Universidade Federal do Rio de Janeiro CLITICIZAÇÃO PRONOMINAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO: A INTERFACE SINTAXE-FONOLOGIA Cristina Márcia Monteiro de Lima Corrêa 2012 2 CLITICIZAÇÃO PRONOMINAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO: A INTERFACE SINTAXE-FONOLOGIA Cristina Márcia Monteiro de Lima Corrêa Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientadora: Profa. Doutora Silvia Rodrigues Vieira Coorientador: Prof. Doutor João Antônio de Moraes Rio de Janeiro Março de 2012 3 CLITICIZAÇÃO PRONOMINAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO: A INTERFACE SINTAXE-FONOLOGIA Cristina Márcia Monteiro de Lima Corrêa Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira Coorientador: Professor Doutor João Antônio de Moraes Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Examinada por: ___________________________________________________________________ Presidente, Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira – UFRJ (Orientadora) _________________________________________________________________________ Professor Doutor João Antônio de Moraes – UFRJ (Coorientador) _________________________________________________________________________ Professora Doutora Eliete Figueira Batista da Silveira – UFRJ _________________________________________________________________________ Professor Doutor Alexsandro Rodrigues Meireles – PPG Linguística – UFES _________________________________________________________________________ Professora Doutora Silvia Figueiredo Brandão – UFRJ, Suplente _________________________________________________________________________ Professor Doutor César Augusto da Conceição Reis – PPG Linguística – UFMG, Suplente Rio de Janeiro Março de 2012 4 CORRÊA, Cristina Márcia Monteiro de Lima. Cliticização pronominal na região metropolitana do Rio de Janeiro: a interface sintaxe-fonologia./Cristina Márcia Monteiro de Lima Corrêa. – Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2012. XXV, 278 f.: il.; 31 cm. Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira Dissertação (mestrado) – UFRJ/Faculdade de Letras/Programa de Pósgraduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), 2012. Bibliografia: f. 248-253. 1. Cliticização pronominal 2. Sociolinguística 3. Fonologia Experimental. I. Vieira, Silvia Rodrigues II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas. III. Cliticização pronominal na região metropolitana do Rio de Janeiro: a interface sintaxe-fonologia. 5 À minha avó Palmyra, À minha mãe, Marcia, À minha orientadora, Silvia, que me ensinaram, dentre muitas coisas, a importância do estudo, da ética e do trabalho. 6 AGRADECIMENTO A Deus, por me dar oportunidade de viver, aprender, evoluir, contribuir; por despertar em mim uma fé tão forte, que me move em direção à superação. Sem Ele, nada poderia fazer. À minha família. À minha mãe, Marcia, porque nunca hesitou em abrir mão do que queria, e muitas vezes precisava, para garantir meu bem-estar e minha boa formação; porque é minha mãe maravilhosa e todos os dias arranja um jeitinho de demonstrar isso. Ao meu pai, Alvimar, que, da maneira que sabia ou podia, ajudava e reconhecia meus esforços para ir adiante nos estudos. À minha irmã, Lívia, minha amiga de todas as horas, a pessoa que melhor me conhece. Ao meu irmão, Fábio, por ser tão protetor. Aos meus avós e padrinhos, Palmyra (in memoriam) e Adelino, que me mostraram que, com dedicação e estudo, é possível alcançar os objetivos. Amo muito cada um! À minha orientadora, Silvia. Palavras me faltam para agradecer-lhe como merece. É uma alegria tão grande tê-la conhecido, ser sua aluna. É uma orientadora fantástica, a melhor referência que eu poderia ter. Me ensina tanto... todos os dias. Não há dúvida de que, sem sua ajuda, esse trabalho não ficaria pronto. Agradeço por acreditar e torcer por mim. Agradeço por atender a cada pedido de socorro, pelas palavras motivadoras e pelas explicações superdidáticas. Se não é possível agradecer adequadamente, posso ao menos reconhecer que, nessa parceria, eu saí ganhando. Ao meu coorientador, João Moraes. Sou grata por compartilhar sua ampla sabedoria, dando orientações referentes à análise prosódica. Suas contribuições foram essenciais e instigantes. Às professoras Célia Lopes, Cláudia Cunha, Dinah Callou, Eliete Silveira, Filomena Varejão, Marcia Machado, Mercedes Sebold, Silvia Brandão, Silvia Cavalcante e Silvia Rodrigues, pelos cursos a que assisti, como ouvinte ou aluna regular. Em todos os casos, a qualidade das aulas, os atendimentos para sanar dúvidas e a disponibilidade de materiais colaboraram bastante para minha formação. 7 A Eliete Silveira, em especial, por sua humildade e generosidade. Sou grata por poder contar com uma pessoa tão amável e competente, que trilha um caminho de sucesso com empenho, ajudando as pessoas, tratando-as bem como gostaria de ser tratada. Sou grata por estar sempre disponível para ajudar ou simplesmente para compartilhar as situações do dia a dia. Por colaborar com minha formação acadêmica, por compor a Banca e principalmente pela amizade, muito obrigada! A Marcia Machado e Silvia Brandão. Agradeço por me terem como uma “filhota”, conforme afetuosamente diz Silvia Brandão. Agradeço por serem duas mentoras com quem convivi e aprendi durante praticamente todo o tempo em que fui aluna na UFRJ. Agradeço as oportunidades de trabalho e de estudo que me proporcionaram, bem como os gestos de carinho e as divertidas confraternizações de que participamos. Aproveito esse momento para expressar que são duas pessoas por quem sinto enorme carinho e admiração. A Alessandra de Paula, Andressa Abraão, Anna Carolina Avelheda, Carla Nunes, Danielle Kely, Daniely Cassimiro, Hugo Chagas, Maria de Fatima Vieira, Fabrícia de Sousa, Giselle Esteves, Maíra Paiva, Mara Mariano, Olívia de Mello Alves, Vinícius Maciel e a tantos outros amigos que encantaram o convívio ao longo da graduação e mestrado. Cada um do seu jeitinho tornou a trajetória especial. A Alessandra de Paula, Andressa Abraão e Giselle Esteves, em especial. Três amigas adoráveis, capazes de gestos ternos que me enchem de alegria e de confiança. Agradeço a generosidade e o companheirismo. Obrigada, meninas! A Danielle Kely. Agradeço suas colaborações, sobretudo nos momentos finais do mestrado, os mais tensos de todos! Agradeço o apoio ultra-acadêmico! A Maria de Fatima Vieira e Vinicius Maciel, por tornarem mais fraterno o ambiente de estudo e de trabalho, por tornarem as viagens para congressos e as confraternizações mais alegres, por me ajudarem sempre que necessário. São amigos muito queridos e talentosos. 8 A Olívia de Mello Alves, uma grande amiga, por acompanhar e se importar com os altos e baixos do percurso acadêmico. Viagem a Congresso sem dinheiro, desenvolvimento de trabalho até a madrugada, resultado de concurso negativo? A Olívia estava perto, fosse em pessoa, fosse em Messenger. Formatura, aprovação em concurso, confraternização? A Olívia estava perto. Apoiando ou comemorando, sempre podia contar com ela, sempre posso contar com ela. Obrigada por tudo! A todos que colaboraram para a formação dos corpora, sem os quais este trabalho não seria possível. Remeto um sincero agradecimento aos integrantes e voluntários do Projeto intitulado Estudo comparado dos padrões de concordância em variedades africanas, brasileiras e europeias e àqueles que efetuaram, para mim, gravações no laboratório de acústica da Faculdade de Letras/UFRJ. Agradeço também ao Paulo Silveira, que gentilmente me recepcionava no laboratório, manipulava os equipamentos e se dispunha a ser um informante se eu precisasse. Finalmente, dirijo meu agradecimento às instituições UFRJ, CNPq e CAPES, devido aos financiamentos que recebi, por meio dos quais realizei e participei de diversas atividades acadêmicas desde o início da graduação. 9 Esta pesquisa foi realizada com o apoio da CAPES (ago./2010 a fev./2012). 10 SINOPSE Estudo dos clíticos pronominais calcado em princípios da Teoria da Variação e Mudança e da Fonologia Experimental. Descrição da colocação pronominal em contextos de complexos verbais na fala de indivíduos de Copacabana e Nova Iguaçu. Comparação entre as vogais átonas de pronomes oblíquos e de sílabas pretônicas/ postônicas vocabulares. Investigação da direção da ligação fonológica, com base em síntese de vogal e teste de percepção auditiva. 11 RESUMO CLITICIZAÇÃO PRONOMINAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO: A INTERFACE SINTAXE- FONOLOGIA Cristina Márcia Monteiro de Lima Corrêa Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira Coorientador: Professor Doutor João Antônio de Moraes Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas (Setor de Língua Portuguesa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa. A pesquisa abrange duas análises complementares: uma de cunho sociolinguístico e outra de cunho prosódico. Primeiramente, de acordo com a Teoria da Variação e Mudança, foram investigadas as possibilidades de colocação do clítico pronominal em sentenças com complexos verbais, considerando duas comunidades de fala (Copacabana e Nova Iguaçu). Posteriormente, consoante os pressupostos da Fonologia Experimental, foram investigadas as possibilidades de ligação fonológica, visto que os clíticos pronominais podem ser incorporados por uma palavra à direita (próclise) ou à esquerda (ênclise). Em termos estruturais, um pronome átono pode localizar-se antes ou depois de um verbo. No âmbito de complexos formados por um verbo auxiliar e um temático, teoricamente a variável é composta por quatro variantes: Cl V1 V2, V1-Cl V2, V1 Cl-V2 e V1 V2-Cl. Na modalidade oral, nem sempre é possível reconhecer a diferença entre V1-Cl V2 e V1 Cl-V2 (diferença que pode ser evidenciada quando há elemento interveniente, pode até me dizer). Contudo, é possível distinguir, a princípio, ao menos três posições superficiais: antes dos verbos (se pode dizer), entre os verbos (pode se dizer) e depois dos verbos (pode dizer-se). Os resultados da análise sociolinguística revelaram que: (i) o fenômeno funciona como uma regra semicategórica (LABOV, 2003), em que a posição do clítico entre os verbos é a ordem não-marcada; (ii) a posição anterior ao complexo verbal ocorre em construções modais em contexto não inicial e exclusivamente com o clítico se indeterminador; (iii) a posposição ao complexo é restrita às estruturas com V2 no infinitivo seguido de clítico acusativo de terceira pessoa. Em termos extralinguísticos, o acesso à escolaridade é o fator responsável pela introdução de estruturas distintas da variante preferencial e natural da variedade brasileira do português. Com base em três experimentos de natureza fonético-fonológica, atestou-se que, em situação com uma ou mais de uma forma verbal, os pronomes átonos assumem, geralmente, comportamento essencialmente proclítico. Os resultados, embora demonstrem que a distinção entre as estruturas com se seja bastante sutil, indicam que o pronome indeterminador apresenta comportamento particular não só em termos sintáticos, mas também em termos fonéticos, com ligação preferencial à primeira forma verbal. De modo geral, a pesquisa, de natureza empírica, permite observar aspectos sintáticos e fonético-fonológicos que, em interface, configuram efetivamente a cliticização pronominal. Palavras-chave: cliticização pronominal, Sociolinguística, Fonologia Experimental. Rio de Janeiro Março de 2012 12 ABSTRACT PRONOUN CLITICIZATION IN THE METROPOLITAN AREA OF RIO DE JANEIRO: THE SYNTAX- PHONOLOGY INTERFACE Cristina Márcia Monteiro de Lima Corrêa Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira Coorientador: Professor Doutor João Antônio de Moraes Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas (Setor de Língua Portuguesa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa. Two complementary analysis have been developed in the present research: the first one is a sociolinguistic investigation and the other one is a prosodic analysis. First, according to the Theory of variation and linguistic change, possibilities of pronominal placement in sentences with verbal complexs have been investigated, taking into consideration two speech communities (Copacabana and Nova Iguaçu). Afterwards, grounded in Experimental Phonology patterns of phonology liaison – if the pronominal clitics can be incorporated in the beginning of a word (proclitic liaison) or in its ending (enclitic liaison) – have been established. In structural terms, an unstressed pronoun can be produced before or after a verb. Complexs formed by an auxiliary verb and a thematic verb present a variable which is composed by four variants: Cl V1 V2, V1-Cl V2, V1 Cl-V2 and V1 V2-Cl. Oral data reveal that it is not always possible to identify the difference between V1-Cl V2 e V1 Cl-V2 (difference that is clear when there is an element inside the complex, pode até me dizer). However, it is possible to find at least three superficial positions at first: before verbs (se pode dizer), between verbs (pode se dizer) and after verbs (pode dizer-se). The results of sociolinguistic analysis have revealed that: (i) the phenomenon functions as a semicategorical rule (LABOV, 2003), according to which the clitic position between the verbs is the unmarked order, (ii) the indeterminate clitic se occurs before the verbal complex in non-initial modal constructions , (iii) the postponed pronoun is restricted to complexs with V2 in the infinitive followed by accusative third person clitic [o/a(s)]. In extralinguistic terms, education is the relevant factor for the introduction of structures which are different from the preferred and natural variant of the Brazilian variety of Portuguese. Based on three phonetic-phonological experiments, it was found that the unstressed pronouns usually assume a proclitic pattern of liaison. The results show that, although the distinction between the structures with se is highly subtle, indeterminate pronoun presents a particular behavior in syntactic and phonetic terms, as it is attached to the first verb. Overall, this empirical research allows to observe syntactic and phonetic-phonological aspects that, in interface, delineate pronoun cliticization. Key-words: pronominal cliticization, Sociolinguistics, Experimental Phonology. Rio de Janeiro Março de 2012 13 SUMÁRIO ÍNDICE DE FIGURAS .................................................................................................. 16 ÍNDICE DE TABELAS.................................................................................................. 18 SÍMBOLOS E CONVENÇÕES ..................................................................................... 25 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 26 2. CLITICIZAÇÃO PRONOMINAL EM COMPLEXOS VERBAIS: DELIMITAÇÃO DO TEMA ....................................................................................... 31 2.1. Cliticização .............................................................................................................. 31 2.2. Tipos de complexo verbal ........................................................................................ 32 3. CLITICIZAÇÃO PRONOMINAL: REVISÃO DA LITERATURA ................ 38 3.1. Abordagem tradicional-normativa ........................................................................... 39 3.1.1. Aspectos sintáticos ................................................................................................ 39 3.1.2. Aspectos fonético-fonológicos ............................................................................. 42 3.2. Abordagens não-prescritivas.................................................................................... 45 3.2.1. Compêndios gramaticais ....................................................................................... 46 3.2.2. Pesquisas científicas diversas ............................................................................... 52 3.2.2.1. Aspectos sintáticos: abordagem sociolinguística ............................................... 52 3.2.2.1.1. Estudos na perspectiva diacrônica .................................................................. 52 3.2.2.1.2. Estudos na perspectiva sincrônica .................................................................. 57 3.2.2.2. Aspectos fonético-fonológicos .......................................................................... 63 4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .......................................................................... 70 4.1. Teoria da variação e mudança ................................................................................. 70 4.2. Fonologia Experimental ........................................................................................... 76 5. METODOLOGIA .................................................................................................... 88 5.1. Tratamento variacionista.......................................................................................... 88 5.2. Tratamento fonético-fonológico ............................................................................ 108 14 5.2.1. Experimento 1 ..................................................................................................... 110 5.2.2. Experimento 2 ..................................................................................................... 112 5.2.3. Experimento 3 ..................................................................................................... 114 6. ANÁLISE ................................................................................................................ 119 6.1. Análise variacionista .............................................................................................. 119 6.2. Análise fonético-fonológica ................................................................................... 156 6.2.1. Experimento 1: características acústicas de proclíticos e enclíticos ................. 158 6.2.2. Experimento 2: características acústicas do pronome “se” no interior de complexo verbal ............................................................................................................ 213 6.2.3. Experimento 3: a percepção da cliticização pronominal em enunciados (com complexo verbal) modificados por ressíntese de fala ................................................... 227 7. CONCLUSÃO ........................................................................................................ 240 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 248 ANEXOS ...................................................................................................................... 254 Frases gravadas para o experimento 1 .......................................................................... 254 Formulários entregues a vinte juízes no experimento 3 ................................................ 257 Duração da vogal do pronome me e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 .. 259 Duração da vogal do pronome te e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 .... 260 Duração da vogal do pronome se e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 ... 261 Intensidade da vogal do pronome me e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 ... ...................................................................................................................................... 263 Intensidade da vogal do pronome te e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 ..... ...................................................................................................................................... 264 Intensidade da vogal do pronome se e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 .... ...................................................................................................................................... 265 F1 da vogal do pronome me e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 ........... 267 F1 da vogal do pronome te e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 ............. 268 F1 da vogal do pronome se e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 ............. 269 F2 da vogal do pronome me e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 ........... 271 F2 da vogal do pronome te e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 ............. 272 15 F2 da vogal do pronome se e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 ............. 273 Duração das vogais estudadas no experimento 2 .......................................................... 275 Intensidade das vogais estudadas no experimento 2 ..................................................... 276 F1 das vogais estudadas no experimento 2 ................................................................... 277 F2 das vogais estudadas no experimento 2 ................................................................... 278 16 ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1: Exemplos de colocação pronominal em relação a complexos verbais ................ 40 Figura 2: Exemplo de grade métrica com ênclise................................................................ 65 Figura 3: Interseção entre intensidade e frequência na produção de segmentos vocálicos . 83 Figura 4: Espaço acústico onde são definidas as vogais ..................................................... 84 Figura 5: Trapézio vocálico ................................................................................................. 84 Figura 6: Estratificação do corpus, segundo uma das localidades ...................................... 90 Figura 7: Vocábulos utilizados para as medições da sílaba clítica e da sílaba átona vocabular/lexical ................................................................................................................ 110 Figura 8: Paralelismo fonético entre estruturas com complexo verbal – comparação entre tipos de clítico se e entre clítico(s) e sílaba(s) pretônica(s) ............................................... 113 Figura 9: Apagamento vocálico na pronúncia da frase pode-se dirigir a 80 km na cidade pelo informante 1 ............................................................................................................... 115 Figura 10: Relação de modificações feitas na etapa de ressíntese de fala ......................... 116 Figura 11: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV ............................................................................................................................... 119 Figura 12: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV na fala de indivíduos de Copacabana e de Nova Iguaçu ...................................... 127 Figura 13: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV na fala de indivíduos de homens e mulheres ........................................................ 128 Figura 14: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV na fala de indivíduos com diferentes graus de escolaridade ................................ 129 Figura 15: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV na fala de indivíduos em diferentes faixas etárias ................................................ 131 Figura 16: Relação de complexos verbais registrados no corpus e relação de pronomes que ocorreram antes, no interior ou depois de cada uma dessas estruturas verbais ................. 138 Figura 17: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV, segundo os complexos verbais em que se observou alguma variação na colocação pronominal ......................................................................................................................... 139 Figura 18: Contextos morfossintáticos antecedentes aos complexos verbais registrados no corpus ................................................................................................................................ 146 17 Figura 19: Quantidade de votos, em percentuais, do clítico se ligado ao primeiro verbo (ênclise) e ao segundo verbo (próclise) ............................................................................. 229 Figura 20: Quantidade de votos, em percentuais, do clítico se ligado ao segundo verbo (próclise) ............................................................................................................................ 234 Figura 21: Representação escalar dos resultados dos testes de percepção auditiva de Corrêa (2009) ................................................................................................................................ 234 Figura 22: Quantidade de votos, em percentuais, de clítico em estrutura indeterminadora e em estrutura reflexiva ........................................................................................................ 236 18 ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1: Valores médios de F1 e F2 em Hz de vogais em fala masculina ........................ 