi a vogal
mais longa, mesmo sendo seguida por consoante surda, diferentemente das demais, que são
seguidas por consoante sonora. Na fala do informante 3, a vogal mais longa foi a pretônica
[i] subjacente (cigarro, cigarra), segunda mais longa na fala dos demais indivíduos.
169
Novamente, a categoria mais reduzida foi a postônica [] (chatice, alface) na fala
dos três informantes. O apagamento vocálico ocorreu em apenas uma realização de chatice
na fala do informante 3.
Considerando as médias da duração das vogais produzidas pelos informantes em
conjunto, a escalaridade, da vogal mais longa à mais breve, pode ser assim representada:
pretônica [e] > pretônica [i] subjacente > pretônica [i] derivada > postônica []. A
princípio, nota-se que as pretônicas, de modo geral, são mais longas que a postônica, mas a
diferença parecia estar relacionada aos segmentos realizados (médio e altos),
principalmente entre [e] e []. As categorias de vogal alta apresentaram a duração no
intervalo de 50 a 60 ms, enquanto a da vogal média correspondeu, em média, a 67 ms.
Em termos de relevância estatística, os resultados revelaram o seguinte:
Tabela 15: Significância das diferenças entre a duração da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [s],
[s] derivada, [s] e [s]
Vogais comparadas
Significância
[e]
x [i] derivada
0,51
[e]
x [i] subjacente
0,95
x
[]
[e]
0,27
[i] derivada
x [i] subjacente
0,43
x
[]
[i] derivada
0,58
x
[]
[i] subjacente
0,16
Pretônicas
x
Postônica
0,21
Os índices de significância demonstram que nenhuma vogal se mostrou realmente
diferente da outra, tampouco as vogais pretônicas em geral em oposição à postônica.
Quando comparada a vogal [e], cuja duração intrínseca é maior dentre as vogais
analisadas, à vogal [i] subjacente, que, na amostra, apresentou maior duração, a
significância ultrapassou 0,90, sugerindo que, no que se refere à duração das vogais diante
de [s], esses segmentos vocálicos não se comportam claramente como categorias
estanques.
Comparando cada categoria de sílaba átona vocabular/lexical às categorias,
inicialmente estabelecidas, de pronome se reflexivo/inerente, em contextos semelhantes,
obtiveram-se as significâncias expostas na tabela 16.
170
Tabela 16: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se reflexivo/inerente e da
vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s]
se cuida
se trata
se guia
se nina
se gaba
se cala
cortou-se
furou-se
[i] do clítico
[i] do clítico
[i] do clítico
[] do clítico
0,34
0,69
0,32
0,85
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
secura
setenta
seguido
seguro
cigarro
cigarra
chatice
alface
Os índices revelaram que a duração do clítico se reflexivo/inerente antes do verbo
se parece com o da sílaba pretônica vocabular, mesmo quando se contrastou vogal alta com
vogal média. Da mesma forma, quando depois do verbo, ele tem duração semelhante à da
sílaba postônica. Em todos os casos, a significância ficou muito acima de 0,05; logo, os
termos comparados são semelhantes do ponto de vista da duração.
Contrapondo o pronome se indeterminador/apassivador às mesmas sílabas
vocabulares/lexicais, o resultado estatístico obedeceu à mesma tendência:
Tabela 17: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se
indeterminador/apassivador e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s]
se trata
se tenta
se guia
se nina
se nada
se dava
pediu-se
previu-se
[i] do clítico
[i] do clítico
[i] do clítico
[] do clítico
0,20
0,68
0,12
0,96
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
secura
setenta
seguido
seguro
cigarro
cigarra
chatice
alface
Nenhuma diferença significativa foi atestada. Contudo, assim como aconteceu com
se reflexivo/inerente, os maiores valores, refletindo maior semelhança, referiram-se à
comparação entre a vogal do clítico anteposto e a pretônica [i] derivada (0,68/0,69,
respectivamente), e entre a vogal do clítico posposto e a postônica [] (0,85/0,96).
Ao que parece, os pronomes se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador,
no que diz respeito à duração, apresentam o mesmo comportamento em relação às sílabas
vocabulares.
171
Observando a duração estritamente do pronome se reflexivo/inerente, verifica-se
que ele apresenta apenas uma sutil diferença quando muda de posição sintática, assim
como aconteceu com o pronome me e diferentemente do que aconteceu com te.
Tabela 18: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico se reflexivo/inerente [si/s]
antes do verbo e depois do verbo
Vogal do clítico se refl./inerente
Vogal do clítico se refl./inerente depois
antes do verbo
do verbo
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
58
15
72
10
Informante 2
58
15
48
15
Informante 3
41
12
22
18
Informantes em conjunto
52
15
48
26
p = 0, 77
Considerando a fala dos informantes em conjunto, quando o pronome passa de
antes para depois do verbo, sua vogal reduziu apenas 8%. Possivelmente por isso, com p =
0,77, a diferença entre a vogal nas duas posições não se mostrou relevante.
Apenas o informante 1 realizou em um espaço maior de tempo a vogal do pronome
posposto. Na fala dos outros, a diferença foi de cerca de 18% (10 ms); diferença acentuada
na fala do informante 3, em que duas vezes a vogal deixou de ser pronunciada (cortou-se,
furou-se).
Além disso, é notório que os informantes 1 e 2 produziam a vogal do clítico
anteposto com a mesma duração média, 58 ms – próxima da vogal de te nessa mesma
posição, 54 ms (cf. tabela 12), mas menor que de me, 68 ms (cf. tabela 7).
A aparente regularidade envolvendo pronome antes do verbo associada à evidente
redução da vogal do pronome posposto, pronunciada pelos informantes 2 e 3, corroboraria
que pronome antes do verbo se reflexivo/inerente se comporta como pretônica, enquanto
depois do verbo ele se comporta como postônica. Entretanto, consoante se observa na
tabela 19, apesar de não se ter registrado diferença significativa entre a vogal do pronome
anteposto e as pretônicas, especialmente as altas (derivada e subjacente), aquela também
não se distinguiu da postônica, o que torna os resultados, por ora, inconclusivos.
172
Tabela 19: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se reflexivo/inerente antes
do verbo e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s]
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Observando,
na
0,18
Pretônicas
0,29
[e]
0,65
[i] derivada
0,14
[i] subjacente
0,93
tabela
20,
os
-
[]
valores
relativos
ao
secura
setenta
seguido
seguro
cigarro
cigarra
chatice
alface
pronome
se
indeterminador/apassivador, verifica-se que, mais uma vez, a duração média da vogal do
clítico não muda expressivamente a depender da posição sintática dele, o que se confirma
através de p = 0,33 resultante da comparação entre vogal do clítico anteposto e do clítico
posposto ao verbo.
Tabela 20: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico se
indeterminador/apassivador [si/s] antes do verbo e depois do verbo
Vogal do clítico se indet./apass.
Vogal do clítico se indet./apass.
antes do verbo
depois do verbo
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
47
17
55
20
Informante 2
50
20
52
09
Informante 3
38
14
44
22
Informantes em conjunto
45
18
50
19
p = 0, 33
Esses resultados apresentam algumas singularidades. Enquanto se tem visto que
normalmente a vogal do clítico anteposto, ainda que sutilmente, é menos reduzida que a do
posposto, os resultados da tabela 20 mostram que, na fala de cada um dos informantes, não
aconteceu uma redução, mas um prolongamento. Na média dos três, o aumento
correspondeu a 10%.
Além disso, como aconteceu com as sílabas postônicas vocabulares/lexicais e com
os pronomes te e se reflexivo/inerente pospostos, ocorreu, na fala do informante 3,
apagamento da vogal de se indeterminador/apassivador (pediu-se) uma vez apenas. Por
outro lado, como não se tinha visto nos outros dados, ocorreu, na fala do informante 2, um
apagamento vocálico envolvendo esse pronome antes do verbo (se trata). Observa-se,
173
então, que esse pronome, supostamente enclítico, apresentou apagamento quanto estava
tanto antes quanto depois do verbo. Ademais, vale dizer que, quando se trata de pronome
antes do verbo na fala do informante 2, a média de duração vocálica relativa ao pronome se
indeterminador/apassivador é menor que qualquer outro pronome investigado.
Com isso, em alguns aspectos que dizem respeito à duração e ao apagamento, o
pronome se indeterminador/apassivador não se iguala aos demais pronomes nem às sílabas
vocabulares/lexicais. Verificou-se que esse pronome, que supostamente é propenso à
ênclise, não apresentou a vogal mais breve quando se encontrava depois do verbo
(contexto mais propício à redução); ao mesmo tempo, foi o único a permitir apagamento
vocálico quando se encontrava anteposto. Assim sendo, como na análise variacionista,
nesse início de análise fonético-fonológica, esse tipo de clítico apresenta características
atípicas dos pronomes átonos brasileiros.
Apesar
das
aparentes
diferenças
fonético-fonológicas,
se
indeterminador/apassivador antes do verbo não se distinguiu de se reflexivo/inerente na
mesma posição (p = 0,34)45 ao mesmo tempo em que aquele pronome depois do verbo não
se distingue deste também posposto (p = 1,00)46.
Para encerrar a abordagem do parâmetro duração, são expostas as significâncias
referentes à comparação entre o pronome se indeterminador/apassivador e as vogais de
sílabas átonas vocabulares/lexicais.
Tabela 21: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se
indeterminador/apassivador antes do verbo e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s]
45
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
0,01
0,15
0,27
0,03
0,53
Pretônicas
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
secura
setenta
seguido
seguro
cigarro
cigarra
chatice
alface
Como foram analisados dois tipos de pronome se, quando eles ocupavam a mesma posição em relação ao
verbo, as médias referentes a cada um deles foram comparadas no programa computacional R. Os índices de
significância obtidos através da comparação de se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador não
foram apresentados na forma de tabela.
46
Foi surpreendente o índice 1,00 de significância, pois ele indica ausência total de variação. Não foi
possível, no entanto, investigar a razão de o programa estatístico ter alcançado tal valor; verificação que, por
necessidade, foi postergada.
174
Todas as realizações da vogal de se indeterminador/apassivador antes do verbo
foram comparadas às realizações das vogais pretônicas analisadas na amostra, alcançando
uma diferença com p = 0,01. Contudo, quando aquelas foram comparadas a cada categoria
de vogal pretônica, somente a diferença em relação a [i] subjacente foi, inesperadamente,
relevante, com p = 0,03. Não divergiram das realizações de vogal média, nem de [i]
derivada seguida de consoante sonora, visto que [i] subjacente também foi sucedida de
consoante dessa natureza. Dessa forma, não foi a duração intrínseca ao segmento ou a
consoante subsequente a motivação para as diferenças atestadas.
O contraste entre a duração da vogal do clítico e da vogal postônica, por outro lado,
não apresentou divergência expressiva, visto que a significância foi 0,53. Embora se
esperasse que a vogal do clítico anteposto, supostamente equivalente a uma pretônica,
fosse mais longa que uma postônica, a duração da vogal de se indeterminador/apassivador
não alterou significativamente em função da colocação pronominal, como também não foi
relevante a diferença entre a duração das vogais pretônicas altas e da postônica. Portanto,
no
que
se
refere
à
análise
exclusivamente
da
duração
da
vogal
de
se
indeterminador/apassivador, não foi possível determinar graus de (a)tonicidade, o que
permitiria refletir sobre a direção da ligação fonológica.
Diante
do
que
foi
relatado,
com
exceção
da
vogal
de
se
indeterminador/apassivador, mostraram-se mais breves as vogais dos pronomes átonos
pospostos (me, te e se reflexivo/inerente) e das sílabas postônicas vocabulares/lexicais.
Os resultados referentes aos pronomes antepostos e às sílabas pretônicas não se
mostraram sistemáticos, nem consistentes em relação às oposições detalhadamente
observadas; as diferenças, quando significativas, normalmente diziam respeito a traços
segmentais (vogal média versus vogal alta), tendência que foi comprovada estatisticamente
apenas na primeira amostra, a referente ao pronome me.
Além disso, observando a duração por si só, isolada do parâmetro intensidade, não
se conseguiu distinguir, com segurança, vogal pretônica de postônica, nem vogal de
pronome anteposto de posposto, comprometendo qualquer paralelismo entre esses
fragmentos. Dessa forma, o controle da duração permitiu opor termos com segmentos
vocálicos nitidamente distintos (vogal média e vogal alta); não se conseguiu, entretanto,
atestar diferenças estatisticamente significativas e sistemáticas entre vogais a priori com
diferentes graus acentuais.
175
Algumas durações breves e apagamentos vocálicos sugeriram fragilidade fonética,
que seria típica de sílaba postônica e de pronome enclítico. Em termos qualitativos, atribuise relevância a esse comportamento dos dados. Todavia, até o momento, os resultados não
permitem uma confirmação geral dessa fragilidade, visto que (i) esses fenômenos
ocorreram somente diante de /t/ e /s/, quando a vogal, na verdade, coarticulou fortemente
com a consoante; e (ii) o índice de significância dos valores quantitativos não demonstra
ser relevante a variação entre presença e ausência de vogal.
No que diz respeito à cliticização fonológica, Vieira (2002) e Corrêa (2009)
mostraram que a duração é importante para estabelecer uma ligação proclítica ou enclítica.
Quando ela é observada isoladamente, na presente pesquisa, bem como nos trabalhos
mencionados, as diferenças atestadas entre pronomes e sílabas vocabulares/lexicais
decorrem, ao que parece, fundamentalmente de qualidades vocálicas distintas.
Ao relacionar qualidade vocálica à cliticização fonológica, Carvalho (1989) atenta
para a relação entre a vogal átona e a caracterização do acento. Contudo, a diferença na
qualidade vocálica, referida em Vieira (2002), Corrêa (2009) e na presente pesquisa,
refere-se principalmente a segmentos distintos, à duração intrínseca de que tratou Moraes
(1999). O acento foi contemplado na medida em que se assumiu a priori que pretônicas e
postônicas, na variedade linguística estudada, não estão no mesmo nível acentual; além
disso, considerou-se a possível interferência do contexto circunvizinho sobre a vogal
analisada (fator extrínseco).
Para tratar da cliticização fonológica sob a perspectiva referida em Carvalho
(1989), os resultados empíricos revelam que a duração é relevante, mas deve ser analisada
em conjunto com a intensidade, visto que os dois componentes seriam responsáveis pela
caracterização do acento. Em seguida, então, serão observadas as mesmas vogais
abordadas até esse momento nos mesmos contextos, mas, dessa vez, o olhar recairá sobre o
parâmetro intensidade. Ao final, na abordagem do experimento 3, os componentes duração
e intensidade poderão ser observados em conjunto, de uma perspectiva perceptiva.
(ii)
Intensidade:
É fato que um conjunto de parâmetros acústicos é responsável pelas informações
prosódicas que percebemos. Um deles, a intensidade, é importantíssimo para a formação
do acento; isto porque é a força motriz do som, aquela capaz de potencializar ou atenuar a
176
energia sonora. Nesse sentido, era esperado que, na análise desse parâmetro, fosse mais
evidente a diferença entre sílaba pretônica e postônica, entre clítico anteposto e posposto
ao verbo, mas os resultados, que serão apresentados adiante, não confirmam essa
discrepância claramente. Como se verificou anteriormente no estudo da duração, a
observação da intensidade apenas, a princípio, parece não ser suficiente para atestar a
correlação entre sílaba átona e cliticização fonológica, visto que nem sempre foi
estatisticamente significativa sequer a diferença entre as categorias pretônica e postônica.
Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /mE/, cuja vogal pode ser
realizada como média (m[e]disse, m[e]gera) ou alta (m[i]xido, m[i]nina), /mi/ (m[i]cose,
m[i]tose) e /mI/ (salam[], perfum[]), os resultados foram os seguintes:
Tabela 22: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal das sílabas pretônicas [me], [mi]
derivada e [mi] e da postônica [m]
Pretônica /mE/
Pretônica /mi/ Postônica /mI/
medisse
mexido
micose
salame
megera
menina
mitose
perfume
[]
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
média D.P. média D.P. média D.P. média D.P.
Informante 1
76
02
76
03
73
03
74
02
Informante 2
70
01
67
01
66
03
66
03
Informante 3
73
02
72
05
72
04
69
04
Informantes em conjunto
73
03
72
05
70
04
70
05
A intensidade média da vogal pretônica média [e] é maior que das demais nas falas
dos três informantes, observadas junto ou separadamente. A vogal postônica [], por outro
lado, apresentou os valores mais baixos de intensidade, chegando a apresentar, na fala dos
informantes 2 e 3, uma diferença de 4 dB em relação à intensidade da vogal média; na fala
do informante 1, no entanto, com 1 dB de diferença, a vogal [i] subjacente foi menos
intensa que a postônica.
Vale lembrar que a pretônica [e] (medisse, megera) e a postônica [] (salame,
perfume) foram, respectivamente, a mais e a menos longa (cf. tabela 4). Assim sendo,
pode-se presumir que a duração somada à intensidade tornou a vogal média mais saliente,
ao contrário da postônica.
A respeito das vogais [i] derivada (mexido, menina) e [i] subjacente (micose,
mitose), a diferença de intensidade média entre as duas alcançou no máximo 3 dB na fala
177
do informante 1. Ora [i] derivada se assemelhou a [e], com 76 dB na fala do informante 1;
ora foi idêntica a [i] subjacente, com 72 dB na fala do informante 2; ora foi maior que [i]
subjacente, cada uma com respectivamente 67 e 66 dB na fala do informante 2 e com 72 e
70 dB na média geral. A intensidade média de [i] subjacente, por sua vez, na média dos
informantes em conjunto, foi semelhante ao valor referente à postônica [].
Esses resultados revelam que as diferenças quanto à intensidade não são nítidas47,
especialmente quando se trata de modalidades de pretônica alta, o que provavelmente
acarretou os índices de significância expostos na tabela 23.
Tabela 23: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal das sílabas vocabulares/lexicais
[], [] derivada, [] e []
Vogais comparadas
[e]
x [i] derivada
[e]
x [i] subjacente
x []
[e]
[i] derivada
x [i] subjacente
x []
[i] derivada
x []
[i] subjacente
Pretônicas
x
Postônica
Significância
0,69
0,39
0,32
0,71
0,59
0,84
0,47
Nenhuma das comparações efetuadas revelou significância relevante, indicando que
as variações de intensidade não ocorreram sistematicamente; então, com respaldo
estatístico, não se conseguiu diferenciar, com base apenas no parâmetro intensidade,
sílabas pretônicas e postônica, que, a princípio, possuem graus diferentes de (a)tonicidade.
Apesar disso, vale notar que o menor valor de significância registrado, 0,32, se refere ao
par que exibe o maior contraste observado, entre a vogal [e] e []; o maior, 0,84, por outro
lado, refere-se ao par em que se espera, de fato, maior semelhança: [i] subjacente versus
[]. Desse modo, os índices obtidos sinalizam que a diferença é mais evidente quando,
além de uma vogal ser pretônica e outra ser postônica, uma é média e a outra, alta.
Quando se tratava de vogal alta como realização de /mE/, /mi/ e /mI/, não
importava se era pretônica ([mi] derivada ou [mi]) ou postônica ([m]); a diferença entre
essas categorias foi bastante sutil, tanto no que diz respeito à intensidade quanto à duração,
47
As limitações metodológicas referidas na seção 5.2. podem ter influenciado na manifestação pouco
evidente da diferença de intensidade entre as vogais estudadas. Para complementar esta investigação,
centrada na intensidade de fragmentos vocálicos, os resultados foram associados aos de Vieira (2002) e
Corrêa (2009), que consideraram o peso da sílaba (clítica e vocabular/lexical) em relação às adjacentes.
178
a ponto de o cálculo estatístico concernente a cada um desses parâmetros ter resultado em
um valor de significância muito elevado.
Se, por um lado, nenhuma das vogais de /mE/, /mi/ e /mI/ se mostrou realmente
diferente do ponto de vista da intensidade, o paralelismo feito entre enunciados com clítico
me e palavras lexicais também não evidenciou diferença relevante, conforme se verifica na
tabela 24.
Tabela 24: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico me e da vogal das sílabas
[], [] derivada, [] e []
me disse
me gera
me chifra
me nina
me cobre
me toca
calei-me
lembrei-me
[i] do clítico
[i] do clítico
[i] do clítico
[] do clítico
0,87
[e]
0,85
[i] derivada
0,76
[i] subjacente
0,73
[]
medisse
megera
mexido
menina
micose
mitose
salame
perfume
Independentemente do fato de serem equiparados enunciados distintos, como
acontece com os dois primeiros pares (me disse e me gera versus medisse e megera), os
resultados vão ao encontro da expectativa inicial: pronome pré-verbal atua de forma
semelhante
à
pretônica
vocabular/lexical
e
pronome
pós-verbal,
à
postônica
vocabular/lexical. Entretanto, como não se verificou diferença entre as sílabas pretônicas
vocabulares/lexicais /mE/ e /mi/ e a postônica /mI/, acredita-se, por analogia, que também
não seria relevante a diferença entre pronome anteposto e pronome posposto.
Na sequência, através da tabela 25, a intensidade média da vogal do pronome me
será apresentada, considerando a posição que ele ocupou em relação ao verbo.
Tabela 25: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico me [mi/m] antes do verbo e
depois do verbo
Vogal do clítico me antes do verbo
Vogal do clítico me depois do verbo
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
74
02
76
04
Informante 2
68
03
66
04
Informante 3
73
02
71
02
Informantes em conjunto
72
03
71
05
p = 0,85
179
De uma posição para outra, a intensidade média mudou até 2 dB apenas. Na fala do
informante 1, a vogal do pronome anteposto foi mais fraca que a do pronome posposto,
assim como [i] subjacente foi mais fraca que [] (cf. tabela 22). Em contrapartida,
considerando a produção dos outros dois informantes, a vogal do pronome anteposto foi
mais forte, como a maior parte das vogais pretônicas. A média geral, com apenas 1 dB de
diferença, mostrou-se ainda mais claramente equilibrada. A irrelevância da oscilação da
intensidade média da vogal do clítico antes e depois do verbo foi comprovada pelo índice p
= 0,85, muito acima do considerado relevante (até 0,05).
Conforme se viu na tabela 24, a vogal do clítico posposto, com p = 0,73, apresentou
comportamento similar ao da postônica [] no que se refere à intensidade. Ademais, tendo
visto que a vogal do clítico não demonstrou alterar a intensidade quando ele muda de
posição, cabe, então, se certificar de que a vogal do clítico anteposto, nas diversas
produções contempladas no corpus, não tenha comportamento diferente do verificado para
as vogais átonas nas sílabas vocabulares investigadas.
Tabela 26: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico me antes do verbo e da
vogal das sílabas [], [] derivada, [] e []
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
0,96
0,62
1,00
0,66
0,54
pretônicas
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
medisse
megera
mexido
menina
micose
mitose
salame
perfume
De acordo com esses valores, a vogal do pronome me antes do verbo não
apresentou uma intensidade diferente da registrada para nenhuma das vogais de sílabas
vocabulares/lexicais analisadas, sobretudo da pretônica alta derivada (p = 1,00), a de
comportamento idêntico ao dos clíticos, conforme hipótese inicial, em contraste com a
postônica (p = 0,54), de comportamento, ainda que semelhante, menos próximo à vogal
dos clíticos pré-verbais. Em linhas gerais, no entanto, fica estabelecido que a distinção de
180
intensidade das sílabas pretônicas e postônicas não é garantida pela atuação exclusiva
desse parâmetro acústico.