85 Tabela 2: Valores médios de F1 e F2 em Hz de vogais em fala feminina .......................... 86 Tabela 3: Índice geral de produtividade de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV ........................................................................................................................................... 119 Tabela 4: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal das sílabas pretônicas [me], [mi] derivada, [mi] e da postônica [m]............................................................................ 160 Tabela 5: Significância das diferenças entre a duração da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ...................................................... 161 Tabela 6: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico me e da vogal das sílabas [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ........................................................................... 162 Tabela 7: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico me [mi/m] antes do verbo e depois do verbo ................................................................................................ 163 Tabela 8: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico me antes do verbo e da vogal das sílabas [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ......................................... 163 Tabela 9: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal das sílabas pretônicas [te], [ti] derivada e [ti] e da postônica [t]............................................................................ 164 Tabela 10: Significância das diferenças entre a duração da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [te], [t] derivada, [t] e [t] ......................................................... 165 Tabela 11: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico te e da vogal das sílabas [te], [t] derivada, [t] e [t]......................................................................... 166 Tabela 12: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico te [ti/t] antes do verbo e depois do verbo ................................................................................................ 166 Tabela 13: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico te antes do verbo e da vogal das sílabas [te], [t] derivada, [t] e [t] ............................................. 167 Tabela 14: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal das sílabas pretônicas [se], [si] derivada e [si] e da postônica [s] ...................................................................... 168 19 Tabela 15: Significância das diferenças entre a duração da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [se], [si] derivada, [si] e [s] ............................................................ 169 Tabela 16: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se reflexivo/inerente e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] ............................ 170 Tabela 17: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se indeterminador/apassivador e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] ............ 170 Tabela 18: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico se reflexivo/inerente [si/s] antes do verbo e depois do verbo .............................................. 171 Tabela 19: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se reflexivo/inerente antes do verbo e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] .... 172 Tabela 20: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico se indeterminador/apassivador [si/s] antes do verbo e depois do verbo .............................. 172 Tabela 21: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se indeterminador/apassivador antes do verbo e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s]..................................................................................................................................... 173 Tabela 22: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal das sílabas pretônicas [me], [mi] derivada e [mi] e da postônica [m] .......................................................................... 176 Tabela 23: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ...................................................... 177 Tabela 24: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico me e da vogal das sílabas [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ........................................................... 178 Tabela 25: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico me [mi/m] antes do verbo e depois do verbo ................................................................................................ 178 Tabela 26: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico me antes do verbo e da vogal das sílabas [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ......................................... 179 Tabela 27: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal das sílabas pretônicas [te], [ti] derivada e [ti] e da postônica [t]............................................................................ 180 20 Tabela 28: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [te], [t] derivada, [t] e [t] ......................................................... 181 Tabela 29: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico te e da vogal das sílabas [te], [t] derivada, [t] e [t]......................................................................... 182 Tabela 30: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico te [ti/t] antes do verbo e depois do verbo ..................................................................................................... 182 Tabela 31: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico te antes do verbo e da vogal das sílabas [t], [t] derivada, [t] e [t] ............................................. 183 Tabela 32: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal das sílabas pretônicas [se], [si] derivada e [si] e da postônica [s] .............................................................................. 184 Tabela 33: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [se], [si] derivada, [si] e [s] ............................................................ 184 Tabela 34: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se reflexivo/inerente e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] ............................ 185 Tabela 35: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se indeterminador/apassivador e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] ............ 186 Tabela 36: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se reflexivo/inerente [si/s] antes do verbo e depois do verbo .............................................. 186 Tabela 37: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se reflexivo/inerente antes do verbo e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] .... 187 Tabela 38: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se indeterminador/apassivador [si/s] antes do verbo e depois do verbo .............................. 187 Tabela 39: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se indeterminador/apassivador antes do verbo e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s]..................................................................................................................................... 188 Tabela 40: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [me], [mi] derivada e [mi] e da postônica [m] .................................................................................. 190 21 Tabela 41: Significância das diferenças entre F1 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ....................................................................................... 191 Tabela 42: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico me e da vogal das sílabas [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ........................................................................... 191 Tabela 43: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico me [mi/m] antes do verbo e depois do verbo.................................................................................................................. 192 Tabela 44: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico me antes do verbo e da vogal das sílabas [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ........................................................... 192 Tabela 45: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [te], [ti] derivada e [ti] e da postônica [t].................................................................................................. 193 Tabela 46: Significância das diferenças entre F1 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [te], [t] derivada, [t] e [t] ........................................................................................... 194 Tabela 47: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico te e da vogal das sílabas [te], [t] derivada, [t] e [t] ............................................................................... 194 Tabela 48: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico te [ti/t] antes do verbo e depois do verbo.................................................................................................................. 195 Tabela 49: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico te antes do verbo e da vogal das sílabas [te], [t] derivada, [t] e [t] ............................................................... 195 Tabela 50: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [se], [si] derivada e [si] e da postônica [s].................................................................................................... 196 Tabela 51: Significância das diferenças entre F1 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [se], [si] derivada, [si] e [s] ............................................................................................. 197 Tabela 52: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se reflexivo/inerente e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] ............................................................ 197 Tabela 53: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se indeterminador/apassivador e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] ............ 198 Tabela 54: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se reflexivo/inerente [si/s] antes do verbo e depois do verbo ...................................................................................... 198 22 Tabela 55: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se reflexivo/inerente antes do verbo e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] ................................. 199 Tabela 56: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se indeterminador/apassivador [si/s] antes do verbo e depois do verbo ........................................................................... 199 Tabela 57: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se indeterminador/apassivador antes do verbo e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s]..................................................................................................................................... 200 Tabela 58: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [me], [mi] derivada e [mi] e da postônica [m] .................................................................................. 201 Tabela 59: Significância das diferenças entre F2 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ....................................................................................... 202 Tabela 60: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico me e da vogal das sílabas [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ........................................................................... 203 Tabela 61: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico me [mi/m] antes do verbo e depois do verbo.................................................................................................................. 203 Tabela 62: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico me antes do verbo e da vogal das sílabas [me], [mi] derivada, [mi] e [m] ........................................................... 204 Tabela 63: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [te], [ti] derivada e [ti] e da postônica [t].................................................................................................. 204 Tabela 64: Significância das diferenças entre F2 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [te], [t] derivada, [t] e [t] ........................................................................................... 205 Tabela 65: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico te e da vogal das sílabas [te], [t] derivada, [t] e [t] ............................................................................... 206 Tabela 66: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico te [ti/t] antes do verbo e depois do verbo.................................................................................................................. 206 Tabela 67: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico te antes do verbo e da vogal das sílabas [te], [t] derivada, [t] e [t] ............................................................... 207 23 Tabela 68: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [se], [si] derivada e [si] e da postônica [s].................................................................................................... 208 Tabela 69: Significância das diferenças entre F2 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [se], [si] derivada, [si] e [s] ............................................................................................. 208 Tabela 70: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico se reflexivo/inerente e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] ............................................................ 209 Tabela 71: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico se indeterminador/apassivador e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] ............ 209 Tabela 72: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico se reflexivo/inerente [si/s] antes do verbo e depois do verbo ...................................................................................... 210 Tabela 73: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico se reflexivo/inerente antes do verbo e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s] ................................. 210 Tabela 74: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico se indeterminador/apassivador [si/s] antes do verbo e depois do verbo ........................................................................... 211 Tabela 75: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico se indeterminador/apassivador antes do verbo e da vogal das sílabas [se], [si] derivada, [si] e [s]..................................................................................................................................... 211 Tabela 76: Significância das diferenças entre a intensidade da voga do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba pretônica [se] em pode seviciar ......................................................................................................... 216 Tabela 77: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se (indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar.......... 216 Tabela 78: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar ........... 217 Tabela 79: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar ........... 217 Tabela 80: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar ........... 218 Tabela 81: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico se (indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar.......... 219 24 Tabela 82: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se curar e da sílaba pretônica [si] derivada em pode segurar ........................................................................................... 220 Tabela 83: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente) em pode se curar e da sílaba pretônica [si] derivada em pode segurar .. ........................................................................................................................................... 220 Tabela 84: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se curar e da sílaba [si] derivada em pode segurar220 Tabela 85: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente) em pode se curar e da sílaba [si] derivada em pode segurar .................................................. 221 Tabela 86: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se dar e das sílabas pretônicas [se] em pode sedar e [si] em pode citar ............................................................................ 222 Tabela 87: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se dar e da sílaba pretônica [si] em pode citar ..................................................................................................................... 223 Tabela 88: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se dar e das sílabas pretônicas [se] em pode sedar e [si] em pode citar ............................................................................ 223 Tabela 89: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se dar e das sílabas pretônicas [se] em pode sedar e [si] em pode citar ............................................................................ 224 Tabela 90: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se dar e das sílabas pretônicas [se] em pode sedar e [si] em pode citar............................................................................................................... 224 Tabela 91: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se dar .................................................................... 225 25 SÍMBOLOS E CONVENÇÕES Adv. Advérbio Ap. Apud Apass. Apassivador Cl Clítico Cf. Confira, confronte CV Complexo verbal dB Decibel Dur. Duração F0 Frequência fundamental F1 Primeiro formante F2 Segundo formante Hz Hertz Ibid. Ibidem Indet. Indeterminador Intens. Intensidade ms Milissegundo Neg. Negação p Índice de significância estatística Refl. Reflexivo V1 Verbo (semi-)auxiliar V2 Verbo temático ou principal ω Palavra fonológica D.P. Desvio padrão 26 1. INTRODUÇÃO Os pronomes oblíquos átonos (ou clíticos pronominais) são elementos gramaticais híbridos. Em alguns aspectos, assemelham-se a uma palavra; em outros, a um afixo. O fato de eles poderem se deslocar nas adjacências do verbo – seja este expresso por uma só forma, lexia simples (me dá, dá-me), ou por mais de uma, lexia complexa (me está fazendo, está me fazendo, está fazendo-me) – aproxima-os do estatuto de palavra; todavia, por manterem uma relação de dependência estrutural e acentual com outro termo da oração (cliticização sintática e fonológica, respectivamente), esses pronomes também apresentam características de afixo. Dessa forma, observa-se uma interface dos níveis fonéticofonológico, morfológico e sintático da gramática no tocante à caracterização dos pronomes átonos. Este trabalho detém-se em especial nos níveis sintático e fonético-fonológico da referida interface. Em termos práticos, o trabalho propõe, primeiramente, uma análise variacionista sobre a colocação pronominal em relação a complexos verbais a partir de dados representativos da língua oral contemporânea de indivíduos da região metropolitana do Rio de Janeiro. Apesar de diversos estudos terem avançado no entendimento da complexidade que envolve os pronomes átonos, a referida análise fez-se necessária dada a ausência de investigações que descrevam a norma de uso da colocação pronominal em contextos de complexos verbais com dados recentes da comunidade de fala considerada. Assim sendo, embora estudos anteriores proponham generalizações acerca da norma que se objetiva descrever – e desse modo ajudem a traçar hipóteses e gerar novas perguntas –, a análise variacionista foi fundamental para a depreensão do que efetivamente ocorre contemporaneamente na variedade em questão. Além dos estudos precedentes, situações do cotidiano também motivaram e ajudaram a delimitar o objeto da pesquisa: frases como “eu não sei onde colocar o clítico” e “em Portugal, não é natural usar o pronome dessa forma” apontaram objetivos a perseguir. No primeiro caso, é nítida a confusão que se instaura entre norma objetiva e subjetiva, pois todo falante nativo usa eficientemente sua língua materna, especialmente a norma de sua comunidade de fala, mas experimenta a sensação de não saber usar corretamente a própria língua. A segunda frase indica o uso diferenciado dos pronomes átonos em variedades linguísticas, como a brasileira em relação à lusitana. Ambas as situações ilustradas justificam, em parte, o interesse científico em caracterizar o 27 comportamento dos clíticos pronominais em variedades do Português em contraponto às recomendações normativas, pois evidenciam a coexistência de normas distintas de colocação. Ao contrário do que possa parecer, o presente trabalho não tem por objetivo principal comparar diferentes normas. A investigação sociolinguística centra-se na norma de uso da comunidade de fala da área metropolitana do Rio de Janeiro, contemplando na análise, sempre que necessário, aspectos de norma subjetiva, por se supor que afetariam o comportamento dos dados descritos, na medida em que costuma ser progressiva a adoção, conforme aumenta o nível de escolaridade, da noção de “uso correto” da língua. Além disso, foram cogitados, na presente pesquisa, como possíveis condicionamentos para o uso dos pronomes, aspectos formais que figuram não só nas regras e explicações das gramáticas tradicionais, mas também em trabalhos descritivos relativos a outras variedades do Português. No âmbito sintático, em síntese, foi investigada, em termos sociolinguísticos, a variação posicional dos pronomes átonos em relação a complexos verbais. Em que posições os pronomes átonos costumam ocorrer, tomando por base a norma de uso do Rio de Janeiro? Teoricamente, eles podem ocupar quatro posições: antes do complexo verbal (me deve fazer); depois do complexo (deve fazer-me); e em seu interior, ligado à primeira (deve-me até fazer) ou à segunda forma verbal (deve até me fazer). Como em raras ocorrências se verifica a presença de elemento interveniente no complexo, presença que asseguraria se o clítico está localizado na adjacência da primeira ou da segunda forma verbal, nem sempre foi possível controlar as duas variantes no interior do complexo verbal na análise variacionista, o que se esclarece melhor no capítulo referente aos procedimentos metodológicos. Em um segundo momento, a partir do que se conheceu acerca da variação que envolve a colocação pronominal, sobretudo a respeito das estruturas que se mostraram produtivas, foi desenvolvida a análise específica da cliticização no âmbito fonéticofonológico. Experimentos acústicos foram realizados com o intuito de definir as características prosódicas dos pronomes átonos e, assim, verificar a direção prototípica de sua ligação com o hospedeiro fonológico – inclinação do pronome para a direita, em próclise fonológica (deve me-fazer), ou para a esquerda, em ênclise fonológica (deve-me fazer). 