Em realidade, é preciso atentar para o fato de que todas as vogais investigadas são
átonas, isto é, não recai sobre elas o acento primário; por isso, há que se esperar que a
diferença de intensidade no nível da produção dos segmentos seja sutil. A intensidade
tomada isoladamente, bem como a duração, não demonstrou ser responsável por
diferenciar sílaba pretônica de postônica e pronome anteposto de posposto. Assim sendo,
se os dados da amostra realmente se diferenciam, ainda que levemente, a percepção dessa
diferença deve decorrer da atuação simultânea da duração e intensidade.
As diferenças entre as vogais dos dados que serviram ao estudo do pronome te, por
outro lado, mostraram-se mais sensíveis. Quando em sílaba postônica ou no caso do
pronome posposto, ocorreram apagamentos e vogais bastante reduzidas; no caso da
intensidade, como veremos, algumas diferenças, nesse grupo de dados, mostraram-se
significativas. Assim sendo, ao que tudo leva a crer, a forma pronominal te não seria
sempre tão imponente quanto me.
Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /tE/, cuja vogal pode ser
realizada como média (t[e]quila, t[e]clado) ou alta (t[i]soura, t[i]souro), /ti/ (t[i]tio,
t[i]gela) e /tI/ (tomat[], tapet[]), os resultados estão expostos na tabela a seguir:
Tabela 27: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal das sílabas pretônicas [te], [ti] derivada
e [ti] e da postônica [t]
Pretônica /tE/
Pretônica /ti/
Postônica /tI/
tequila
tesoura
titio
tomate
teclado
tesouro
tigela
tapete
[]
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
média D.P. média D.P. média
D.P.
média D.P.
Informante 1
77
03
73
01
72
02
67
02
Informante 2
72
02
66
03
67
04
66
05
Informante 3
75
03
71
02
69
04
62
01
Informantes em conjunto
75
03
70
04
69
04
65
04
Todas as médias referentes à vogal [e] (tequila, teclado) mostram que ela foi a mais
forte, com diferença de até 5 dB do segundo tipo mais intenso – [i] subjacente na fala do
informante 2; [i] derivada, nas demais.
181
A diferença entre as categorias de pretônica alta atingiu até 2 dB apenas.
Entretanto, entre a postônica [] (tomate, tapete) e a pretônica [i] subjacente (titio, tigela),
que corresponde à segunda mais reduzida, a diferença alcançou 7 dB na fala do informante
3.
Embora a diferença de intensidade das pretônicas [i] derivada e [i] subjacente tenha
sido tênue, a distinção entre pretônica média, pretônica alta e postônica alta parece bem
mais nítida que a verificada nos resultados da amostra com /mE/, /mi/ e /mI/ (cf. tabela 22).
Na maioria das vezes, sobretudo nas médias considerando os informantes em
conjunto, a ordem que vai da maior intensidade à menor parece ser: [e] > [i] derivada > [i]
subjacente > []. Assim como ocorre com a duração intrínseca, que varia diretamente com
o grau de abertura da vogal, a intensidade intrínseca vai na mesma direção: a vogal [e] é
intrinsecamente mais forte que a [i] (cf. LEHISTE, 1972; DI CRITO, 1975). Desse modo,
o fato de a vogal média ter sido mais forte que as outras vogais, altas, mostra que a
intensidade intrínseca deve ter sido responsável pelas diferenças observadas.
De modo geral, como mostra a tabela 28, o que se observou como diferença parece
confirmar-se em termos estatísticos.
Tabela 28: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal das sílabas vocabulares/lexicais
[t], [t] derivada, [t] e [t]
Vogais comparadas
[e]
x [i] derivada
[e]
x [i] subjacente
x []
[e]
[i] derivada
x [i] subjacente
x []
[i] derivada
x []
[i] subjacente
Pretônicas
x
Postônica
Significância
0,14
0,06
0,01
0,80
0,13
0,01
0,03
Na etapa em que se analisou a duração, a diferença deu-se entre [i] derivada e [], o
que se associou à provável influência do contexto subsequente à vogal. No caso da
intensidade, a vogal pretônica [i] derivada não se distinguiu significativamente de nenhuma
outra. Constatou-se diferença realmente entre três pares opositivos: [e] e []; [i] subjacente
e []; pretônicas e postônica. As vogais [e] e [i] subjacente demonstraram uma diferença
cujo índice de significância é muito aproximado ao considerado aceitável estatisticamente
para assegurar que houve variação sistemática (p ≤ 0,05). Desse modo, pelo parâmetro
182
intensidade, distinguiram-se efetivamente as sílabas dessa amostra pela tonicidade
(pretônicas versus postônica) e, mais especificamente, duas categorias de vogal pretônica
([e] e [i] subjacente) em oposição à postônica. Por hipótese, a vogal [i] derivada seria uma
categoria híbrida, intermediária entre [e] e [i] subjacente; isso dificultaria na sua distinção
frente às outras duas vogais pretônicas.
Encaminhando a reflexão para o pronome te, averiguou-se a pertinência da
distinção de intensidade entre os pares com pronome átono e os pares lexicais, de modo
que se obtiveram os graus de significâncias apresentados na tabela 29.
Tabela 29: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico te e da vogal das sílabas
[t], [t] derivada, [t] e [t]
te quica
te cava
te zomba
te zoa
te tiro
te gela
tomei-te
domei-te
[i] do clítico
[i] do clítico
[i] do clítico
[] do clítico
0,02
0,55
0,56
0,66
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
tequila
teclado
tesoura
tesouro
titio
tigela
tomate
tapete
Das comparações realizadas, apenas uma não teve índice de significância que
assinalasse equivalência: entre a vogal do clítico anteposto e a pretônica [e]. A julgar que
esta anteriormente se distinguiu de [i] subjacente, mas não de [i] derivada (cf. tabela 28),
acredita-se que a vogal alta do clítico tenha apresentado intensidade semelhante à de uma
pretônica [i] subjacente.
No que se refere à intensidade estritamente da vogal do pronome átono,
registraram-se as seguintes médias:
Tabela 30: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico te [ti/t] antes do verbo e
depois do verbo
Vogal do clítico te antes do verbo
Vogal do clítico te depois do verbo
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
67
17
66
03
Informante 2
66
03
61
05
Informante 3
70
02
Informantes em conjunto
68
10
65
04
p = 31
183
Em todos os casos, a intensidade da vogal quando o clítico se encontrava antes do
verbo foi maior que a verificada na outra posição. Em virtude de apagamentos, na fala do
informante 3, em particular, não foi possível estabelecer esse contraponto. Embora os
resultados estatísticos obtidos indiquem que as alterações de intensidade em função da
colocação pronominal não sejam relevantes (p = 0,31), não parece desprezível a diferença
entre pretônicas e postônicas quando posta em consideração, uma vez mais, a não
realização do segmento vocálico em posição postônica.
Antes do mais, vejamos a comparação entre todas as realizações de te antes do
verbo e as vogais átonas de sílabas vocabulares/lexicais.
Tabela 31: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico te antes do verbo e da
vogal das sílabas [t], [t] derivada, [t] e [t]
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
0,09
0,02
0,39
0,42
0,24
Pretônicas
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
tequila
teclado
tesoura
tesouro
titio
tigela
tomate
tapete
No que diz respeito à intensidade, a vogal do pronome antes do verbo só não
apresenta comportamento semelhante, com p = 0,02, ao da pretônica média. Isso justifica o
fato de, por esse parâmetro, em Corrêa (2009), o pronome posposto não ter se distinguido
de sílaba pretônica. A presente pesquisa e Corrêa (2009) convergem para a ideia de que é
limitado tratar duração e intensidade separadamente para fins acentuais.
Mesmo na amostra com pronome te, em que se observaram diferenças relevantes, a
variação da intensidade não garantiu a suposta discrepância entre as categorias pretônica e
postônica. Ao que tudo indica, como mencionado no estudo do pronome me, a vogal que é
um pouco mais longa e forte se diferencia da outra que é mais reduzida e fraca. Ao que
tudo indica, é a atuação em conjunto da duração e da intensidade que distingue as sílabas
ou os pronomes enclíticos/proclíticos.
184
Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /sE/, cuja vogal pode ser
realizada como média (s[e]cura, s[e]tenta) ou alta (s[i]guido, s[i]guro), /si/ (c[i]garro,
c[i]garra) e /sI/ (chatice[, alfac[]), os resultados encontram-se expostos na tabela
seguinte.
Tabela 32: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal das sílabas pretônicas [se], [si] derivada e
[si] e da postônica [s]
Pretônica /sE/
Pretônica /si/
Postônica /sI/
secura
seguido
cigarro
chatice
setenta
seguro
cigarra
alface
[]
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
média D.P. média D.P. média D.P. média D.P.
Informante 1
75
02
69
03
68
03
67
02
Informante 2
67
02
67
04
66
05
62
03
Informante 3
74
01
72
02
73
01
67
04
Informantes em conjunto
72
04
69
04
69
04
65
04
Em termos absolutos, a vogal postônica mostrou-se mais fraca que as pretônicas.
Estas, por sua vez, considerando a fala de cada um dos informantes, não apresentam um
comportamento uniforme. A vogal média [e] foi mais forte ou igual à vogal [i] derivada.
Esta, quando não era igual à média, era maior ou menor que [i] subjacente. Na média geral,
a pretônica [e] é mais forte que [i] derivada, que possui a mesma intensidade média que [i]
subjacente; todas as três foram mais fortes que [].
A representatividade desses resultados não tem validade estatisticamente, conforme
se verifica na tabela 33, se considerado o limite de 0,05 de significância estabelecido para
esta análise.
Tabela 33: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal das sílabas vocabulares/lexicais
[s], [s] derivada, [s] e [s]
Vogais comparadas
[e]
x [i] derivada
[e]
x [i] subjacente
x []
[e]
[i] derivada
x [i] subjacente
x []
[i] derivada
x []
[i] subjacente
Pretônicas
x
Postônica
Significância
0,42
0,41
0,10
0,90
0,14
0,24
0,07
Embora, os índices expostos na tabela 32 não assegurem a relevância da distinção
entre as vogais do ponto de vista da intensidade, pois todas as significâncias estão acima de
185
0,05, é interessante observar alguns extremos no comportamento verificado. O menor valor
detectado (0,07) refere-se ao contraste entre as vogais pretônicas e a postônica. A maior
significância obtida (0,90), muito próximo da totalidade, refere-se às vogais [i] derivada e
[i] subjacente, cuja intensidade média na fala dos três informantes foi igualmente 69 dB
(cf. tabela 32).
Quando o olhar foi dirigido para os pronomes, em se tratando de oração com lexia
verbal simples, esperava-se que o pronome se indeterminador/apassivador não fosse
foneticamente diferente de se reflexivo/inerente, pois, em posição igual, estabeleceriam a
mesma ligação fonológica. Se houvesse alguma diferença entre os dois, aquele seria mais
fraco, devido ao fato de, em tese, ele ser essencialmente enclítico.
Se o pronome se, ainda que de forma pouco expressiva, foi vulnerável a ponto de
estar envolvido em apagamento vocálico como aconteceu com te, as realizações da vogal
daquele (sobretudo, do tipo indeterminador/apassivador, cuja vogal foi omitida quando
estava anteposto e posposto) seriam parecidas com as realizações da vogal de te. No
entanto, enquanto a vogal de te variou de intensidade, a vogal dos dois tipos de se
apresentou intensidade relativamente constante – neste caso, as alterações não foram
significativas.
Ao comparar os pares com sequência fônica parecida – pares de verbos
acompanhados pelo pronome se reflexivo/inerente, a princípio, e pares de palavras
contendo uma vogal que poderia corresponder48 à do clítico –, observou-se
correspondência entre os termos.
Tabela 34: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se reflexivo/inerente e da
vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s]
se cuida
se trata
se guia
se nina
se gaba
se cala
cortou-se
furou-se
48
[i] do clítico
[i] do clítico
[i] do clítico
[] do clítico
0,22
1,00
0,63
0,84
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
secura
setenta
seguido
seguro
cigarro
cigarra
chatice
alface
Devido à diferença de qualidade entre a vogal alta do clítico e a vogal pretônica média de sílaba
vocabular/lexical, considera-se que, neste caso, as duas podem não ser correspondentes.
186
A tabela 34 indica que, no que se refere à intensidade, a vogal de se
reflexivo/inerente antes do verbo foi semelhante à vogal pretônica, especialmente quando
esta era alta e derivada – contraste com índice de 1,00, o que revela identidade absoluta.
Da mesma forma, quando o pronome se encontrava depois do verbo, sua vogal
assemelhou-se à vogal postônica. Essas correlações vão, em parte, ao encontro da
expectativa inicial; como sílaba pretônica não se diferenciou de postônica, a
correspondência indica que se reflexivo/inerente antes ou depois do verbo deve apresentar,
em média, a mesma intensidade.
Em linhas gerais, o mesmo comportamento pôde ser observado com o pronome se
indeterminador/apassivador, conforme se verifica na tabela 35.
Tabela 35: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se
indeterminador/apassivador e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s]
se trata
se tenta
se guia
se nina
se nada
se dava
pediu-se
previu-se
[i] do clítico
[i] do clítico
[i] do clítico
[] do clítico
0,16
0,57
0,68
1,00
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
secura
setenta
seguido
seguro
cigarro
cigarra
chatice
alface
No que se refere aos índices obtidos para o se indeterminador/apassivador, há que
se destacar que o índice a revelar identidade absoluta se refere ao padrão enclítico versus
posposto – fato que corrobora a hipótese inicial de que o se indeterminador/apassivador,
numa proposta escalar, se aproximaria, ainda que de forma sutil, mais do padrão enclítico
do que o se reflexivo/inerente, que se aproximaria mais do padrão proclítico.
Observando, então, como foi a intensidade da vogal do clítico se reflexivo/inerente
antes e depois do verbo, encontraram-se os valores expostos a seguir, na tabela 36.
Tabela 36: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se reflexivo/inerente [si/s]
antes do verbo e depois do verbo
Vogal do clítico se refl./inerente
Vogal do clítico se refl./inerente
antes do verbo
depois do verbo
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
69
04
69
03
Informante 2
65
02
60
01
Informante 3
70
02
65
04
Informantes em conjunto
68
04
65
05
p = 0,34
187
Somente na fala do informante 1, nas duas posições, o valor médio da intensidade
foi similar, 69 dB. Na fala dos demais e dos três em conjunto, a vogal do clítico reflexivo;
inerente antes do verbo foi mais forte, com até 5 dB a mais. Apesar disso, a oscilação da
intensidade não foi sistemática o suficiente para ser considerada como relevante (p = 0,34).
Como se pode ver na tabela 37, quando comparada a vogal desse pronome antes do
verbo com as vogais átonas das palavras lexicais, nenhuma diferença foi significativa,
especialmente quando esta correspondia à vogal pretônica alta.
Tabela 37: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se reflexivo/inerente
antes do verbo e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s]
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
0,32
0,25
0,56
0,71
0,30
Pretônicas
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
secura
setenta
seguido
seguro
cigarro
cigarra
chatice
alface
Na sequência, assim como aconteceu com se reflexivo/inerente, a intensidade da
vogal do clítico se indeterminador/apassivador antes do verbo foi mais forte que quando
ele se encontrava depois do verbo. Neste caso, considerando todas as médias calculadas, a
diferença chegava a 4 dB, o que pode ser observado na tabela 38.
Tabela 38: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se indeterminador/apassivador
[si/s] antes do verbo e depois do verbo
Vogal do clítico se indet./apass.
Vogal do clítico se indet./apass.
antes do verbo
depois do verbo
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
70
04
68
03
Informante 2
67
02
63
05
Informante 3
69
04
65
02
Informantes em conjunto
69
04
65
04
p = 0,13
Quanto à variação da intensidade do pronome se indeterminador/apassivador em
diferentes posições, embora tenha ultrapassado o limite para ser considerada significativa,
188
há que se considerar o fato de que, diferentemente do pronome se reflexivo/inerente, o
índice obtido foi bem mais baixo (p = 0,13).
Quanto às significâncias resultantes da comparação entre a intensidade da vogal de
se indeterminador/apassivador antes do verbo e a vogal das sílabas vocabulares/lexicais
analisadas, elas estão expostas na tabela 39.
Tabela 39: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se
indeterminador/apassivador antes do verbo e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s]
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
0,34
0,31
0,71
0,89
0,17
Pretônicas
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
secura
setenta
seguido
seguro
cigarro
cigarra
chatice
alface
Como se constatou nos resultados sobre se reflexivo/inerente, a maior semelhança
deu-se entre a vogal de se indeterminador/apassivador e vogal pretônica alta, neste caso
derivada e subjacente.
Não parece coincidência que a intensidade se comporte de forma semelhante, em
linhas gerais, quando se trata de se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador.
Quando os dois estão antes do verbo, a significância da variação foi 0,72, ao passo que,
quando estão na posição pós-verbal, ela correspondeu a 0,83. Ao que tudo indica, no que
se refere à intensidade da vogal do pronome se, ao menos quando há um só verbo,
foneticamente são bastante sutis e, em alguns casos, indiferentes as diferenças entre as
subcategorias referentes a essa forma pronominal.
Dos pronomes analisados, somente a intensidade da vogal do te mostrou que, ainda
que levemente, sofre alteração relevante quando o clítico muda de posição. Os demais
parecem se comportar de forma constante; mesmo quando a intensidade da vogal muda,
não é algo regular.
A duração, com exceção da vogal média, que naturalmente é mais longa, também
não alterou de forma significativa. No estudo desse parâmetro, o pronome te novamente se
189
destacou pela fragilidade da vogal, que, quando integrava clítico posposto, era
normalmente bastante reduzida ou omitida, como na sílaba postônica /tI/.
Na maioria das vezes, o respaldo estatístico assegurou que as diferenças observadas
não são sistemáticas. Apesar disso, quase sempre, as vogais pretônicas foram mais fortes e
longas que a postônica. Da mesma forma, a vogal dos clíticos – exceto de se
indeterminador/apassivador – foi mais forte e longa quando eles se localizavam antes do
verbo.
Embora a duração e a intensidade observadas separadamente não tenham refletido
fisicamente, de forma inequívoca, a saliência que se esperava encontrar na diferenciação
das categorias investigadas, supõe-se que a atuação conjunta dos mesmos seja responsável
pela distinção comumente atribuída a esses parâmetros em termos perceptuais. Há que se
destacar, entretanto, que um dos aspectos que mostrou relevância diz respeito à qualidade
vocálica, a ser averiguada acusticamente através dos formantes.
(iii)
Primeiro formante:
Conforme já se observou para a duração e a intensidade, nem sempre as
características acústicas se manifestam com clareza suficiente para que possam ser notadas
a partir da observação de cada parâmetro isoladamente. Quando os valores de F1 foram
analisados, a diferença entre vogal média e alta foi o aspecto mais evidente. Quando se
trata das três categorias de vogal alta (pretônica derivada, pretônica subjacente e
postônica), somente no grupo de dados que contém o pronome te, verificou-se diferença
significativa. Na sequência, serão apresentados os valores médios de F1 e o que eles
representam.
Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /mE/, cuja vogal pode ser
realizada como média (m[e]disse, m[e]gera) ou alta (m[i]xido, m[i]nina), /mi/ (m[i]cose,
m[i]tose) e /mI/ (salam[], perfum[]), os resultados estão expostos a seguir.
190
Tabela 40: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [me], [mi] derivada e [mi] e
da postônica [m]
Pretônica /mE/
Pretônica /mi/ Postônica /mI/
medisse
mexido
micose
salame
megera
menina
mitose
perfume
[]
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
média D.P. média D.P. média D.P. média D.P.
Informante 1
363
19
350
36
337
23
344
21
Informante 2
394
39
328
29
343
26
342
33
Informante 3
416
30
334
19
349
13
305
08
Informantes em conjunto
391
38
338
30
343
22
330
29
A tabela 40 exibe claramente a diferença entre o primeiro formante da vogal
pretônica média e das demais vogais, as quais, embora discriminadas em três categorias,
são todas altas. De acordo com Catford (1988), o som [e] possui, em média, 390 Hz, valor
bem próximo da média de 391 Hz, referente à realização deste segmento pelos três
indivíduos. Ele indica ainda a média de 240 Hz para o som [i]; porém, os valores
registrados para vogal alta anterior (pretônica ou postônica) foram superiores a essa média,
estando em torno de 330 Hz e 345 Hz. Dessa forma, consoante a hierarquia de Catford
(1988), foi comprovado que a vogal [e] é mais baixa que as outras, ainda que o primeiro
formante destas não tenha sido tão baixo quanto aquele registrado pelo autor.
Moraes, Callou & Leite (1996) – em trabalho que apresenta o comportamento
médio dos formantes das vogais [e] e [i] em diferentes posições acentuais, na fala
espontânea do Rio de Janeiro – apontam que não se deu a confirmação das hipóteses
iniciais sistematicamente. Segundo o estudo, o comportamento esperado quanto às
posições acentuais era o de que o maior grau de atonicidade seria compatível com o maior
valor de F1 (que indica som mais baixo) e menor valor de F2 (que denota som menos
anterior). Em linhas gerais, o comportamento dos dados quanto a F1 não foi claro para os
[i]s, que apresentaram pouca diferença e/ou um comportamento não esperado ([i] tônico =
336 Hz; [i] pretônico = 324 Hz; [i] postônico = 333 Hz); entre os dois [e], o pretônico
revelou-se mais aberto (433 Hz) que o tônico (400 Hz).
A fim de verificar a sistematicidade das oscilações de F1 nos dados da presente
pesquisa, calcularam-se as significâncias estatísticas, expostas na tabela 41.
191
Tabela 41: Significância das diferenças entre F1 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [], []
derivada, [] e []
Vogais comparadas
[e]
x [i] derivada
[e]
x [i] subjacente
x []
[e]
[i] derivada
x [i] subjacente
x []
[i] derivada
x []
[i] subjacente
Pretônicas
x
Postônica
Significância
0,05
0,08
0,04
0,50
0,65
0,42
0,15
A comparação entre as vogais altas não revelou diferença significativa. O primeiro
formante da pretônica média (medisse, megera), por outro lado, distinguiu-se da pretônica
alta derivada (mexido, menina) – p = 0,05 – e da postônica (salame, perfume) – p = 0,04.
Apesar de exibir uma significância de 0,08, um pouco superior ao limite convencional de
0,05, a pretônica média também se mostrou diferente da pretônica alta subjacente (micose,
mitose). Assim sendo, a vogal média apresentou F1 diferente de todas as vogais altas,
como se pensou inicialmente, mas não foi suficiente para diferenciar o grupo das
pretônicas, do qual faz parte, do grupo da postônica.
Confrontando essas vogais de sílabas vocabulares/lexicais e a vogal do clítico me,
obtiveram-se as seguintes significâncias:
Tabela 42: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico me e da vogal das sílabas [], []
derivada, [] e []
me disse
me gera
me chifra
me nina
me cobre
me toca
calei-me
lembrei-me
[i] do clítico
[i] do clítico
[i] do clítico
[] do clítico
0,02
0,69
0,36
0,15
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
medisse
megera
mexido
menina
micose
mitose
salame
perfume
O confronto entre a vogal átona vocabular/lexical e a vogal do clítico, quando
inseridas em mesmo ambiente fonético, mostrou que apenas não atuam de forma
semelhante quanto a F1 quando a vogal pretônica era a média. Os outros pares
contrastados mostraram que a vogal do clítico anteposto ao verbo apresentou F1 similar ao
da pretônica alta derivada e subjacente; do mesmo modo, quando posposto o pronome ao
192
verbo, sua vogal não se diferenciou claramente da vogal postônica quanto ao aspecto
acústico analisado.