28 Desse modo, a investigação sociolinguística permitiu o controle das motivações eminentemente morfossintáticas – ainda que possíveis fatores fonéticos, como ‘tonicidade’, também tenham sido controlados – que atuariam na cliticização de natureza sintática. Posteriormente, o caráter da investigação torna-se essencialmente fonéticofonológico, etapa em que, com base nos métodos da Fonética Acústica e da Fonologia Experimental, foi possível aprofundar o estudo da cliticização de natureza fonológica. Apesar de as análises terem sido realizadas separadamente, cada qual com seu aporte teórico-metodológico, ambas não são totalmente independentes, pois os resultados de uma colaboraram para o desenvolvimento da outra, caracterizando o estudo da interface sintaxefonologia dos clíticos pronominais. Sabe-se que os clíticos, por serem desprovidos de acento, se apóiam em vocábulo anterior (ênclise) ou posterior (próclise), ainda que esse hospedeiro fonológico não seja um verbo. No caso dos complexos verbais, tomando como premissa o fato de o clítico ocupar superficialmente as posições sintáticas pré, intra ou pós-complexo verbal, acredita-se que a variante mais produtiva seja a intra-complexo verbal, com ligação prototípica em próclise. Em outras palavras, espera-se constatar a hipótese de que a realização mais frequente seria a próclise ao verbo temático, na forma nominal; mais que isso, espera-se depreender as estruturas em que as demais variantes são realizadas. Feita uma breve apresentação da temática e das pretensões da pesquisa, cabe explicitar como o trabalho está organizado. Ao todo, são seis capítulos principais além deste primeiro introdutório. No capítulo 2, o próximo, o objeto da investigação é delimitado. Para tanto, são elucidadas tanto as premissas de que se partiu para realizar a presente pesquisa, como a perspectiva adotada de cliticização pronominal e de complexos verbais. No capítulo 3, é feita uma revisão da literatura. Nele, são ressaltados pontos de outros trabalhos que foram pertinentes à pesquisa, sobretudo para a definição das hipóteses. Ele divide-se em duas grandes seções: a primeira abarca o que consta em gramáticas tradicionais sobre os pronomes átonos nas perspectivas sintática e fonéticofonológica; na segunda, constam trabalhos sobre as normas de uso do Português – alguns deles, gramáticas descritivas, e outros, pesquisas científicas diversas, que assumem uma abordagem sincrônica e/ou diacrônica. Do capítulo 4, consta a fundamentação teórica, em que são apresentadas as bases teóricas das duas análises, a variacionista e a fonético-fonológica. Fundamenta o primeiro 29 momento da pesquisa a Teoria da variação e mudança (cf. WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1975; LABOV, 1972a, 1972b, 1994, 2003). Em relação ao segundo momento, as bases teóricas relacionam-se, principalmente, ao campo da Fonologia Experimental proposta por Ohala (1987, 1990) e às reflexões apresentadas por Carvalho (1989). No capítulo 5, são descritas as metodologias utilizadas, o que implica descrever as etapas de cada análise (variacionista e fonético-fonológica) e detalhar o modo como os corpora foram constituídos. De modo geral, o tratamento variacionista consistiu em uma análise qualitativa e quantitativa dos dados. Estes correspondem a todas as ocorrências de clítico em complexo verbal – núcleo oracional complexo com mesmo referente-sujeito – registradas na fala de indivíduos de duas localidades do Rio de Janeiro (Copacabana e Nova Iguaçu). As pessoas entrevistadas diferenciam-se pelo perfil sociocultural, ordenado por escolaridade (ensino fundamental, médio ou superior), sexo (homem ou mulher), faixa etária (entre 18 e 35 anos, entre 36 e 55 anos ou com mais de 56 anos), e ainda localidade onde habita desde criança (Copacabana ou Nova Iguaçu). Feito o levantamento das ocorrências, procedeu-se à análise linguística de cada dado e ao tratamento computacional para a quantificação do material. Por meio desse tratamento, foi possível a caracterização dos dados por frequência, considerando sua distribuição (em valores absolutos e percentuais) segundo cada contexto controlado. O tratamento fonético-fonológico, diferente daquele variacionista, contou com enunciados lidos e gravados em laboratório acusticamente isolado – circunstância necessária para assegurar a desejável qualidade sonora, sem ruídos. Como os dados necessários e a qualidade do material para a análise acústica não se encontram em gravações de fala espontânea, recomendou-se previamente aos colaboradores a pronúncia mais natural possível na leitura dos enunciados. Desse modo, as sentenças obtidas permitiram realizar os experimentos, de modo a estudar (i) parâmetros acústicos da vogal de clíticos pronominais, bem como de sílabas átonas vocabulares a que eles poderiam corresponder, e (ii) a percepção da ligação fonológica, avaliada através de testes de percepção auditiva aplicado a ouvintes brasileiros com enunciados originais e modificados por meio de ressíntese de fala. No capítulo 6, são descritos e interpretados os resultados de cada análise realizada: variacionista e fonético-fonológica. Os resultados desta, por sua vez, serão explorados respeitando a sequência com que foi desenvolvido cada um dos experimentos. 30 No capítulo 7, finalmente, são feitas as considerações finais. Nesse momento, a partir das análises realizadas, são feitas a apreciação geral da pesquisa e as generalizações cabíveis. De modo geral, a pesquisa, de natureza empírica, permite observar que elementos sintáticos e fonético-fonológicos, em interface, configuram efetivamente os padrões de cliticização pronominal na variedade brasileira do Português. Esses padrões possibilitam delinear o que configura não só o parâmetro preferencial adotado, mas também as estruturas que resistem a esse padrão e sinalizam, em seu comportamento por vezes oscilante, diferenças fonéticas indicadoras de construções morfossintáticas distintas. 31 2. CLITICIZAÇÃO PRONOMINAL EM COMPLEXOS VERBAIS: DELIMITAÇÃO DO TEMA O tema do presente trabalho foi definido a partir da noção de cliticização pronominal aplicada ao contexto de complexos verbais. Para o tratamento dessa noção, a pesquisa baseou-se fundamentalmente em Klavans (1985), que postula parâmetros de cliticização; quanto à delimitação dos complexos verbais, o estudo centrou-se nas propostas de graus de auxiliaridade de Mateus et alii (2003 [1983]), que postula a existência de construções auxiliares e semi-auxiliares, e de Machado-Vieira (2004; mimeo), segundo a qual existem diferentes tipos de complexos verbais em função dos estágios de gramaticalização de verbos “auxiliares”. Nesta seção, é feita uma breve apresentação dessas concepções, assim como são ilustradas possíveis construções. 2.1. Cliticização Clítico consiste em uma partícula átona com significação e função eminentemente gramaticais. Em Português, corresponde aos artigos, a algumas preposições (a, de) e aos pronomes oblíquos átonos [me, te, se, o/a(s), nos, vos, lhe(s)]. Estes – em que se detém o trabalho – frente aos demais clíticos, apresentam um caráter singular, porque correspondem a sintagmas, o que lhes permite mover-se em torno do núcleo verbal que os seleciona. Com uma palavra adjacente, identificada como hospedeiro, os clíticos mantêm relações de dependência (fonológica e sintática), as quais configuram o fenômeno da cliticização. A esse respeito, Klavans (1985) elege três parâmetros para caracterizar o fenômeno em qualquer língua do mundo. Os dois primeiros dizem respeito à sintaxe (cliticização sintática), enquanto o terceiro diz respeito à fonologia (cliticização fonológica). Segundo a autora, cada um deles, apesar de configurarem, reunidos, uma situação de interface, pode ser investigado separadamente; assim sendo, cabe apresentálos, destacando aqueles dos quais o trabalho se ocupa. O parâmetro 1 corresponde ao parâmetro da dominância. Ele identifica o hospedeiro sintático do clítico a partir da localização – inicial ou final – desse hospedeiro em relação à posição que o clítico ocupa no domínio sintagmático. No caso dos pronomes oblíquos 32 átonos, o hospedeiro sintático consiste necessariamente em um verbo, cuja mobilidade na oração não constitui objeto da presente pesquisa. O parâmetro 2 corresponde ao parâmetro da precedência. Ele indica as posições que o clítico pode ocupar em relação a seu hospedeiro sintático: antes ou depois. Esse parâmetro ajuda a caracterizar o fenômeno analisado na primeira etapa da pesquisa, a variacionista. Neste caso, devido ao fato de o hospedeiro sintático ser um complexo verbal, os pronomes podem teoricamente ocupar as posições adjacentes ao verbo temático ou ao verbo auxiliar (me deve fazer, deve-me até fazer, deve até me fazer, deve fazer-me). O parâmetro 3 corresponde ao parâmetro da ligação fonológica. Carente de acento, o clítico necessita apoiar-se em uma palavra acentuada; isso acontece através da ligação fonológica estabelecida entre ele e seu hospedeiro fonológico, o qual não coincide necessariamente com seu hospedeiro sintático. Esse parâmetro, então, determina a direção da ligação fonológica: se o clítico se apóia na palavra à direita, a ligação é proclítica (deve me-fazer); se ele se apóia na palavra à esquerda, a ligação é enclítica (deve-me fazer). Com isso, definem-se as possibilidades que configuram o fenômeno analisado na segunda etapa da pesquisa, de natureza fonético-fonológica. Sendo o objeto de investigação a ordem e a ligação dos pronomes átonos, são verificadas, inicialmente, as posições e as circunstâncias envolvidas na realização desses clíticos em relação a complexos verbais. Na sequência, são analisados aspectos que possam revelar a direção em que eles se projetam em termos fonético-fonológicos. Embora tratados separadamente, os fenômenos designados (colocação pronominal ou ordem dos clíticos pronominais, e cliticização fonológica) estão imbricados de tal forma que, por vezes, sobretudo quando referidos na revisão da literatura, costumam ser relacionados. Para complementar a caracterização do tema, falta esclarecer a configuração das estruturas que foram consideradas complexos verbais. 2.2 Tipos de complexo verbal Complexo verbal, neste trabalho, é concebido como uma unidade nuclear formada por uma ou mais formas verbais (semi-)auxiliares acrescida(s) de um verbo temático na forma nominal, de modo que possuam o mesmo referente-sujeito e o mesmo domínio de predicação (vai fazer, pode fazer, começa a fazer, quer fazer). Embora haja essa uniformidade, há diferentes tipos de complexos, decorrentes da natureza dos chamados 33 verbos (semi-)auxiliares que não tiveram ainda concluído o processo de gramaticalização1, o que implica pressupor a existência de menor grau de integração com o verbo temático. Haveria um continuum de auxiliaridade. Nele, os verbos seriam nivelados conforme obedecessem a determinados critérios (cf. Mateus et alii, 2003 [1983]; Machado-Vieira, 2004, mimeo); quanto mais obediência a esses critérios, mais próximo de ser um auxiliar legítimo o verbo estaria. Os extremos do continuum são ocupados, de um lado, por verbos predicadores (pólo de lexicalidade), e, do outro, por verbos auxiliares (pólo de auxiliaridade). Aqueles que estão entre um e outro são verbos semi-auxiliares, referidos, neste trabalho, também como auxiliares, apesar das reconhecidas diferenças. Mateus et alii (2003[1983]) elegeram seis critérios de auxiliaridade; MachadoVieira (2004, mimeo) expandiu para onze o número de critérios que definem um verbo auxiliar. Alguns deles – os considerados fundamentais para a coleta dos dados – serão, nesse momento, brevemente apresentados, a fim de elucidar como através deles foram determinados os tipos diferentes de complexos verbais. Um dos critérios diz respeito à projeção de argumentos pelo verbo predicador (temático), ao fato de esse verbo determinar o número de argumentos necessários e estabelecer com eles uma relação semântica. De acordo com esse critério, observando a sentença mas eu vou te ensinar um método (Copacabana, homem, faixa B, ensino médio), nota-se que o verbo ir atenderia à condição de auxiliaridade, pois o verbo ensinar seria o responsável por projetar tanto o sujeito agente eu quanto o objeto um método. Outro critério refere-se à impossibilidade de o verbo temático flexionar-se formando uma oração subordinada completiva desenvolvida (por exemplo, tenho cantado não corresponde a *tenho que cante, ou a outra estrutura qualquer desenvolvida). Em uma locução verbal – termo que tradicionalmente remete a duas ou mais formas verbais em uma mesma oração –, o verbo predicador não poderia desenvolver-se formando uma oração introduzida por uma conjunção integrante (que ou se). Os complexos verbais que admitissem essa transformação, ainda que obedecessem a outras condições de auxiliaridade, seriam tão pouco integrados que poderiam ser interpretados como integrantes de duas orações. Ademais, para haver um verbo auxiliar e um verbo predicador, não poderiam incidir sobre cada um adjuntos adverbiais de tempo diferente. Por meio da sentença hoje 1 Esvaziamento semântico (alteração semântica) e decategorização (alteração de categoria) transformando o verbo predicador em verbo auxiliar – aquele que, na locução, carrega as informações gramaticais. 34 João vai sair, nota-se que, sobre o evento referido através de ambos os verbos, há o domínio temporal expresso pelo adjunto hoje, de modo que não seria possível, por exemplo, uma estrutura do tipo *Hoje João vai amanhã sair. Assim, novamente o verbo ir atenderia a um critério de auxiliaridade. Por fim, um último critério a ser mencionado refere-se à ocorrência de apenas um referente-sujeito para o complexo verbal, o que pode ser observado em eu tava me sentindo muito fraca (Nova Iguaçu, mulher, faixa A, ensino médio). O referente do sujeito que entra em relação de concordância com o verbo estar é aquele que experiencia a sensação expressa pelo verbo predicador (temático) sentir; desse modo, a forma verbal estar na construção estar mais gerúndio atende a esse critério de auxiliaridade. Dentre as diversas construções que podem ter verbos categorizados na literatura como auxiliares ou semi-auxiliares, esta pesquisa não contempla aquelas que admitem referentes-sujeito distintos para cada forma verbal da construção, como, por exemplo, as dos tipos causativo e sensitivo. Considera-se que essas construções configuram duas orações, de modo que, além de as formas verbais possuírem referentes-sujeito diferentes (João mandou[-o] sair), o verbo temático pode ser substituído por oração subordinada desenvolvida (João mandou que ele saia). Em se tratando da ordem dos pronomes átonos, em alguns casos, não considerar essas estruturas é também uma necessidade no que se refere ao tratamento da regra variável, visto que os clíticos estariam impedidos de antemão de ocupar todas as posições previstas sem implicar mudança de sentido referencial. Mandou-o sair, por exemplo, não pode ser intercambiável com mandou saí-lo; dessa forma, não haveria a alternância que configura a variável dependente pesquisada (cf. item 4.1). Com base nos critérios ora apresentados, foi possível caracterizar os complexos verbais considerados na coleta dos dados, que contemplam uma diversidade de construções formadas por verbo(s) (semi-)auxiliar(es) + verbo temático. Na presente pesquisa, foi observada e codificada inicialmente cada forma verbal auxiliar encontrada no corpus separadamente, de modo que os verbos não foram reunidos e categorizados de antemão, sobretudo porque há um limite tênue entre algumas construções, como, por exemplo, as temporais e as aspectuais. Para efeito de apresentação das construções que apareceram no corpus, listam-se, a seguir, os tipos de complexos com base na categorização habitualmente divulgada na literatura, que se baseia principalmente em aspectos semânticos, decorrentes, muitas vezes, do sentido ainda resguardado do verbo (semi-) 35 auxiliar. Não se propõe, então, uma categorização rigorosa dos tipos de complexos verbais, mas pretende-se apenas apresentar as estruturas registradas na análise variacionista. De modo geral, foram elas: - Complexos verbais de natureza temporal: 1. vou dizer para você... que: minha mãe e meu pai tenha me influenciado não porque: eu não experimentei dentro de casa. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária B, ensino fundamental). 2. você não sabe exatamente no que que você vai se especializar. (Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino médio). 3. alguém vai te dar uma Bolsa Família o resto da vida (Copacabana, mulher, faixa B, ensino superior) - Complexos verbais de natureza aspectual: 4. gosto como as coisas tão se encaminhando. (Copacabana, homem, faixa etária A, ensino fundamental). 5. ela vai se: enriquecendo. (Copacabana, homem, faixa etária A, ensino médio). 6. você vê aquelas pessoas ali você acaba se sentindo inseguro de passar por elas. (Copacabana, homem, faixa etária A, ensino médio). 7. e ali ele começou a se meter a se envolver com negócio de drogas. (Copacabana, homem, faixa etária C, ensino médio). 8. aí eu passei a conhecê-lo. (Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino médio). 9. passamos uns... uns três meses sem se ver depois voltamos a se encontrar de no:vo. Copacabana, homem, faixa etária B, ensino superior). 10. não sei quanto se roubava antes mas continua se roubando hoje. (Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino superior). 11. as mulher ficaram me olhando. (Copacabana, homem, faixa etária B, ensino superior). - Complexos verbais de natureza modal: 12. não se pode mais comparar o que era há vinte anos atrás. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária A, ensino superior). 13. e eu tive até uma atitude que não se deve ter né? (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental). 14. não é que ache que a pessoa não tem que se divertir [brincar] não... não eu acho que tem. (Copacabana, mulher, faixa etária C, ensino fundamental). 15. a pior a partir do momento [em] que você se envolve com a política você não precisa se envolver sendo político mas você estar interado dos assuntos estar interado 36 do que ocorre você se torna alguém capaz de mudar. (Copacabana, homem, faixa etária A, ensino médio). - Complexos verbais com semi-auxiliares de habilidade: 16. eu: tenho amigas assim pessoas que falam errado que não sabe se expressar. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária B, ensino fundamental). - Complexos verbais com semi-auxiliares volitivos: 17. não quero me formar. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental). 18. as pessoas passavam de bicicle:ta... assaltavam... todos os tipos de assalto que você pode imaginar tentaram me assaltar. (Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino superior). 19. procura se informar melhor das coisas com eles. (Copacabana, homem, faixa etária B, ensino superior). 20. até que eu consegui levá-la pra lá. (Copacabana, homem, faixa etária C, ensino superior). - Complexos verbais com mais de um (semi-)auxiliar2: 21. eles estavam tentando me jogar dentro do carro. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental). 22. po meus filho vai ter que se formar... vai ter que se formar. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária C, ensino médio). 23. não dá razão pra ninguém ... porque ele não quer se estressar ... porque ele é hipertenso então ele não quer ficar se estressando. (Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino superior). 24. ainda tou morando aqui ainda... porque eu já podia ter se mudado daqui. (Copacabana, homem, faixa etária C, ensino fundamental). Complexo verbal, então, corresponde a duas ou mais formais verbais em um mesmo domínio de predicação. O verbo temático ou principal sempre ocorre na forma nominal (gerúndio, particípio ou infinitivo), ao passo que a(s) forma(s) “auxiliar(es)” aparece(m) flexionada(s), desde que a oração não seja reduzida. Os clíticos pronominais podem vir teoricamente antes (pré-CV), no interior (intraCV) ou depois (pós-CV) desses complexos verbais. Nesta pesquisa, conforme já anunciado, foram averiguadas, primeiramente, as circunstâncias que envolvem essa 2 Diferentemente das categorias anteriores, o critério para definir “complexos com mais de um verbo (semi-) auxiliar” não foi semântico. Por apresentar mais de um auxiliar, a estrutura expressa mais de uma nuance; por isso, em uma categoria à parte, foram considerados os complexos com mais de duas formas verbais. 37 suposta variação sintática; posteriormente, a análise fonético-fonológica busca verificar em que palavra adjacente os pronomes se apoiam. 38 3. REVISÃO DA LITERATURA O termo “norma”, em sua produtiva polissemia, pode remeter pelo menos a duas noções: a um conjunto de regras postuladas como o uso ideal da língua (norma subjetiva ou norma idealizada) ou a um conjunto de regras concretizadas por um grupo de falantes (norma objetiva ou norma de uso). A primeira noção, aos olhos dos usuários da língua, parece configurar uma norma sempre defasada, porque a priori ninguém concretizaria o conjunto de regras idealizadas por quem quer que seja; em outras palavras, as normas idealizadas não constituem efetivamente uma variedade do Português. Sabe-se, porém, que, na medida em que aumenta o grau de escolaridade do indivíduo ou seu contato com pessoas escolarizadas e com diversificados meios socioculturais, a interferência das regras tidas como ideais na norma objetiva praticada pelo falante tende a aumentar, pois, nesse processo, estão imbricadas as noções de “certo” e “errado”, de “falar bonito” e “falar feio”, de inserção e exclusão social. Como o índice de escolarização e a comunicação entre pessoas de diferentes classes sociais na comunidade de fala observada são elevados, por se tratar de regiões metropolitanas, supõe-se que a influência da norma subjetiva, de modo geral, também seja acentuada. Por esse motivo, neste capítulo, em uma seção dedicada à abordagem tradicional, apresenta-se uma revisão do que as gramáticas normativas normalmente postulam sobre a ordem dos pronomes átonos. Do mesmo modo, em uma seção dedicada à abordagem não-tradicional, faz-se alusão a algumas gramáticas descritivas e a trabalhos sobre a variedade brasileira que possam, de alguma maneira, contribuir para o entendimento da norma de uso que se objetiva descrever. A respeito da ordem dos clíticos, são resenhadas algumas pesquisas sociolinguísticas, com foco diacrônico e/ou sincrônico; todas elas ajudam a traçar a trajetória da variação do fenômeno e, dessa forma, podem auxiliar no estudo referente à sincronia atual. Posteriormente, sobre o estatuto fonético-fonológico dos clíticos, são mencionados um trabalho cunhado na Fonologia métrica e outros na Fonologia experimental. 39 3.1. Abordagem tradicional-normativa Três manuais gramaticais foram tomados como base desta seção: Bechara (2005 [1961]), Lima (2006 [1972]) e Cunha & Cintra (2001 [1985]). A respeito da ordem dos pronomes átonos, todos eles fazem referência majoritariamente a aspectos sintáticos (as estruturas em que os pronomes devem ocupar cada uma das três posições – “próclise”, “ênclise” ou “mesóclise”3); em raros momentos, os autores reportam-se a aspectos fonéticos. Ainda assim, podem-se verificar evidências, já em gramáticas normativas, de uma provável interferência mútua entre os níveis sintático e fonético-fonológico no fenômeno da colocação pronominal; por exemplo, quando apresentam uma explicação de natureza fonética para justificar a ocorrência do clítico em determinada posição. Nas descrições diversas que propõem, os manuais comentam que os pronomes brasileiros apresentam comportamento singular (isto é, fazem alusão à norma de uso); contudo, sobretudo em Lima (2006 [1972]) e Cunha & Cintra (2001 [1985]), são utilizados exemplos literários para ilustrar a aplicação das regras, ratificando o intuito das gramáticas em fazer recomendações para o “bom” e erudito uso linguístico, supostamente ideal. A seguir, será sintetizado o que as referidas gramáticas tradicionais apresentam sobre colocação pronominal em relação a complexos verbais; na sequência, serão descritas as referências que versam especificamente sobre as propriedades fonéticas dos clíticos pronominais e sua ligação fonológica com um dos termos adjacentes. 3.1.1. Aspectos sintáticos Entre os compêndios gramaticais mencionados, as informações são praticamente consensuais. Há poucas diferenças, decorrentes principalmente do maior ou menor grau de detalhamento durante a apresentação das regras. Nesses manuais, o complexo verbal – chamado normalmente de “locução verbal” – é definido como um núcleo sintático formado por um verbo que carrega as noções gramaticais de tempo, modo, número, pessoa, voz e aspecto (verbo auxiliar – V1) e outro verbo no infinitivo, gerúndio ou particípio, que porta o valor lexical (verbo temático ou 3 Por não ser usual na oralidade brasileira, a mesóclise, considerada como um tipo especial de ênclise por alguns gramáticos, constará, neste trabalho, apenas na revisão da literatura, visto que faz parte da trajetória evolutiva dos pronomes átonos. Se houver alguma realização desta categoria no corpus, será analisada à parte. 40 principal – V2). São exemplos das locuções abordadas construções como vai dar, pode criar, vinha fazer, acaba escolhendo, está trazendo, ter comprado. No capítulo dedicado à ordem dos clíticos pronominais, não se faz distinção entre tipos de verbos auxiliares. Os autores distinguem os complexos apenas pela forma de V2. Quando este se encontra no particípio, postulam que o pronome pode estar enclítico ou proclítico a V1, o que significa que o clítico se localiza nas adjacências da forma auxiliar; ou seja, nessa circunstância, apenas duas posições são concebidas para o pronome átono. Não se admite a posposição do pronome a V2 participial, ao contrário de quando este se encontra no infinitivo ou no gerúndio. Considerando os padrões gerais estabelecidos tradicionalmente, são contempladas primordialmente as construções a seguir exemplificadas: Figura 1: Exemplos de colocação pronominal em relação a complexos verbais me vinha fazer vinha-me fazer vinha fazer-me me está trazendo está-me trazendo está trazendo-me me ter comprado ter-me comprado Quando V2 se encontra no infinitivo ou no gerúndio, Bechara (2005 [1961]), Lima (2006 [1972]) e Cunha & Cintra (2001 [1985]) postulam que o pronome, além de enclítico ou proclítico a V1, pode vir enclítico a V2; portanto, três posições seriam possíveis. Para Lima, além dessas posições, quando V2 se encontra no infinitivo, o pronome pode ser também proclítico a ele, desde que entre as duas formas verbais haja uma preposição (começou a se divertir); sendo assim, o autor atenta para a possibilidade de uma quarta posição sintática. Grosso modo, então, como se adotou neste trabalho, até quatro posições sintagmáticas são possíveis para um clítico pronominal, posições que se concretizariam e se identificariam a depender da construção morfossintática em questão. Por ora, cabe ainda esclarecer que, nesses manuais, os termos “próclise” e “ênclise” se referem geralmente tanto à posição sintática quanto à ligação fonológica do pronome, ao passo que, na presente pesquisa, eles são usados para indicar apenas a ligação fonológica entre o clítico e seu hospedeiro fonológico, o qual não coincide necessariamente com seu hospedeiro sintático. Para a ordem, como já foi explicitado, são utilizados os termos “antes” e “depois” do hospedeiro sintático, o que permitiu a configuração das variantes pré, intra e pós-CV. Desse modo, neste trabalho, os termos próclise/ênclise e antes/depois 41 não são respectivamente sinônimos; quando empregados em textos de orientação tradicional, entretanto, esses termos podem ser correspondentes. Nas três gramáticas observadas, são claramente apresentados os contextos em que a próclise é recomendada; entretanto, nos casos em que se prescreve o uso da ênclise em um CV, nem sempre se especificam se deve ser a V1 ou a V2, gerando incerteza quanto ao elemento a que o clítico deve se ligar. Novamente, uma questão de ligação fonológica tem repercussão sobre o que está sendo apresentado a respeito da colocação pronominal, pois ser enclítico ao primeiro ou ao segundo verbo implica posições sintáticas diferentes. Em relação à variação linguística, a ênclise (tida como elemento posposto) é considerada, por princípio geral, a forma “normal”, uma espécie de variante default. São apresentados, então, os contextos que determinariam a anteposição do pronome ao verbo. Nesse aspecto, é preciso salientar que os manuais consideram fundamentalmente as construções com apenas uma forma verbal. Das gramáticas consultadas, apenas em Cunha & Cintra (2001 [1985]) esses contextos são listados em seção referente a clíticos em complexos verbais. Apesar disso, todos os contextos apresentados por Bechara (2005 [1961]) e Lima (2006 [1972]) convergem para o que Cunha & Cintra (2001 [1985]) apresentam. De acordo com este manual, deve ocorrer a variante pré-CV quando o complexo for precedido por palavra negativa, pronome ou advérbio interrogativo ou integrar uma oração subordinada desenvolvida. Por fim, a próclise (tida como elemento anteposto) seria facultativa quando o complexo é antecedido por uma palavra exclamativa ou quando o complexo integra uma oração que exprime desejo. Facultativa também seria a ordem pós-CV quando V2 se encontra no infinitivo, ainda que haja alguma das características descritas anteriormente como propícias à ordem pré-CV. Em seção à parte, alguns comentários são normalmente feitos acerca do uso dos pronomes átonos na variedade brasileira do Português; eles complementam as informações postuladas anteriormente. Os autores concordam que, com frequência, a colocação pronominal na realidade difere do que seus manuais prescrevem. A próclise a V2 seria produtiva, estrutura esta não considerada em termos normativos, com exceção dos casos com preposição ressaltados por Lima (2006 [1972]). Este autor acrescenta ainda, a propósito, referindo-se à linguagem literária, que essa produtividade ocorre desde o Romantismo e não envolve os clíticos acusativos, pois a fragilidade fonética desses pronomes não propiciaria tal posição. 42 O reconhecimento feito pela tradição – ainda que em um plano secundário – de que o clítico pode se ligar a V2 demonstra uma percepção da ligação fonológica do pronome a uma das formas verbais, aspecto a ser abordado na próxima seção deste trabalho. No que diz respeito à ordem dos elementos, importa a informação de que a variante intra-CV concebida como próclise a V2 configuraria uma estrutura bastante recorrente, a ponto de as próprias gramáticas tradicionais a registrarem como uma tendência da norma de uso brasileira. Em síntese, pode-se afirmar que a ênclise a V1 ou a V2 (esta não aplicável ao particípio) são consideradas formas “originais”. Em outras palavras, essas variantes são as posições indicadas normalmente para os contextos que não configuram estruturas que promovam o deslocamento do pronome para antes do complexo verbal, listadas mais comumente na seção referente a uma só forma verbal. Ademais, verifica-se que, mesmo nas gramáticas normativas, se encontram alusões ao uso diferenciado dos pronomes na variedade brasileira, sugerindo que a variante proclítica a V2 costuma ser produtiva nessa norma de uso. 3.1.2. Aspectos fonético-fonológicos Nas três gramáticas mencionadas, os termos “próclise” e “ênclise” são definidos como uma partícula desprovida de acento que se apoia fonologicamente em uma palavra seguinte e precedente, respectivamente. Ocorre que, de modo geral, aspectos fonéticos são ressaltados, sobretudo, para explicar o comportamento morfossintático dos pronomes átonos, seja quando indicam a que verbo o clítico está ligado4, seja quando apresentam uma característica fonética para justificar a posição do clítico; por isso, não fica evidente qualquer generalização acerca da cliticização fonológica em Português. Quando Bechara (2005 [1961]) e Cunha & Cintra (2001 [1985]) tratam da anteposição dos pronomes átonos a uma só forma verbal (lexia simples) por influência de uma palavra atratora, mencionam que a pausa depois desse “atrator”, marcada ou não grafematicamente, neutralizaria sua força de atração, pois um pronome átono não iniciaria 4 Nem sempre fica claro se se trata de ligação sintática ou fonológica, por utilizarem os termos “próclise” e “ênclise” para destacar a posição que o pronome ocupa em relação a um ou mais verbos. Além disso, quando se menciona ligação, normalmente ela articula o pronome e um verbo, o que acarreta dúvida quanto à natureza dessa ligação, visto que o hospedeiro sintático do clítico é obrigatoriamente um verbo enquanto o hospedeiro fonológico pode a princípio ser qualquer uma das palavras adjacentes ao pronome. 43 uma enunciação (finalmente, realizou-se a partida). Lima (2006 [1972]), por outro lado, declara que, quando se trata de início absoluto, apesar da recomendação de posposição (realizou-se a partida), a anteposição do pronome ao verbo (se realizou a partida) ocasionaria uma sensação agradável, de eufonia. Assim, uma pausa, na abordagem de Bechara (2005 [1961]) e Cunha & Cintra (2001 [1985]), impediria o pronome de ser deslocado para antes do verbo, ainda que imediatamente antes dessa pausa haja uma palavra atratora; todavia, Lima (2006 [1972]), referindo-se a início de elocução, que não retrata apenas um momento de silêncio, afirma que parece bem construída a estrutura em que o pronome precede o verbo começando um enunciado. No que se refere à cliticização fonológica, as descrições tradicionais permitem aferir que tanto pausa quanto início absoluto indicariam que o clítico, nessas circunstâncias, se liga fonologicamente à palavra à sua direita. Em termos de complexos verbais, Lima (2006 [1972]) acrescenta, ainda, que os pronomes acusativos de terceira pessoa [o/a(s)], em virtude de sua fragilidade fonética, não ocupariam a posição intra-CV. Como se pode ver, as referências de natureza fonética são feitas, nessas gramáticas, frequentemente a serviço da caracterização sintática da colocação pronominal, mas Bechara (2005 [1961]) também mostra que a sintaxe pode contribuir para entender a cliticização fonológica. Com tom descritivo, ele destaca que o grau de tonicidade de uma palavra pode mudar em função da posição que ela ocupa no grupo de força a que pertence; com isso, ele afirma que a ordem dos elementos pode interferir na tonicidade que possuem. Desse modo, para ilustrar a situação, ele mostra que a palavra arco em arco desaparece (Bechara, 2005 [1961]: 89) é tônica, mas em arco-íris (Bechara, 2005 [1961]: 89) é átona proclítica; associando, assim, a variação de tonicidade a tipos de dependência sintática. Seja em função da ordem ou do tipo de dependência sintática dos elementos constitutivos, é estabelecida uma influência da sintaxe sobre a fonética. Assim sendo, da mesma forma que se encontra evidência de interferência da fonética no comportamento sintático dos clíticos, também ocorreria o contrário, sustentando a hipótese de uma mútua atuação das duas faces gramaticais. Afirmando a posição que o clítico está em relação ao hospedeiro fonológico – aquele com o qual o clítico forma um “grupo de força” –, consolida-se a direção para a qual ele se inclina. Desse modo, o comentário de Bechara permite inferir que a direção da ligação fonológica do clítico interfere no padrão acentual da unidade vocabular formada 44 pelo pronome e a palavra vizinha acentuada a que se acoplou prosodicamente. Então, a partir de uma análise fonético-fonológica dessas unidades vocabulares, provavelmente será possível depreender as características acústicas dos pronomes átonos, que revelarão como eles são realizados quando se projetam para cada uma das direções de ligação fonológica possíveis. Sobre a cliticização fonológica especificamente, observa-se que as informações recolhidas figuram nas gramáticas normalmente nas seções em que os autores remetem, em um tipo de anexo, à norma de uso brasileira. Talvez isso decorra da preocupação das gramáticas em prescrever um uso ideal, sobretudo no tocante à modalidade escrita. Por se tratar de algo que atinge acento/som/fala, parece que o fenômeno se afasta do interesse primordial desses manuais. Bechara (2005 [1961]) e Cunha & Cintra (2001 [1985]) chamam a atenção para construções com clítico e complexo verbal em que V1 se encontra no futuro. Nesse caso, na posição supostamente mais natural (intra-CV), em vez de ocorrer ênclise a V1, a próclise a V2 (poderá se dizer) seria produtiva, para assim evitar que o pronome se acoplasse a V1 na forma de mesóclise (poder-se-á dizer), estrutura não usual no Brasil. Além disso, ainda sobre a próclise a V2, os autores destacam as construções com pronome de primeira pessoa do plural (nos). De acordo com eles, tal próclise evitaria algumas adaptações fonéticas da forma verbal, como acontece em Façamo-nos o que pediram, em que V1 se modificaria levemente para hospedar o clítico, caso este fosse enclítico a ele. Como se pode ver, alguns aspectos fonéticos que dizem respeito aos pronomes átonos são contemplados nas gramáticas normativas consultadas. A maior parte das informações recolhidas sustenta a ideia de que essas propriedades devem ser investigadas empiricamente. Sobre a ligação fonológica, pouco é mencionado. O que consta nos manuais a esse respeito normalmente está associado à caracterização da colocação pronominal. Observou-se que a posição e a ligação fonológica dos pronomes, nesses compêndios, estão imbricadas de tal forma que os autores não versam sobre elas separadamente, como dois fenômenos independentes. 45 3.2. Abordagens não-prescritivas A observação da língua em uso para depreender suas regras de funcionamento não consiste em uma tarefa recente. Esse mecanismo de pesquisa empírica já rendeu muitos trabalhos, que têm avançado na meta de descrever e explicar o sistema da Língua Portuguesa contemplando as diferentes normas de uso. Nesta seção, serão apresentados gramáticas e trabalhos científicos de natureza descritiva, ressaltando suas colaborações acerca das cliticizações sintática e fonológica. Primeiramente, são revisadas duas gramáticas descritivas: Ali (2008 [1908]) e Perini (2007 [1995]). A primeira mostra que, já no início do século XX, quando a primeira edição da gramática foi lançada, existia uma reflexão teórica acerca de uma possível atração fonética interferindo na colocação pronominal revelada a partir de textos literários do Português arcaico (entre o séc. XIV e XVI). Ainda assim, é imprescindível resgatar o que se observava nessa época e que ainda hoje pode influenciar o fenômeno da cliticização pronominal. Perini (2007 [1995]), por outro lado, corresponde a um compêndio gramatical com uma descrição específica e mais recente da variedade brasileira. Ele remete ao que configuraria o padrão de escrita moderna, especialmente registrada em textos técnicos e jornalísticos. Não se compromete, pois, a descrever a norma de uso da língua falada por uma comunidade de fala; mas, sem desconsiderar a variação linguística, reúne características atuais dessa variedade especialmente no que tange à modalidade escrita. Dessa forma, essas gramáticas descritivas reúnem generalizações do que seria o comportamento dos pronomes átonos em Português. Elas divergem quanto à sincronia retratada e quanto à variedade linguística em foco, mas ambas, de alguma forma, colaboraram para a presente pesquisa. Outros estudos, reportados logo após a seção referente às gramáticas, primeiramente versam sobre a colocação pronominal e fundamentam-se na Teoria da variação e mudança, com exceção de Cyrino (1996 [1993]), Pagotto (1992) e Galves & Abaurre (1996), cuja abordagem busca conjugar aspectos sociolinguísticos e formalistas voltados à análise da variação paramétrica. Por fim, remete-se a pesquisas sobre a cliticização fonológica, cujas bases teóricas procedem da Sociolinguística e da Fonologia prosódica. 46 3.2.1. Compêndios gramaticais Ali (2008 [1908]) consiste em um trabalho de cunho filológico, cujas conclusões estão baseadas em obras literárias do período que compreende os séculos XVI a XIX. A respeito da colocação pronominal, o autor centra-se na descrição da norma lusitana, porque as obras consultadas são basicamente de autoria portuguesa. Após fazer isso, Said Ali aborda a norma brasileira, contrapondo brevemente as duas variedades. Neste caso, não é especificada a sincronia retratada; a julgar que a descrição foi feita utilizando o presente do indicativo, acredita-se que o momento referido foi final do século XIX e início do XX, quando a obra foi produzida. No que diz respeito à colocação pronominal em Portugal, o autor relata as posições em que o pronome átono costumava ocorrer; eis o que diz: “O nosso pronome é, de fato, pospositivo: ou ele se encosta ao verbo, ou ao outro vocábulo anterior” (ALI, 2008 [1908]: 24). Quando se colocava antes do termo regente (no caso do pronome átono, o verbo), o pronome pospunha o elemento que provocou seu deslocamento, ainda que a atração fonética o afastasse do verbo (muitos que se com elle foram – Fernão Lopes, ap. ibid. p. 24). De acordo com a declaração de Said Ali, as noções de cliticização fonológica e sintática confundem-se, pois a posição sintática (estabelecida, na realidade, em função do hospedeiro sintático, o termo regente), neste caso, é definida em função do termo ao qual o pronome se liga (hospedeiro fonológico). Embora se informem as situações em que o pronome costumava ocorrer, antes ou depois do verbo, de acordo com a declaração de Said Ali, é evidente a referência feita à necessidade de o clítico se apoiar em um termo vizinho, fosse este um verbo ou não. Assim sendo, nesse momento, caracterizou-se a cliticização fonológica, de modo a definir a ligação do clítico para a esquerda (enclítica) como a direção padrão. Desse modo, entendese, por exemplo, por que razão o clítico não iniciava o discurso; de acordo com Said Ali, o pronome só iniciava uma oração quando esta era principal precedida de uma oração subordinada adverbial. Assim como se verificou nas gramáticas tradicionais, em Ali (2008 [1908]), a ênclise (entendida como posposição do pronome ao verbo) é descrita como a construção normal. O pronome ocuparia a posição que normalmente compete a um complemento, mas manteria com o verbo uma relação de dependência fonética e sintática. 47 Mesmo em algumas circunstâncias em que se esperaria o deslocamento do pronome para antes do verbo, essa ordem não era categórica; a atração, muitas vezes, não ocorria, ao que parece porque a posposição era tão natural que um ou mais atratores precisariam exercer uma “força” significativa para alterar a sintaxe original. Na linguagem intitulada de pré-clássica, tal atração “falhava” com frequência. Essa força atrativa, de acordo com Said Ali, era de natureza puramente fonética. Determinado vocábulo anterior ao verbo solicitaria que o pronome fosse para sua proximidade, e a ele o clítico se submeteria e se ligaria. Quando houvesse mais de um “atrator”, o clítico localizar-se-ia ao lado daquele mais próximo do verbo. A atração no Português arcaico podia, algumas vezes, afastar o pronome do verbo de um modo que não se verifica na atualidade. Podia haver entre o pronome e o verbo um sujeito ou algum outro termo (da guisa que vos eu digo – Fernão Lopes, ap. ibid. p. 24), fenômeno que ficou conhecido como interpolação. Segundo o autor, já no século XVI, esse tipo de construção começava a extinguir-se; no século XVII, a estrutura pré-verbal contemplava o clítico imediatamente antes do verbo; a exceção ocorreria apenas em frases negativas (que se não pede a par de que não se pede – ibid., p. 24). Sobre as palavras que metaforicamente exerciam força atratora, Said Ali alerta para o equívoco de tomar a classe gramatical em vez de analisar a “potência” de cada palavra. Ele descreve, primeiramente, frases cujo pronome se encontrava antes de verbo na forma simples. Observou-se que palavras negativas (não, nada, nunca, nem) atraíam o clítico, assim como algumas preposições (especialmente de e para diante de verbo no infinitivo flexionado, e em diante de verbo no gerúndio). Em casos com preposição a, como em disposto a a abandonar, propenso a o enganar ou propenso ao enganar (ibid., p. 34), haveria confusão entre o pronome e um artigo. Dessa maneira, para desfazer a ambiguidade, o clítico ocorreria depois do verbo. Essa tendência, por sua vez, se estenderia para construções com outros pronomes, além dos acusativos de terceira pessoa. Com potencial atrator, também atuavam algumas conjunções (se, quando, que, ou), as palavras que denotavam individualização ou delimitação quantitativa (cada, poucos, quantos, um deles), e os advérbios que expressavam circunstância. Um sujeito ou um objeto, quando antes do verbo, também podia atrair o pronome átono, desde que estivesse em situação de foco (deste estofo se fazem os grandes homens e deste estofo fazem-se blusas, saias, vestidos etc – ibid., p. 51). Contudo, quando o objeto 48 era representado por um pronome pessoal oblíquo tônico, o uso do pronome átono podia ser antes ou depois desse mesmo verbo (a mim me desconsola infinito/ a mim parece-se demasiado dizer – ibid., p. 52). Havia, ainda, um contexto em que o clítico pré-verbal era categórico: pronome em frases iniciadas por palavra exclamativa ou interrogativa sem pausa antes do verbo (Quanto se perde!/ Onde o viste? – ibid., p. 45). Diversos vocábulos são apontados como atratores do pronome átono. Said Ali é enfático ao dizer que a motivação para essa variação morfossintática é essencialmente fonética. O filólogo associa tais vocábulos e a posição do pronome a uma harmonia rítmica. Ele declara que se a teoria da atração fonética é correta, necessariamente deslocarão também o pronome átono quaisquer outros vocábulos, não pertencentes às categorias gramaticais até aqui consideradas, que se unem, porém, igualmente antes do verbo, destituídos de entoação e sem admitirem pausa. (ibid., p. 41). Em outras palavras, não só os atratores apresentados até o momento, mas também outros poderiam exercer uma “força” de modo a provocar o deslocamento do pronome átono. A respeito dos complexos verbais especificamente, pouco se explicita. Primeiramente, Said Ali afirma que o lugar próprio do regímen enclítico é depois do verbo principal; mas, como as duas expressões verbais se pronunciam ligadamente, e o verbo subsidiário tem intensidade mais fraca, há sempre a tendência de se unir ao vocábulo que se profere primeiro. (ibid., p. 52-3). Quando se trata de complexo formado por V1 mais V2 no particípio passado, o autor propõe uma regra diferente, pois o pronome não se ligaria ao segundo verbo. Todavia, quando a ordem do complexo estava invertida, o pronome o sucederia (prometido lhe está – ibid., p. 53). Outra peculiaridade apontada na gramática envolve complexos com o auxiliar haver de. Quatro posições são descritas como possíveis: depois do verbo principal (há de mandar-me – ibid., p. 54), antes da preposição (então há-se de pronunciar a sentença, lá há-se de esperar o tempo – Vieira, ap. ibid., p. 55) ou depois dela (há de me mandar – ibid., p. 54), ou ainda antes do complexo verbal (daqui a poucas horas me has-de conhecer – Herc., ap. ibid., p. 55). Nesse caso, por meio de um complexo com preposição 49 interveniente, evidencia-se a totalidade de posições que um clítico pronominal pode ocupar, previstas na introdução deste trabalho. Além disso, enquanto versa sobre complexos verbais, Said Ali explica que o futuro do pretérito e do presente têm origem, no século XIV, no verbo no infinitivo combinado a um verbo auxiliar. Isso é importante para entender o surgimento da mesóclise, atribuído à não consciência pelos lusitanos da origem desses tempos verbais ou a uma percepção confusa dessa evolução linguística, o que acarretou estruturas como obedecer-lhe-á (obedecerlhe ha) e obedecer-lhe-ia (obedecerlhe hia) – ibid., p. 53. No que concerne ao tipo de clítico e complexo, Said Ali descreve a produtividade de pronome acusativo sucedendo V2 no infinitivo (quer guardal-o – ibid., p. 54). No mais, por fim, quando contrasta características das variedades brasileira e lusitana, o filólogo remete a noções de percepção auditiva: a fala lusitana soava mais ligeira, ao passo que a brasileira parecia mais pausada. Isso provavelmente decorria das diferenças de qualidade vocálica e acento constatadas por Said Ali: lá o e final em me, te e se é tão abafado que mal se ouve... Cá estamos habituados a empregar já certa acentuação quando o pronome vem anteposto ao verbo, dizendo aproximadamente mi, ti e si; para nós brasileiros seria extremamente difícil pronunciar à portuguesa me, te, se, lhe. (ibid., p. 57). No Brasil, a depender da colocação, o pronome possuiria um grau de acentuação diferenciado – quando posposto, seria mais átono que quando anteposto. O mesmo não aconteceria na variedade lusitana, quando o pronome teria grau semelhante de fragilidade acentual em qualquer das posições. Além do acento, o autor propôs que a vogal média do pronome átono brasileiro seria claramente alteada, enquanto a do pronome lusitano tendia a ser percebida como um e breve. O mesmo descompasso foi registrado quanto ao pronome relativo que, notado na norma brasileira como qui e na portuguesa como que. Tal como em Portugal, os pronomes átonos não iniciariam discurso na linguagem literária brasileira; mas, nesta, haveria uma maior liberdade na colocação pronominal, resultante do uso geral, que privilegiaria a anteposição do pronome ao verbo e a próclise. Em síntese, os pronomes átonos no Português arcaico, segundo Ali (2008 [1908]), eram naturalmente enclíticos e pospostos, salvo quando alguns contextos ou palavras atratoras provocavam seu deslocamento para antes do verbo. Sobre as construções com complexo verbal precisamente, pouco se descreve, mas notou-se variação relacionada à forma do verbo principal, à forma do clítico e ao verbo auxiliar, especialmente se era haver 50 de. Em se tratando de variedade brasileira, a cliticização pronominal parece ter se desenvolvido de forma distinta: os clíticos, nem sempre tão átonos, não teriam de forma tão natural o padrão de colocação e ligação fonológica semelhante ao lusitano. Perini (2007 [1995]), diferentemente de Ali (2008 [1908]), objetivou descrever o padrão de escrita não-literária (jornalística e acadêmica) da variedade brasileira no final do século XX. No que concerne aos pronomes átonos, o autor versa sobre a colocação pronominal, ressaltando motivações morfossintáticas para a variação. Em virtude do objeto de observação de Perini (2007 [1995]), não foi valorizada a descrição da cliticização fonológica nem foram apresentadas características fonéticas para explicar o comportamento sintático desses pronomes. Em princípio, são mostradas as posições em que um clítico pronominal podia ocorrer, fosse o núcleo da oração uma lexia simples ou complexa. Neste caso, a regra geral consistia em o clítico ser colocado após V1 ou V2, desde que não houvesse um elemento que o atraísse para antes desses verbos. Antes de elucidar os elementos que exercem atração, Perini ressalta algumas circunstâncias em que próclise/ênclise não seria usual. De acordo com ele, não constitui a opção preferencial na escrita culta padrão descrita a construção formada por próclise em início de oração não-subordinada ou logo após um elemento topicalizado. A ênclise, por outro lado, não é indicada quando o verbo que hospeda o clítico se encontra no gerúndio e é precedido de em, quando ele está no particípio ou quando a oração contém um elemento atrator. Em qualquer outra situação, ambas as “posições” seriam plausíveis. Seja em relação à lexia verbal simples ou à complexa, os elementos que supostamente atraem o pronome seriam os seguintes: pronomes relativos, interrogativos, palavras negativas (não, nada, ninguém, nenhum), pronome indefinido “alguém” e alguns advérbios (bem, mal, ainda, já, sempre, também). Sobre os complexos verbais especificamente, a depender da construção, a posição pré-CV poderia, segundo o autor, não ser considerada natural. Quando há, por exemplo, estrutura com verbo “saber” (me sabe agradar – idem) ou com V1 seguido de preposição (ela se deixou de maquiar – idem), essa ordem teria baixa aceitabilidade. Para Perini (2007 [1995]), o padrão brasileiro era próclise a V2. Diante dos aspectos reunidos, Perini (2007 [1995]) mostra que tanto a próclise quanto a ênclise eram produtivas, mas a realização de cada uma acontecia em função do 51 ambiente morfossintático. Embora tenham sido apresentados alguns contextos, o autor alerta para a necessidade de um tratamento sistemático do fenômeno, para explicar fatos como, quando as duas posições são possíveis, qual e por que uma delas é preferível. O autor não deixa dúvida de que o padrão de escrita brasileira destoa, em parte, do que gramáticas normativas postulam; por exemplo, a ocorrência da próclise em diversos contextos, exceto em início absoluto, bem como a tendência descrita de próclise a V2 constituem estruturas não recomendadas por esses manuais. De acordo com Perini (2007 [1995]), a divergência ocorre em virtude de essas gramáticas não se basearem no atual padrão brasileiro de escrita. Desse modo, os estudos sugeridos viriam a colaborar para traçar, de forma mais consistente, esse padrão. As duas gramáticas descritivas explicitadas mostram que os pronomes podem ocupar posições diferentes em relação ao núcleo verbal. Para Said Ali e Perini, cada qual a respeito das sincronias abordadas, alguns elementos exercem força que provocam anteposição do pronome. Para Said Ali, a atração seria puramente fonética. A respeito dos complexos verbais, dependendo da estrutura, a posição pré-CV nem sempre é produtiva. Said Ali, referindo-se ao Português europeu nos séculos XVI a XIX, salienta que a posição pós-CV parece categórica quando se trata de clítico acusativo de terceira pessoa, o que pode configurar uma tendência brasileira atualmente. De acordo com Perini, referindo-se ao Português brasileiro no final do século XX, a construção mais frequente era a intra-CV. Acerca da cliticização fonológica, Said Ali destaca que havia diferenças fonéticas entre as variedades linguísticas brasileira e lusitana, às quais estaria associado o padrão de ligação do pronome para a esquerda (ênclise) em Portugal e para a direita (próclise) no Brasil. Perini expõe que a próclise ainda é a ligação mais produtiva no Brasil, mas ressalta que a ênclise também pode ocorrer. Na sequência, serão apresentadas algumas das contribuições de pesquisadores acerca de colocação pronominal e cliticização fonológica em contexto com complexos verbais, objeto específico da presente pesquisa. 