Após a reunião das realizações da vogal do clítico antes do verbo em um só
conjunto, os valores médios de F1 em relação àqueles referentes à vogal do mesmo
pronome posposto ao verbo encontram-se expostos na tabela 43.
Tabela 43: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico me [mi/m] antes do verbo e depois do
verbo
Vogal do clítico me antes do verbo
Vogal do clítico me depois do verbo
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
326
27
318
22
Informante 2
337
19
290
51
Informante 3
340
21
300
24
Informantes em conjunto
334
24
303
37
p = 0,04
Com p = 0,04, a diferença entre F1 da vogal do clítico antes e depois do verbo foi
significativa, de modo que, na fala dos três informantes, as médias obtidas quando o
pronome estava antes do verbo foram maiores.
Os valores relativos à vogal do pronome posposto, por outro lado, não foram tão
altos quanto àqueles de vogal postônica (cf. tabela 40). Apesar disso, com p = 0,15, não se
registrou uma variação sistemática entre esses dois grupos de dados.
Por fim, a comparação entre a vogal do pronome anteposto e as vogais átonas
vocabulares/lexicais resultou nas seguintes significâncias:
Tabela 44: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico me antes do verbo e da vogal das
sílabas [], [] derivada, [] e []
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
0,05
0,05
0,72
0,19
0,78
pretônicas
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
medisse
megera
mexido
menina
micose
mitose
salame
perfume
Independentemente de apresentarem o mesmo contexto circunvizinho ou não, com
p = 0,05, a vogal do pronome me antes do verbo mostrou-se diferente da vogal pretônica
193
média, o que provavelmente causou a diferença também entre a vogal do clítico e todas as
pretônicas analisadas.
A amostra de dados com pronome me e as sílabas /mE/, /mi/ e /mI/ confirmou que
não há uma correspondência entre F1 de vogal média e alta (do pronome átono ou de sílaba
vocabular/lexical). Além disso, no que toca ao clítico especificamente, quando variou a
posição em relação ao hospedeiro verbal, apesar de ter sido realizada categoricamente
como alta, a vogal do pronome anteposto mostrou-se significativamente mais baixa que
aquela do pronome posposto.
Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /tE/, cuja vogal pode ser
realizada como média (t[e]quila, t[e]clado) ou alta (t[i]soura, t[i]souro), /ti/ (t[i]tio,
t[i]gela) e /tI/ (tomat[], tapet[]), os resultados estão expostos na tabela a seguir:
Tabela 45: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [te], [ti] derivada e [ti] e da
postônica [t]
Pretônica /tE/
Pretônica /ti/
Postônica /tI/
tequila
tesoura
titio
tomate
teclado
tesouro
tigela
tapete
[]
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
média D.P. média D.P. média
D.P.
média D.P.
Informante 1
403
40
317
07
298
22
285
26
Informante 2
384
38
331
35
295
31
291
46
Informante 3
409
41
309
20
293
15
250
14
Informantes em conjunto
399
41
319
25
295
24
278
36
Na tabela 45, é possível observar uma gradação comum à fala dos três informantes.
Com cerca de 400 Hz, a vogal pretônica média apresentou os maiores valores de F1,
seguida da vogal alta derivada, com, em média, 320 Hz. Em um terceiro nível, está a vogal
pretônica alta subjacente, com praticamente 300 Hz. Por fim, a postônica apresentou os
menores valores, com aproximadamente 280 Hz.
Em termos estatísticos, nem todas essas diferenças são relevantes, como se pode
verificar na tabela 46.
194
Tabela 46: Significância das diferenças entre F1 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [t], [t]
derivada, [t] e [t]
Vogais comparadas
[e]
x [i] derivada
[e]
x [i] subjacente
x []
[e]
[i] derivada
x [i] subjacente
x []
[i] derivada
x []
[i] subjacente
Pretônicas
x
Postônica
Significância
0,00
0,00
0,00
0,06
0,05
0,25
0,01
Embora F1 das pretônicas como um todo se mostre diferente do obtido para a
postônica (p = 0,01), nem todas as pretônicas se mostraram realmente diferentes da
postônica. Com p = 0,00, foi confirmada a diferença de [e] (tequila, teclado) em relação às
outras vogais. Com p = 0,05, a vogal [i] derivada (tesoura, tesouro) distinguiu-se da
postônica [] (tomate, tapete). Com p = 0,06 apenas, ainda que ligeiramente acima de 0,05,
a vogal pretônica [i] derivada demonstra ter F1 distinto em relação ao obtido para a
pretônica [i] subjacente. Em contrapartida, com p = 0,25, a pretônica [i] subjacente (titio,
tigela) e a postônica [] mostraram comportamento semelhante quanto a F1.
Quando a cada vogal de sílaba vocabular/lexical foi comparada a vogal do clítico te
com mesmo contexto circunvizinho, a diferença segmental novamente se destacou,
conforme se verifica na tabela 47.
Tabela 47: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico te e da vogal das sílabas [t], [t]
derivada, [t] e [t]
te quica
te cava
te zomba
te zoa
te tiro
te gela
tomei-te
domei-te
[i] do clítico
[i] do clítico
[i] do clítico
[] do clítico
0,00
0,60
0,14
0,47
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
tequila
teclado
tesoura
tesouro
titio
tigela
tomate
tapete
Ao serem comparadas vogais igualmente altas, não se registrou variação
significativa de F1, respeitado o limite de 0,05. Entretanto, quando a vogal alta do clítico
foi associada à vogal média, a diferença, com p = 0,00, foi relevante.
195
Tendo verificado a relação entre as vogais quando estivessem neutralizados os
efeitos do contexto circunvizinho, na tabela 48, estão expostos os valores médios de F1
referentes à vogal do clítico estritamente.
Tabela 48: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico te [ti /t] antes do verbo e depois do
verbo
Vogal do clítico te antes do verbo
Vogal do clítico te depois do verbo
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
284
48
272
12
Informante 2
296
38
253
76
Informante 3
307
23
Informantes em conjunto
296
39
266
46
p = 0,10
Na fala dos informantes 1 e 2, a vogal do clítico depois do verbo apresentou índices
inferiores de F1. Na fala do informante 3, a vogal nessas circunstâncias não foi sequer
realizada, provavelmente devido à forte coarticulação da vogal com a consoante precedente
(africada alveopalatal), combinada a uma fragilidade sonora da vogal neste ambiente.
Apesar da variação observada a depender da posição do pronome em relação ao seu
hospedeiro sintático (o verbo), em termos estatísticos, com p = 0,10, a oscilação de F1 não
foi significativa com a expressividade esperada (de até 0,05).
Em seguida, efetuou-se a comparação entre a vogal das estruturas com pronome
antes do verbo e as vogais átonas vocabulares/lexicais, de modo que se obtiveram as
seguintes significâncias:
Tabela 49: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico te antes do verbo e da vogal das
sílabas [t], [t] derivada, [t] e [t]
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
0,03
0,00
0,06
0,96
0,25
Pretônicas
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
tequila
teclado
tesoura
tesouro
titio
tigela
tomate
tapete
A vogal do pronome mostrou novamente F1 diferente da vogal pretônica média,
motivo pelo qual provavelmente foi, com p = 0,03, significativa a diferença entre aquela e
196
as vogais pretônicas como um todo. Por outro lado, entre a vogal do pronome e a vogal alta
derivada, com p = 0,06, a variação de F1 não foi assinalada como significativa pelo
programa estatístico R no limite estabelecido como relevante. Além disso, revelaram-se
semelhantes a vogal do pronome e as vogais pretônica alta subjacente (identidade quase
total) e postônica alta.
Portanto, assim como ocorreu na amostra com o pronome me, neste subconjunto de
dados, a vogal pretônica média destacou-se das outras vogais (altas), pertencessem estas a
sílabas átonas ou ao clítico te. Além disso, nesta amostra, observou-se que a vogal
pretônica alta derivada também se diferenciou significativamente da vogal postônica. De
acordo com os resultados, a vogal pretônica média apresenta os maiores valores de F1
contemplados na amostra (em torno de 400 Hz), enquanto a pretônica alta subjacente e
postônica apresentam os menores (até cerca de 300 Hz).
Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /sE/, cuja vogal pode ser
realizada como média (s[e]cura, s[e]tenta) ou alta (s[i]guido, s[i]guro), /si/ (c[i]garro,
c[i]garra) e /sI/ (chatice[, alfac[]), os resultados foram os seguintes:
Tabela 50: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [se], [si] derivada e [si] e da
postônica [s]
Pretônica /sE/
Pretônica /si/
Postônica /sI/
secura
seguido
cigarro
chatice
setenta
seguro
cigarra
alface
[]
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
média D.P. média D.P. média D.P. média D.P.
Informante 1
400
22
319
25
290
20
275
26
Informante 2
387
24
310
21
331
35
312
32
Informante 3
413
42
313
16
312
13
234
45
Informantes em conjunto
400
32
314
21
311
29
276
47
Como a vogal pretônica média nas outras duas amostras, em [se], ela apresentou
uma frequência de cerca de 400 Hz. A respeito das demais vogais, observando a média
relativa à fala de cada informante, não é notável uma divisão clara entre as categorias;
porém, baseando-se na média da pronúncia coletiva, a postônica ainda apresenta a menor
média, com 276 Hz, enquanto as vogais pretônicas altas apresentaram frequências
parecidas, entre 311 e 314 Hz.
Na tabela 51, as significâncias confirmam o destaque da vogal média frente às
demais vogais.
197
Tabela 51: Significância das diferenças entre F1 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [s], [s]
derivada, [s] e [s]
Vogais comparadas
[e]
x [i] derivada
[e]
x [i] subjacente
x []
[e]
[i] derivada
x [i] subjacente
x []
[i] derivada
x []
[i] subjacente
Pretônicas
x
Significância
0,00
0,00
0,02
0,82
0,21
Postônica
0,23
0,06
A vogal pretônica média teve F1 diferente do verificado para as três vogais altas.
Todas as outras comparações realizadas (entre vogais altas e entre pretônicas e postônica)
não revelaram diferença significativa, considerando o limite de 0,05. Cabe salientar,
apenas, que o contraste entre o F1 referente às pretônicas em geral e o da postônica
apresenta significância bem próxima ao limite estabelecido, o que possivelmente se
justifica pela inclusão da vogal média entre as pretônicas.
Do que se expôs até o momento, verifica-se que o primeiro formante não consistiu
em um parâmetro que distingue a qualidade vocálica de [i] derivada, [i] subjacente e [] –
vogais a que poderia corresponder a vogal do clítico. Os resultados referentes ao pronome
se reflexivo/inerente também retratam esse comportamento de F1, conforme se pode ver na
tabela 52.
Tabela 52: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se reflexivo/inerente e da vogal das
sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s]
se cuida
se trata
se guia
se nina
se gaba
se cala
cortou-se
furou-se
[i] do clítico
[i] do clítico
[i] do clítico
[] do clítico
0,00
0,22
0,66
0,79
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
secura
setenta
seguido
seguro
cigarro
cigarra
chatice
alface
A vogal alta de se reflexivo/inerente, quando contrastada com palavras
foneticamente parecidas, só foi realmente diferente da vogal pretônica média. A vogal de
se indeterminador/apassivador, por outro lado, distinguiu-se também de outra vogal alta,
como mostra a tabela 53.
198
Tabela 53: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se indeterminador/apassivador e da
vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s]
se trata
se tenta
se guia
se nina
se nada
se dava
pediu-se
previu-se
0,00
[i] do clítico
[e]
0,00
[i] do clítico
[i] derivada
0,06
[i] do clítico
[i] subjacente
0,42
[] do clítico
[]
secura
setenta
seguido
seguro
cigarro
cigarra
chatice
alface
A vogal do pronome antes do verbo diferenciou-se tanto da vogal pretônica média
quanto da pretônica alta derivada; em ambas os casos, registrou-se p = 0,00. A diferença
entre aquela vogal e a pretônica alta subjacente, por pouco, com p = 0,06, não se mostrou
estatisticamente
significativa;
portanto,
ao
que
parece,
a
vogal
de
se
indeterminador/apassivador antes do verbo estaria, no que diz respeito a F1, mais próximo
do comportamento da pretônica alta subjacente. Quando posposto o pronome, com p =
0,42, sua vogal teve comportamento semelhante ao da postônica [].
Agrupando as realizações do pronome se reflexivo/inerente antes do verbo em um
só conjunto, os valores médios de F1 desse grupo estão expostos na tabela 54, assim como
aqueles relativos ao clítico posposto.
Tabela 54: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se reflexivo/inerente [si/s] antes do verbo
e depois do verbo
Vogal do clítico se refl./inerente
Vogal do clítico se refl./inerente
antes do verbo
depois do verbo
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
312
29
276
20
Informante 2
318
27
305
43
Informante 3
319
21
262
32
Informantes em conjunto
316
26
283
38
p = 0,10
Na fala dos três informantes, consequentemente na média geral, o valor de F1
quando o pronome se encontrava antes do verbo era maior que o obtido para o pronome
quando este sucedia o mesmo. Antes do verbo, F1 correspondia, em média, a 316 Hz,
assim como as pretônicas altas vocabulares/lexicais (cf. tabela 50). Depois do verbo,
correspondia a 283 Hz, como a postônica vocabular/lexicais (cf. tabela 50). De qualquer
forma, com p = 0,10, a oscilação de F1 a depender da posição do pronome não foi de todo
199
desprezível, embora não significativa segundo o limite estabelecido para o tratamento
estatístico dos dados.
Quando comparada a vogal do pronome anteposto ao verbo à vogal de sílabas
átonas vocabulares/lexical, foram obtidas as significâncias apresentadas na tabela 55.
Tabela 55: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se reflexivo/inerente antes do verbo
e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s]
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
0,13
0,00
0,53
0,69
0,19
Pretônicas
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
secura
setenta
seguido
seguro
cigarro
cigarra
chatice
alface
Mais uma vez, somente se constatou uma real variação de F1 envolvendo vogais
alta e média. Enquanto a vogal do pronome se reflexivo/inerente se igualou às vogais altas
de sílabas átonas vocabulares/lexicais (pretônicas e postônica), no que se refere a F1, com
p = 0,00, ela diferenciou-se da vogal pretônica média.
Em se tratando de se indeterminador/apassivador, por outro lado, com p = 0,03, a
variação de F1 quando a posição do pronome alterou mostrou-se um aspecto sistemático.
Os valores médios desse formante, concernente à vogal desse tipo pronominal, encontramse na tabela 56.
Tabela 56: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se indeterminador/apassivador [si/s]
antes do verbo e depois do verbo
Vogal do clítico se indet./apass.
Vogal do clítico se indet./apass.
antes do verbo
depois do verbo
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
339
37
290
12
Informante 2
335
23
313
44
Informante 3
330
21
286
22
Informantes em conjunto
334
29
297
32
p = 0,03
Na fala dos três informantes, o valor médio de F1 de sua vogal era superior quando
o pronome estava localizado antes do verbo, como foi observado na apresentação dos
200
resultados de se reflexivo/inerente. Como foi dito anteriormente, foi comprovado que a
oscilação de F1 envolvendo o se indeterminador/apassivador não foi aleatória.
Além disso, quando esse pronome estava antes do verbo, o F1 de sua vogal foi
significativamente diferente não só da vogal pretônica média (secura, setenta), mas
também da pretônica alta derivada (seguido, seguro), conforme se pode verificar na tabela
57.
Tabela 57: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se indeterminador/apassivador
antes do verbo e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s]
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
0,66
0,00
0,00
0,17
0,11
Pretônicas
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
secura
setenta
seguido
seguro
cigarro
cigarra
chatice
alface
Assim sendo, nessa situação, duas vogais altas distinguiram-se sistematicamente
quanto ao primeiro formante, fato antes observado somente quando se verificou a
relevância da variação de F1 quando a ordem do pronome alterava em relação ao verbo.
No que concerne a F1, portanto, a vogal de se indeterminador/apassivador
apresentou um comportamento singular, de modo que não foi ao acaso que este pronome
antes do verbo tenha se diferenciado da vogal de se reflexivo/inerente nessa mesma
posição (p = 0,00). Em posição pós-verbal, ao contrário, as vogais dos dois tipos
pronominais não divergiram sistematicamente (p = 0,37).
De modo geral, o que se pôde observar na análise de F1 nesse primeiro
experimento consistiu principalmente na nítida diferença entre segmentos vocálicos altos e
médio. Ademais, no âmbito dos pronomes átonos, o se indeterminador/apassivador foi o
único a ter alterado realmente o formante a depender da sua posição sintática e,
provavelmente, em função do tipo de ligação fonológica – se houver, de fato, coincidência
entre a ligação sintática e a fonológica. Assim sendo, a frequência formântica consistiu em
201
mais um aspecto que reforça a tese de que, em termos fonético-fonológicos, esse tipo
pronominal se destaca em relação aos demais.
(iv)
Segundo formante:
Os valores do segundo formante tradicionalmente se correlacionam com grau de
posteriorização/anteriorização da vogal. De acordo com o trapézio vocálico (cf. figura 5,
página 86), que dispõe os segmentos vocálicos segundo seu ponto de articulação e seu grau
de abertura, a vogal média é menos anterior que a vogal alta. Dessa forma, era esperado
que a vogal média apresentasse valores médios de F2 menores que os de uma vogal alta;
contudo, na maioria das vezes, essa hipótese não foi confirmada no presente trabalho.
Considerando, ainda, o trabalho de Moraes, Callou & Leite (1996), partiu-se da
hipótese de que o maior grau de atonicidade seria compatível com o maior valor de F1 (que
indica som mais baixo) e menor valor de F2 (que denota som menos anterior). Quanto a
F2, o referido estudo revelou basicamente uma diferença nítida do [i] postônico (2099 Hz
em média) em relação aos outros dois [i]s (2193 Hz, quando pretônico, e 2196 Hz, quando
tônico), denotando uma articulação menos anteriorizada (mais centralizada) do postônico.
De forma semelhante, o [e] pretônico (1884 Hz em média), em comparação ao tônico
(2016 Hz em média), mostrou-se mais recuado, menos anteriorizado.
Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /mE/, cuja vogal pode ser
realizada como média (m[e]disse, m[e]gera) ou alta (m[i]xido, m[i]nina), /mi/ (m[i]cose,
m[i]tose) e /mI/ (salam[], perfum[]), os resultados foram os seguintes:
Tabela 58: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [me], [mi] derivada e [mi] e
da postônica [m]
Pretônica /mE/
Pretônica /mi/
Postônica /mI/
medisse
mexido
micose
salame
megera
menina
mitose
perfume
[]
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
média D.P. média D.P. média
D.P.
média D.P.
Informante 1
2034
68
2166
50
2163
112
2005
76
Informante 2
2003
71
2078
94
1938
171
1839
119
Informante 3
2008
62
2010
242
2010
95
2101
128
Informantes em conjunto
2024
69
2085
169
2037
160
1982
154
202
Como se pode ver, a princípio, não é possível distinguir vogais de sílabas átonas
vocabulares/lexicais com base em F2. Quando se observa a fala de cada indivíduo, não se
verifica uma gradação entre os valores, o que indica uma assistematicidade, a qual é
confirmada através do tratamento estatístico.
Além disso, as médias referentes à fala dos informantes em conjunto mostram que a
vogal alta postônica apresentou o menor valor de F2 (1982 Hz), contrariando a hipótese
inicial de que a vogal média seria a menos anterior de todas as vogais. Comparando as
realizações de [i], o índice mais baixo de F2 obtido para a postônica em comparação ao
obtido para as realizações altas pretônicas confirma a hipótese de maior anterioridade da
vogal postônica. Contudo, ao que parece, qualquer diferença superficialmente observada
foi estatisticamente irrelevante, conforme ratificam os resultados expostos na tabela 59.
Tabela 59: Significância das diferenças entre F2 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [], []
derivada, [] e []
Vogais comparadas
[e]
x [i] derivada
[e]
x [i] subjacente
x []
[e]
[i] derivada
x [i] subjacente
x []
[i] derivada
x []
[i] subjacente
Pretônicas
x
Postônica
Significância
0,26
0,26
0,70
0,58
0,32
0,32
0,49
Os resultados das quatro categorias de vogais foram confrontados entre si. Em
todos os casos, não houve índice de significância relevante, pois os índices ficaram sempre
muito superiores a 0,05. Desse modo, o tratamento estatístico confirmou que as vogais das
sílabas /mE/, /mi/ e /mI/ são, na verdade, similares quanto a F2.
Após abordar apenas as sílabas vocabulares/lexicais, elas foram relacionadas a
estruturas com pronome me, como mostra a tabela 60.
203
Tabela 60: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico me e da vogal das sílabas [], []
derivada, [] e []
me disse
me gera
me chifra
me nina
me cobre
me toca
calei-me
lembrei-me
[i] do clítico
[i] do clítico
[i] do clítico
[] do clítico
0,12
0,35
0,06
0,34
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
medisse
megera
mexido
menina
micose
mitose
salame
perfume
Novamente não se registrou p ≤ 0,05. Enquanto o mais esperado era que a vogal
média se distinguisse da vogal alta do clítico, o menor índice obtido, p = 0,06, resultou do
confronto entre vogal do pronome anteposto ao verbo e vogal pretônica alta subjacente, o
que fica, por ora, sem explicação.
Ao que parece, o comportamento de F2 da vogal do pronome me é semelhante ao
da vogal das sílabas vocabulares/lexicais. Assim, tendo já observado os índices referentes
às pretônicas e postônica, cabe mostrar os que dizem respeito à vogal do clítico. Na tabela
61, eles são apresentados em função da posição do pronome em relação ao verbo.
Tabela 61: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico me [mi/m] antes do verbo e depois do
verbo
Vogal do clítico me antes do verbo
Vogal do clítico me depois do verbo
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
2032
203
2112
52
Informante 2
2007
160
2025
74
Informante 3
2045
202
2093
88
Informantes em conjunto
2062
197
2076
82
p = 0,19
Na fala dos três informantes, em conjunto ou separadamente, quando o pronome se
encontrava antes do verbo, o valor médio de F2 da vogal foi menor. Apesar dessa
regularidade, o cálculo estatístico mostrou que o formante não alterou significativamente
(p = 0,19).
Os resultados mostram, então, que as realizações das vogais pretônicas e postônica
não foram diferentes quanto a F2, da mesma forma que as vogais de pronome me antes e
depois do verbo também não. Assim, é compreensível que, na comparação entre a vogal do
clítico antes do verbo (me disse, me gera, me chifra, me nina, me cobre e me toca) e a
204
vogal de sílabas vocabulares/lexicais, não tenham sido alcançadas significâncias que
representem dados realmente variáveis, como informa a tabela 62.
Tabela 62: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico me antes do verbo e da vogal das
sílabas [], [] derivada, [] e []
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
0,54
0,42
0,90
0,33
0,60
pretônicas
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
medisse
megera
mexido
menina
micose
mitose
salame
perfume
Essa primeira amostra analisada justifica o fato de todas as vogais analisadas serem
referidas tradicionalmente como anteriores. Em nenhum momento da investigação, a vogal
do clítico me (antes ou depois do verbo) e a vogal das sílabas vocabulares (/mE/, /mi/ e
/mI/) mostraram diferença significativa quanto a F2. A amostra que será explorada a
seguir, no entanto, não revelou o mesmo comportamento.
Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /tE/, cuja vogal pode ser
realizada como média (t[e]quila, t[e]clado) ou alta (t[i]soura, t[i]souro), /ti/ (t[i]tio,
t[i]gela) e /tI/ (tomat[], tapet[]), os resultados estão expostos na tabela a seguir.