52 3.2.2. Pesquisas científicas diversas O que consta nas gramáticas descritivas nem sempre tem base científica. O que às vezes surge como impressão, para ser postulado como uma verdade, necessita de ser analisado por meio de um estudo rigoroso e objetivo. Nesse sentido, para conhecer como de fato funcionam a colocação pronominal e a cliticização fonológica na norma em questão, foram consultadas pesquisas que se centraram nesses fenômenos. Primeiramente, serão reportados trabalhos sobre colocação pronominal, cuja orientação é de natureza sociolinguística, como a adotada em parte desta pesquisa. Posteriormente, apresentam-se trabalhos sobre a cliticização fonológica, cujas bases estão fundamentadas na Sociolinguística e/ou na Fonologia Experimental. 3.2.2.1. Aspectos sintáticos: abordagem sociolinguística O repertório de trabalhos conta com investigações com foco diacrônico e outros com foco na sincronia atual. Reunidas, colaboram para traçar o percurso evolutivo da colocação pronominal até os dias atuais. Com exceção de Vieira (2002), eles valeram-se de corpora constituídos de textos escritos. A maioria deles recorreu a esse tipo de fonte por não dispor de amostras de fala espontânea para depreender o vernáculo; outros tinham o intuito de verificar as estruturas empregadas especificamente na modalidade escrita, que possivelmente configurariam regras diferentes daquelas postuladas em gramáticas normativas. Servindo-se de material oral ou escrito, as pesquisas contempladas nas duas subseções seguintes reúnem conhecimentos já adquiridos a respeito da colocação pronominal na variedade brasileira. 3.2.2.1.1. Estudos na perspectiva diacrônica Roberts & Kato (1996 [1993]) reúnem resultados de várias pesquisas diacrônicas, duas delas sobre clíticos pronominais. Uma é de autoria de Sonia Cyrino; a outra, de Emílio Pagotto. Esta, por sua vez, é apresentada na íntegra em Pagotto (1992), a que se remeterá mais adiante. Por meio da observação de peças brasileiras, Cyrino (1996 [1993]) traçou um caminho de mudança no padrão de colocação pronominal brasileira no período que 53 compreende os séculos XVIII, XIX e XX. Concernente aos complexos verbais, verificou que, no início do período em questão, o clítico podia ocupar três posições: pré-CV, intraCV ou pós-CV, sendo que, no segundo caso, o pronome seria enclítico a V1. Com o passar do tempo, progressivamente, foi deixando de haver variação. Diante de partícula atratora, verbo no imperativo afirmativo ou em início de sentença, o pronome passou a ocupar, de modo proclítico a V2, apenas a posição intra-CV. Somente o clítico acusativo de terceira pessoa não obedeceria a essa regra, desde que o verbo principal se encontrasse no infinitivo; neste caso, o pronome, enclítico, ocupava a posição pós-CV. Segundo as conclusões do referido estudo, no século XVIII, qualquer dos pronomes átonos poderia ocupar diferentes posições. No século XX, já não se observaria efetiva alternância: apenas a posição intra-CV era produtiva, com exceção do clítico o/a(s), que seguia o verbo principal no infinitivo. Sônia Cyrino atribuiu tal mudança a uma reinterpretação sintática – em vez de ligado a V1, as crianças teriam passado a interpretar o pronome ligado ao verbo principal. Além disso, mostrou que as mudanças envolvendo os clíticos desencadearam outras mudanças sintáticas: a queda de clíticos, especialmente de terceira pessoa, que, por sua vez, ocasionou a refixação do parâmetro de objeto nulo do Português brasileiro. Assim sendo, essa análise diacrônica aponta mudanças na colocação pronominal e, ainda, mostra que outras mudanças em cadeia aconteceram. Pagotto (1992) trata do fenômeno de colocação pronominal considerando cartas pessoais, processos criminais, escrituras e testamentos dos séculos XVI a XX. Para tanto, estabelece quatro variáveis dependentes. As duas primeiras referem-se ao posicionamento do clítico em relação a uma lexia verbal simples. As demais referem-se a sentenças com complexos verbais – uma delas contempla, especificamente, complexos verbais precedidos de negação ou advérbio, de modo que as variantes eram Cl + adv./ neg.+ V1 V2; adv./ neg. + Cl V1 V2; adv./ neg. + V1-Cl V2; adv./ neg. + V1 Cl V2; adv./ neg. + V1 V2-Cl. A investigação consistiu em verificar a variação sintática dos pronomes átonos em função de possíveis grupos de fatores, tais como: ‘estatuto do verbo’, ‘tipo de verbo auxiliar’, ‘tipo de sujeito’, ‘presença/ausência de elemento atrator’, ‘tipo de sentença’, ‘estrutura básica da sentença’, ‘tipo de clítico’, ‘papel temático do clítico’, ‘tipo de texto’, ‘época do texto’ e ‘documento ou série de documentos’. A respeito das sentenças com complexos verbais na variedade brasileira, a análise variacionista mostrou principalmente que, até o século XVIII, a anteposição do clítico ao 54 complexo era majoritária, a tal ponto que, nesse período, entre o pronome e o complexo podia ocorrer uma palavra negativa (Ela me não pode dizer a verdade – ibid., p. 42). O tipo de clítico revelou-se um dos grupos de fatores que influenciava a variação; constatouse, por exemplo, que os tipos de se divergiam quanto à colocação pronominal: “o clítico se de construções passivas e de indeterminação se concentra categoricamente à esquerda do primeiro verbo, ao passo que os reflexivos admitem variação” (Pagotto, 1992: 119). O pronome reflexivo passou a ocupar as posições adjacentes a V2. Além disso, mais uma vez, notou-se que o clítico acusativo de terceira pessoa era mais produtivo sucedendo o segundo verbo no infinitivo. No final do século XVIII, começou, segundo o autor, uma mudança no padrão de colocação pronominal. Não era mais tão assídua a subida do pronome para antes do complexo verbal. Essa redução de frequência da variante pré-CV pode ter ocorrido em razão de alguma mudança sofrida pelo estatuto categorial da negação e dos verbos auxiliares. Diante dessas considerações, percebe-se, então, que alguns fatores condicionadores da variação descritos no tratamento de corpora do século XX parecem já exibir sua relevância no material em questão. Nota-se ainda que, mesmo na escrita, algumas características observadas no período que sucede ao século XVIII se aproximam do que se acredita configurar a atual norma brasileira. Nunes (2009) corrobora alguns dos resultados de Cyrino (1996 [1993]) e de Pagotto (1992). Tomando por base textos jornalísticos dos gêneros notícia, editorial e anúncio, investiga a colocação pronominal nas variedades brasileira e lusitana nos séculos XIX e XX. Considerando o hífen como marca explícita de ênclise na modalidade escrita, estabeleceu quatro variantes: Cl V1 V2, V1-Cl V2, V1 Cl V2, V1 V2-Cl. No que concerne à variedade brasileira, as alternâncias configuram uma regra variável em todo o período analisado. Desconsiderando os dados com variantes em início absoluto, no século XIX, a estrutura pré-CV foi a mais produtiva (64%), seguida da pósCV (26%); as demais não alcançaram 10% da amostra. No século XX, a produtividade de pré-CV reduziu para 44%, enquanto a pós-CV ascendeu para 38%; a incidência de V1 Cl V2 também aumentou (de 3% para 14%), ao passo que V1-Cl V2 diminuiu (de 7% para 4%). Assim sendo, de um século para o outro, a variação ficou mais intensa. A hierarquia entre as formas variantes foi mantida, mas os pronomes, ainda que em número pequeno, 55 passaram a figurar mais vezes sem o hífen, o que sinalizaria, na escrita, a ligação do pronome ao segundo verbo, ocupando assim posições adjacentes a ele. A declaração de Cyrino (1996 [1993]) de que com o tempo teria diminuído o teor de variação na ordem dos clíticos pronominais não pôde ser atestada na modalidade escrita jornalística. De fato, os resultados de Nunes (2009) confirmam uma diminuição da construção pré-CV e aumento da intra-CV (V1 Cl V2), mas isso acaba por mostrar que acentuou a concorrência entre as variantes. Segundo o que indicam os resultados de Cyrino (1996 [1993]), a partir do final do século XVIII, o clítico passou a não subir mais com tanta frequência para antes do complexo verbal, o que se confirma com os valores apresentados em Nunes (2009), referentes ao período entre os séculos XIX e XX. Considerando a variante intra-CV, a próclise a V2 revelou-se, nos três trabalhos – Cyrino (1996 [1993]), Pagotto (1992) e Nunes (2009) –, uma tendência crescente. Em Nunes (2009), isso é matematicamente mostrado por meio da progressão de 11% da produção dessa estrutura (assinalada por clítico no interior do complexo verbal sem a presença de hífen) entre os séculos XIX e XX. Outra ascendência na produtividade, mostrada por Nunes (2009), diz respeito à variante pós-CV, cujo crescimento foi de 12%, tomando por base o mesmo período. Esses resultados de Nunes (2009) podem convergir para a conclusão de Pagotto (1992) de que os clíticos teriam passado a ocupar preferencialmente as posições adjacentes ao verbo principal; mas ele, bem como Cyrino (1996 [1993]), mostrou que essa predisposição estaria associada ao tipo de pronome átono. Frente às distribuições dos dados na escrita jornalística, é oportuno indagar que uma distribuição das variantes mais igualitária no século XX pode refletir uma transição para a fixação de novo padrão de escrita; pode-se tratar também de uma característica específica da escrita jornalística ou, ainda, de contextos morfossintáticos que não foram tão produtivos no século XIX como foram no século XX. Faz-se necessário, então, verificar como se comportaram as variáveis independentes controladas no estudo e as conclusões que os resultados permitiram a Nunes (2009) alcançar. Os grupos de fatores que se mostraram relevantes foram ‘presença de elemento atrator’, ‘forma do verbo principal’, ‘tipo de clítico’, ‘época da publicação’ e ‘gênero textual’. De modo geral, eles revelam que, mesmo nos editoriais – o mais tradicional dos gêneros jornalísticos –, algumas regras normativas não foram seguidas, especialmente no século XX. 56 A presença de um elemento atrator não era suficiente para que o clítico fosse deslocado para antes do complexo verbal. O segundo verbo no particípio não admitia ênclise, diferentemente do infinitivo que favorecia essa ligação. Quanto ao tipo de clítico, o se indeterminador se ligava preferencialmente a V1, enquanto o se reflexivo/inerente se ligava a V2, conforme havia mostrado Pagotto (1992). Sobre a época da publicação, no final do século XX, a variante pré-CV não era significativamente favorecida. Por fim, a respeito dos gêneros textuais, o editorial foi o único a colaborar para esta realização. Observa-se, portanto, que houve, de um século para o outro, uma queda da produtividade da variante inicialmente mais recorrente (Cl V1 V2), ainda que houvesse um elemento tradicionalmente considerado atrator. Associados a esse declínio, estão a tipologia do clítico, a forma do segundo verbo e o gênero textual. Dessa forma, na escrita jornalística, considerando os séculos XIX e XX, foram confirmadas algumas características ressaltadas por Cyrino (1996 [1993]) e Pagotto (1992) sobre o comportamento dos pronomes átonos. Com uma perspectiva diacrônica, a colocação pronominal foi retratada em três pesquisas reportadas nesta seção: Cyrino (1996 [1993]), Pagotto (1992) e Nunes (2009). Elas permitiram traçar uma trajetória da colocação pronominal desde o século XVI ao XX. Em síntese, pode-se afirmar que, inicialmente, era habitual o clítico preceder o complexo verbal quando houvesse uma palavra atratora (partícula de negação, principalmente); em posição intra-CV, ele costumava ser enclítico a V1. No final do século XVIII, esse quadro começaria a se modificar, aproximando-se da atual norma vernacular brasileira. No século XX, as transformações ganharam mais expressividade; reduziu a incidência da variante pré-CV, mas aumentou a recorrência das variantes intra e pós-CV, sugerindo que os pronomes estavam passando a colocar-se preferencialmente em torno da segunda forma verbal. Em se tratando de escrita, os estudos mostram que essa evolução linguística parece estar fixando um novo padrão de escrita culta, que, em alguma medida, refletiria possível alteração de parâmetros de ordem no vernáculo brasileiro. No que se refere aos tipos de pronomes átonos, de acordo com Cyrino (1996 [1993]), os acusativos de terceira pessoa [o/a(s)] eram genuinamente pós-verbais, bem como se acredita que seja atualmente. De acordo com Pagotto (1992) e Nunes (2009), o clítico se reflexivo/inerente ligava-se sintaticamente ao verbo temático, mantendo-se ao seu lado, ao passo que o se apassivador e indeterminador se ligavam ao primeiro verbo; 57 todavia não se sabe se essas relações sintáticas refletiam a ou repercutiam na direção da ligação fonológica. Quando se tratava da ordem intra-CV, ao que parece, teria havido uma interpretação de próclise que repercutiu em uma escrita sem hífen. Com os resultados ora sintetizados, compreende-se um pouco do percurso do fenômeno “colocação pronominal” na variedade brasileira do Português. Apesar de os estudos se basearem em dados escritos, pôde-se perceber o comportamento das formas alternantes ao longo dos séculos XVI a XX. Na sequência, serão apresentadas características do mesmo evento, contudo, em uma perspectiva sincrônica. 3.2.2.1.2. Estudos na perspectiva sincrônica Dada a escassez de trabalhos que se dedicam a tratar da variação da ordem dos clíticos pronominais na fala contemporânea, três trabalhos que também discutem esse tema na modalidade escrita serão apresentados na sequência, pois ajudam a explicar a sistematicidade do fenômeno. Ao final desta subseção, finalmente, será explicitado um trabalho que tem em seu material de análise amostras de fala, contribuindo para a descrição da norma de uso brasileira. O primeiro trabalho sincrônico a ser apresentado corresponde a Schei (2003). Visto que geralmente as gramáticas normativas apresentam regras que se concretizariam em textos literários, Schei (2003) traçou um paralelo entre esses dois planos (as recomendações gramaticais e os textos literários). Ela verificou que, no que toca à colocação pronominal, muitas vezes, as regras utilizadas na escrita não estão de acordo com o que é prescrito, mas assemelham-se ao que se acredita ser o padrão de ordem no Português falado. Por meio da análise da colocação pronominal em romances brasileiros do século XX, Schei mostra que as gramáticas não atentam para o que é de fato realizado na variedade brasileira, nem na fala cotidiana, nem na escrita literária. Essa inferência foi conduzida por evidências linguísticas que dizem respeito a (i) discrepâncias entre o que foi registrado no corpus e o que as gramáticas recomendam, e a (ii) semelhanças entre o que foi registrado no corpus e o que acredita ser Português falado. A posição intra-CV foi a mais produtiva em todo o corpus. A posição pré-CV praticamente não foi registrada, mesmo quando havia um elemento atrator; entretanto, 58 quando o núcleo verbal iniciava sentença, era semicategórica a ênclise a uma das formas verbais, ou seja, as posições intra e pós-CV, o que está em consonância com as gramáticas normativas. Dentre as variáveis independentes investigadas, a autora chama a atenção para a interferência da forma de V2, da ambiente morfossintático e do tipo de clítico. Sobre a forma de V2, ela relata que a anteposição do pronome a V1 é mais comum quando V2 está no particípio, ao contrário de quando este se encontra no infinitivo ou gerúndio. Sobre o ambiente morfossintático, o pronome nem sempre se desloca para a posição pré-CV na presença de um elemento tradicionalmente postulado como atrator. Quando se desloca, pode não haver necessariamente um atrator recomendado em manuais prescritivos. A ausência de qualquer elemento antes dos verbos, por outro lado, restringe a ordem pré-CV. Assim sendo, parece interferir no fenômeno, sobretudo, a presença ou ausência de ao menos um termo antes do complexo verbal, não tanto a natureza desse elemento anteposto. Sobre a natureza dos clíticos, Schei mostra que os pronomes de primeira e segunda pessoa se comportam de maneira diferente daqueles de terceira pessoa. Os acusativos de terceira pessoa nunca ocorrem na posição intra-CV, apesar de esta corresponder à variante mais produtiva no corpus como um todo. Em alguns romances, o me foi o único pronome a ocupar a posição inicial. O se raramente apareceu anteposto ao complexo. A respeito dos demais, não se pôde tirar conclusões devido à sua pouca frequência no corpus. Essa pesquisa já mostra indícios do que configura o padrão culto da variedade brasileira no que tange à modalidade escrita. Esse padrão, por sua vez, como pôde ser visto, nem sempre reflete o que é postulado nas gramáticas normativas. Em alguns casos em que, de acordo com elas, se esperaria a realização pré-CV, por exemplo, com frequência ocorre próclise [exceto de o/a(s)] ao verbo principal; construção que normalmente ocorre na fala. Sendo assim, como nem sempre há coincidência entre o que propõe a abordagem normativa e a escrita literária contemporânea, Schei ressalta a importância de que sejam realizados outros estudos, a fim de reunir mais evidências que traduzam a genuína escrita padrão atual. O trabalho de Peterson (2010) colabora para a compreensão da colocação pronominal tomando para a análise cartas de leitores de jornais com diferentes perfis de 59 público. Os veículos são O Globo, Extra e Meia Hora, que, em uma linha escalar, estão aqui dispostos, em ordem, do mais elitizado (quanto ao preço do jornal e ao suposto público-alvo) ao mais popular. Como se pode ver a seguir, a sistematicidade da variação no gênero carta de leitor é condicionada por vários aspectos extralinguísticos, dentre eles o perfil de quem escreve e de quem supostamente lê o jornal. A tradição do gênero carta de leitor no que tange à colocação dos clíticos na frase não estaria vinculada somente ao tipo de carta, ou ao perfil do jornal, mas também ao perfil do leitor/escritor. (PETERSON, 2010: 201). A linha tênue que diferencia os veículos jornalísticos quanto à colocação pronominal forma um continuum de formalidade. Quanto mais formal o veículo, mais se buscaria obedecer às regras normativas de colocação pronominal, como acontece com O Globo, que assume um perfil formal/conservador diante das regras prescritas, para atender, com credibilidade, a um público que costuma ser “mais letrado”. Quanto mais informal/menos conservador, menos rígido seria o cumprimento do ideal prescrito. Em termos linguísticos, no que se refere às lexias verbais complexas, a variante intra-CV novamente foi a mais produtiva. O corpus abarcava 132 dados. Em 28, o pronome antecedeu o complexo verbal; em 84, ele encontrava-se entre V1 e V2 (em75, era retratada a variante V1 Cl V2; em 9, a variante V1-Cl V2); em 20, o pronome sucedeu o complexo verbal. Considerando todo o corpus, observou-se V2 no infinitivo, gerúndio e particípio. A maior parte correspondia a infinitivo. Dentre essas estruturas (universo de 103 dados), em seis deles, houve ênclise a V1 marcada por hífen. Nesses seis casos, o clítico era do tipo se indeterminador/apassivador. Em todas as ocorrências de clítico depois do complexo verbal, V2 encontrava-se no infinitivo. As demais variantes ocorreram com V2 nas diferentes possibilidades de realização. Sobre a variante pós-CV, chamou a atenção também o fato de todos os clíticos acusativos de terceira pessoa terem ocorrido nessa posição. Mais uma vez, o resultado reafirma uma tendência apontada por outras pesquisas. Por fim, sobre a variante pré-CV, pode-se dizer que geralmente era formada por V1 do tipo modal, se indeterminador/apassivador e o complexo costumava vir antecedido por um atrator, principalmente uma partícula de negação (Mas não se pode dizer que o Michael Jackson da foto não é o original [Extra-23-07-09] – ibid., 154). 60 De acordo com os resultados de Peterson (2010), no que concerne à colocação pronominal em relação aos complexos verbais na escrita jornalística, o fenômeno é sistematizado por uma regra variável. As variantes são realizadas principalmente em função do tipo de clítico, tipo de complexo verbal, contexto morfossintático antecedente e veículo jornalístico; grupos de fatores, portanto, que exercem influência sobre as formas concorrentes. Rodrigues-Coelho (2011) dedicou-se a pesquisar o domínio da colocação pronominal por estudantes das redes pública e privada, com base na análise de textos dissertativos e narrativos. No momento em que os textos foram produzidos, alguns alunos frequentavam o 9º ano do ensino fundamental e outros, o 3º ano do ensino médio. Não há dúvida de que a escola contribui para ampliar o repertório linguístico dos alunos. No que se refere aos clíticos, principalmente por meio dessa instituição, os estudantes passam a utilizar formas como clítico acusativo de terceira pessoa e se indeterminador/apassivador como estratégia de indeterminação do agente. Por se tratar às vezes de construções que não são naturais aos brasileiros, mesmo os alunos do 3º ano nem sempre seguiram fielmente os preceitos relativos à colocação pronominal. Por outro lado, a hipótese de que a rede privada, possivelmente por apresentar maior comprometimento com o ensino do padrão culto linguístico, atenderia mais a esse objetivo doutrinário foi confirmada. Na escrita escolar, registro em que se espera verificar a aplicação das regras normativas, os índices de frequência das variantes foram parecidos com aqueles dos dois trabalhos variacionistas apresentados anteriormente. Esses índices contemporâneos acabam por corroborar os apontamentos das pesquisas diacrônicas que sugerem uma diminuição do teor variável e a consequente refixação de padrões de colocação pronominal. A ordem intra-CV foi soberana em todo o corpus, sobretudo nos textos narrativos; entretanto, também houve registro das outras variantes. Em geral, o pronome naquela posição não só representa uma construção bastante recorrente como também integra as mais variadas sentenças, configurando, assim, a forma não-marcada. Além disso, cabe ressaltar que, nessa posição, geralmente ele não aparecia ligado a V1 por hífen; mas, quando aparecia esse sinal de pontuação, tratava-se de se indeterminador/apassivador e V1 do tipo modal. 61 As ordens pré e pós-CV ocorreram em ambientes bem específicos. A primeira ocorreu em construções com V1 do tipo modal e em construções com V2 no particípio (estrutura passiva). A outra, por sua vez, ocorreu quando o clítico era acusativo de terceira pessoa, ainda que houvesse, antes do complexo, uma palavra que costuma exercer força atratora. Os resultados, então, sugerem que atualmente não é qualquer pronome átono ou complexo verbal que licencia a subida do clítico até a posição pré-CV. Esta ordem, por sua vez, não ocorre no início da sentença, pois necessita que um elemento desencadeie o deslocamento do clítico para a posição antes do complexo. A posição intra-CV, por outro lado, só não é ocupada pelo clítico acusativo de terceira pessoa, o qual fica basicamente limitado à posição pós-CV. Ao que parece, na modalidade escrita, não há coincidência plena entre as regras normativas (norma subjetiva) e as regras efetivamente aplicadas nos textos (norma objetiva). Isto porque haveria certa instabilidade nas opções do falante em atender à norma que ele conhece, sua(s) norma(s) de uso vernaculares e, ao mesmo tempo, não se afastar completamente das convenções tacitamente assumidas na modalidade escrita. Como se pôde observar na análise de dados da modalidade escrita, a alternância entre as posições pré e intra-CV costuma abranger V1 modal e clítico se indeterminador/apassivador. A posição pós-CV parece ter ficado restrita aos pronomes o/a(s) depois de V2 no infinitivo. Os demais clíticos, independentemente do tipo de complexo verbal ou da presença de atrator, ocorrem preferencialmente na posição intraCV. Apesar de frequência de uso não indicar probabilidade, é inquestionável que, sobre a variável dependente, ocorra influência do tipo de clítico, tipo de complexo verbal, presença/ausência de elemento atrator, bem como do gênero textual e do veículo de divulgação do texto. Vieira (2002) consiste na única pesquisa sociolinguística, dentre as pesquisadas, com abordagem sincrônica que se vale, para a análise, não só de textos escritos, mas também de amostras de fala. No que se refere aos dados orais do Português brasileiro, Vieira mostra que a ordem intra-CV prevaleceu no corpus, com índice que chegou a 90% (229/254). Ela verificou que, na norma de uso brasileira, a colocação pronominal em relação a complexos verbais ainda configurava uma regra variável. 62 Contrapondo a variante interna ao complexo à segunda mais produtiva, a pré-CV (18/254, 7%), foram selecionados, por ordem de relevância, os seguintes grupos de fatores: ‘tipo de clítico/valor do se’, ‘constituição do complexo verbal’, ‘forma do verbo nãoflexionado’ e ‘escolaridade’. De modo geral, os resultados equivalem aos retratados nos trabalhos previamente citados. O clítico se reflexivo/inerente não tende a anteceder V1, a não ser que este verbo seja pronominal (se habitua a comprar – VIEIRA, 2002: 295). O se indeterminador/apassivador, por outro lado, tem .86 de chance de ocorrer nessa posição. Essa tendência, pois, foi comprovada através da distribuição dos dados, visto que a forma pronominal se em estruturas de indeterminação/voz passiva (9/34, 26%) foi significativamente mais produtiva na posição pré-CV do que em estruturas reflexivas ou com verbos pronominais (2/111, 2%). A respeito da constituição do complexo verbal, verificou-se que a variante pré-CV é favorecida (.97) por complexo bi-oracional com referentes-sujeito distintos – estruturas cujos verbos auxiliares são de natureza causativa ou sensitiva (me mandou sair – ibid., p. 298). No entanto, os complexos bi-oracionais com mesmo referente-sujeito e as legítimas “perífrases verbais” (tempo composto, perífrases modais e aspectuais) desfavorecem essa ordem, com peso relativo de .45 e .48, respectivamente. Sobre a forma do verbo temático especificamente, o particípio colaboraria para a anteposição do pronome ao primeiro verbo (.78), ao contrário do infinitivo (.48), apesar de este fator ter condicionamento praticamente neutro. Por fim, o grupo de fatores ‘escolaridade’ interfere na variação de modo que, à medida que aumenta o nível de instrução, aumenta a chance de o clítico ocorrer na posição pré-CV. O informante que possui nível superior tem .76 de chance de realizar essa variante, ao contrário do que tem nível médio, que tem apenas .33. Não houve ocorrência dessa variante na fala de indivíduos com ensino fundamental; logo, não foi possível averiguar a probabilidade de o clítico ocorrer antes do complexo verbal quando o falante possuía esse grau de instrução. A variante pós-CV, por ser rara, não foi analisada estatisticamente. Por meio de uma análise qualitativa, por outro lado, Vieira constatou que ela “ficaria restrita a construções com segunda forma verbal no infinitivo seguida, principalmente, do clítico acusativo de 3ª pessoa” (ibid., p. 407). 63 A predominância da ordem intra-CV sobre as demais é, então, reafirmada. A ocorrência das variantes intra-CV e pré-CV mostrou-se condicionada pelas variáveis tipo de clítico (valor do se) e forma do verbo não-flexionado – consolidadas por outros trabalhos –, constituição do complexo verbal e escolaridade. Ao contrário do que foi visto em outros estudos, Vieira (2002) não constatou a relevância da presença ou ausência de elemento proclisador sobre o fenômeno estudado, mas o modo como o se indeterminador e apassivador parece vinculado a V1 se manteve. Por fim, mais uma vez, observou-se que a ordem pós-CV é pouco produtiva e limitada a uma circunstância específica de clítico acusativo e V2 no infinitivo. Diversos trabalhos sobre colocação pronominal foram consultados. Alguns deles sugerem que a variedade brasileira seguiu um caminho evolutivo diferente da variedade lusitana, encaminhando-se para o que Vieira (2002) descreveu como a atual norma de uso. Para averiguar o que já foi descrito e explicado sobre esse fenômeno na contemporaneidade, esta subseção apresentou os resultados de Vieira (2002), que se baseou também em dados de fala, e de diversos trabalhos desenvolvidos com base em dados da modalidade escrita – Schei (2003), Peterson (2010) e Rodrigues-Coelho (2011) – que mostraram que as recomendações normativas nem sempre foram seguidas, levando a crer que a concepção de padrão culto também tem sofrido alterações. De modo geral, os resultados obtidos foram confluentes: o fenômeno consiste em uma regra variável; na escrita (literária, jornalística e escolar) e especialmente na oralidade, a estrutura intra-CV mostrou-se preferencial; as demais variantes, que assumem produtividade bastante diferenciada a depender do material em análise, ocorreram em função, principalmente, da forma de V2, do tipo de clítico e, em alguns materiais, da presença/ausência de elemento atrator. 3.2.2.2. Aspectos fonético-fonológicos Poucos são os estudos científicos que se valem de dados produzidos no Português do Brasil para aferirem o caráter proclítico ou enclítico dos pronomes átonos em termos fonético-fonológicos. Galves & Abaurre (1996) desenvolvem estudo relativo à ordem dos clíticos pronominais com o objetivo de contribuir para o debate relativo à interface 64 sintaxe/fonologia no Português brasileiro falado. Com base em pressupostos da Gramática Gerativa, as autoras postulam que os pronomes átonos brasileiros, essencialmente proclíticos, correspondem a projeções máximas (e não a núcleos) e movem-se como sintagmas, de modo que podem ser considerados palavras autônomas. Partindo dessa interpretação, buscam esclarecer o motivo por que, com frequência, esses pronomes descumprem a Lei de Tobler Mussafia, que estabelece que um clítico não pode ocupar a primeira posição sintática. Os poucos casos de ênclise que sobrevivem no PB seriam explicados como um processo de afixação (caso de o, a seguido de infinitivo) ou como uma cliticização puramente fonológica (caso de se enclítico a verbo finito). A fim de averiguar as motivações de natureza fonético-fonológica para a ordem dos clíticos pronominais no PB, Galves & Abaurre (1996) tomam por base o aporte da Fonologia Métrica. Elas partem do pressuposto de que os enunciados na variedade brasileira se organizam obedecendo a um padrão rítmico trocaico – ciclo formado por uma batida forte seguida de uma fraca5. Valem-se de sentenças do acervo do Projeto NURC-Rio (Norma Urbana Oral Culta do Rio de Janeiro), que contempla amostras de fala das décadas de 1970 e 1990, para mostrar que os pronomes átonos brasileiros são naturalmente préverbais e proclíticos, mas podem variar a posição e a ligação fonológica, e, ainda assim, atender à grade métrica. Em termos de ligação fonológica em contexto de complexos verbais, o estudo admite que os clíticos pronominais podem ligar-se de forma enclítica ou proclítica a V1 ou a V2. De acordo com as autoras, esses pronomes não são totalmente átonos, já que podem receber acento secundário quando proclíticos, o que os coloca na categoria de clíticos “fortes”. Nos raros casos de ênclise superficial, normalmente envolvendo os clíticos o/a(s), os pronomes são categorizados como clíticos “fracos”; funcionando como última sílaba, devem ser mais débeis e provavelmente extramétricos. Algumas vezes, ocorreria uma simplificação silábica, para favorecer a binaridade rítmica, como pode ser verificado no seguinte exemplo com lexia verbal simples (GALVES & ABAURRE, 1996: 307). 5 “São consideradas fracas as batidas que não coincidem com nenhuma outra batida nos níveis métricos hierarquicamente superiores. São consideradas fortes, por outro lado, todas as batidas que coincidem com alguma outra batida nos níveis métricos hierarquicamente superiores.”. (GALVES & ABAURRE, 1996: 277). 65 Figura 2: Exemplo de grade métrica com ênclise * * * * . * . (* *) (* *) Par tseum o vo Nota-se que a fusão de te, se e um propiciou a sequência de dois troqueus. Assim sendo, embora a próclise do pronome anteposto seja a construção que se acredita ser prototípica, o pronome enclítico e posposto e a ocorrência de sândi externo podem, por vezes, ser adequados para constituir o enunciado com esse ritmo; por esse motivo, as estudiosas creem que a ênclise e a posposição do pronome ainda se mantêm em algum grau produtivas na variedade brasileira. Galves & Abaurre (1996) mostram, portanto, que, no século XX, se confirmariam as tendências supostamente iniciadas no século XIX a respeito da anteposição do pronome ao verbo, conforme mostram Cyrino (1996 [1993]) e Pagotto (1992). Com uma perspectiva diferente destes e com base em amostras de fala, as autoras defendem que, além das motivações de ordem sintática (e ainda sociolinguística e estilística), haveria motivação rítmica para a colocação pronominal, e, a partir disso, traçam características da cliticização fonológica na variedade brasileira. Elas mostram que tanto a próclise, soberana na variedade brasileira, quanto a ênclise, ainda que pouco produtiva, podem ser oportunas para atender ao padrão rítmico trocaico. Além dos estudos que consideram motivações rítmicas para o fenômeno da colocação pronominal, investigações que se valem de experimentos acústicos também vêm auxiliando no estudo acerca da cliticização fonológica na variedade brasileira. Como bem salientou Said Ali em sua gramática descritiva, sílabas átonas, nessa variedade, não possuem o mesmo grau de (a)tonicidade (cf. item 4.2). Por hipótese, uma sílaba pretônica não seria tão átona quanto uma postônica. Com base nessa proposta, Vieira (2002) testou a hipótese de que o pronome brasileiro seria proclítico e teria propriedades acústicas semelhantes às de uma sílaba pretônica prototípica, a vocabular. Assim sendo, dedicou parte de sua pesquisa a averiguar empiricamente essa suposição, considerando a sincronia atual. A partir do comportamento acentual do pronome átono, fisicamente comprovado, o 66 estudo pôde propor a direção fonológica do clítico – propósito que se coaduna com a subárea intitulada Fonologia experimental (cf. item 4.2). Em Vieira (2002), a análise prosódica contou com dois tipos de experimentos: (i) medições e comparações dos parâmetros duração, intensidade e frequência fundamental (F0); e (ii) ressíntese de fala. No primeiro grupo, analisou-se, primeiramente, um pequeno corpus formado por sentenças em que o clítico era precedido de um ‘operador de próclise’ (constituinte morfossintático que poderia atrair o pronome átono) e seguido por palavras oxítonas com diferentes números de sílabas (Esse é o homem que me vê todos os dias bem cedo/Esse é o homem que me verá todos os dias bem cedo/Esse é o homem que me vetará todos os dias bem cedo – VIEIRA, 2002: 81). Outro corpus, mais extenso, concentrou uma diversidade de frases (Esse remédio pode me curar de todos os males/Esse remédio pode me proteger dessa doença/Pode-se virar a mesa sempre que se chega/Pode-se revirar a mesa sempre que se chega/Ela vinha me comunicar a nota – idem). Como pode ser visto a partir dos exemplos, são contemplados clíticos pré-verbais e pós-verbais; núcleo verbal em início de frase e também antecedido por um sujeito. Além disso, há frases com lexia verbal simples e outras com complexo verbal, variando, neste caso, V1 (poder, ir, haver, ter) e também o número de sílabas de V2 (dar, curar, comunicar). Um terceiro corpus foi formado por 6 pares “homófonos”6 inseridos em frases (Esse aluno só me dita no final do curso/Esse aluno só medita no final do curso – ibid., p. 82). Essa amostra viabilizou a comparação específica entre pronome átono e sílaba pretônica legítima. Do segundo corpus apresentado, duas frases foram destacadas para que se pudesse realizar ressíntese de fala, técnica que pressupõe a manipulação dos componentes físicos do som, como duração, intensidade e frequência fundamental (F0). Foram elas: “ele vinha me comunicar o fato” e “tenho me visto cansado”. Cada um dos três parâmetros acústicos do pronome foi manipulado, isoladamente ou em conjunto. A redução da duração e da intensidade podia ser leve (50%) ou forte (70%), e da F0 podia ser de 20 Hz, de modo a transformar o padrão descendente em ascendente. Feitas as alterações, os enunciados originais e manipulados foram submetidos a julgamento de um grupo de ouvintes, para identificar, na versão original, como é percebida a direção da ligação fonológica do clítico 6 Os pares controlados são, em sua maioria, análogos, como m[i] sangra/m[i]çanga e m[i] dita/m[e]dita, cuja diferença está normalmente em uma consoante ou na qualidade vocálica da vogal das sílabas átonas analisadas (alteada no caso do clítico). 67 e verificar se a percepção dos informantes/juízes modificava quando um ou mais parâmetros estavam alterados. Os resultados mostraram que as pessoas percebem a ligação dos pronomes entre dois verbos produzidos por brasileiros como inclinada para a direita, como uma sílaba pretônica. Os enunciados em que a sílaba clítica sofreu, consoante o recurso da síntese, redução da duração, bem como da intensidade, também foram reconhecidos como ligados à direita, o que permitiu atestar que esses parâmetros acústicos desempenham papel importante na direção fonológica dos clíticos pronominais. A redução principalmente da duração acarretou julgamento de ênclise. Sobre a F0, não ficou evidente sua relevância, tendo em vista a instabilidade dos resultados quanto aos julgamentos feitos. Quanto ao possível condicionamento fonético dos ‘operadores de próclise’ e tipos de complexos verbais, a pesquisa não apresentou resultados seguros, tendo salientado a necessidade de realização de outros experimentos, para que se pudesse tecer qualquer generalização a esse respeito. Corrêa (2009) também realizou estudos experimentais. Ela fez uso de alguns procedimentos da pesquisa precedente, porém efetuou reformulações. Em princípio, um novo corpus foi formado com 22 pares “homófonos”, abrangendo, dessa vez, não só os pronomes me e te, mas também se, o e a. Além disso, cada par foi inserido em frases semelhantes e contextualizadas, a fim de assegurar maior naturalidade para a produção do enunciado (Você agora me diz que o Thiago avisou que a reunião foi cancelada. Eu não lembro nada disso. Se ele me disse aquilo, eu saberia./Preciso que meçam esse muro, porque ele parece torto. Mas só tem um funcionário aqui e acho que ele não sabe. Se ele medisse aquilo, eu saberia. – CORRÊA, 2009: 933). Em um segundo momento, frases com os enunciados “vinha me lavar” e “vinha se lavar” foram gravadas para que se aplicasse o método de ressíntese de fala, seguido de teste de percepção auditiva. Os procedimentos desse experimento foram semelhantes aos efetuados em Vieira (2002), com exceção de que a redução leve correspondeu a apenas 30% e a forte, a 50%. De modo geral, houve um refinamento metodológico e uma ampliação dos contextos gravados para a realização dos experimentos. Apesar disso, os resultados obtidos confirmam aqueles de Vieira (2002), merecendo destaque algumas considerações. Primeiramente, as sílabas clíticas e vocabulares comparadas assemelharam-se, sobretudo, 68 no que diz respeito à intensidade; no entanto, as diferenças obtidas quanto ao parâmetro da duração, ao que parece, estavam associadas à divergência entre a qualidade vocálica das sílabas átonas vocabulares e dos pronomes, cujas vogais médias quase sempre foram alteadas. Quanto aos resultados relativos à F0, não houve efetiva oportunidade para atestar sua relevância, visto que a frequência fundamental, por estar associada à melodia das frases – que, no experimento, eram todas assertivas –, não pôde prover informação segura quanto à natureza específica da ligação fonológica do clítico pronominal. Por fim, a etapa de ressíntese de fala acompanhada de teste de percepção mostrou novamente a relevância da duração, assim como da intensidade, para a caracterização da ligação do pronome proclítico (à direita). As pesquisas supracitadas indicaram o caráter prototipicamente proclítico dos pronomes átonos. Galves & Abaurre (1996) mostram que, em decorrência da mudança por que passou a ligação dos pronomes átonos no PB, embora as duas direções (ênclise e próclise) ainda coexistam minimamente, a ligação fonológica não-marcada no Brasil é, de fato, a próclise. Assim sendo, haveria uma influência de natureza fonética sobre a variação na colocação pronominal, de modo que a posição do clítico oscilaria a fim de fixar um padrão rítmico (trocaico); algumas vezes, sândi externo também ocorreria favorecendo esse mesmo ritmo. As pesquisas de Vieira (2002) e Corrêa (2009) evidenciam que os parâmetros acústicos da duração e da intensidade são importantes para essa concretização da ligação proclítica. Assinalam, porém, que usualmente há diferença entre a qualidade vocálica dos pronomes e das sílabas átonas correspondentes; por esse motivo, não se comportariam sistematicamente como formas análogas. Dessa forma, a qualidade vocálica também pode revelar características vinculadas à concretização da ligação fonológica dos pronomes átonos. Diante de toda essa revisão da literatura, observou-se que tanto os trabalhos apresentados sobre a ordem dos clíticos quanto àqueles sobre sua ligação fonológica convergiram para conclusões convergentes no que se refere ao caráter anteposto e proclítico do pronome átono brasileiro. De modo geral, os trabalhos mostram as estruturas produtivas. Apontam, de certa forma, o teor de variação e as circunstâncias em que cada forma era esperada. Cada um, 69 portanto, foi capaz de fornecer à presente pesquisa relevantes informações para compor um panorama do percurso evolutivo dos dois fenômenos (colocação pronominal e cliticização fonológica), bem como as supostas e efetivas motivações para a concretização de cada variante. 70 4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Conforme já anunciado, a pesquisa desmembra-se em duas análises. A primeira trata de investigar o estatuto variável da colocação dos pronomes oblíquos átonos; por esse motivo, fundamenta-se na Teoria da variação e mudança, cujos pressupostos serão descritos na seção 4.1. A segunda, de natureza prosódica, trata de investigar a ligação fonológica desses clíticos a partir de aspectos fonéticos; por isso, ela embasa-se, principalmente, na proposta de Fonologia Experimental, apresentada na seção 4.2. 4.1. Teoria da variação e mudança A teorização sobre a estreita relação entre língua e sociedade ganha um estruturado escopo com o advento da Sociolinguística, cujos principais axiomas podem ser assim resumidos: (i) a variação linguística funciona consoante a dinâmica social; (ii) ela faz parte do sistema linguístico; (iii) é condicionada tanto por fatores linguísticos quanto extralinguísticos; e (iv) pode resultar em mudança ou manter-se estável ao longo dos anos. Visto que a pesquisa da colocação pronominal visa a responder questões atinentes a seu caráter variável, a Teoria da variação e mudança mostra-se adequada para orientar os procedimentos apropriados (cf. item 5.1) e para auxiliar na compreensão do fenômeno, relacionando-o às variáveis linguísticas e extralinguísticas que possam exercer influência sobre a concretização das variantes. Primeiramente, é importante destacar que, segundo a proposta adotada, a variação faz parte da competência linguística dos falantes, isto é, do conhecimento acerca do sistema linguístico que determinado grupo de pessoas partilha. A variação é, então, uma propriedade coletiva e, por isso, deve ser estudada considerando a comunidade de fala como um todo. “Difícil de ser encontrado” (LABOV, 1972b: 9), dadas as circunstâncias de recolha das amostras de fala para a pesquisa (cf. item 5.1), o vernáculo consiste no objeto almejado a ser descrito em uma análise sociolinguística. Ele corresponderia à norma de uso natural, espontânea de dada comunidade de fala. Trata-se das escolhas linguísticas adquiridas pelo falante através do convívio social, sem a intervenção da escola. Como, ao longo da vida, são assimilados novos aprendizados linguísticos, decorrentes do contato com dialetos, 71 línguas diferentes e, geralmente, com ao menos uma norma prescritiva, Labov sugere que se busque depreender o vernáculo através de uma fala o menos monitorada possível: O vernáculo pode ser definido como a forma da fala que exige o menor grau de monitoramento pelo falante, aprendido e mais que aprendido nos anos da préadolescência, e é usado nos mais íntimos e casuais tipos de comunicação. Todos, portanto, falam o vernáculo, rico ou pobre, educado ou não educado: é uma forma vernacular deles que determina e explica o que acontece quando eles adquirem outros supostos dialetos ou linguagem mais tarde na vida. (LABOV, 1972b: 9). 7 A variação e seus possíveis desdobramentos se dão em função da sociedade, sobretudo em função das interações dos falantes (rede social) e do papel social que cada um desempenha; por isso, um estudo sociolinguístico é desenvolvido a partir da observação da língua em uso, considerando a fala de indivíduos representativos da comunidade de fala analisada – eles não podem morar há pouco tempo na localidade – e/ou a fala de indivíduos em diferentes situações interativas, se o estudo for de rede social (cf. MILROY, 2002). Para a presente pesquisa, foi preciso delimitar as comunidades de fala que seriam analisadas. No que se refere à delimitação de comunidades de fala, é oportuno apresentar as características apresentadas por Guy (2001: 3), segundo o qual a comunidade de fala é um grupo de falantes que: - compartilham traços linguísticos que distinguem este grupo dos outros; - se comunica, relativamente mais entre eles do que com os outros; - compartilham normas e atitudes frente ao uso da linguagem. Como se pode depreender, a circunscrição de uma comunidade de fala é um ato abstrato realizado a partir das propriedades citadas para desenvolver um estudo sociolinguístico; portanto, a delimitação é relativa, podendo ser mais ou menos abrangente. O importante é que não se pressuponha efetivo desrespeito às características apresentadas por Guy (2001), que apresenta uma ampla definição de comunidade de fala. No âmbito dos usos linguísticos partilhados pelos membros dessas comunidades de fala, convivem, de acordo com Labov (2003), três tipos de regras: categórica, semicategórica e variável. O primeiro tipo corresponde a 100% de aplicação, isto é, a regra não pode ser violada sem comprometer a gramaticalidade da construção. Neste caso, não existe variação. 