Tabela 63: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [te], [ti] derivada e [ti] e da
postônica [t]
Pretônica /tE/
Pretônica /ti/
Postônica /tI/
tequila
tesoura
titio
tomate
teclado
tesouro
Tigela
tapete
[]
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
média D.P. média D.P. média
D.P.
média D.P.
Informante 1
1966
145
1673
65
2194
060
2122
71
Informante 2
1999
089
1630
40
2125
117
1922
71
Informante 3
1917
078
1856
123
2255
143
2303
141
Informantes em conjunto
1960
113
1720
129
2192
124
2104
175
Na fala dos três informantes, a relação entre as vogais foi basicamente a mesma: a
vogal pretônica alta derivada foi pronunciada de forma mais posterior, pois apresentou o
205
menor valor médio de F2 (1720 Hz em média); a vogal pretônica média aparece em
segundo plano (com cerca de 1960 Hz), seguida pela postônica (em torno de 2104 Hz); a
vogal pretônica alta subjacente foi a categoria mais anterior (com cerca de 2192 Hz).
Na tabela 64, pode-se ver que nem todas essas vogais são realmente diferentes,
sobretudo a vogal pretônica média e a postônica, cujos valores médios são próximos.
Tabela 64: Significância das diferenças entre F2 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [t], [t]
derivada, [t] e [t]
Vogais comparadas
[e]
x [i] derivada
[e]
x [i] subjacente
x []
[e]
[i] derivada
x [i] subjacente
x []
[i] derivada
x []
[i] subjacente
Pretônicas
x
Significância
0,06
0,01
0,29
0,00
0,04
Postônica
0,57
0,29
As vogais [e] e [], de fato, não apresentaram valores de F2 significativamente
diferentes, assim como [i] subjacente e []. As pretônicas [e] e [i] derivada, por p = 0,06
apenas, obtiveram índice de significância muito próximo ao limítrofe quanto a F2. Com p
= 0,01, somente se verificou uma diferença clara entre vogal média e vogal alta quando [e]
foi comparada a [i] subjacente – de acordo com os valores de F2, aquela seria mais
posterior que esta, o que vai ao encontro da hipótese inicial.
Algumas vogais altas entre si também revelaram alteração formântica significativa.
Entre as pretônicas [i] derivada e [i] subjacente, com p = 0,00, a variação foi totalmente
sistemática, de modo que aquela seria mais posterior que esta. A pretônica [i] derivada, por
sua vez, com p= 0,04, também teria se mostrado significativamente mais posterior que a
postônica [].
Desse modo, ao que parece, a variação de F2 ocorreu envolvendo a vogal
média/alta derivada e as demais vogais. Ademais, mesmo tendo se observado diferença
entre uma pretônica e outra postônica, com p = 0,29, a classe pretônica não se mostrou
significativamente diferente da postônica quanto ao aspecto observado.
Tendo analisado as vogais das sílabas /tE/, /ti/ e /tI/, elas foram confrontadas com a
vogal do pronome te, respeitando os pares foneticamente parecidos.
206
Tabela 65: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico te e da vogal das sílabas [t], [t]
derivada, [t] e [t]
te quica
te cava
te zomba
te zoa
te tiro
te gela
tomei-te
domei-te
[i] do clítico
[i] do clítico
[i] do clítico
[] do clítico
0,00
0,34
0,54
0,56
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
tequila
teclado
tesoura
tesouro
titio
tigela
tomate
tapete
Não se constatou identidade entre os quatro pares comparados. Com p = 0,00, a
vogal do pronome antes do verbo distinguiu-se da vogal pretônica média, mas igualou-se
às pretônicas alta derivada e subjacente. Quando depois do verbo o pronome, sua vogal não
apresentou diferença significativa em relação ao valor de F2 referente à vogal postônica.
Os valores médios de F2 referentes à vogal do clítico estão expostos na tabela 66.
Tabela 66: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico te [ti/t] antes do verbo e depois do verbo
Vogal do clítico te antes do verbo
Vogal do clítico te depois do verbo
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
2088
283
2139
43
Informante 2
2011
201
1848
98
Informante 3
2281
148
Informantes em conjunto
2127
245
2042
152
p = 0,52
Na fala dos informantes 1 e 2, a vogal de te em posição pós-verbal foi mais
posterior, porque apresentou F2 inferior ao da vogal do pronome anteposto. Na fala do
informante 3, não foi possível fazer esse contraste, porque, em posição pós-verbal, nas seis
realizações do clítico, a vogal foi omitida. De qualquer forma, de acordo com o tratamento
estatístico dos dados, qualquer diferença observada foi irrelevante, pois o confronto entre
as realizações vocálicas nas duas posições resultaram em p = 0,52.
Relacionando todos os valores de F2 da vogal do pronome antes do verbo (te quica,
te cava, te zomba, te zoa, te tiro e te gela) às vogais de sílabas átonas vocabulares/lexicais,
obtiveram-se as significâncias apresentadas na tabela 67.
207
Tabela 67: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico te antes do verbo e da vogal das
sílabas [t], [t] derivada, [t] e [t]
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
0,17
0,16
0,01
0,52
0,93
Pretônicas
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
tequila
teclado
tesoura
tesouro
titio
tigela
tomate
tapete
Quando o contexto circunvizinho era semelhante, a vogal do clítico mostrou-se
diferente da vogal pretônica média. Dessa vez, considerando todas as realizações da vogal
do pronome anteposto, independentemente do contexto seguinte, ela diferenciou-se da
vogal alta derivada. Assim sendo, como ocorreu na análise especificamente das vogais de
sílabas vocabulares/lexicais, as vogais pretônicas média e alta derivada distinguiram-se de
outra vogal alta, neste caso, do pronome te.
Já na análise de outros parâmetros acústicos, essa amostra se destacou. A maior
parte dos apagamentos vocálicos atingiu a sílaba /tI/ e o pronome te pós-verbal. Além
disso, a maior parte das diferenças verificadas também envolveu esse subconjunto de
dados. Assim, as vogais das sílabas /tE/, /ti/ e /tI/ e do pronome te parecem mais sensíveis
às alterações fonéticas, o que teria deixado mais evidentes características vocálicas que
naturalmente são difíceis de perceber analisando os parâmetros acústicos isoladamente.
Em se tratando de formantes especificamente – não só F2, mas também F1 (cf.
tabelas 46, 47 e 49) –, as diferenças manifestadas não estão sistematicamente associadas à
(a)tonicidade da partícula (sílaba ou pronome), mas à diferença da qualidade vocálica,
sobretudo entre as vogais média e alta.
Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /sE/, cuja vogal pode ser
realizada como média (s[e]cura, s[e]tenta) ou alta (s[i]guido, s[i]guro), /si/ (c[i]garro,
c[i]garra) e /sI/ (chatice[, alfac[]), os resultados estão expostos na tabela 68.
208
Tabela 68: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [se], [si] derivada e [si] e da
postônica [s]
Pretônica /sE/
Pretônica /si/
Postônica /sI/
secura
seguido
cigarro
chatice
setenta
seguro
cigarra
alface
[]
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
média D.P. média D.P. média D.P. média D.P.
Informante 1
1738
083
1999
178
2011
150
2059
179
Informante 2
1722
039
1783
294
1986
044
1907
051
Informante 3
1841
162
2075
121
2164
033
2286
247
Informantes em conjunto
1767
120
1952
244
2053
121
2072
231
Na fala dos três informantes, a vogal pretônica média (com cerca de 1767 Hz) foi
mais posterior que a alta derivada (com 1952 Hz em média), que, por sua vez, foi mais
posterior que a vogal pretônica alta subjacente e a vogal postônica. Estas duas, no entanto,
não possuem uma fronteira entre bem definida, de modo que, apesar de a média de F2 da
postônica referente à fala dos informantes em conjunto ter sido maior, nem sempre essa
proporção se manteve entre a fala dos indivíduos.
Em termos estatísticos, conforme mostra a tabela 69, apenas a oscilação de F2 entre
a pretônica média e a postônica foi sistemática (p = 0,01). O maior índice de significância
registrado (p = 0,82), por outro lado, envolveu pretônica alta subjacente e postônica,
corroborando as impressões sobre essas vogais descritas anteriormente – valores
formânticos aproximados e variação assistemática.
Tabela 69: Significância das diferenças entre F2 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [s], [s]
derivada, [s] e [s]
Vogais comparadas
[e]
x [i] derivada
[e]
x [i] subjacente
x []
[e]
[i] derivada
x [i] subjacente
x []
[i] derivada
x []
[i] subjacente
Pretônicas
x
Postônica
Significância
0,15
0,01
0,09
0,39
0,40
0,82
0,35
Na correlação entre os pares com pronome se reflexivo/inerente e aqueles com as
sílabas analisadas, obtiveram-se as significâncias apresentadas na tabela 70.
209
Tabela 70: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico se reflexivo/inerente e da vogal das
sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s]
se cuida
se trata
se guia
se nina
se gaba
se cala
cortou-se
furou-se
0,44
[i] do clítico
0,39
[i] do clítico
0,30
[i] do clítico
0,48
[] do clítico
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
secura
setenta
seguido
seguro
cigarro
cigarra
chatice
alface
Os quatro índices expostos acima revelam um paralelismo entre as vogais estudadas
(p > 0,05), mesmo entre a vogal do clítico e a vogal média/alta derivada – contextos que,
na amostra anteriormente abordada, revelaram diferença significativa.
O
mesmo
procedimento
foi
adotado
relacionando
o
pronome
se
indeterminador/apassivador às sílabas átonas vocabulares/lexicais, resultando nas
significâncias expostas na tabela 71.
Tabela 71: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico se indeterminador/apassivador e da
vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s]
se trata
se tenta
se guia
se nina
se nada
se dava
pediu-se
previu-se
[i] do clítico
[i] do clítico
[i] do clítico
[] do clítico
0,20
0,13
0,39
0,86
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
secura
setenta
seguido
seguro
cigarro
cigarra
chatice
alface
Assim como ocorreu com a vogal de se reflexivo/inerente, a vogal do pronome se
indeterminador/apassivador teve um comportamento formântico similar ao de cada vogal
átona a que foi comparada, sobretudo quando se tratava de pronome posposto e sílaba
postônica (p = 0,86).
Na sequência, são apresentados os valores médios de F2 referentes à vogal do
pronome se reflexivo/inerente.
210
Tabela 72: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico se reflexivo/inerente [si/s] antes do verbo
e depois do verbo
Vogal do clítico se refl./inerente
Vogal do clítico se refl./inerente
antes do verbo
depois do verbo
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
2018
169
1945
028
Informante 2
1932
181
1805
053
Informante 3
2060
183
2155
143
Informantes em conjunto
2003
186
1945
155
p = 0,77
Exceto pela fala do informante 3, a vogal do pronome em posição pré-verbal
apresentou valores médios de F2 maiores que aqueles da vogal de se reflexivo/inerente
depois do verbo. A variação, no entanto, foi aleatória de acordo com o índice de
significância estatística (p = 0,77); em outras palavras, a oscilação dos valores desse
formante a depender da ordem dos constituintes não foi sistemática.
Quando comparadas as realizações da vogal de se reflexivo/inerente antes do verbo
(se cuida, se trata, se guia, se nina, se gaba e se cala) às vogais de sílabas átonas
vocabulares/lexicais, as significâncias obtidas foram as que se expõem na tabela a seguir.
Tabela 73: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico se reflexivo/inerente antes do verbo
e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s]
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
0,34
Pretônicas
0,01
[e]
0,63
[i] derivada
0,50
[i] subjacente
0,54
[]
secura
setenta
seguido
seguro
cigarro
cigarra
chatice
alface
Como se pode ver, mais uma vez, a vogal alta do clítico diferenciou-se da vogal
pretônica média. A julgar pelos valores apresentados nas tabelas 68 e 72, a vogal média foi
mais posterior que a alta do clítico. Os demais contextos comparados não revelaram
diferença relevante.
Quanto
aos
valores
médios
de
F2
referentes
indeterminador/apassivador, eles encontram-se expostos na tabela 74.
à
vogal
de
se
211
Tabela 74: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico se indeterminador/apassivador [si/s]
antes do verbo e depois do verbo
Vogal do clítico se indet./apass.
Vogal do clítico se indet./apass.
antes do verbo
depois do verbo
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
1956
173
1989
043
Informante 2
1893
164
1927
106
Informante 3
1961
228
2257
105
Informantes em conjunto
1937
194
2046
165
p = 0,35
Ao contrário do que foi observado com se reflexivo/inerente, a frequência (F2) da
vogal de se indeterminador/apassivador em posição pós-verbal foi maior que aquela da
vogal desse tipo pronominal antes do verbo. Porém, assim como ocorreu com se em
estrutura reflexiva, a vogal de se em estrutura indeterminadora não alterou
significativamente F2 em função da colocação pronominal (p = 0,35).
O
segundo
formante
de
todas
as
realizações
da
vogal
de
se
indeterminador/apassivador antes do verbo foi contrastado com o das vogais pretônicas e
postônica, de modo que se registraram as seguintes significâncias:
Tabela 75: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico se indeterminador/apassivador
antes do verbo e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s]
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
Cl V
[i] do clítico
0,34
0,02
0,87
0,15
0,31
Pretônicas
[e]
[i] derivada
[i] subjacente
[]
secura
setenta
seguido
seguro
cigarro
cigarra
chatice
alface
Novamente, a diferença registrada deu-se entre a vogal do clítico e a categoria de
vogal pretônica média (p = 0,02). Assim como ocorreu com se reflexivo/inerente, essa
diferença não foi suficiente para estabelecer uma distinção significativa entre pretônicas e
postônica (p = 0,34). Além disso, a vogal de se indeterminador/apassivador equivaleu às
vogais altas, principalmente à pretônica alta subjacente (p = 0,87).
212
Tendo apresentado os resultados dos dois tipos de pronome se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador), cabe salientar o resultado estatístico obtido a partir da
comparação entre os valores médios de F2 quando as duas tipologias pronominais se
encontravam antes e depois do verbo. Com o pronome anteposto, a diferença de F2 entre a
vogal de se reflexivo/inerente e de se indeterminador/apassivador foi relevante (p = 0,03),
ao contrário de quando ambos estavam em posição pós-verbal (p = 0,56). Desse modo,
embora os valores de F2 da vogal dos dois tipos pronominais não tenham sido alterados
significativamente em função da posição do clítico e tenham se distinguido
significativamente em relação à vogal média, a vogal desses dois tipos de pronome não foi
similar no que se refere a F2 quando eles se encontravam antes do verbo.
A análise do segundo formante mostrou que esse parâmetro acústico não variou
significativamente entre os dados da primeira amostra explorada – aquela com as sílabas
/mE/, /mi/ e /mI/ e o pronome me. Ao abordar a segunda amostra – aquela que contém as
sílabas /tE/, /ti/ e /tI/ e o pronome te –, constatou-se diferença entre vogais altas (de clítico
ou de sílaba átona vocabular/lexical) e vogal média, assim como aconteceu durante a
análise da terceira amostra – aquela com as sílabas /sE/, /si/ e /sI/ e o pronome se
(reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador). Além disso, no segundo subconjunto de
dados, observou-se ainda discrepância entre a vogal pretônica alta derivada e as demais
vogais altas contempladas (pretônica alta subjacente e postônica).
Dessa forma, como se verificou também durante a análise dos outros três
parâmetros acústicos (duração, intensidade e F1), registraram-se diferenças significativas,
especialmente quando se tratava do segundo e terceiro subconjunto de dados – os mesmos
envolvidos em apagamento de segmento vocálico. De modo geral, embora em alguns
momentos os resultados não correspondam às expectativas iniciais, eles revelam, com
respaldo estatístico, principalmente diferenças resultantes de características próprias dos
segmentos. Assim, as vogais altas não se distinguiram entre si normalmente, mas
distinguiram do segmento medial.
Em virtude das propriedades comuns e divergentes entre clíticos e sílabas átonas
vocabulares/lexicais verificadas ao longo do experimento 1, embora a análise dos
parâmetros isoladamente não tenha sido suficientemente clara, ela mostrou, ainda que
minimamente, que existe um paralelismo entre essas duas partículas (pronome e sílaba
213
átona) especialmente quando apresentam a mesma qualidade vocálica, conforme afirma
Carvalho (1989).
No experimento 2, cujos dados serão analisados a seguir, essas características
fonéticas (segmentais e suprassegmentais) servirão ao propósito de refletir sobre a ligação
fonológica. Em posição intra-complexo verbal, o pronome, a princípio, pode ligar-se em
ênclise ao primeiro verbo ou em próclise ao segundo. Tentar-se-á, com base nelas,
identificar
a
ligação
prototípica
do
pronome
se
(reflexivo/inerente
e
indeterminador/apassivador).
6.2.2. Experimento 2: características acústicas do pronome “se” no interior de complexo
verbal
Bem como foi feito no experimento 1, duração, intensidade, primeiro e segundo
formantes foram medidos. Contudo, no experimento 2, em particular, o objeto de estudo
contempla construções com complexo verbal, algumas delas com o pronome se e outras
com a sílaba pretônica a que ele pode se assemelhar no caso de a ligação fonológica ser
proclítica (cf. figura 8).
Antes de abordar os parâmetros acústicos, cabe descrever o comportamento dos
dados quanto à produção dos segmentos. A seguir, são, então, relatadas as vogais que
foram realizadas e os contextos em que não ocorreu a realização do segmento.
A vogal do pronome (se reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) foi
realizada categoricamente como alta; assim, considerando o primeiro par de complexos
verbais – pode se dirigir (estrutura reflexiva, pode se dirigir tranquilamente até lá) e pode
se dirigir (estrutura indeterminadora, pode se dirigir a 80 quilômetros na cidade) –, duas
vogais altas, pertencentes a tipos diferentes de pronome, foram comparadas.
No segundo subconjunto de complexos verbais, estão compreendidas as realizações
de pode seviciar, pode se viciar (com se reflexivo/inerente, pode se viciar em drogas) e
pode se viciar (com se indeterminador/apassivador, pode se viciar os garotos em drogas).
Através do primeiro complexo mencionado, em que a primeira vogal pretônica do verbo
temático seviciar foi produzida sempre como [e], as vogais realizadas como alta nos dois
tipos de pronome se foram comparadas a uma vogal pretônica média.
No terceiro subconjunto, formado por pode segurar, pode se curar (com se
reflexivo/inerente, pode se curar seguindo as recomendações) e pode se curar (com se
214
indeterminador/apassivador, pode se curar o menino com um bom tratamento), são
contempladas apenas vogais altas, referentes às realizações do pronome se e à vogal
pretônica alteada do verbo temático segurar.
No quarto subconjunto – pode sitiar, pode se tirar (com se reflexivo/inerente, pode
se tirar daqui) e pode se tirar (com se indeterminador/apassivador, pode se tirar aqui) –,
assim como no terceiro, estão contidas apenas vogais altas; no entanto, as produções
vocálicas do pronome se são comparadas à vogal alta subjacente, presente na sílaba
pretônica do verbo temático sitiar.
No quinto subconjunto – pode citar, pode sedar, pode se dar (com se
reflexivo/inerente, pode se dar bem no trabalho) e pode se dar (com se
indeterminador/apassivador, pode se dar doce ao menino) –, constam realizações de vogal
pretônica alta subjacente, pretônica média e vogal alta de pronome em estrutura reflexiva e
indeterminadora.
Assim, a partir de estruturas foneticamente parecidas, a vogal alta do clítico se em
posição intra-complexo verbal foi comparada a vogais pretônicas (média, alta derivada e
alta subjacente, a depender do subconjunto). Além disso, cabe salientar que, em momentos
oportunos, os resultados deste experimento serão relacionados àqueles obtidos no
experimento 1.
A respeito dos apagamentos das vogais, eles ocorreram, sobretudo, envolvendo o
pronome átono. Em meio a noventa oportunidades de realização de vogal pretônica
vocabular/lexical – trinta e seis de vogal média (pode s[e]viciar, pode s[e]dar), dezoito de
vogal alta derivada (pode s[i]gurar) e trinta e seis de vogal alta subjacente (pode c[i]tar,
pode s[i]tiar) –, apenas duas vezes (2%) ela foi omitida. Aquela que comumente foi
realizada como alta derivada foi omitida uma vez na fala do informante 2, assim como
aconteceu com a vogal alta subjacente de pode citar. Em nenhum caso, tratava-se de vogal
média.
Considerando cento e oitenta oportunidades de realizar o segmento vocálico do
clítico, em treze (7%) a vogal foi omitida. Sobre o tipo reflexivo/inerente, três vezes esteve
envolvido o complexo pode se tirar (uma vez na fala do informante 2 e duas vezes na fala
do informante 3) e quatro vezes, o complexo pode se dar (duas vezes na fala do informante
1, uma vez na fala do informante 2 e uma vez na fala do informante 3). Sobre o tipo
indeterminador/apassivador, uma vez esteve envolvido o complexo pode se viciar (na fala
do informante 1), quatro vezes, pode se tirar (duas vezes na fala do informante 2 e duas
215
vezes na fala do informante 3) e uma vez, pode se dar (na fala do informante 3). Portanto,
o
apagamento
ocorreu
tanto
em
se
reflexivo/inerente
quanto
em
se
indeterminador/apassivador.
Do ponto de vista segmental, então, as vogais foram pronunciadas conforme o
esperado, de modo que foi possível contrastar a vogal do clítico em posição intra-complexo
verbal a diferentes tipos de vogal pretônica anterior (média, alta derivada e alta
subjacente). O apagamento vocálico49, por outro lado, mostrou que não consiste em um
fenômeno exclusivo aos clíticos; também ocorre, ainda que em menor proporção, em sílaba
átona vocabular/lexical, desde que a vogal que seria pronunciada fosse [i] precedida pela
consoante alveolar, contexto propício ao apagamento segundo Amaral (2009).
Em termos suprassegmentais, dois subconjuntos de dados não apresentaram
qualquer variação relevante, fosse a respeito da duração, intensidade, primeiro ou segundo
formante. Um deles abarca o par pode se dirigir (com o pronome se reflexivo/inerente) e
pode se dirigir (com o pronome se indeterminador/apassivador), o que sugere que se trata
de dois fragmentos foneticamente idênticos, diferenciando-se apenas por aspectos
sintático-semânticos (tipos de pronome se que se ligam sintaticamente a verbos diferentes
– se reflexivo/inerente liga-se a V2, enquanto se indeterminador/apassivador se liga a V1 –
provocam interpretação distinta do fragmento).
O outro subconjunto a não revelar diferenças significativas é composto pelo trio
pode sitiar, pode se tirar (com o pronome se reflexivo/inerente) e pode se tirar (com o
pronome se indeterminador/apassivador). Nesse grupo, além dos tipos de pronome se, foi
comparada a pretônica si de sitiar. A diferença esperada a princípio dizia respeito à
tipologia pronominal, pois um estabeleceria ligação proclítica, enquanto o outro, enclítica.
Contudo, esse complexo verbal com se indeterminador/apassivador (pode se tirar aqui)
conta com uma forma verbal (tirar-se com sentido de ausentar-se) que não é comum na
variedade estudada; a artificialidade do contexto criado pode ter influenciado nos
resultados, de modo que fosse realizada como aquela que é usual, a indeterminadora (pode
se tirar aqui).
49
O experimento 2 não abordou as características fonéticas dos complexos verbais; durante a medição dos
parâmetros acústicos da vogal do clítico e das sílabas vocabulares/lexicais, entretanto, notou-se que, com
frequência, a vogal postônica do verbo auxiliar pode foi omitida, o que poderia ser um aspecto importante
para a realização da ligação enclítica.
216
A respeito dos demais subconjuntos observados neste experimento, serão
explorados
apenas
os
parâmetros
acústicos
que
revelaram
alguma
diferença
estatisticamente comprovada.
Concernente ao trio pode seviciar, pode se viciar (com se reflexivo/inerente) e pode
se viciar (com se indeterminador/apassivador), somente não se registrou diferença
significativa em relação ao parâmetro duração. No que se refere à intensidade, a
comparação das médias das diferentes vogais apresentou os níveis de significância
expostos na tabela 76.
Tabela 76: Significância das diferenças entre a intensidade da voga do clítico se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba pretônica [se] em pode seviciar
Vogais comparadas
Significância
[e]
x [i] de se refl./inerente
0,09
x [] de se indet./apass.
[e]
0,03
x [] de se indet./apass.
[i] de se refl./inerente
0,78
De acordo com esse resultado, o pronome se reflexivo/inerente não é diferente de se
indeterminador/apassivador no que tange à intensidade. O fato de não terem se distinguido
também pela duração conduz ao entendimento de que, de acordo com o comportamento
desses complexos verbais, as duas tipologias pronominais possuem o mesmo estatuto
acentual; portanto, poderiam, por hipótese, projetar-se em direção ao mesmo verbo.
A única discrepância relevante do ponto de vista da intensidade deu-se entre a
vogal [e] da sílaba pretônica do verbo temático seviciar e a vogal do clítico se
indeterminador/apassivador, do modo como está exposto na tabela 77 a seguir.
Tabela 77: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se
(indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar
Vogal do clítico se indet./apass.
Vogal pretônica média
pode se viciar
pode seviciar
[i]/[]
[e]
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
68
02
73
04
Informante 2
65
02
69
0
Informante 3
71
0,5
76
03
Informantes em conjunto
68
03
72
04
Na fala de cada um dos informantes, a vogal pretônica média foi mais forte que a
alta do clítico indeterminador/apassivador, o que resultou nas médias gerais de 72 dB e 68
dB respectivamente, cuja diferença consiste em 4 dB.
217
No que diz respeito à natureza dos segmentos analisados, as três vogais
contrastadas constituem formas diferentes quanto ao primeiro formante, conforme mostra a
tabela 78.
Tabela 78: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar
Vogais comparadas
Significância
[e]
x [i] de se refl./inerente
0,00
x
[]
de
se
indet./apass.
[e]
0,03
x
[]
de
se
indet./apass.
[i] de se refl./inerente
0,05
Com respectivamente 0,00 e 0,03 de significância, a vogal média da sílaba
pretônica de seviciar foi diferente tanto da vogal de se reflexivo/inerente quanto de se
indeterminador/apassivador. No limite de significância admitido para assegurar uma
variação sistemática, com 0,05, a vogal dos dois pronomes também se distingue pelo
primeiro formante.
Na tabela 79, na sequência, pode-se observar que as três vogais – pretônica média,
alta do pronome se reflexivo/inerente e alta do pronome se indeterminador/apassivador –,
quanto a F1, apresentam comportamentos distintos.
Tabela 79: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar
Vogal do clítico se
Vogal do clítico se
Vogal pretônica média
refl./inerente
indet./apass.
pode se viciar
pode se viciar
pode seviciar
[i]/[]
[i]/[]
[e]
média
D.P.
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
305
11
229
04
346
17
Informante 2
332
32
309
25
351
04
Informante 3
319
07
296
19
402
13
Informantes em conjunto
319
23
284
38
367
28
Tanto na média dos informantes em conjunto quanto na fala de cada um deles, a
pretônica média (pode seviciar porque é ditadura) apresenta o maior valor de F1; dessa
forma, das três vogais, ela corresponde à mais baixa, conforme o esperado. A vogal do
pronome se reflexivo/inerente (pode se viciar em drogas) é intermediária, mais baixa que a
vogal de se indeterminador/apassivador (pode se viciar os garotos em drogas) – resultado
que contraria o pressuposto de que a vogal alta deveria ser mais fechada que em pretônica,
que, por sua vez, seria mais fechada que em postônica. Assim como em Moraes, Callou, &
218
Leite (1996), os resultados nem sempre demonstram que, quanto mais átono o segmento,
mais baixo seria o som (ou maior seria o valor de F1).
É preciso, entretanto, ressaltar a sistematicidade dos resultados da pesquisa levando
em conta os experimentos 1 e 2 em conjunto. Considerando a média de F1 referente aos
três informantes, o confronto entre esses resultados e aqueles do experimento 1 converge
para a conclusão de que a vogal do clítico se reflexivo/inerente em posição intra-CV
equivale a uma vogal pretônica alta, ao passo que a vogal de se indeterminador/apassivador
equivale à postônica.
Na tabela 79, vê-se que a média de F1 da vogal de se reflexivo/inerente é 319 Hz,
próxima dos 314 Hz e 311 Hz que, no experimento 1, corresponderam, respectivamente, à
vogal pretônica alta derivada e subjacente (cf. tabela 50). Além disso, aqueles 319 Hz
aproximam-se dos 316 Hz relativo, no experimento 1, à vogal do pronome em posição préverbal, diferentemente dos 283 Hz de quando o pronome ocupou a posição pós-verbal (cf.
tabela 54). Portanto, no que se refere ao primeiro formante, as evidências concorrem para
que a ligação fonológica do pronome se reflexivo/inerente seja interpretada como
proclítica.
O valor médio de F1 referente à vogal de se indeterminador/apassivador em posição
intra-CV correspondeu a 284 Hz, bem próximo dos 276 Hz relativos, no experimento 1, à
vogal postônica (cf. tabela 50) e dos 297 Hz relativos à vogal do mesmo tipo de pronome
em posição pós-verbal (cf. tabela 56) – antes do verbo, o valor médio de F1 aumentara para
334 Hz. Assim, enquanto o se reflexivo/inerente parece proclítico, a qualidade da vogal de
se indeterminador/apassivador na posição intra-CV sugere que o mesmo se encontra
enclítico ao verbo auxiliar.
Além
da
intensidade
e
do
primeiro
formante,
o
clítico
se
indeterminador/apassivador se destaca em mais um aspecto, o segundo formante, conforme
se verifica na tabela 80.
Tabela 80: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar
Vogais comparadas
Significância
[e]
x [i] de se refl./inerente
0,18
x [] de se indet./apass.
[e]
0,03
x [] de se indet./apass.
[i] de se refl./inerente
0,62
219
Assim como aconteceu em relação à intensidade, com p = 0,03, a vogal média de
sílaba pretônica vocabular/lexical (pode seviciar porque é ditadura) diferenciou-se da
vogal de se indeterminador/apassivador (pode se viciar os garotos em drogas) do ponto de
vista do segundo formante. De acordo com a tabela 81, a vogal da sílaba pretônica é menos
anterior que a vogal do clítico, visto que os valores formânticos daquela são menores.
Tabela 81: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico se (indeterminador/apassivador) em pode
se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar
Vogal do clítico se indet./apass.
Vogal pretônica média
pode se viciar
pode seviciar
[i]/[]
[e]
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
1866
82
1859
29
Informante 2
1938
39
1842
50
Informante 3
1989
28
1875
76
Informantes em conjunto
1939
70
1859
57
Constata-se que a vogal [i]/[] é mais anterior que [e]; porém, a princípio, essa
comprovação não tem qualquer implicação para a cliticização fonológica. Até esse
momento da análise, os resultados acerca de F2 não revelam diferença entre vogal
pretônica alta e postônica alta, entre vogal de pronome se proclítico e enclítico.
O mais relevante, sem dúvida, dentro dos propósitos estabelecidos para o
experimento 2, é averiguar o comportamento de se reflexivo/inerente e se
indeterminador/apassivador quando se encontram no interior de uma locução verbal. Nesse
sentido, no trio de enunciados ora analisado, deduz-se, com base no índice de p = 0,62, que
a vogal de ambos apresenta o mesmo grau de anteriorização – característica objetivamente
observada através de F2 –, o qual foi superior àquele referente à vogal média [e].
Considerando o trio pode segurar, pode-se curar (com se reflexivo/inerente) e pode
se curar (com se indeterminador/apassivador), registrou-se diferença significativa
envolvendo apenas a intensidade e o primeiro formante. Tendo em vista que a duração e
F2, no que concerne ao clítico se e às sílabas átonas, têm mostrado relevância somente no
contraste entre vogal média e alta e, neste caso, todas as vogais são altas, provavelmente
em virtude disso, esses dois parâmetros não se destacaram.
Tomando por base o parâmetro intensidade, os índices de significância obtidos são
apresentados na sequência.
220
Tabela 82: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) em pode se curar e da sílaba pretônica [si] derivada em pode segurar
Vogais comparadas
Significância
[i] derivada
x [i] de se refl./inerente
0,05
x
[] de se indet./apass.
[i] derivada
0,32
x
[]
de
se
indet./apass.
[i] de se refl./inerente
0,44
A intensidade não alterou expressivamente entre a vogal de se reflexivo/inerente
(pode se curar seguindo as recomendações) e de se indeterminador/apassivador (pode se
curar o menino com um bom tratamento). Entretanto, com p = 0,05, verifica-se que a
intensidade da vogal alta derivada (pode segurar na minha mão) não equivaleu à da vogal
do clítico se reflexivo/inerente, do modo como se pode observar na tabela 83.
Tabela 83: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente) em pode
se curar e da sílaba pretônica [si] derivada em pode segurar
Vogal do clítico se refl./inerente
Vogal pretônica alta derivada
pode se curar
pode segurar
[i]/[]
[i] derivada
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
69
01
72
04
Informante 2
62
03
72
01
Informante 3
71
01
71
03
Informantes em conjunto
67
04
71
03
Com exceção das médias referentes à fala do informante 3, os valores
demonstraram que a vogal do clítico é mais fraca que a vogal pretônica derivada. Se se
considerar os resultados do experimento 1, no entanto, a vogal de se reflexivo/inerente em
posição intra-complexo verbal não é tão fraca quanto uma sílaba postônica (cf. tabela 32)
ou equivalente à vogal do mesmo em posição pós-verbal (cf. tabela 36), cuja intensidade
média, considerando a fala dos informantes em conjunto, correspondeu a 65 dB.
Sobre o primeiro formante, com p = 0,01, a vogal pretônica alta derivada também
se diferenciou da vogal de se reflexivo/inerente, como pode ser observado na tabela 84.
Tabela 84: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) em pode se curar e da sílaba [si] derivada em pode segurar
Vogais comparadas
Significância
[i] derivada
x [i] de se refl./inerente
0,01
x [] de se indet./apass.
[i] derivada
0,06
x [] de se indet./apass.
[i] de se refl./inerente
0,31
221
Com p = 0,06, índice ligeiramente maior que o limite de 0,05, a vogal pretônica
(pode segurar na minha mão) mostrou-se também diferente da vogal de se
indeterminador/apassivador (pode se curar o menino com um bom tratamento), ainda que
não tão claramente quanto se diferenciou da vogal de se reflexivo/inerente (p = 0,01).
Ademais, da mesma forma, com 0,31 de significância, a vogal dos dois tipos de pronome
não demonstrou uma variação sistemática de F1.
Lançando mão dos resultados que revelaram diferença expressiva, na tabela 85, são
apresentadas as médias relativas a F1 da vogal alta de se reflexivo/inerente (pode se curar
seguindo as recomendações) e da vogal alta derivada da sílaba pretônica vocabular/lexical.
Tabela 85: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente) em pode se curar e
da sílaba [si] derivada em pode segurar
Vogal do clítico se refl./inerente
Vogal pretônica alta derivada
pode se curar
pode segurar
[i]/[]
[i] derivada
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
317
22
395
35
Informante 2
339
03
381
02
Informante 3
314
24
334
06
Informantes em conjunto
323
22
369
35
Os valores médios de F1 relativos à vogal do clítico são inferiores aos da vogal
pretônica alta derivada; portanto, não são correspondentes no que diz respeito ao traço
altura. As realizações da vogal de se reflexivo/inerente foram mais altas que aquelas da
sílaba átona vocabular/lexical.
Relacionando esses resultados àqueles obtidos no experimento 1, nota-se que a
média geral de F1 da vogal do clítico (323 Hz) se aproxima do valor referente a uma
pretônica alta, cuja frequência se apresentou em torno de 314 Hz/311 Hz (alta derivada e
alta subjacente, respectivamente). A frequência média de uma postônica alta foi 276 Hz
(cf. tabela 50); portanto, distante dos 323 Hz da vogal alta de se reflexivo/inerente.
A frequência de [i] derivada em pode segurar não foi compatível com a média de
314 Hz obtida no experimento 1 através das realizações de seguido e seguro. Seu valor de
369 Hz aproxima-se mais dos 400 Hz de uma vogal pretônica média, produzida em secura
e setenta.
Dessa forma, nesse subconjunto, apenas se diferenciou a vogal do clítico se
reflexivo/inerente e a vogal pretônica alta derivada quanto à intensidade e primeiro
formante. Esta vogal se mostrou mais forte e mais baixa que aquela.
222
Por fim, considerando o quarteto pode citar, pode sedar, pode-se dar (com se
reflexivo/inerente) e pode se dar (com se indeterminador/apassivador), as quatro vogais
analisadas só se igualaram no quesito F2. Embora, por um motivo desconhecido, alguns
índices de significância não foram fornecidos pelo programa computacional R, no aspecto
duração, intensidade e F1, os índices estatísticos obtidos indicam que determinadas
diferenças não foram aleatórias.
Abordando primeiramente o parâmetro duração, observa-se, na tabela 86, que, com
p = 0,01, as realizações da vogal pretônica alta subjacente (pode citar outros exemplos)
foram diferentes daquelas referentes à vogal do pronome se reflexivo/inerente (pode se dar
bem no trabalho), bem como estas foram diferentes das da vogal de se
indeterminador/apassivador (pode se dar doce ao menino). Por outro lado, com p = 0,08, a
vogal pretônica média apresentou diferença um pouco acima do índice limítrofe de
relevância estatística estabelecido. Em relação ao contraste entre a vogal média e a vogal
alta de cada tipo de pronome, não se obteve a informação relativa ao índice de
significância no tratamento estatístico.
Tabela 86: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) em pode se dar e das sílabas pretônicas [se] em pode sedar e [si] em pode
citar
Vogais comparadas
Significância
[e]
x [i] subjacente
0,08
[e]
x [i] de se refl./inerente
x [] de se indet./apass.
[e]
[i] subjacente
x [i] de se refl./inerente
0,01
x [] de se indet./apass.
[i] subjacente
0,13
x [] de se indet./apass.
[i] de se refl./inerente
0,01
Na tabela 87, a seguir, é apresentada a duração média da pretônica alta subjacente e
da vogal do pronome se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador).
223
Tabela 87: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) em pode se dar e da sílaba pretônica [si] em pode citar
Vogal do clítico se
Vogal do clítico se
Vogal pretônica alta
refl./inerente
indet./apass.
subjacente
pode se dar
pode se dar
pode citar
[i]/[]
[i]/[]
[i] subjacente
média
D.P.
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
06
08
38
07
74
05
Informante 2
18
15
36
05
31
23
Informante 3
18
13
28
20
32
07
Informantes em conjunto
14
14
34
13
46
25
Os resultados indicam que a vogal pretônica alta subjacente e a vogal de se
indeterminador/apassivador foram mais longas que a vogal de se reflexivo/inerente.
Ademais, qualquer diferença observada entre a pretônica vocabular/lexical e a vogal de se
indeterminador/apassivador, ao que tudo indica, foi ocasional. A respeito da intensidade,
na sequência, na tabela 88, estão expostos os contextos em que ela variou
sistematicamente.
Tabela 88: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) em pode se dar e das sílabas pretônicas [se] em pode sedar e [si] em pode
citar
Vogais comparadas
Significância
[e]
x [i] subjacente
0,01
[e]
x [i] de se refl./inerente
0,00
x
[] de se indet./apass.
[e]
0,05
[i] subjacente
x [i] de se refl./inerente
0,13
x
[] de se indet./apass.
[i] subjacente
0,42
x
[]
de
se
indet./apass.
[i] de se refl./inerente
0,04
Quatro graus de significância estão abaixo de 0,05. As três primeiras referem-se ao
fato de as realizações da pretônica média terem apresentado intensidade diferente de todas
as outras investigadas no subconjunto (vogal pretônica alta subjacente e vogal do clítico se,
tanto reflexivo/inerente quanto indeterminador/apassivador). Além disso, a última, p =
0,04, indica que a vogal dos dois tipos de pronome não se comportou da mesma forma, no
subconjunto de dados em análise, no que diz respeito a esse parâmetro acústico.
Na tabela 89, pode-se verificar que a vogal média foi mais forte que as demais
investigadas. Além disso, a vogal do pronome se indeterminador/apassivador, que se
esperava mais fraca que a do se reflexivo/inerente, não correspondeu à expectativa.
224
Tabela 89: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) em pode se dar e das sílabas pretônicas [se] em pode sedar e [si] em pode
citar
Vogal do
Vogal do
Vogal pretônica
Vogal pretônica
clítico se
clítico se
alta subjacente
média
refl./inerente
indet./apass.
pode se dar
pode se dar
pode citar
pode sedar
[i] subjacente
[i]/[]
[i]/[]
[e]
média
D.P.
média
D.P.
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
67
71
0
68
02
78
02
Informante 2
59
0
66
01
64
06
70
02
Informante 3
66
03
73
05
70
03
73
05
Informantes em conjunto
63
04
69
04
68
04
74
04
A vogal média só não apresentou a maior intensidade na fala do informante 2,
sendo, nesta, tão forte quanto à vogal de se indeterminador/apassivador. Esta, por sua vez,
foi produzida com mais força que a vogal de se reflexivo/inerente.
Esses resultados, associados ao que se observou sobre a duração (cf. tabela 87),
apontam a debilidade acentual com que foi pronunciado o pronome se reflexivo/inerente
em pode se dar. A dessemelhança entre a vogal desse pronome e de se
indeterminador/apassivador, comprovada estatisticamente, sugere que este pronome, mais
proeminente, se ligou procliticamente ao verbo temático, enquanto o se reflexivo/inerente
pode ter estabelecido uma ligação enclítica com o verbo auxiliar.
Quando se observam os resultados sobre o primeiro formante, essa suposição
acerca da ligação fonológica é reforçada. Primeiramente, na tabela 90, comprova-se que as
tipologias pronominais, nesse subconjunto, se distinguiram em mais esse aspecto.
Tabela 90: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) em pode se dar e da sílaba pretônica [se] em pode sedar e [si] em pode
citar
Vogais comparadas
Significância
[e]
x [i] subjacente
[e]
x [i] de se refl./inerente
x
[]
de
se
indet./apass.
[e]
[i] subjacente
x [i] de se refl./inerente
0,21
x [] de se indet./apass.
[i] subjacente
0,08
x [] de se indet./apass.
[i] de se refl./inerente
0,00
Não foi possível averiguar a relevância dos resultados de F1 da vogal média em
contraponto à vogal alta subjacente e à vogal do pronome se. Apesar disso, com p = 0,00,
validou-se novamente a pertinência de enquadrar, em categorias distintas, por razões
fonético-fonológicas, o pronome se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador.
225
De acordo com as médias expostas na tabela 91, em pode se dar com noção
reflexiva, a vogal do pronome foi pronunciada de forma mais alta que naquela estrutura
com noção indeterminadora.
Tabela 91: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) em pode se dar
Vogal do clítico se
Vogal do clítico se
refl./inerente
indet./apass.
pode se dar
pode se dar
[i]/[]
[i]/[]
média
D.P.
média
D.P.
Informante 1
270
386
26
Informante 2
279
10
341
19
Informante 3
311
06
341
02
Informantes em conjunto
290
19
358
30
A correlação desses valores com aqueles obtidos no experimento 1 diz ainda mais
sobre a ligação fonológica desses tipos pronominais. A frequência 290 Hz – média de F1
referente às realizações da vogal de se reflexivo/inerente pelos três informantes – é
compatível com a de uma sílaba postônica ou pronome pós-verbal, cuja frequência, em
média, consiste em, respectivamente, 276 Hz (cf. tabela 50) e 283 Hz (cf. tabela 54).
Com
cerca
de
358
Hz,
o
primeiro
formante
da
vogal
de
se
indeterminador/apassivador foi próximo dos 334 Hz de quando ele sucedeu uma lexia
verbal simples (cf. tabela 56). Se comparada a vogal desse clítico em pode se dar com as
vogais /sE/, /si/ e /sI/ estudadas no experimento 1, observa-se que o valor de seu primeiro
formante não condiz com o da postônica, como aconteceu com a vogal de se
reflexivo/inerente, mas com o de uma pretônica alta derivada, com 314 Hz, ou subjacente,
com 311 Hz (cf. tabela 50).
Em termos sintáticos, na análise variacionista (seção 6.1), viu-se que o pronome se
indeterminador/apassivador pode ser o único tipo de clítico pronominal a ocupar a posição
pré-complexo verbal, o que fez crer que somente ele manteria uma ligação (sintática e
fonológica) com o verbo auxiliar. Todavia, os resultados deste experimento revelam que,
em posição intra-complexo verbal, a depender possivelmente das características rítmicas e
acentuais do enunciado em que os pronomes se encontram, tanto esse tipo quanto se
reflexivo/inerente podem estabelecer uma ligação enclítica ou proclítica.
226
De fato, consoante o segundo subconjunto – pode seviciar, pode se viciar (estrutura
reflexiva) e pode se viciar (estrutura indeterminadora) –, a vogal do pronome se
indeterminador/apassivador pode apresentar os parâmetros acústicos (duração, intensidade
e formantes) parecidos com os de uma sílaba postônica, ao contrário da vogal do se
reflexivo/inerente. Contudo, a análise do quinto subconjunto (em que se tem, por exemplo,
um verbo temático monossílabo) – pode sedar, pode citar, pode se dar (estrutura reflexiva)
e pode se dar (estrutura indeterminadora) – mostrou que essa não é uma regra absoluta, de
modo que são concebíveis, para os dois tipos de pronome, tanto a ligação para a esquerda
quanto para a direita.
Neste subconjunto, se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador foram
diferentes quanto a duração, intensidade e F1. Em relação à vogal média e alta subjacente
das sílabas vocabulares/lexicais, no que diz respeito à intensidade, ambos igualaram-se à
pretônica alta subjacente; entretanto, com relação à duração, a vogal do pronome se
reflexivo/inerente mostrou-se diferente dela. Foi, então, com base principalmente na
frequência formântica que, neste grupo, se interpretou a direção da ligação fonológica do
pronome átono se: ao contrário do esperado, o reflexivo/inerente teria sido realizado
encliticamente a V1, enquanto o indeterminador/apassivador, procliticamente a V2.
O segundo subconjunto – pode seviciar, pode se viciar (estrutura reflexiva) e pode
se viciar (estrutura indeterminadora) – diferenciou-se pela intensidade e F1, como os
demais, mas também se registrou diferença significativa envolvendo F2. Os três segmentos
contrastados diferenciam-se quanto a F1; com relação aos outros dois aspectos, no entanto,
verificou-se que a vogal de se indeterminador/apassivador não correspondeu à pretônica
média. Novamente, com base principalmente em F1, é possível interpretar a ligação
fonológica; neste caso, enclítica a de se indeterminador/apassivador e proclítica a de se
reflexivo/inerente.