7 The vernacular may be defined as that form of speech which requires the last amount of monitoring by speaker, learned and over-learned in pre-adolescent years, and used for the most intimate and casual kind of communication. Everyone therefore speaks a vernacular, rich or poor, educated or uneducated: it is a form of their vernacular which determines and explains what happens when they acquire other supposed dialects and languages later in life. (LABOV, 1972b: 9). 72 O segundo tipo corresponde à regra que lida com mais de uma forma alternante e uma delas é realizada em 95% a 99% dos casos. Trata-se de uma regra em que uma variante praticamente é a única forma realizada, porém as demais são reconhecidas por todos os falantes da língua. Por serem menos usuais, estas podem ser interpretadas como uma violação e, por isso, podem ser repreendidas, sobretudo, por falantes com baixa escolaridade. Esse tipo de regra costuma retratar o início ou o final do processo da mudança em progresso. O terceiro tipo corresponde à regra em que as formas variantes são significativamente produtivas, podendo ser realizadas em 5% a 95% dos casos. Ela não é ensinada, é natural e facilmente reconhecida pelos usuários da língua; por sua própria concepção, não é passível de violação. Em tese, o fenômeno da colocação pronominal pode se enquadrar no segundo ou no terceiro tipo de regras proposto por Labov (2003), visto que se trata de um fenômeno que em algum grau lida com formas alternantes. Para ser considerado uma regra variável (e poder ser tratado como uma variável dependente8), a teoria prevê que o fenômeno precisa necessariamente ser formado por duas ou mais formas concorrentes. Para isso, além de as estruturas disputarem no mesmo contexto linguístico, elas devem ser “idênticas na referência e no valor de verdade, mas opostas no significado social e/ou estilístico” (LABOV, 1972: 271). Normalmente, essa condição de identidade de sentido entre as variantes é facilmente percebida e respeitada quando o fenômeno envolve o nível fonológico da gramática, pois esse nível, embora afete a construção de uma unidade de sentido, lida com estruturas privadas de significado. Quando o nível ultrapassa o fonológico, a equivalência semântica nem sempre é de fácil percepção e, às vezes, fica comprometida, por tratar-se de níveis cujas estruturas portam nuances significativas particulares. Em Lavandera (1978) e em Romaine (1981), propõe-se relativizar o conceito de regra variável no que se refere à exigência do mesmo valor de verdade9. Em vez de identidade referencial das formas alternantes, os referidos trabalhos sugerem que elas sejam ao menos comparáveis funcionalmente. Em Lavandera (1978), é proposto relativizar 8 A variável dependente recebe esse nome em decorrência da realização do tratamento estatístico que permite observar que o fenômeno sofre pressões de forças que atuam independentemente, intituladas de variáveis independentes (ou grupos de fatores). 9 Em níveis gramaticais superiores ao fonológico (sintático, semântico-discursivo), a alternância de algumas estruturas é questionada. Lavandera (1978) e Romaine (1981) acreditam que, ainda que o valor de verdade não seja idêntico, as estruturas variantes devem manter entre si uma comparabilidade funcional. 73 o conceito até que se abarquem variantes dos níveis morfológico e sintático e, em Romaine (1981), até variantes do nível discursivo. Para as autoras, se as formas são comparáveis de modo a tornar evidente a variabilidade, o aporte teórico-metodológico sociolinguístico fornece, em alguma medida, subsídios para o tratamento do fenômeno. No presente estudo, a análise da colocação pronominal, que corresponde a um fenômeno sintático em contexto linguístico específico (enunciado com o pronome átono adjacente à forma verbal), fundamenta-se, sem restrições, no conceito de variável dependente. O estudo de natureza variacionista pressupõe as seguintes etapas: (i) coleta dos dados variáveis, que compõem o corpus; (ii) análise dos dados, que abarca, inicialmente, uma distribuição de frequência (quantidade, em valor absoluto e percentagem, dos dados reais em toda a amostra e segundo cada contexto retratado pelas variáveis independentes) e, posteriormente, uma testagem de hipóteses, prevendo chances de realizações futuras das variantes da variável dependente; e (iii) interpretação dos dados. A análise sociolinguística, neste trabalho, foi, a propósito, realizada utilizando o software especialmente desenvolvido para estudos variacionistas de orientação laboviana, o Goldvarb X, que fornece valores que permitem a observação objetiva da realidade linguística e, desde que os dados possibilitem, oferece com segurança as tendências (pesos relativos) de as formas concorrentes ocorrerem, quando fatores estão exercendo pressão a favor de ou contra a sua realização. Em Weinreich, Labov & Herzog (1975), são postulados cinco problemas que competem aos estudos sobre variação e mudança linguística: o problema dos fatores condicionantes, o problema da transição, o problema do encaixamento, o problema da avaliação e o problema da implementação. O problema dos fatores condicionantes refere-se à condição de heterogeneidade linguística, de modo que, sobre um fenômeno variável, atuariam sistematicamente variáveis linguísticas e sociais, que poderiam, por sua vez, provocar uma mudança no sistema linguístico – uma forma antiga passa a competir com uma forma nova e, geralmente depois de anos, esta pode passar a ser a única realizada. Este problema – que constitui uma das prioridades do presente estudo – relaciona-se à preocupação do pesquisador com a delimitação de variáveis e com a averiguação do modo como elas interferem na dinâmica linguística. O problema da transição diz respeito ao percurso da variação que pode ocasionar mudança. O olhar sobre a variação e os fatores que a condicionam passa a ser desenvolvido ao longo do tempo (aparente – com base no comportamento das faixas etárias – ou real). 74 Dessa forma, é possível averiguar se ela se mantém estável ou se uma mudança tende a ser implementada em curto prazo. Na pesquisa sobre a colocação pronominal, o problema da transição foi abordado na medida em que se observou o fenômeno em amostra estratificada por faixas etárias, o que permitiu considerações acerca da transição em relação ao tempo aparente. A observação do comportamento por faixas etárias – embora limitado, no sentido de que acaba por conceber a atitude dos indivíduos por faixa uniformemente – permite supor se o fenômeno configura um caso de variação estável ou mudança em progresso. Sem dúvida, a melhor forma de investigar o estatuto da variação ou mudança no tempo é a observação de dados ao longo de várias décadas, com intervalo de no mínimo cerca de 20 anos. Por todo o exposto, para complementar a pesquisa da transição é sugerido o estudo em tempo real, seja do tipo painel (análise a partir da fala dos mesmos indivíduos em diferentes sincronias) ou tendência (análise a partir da fala de indivíduos diferentes, mas com mesmo perfil social, em diferentes sincronias). Em estudo de tempo aparente, consoante foi realizado neste trabalho, de acordo com Labov (1994), os indivíduos tendem a passar a realizar uma variante inovadora depois da puberdade. Se, na fase seguinte, a variante conservadora se torna a mais produtiva novamente, diz-se que a variação é estável; caso contrário, propõe-se mudança em progresso. O princípio do uniformitarismo, definido por Christy como a premissa de que o “conhecimento de processos que operaram no passado pode ser inferido pela observação de processos em andamento no presente” (ap. Labov, 1994: 21)10, consiste em uma précondição necessária ao tratamento do problema da transição. Como se trata de um olhar sobre sincronias; é importante saber que elementos de um tempo pretérito podem auxiliar na compreensão do funcionamento da língua em tempo presente, e vice-versa. Em virtude disso, esse princípio também constitui ferramenta que ajuda a fundamentar a análise variacionista. O problema do encaixamento consiste em determinar como repercute uma mudança linguística no sistema e na comunidade de fala. Por meio dele, fica estabelecido que as mudanças são encaixadas no âmbito linguístico – o que significa dizer que elas não acontecem isoladamente e podem interferir em outros planos gramaticais – e no âmbito 10 “Knowledge of processes that opered in the past can be inferred by observing ongoing processes in the present.” (LABOV, 1994: 21). 75 social – o que significa dizer que elas podem ter início em determinado ponto do ambiente social e podem se espalhar em cadeia pelas variáveis sociais. Esse problema refere-se à magnitude da variação e mudança linguística, cuja extensão atinge o nível linguístico e social; por isso, considerar apenas fatores estruturais não seria a priori suficiente para explicar o processo que culminou na mudança linguística, nem as mudanças que esta desencadeou. A análise esteve relacionada a este problema apenas no tocante ao contraponto entre os níveis linguístico e social, mas não investigou diretamente os efeitos em cadeia do fenômeno nos níveis internos e externos à língua. O problema da avaliação diz respeito ao julgamento de valor que os falantes fazem sobre as formas variantes, que pode incentivar ou dificultar uma mudança. Quando um falante utiliza preferencialmente uma variante em detrimento da outra, em alguns casos, há uma motivação subjetiva envolvendo essa preferência, a fim de, talvez, realizar uma forma prestigiada socialmente, de integrar-se a um grupo ou por alguma outra razão. Acontece que, quando a forma não é marcada (forma pouco produtiva e avaliada como “estranha”) nem estigmatizada (avaliada negativamente), o grau de consciência do falante sobre sua avaliação é mínima ou nula; mesmo assim, pode-se dizer que houve uma intuição a respeito do que seria adequado no contexto de sua produção. Quando uma forma variante é fortemente marginalizada a ponto de fazer parte de uma regra semicategórica, ou os falantes ainda não a reconhecem naturalmente como gramatical ou estão deixando de fazê-lo. Então, identificar um fenômeno supostamente variável como uma regra semicategórica, distinguindo-o de uma regra variável, pode significar um julgamento entre o que é ou não aceitável em determinada variedade da língua. Normalmente o estudo da avaliação se dá através de testes de atitude; todavia, neste trabalho, embora não se utilizem métodos específicos de investigação de atitudes, postular a possibilidade de interferência da avaliação foi importante para compreender o tipo de regra linguística (semicategórica ou variável) que envolve a suposta variação da ordem dos clíticos na fala dos indivíduos escolarizados. O problema da implementação, por fim, consiste na dificuldade de prever e explicar a efetivação de uma mudança. Por depender de uma mudança no comportamento social e esta ser imprevisível, a explicação da mudança linguística de fato viria a posteriori. Contudo, haveria pistas que indicariam a conclusão iminente do processo, como o aumento do grau de consciência de uma mudança, a existência de um estereótipo social (marca que 76 identifica um grupo) e a seleção de uma das alternativas como uma constante. Desse modo, esse último problema teórico – do qual o presente trabalho não se ocupou diretamente – diz respeito à previsão de uma mudança linguística e aos motivos que levam a concluir tal processo. Assim, nesta seção do trabalho, verificou-se que a pesquisa da colocação pronominal assumiu pressupostos sociolinguísticos fundamentais à delimitação e à interpretação do fenômeno variável. Foram brevemente expostas as condições teóricas sine qua non para um estudo de diversidade linguística, tanto no que tange às noções de comunidade de fala, regras linguísticas e variável dependente, quanto aos problemas que se busca responder, especialmente o problema dos fatores condicionantes; os demais foram abordados conforme os dados permitissem aprofundar a reflexão sobre mudança linguística e sobre a conjugação entre o fenômeno linguístico e as comunidades de fala observadas. 4.2. Fonologia Experimental Assim como na investigação da colocação pronominal em termos sociolinguísticos, a análise da cliticização fonológica abarca um aspecto variável da língua portuguesa. Contudo, neste caso, o aporte teórico-metodológico que embasou o estudo não foi a Teoria da variação e mudança, pois o instrumental de que ele se vale não é próprio para atender às questões a que a análise fonético-fonológica se propôs responder. Devido ao fato de a pesquisa se servir de características suprassegmentais para investigar representações fonológicas, o segundo momento da pesquisa encontrou respaldo, sobretudo, na Fonologia Experimental, conforme propõe Ohala (1987, 1990). Tradicionalmente, fonética e fonologia são concebidas como disciplinas autônomas e independentes. A primeira está relacionada ao som da fala (parte física), ao modo como ele é produzido e percebido. A segunda está relacionada à representação mental desse som (parte abstrata, conhecimento) e à sua funcionalidade. No entanto, de acordo com Ohala, essas disciplinas podem ser vistas como complementares, de modo que o estudo exclusivamente fonético seria, na realidade, artificial e o estudo fonológico sem considerar dados de natureza fonética seria inviável. Dessa forma, fonética e fonologia não estariam propriamente ligadas no modo de interface, mas estariam integradas, reunindo e interagindo forma e conteúdo. 77 Com base nessa tese, Ohala (1987) propõe o campo de atuação do que intitulou Fonologia Experimental, que consiste no estudo fonológico a partir da observação cuidadosa de aspectos fonéticos11. Ele compara o método a procedimentos adotados em pesquisas biológicas. Quando transpassado o mecanismo experimental (“hipotéticodedutivo”) para a linguística, geralmente ele é aplicado a estudos fonéticos especificamente; mas, cada vez mais, com o aperfeiçoamento de técnicas, é possível testar teorias, verificar atitudes a partir da fala, “incorporar certas áreas da psicologia bem como os experimentos sociolinguísticos do tipo desenvolvido por Labov”12 (OHALA, 1987: 208209). A lógica proposta por Ohala, portanto, não consiste exatamente em uma proposta teórica adicional aos estudos fonológicos, mas na possibilidade de fazer generalizações acerca da sistematicidade fonológica a partir de testagem empírica. Além dessas bases, o estudo sobre a cliticização fonológica valeu-se de pressupostos relativos tanto ao comportamento fonético-fonológico dos clíticos e de seu estatuto silábico, quanto ao quadro fonético-fonológico das vogais do Português do Brasil, que é determinante para a composição da tonicidade e, por conseguinte, para a caracterização do estatuto acentual dos pronomes átonos. Os clíticos e o acento O acento, para Câmara Jr., é “uma maior força expiratória, ou intensidade de emissão, da vogal de uma sílaba em contraste com as demais vogais silábicas” (2005 [1970]: 63). De acordo com essa perspectiva, o acento é definido no âmbito do vocábulo fonológico – palavra morfológica com sílaba tônica (portadora de acento primário) mais as palavras funcionais átonas que podem estar acopladas ([me deve] ω [trazer] ω; [o salva] ω[vidas] ω). Dessa forma, um vocábulo fonológico é formado por uma sílaba que recebe o grau mais elevado de tonicidade (acento primário) e por outras sobre as quais recaem graus inferiores, quando se trata de vocábulo polissílabo. O Português, de modo geral, é uma língua predominantemente paroxítona; dessa forma, o acento primário normalmente recai sobre a penúltima sílaba da palavra. Todavia, com menos frequência, encontra-se também acentuação dos tipos oxítono, em que acento 11 É preciso salientar que o campo de atuação da chamada Fonologia Experimental, tal como se concebe no presente trabalho, é bastante variado, de modo que sua aplicação alcança não só a descrição dos níveis de representação das unidades fonológicas, mas também as aplicações no plano da interpretação dos enunciados nos níveis sintático e semântico. 12 “ït incorporates certain areas of psychology as well as the sociolinguistic experiments of the type performed by Labov”. 78 recai sobre a última sílaba, e proparoxítono, em que o acento se localiza na antepenúltima sílaba. Referindo-se à variedade brasileira, Câmara Jr. postula uma escala de 0 a 3 para mostrar como o contraste acentual se organiza no domínio do vocábulo fonológico. À sílaba tônica, é atribuído o grau 3. À pretônica, grau 1. À postônica, grau 0. Em raros momentos, para assinalar a presença de uma outra sílaba forte, é atribuído grau 2, que configuraria um acento secundário. Com isso, mostra-se que, apesar de ambas serem átonas, as sílabas pretônicas não seriam tão átonas quanto as postônicas. As referidas palavras funcionais átonas desprovidas de acento, os clíticos, são incorporadas por uma palavra acentuada à sua direita (próclise) ou esquerda (ênclise), assumindo caráter prosódico de sílaba pretônica ou postônica, respectivamente. Sendo assim, a depender da direção da ligação fonológica dos clíticos, eles manifestam-se razoavelmente átonos (como pretônicas) ou extremamente átonos (como postônicas). Carvalho (1989) corrobora que os clíticos se assemelham a sílabas átonas e que, na variedade em questão, sílabas pretônicas são mais fortes que postônicas. Contudo, ressalta que tal semelhança prosódica entre clíticos e sílabas átonas legítimas (de palavra morfológica) deveria ser investigada empiricamente. De acordo com Carvalho, bem como indica Câmara Jr, a diferença acentual no interior do vocábulo fonológico seria devido à qualidade das vogais. Assim sendo, a etapa da pesquisa destinada ao estudo da cliticização fonológica, que consistiu em investigar sílabas átonas (clíticas e de palavra morfológica) a partir de parâmetros acústicos da vogal de cada uma delas, baseou-se no fato de as sílabas pretônicas serem menos débeis que as postônicas em decorrência da diferença de qualidade das vogais, as quais são determinantes para a construção do acento. Além disso, no que toca à elaboração e à interpretação dos resultados, partiu-se da premissa de que a sílaba clítica e a sílaba átona de palavras morfológicas são comparáveis (me disse e medisse). Os parâmetros acústicos (duração, intensidade e frequências) atuam em conjunto no plano suprassegmental, de modo que não se restringem a caracterizar especificamente um segmento, mas a cadeia que se constrói a partir deles. Nesse sentido, é possível delimitar constituintes prosódicos – unidades menores que se juntam formando unidades mais complexas –, o que permite propor hierarquias prosódicas. A esse respeito, a proposta na qual o trabalho em alguma medida está fundamentado é de Nespor & Vogel (1986), preservada e discutida em Bisol (2005 79 [1996]). Ela é importante para a pesquisa no sentido de mostrar que, embora as características e a comparabilidade silábica apontadas por Câmara Jr. (2005 [1970]) e Carvalho (1989) sejam verídicas e pertinentes, entre clítico e palavra morfológica há características que ora os aproximam da concepção de ambos comporem uma única unidade vocabular, conforme postula Câmara Jr., ora os afastam, sedimentando a necessidade de colocar o agrupamento em um nível superior ao de palavra fonológica. As estruturas da fala – estabelecidas segundo a complexidade do constituinte – mantêm entre si uma relação de dominância quanto à proeminência acentual. Essa relação determina a hierarquia que, segundo a proposta adotada, se organiza desde a categoria silábica (mais simples) até o enunciado (mais complexo): sílaba (σ), pé (Σ), palavra fonológica (ω), grupo clítico (C), frase fonológica (Ф), frase entonacional (I) e enunciado (U). Desse modo, pode-se observar que há um nível intermediário entre a palavra fonológica e a frase fonológica, a que se deu o nome de grupo clítico. As características que levaram as pesquisadoras a diferenciar palavra fonológica de grupo clítico – o que destoa de Câmara Jr., que considera a junção como vocábulo fonológico – foram também consideradas na pesquisa, por se supor que elas podem interferir nos parâmetros acústicos das vogais estudadas. Palavra fonológica seria o constituinte mais inferior na hierarquia prosódica que relacionaria morfologia e fonologia. Em virtude de os clíticos possuírem tanto características de afixo (forma presa) quanto de palavra/vocábulo (forma dependente, nos termos de Câmara Jr, 1970), Nespor & Vogel (1986) propõem que não é plenamente adequado enquadrar o(s) clítico(s) no nível da palavra fonológica, nem no nível da frase fonológica; por isso, propõem um nível intermediário nomeado de grupo clítico. Bisol (2005 [1996]) explora a tese de Nespor & Vogel mostrando que, entre o clítico e seu hospedeiro fonológico, ocorrem processos fonético-fonológicos que justificam a existência do grupo clítico. Além disso, sobretudo os clíticos pronominais podem deslocar-se na cadeia sintagmática, o que sugere um grau de independência que os diferencia de sílabas prototípicas, que compõem tanto uma palavra morfológica quanto uma palavra fonológica nessa perspectiva. De acordo com Bisol (2005 [1996]), nem sempre o clítico se acoplaria a uma palavra vizinha. O pronome só equivaleria a uma sílaba quando estivesse enclítico; assim sendo, quando proclítico, o pronome não seria incorporado à palavra de conteúdo; seria apenas adjacente a ela, formando uma locução. Esse grau de autonomia do pronome 80 consiste em um argumento que, somado a outros, sustenta a tese de que haveria o nível prosódico ‘grupo clítico’. Outro argumento diz respeito à possibilidade de elisão, como em [] (“pela idade”), pois esse processo fonético-fonológico ocorre apenas entre palavras. Além disso, pode ocorrer crase se as vogais fronteiriças forem segmentalmente idênticas, como em [] (“te impedir” – VIEIRA & CORRÊA, mimeo). Portanto, para o clítico ser incorporado à palavra fonológica à sua direita, pode ocorrer sândi externo. No que se refere ao domínio prosódico que contempla os pronomes átonos, foi, então, importante a definição de vocábulo fonológico feita por Câmara Jr. (2005 [1970]), complementada por Carvalho (1989). Contudo, as particularidades dos clíticos que levaram Nespor & Vogel (1986) e Bisol (2005 [1996]) a postularem mais um nível prosódico não foram negligenciadas no estudo da cliticização fonológica, ainda que os clíticos pronominais tenham sido tratados, na presente pesquisa, como sílabas (“sílabas clíticas”)13. Além disso, foi importante atestar que o padrão acentual da língua portuguesa é paroxítono, pois assim a direção da ligação fonológica do clítico pode colaborar para atender a ele. Ao estabelecimento do acento, estão associados os parâmetros duração e intensidade (cf. VIEIRA, 2002; CORRÊA, 2009). A regularidade na alternância de sons acentuados e não acentuados cria um ritmo, que facilita a percepção e induz à segmentação em unidades rítmicas. Dessa forma, tanto a análise do comportamento dos parâmetros acústicos quanto de sua percepção pode revelar aspectos interessantes dos sons da fala. A esse respeito, é oportuna a reflexão de Netto (2007: 23): A segmentação de formas significativas na língua envolve a percepção de sons e, portanto, também envolve a análise de alguns de seus aspectos físicos como frequência e intensidade, e suas possibilidades combinatórias como a duração e o acúmulo de frequências, que se caracteriza como timbre. De fato, o som, tal como riscos e gestos, é a materialidade do uso da língua sem a qual não haveria possibilidade de contato entre interlocutores. A análise dessa materialidade condiciona-se necessariamente tanto à sua produção quanto a sua percepção. Dessa maneira, compreender o canal sonoro, propriamente dito, pode trazer alguma novidade para a compreensão de seu uso. Como afirma Netto (2007), aspectos físicos do som e a percepção auditiva complementam-se. Sobre os aspectos físicos precisamente, outros parâmetros acústicos 13 É preciso enfatizar que não constituiu objeto específico da presente pesquisa o produtivo debate acerca da interpretação dos níveis das unidades que constituem a hierarquia prosódica. Antes, esse debate serviu de base para a constituição da amostra a ser contemplada na investigação dos clíticos, que contemplou palavras lexicais e vocábulos fonológicos/grupos clíticos com os pronomes átonos do Português. 