O terceiro subconjunto – pode segurar, pode se curar (estrutura reflexiva) e pode se
curar (estrutura indeterminadora) – mostrou diferença apenas entre a vogal derivada e
aquela de se reflexivo/inerente. As realizações da vogal do clítico não foram tão fortes ou
altas como aquelas do segmento alteado, mas também não apresentaram as características
que, no experimento 1, revelaram ser de uma vogal postônica. Assim, acredita-se que esse
pronome, ainda que não tenha correspondido à sílaba pretônica com vogal derivada, teria
sido realizado como uma pretônica, assim como se indeterminador/apassivador; portanto,
ambos, nesse subconjunto, estariam ligados em próclise a V2.
227
No presente trabalho, partiu-se do pressuposto de que diversos fatores poderiam
impedir a produção diferenciada do pronome se de acordo com o que seria, por hipótese, a
construção indeterminadora (em ênclise) e a construção reflexiva/inerente (em próclise).
Dentre eles, diferenças na cadeia segmental ou no enunciado como um todo, além da maior
ou menor naturalidade da frase em questão, poderiam implicar adaptações rítmicas. No
experimento 2, especificamente, por sua própria natureza, embora se tenha trabalhado com
complexos verbais parecidos, não foi possível ter identidade total entre os enunciados,
tendo em vista que a interpretação indeterminadora e a reflexiva/inerente se dão em
contextos naturalmente distintos. Além disso, de um subconjunto de dados para outro,
diferenças relativas à constituição do verbo temático em termos acentuais (se monossílabo
tônico, oxítono, paroxítono, proparoxítono), por exemplo, foram inevitáveis.
Tendo em vista o exposto, não se pode descartar que as duas tipologias
pronominais, ainda que se diferenciem claramente quanto à ligação sintática, podem ligarse em ênclise a V1 ou em próclise a V2 em função de um conjunto de fatores relacionados
ao enunciado em que se inserem. No conjunto de enunciados testados, observou-se que a
intensidade e a duração colaboram para a realização de uma ou outra forma, mas foi o
primeiro formante que indicou, na realidade, de qual ligação se tratava. Desse modo,
confirmou-se a hipótese de Carvalho (1989) de que a qualidade vocálica seria responsável
por realizar os pronomes átonos em ênclise ou próclise.
Assim como o quarto subconjunto – pode sitiar, pode se tirar (estrutura reflexiva) e
pode se tirar (estrutura indeterminadora) –, o primeiro – pode se dirigir (estrutura
reflexiva) e pode se dirigir (estrutura indeterminadora) – não revelou diferença
significativa entre os tipos pronominais. Este subconjunto, cujas formas verbais (dirigir)
são mais usuais do que as do quarto (tirar), serviu de base para o desenvolvimento do
experimento 3, a ser analisado em seguida. Espera-se que a observação dos dados em
termos perceptivos colabore para a compreensão do fenômeno.
6.2.3. Experimento 3: a percepção da cliticização pronominal em enunciados (com
complexo verbal) modificados por ressíntese de fala
Nem sempre os valores referentes às medidas prosódicas condizem com a
impressão resultante da percepção auditiva. Neste caso, estão em jogo a avaliação dos
228
parâmetros acústicos em conjunto e também a intuição dos ouvintes. Por isso, o
experimento 3 vem complementar a análise desenvolvida nos experimentos 1 e 2.
Conforme detalhado na metodologia (cf. seção 5.2.3), um dos dois testes
perceptivos aplicados teve por objetivo principal averiguar a direção da ligação fonológica
do pronome se, gravado inicialmente com noção reflexiva (pode se dirigir ao balcão do
lado), de modo a responder à questão: quando um ou mais parâmetros acústicos, a
princípio relacionados ao acento (duração e intensidade), eram alterados, mudava a
percepção da ligação fonológica? O outro teste tinha por finalidade averiguar a
interpretação das pessoas acerca do tipo de clítico, respondendo ao problema: a mudança
da ligação fonológica vai ao encontro da mudança de interpretação do tipo de clítico?
Para não enviesar os resultados em virtude de um efeito da ordem de apresentação
dos dois testes perceptivos, metade dos juízes começou pelo primeiro teste mencionado,
enquanto a outra metade começou pelo segundo. Os resultados serão explorados
considerando o total de vinte julgamentos (dez de cada ordem de apresentação) sobre cada
enunciado ouvido.
Observando os julgamentos feitos em relação à ordem de apresentação dos testes,
verificou-se que os resultados de um teste vão ao encontro dos registrados no outro. De
modo geral, constatou-se que as pessoas que fizeram primeiramente o teste da direção da
ligação fonológica votaram que o clítico era proclítico na mesma proporção com que o
pronome era entendido como reflexivo/inerente; o mesmo foi observado em relação à
confluência dos votos dos testes daqueles que começaram interpretando o tipo de clítico.
Nesta seção, serão explorados primeiramente os resultados do teste sobre a direção
da ligação fonológica. A percepção foi majoritariamente de ligação proclítica nas duas
vezes em que as versões originais de pode se dirigir foram apresentadas aos juízes,
especialmente aquela contendo uma breve pausa entre o pronome se reflexivo/inerente e o
verbo auxiliar. Desse modo, além da coerência entre os votos em relação às frases que
foram originalmente gravadas, comprovou-se que a ligação fonológica de se
reflexivo/inerente é proclítica quando ele se encontra no interior de uma locução verbal.
Considerando as vinte e duas versões criadas através de ressíntese de fala, na figura
19, é apresentada a quantidade de votos registrados de clítico se ligado ao verbo auxiliar
(ênclise) e do mesmo ligado ao verbo temático (próclise).
229
Figura 19: Quantidade de votos, em percentuais, do clítico se ligado ao primeiro verbo (ênclise) e ao
segundo verbo (próclise)50
50
Duas sentenças julgadas não apresentam porcentagens múltiplas de cinco, em virtude de um juiz não ter
assinalado uma das opções (ênclise ou próclise), passando o total de votos de vinte para dezenove.
230
Os enunciados alterados estão dispostos por ordem crescente de expectativa de
votos de pronome ligado ao primeiro verbo. Os oito primeiros referem-se às sentenças em
que se modificou apenas a vogal da sílaba postônica do verbo auxiliar. Os oito seguintes
referem-se às sentenças em que se modificou a vogal do pronome. Os demais enunciados
abarcam alterações feitas tanto na vogal da sílaba de quando na do pronome se.
Em cada subconjunto, a redução forte da duração estaria entre os contextos mais
cotados para a percepção de ênclise, conforme indicam os resultados de Vieira (2002) e
Corrêa (2009); assim, a expectativa seria maior quando a redução desse parâmetro fosse
forte, especialmente quando combinada à redução da intensidade.
A gradação estabelecida, todavia, não se confirmou realmente. Na maioria dos
contextos controlados, os votos variaram sutilmente. Apesar disso, conforme se verificará
durante a apresentação dos resultados, a hipótese que estava por trás da hierarquia – quanto
menor a energia acústica do clítico, maior a percepção de ênclise – pôde ser confirmada.
Considerando os enunciados (de 1 a 8) em que se alterou apenas o(s) parâmetro(s)
referente(s) à vogal postônica de V1 - pode (identificada no gráfico como vogal de de), o
máximo de votos de ênclise registrado foi 50%. Neste caso, tratava-se de enunciado cuja
redução foi forte da duração (alteração 6) e naquele em que esta foi combinada à redução
fraca da intensidade (alteração 7). A menor quantidade de votos de ênclise a V1 no caso
das alterações exclusivas na sílaba de, de pode, por outro lado, foi 20%. Ela diz respeito ao
enunciado em que se efetuou redução fraca da duração e forte da intensidade (alteração 5).
Dessa forma, os juízes diminuíram a opção por próclise a V2 quando se reduziu
bruscamente a duração. Mesmo com redução forte da intensidade, os votos referentes a
clítico ligado a V1 foram poucos; entretanto, quando se passou de redução fraca da
duração para forte, combinada ou não à alteração da intensidade, os votos de pronome
enclítico aumentaram.
O frequente apagamento da vogal da sílaba de, observado durante o tratamento dos
dados do experimento 2, gerou a hipótese de que a fragilidade dessa sílaba também poderia
colaborar para a caracterização da ligação enclítica do pronome. Os resultados, no entanto,
não são suficientes para confirmar cabalmente essa suposição, dado o limite de 50% dos
votos de pronome enclítico quando somente a vogal da sílaba postônica de pode foi
reduzida.
É necessário levar em consideração que, embora o segmento vocálico tenha tido
sua duração e/ou intensidade reduzidas, a alteração não foi facilmente percebida. Mesmo
231
que não houvesse a produção física específica desse segmento, o ouvinte perceberia a
vogal através de sua coarticulação com a consoante africada [d]. Além disso, essa vogal
foi sucedida por [s] do clítico se, o que, de acordo com Amaral (2009), configura um
contexto ideal para o apagamento vocálico (o ápice da fragilidade). Por hipótese, mesmo a
redução forte desses parâmetros não implicaria necessariamente uma percepção de vogal
fraca, tendo em vista que a consoante que a precede sinalizaria sua existência.
Quando somente a vogal do pronome foi alterada (de 9 a 16), registraram-se as
maiores porções de votos de pronome enclítico: 68%, índice que se refere ao enunciado
com redução forte da intensidade da vogal (alteração 12), e 65%, que se refere ao outro
com redução forte da duração e intensidade (alteração 16). Diferentemente do que
demonstram os resultados relativos aos enunciados cuja vogal da sílaba de foi modificada,
a redução forte da intensidade foi comum entre os dados com maior quantidade de pessoas
que perceberam ênclise.
Acima de 50%, correspondendo a 55% na verdade, está também o enunciado em
que se realizou redução forte da duração e fraca da intensidade (alteração 15), o mesmo
tipo de alteração que se destacou dentre as sentenças cuja vogal da sílaba postônica de foi
manipulada.
Levando em consideração a sutileza na diferenciação entre estruturas enclíticas a
V1, supostamente indeterminadoras, e proclíticas a V2, supostamente reflexivas, já
assumida como ponto de partida na pesquisa e comprovada nos resultados dos
experimentos 1 e 2, assume-se que são muito reveladores os índices superiores à metade
dos votos. A maior parte dos informantes, não obstante à grande dificuldade de
reconhecimento dos padrões nos experimentos, reconhece haver uma alteração de direção
fonológica exatamente quando está em jogo uma forte redução do(s) parâmetro(s)
acústico(s) do acento.
Tomando por base, ainda, o conjunto de enunciados com a vogal do clítico
modificada, verifica-se que o menor índice registrado foi 40%, que diz respeito ao
enunciado com redução fraca de duração e intensidade (alteração 11). Neste caso, assim
como naquele em que a ênclise correspondeu a 20% dos votos – o menor índice obtido
dentre os dados com apenas a vogal de de alterada e considerando todos os outros
enunciados criados –, esteve presente a redução fraca da duração combinada a alguma
redução da intensidade.
232
Associando os resultados referentes aos dois grupos de enunciados, os relativos às
alterações exclusivas na sílaba de e os relativos às alterações exclusivas na sílaba do
pronome, a percepção dos juízes revela que a alteração da direção fonológica, ao que tudo
indica, depende de reduções significativas (e não leves) da duração e/ou da intensidade,
sobretudo na sílaba referente ao pronome átono.
Cabe, ainda, analisar o terceiro subconjunto de dados, em que não só a vogal da
sílaba postônica do verbo auxiliar pode, mas também a do clítico se foi alterada (de 17 a
22). A hipótese de que, nesse caso, aumentariam os votos de ênclise não foi confirmada na
totalidade dos enunciados; os votos referentes à ligação fonológica para a esquerda estão
entre 30% e 55%. O menor desses índices corresponde ao enunciado com redução fraca da
intensidade da vogal da sílaba de e do pronome se (alteração 17). O maior dos índices, por
sua vez, que chega a ultrapassar metade dos votos, corresponde ao enunciado com redução
forte da intensidade da vogal da sílaba de e do pronome se (alteração 18). Nos dois casos,
está em jogo o parâmetro intensidade, sendo que os dois índices mais altos, mais uma vez,
referem-se a reduções fortes, enquanto os dois índices mais baixos se referem a reduções
fracas.
Como se pode observar na análise do conjunto de dados apresentados na figura 19,
a frequência dos votos revela que, na maioria das vezes, a percepção de ênclise está
concentrada entre 40% e 55%. Apenas quatro enunciados apresentam uma frequência que
ultrapassa essas margens: redução fraca da duração e forte da intensidade da vogal de de
(20%), redução fraca da intensidade da vogal da sílaba de e do pronome se (30%), redução
forte da intensidade da vogal de se (68%), e redução forte da duração e intensidade da
vogal de se (65%).
Associando esses valores à análise detalhada que se fez acerca do aumento ou da
diminuição do número de votos em cada subconjunto dos dados, as propriedades do clítico,
referentes à intensidade e à duração, ora conjugadas, ora não, são responsáveis por
estabelecer a ligação enclítica ou proclítica. Destacando os índices de votos superiores a
50% para ênclise, que revelariam a mudança de percepção dos ouvintes – da próclise a V2
à ênclise a V1 –, a intensidade parece demonstrar papel mais proeminente do que a
duração.
Em relação à sílaba em que incidiram as manipulações feitas, os resultados
demonstram que o comportamento da sílaba clítica é mais relevante para a percepção do
233
que o da sílaba “de” do verbo pode. Assim, pode-se supor que a vogal postônica do
auxiliar pode tem menor participação na mudança de percepção da cliticização fonológica.
Entretanto, no nível da produção, o experimento 2 revela que o fato de essa sílaba estar
frequentemente envolvida em processo de apagamento vocálico confirma sua influência
sobre o fenômeno, ainda que em segundo plano.
Associando os resultados da presente pesquisa aos obtidos em trabalhos anteriores
(cf. seção 3.2.2.2) – Vieira (2002) e Corrêa (2009) –, é possível ampliar a compreensão
sobre o fenômeno. Os referidos estudos mostram, em linhas gerais, que a duração do
clítico desempenha papel fundamental na realização da ligação fonológica; a redução forte
desse parâmetro ou a redução fraca associada à redução da intensidade (forte ou fraca)
acarretaria a ênclise.
Em Vieira (2002: 377), os resultados acerca de vinha me comunicar mostram que
90% dos juízes perceberam ligação enclítica quando a duração do pronome havia sofrido
uma redução forte. Do mesmo modo, essa ligação foi percebida por 80% das pessoas
quando, além dessa alteração, havia sido feita uma redução leve51 da intensidade. Em
compensação, cai para 20% a quantidade de julgamentos de ouvintes que tiveram essa
percepção quando havia sido reduzida levemente apenas a intensidade ou quando a
frequência fundamental do pronome passou de descendente para ascendente – tão baixo o
índice quanto àquele referente às duas vezes em que foi apresentada a versão original.
Corrêa (2009) valeu-se de teste de percepção auditiva com o clítico de vinha me
lavar e vinha se lavar manipulado. Em seu estudo, acabou por confirmar a importância da
duração na concretização da ligação fonológica, como mostram os resultados ilustrados na
figura 20.
51
“Redução leve” em Vieira (2002) e Corrêa (2009) corresponde ao que, neste trabalho, se rotulou de
“redução fraca”.
234
Figura 20: Quantidade de votos, em percentuais, do clítico se ligado ao segundo verbo (próclise)
100
72
67
64
61
61
56
50
50
50
50
39
39
33
0
F0 ascendente e redução "leve" da intens.
F0 ascendente
Versão original (duas apresentações)
Redução "forte" da intens.
Redução "leve" da intens.
F0 ascendente e redução "leve" da duração
F0 ascendente e redução "leve" da duração e da intens.
Redução "leve" da duração
Redução "leve" da duração e "forte" da intens.
Redução "leve" da duração e da intens
Redução "forte" da duração e "leve" da intens.
Redução "forte" da duração
Fonte: Corrêa (2009: 936)
Como se pode observar na figura 20, a progressão da quantidade de votos de
próclise é sutil. Os menores índices de próclise (33% e 39%) – ou, em outras palavras, os
maiores de ênclise (67% e 61%) – foram conferidos a enunciados cuja redução da duração
foi forte ou fraca combinada à redução da intensidade. Por outro lado, os maiores índices
de próclise (72% e 67%) corresponderam, respectivamente, aos enunciados com a
frequência fundamental e a intensidade modificadas, e somente com a frequência alterada.
De modo geral, em Corrêa (2009), os resultados, relativos tanto ao pronome se
quanto ao me (cf. CORRÊA, 2009: 936), convergem para a conclusão sistematizada na
figura 21.
Figura 21: Representação escalar dos resultados dos testes de percepção auditiva de Corrêa (2009) 52
+ Próclise / - ênclise
Versão original,
F0 ascendente e/ou
redução “leve” da
intensidade.
- Próclise / + ênclise
Redução “forte” da intensidade e/ou
redução “leve” da duração, combinada(s)
ou não à F0 ascendente.
Redução “forte” da duração
e/ou redução “leve” da
intensidade, combinadas ou
não à F0 ascendente.
Fonte: Corrêa (2009: 937)
Assim sendo, Vieira (2002) e Corrêa (2009) expõem que a duração corresponde ao
principal parâmetro que as pessoas costumam associar à ligação fonológica. A brevidade
do pronome determinaria seu caráter enclítico. A intensidade sozinha, por outro lado, não
52
A linha tracejada pretende representar o limite tênue entre as duas categorias.
235
desempenharia o mesmo papel, mas, se combinada à redução, ainda que leve, da duração,
configuraria um padrão de energia compatível com a de um pronome enclítico.
Os resultados da presente pesquisa não mostram com clareza o papel individual da
duração e da intensidade sobre o fenômeno, possivelmente em virtude da dificuldade
imposta pelo experimento, referente à percepção das alterações provocadas nas vogais
diante de [d] e [s]. Há que se destacar que o tipo de clítico, ao que tudo indica, justifica a
maior clareza nos resultados de Vieira (2002) e Corrêa (2009), se comparados aos do
presente estudo. O pronome se, não só por sua constituição segmental, mas também por
sua distinção significativa (indeterminador versus reflexivo/inerente), comporta-se como o
clítico que demonstra de forma menos saliente as diferenças acústicas. Não obstante essas
dificuldades, o presente estudo permite verificar que não se trata da duração somente ou da
intensidade para determinar a ligação enclítica ou proclítica, mas da concorrência dos
parâmetros acústicos. Independentemente de se ter destacado o parâmetro duração ou
intensidade, os resultados do primeiro teste explorado nesta pesquisa, relacionados aos de
Vieira (2002) e Corrêa (2009), mostram que, quanto menos evidente (mais débil) é o
pronome átono, mais frequente é o reconhecimento de ênclise. Dessa forma, o pronome
breve e/ou fraco é entendido, em certa medida, como ligado ao primeiro verbo.
Os resultados do segundo teste de percepção confirmam a relação entre a
cliticização fonológica e os tipos de pronome se. A ligação proclítica percebida nas versões
originais da frase gravada foi associada ao clítico se reflexivo/inerente; fato evidenciado,
sobretudo, quando o enunciado apresentava uma ligeira pausa entre o verbo auxiliar e o
pronome, de modo que não restasse dúvida sobre a ligação fonológica. Principalmente
quando a vogal do pronome tinha sido reduzida, o que revelou mudar a percepção da
cliticização fonológica, a interpretação do pronome passa a ser indeterminadora.
Conforme se esclareceu na metodologia deste trabalho, no teste sobre a
interpretação do tipo de pronome se, os juízes deveriam optar por um complemento para o
fragmento pode se dirigir (a 80 km na cidade ou ao balcão do lado). Os resultados acerca
dos enunciados criados através da ressíntese de fala estão expostos na figura 22,
obedecendo a sequência em que foram expostos na figura 19.
236
Figura 22: Quantidade de votos, em percentuais, de clítico em estrutura indeterminadora e em
estrutura reflexiva
237
A análise desses resultados centrou-se no número de sujeitos que interpretaram o
enunciado como uma estrutura indeterminadora. Desse modo, pretendeu-se identificar os
elementos que causaram ou não essa percepção.
Considerando os enunciados com alteração apenas na vogal da sílaba de (de 1 a 8),
aqueles em que se efetuou redução fraca da duração (alteração 2) e redução forte da
duração combinada à redução fraca da intensidade (alteração 7) foram interpretados como
estrutura indeterminadora por 50% dos juízes. O menor índice registrado, 35 %, diz
respeito à vogal que sofreu redução fraca da duração e forte da intensidade (alteração 5),
redução forte da duração (alteração 6) e redução forte da duração e da intensidade
(alteração 8). Os demais enunciados (alterações 1, 3 e 4) receberam 45% de votos que
indicavam interpretação indeterminadora.
Quando a modificação foi feita na vogal do pronome (de 9 a 16), a redução forte da
duração e fraca da intensidade (alteração 15) foi responsável pela maioria dos votos (60%)
de pode se dirigir a 80 km na cidade (se indeterminador). Essa também foi a interpretação
de 55% dos juízes quando a vogal sofreu redução fraca da intensidade (alteração 9),
redução fraca da duração e da intensidade (alteração 11) e redução forte da duração e da
intensidade (redução 16). Por outro lado, com 35% de votos – o menor índice obtido nesse
grupo –, a sentença continha a vogal que sofrera redução fraca da duração (alteração 10).
Os demais enunciados apresentaram uma porção de 40% (alterações 12 e 13) ou 50%
(alteração 14).
Dentre as sentenças cuja vogal de de e de se foi modificada (de 17 a 22), recebeu
55% dos votos aquela em que se efetuou redução forte da duração nas duas vogais
(alteração 22). Quando as vogais tiveram sua intensidade reduzida fortemente (alteração
18), registrou-se o menor índice, 30%, considerando não somente este grupo de dados, mas
também os outros dois descritos anteriormente. Os demais enunciados apresentaram 40%
(alterações 19 e 21), 45% (alteração 17) ou 50% (alteração 20) dos votos.
Pode-se perceber, a partir desses resultados, que a oscilação na votação ocorreu
principalmente quando estava em jogo o estatuto fonético do pronome átono. Quando
somente a vogal da sílaba postônica do verbo auxiliar pode havia sido alterada, os votos
que indicavam se indeterminador foram medianos (em torno de 50%) ou pouco
expressivos (35%), o que sugere considerável dúvida no julgamento ou comportamento
indiferente dessa sílaba frente à realização do pronome se.
238
Quando a maioria das pessoas assinalou a opção relativa à estrutura
indeterminadora, os enunciados estavam envolvidos normalmente com redução forte,
sobretudo, da duração. Dentre cinco dados com mais de 50%, apenas dois se referem à
redução fraca (da intensidade somente e combinada à redução também fraca da duração).
Assim, quanto mais debilitado o pronome se, maior sua associação com o tipo
indeterminador, da mesma forma que a redução da duração e/ou intensidade demonstrou
estar relacionada à ligação enclítica ao verbo auxiliar.
Assim sendo, consideradas as dificuldades naturais inerentes ao experimento e
aquelas referentes ao uso exclusivo do pronome se, já comentadas, a oscilação dos votos
no teste relativo à interpretação do clítico, no limite máximo de 60%, confirma a hipótese
básica da investigação: a de que o comportamento fonético dos dados quanto à ligação
fonológica atua para a distinção entre os clíticos que a sintaxe mostra de forma inequívoca.
Em breves palavras, a análise como um todo – variacionista e fonético-fonológica –
mostrou que a cliticização pronominal não se aplica da mesma forma a todos os pronomes
átonos. No que se refere à ordem dos clíticos em relação a complexos verbais, a variação é
mantida,
na
realidade,
através
da
alternância
posicional
do
pronome
se
indeterminador/apassivador, estrutura que, conforme demonstram estudos sociolinguísticos
sobre o fenômeno, é inserida no repertório linguístico através do letramento.
Os pronomes átonos – com exceção de se indeterminador/apassivador e o/a(s),
pronome também aprendido com o contato com meios escolarizados – ocupam
preferencialmente a posição intra-complexo verbal, construção que serviu de base para os
experimentos 2 e 3 da análise fonético-fonológica. A ocupação das outras posições,
registradas na fala de indivíduos com ensino superior, ocorreu principalmente em função
da tipologia pronominal: a ordem pré-complexo verbal foi registrada exclusivamente com
se indeterminador/apassivador com advérbio de negação ou pronome relativo que no
contexto morfossintático antecedente, e a ordem pós-complexo verbal, apenas com o/a(s)
sucedendo o verbo temático no infinitivo.
Na análise fonético-fonológica, por meio do experimento 1, o conjunto de
resultados revelou, na maioria das vezes, semelhança entre a vogal dos pronomes átonos e
das sílabas átonas vocabulares/lexicais, especialmente quando se tratava de vogal alta
(paridade segmental). As diferenças significativas observadas decorreram, sobretudo, de
propriedades intrínsecas às vogais mensuradas. Dentre os pronomes investigados – me, te e
239
se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) –, o se em estrutura indeterminadora
apresentou, por vezes, resultados inesperados, como duração da vogal mais longa em
contexto pós-verbal, o que levou ao entendimento de que esse pronome possui um
comportamento diferenciado em relação a se reflexivo/inerente – tipo de clítico a que
muitas vezes o se indeterminador/apassivador foi comparado.
No experimento 2, os resultados mostraram que a ligação fonológica do pronome se
é instável. Ora há indícios de uma ligação proclítica, ora de uma ligação enclítica.
Intuitivamente,
a
ligação
enclítica
é
associada
à
ligação
sintática
que
se
indeterminador/apassivador estabelece com o verbo auxiliar, enquanto a proclítica é
associada à ligação sintática que se reflexivo/inerente estabelece com o verbo temático.
Todavia, a observação dos parâmetros acústicos não demonstra com clareza essa intuição
dos falantes, mas aponta indícios de que fonologicamente os pronomes átonos,
especialmente o se, podem apresentar comportamento variável quanto ao chamado
parâmetro de ligação fonológica.
No experimento 3, a percepção de ênclise e a interpretação de se
indeterminador/apassivador geralmente ocorreram quando a vogal do clítico havia sofrido
redução forte da duração e/ou da intensidade. Dessa forma, os resultados dos testes de
percepção auditiva foram ao encontro da hipótese de que se reflexivo/inerente, em posição
intra-complexo verbal, se ligaria procliticamente ao verbo temático, ao passo que se
indeterminador/apassivador se ligaria encliticamente ao verbo auxiliar. Em outras palavras,
quanto mais nítida a fragilidade acentual do clítico, mais ele foi interpretado como se
indeterminador/apassivador.
No capítulo seguinte, dedicado à conclusão do trabalho, será feita uma apreciação
mais detalhada acerca do que se observou ao longo da análise.
240
7. CONCLUSÃO
O caráter híbrido dos pronomes átonos, especialmente no que tange à interface
sintaxe-fonologia, pôde ser aferido pela investigação empírica desenvolvida na presente
pesquisa, cujos resultados permitiram caracterizar o estatuto da colocação pronominal em
termos estruturais, com base no aporte da Sociolinguística Variacionista, e em termos
fonético-fonológicos, com o apoio da Fonologia Experimental.
A análise variacionista, desenvolvida sob a perspectiva da Teoria da Variação e
Mudança, centrou-se na colocação pronominal em relação a complexos verbais,
contemplando, a princípio, quatro possibilidades: antes do complexo verbal (me deve
fazer); depois do complexo (deve fazer-me); e em seu interior, ligado à primeira (deve-me
até fazer) ou à segunda forma verbal (deve até me fazer). Os resultados encontrados
mostram que os dados atuais revelam comportamento semelhante ao assumido por aqueles
referentes às décadas de 1980 e 1990, consoante a pesquisa de Vieira (2002). Nesse estudo,
a posição intra-CV correspondeu a 90% do corpus, enquanto as posições pré-CV e pósCV,
motivadas
por
condicionamentos
estruturais
específicos,
corresponderam,
respectivamente, a 7% e 3%. Nas duas comunidades de fala investigadas na presente
pesquisa – Copacabana e Nova Iguaçu –, a alternância das posições que o clítico pode
ocupar é ainda mais restrita e regida por uma regra semicategórica, sendo a colocação do
pronome entre as formas verbais (ordem intra-CV), presente em 96% dos dados, a
construção mais usual. Justifica o perfil de regra linguística ora proposto não só o índice de
frequência das variantes (acima de 95% dos casos, conforme propõe Labov, 2003), mas
também a dificuldade de reconhecer uma efetiva variável dependente, pois nem todos os
tipos de pronome oblíquo átono ocupam as três possibilidades de posição (pré, intra e pósCV). Em termos extralinguísticos, deve-se destacar que a variação posicional ocorreu
praticamente apenas na fala de indivíduos com ensino superior. Se considerarmos
exclusivamente os outros dois grupos de falantes (com ensino fundamental e médio), só
1% dos dados não retratou a variante intra-CV; dessa forma, nos grupos de pessoas com
baixo ou intermediário nível de escolaridade, o caráter semicategórico da variável
dependente foi ainda mais expressivo (99%).
A ordem intra-CV também foi preferencial em todos os contextos controlados
segundo as variáveis ‘localidade’, ‘faixa etária’ e ‘sexo’. A análise dos dados segundo
esses grupos de fatores revelou que o baixo teor da suposta variação se dá
241
fundamentalmente quando se trata de Copacabana, comunidade de maior prestígio
sociocultural, indivíduos com mais de 56 anos e homens.
O conjunto de aspectos observados na análise das variáveis extralinguísticas
revelou que as ordens pré e pós-CV não constituem padrões de colocação naturais nas duas
comunidades de fala investigadas. Essas posições são escassas entre falantes jovens e com
pouca escolaridade.
De modo geral, os pronomes registrados no corpus – exceto o/a(s) e se
indeterminador/apassivador – ocorreram exclusivamente na posição intra-CV, aqui
interpretada como próclise ao verbo principal, pois, quando havia algum elemento
interveniente, o pronome localizou-se sempre entre o elemento e V2 (pode até me dizer).
A variante intra-CV ocorreu em circunstâncias diversas, o que corrobora o caráter
típico de uma forma não-marcada. As outras duas variantes, por outro lado, ocorreram em
situações bem específicas. Ambas, no que se refere às variáveis extralinguísticas, foram
registradas principalmente na fala de indivíduos com ensino superior. Este fato reafirma os
resultados de Rodrigues-Coelho (2011) de que essas estruturas são aprendidas por meio do
ensino formal – aspecto, além dos índices percentuais, que, segundo Labov (2003), motiva
a classificação da variável como semicategórica.
A julgar pelo elevado índice da variante intra-CV, pelo fato de a variação fazer
parte de uma gramática aprendida a posteriori (ou seja, não é vernacular) e o fenômeno já
ter se mostrado variável outrora, acredita-se que a colocação pronominal em ambiente com
complexo verbal não se mostre efetivamente variável (processo de mudança concluído), o
que só não pode ser plenamente assumido para as estruturas de indeterminação com se.
A posição pré-CV também foi ocupada por apenas um tipo de pronome: se
indeterminador/apassivador. Entretanto, diferentemente de o/a(s), que só sucedeu o
complexo verbal, o se indeterminador/apassivador também foi realizado na posição intraCV. Dessa forma, este foi o único tipo de clítico a realmente variar de posição.
A observação dos dados permitiu deduzir que, para o pronome ser deslocado da
ordem não-marcada intra-CV para a posição pré-CV, colaboravam, além da escolaridade
do indivíduo, o complexo verbal formado por poder + infinitivo e a presença, no contexto
morfossintático antecedente, de um advérbio de negação (não) ou pronome relativo (que).
A posição pós-CV, correspondente a 2% do corpus, foi ocupada apenas por um tipo
de pronome, o qual não ocorreu em nenhuma das outras posições: clítico acusativo de
242
terceira pessoa [o/a(s)]. Nos enunciados em que ele foi encontrado, foi regular sua
sucessão a V2 no infinitivo. Assim sendo, o tipo de clítico, a forma do verbo temático e,
ainda, a escolaridade do indivíduo foram determinantes para a realização desta variante.
Desse modo, a análise variacionista revelou que, na norma de uso das comunidades
de fala investigadas, a realização das três posições se deveu principalmente à tipologia do
clítico. No entanto, concorrência, de fato, foi observada entre as posições pré e intra-CV,
em que um mesmo tipo oscilou a posição a depender de alguns fatores, contemplados,
sobretudo, pelas variáveis independentes ‘escolaridade’, ‘tipo de complexo verbal’, ‘tipo
de clítico’ e ‘contexto morfossintático antecedente’.
Em outras palavras, o resultado geral da presente pesquisa quanto à distribuição dos
dados sugere que o fenômeno tem progredido, de fato, em direção a um estágio invariável.
Supõe-se, ao menos, ter ocorrido um processo de fixação, ao longo dos anos, de um padrão
rígido de colocação pronominal, de modo que as três posições ocorrem em construções
específicas e em graus muito diferentes de produtividade. Não configuram, na maior parte
dos dados, formas realmente alternantes.
Quanto à análise fonético-fonológica, os três experimentos realizados – os dois
primeiros baseados na observação de parâmetros acústicos mensurados e o terceiro, na
percepção de juízes-ouvintes nativos do Rio de Janeiro acerca de enunciados criados
através de ressíntese de fala – permitiram definir as características prosódicas dos
pronomes átonos e, assim, verificar a direção prototípica de sua ligação com o hospedeiro
fonológico – inclinação do pronome para a direita, em próclise fonológica (deve me-fazer),
ou para a esquerda, em ênclise fonológica (deve-me fazer).
No experimento 1, a vogal dos pronomes me, te e se (reflexivo/inerente e
indeterminador/apassivador) juntos à lexia verbal simples foi comparada à de sílabas
átonas vocabulares/lexicais. Assim, foi possível observar, algumas vezes, o paralelismo
entre as propriedades fonético-fonológicas dos pronomes átonos e das sílabas átonas
vocabulares/lexicais.
As diferenças que se mostraram significativas, sobretudo no que diz respeito a
duração e a F1, resultaram fundamentalmente de características próprias do segmento.
Considerando o subconjunto de dados com o pronome me, o papel dos parâmetros
acústicos (duração, intensidade e frequências formânticas) ficou mais evidente, enquanto
os demais subconjuntos apresentaram resultados mais instáveis, devido, em grande parte, à
243
intensa
coarticulação
da
vogal
alta
com
a
consoante
precedente
(africada
alveopalatal/fricativa alveolar).
A configuração acústica da vogal pretônica média apresentou-se sempre mais
saliente que as realizações de vogal alta (pretônica ou postônica, proclítica ou enclítica).
Por vezes, os valores mensurados referentes à vogal média aproximavam-se do que
representava a vogal pretônica alta derivada, possivelmente por esta ser uma categoria a
priori intermediária entre a média e a alta subjacente.
Quanto aos pronomes átonos especificamente, na maioria das vezes, quando
antepostos, sua vogal aproximava-se ora da pretônica alta derivada, ora da pretônica alta
subjacente. Quando pospostos, normalmente se comportavam como a vogal postônica.
Além disso, vale destacar que os tipos se reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador
mostraram comportamentos nitidamente diferentes apenas quanto aos formantes,
reforçando a importância da qualidade vocálica para o estudo da cliticização, sobre a qual
versou Carvalho (1989).
No experimento 2, em que se analisam apenas estruturas em ambiente de
complexos verbais, as vogais referentes às duas categorias de pronome se foram
confrontadas entre si e em relação à vogal pretônica vocabular possivelmente
correspondente.
Entre os subconjuntos de dados em que se registrou alguma diferença
estatisticamente relevante, foi comum o destaque referente a intensidade e F1. Em outras
palavras, foi basicamente em função desses dois parâmetros que se compôs o perfil do
pronome enclítico ao verbo auxiliar ou proclítico ao verbo temático.
De acordo com o subconjunto que abarca pode se dirigir em estrutura reflexiva e
pode se dirigir em estrutura indeterminadora, as vogais dos dois tipos pronominais
apresentam comportamento semelhante do ponto de vista prosódico. O mesmo foi
observado no subconjunto formado por pode sitiar, pode se tirar em estrutura reflexiva e
pode se tirar em estrutura indeterminadora, quando a vogal dos pronomes foi também
similar à vogal pretônica alta subjacente.
No subconjunto pode seviciar, pode se viciar em estrutura reflexiva e pode se viciar
em estrutura indeterminadora, a vogal pretônica média distinguiu-se da vogal de se
indeterminador/apassivador quanto aos parâmetros intensidade e F2. Quando se tratava de
F1, as três vogais analisadas mostraram-se diferentes. Neste caso, o primeiro formante da
vogal de se indeterminador/apassivador foi compatível com o de uma vogal postônica,
244
segundo os resultados do experimento 1, enquanto o da vogal de se reflexivo/inerente foi
parecido com o de uma vogal pretônica alta (derivada ou subjacente); portanto, os
resultados revelam que aquele tipo pronominal se ligou encliticamente a V1, ao passo que
este estava em próclise a V2.
No subconjunto pode segurar, pode se curar em estrutura reflexiva e pode se curar
em estrutura indeterminadora, a vogal pretônica alta derivada apresentou valor médio de
intensidade e F1 significativamente diferente da vogal de se reflexivo/inerente. Os dois
tipos pronominais não exibiram diferenças sistemáticas. Ao que parece, eles apresentaram
a mesma ligação fonológica. Ambos seriam proclíticos, pois, embora a vogal do clítico
tenha se mostrado diferente da vogal pretônica alta derivada, de acordo com os resultados
do experimento 1, a frequência formântica registrada foi compatível com a de uma vogal
pretônica alta.
Por fim, no subconjunto pode citar, pode sedar, pode se dar em estrutura reflexiva
e pode se dar em estrutura indeterminadora, no que se refere à duração, a vogal pretônica
alta subjacente mostrou-se diferente da vogal de se reflexivo/inerente, que, por sua vez,
não foi semelhante à vogal de se indeterminador/apassivador. Quanto à intensidade, a
vogal de se reflexivo/inerente também foi significativamente distinta da vogal de se
indeterminador/apassivador, ambas tão fortes quanto a vogal pretônica alta subjacente.
Com relação a F1, os dois tipos pronominais novamente discreparam. O se em estrutura
reflexiva apresentou frequência elevada como a de uma postônica, mas, em estrutura
indeterminadora, assemelhou-se a uma pretônica. Assim, acredita-se que, no referido grupo
de enunciados, aquele se ligou em ênclise fonológica, enquanto este esteve em próclise,
contrariando a hipótese inicial.
Em linhas gerais, com base na observação de cada parâmetro acústico nos dados do
experimento 2, percebeu-se, então, que nem sempre o pronome reflexivo/inerente assume
comportamento nitidamente proclítico ou o indeterminador/apassivador apresenta
comportamento inequivocamente enclítico. Essas podem ser as ligações que, na maioria
das vezes, são estabelecidas; contudo, os resultados indicam que diversos fatores,
referentes às características prosódicas da cadeia segmental ou do enunciado como um
todo, podem impedir a produção diferenciada do pronome se de acordo com o que seria,
por hipótese, a construção indeterminadora (em ênclise) e a construção reflexiva/inerente
(em próclise). Desse modo, por vezes, independentemente da ligação sintática, o pronome
245
se pode ser fonologicamente hospedado tanto pelo verbo auxiliar quanto pelo verbo
temático.
Em se tratando de pronome se, deve-se salientar que a forte coarticulação dos
segmentos dificultou, por vezes, a observação dos parâmetros duração e intensidade do
segmento vocálico. Nesse sentido, a análise dos formantes nos experimentos 1 e 2 foi
indispensável para identificar a categoria da vogal do clítico.
O experimento 3 – aquele que se baseia na percepção de ouvintes nativos do Rio de
Janeiro e se vale do importante recurso da ressíntese de fala – foi de fundamental
importância como um meio de complementar a análise fonético-fonológica, na medida em
que permitiu observar o comportamento da duração e da intensidade separadamente
(quando apenas um dos dois parâmetros foi alterado) e também em conjunto.
Considerando a inegável sutileza na diferenciação entre estruturas enclíticas a V1,
supostamente indeterminadoras, e proclíticas a V2, supostamente reflexivas, é de extrema
relevância a alteração da percepção dos ouvintes mediante determinada manipulação dos
parâmetros acústicos. A maior parte dos informantes, não obstante à grande dificuldade de
reconhecimento dos padrões nos experimentos, reconhece haver uma alteração de direção
fonológica exatamente quando está em jogo uma forte redução do(s) parâmetro(s)
acústico(s) do acento. De modo geral, os dois testes de percepção aplicados revelaram que
o pronome se reflexivo/inerente costuma ser mais saliente acentualmente que o se
indeterminador/apassivador. Em outras palavras, quanto mais nítida a fragilidade acentual
do clítico, mais ele foi interpretado como se indeterminador/apassivador.
O confronto entre os resultados da presente pesquisa com os obtidos em Vieira
(2002) e Corrêa (2009) – que se valeram de experimentos semelhantes – foi fundamental
para a interpretação dos padrões de ligação fonológica. Os resultados dos testes de
ressíntese de fala nos referidos trabalhos, em que foi contemplada a forma pronominal me,
são compatíveis com os obtidos na presente pesquisa e asseguram, com muito mais
clareza, a percepção de diferentes padrões de ligação fonológica.
Apesar de todas as dificuldades relativas à observação dos aspectos físicos das
tendências esperadas, no nível da produção, e à testagem da percepção das diferenças de
ligação fonológica, no nível da recepção, os resultados da pesquisa não permitem afirmar
que o clítico brasileiro se comporta em próclise a V2 categoricamente, sem qualquer
restrição, como por vezes algumas pesquisas científicas levam a crer. Antes, a ligação
fonológica à direita constituiria o padrão não-marcado da variedade, que, no caso do se,
246
assumiria certo grau de variação – ainda que sutil e por vezes difícil de ser captada –
correlacionada aos diferentes tipos de construção sintática, se indeterminadora ou
reflexiva/inerente.
A presente pesquisa comprova que a compreensão da cliticização pronominal
advém da análise de sua interface, pois, no que se refere às perspectivas sintática e
fonético-fonológica, ambas estão estritamente relacionadas. Na análise variacionista,
constatou-se o comportamento variável dos tipos de pronome se, peculiar frente ao
comportamento dos demais clíticos observados. Na análise fonético-fonológica, esses tipos
pronominais revelaram novamente uma instabilidade, sobretudo quanto a duração e
intensidade, que, associada aos resultados de Vieira (2002) e Corrêa (2009), mostrou que a
variação sintática e fonológica dos pronomes átonos, na verdade, está vinculada aos
pronomes se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador.
Embora se tenha suposto, inicialmente, que haveria uma coincidência entre a
ligação sintática e fonológica, a observação dos parâmetros acústicos forneceu indícios de
que nem sempre existe essa correlação. Como tendência geral, pode-se afirmar, conforme
revelam os testes de percepção auditiva, que normalmente se reflexivo/inerente é
proclítico, enquanto se indeterminador/apassivador é enclítico.
Considerando as duas análises realizadas, a reunião dos resultados desta pesquisa
revelou que a posição intra-CV, correspondente na maioria dos casos a próclise a V2,
constitui a opção majoritária nos dados coletados na fala dos informantes de Copacabana e
Nova Iguaçu, configurando um quadro típico de regra semicategórica, nos termos de
Labov (2003); desse modo, as posições pré e pós-CV ocorrem apenas em construções
específicas, adquiridas normalmente via experiência de letramento. A suposta variação
sintática, de fato, mantém-se por força da atuação do pronome o, a, os as, registrado
exclusivamente na posição pós-CV, e do pronome se (indeterminador/apassivador), que
alterna entre as posições pré e intra-CV em função de determinados fatores. Associando os
resultados variacionistas aos de natureza prosódica, fica claro que o clítico se em
construção indeterminadora, além de resguardar uma ordem pouco usual, revelou que não
só a próclise a V2, mas também a ênclise a V1 pode ocorrer na fala de indivíduos do Rio
de Janeiro. Em função de a ligação fonológica ter alterado a depender do complexo verbal,
motivações rítmicas devem estar relacionadas à cliticização fonológica, o que configura
uma via de desdobramento pela qual a pesquisa tende a seguir.
247
Por fim, espera-se ter demonstrado, conforme se anunciou na introdução deste
trabalho, que elementos sintáticos e fonético-fonológicos, em interface, configuram
efetivamente os padrões de cliticização pronominal na variedade brasileira do Português.
Sem a conjugação dos níveis fonético-fonológico e sintático, sem dúvida, não teria sido
possível traçar a configuração do parâmetro preferencial adotado, nem apontar as
estruturas que resistem a esse padrão e sinalizam, em seu comportamento por vezes
oscilante, diferenças sintáticas e fonéticas indicadoras de construções morfossintáticas
particulares.
248
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254
ANEXOS
Frases gravadas para o experimento 1
• Pretônica [me]:
Ele me disse megera de novo.
Ele me disse medisse de novo.
• Pretônica [mi] alteada:
Ele me disse mexido de novo.
Ele me disse menina de novo.
• Pretônica [mi]:
Ele me disse mitose de novo.
Ele me disse micose de novo.
• Postônica [m]:
Ele me disse salame de novo.
Ele me disse perfume de novo.
• Pronome [mi]/ [m]:
Ele me disse ‘me gera’ de novo.
Ele me disse ‘me disse’ de novo.
Ele me disse ‘me chifra’ de novo.
Ele me disse ‘me nina’ de novo.
Ele me disse ‘me toca’ de novo.
Ele me disse ‘me cobre’ de novo.
Ele me disse ‘calei-me’ de novo.
Ele me disse ‘lembrei-me’ de novo.
• Pretônica [te]:
Ele me disse teclado de novo.
Ele me disse tequila de novo.
• Pretônica [ti] alteada:
Ele me disse tesoura de novo.
Ele me disse tesouro de novo.
• Pretônica [ti] subjacente:
Ele me disse titio de novo.
Ele me disse tigela de novo.
• Postônica [t]:
Ele me disse tomate de novo.
Ele me disse tapete de novo.
255
• Pronome [ti]/ [t]:
Ele me disse ‘te cava’ de novo.
Ele me disse ‘te quica’ de novo.
Ele me disse ‘te zomba’ de novo.
Ele me disse ‘te zoa’ de novo.
Ele me disse ‘te tiro’ de novo.
Ele me disse ‘te gela’ de novo.
Ele me disse ‘tomei-te’ de novo.
Ele me disse ‘domei-te’de novo.
• Pretônica [se] pretônico:
Ele me disse setenta de novo.
Ele me disse secura de novo.
• Pretônica [si] alteada:
Ele me disse seguido de novo.
Ele me disse seguro de novo.
• Pretônica [si]:
Ele me disse cigarro de novo.
Ele me disse cigarra de novo.
• Postônica [s]:
Ele me disse chatice de novo.
Ele me disse alface de novo.
• Pronome [si]/ [s] reflexivo/inerente:
Estou doente mas não quero fazer o tratamento. Meu amigo sempre me liga e recomenda a mesma
coisa. Hoje ele me ligou de novo. Ele me disse ‘se trata’ de novo.
Eu quase nunca bebo água. Meu pai sempre me liga e fala a mesma coisa. Hoje ele me ligou de
novo. Ele me disse ‘se cuida’ de novo.
O pai sempre diz que seu filho cego mesmo se guia. Hoje ele falou a mesma coisa. Ele me disse ‘se
guia’ de novo.
O menino sempre diz que se nina na cadeira de balanço para dormir. Ele me disse ‘se nina’ de novo.
O professor conhece seus alunos. Ele sempre diz o que Pedro faz quando tira nota boa. Hoje
aconteceu de novo. Ele me disse ‘se gaba’ de novo.
O professor conhece seus alunos. Ele sempre diz o que a turma faz quando não fez o dever. Hoje
aconteceu de novo. Ele me disse ‘se cala’ de novo.
Toda vez que meu filho vai pra aula de artes plásticas, ele se machuca. O professor sempre me liga e
diz a mesma coisa. Hoje ele ligou de novo. Ele me disse ‘cortou-se’ de novo.
Toda vez que meu filho vai pra aula de artes plásticas, ele se machuca. O professor sempre me liga e
diz a mesma coisa. Hoje ele ligou de novo. Ele me disse ‘furou-se’ de novo.
• Pronome[si]/ [s] clítico indeterminador/ apassivador:
Eu sempre pergunto se se trata de algo pessoal. Ele sempre me responde a mesma coisa. Hoje não
foi diferente. Ele me disse ‘se trata’ de novo.
Meu pai sempre diz que, mesmo que não se saiba se vai conseguir, se tenta. Hoje ele me deu o
mesmo conselho. Ele me disse ‘se tenta’ de novo.
256
Um psicólogo deveria poder guiar as pessoas para profissões adequadas a elas. Meu psicólogo diz
que através de teste vocacional se guia. Hoje ele repetiu o discurso. Ele me disse ‘se guia’ de novo.
Meu pai diz que, quando se balança o neném, se nina ele. Hoje cedo ele me ligou só pra dizer isso de
novo. Ele me disse ‘se nina’ de novo.
O dono do clube de futebol disse que também há piscina lá, qualquer um pode nadar. O diretor disse
que posso nadar, mesmo não sendo sócia. Hoje ele me ligou de novo para dizer que também se nada lá. Ele
me disse ‘se nada’ de novo.
Antigamente davam remédio no posto. Hoje perguntei de novo se se dava remédio ali, o enfermeiro
deu a mesma resposta de sempre. Ele me disse ‘se dava’ de novo.
Pediu-se isso, pediu-se aquilo. Aquele cara só saber dizer isso. Hoje não foi diferente. Ele me disse
‘pediu-se’ de novo.
Parece que os danos não foram tão grandes porque previu-se o terremoto. De manhã, um jornalista
disse isso. De noite, um outro jornalista disse a mesma coisa. Ele me disse ‘previu-se’ de novo.
• Distratores:
Ele me disse boneca de novo.
Ele me disse beijo de novo.
Ele me disse colher de novo.
Ele me disse buraco de novo.
Ele me disse ‘começo’ de novo.
Ele me disse couro de novo.
Ele me disse cozinha de novo.
Ele me disse farmácia de novo.
Ele me disse formiga de novo.
Ele me disse fumaça de novo.
Ele me disse moleque de novo.
Ele me disse moleza de novo.
Ele me disse peixe de novo.
Ele me disse pequeno de novo.
Ele me disse queijo de novo.
Ele me disse touro de novo.
257
Formulários entregues a vinte juízes no experimento 3
Voluntário(a): ______________________ Idade: ____ Data: ________________
Instruções:
(1) Você ouvirá os enunciados “Pode-se dirigir” ou “Pode se dirigir” dito de 24 maneiras ligeiramente
diferentes.
(2) Após ouvir atentamente cada um deles, assinale a opção que julga mais adequada quanto à ligação
do pronome em destaque: com a palavra anterior ou com a palavra posterior.
(3) Cada frase será dita duas vezes; em seguida, você terá alguns poucos segundos para assinalar sua
escolha.
(4) Você tem de escolher uma opção em todos os casos. Se houver uma dúvida muito grande, escolha a
opção que achar mais conveniente e registre um ponto de interrogação ao lado.
(5) Os dois primeiros enunciados não fazem, na verdade, parte do teste; servem apenas para você se
acostumar com o tipo de tarefa a ser feita em seguida.
Treinamento:
0. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
00. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
Início do teste:
1. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
15. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
2. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
16. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
3. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
17. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
4. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
18. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
5. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
19. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
6. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
20. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
7. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
21. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
8. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
22. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
9. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
23. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
10. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
24. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
11. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
25. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
12. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
26. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
13. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
27. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
14. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
28. pode-se dirigir ( )
pode se-dirigir ( )
258
Voluntário(a): _______________________ Idade: ____ Data: ________________
Instruções:
(1) Você ouvirá a primeira parte (a parte em negrito) dos enunciados interrompidos “Pode se dirigir... /
a 80 por hora (com o sentido de “Pode se conduzir veículos a 80 km/hora)” e “Pode se dirigir / ao
balcão do lado” (com o sentido de “Você pode se encaminhar ao balcão do lado), ditos de 24
maneiras ligeiramente diferentes.
(2) Após ouvir atentamente cada um deles, assinale a opção que julga mais adequada quanto ao
complemento da frase: “a 80 por hora” ou “ao balcão do lado”.
(3) Cada frase será dita duas vezes; em seguida, você terá alguns poucos segundos para assinalar sua
escolha.
(4) Você tem de escolher uma opção em todos os casos. Se houver uma dúvida muito grande, escolha a
opção que achar mais conveniente e registre um ponto de interrogação ao lado.
(5) Os dois primeiros enunciados não fazem, na verdade, parte do teste; servem apenas para você se
acostumar com o tipo de tarefa a ser feita em seguida.
Treinamento:
0. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( )
00. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( )
Início do teste:
1. a 80km/h ( )
ao balcão do lado ( )
15. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( )
2. a 80km/h ( )
ao balcão do lado ( )
16. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( )
3. a 80km/h ( )
ao balcão do lado ( )
17. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( )
4. a 80km/h ( )
ao balcão do lado ( )
18. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( )
5. a 80km/h ( )
ao balcão do lado ( )
19. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( )
6. a 80km/h ( )
ao balcão do lado ( )
20. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( )
7. a 80km/h ( )
ao balcão do lado ( )
21. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( )
8. a 80km/h ( )
ao balcão do lado ( )
22. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( )
9. a 80km/h ( )
ao balcão do lado ( )
23. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( )
10. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( )
24. a 80km/h ( )
ao balcão do lado ( )
11. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( )
25. a 80km/h ( )
ao balcão do lado ( )
12. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( )
26. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( )
13. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( )
27. a 80km/h ( )
14. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( )
28. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( )
ao balcão do lado ( )
259
Duração da vogal do pronome me e das sílabas comparadas a ele no experimento 1
Vogal analisada
Palavra contendo a vogal
medisse
[e] pretônico
megera
[i] alteado pretônico
(o símbolo * marca a
pronúncia [e])
mexido
menina
micose
[i] pretônico
mitose
salame
[] postônico
perfume
me disse
me gera
me chifra
[i]/ [] do clítico me
(o símbolo * marca a
pronúncia [e])
me nina
me cobre
me toca
calei-me
lembrei-me
Informante 1
104
118
92
118
93
86
68
80
62
58
62
62
56
74
56
56
52
74
66
58
68
54
62
86
76
112
104
118
92
94
54
68
42
58
70
74
56
80
62
64
74
42
82
56
92
74
86
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Informante 2
68
80
88
119
84
80
56
*
80
56
74
62
50
68
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80
36
42
62
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36
*
74
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74
106
82
56
56
62
62
80
88
62
62
56
62
66
74
68
80
44
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48
Informante 3
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100
92
100
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42
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56
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56
42
36
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92
86
72
68
80
68
42
56
50
56
56
56
54
50
32
38
38
48
50
62
74
56
68
260
Duração da vogal do pronome te e das sílabas comparadas a ele no experimento 1
Vogal analisada
Palavra contendo a vogal
tequila
[e] pretônico
teclado
tesoura
[i] alteado pretônico
tesouro
titio
[i] pretônico
tigela
tomate
[] postônico
tapete
te quica
te cava
te zomba
te zoa
[i]/ [] do clítico te
te tiro
te gela
tomei-te
domei-te
Informante 1
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86
56
50
56
70
72
68
86
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92
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56
56
36
70
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56
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50
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Informante 2
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74
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75
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50
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0
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68
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24
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0
0
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Informante 3
68
46
74
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50
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46
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48
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0
0
0
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0
261
Duração da vogal do pronome se e das sílabas comparadas a ele no experimento 1
Vogal analisada
Palavra contendo a vogal
secura
[e] pretônico
setenta
seguido
[i] alteado pretônico
seguro
cigarro
[i] pretônico
cigarra
chatice
[] postônico
alface
se cuida
se trata
se guia
se nina
[i]/ [] do clítico se refl./
inerente
se gaba
se cala
cortou-se
furou-se
[i]/ [] do clítico se
indet./ apass.
se trata
se tenta
Informante 1
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66
76
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56
66
86
56
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56
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48
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62
50
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62
56
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68
50
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Informante 2
88
48
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74
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68
56
48
56
44
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50
43
56
56
66
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56
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Informante 3
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262
se guia
se nina
se nada
se dava
pediu-se
previu-se
44
30
50
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30
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50
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36
70
50
263
Intensidade da vogal do pronome me e das sílabas comparadas a ele no experimento 1
Vogal analisada
Palavra contendo a vogal
medisse
[e] pretônico
megera
[i] alteado pretônico
(o símbolo * marca a
pronúncia [e])
mexido
menina
micose
[i] pretônico
mitose
salame
[] postônico
perfume
me disse
me gera
me chifra
[i]/ [] do clítico me
(o símbolo * marca a
pronúncia [e])
me nina
me cobre
me toca
calei-me
lembrei-me
Informante 1
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76
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264
Intensidade da vogal do pronome te e das sílabas comparadas a ele no experimento 1
Vogal analisada
Palavra contendo a vogal
tequila
[e] pretônico
teclado
tesoura
[i] alteado pretônico
tesouro
titio
[i] pretônico
tigela
tomate
[] postônico
tapete
te quica
te cava
te zomba
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[i]/ [] do clítico te
te tiro
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-
265
Intensidade da vogal do pronome se e das sílabas comparadas a ele no experimento 1
Vogal analisada
Palavra contendo a vogal
secura
[e] pretônico
setenta
seguido
[i] alteado pretônico
seguro
cigarro
[i] pretônico
cigarra
chatice
[] postônico
alface
se cuida
se trata
se guia
se nina
[i]/ [] do clítico se refl./
inerente
se gaba
se cala
cortou-se
furou-se
[i]/ [] do clítico se
indet./ apass.
se trata
se tenta
Informante 1
75
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Informante 2
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66
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Informante 3
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69
60
266
se guia
se nina
se nada
se dava
pediu-se
previu-se
63
69
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64
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65
64
68
65
61
267
F1 da vogal do pronome me e das sílabas comparadas a ele no experimento 1
Vogal analisada
Palavra contendo a vogal
medisse
[e] pretônico
megera
[i] alteado pretônico
(o símbolo * marca a
pronúncia [e])
mexido
menina
micose
[i] pretônico
mitose
salame
[] postônico
perfume
me disse
me gera
me chifra
[i]/ [] do clítico me
(o símbolo * marca a
pronúncia [e])
me nina
me cobre
me toca
calei-me
lembrei-me
Informante 1
357
327
387
359
378
371
330
328
302
416
357
365
373
318
356
308
348
321
348
386
320
337
345
329
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308
293
271
313
310
273
340
335
354
351
354
346
369
327
325
332
350
349
339
291
325
313
292
Informante 2
364
344
377
386
449
444
340
*
355
324
348
275
302
336
326
358
385
348
328
341
383
280
349
370
*
306
336
344
322
346
305
304
345
377
332
341
360
342
352
337
334
354
211
271
327
247
329
353
Informante 3
403
405
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331
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330
351
343
302
319
291
307
305
304
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327
316
313
313
350
340
308
334
341
333
346
391
356
339
343
346
381
287
284
293
354
286
297
268
F1 da vogal do pronome te e das sílabas comparadas a ele no experimento 1
Vogal analisada
Palavra contendo a vogal
tequila
[e] pretônico
teclado
tesoura
[i] alteado pretônico
tesouro
titio
[i] pretônico
tigela
tomate
[] postônico
tapete
te quica
te cava
te zomba
te zoa
[i]/ [] do clítico te
te tiro
te gela
tomei-te
domei-te
Informante 1
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330
382
452
402
440
322
320
306
320
323
309
327
306
253
306
295
299
230
305
292
309
281
295
251
244
223
308
344
334
319
343
340
334
343
230
249
245
223
231
261
274
251
270
280
289
267
Informante 2
331
343
372
411
405
439
379
351
337
308
343
268
269
254
343
280
297
326
275
295
361
307
219
275
280
226
297
311
302
324
297
329
302
366
331
287
258
215
307
265
351
199
200
360
-
Informante 3
361
366
380
455
453
440
273
319
338
302
315
305
283
322
301
280
279
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257
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294
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293
302
-
269
F1 da vogal do pronome se e das sílabas comparadas a ele no experimento 1
Vogal analisada
Palavra contendo a vogal
secura
[e] pretônico
setenta
seguido
[i] alteado pretônico
seguro
cigarro
[i] pretônico
cigarra
chatice
[] postônico
alface
se cuida
se trata
se guia
se nina
[i]/ [] do clítico se refl./
inerente
se gaba
se cala
cortou-se
furou-se
[i]/ [] do clítico se
indet./ apass.
se trata
se tenta
Informante 1
385
386
382
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416
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283
303
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309
260
337
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305
292
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298
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297
264
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239
287
297
370
319
264
340
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Informante 2
387
428
406
371
367
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266
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329
317
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343
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316
354
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314
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324
320
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290
347
298
323
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311
343
362
335
317
326
326
316
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302
349
314
334
Informante 3
376
396
498
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428
374
278
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325
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310
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314
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200
196
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234
237
262
313
329
338
340
303
294
270
se guia
se nina
se nada
se dava
pediu-se
previu-se
255
361
313
342
375
319
337
304
397
379
364
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360
268
308
291
283
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294
327
298
307
318
352
354
368
371
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366
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336
269
330
262
281
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300
300
336
328
334
329
355
345
331
385
331
331
324
294
247
280
314
295
271
F2 da vogal do pronome me e das sílabas comparadas a ele no experimento 1
Vogal analisada
Palavra contendo a vogal
medisse
[e] pretônico
megera
[i] alteado pretônico
(o símbolo * marca a
pronúncia [e])
mexido
menina
micose
[i] pretônico
mitose
salame
[] postônico
perfume
me disse
me gera
me chifra
[i]/ [] do clítico me
(o símbolo * marca a
pronúncia [e])
me nina
me cobre
me toca
calei-me
lembrei-me
Informante 1
2148
2027
2100
1992
1964
1971
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2101
2183
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2264
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2015
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2181
2436
2364
2227
2289
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2479
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2022
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2009
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Informante 2
2017
2116
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1962
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1908
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2042
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2009
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2007
2101
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2099
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2171
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1914
1933
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2029
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2205
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2155
2039
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1980
2059
2133
2115
1915
2184
2150
272
F2 da vogal do pronome te e das sílabas comparadas a ele no experimento 1
Vogal analisada
Palavra contendo a vogal
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[e] pretônico
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[i] alteado pretônico
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te zomba
te zoa
[i]/ [] do clítico te
te tiro
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tomei-te
domei-te
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2128
2312
2177
2185
2044
2154
2085
2065
2128
2257
2233
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2397
2058
2042
1666
1680
1688
1835
1822
1783
2438
2521
2326
2169
2208
2223
2186
2114
2127
2195
2070
2144
Informante 2
2085
2095
2086
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1907
1909
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1683
1583
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1939
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1837
2294
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2022
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Informante 3
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2213
2250
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2435
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2375
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2505
2439
2125
2312
2213
-
273
F2 da vogal do pronome se e das sílabas comparadas a ele no experimento 1
Vogal analisada
Palavra contendo a vogal
secura
[e] pretônico
setenta
seguido
[i] alteado pretônico
seguro
cigarro
[i] pretônico
cigarra
chatice
[] postônico
alface
se cuida
se trata
se guia
se nina
[i]/ [] do clítico se refl./
inerente
se gaba
se cala
cortou-se
furou-se
[i]/ [] do clítico se
indet./ apass.
se trata
se tenta
Informante 1
1778
1895
1733
1688
1636
1695
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2053
1963
1809
1930
1878
1945
2150
2049
2044
2162
1717
1973
2444
2041
1921
1929
2043
1803
1983
1781
1902
1788
1965
2164
2208
2179
2045
2151
2087
1998
2173
1636
2178
2198
2087
1963
1941
1937
1988
1894
1947
1769
1757
1850
1996
1861
Informante 2
1677
1694
1699
1751
1792
1717
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1995
2120
1631
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1949
1909
1985
2022
2014
2036
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1909
1796
1945
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1673
1607
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2054
2077
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2016
2037
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1813
1971
1776
1759
1769
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1793
1915
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1689
1859
1862
Informante 3
1893
1841
2154
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1664
1682
2104
2043
2329
1969
1992
2014
2170
2112
2193
2135
2209
2167
2030
2618
0
2071
2549
2164
2153
1963
2158
1704
1704
1608
2193
2156
2067
2057
2188
2132
2134
2168
2213
2135
2145
2194
2232
2336
2024
2028
1720
1740
1660
1938
2337
274
se guia
se nina
se nada
se dava
pediu-se
previu-se
1884
2083
2249
2309
2076
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2169
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2061
1937
1948
2000
1968
1818
2258
2154
2085
1981
2046
2041
1791
1779
1795
1785
1778
1753
1849
2042
1947
1912
2058
1752
1868
2180
2161
2062
2115
2501
2080
1971
1843
1830
1801
1668
1815
2362
2363
2163
2106
2293
275
Duração das vogais estudadas no experimento 2
Vogal analisada
Composto com a vogal
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se dirigir
[i] / [] de se indet.
Pode se dirigir
[e] da pretônica /sE/
Pode seviciar
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se viciar
[i] / [] de se apass.
Pode se viciar
[e] / [i] da pretônica /sE/
Pode segurar
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se curar
[i] / [] de se apass.
Pode se curar
[i] da pretônica /si/
Pode sitiar
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se tirar
[i] / [] de se apass.
Pode se tirar
[i] da pretônica /si/
Pode citar
[e] da pretônica /sE/
Pode sedar
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se dar
[i] / [] de se apass.
Pode se dar
Informante 1
68
42
62
82
62
56
74
42
100
48
50
68
90
98
0
16
50
54
50
68
112
56
74
42
62
56
74
54
68
24
62
50
56
68
74
80
82
68
62
0
18
0
30
48
36
Informante 2
50
86
50
44
56
36
56
94
100
118
38
54
124
62
30
68
0
42
50
56
44
36
62
48
56
50
42
62
24
0
36
0
0
56
0
36
74
80
62
36
18
0
36
42
30
Informante 3
32
30
38
50
56
36
68
74
68
42
56
42
30
42
46
30
30
30
24
30
38
36
68
24
56
36
30
0
0
36
0
24
0
42
24
30
62
56
56
24
0
30
42
0
42
276
Intensidade das vogais estudadas no experimento 2
Vogal analisada
Composto com a vogal
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se dirigir
[i] / [] de se indet.
Pode se dirigir
[e] da pretônica /sE/
Pode seviciar
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se viciar
[i] / [] de se apass.
Pode se viciar
[e] / [i] da pretônica /sE/
Pode segurar
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se curar
[i] / [] de se apass.
Pode se curar
[i] da pretônica /si/
Pode sitiar
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se tirar
[i] / [] de se apass.
Pode se tirar
[i] da pretônica /si/
Pode citar
[e] da pretônica /sE/
Pode sedar
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se dar
[i] / [] de se apass.
Pode se dar
Informante 1
71
72
69
73
67
67
78
72
68
68
70
68
70
66
70
77
68
71
68
69
71
68
69
71
65
67
69
69
62
69
69
65
66
70
69
80
77
76
67
71
71
71
Informante 2
59
70
68
72
60
58
69
69
69
61
64
70
62
66
67
73
71
61
60
66
59
72
70
57
75
65
69
61
58
69
58
68
71
72
59
59
65
67
65
Informante 3
68
70
71
63
65
65
76
79
72
73
77
67
72
71
71
71
74
67
71
72
69
73
77
64
68
67
61
70
63
71
72
66
78
75
67
69
63
77
68
277
F1 das vogais estudadas no experimento 2
Vogal analisada
Composto com a vogal
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se dirigir
[i] / [] de se indet.
Pode se dirigir
[e] da pretônica /sE/
Pode seviciar
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se viciar
[i] / [] de se apass.
Pode se viciar
[e] / [i] da pretônica /sE/
Pode segurar
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se curar
[i] / [] de se apass.
Pode se curar
[i] da pretônica /si/
Pode sitiar
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se tirar
[i] / [] de se apass.
Pode se tirar
[i] da pretônica /si/
Pode citar
[e] da pretônica /sE/
Pode sedar
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se dar
[i] / [] de se apass.
Pode se dar
Informante 1
273
312
311
260
277
278
369
329
340
315
310
289
233
225
426
413
347
340
324
288
320
312
361
284
358
280
305
320
237
298
300
225
289
372
374
480
442
446
270
354
387
417
Informante 2
236
317
294
270
562
173
357
347
350
302
317
376
282
301
343
382
379
337
337
344
286
363
369
228
300
318
235
316
241
256
238
409
435
383
269
288
314
359
349
Informante 3
246
302
311
247
231
257
416
406
385
311
321
327
317
301
271
334
326
341
313
285
343
338
338
335
303
261
214
285
254
348
336
324
460
456
450
317
305
339
343
278
F2 das vogais estudadas no experimento 2
Vogal analisada
Composto com a vogal
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se dirigir
[i] / [] de se indet.
Pode se dirigir
[e] da pretônica /sE/
Pode seviciar
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se viciar
[i] / [] de se apass.
Pode se viciar
[e] / [i] da pretônica /sE/
Pode segurar
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se curar
[i] / [] de se apass.
Pode se curar
[i] da pretônica /si/
Pode sitiar
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se tirar
[i] / [] de se apass.
Pode se tirar
[i] da pretônica /si/
Pode citar
[e] da pretônica /sE/
Pode sedar
[i] / [] de se refl./ inerente
Pode se dar
[i] / [] de se apass.
Pode se dar
Informante 1
1970
1995
1965
2014
2116
1969
1856
1897
1825
1839
1930
1824
1947
1784
1510
1587
1653
1976
1741
2239
1880
1782
1736
2166
3291
2116
1954
1917
1993
1958
1986
2119
1568
1649
1697
1712
1678
1690
1636
1150
1575
1542
Informante 2
1947
1898
1989
1924
2322
1969
1799
1912
1816
2017
1809
1771
1909
1993
1911
1660
1732
1556
1569
1597
1395
1904
1833
1939
1905
1915
1976
2004
2023
1688
0
1629
1735
1739
1661
1613
1709
1662
1730
1667
Informante 3
2078
2229
2183
2387
2475
2426
1977
1853
1796
2069
2009
1983
1969
2029
1970
1675
1898
1745
1874
1824
1737
1871
2087
1747
2449
2433
2414
2527
2646
1757
1610
1738
1654
1620
1708
1815
1834
1784
1639
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