81 além da intensidade e duração também são importantes para a constituição das ondas sonoras. Esses dois foram estudados, com a finalidade de refletir sobre questões relativas a acento, especialmente do tipo lexical. Algumas das frequências secundárias (formânticas) também foram estudadas, mas com outro objetivo. Elas, de acordo com Netto (2007), não são suficientes para segmentar unidades rítmicas, mas são fundamentais para a definição das vogais; por isso, também foram investigadas, já que um método empregado para estudar a cliticização fonológica consistiu em comparar vogais. Em virtude de sons vocálicos terem servido de material para a análise fonéticofonológica, faz-se necessário expor, então, noções conhecidas a seu respeito. Os clíticos e as vogais em Português Câmara Jr. (2005 [1970]) descreve o quadro fonológico vocálico do Português em função dos tipos de sílabas (pretônica, tônica, postônica não-final e postônica final) e dos segmentos fonéticos através dos quais os núcleos poderiam materializar-se. Para os experimentos prosódicos realizados, foram de suma importância as formas que podem tomar os fonemas vocálicos de sílabas pretônicas e postônicas finais, visto que a elas poderia corresponder a vogal dos pronomes investigados. O máximo de vogais orais distintivas em Português é encontrado na posição tônica: /i/, /e/, //, //, //, /o/ e /u/ (s/i/co; s/e/co; s//co; s//co; s//co; s/o/co; s/u/co), cada qual sendo realizada, respectivamente, pelos fones [i], [e], [], [], [], [o] e [u]. Quando se observa o ambiente pretônico, esse quadro fonológico reduz-se para cinco segmentos, pois os fonemas mediais se neutralizaram, formando os arquifomenas /E/ (neutralização de /e/ e //) e /O/ (neutralização de // e /o/). Dizer que houve neutralização, na fonologia, significa que, em determinado contexto, os fonemas envolvidos não mais acarretam mudança de sentido da palavra; dessa forma, seus respectivos fones tornam-se realizações do arquifonema. Assim, enquanto para /i/, /a/ e /u/, há, na ordem, os fones [i], [a] e [u]; para /E/, há as possibilidades [e] e [] (p[e]pino ou p[]pino), e, para /O/, há [] e [o] (b[o]neca ou b[]neca). Em alguns casos, há debordamento, de modo que os fones [i] e [u], que normalmente concretizam os fonemas altos, são utilizados para concretizar /E/ e /O/ respectivamente (p[i]pino; b[u]neca), o que configura uma situação de alteamento. Esses 82 fones, nesses casos, funcionam como variantes competindo com as variantes legítimas dos arquifonemas, mas não se pode dizer que houve neutralização também envolvendo os fonemas altos porque esses segmentos fonológicos ainda são distintivos no sistema (r/i/maria; r/E/maria; r/O/maria; r/u/maria). Em se tratando das vogais anteriores, que podem ser núcleo dos clíticos investigados na análise da cliticização fonológica (me, te e se), cabe salientar aspectos da variação que envolve /E/. Algumas pesquisas (cf. BRANDÃO, 2010; NASCENTES, 1953) mostram que, no Rio de Janeiro, basicamente são produtivas as variantes [i] e [e], condicionadas por fatores linguísticos e extralinguísticos. O alteamento acontece principalmente em função da natureza da sílaba pretônica (eventual ou permanente), da presença de vogal alta na sílaba tônica, de determinados segmentos adjacentes à vogal pretônica, dentre outras razões (cf. AVELHEDA & SILVEIRA, 2011). Acontece que, apesar disso, essa vogal alta não é tão recorrente quanto à vogal média [e], tendência que se inverte quando se trata de sílaba postônica final. As sílabas postônicas comportam-se de forma particular consoante se localizem em contexto não-final ou final de palavra. As não-finais constituem realizações de /i/, /E/, /a/ e /U/. Nota-se que as vogais posteriores também se neutralizaram nessa posição. Quanto às anteriores, segundo Câmara Jr. (2005 [1970]), a perda da qualidade distintiva só ocorreu com as médias; todavia, há quem proponha um arquifonema para todas as vogais anteriores (cf. BISOL, 2003; DE PAULA, 2009), devido à assimetria do quadro fonológico e à escassez de par mínimo que comprove a existência de segmentos fonológicos diferentes. Esta perspectiva faria com que o quadro das vogais postônicas não-finais ficasse igual ao das finais, como se verá a seguir. O quadro fonológico das vogais postônicas finais é bastante simplificado, com apenas três segmentos: /I/, /a/ e /U/. Nota-se que as vogais anteriores se neutralizaram, assim como as posteriores. Desse modo, [], [e] e [] constituem as possibilidades de concretização do arquifonema /I/; e [], [o] e [] são as variantes de /U/. Normalmente se encontram [] e [] na fala espontânea; por esse motivo, fez-se anteriormente a consideração de que as vogais anteriores dos clíticos – habitualmente realizadas como alta – se pareçam segmentalmente com vogais postônicas. Do ponto de vista acústico, as vogais, de modo geral, diferenciam-se pelas frequências formânticas, visto que a corrente de ar expiratória através da qual o som é 83 produzido, embora não seja obstruída por pontos de articulação, sofre modificações a depender do grau de abertura da boca, da posição da língua no eixo horizontal e do arredondamento dos lábios. Cada uma dessas condições gera perturbações na onda sonora, que, por sua vez, acarreta frequências diversas; duas delas serão investigadas neste trabalho: F1 (relacionada ao grau de abertura da boca) e F2 (relacionada à posição da língua no eixo horizontal). Moraes (mimeo) descreve o processo como essas frequências são geradas. Ele explica que: quando um som vocálico é emitido, a corrente de ar põe em movimento as cordas vocais, gerando a voz, que se caracteriza por uma onda sonora com uma determinada frequência de vibração. Essa frequência, que corresponde ao número de vezes que as cordas vocais se abrem/fecham num determinado espaço de tempo, é chamada de frequência fundamental, e se relaciona diretamente à percepção da melodia. Além dessa frequência básica, frequências secundárias, dela múltiplas (os chamados harmônicos), estão também presentes nessa onda sonora “primitiva”, mas com intensidades que se tornam cada vez menores, à medida que a frequência se torna mais alta, como se pode perceber no gráfico à esquerda, a seguir: Figura 3: Interseção entre intensidade e frequência na produção de segmentos vocálicos F1 Espectro da onda glotal intensidade Espectro da vogal [i] intensidade F2 F0 harmônicos frequência intensidade frequência Espectro da vogal [a] F1 F2 frequência Fonte: Moraes (mimeo) Em função da forma assumida pelas cavidades supra-glóticas (cavidades faringal, nasal, labial e, sobretudo, cavidade oral), que atuam como uma caixa de ressonância, algumas dessas frequências, já presentes no sinal original, serão amplificadas, e, outras, amortecidas, gerando o que se chamou de zonas de frequências formantes, ou simplesmente formantes, (por “formarem” cada um dos timbres vocálicos), conforme ilustrado nos dois esquemas à direita. 84 Três elementos podem alterar a configuração da cavidade bucal, fundamental na emissão das vogais orais: altura da língua ou abertura da boca, posteriorização/anteriorização da língua e arredondamento dos lábios. Conforme determinado elemento modifica o espaço da cavidade, a onda precisa acomodar-se no novo espaço, o que, por consequência, modifica seu tamanho, provocando mudança na frequência. Considerando a cavidade bucal como a caixa de ressonância das ondas sonoras, a área máxima representa um trapézio, conforme aparece ilustrado na figura seguinte. Figura 4: Espaço acústico onde são definidas as vogais Fonte: Site Aspectos de gramática14 A depender das modificações que essa área sofre, são produzidas as vogais: Figura 5: Trapézio vocálico Fonte: Site Aspectos de gramática15 Observando a figura 5, estabelecida com base em traços articulatórios, confirma-se o que se sistematizou anteriormente do ponto de vista segmental: as vogais [], [e], [] e 14 15 <http://www.radames.manosso.nom.br/gramatica/vogal.htm>, consultado em 20/12/2011. <http://www.radames.manosso.nom.br/gramatica/vogal.htm>, consultado em 20/12/2011. 85 [i], abordadas neste trabalho, nessa ordem, organizam-se da mais baixa a mais alta; todas elas são anteriores; nenhuma é arredondada. Essas características são constatadas através dos valores formânticos. Com base em Catford (1988: 161)16, podem-se observar os valores médios, em Hertz, de F1 e F2, obtidos para segmentos vocálicos a partir da fala masculina. Tabela 1: Valores médios de F1 e F2 em Hz de vogais em fala masculina Vogal Valor médio de F1 Valor médio de F2 [i] 240 2400 [e] 390 2300 610 1900 [] [a] [] [o] [u] 850 500 360 250 1610 700 640 595 De acordo com esses valores, conforme aumenta a abertura da boca, aumenta o valor de F1; em outras palavras, quanto mais alta a vogal, menor é o valor de F1. Assim sendo, [a] apresenta maior valor médio de F1 (850 Hz); as vogais médias-baixas [] e [] vêm em um segundo nível, com 610 Hz e 500 Hz respectivamente; seguidas pelas vogais médias-altas [e] (390 Hz) e [o] (360 Hz); as vogais altas [i] e [u] apresentam os menores valores desse formante (240 Hz e 250 Hz, nessa ordem). Sobre F2, quanto mais anterior a vogal, maior o valor referente a esse formante. A vogal mais anterior, [i], apresenta o maior valor médio de F2, com 2400 Hz; ao passo que a mais posterior, [u], apresenta apenas 595 Hz. Da mesma forma, a respeito das demais vogais, observa-se que a frequência diminui gradativamente em função da posteriorização da língua: [e] (2300 Hz), [] (1900 Hz), [a] (1610 Hz), [] (700 Hz) e [o] (640 Hz). Orsini (1995), a partir da fala feminina da variedade brasileira do Português, ocupou-se de pesquisar F1 e F2 de vogais orais tônicas e átonas – subjacentes e derivadas (resultantes de redução de ditongo e de alteamento). Fazendo uma média dos formantes de todas as vogais estudadas, ela verificou a mesma gradação apontada por Catford (1988), conforme se observa na tabela a seguir, extraída de Orsini (1995: 82). 16 Os valores formânticos apresentados por Catford (1988), apesar de não se referirem a vogais átonas do Português (conforme aqueles abordados na presente pesquisa), ilustram como a frequência altera a depender das características articulatórias das vogais cardeais. 86 Tabela 2: Valores médios de F1 e F2 em Hz de vogais em fala feminina Vogal Valor médio de F1 Valor médio de F2 [i] 360 2125 [e] 483 2143 [] 617 2063 [a] 714 1679 [] 634 1090 [o] 489 1037 [u] 379 1041 Moraes, Callou & Leite (1996) também exploraram essas duas frequências formânticas. Com base em fala espontânea, analisaram o comportamento de F1 e F2 de vogais tônicas, pretônicas e postônicas, realizadas por três indivíduos de cada região contemplada no estudo (Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo). De modo geral, as médias obtidas refletem as tendências demonstradas através das tabelas 1 e 2. Considerando precisamente as realizações das vogais pretônicas [e] e [i] e da postônica [] na fala de indivíduos do Rio de janeiro, a pesquisa revelou que a vogal [i] apresentou, em média, 324 Hz/2193 Hz, e a [e], 433 Hz/1884 Hz. A vogal [], por outro lado, apresentou, em média, 333Hz/2099Hz. Dessa forma, a partir dos dados dessa área urbana, constatou-se que as vogais altas (pretônica e postônica) possuem menor valor de F1 e de F2 que a vogal média-baixa; portanto, [e] com F1 superior a 400 Hz e F2 inferior a 2000 Hz é mais baixa e menos anterior que [i]/[]. Com intuito meramente informativo, sobre F3, cabe dizer que seu valor diminui à proporção que aumenta o arredondamento dos lábios na produção da vogal. Como todas as vogais analisadas na presente pesquisa são distensas (não-arredondadas), essa frequência não foi contemplada. Por fim, em Scarpa (1999), Moraes declara que, em Português, a duração intrínseca das vogais se correlaciona ao seu grau de abertura: quanto mais alta a vogal, mais breve. Essas e os outros aspectos vocálicos ressaltados foram importantes para se entender as vogais enquanto objetos da análise fonético-fonológica. Como foi proposto na subseção intitulada “os clíticos e o acento”, a vogal de um pronome átono pode corresponder a uma vogal pretônica ou postônica; com base nesse pressuposto, o estudo da cliticização fonológica pode ser realizado comparando propriedades vocálicas. Desse modo, justificase a sistematização relacionada aos fonemas vocálicos e aos fones que podem concretizálos, especialmente aqueles que estão em variação. Além disso, porque o estudo se 87 concentra em propriedades acústicas, é importante também entender como se comportam os formantes, responsáveis pelos diferentes sons vocálicos, além dos parâmetros de duração e intensidade. Em síntese, na seção 4.1, foram apresentados os pressupostos sociolinguísticos nos quais o estudo da colocação pronominal se fundamentou. Ademais, na seção 4.2, foram apresentadas informações essenciais para o estudo da cliticização fonológica, feito a partir de experimentos acústicos; elas referiram-se a uma proposta de Fonologia Experimental, à relação entre os clíticos e o acento lexical e à sistematização de propriedades fonéticofonológicas das vogais em Português. Dessa forma, torna-se possível compreender as bases teóricas que licenciaram a execução dos procedimentos metodológicos descritos no próximo capítulo. 88 5. METODOLOGIA De modo a informar os procedimentos de natureza metodológica necessários ao desenvolvimento das duas investigações propostas, a metodologia empregada tanto na análise variacionista quanto na de cunho fonético-fonológico encontra-se descrita neste capítulo. 5.1. Tratamento variacionista A análise sociolinguística investiga o teor de variação da colocação pronominal em relação a complexos verbais, considerando os contextos linguísticos e extralinguísticos em que cada posição é produtiva. Para tanto, os procedimentos foram executados respeitando o método empírico da Sociolinguística Laboviana, cujas etapas são (i) estabelecimento da variável dependente, (ii) constituição do corpus, (iii) estabelecimento das variáveis independentes e das hipóteses, (iv) codificação dos dados segundo as variáveis estabelecidas; (v) tratamento matemático dos dados, e (vi) análise e interpretação dos resultados. Primeiramente, definiu-se a variável dependente, que equivale, na verdade, ao fenômeno investigado. A variação posicional dos pronomes átonos em ambiente com complexo verbal abarca basicamente quatro alternativas: antes do verbo auxiliar (me deve fazer), depois dele (deve-me até fazer), antes do verbo temático (deve até me fazer) e depois dele (deve fazer-me). Em se tratando da posição do clítico no interior de complexos verbais sem elementos intervenientes, que constituem maioria no corpus em análise, não é possível precisar a priori se o pronome está foneticamente apoiado na primeira forma verbal (deve-me fazer) ou na segunda (deve me-fazer). Dessa forma, ficam configuradas em termos superficiais três formas alternantes: (i) Clítico antes do complexo verbal (pré-CV ou Cl V1 V2): 25. então... eu acho que isso é vandalismo... que isso não se deve aprender dentro do colégio. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária A, ensino superior). (ii) Clítico entre as duas formas verbais do complexo (intra-CV ou V1 Cl V2)17: 26. então elas não podiam se permitir serem pegas assim de forma assim tão flagrante. (Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino superior). 17 As ocorrências com complexo formado por mais de duas formas verbais foram analisadas à parte. 89 (iii) Clítico depois do complexo verbal (pós-CV ou V1 V2-Cl): 27. você não pode deixá-los até... as tantas porque eles tão correndo risco. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária B, ensino superior). A partir principalmente do que revelaram os resultados de Vieira (2002), a expectativa inicial foi a de que, ainda hoje, a escolha dos indivíduos acerca da colocação pronominal assumiria o comportamento de uma regra variável. A hipótese geral foi a de que a ordem intra-CV seria a mais produtiva, constituindo a forma não-marcada; a realização das demais variantes ocorreria em proporção bem menor e em função da coatuação de determinados fatores. Para testar essas suposições, foi iniciada, após a delimitação da variável dependente, a coleta das ocorrências do corpus, constituído de entrevistas sociolinguísticas realizadas pela equipe do Projeto intitulado Estudo comparado dos padrões de concordância em variedades africanas, brasileiras e europeias. Procedeu-se ao levantamento de todas as ocorrências de clítico em domínio de complexo verbal (cf. item 2.2) na fala de indivíduos de duas localidades da região metropolitana do Rio de Janeiro: Copacabana 18 (e adjacências) e Nova Iguaçu. Cabe dizer que as amostras de fala são semi-espontâneas, pois foram obtidas por meio de entrevista gravada19 com falantes representativos de cada uma das localidades. O fato de almejar que o informante fale espontaneamente quando, na realidade, ele se encontra na tensão de ser entrevistado e gravado configura uma limitação metodológica inevitável, habitualmente referida como “paradoxo do observador” (cf. LABOV, 1972). Embora isso tenha implicações na obtenção de dados que representem o vernáculo, pois essa situação discursiva costuma desencadear certo grau de monitoramento da fala, algumas medidas foram tomadas para atenuar os efeitos dessa restrição, como a descontração na forma de perguntar e a escolha do repertório temático 20. Com isso, os efeitos negativos do gênero entrevista são minimizados e não inviabilizam o estudo. 18 Apesar de a região retratada ter sido Copacabana, foi necessário, em alguns poucos casos, expandir os limites geográficos para bairros vizinhos (Botafogo e Leme), pois não foram encontrados para entrevistar, em Copacabana, todos os indivíduos com os perfis almejados, de modo que obedecessem à regra de morar desde criança nesta localidade. A relativização das fronteiras não invalidou a representatividade dos dados, pois os bairros adjacentes contemplados mantêm com Copacabana semelhança, sobretudo, socioeconômica. 19 As gravações das entrevistas são disponibilizadas na íntegra no site <http://www.letras.ufrj.br/ concordancia/>. 20 As entrevistas deveriam estimular o informante a dar sua opinião acerca de assuntos diversos, comuns ao seu cotidiano, de modo que o deixassem confortável para falar. Por exemplo, era-lhe perguntado sobre a vida 90 Ainda a respeito do corpus, ele foi estratificado não só por localidade (Copacabana ou Nova Iguaçu), mas também por faixa etária (entre 18 e 35 anos, entre 36 e 55 anos ou com mais de 55 anos), nível de escolaridade (ensino fundamental, médio ou superior) e sexo (homem ou mulher) dos indivíduos. Isso se traduz em 36 informantes segundo os perfis sociais controlados. Pode-se verificar, a seguir, a organização do corpus, tomando por base uma das localidades. Faixa A Faixa B Faixa C Figura 6: Estratificação do corpus, segundo uma das localidades Ensino Fundamental Ensino médio Ensino superior Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher 1 indivíduo 1 indivíduo 1 indivíduo 1 indivíduo 1 indivíduo 1 indivíduo 1 indivíduo 1 indivíduo 1 indivíduo 1 indivíduo 1 indivíduo 1 indivíduo 1 indivíduo 1 indivíduo 1 indivíduo 1 indivíduo 1 indivíduo 1 indivíduo Como se pode observar, para cada perfil social, um indivíduo foi entrevistado. A fim de compor efetivamente o corpus para análise, foram colhidas, então, da fala de cada um, todas as ocorrências de clíticos ligados a complexos verbais. Feito isso, estabeleceramse, a partir principalmente das leituras prévias, os grupos de fatores que poderiam interferir no fenômeno, aqueles que mostrariam como funciona a regra supostamente variável. Foram eles: Variáveis independentes extralinguísticas (i) Localidade Duas localidades foram selecionadas para representar a região metropolitana do Rio de Janeiro. Ambas compõem as variantes desta variável, a saber: - Copacabana (e adjacências) - Nova Iguaçu A caracterização das comunidades a serem estudadas – ainda que seja, a princípio, superficial – é fundamental para que se conjugue a realidade linguística e a vida social da região. A esse respeito, Labov ressalta: profissional, a infância, a educação das crianças, a vida na cidade – lazer, saúde pública e privada, violência, dentre outros temas. 91 O linguista deve gastar algum tempo recolhendo dados demográficos e observações de padrões culturais de que ele pode não precisar normalmente. Ele pode ter de perturbar o fluxo da interação natural com seus informantes por questões padronizadas que fornecem dados comparativos sobre as atitudes sociais (LABOV, 1972b: 6).21 Assim sendo, buscaram-se informações sobre as comunidades no site da prefeitura do Rio de Janeiro22 e de Nova Iguaçu23 e do IBGE24 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Além disso, traçou-se um perfil das localidades também através da observação e de relatos de moradores antigos (sediados há mais de vinte anos), que vieram a se tornar informantes para a pesquisa. Segundo a Prefeitura do Rio de Janeiro, a região metropolitana do Estado é composta por 17 municípios, distribuídos em uma área de 4.930 km2. Dentre eles, estão Rio de Janeiro, com 1.224 km2, e Nova Iguaçu, com 521,25 km2. Segundo o censo 2010 do IBGE, a cidade do Rio de Janeiro, apesar de possuir áreas cuja natureza se mantém preservada, conta com uma população totalmente urbana formada por 6.323.037 pessoas. No mesmo período, Nova Iguaçu contemplava 795.212 pessoas, sendo 786.536 da área urbana e 8.676 da rural. Não se encontraram dados demográficos relativos a bairros. Copacabana corresponde a um bairro litorâneo do município do Rio de Janeiro, próximo ao centro comercial. Sua economia se baseia principalmente no setor terciário – relacionado a serviços, como comércio, educação, saúde, transporte e turismo –, voltado para a população local (moradores de Copacabana) e resultante de movimentos pendulares (pessoas que vão a Copacabana, mas moram em outros bairros, municípios, estados ou países). Isso, de certo modo, ajuda a entender a organização populacional, que interfere diretamente na dinâmica sociolinguística. Por um lado, grande parte da população residente em Copacabana adveio de um processo de imigração. Algumas pessoas são oriundas de outros bairros, e outras, de outros estados; neste caso, quase sempre se trata de um processo de êxodo, o qual foi determinante para a favelização que integra a cidade do Rio de Janeiro. Todos esses moradores, por outro lado, dividem espaço com pessoas de outros locais que vão ao bairro a trabalho ou em busca de lazer, visto que se trata de um bairro turístico. 21 The linguist must spend some time gathering demographic data and observations of cultural patterns that he might not ordinarily need. He might have to disturb the flow of natural interation with his informants by standardized questions which give comparative data on social attitudes (LABOV, 1972b: 6). 22 <http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/principal>, consultado em 11/10/2011. 23 <http://www.novaiguacu.rj.gov.br/>, consultado em 11/10/2011. 24 <http://www.ibge.gov.br/home/default.php>, consultado em 11/10/2011. 92 Trata-se de uma comunidade em que coexistem e dialogam pessoas com diferentes origens, culturas, interesses, poder aquisitivo. A interação intensa nessa sociedade plural certamente repercute na diversidade linguística. Além disso, pode-se dizer que a concentração de grupos, decorrente, por exemplo, da favelização, forma subcomunidades, em que possivelmente se partilham regras próprias de ordem sociocomportamental. Sobre Botafogo e Leme, tomados neste trabalho como partes integrantes da comunidade de fala de Copacabana, são também bairros cariocas, adjacentes a Copacabana. Embora aqueles não sejam tão famosos pelo turismo quanto este, os três territórios vizinhos são socialmente parecidos; por isso, a relativização das fronteiras não enviesou a constituição da referida comunidade de fala. Nova Iguaçu, a outra comunidade investigada, diferentemente, não consiste em um bairro, mas em um município fronteiriço ao município do Rio de Janeiro. Em se tratando de Baixada fluminense, seu potencial de desenvolvimento econômico e demográfico se destaca em relação aos demais municípios, de modo que, grosso modo, é comparável a Copacabana. Da mesma forma que Copacabana, Nova Iguaçu é povoada em grande parte por pessoas oriundas de outros estados. Contudo, apesar de fundada há menos tempo, a economia local, que envolve não só o setor terciário, mas também primário – relacionado à exploração de recursos naturais – e secundário – relacionado à industrialização –, é movimentada majoritariamente por trabalhadores que residem no próprio município; quando não, acolhe trabalhadores de outros municípios da própria Baixada fluminense (São João de Meriti, Nilópolis). O município de Nova Iguaçu é bem mais extenso que a região formada por Copacabana e os bairros adjacentes de Botafogo e Leme. Distante do centro comercial, há regiões mais rurais, porém integradas por meio de transporte público vasto. Sem dúvida, é uma das cidades no domínio fluminense que mais se desenvolveu no canal que interliga, através da conurbação, as capitais estaduais Rio de Janeiro e São Paulo. Essa breve descrição dos pontos de inquérito permite observar que as duas localidades consistem, então, em polos econômicos. Por esse motivo, atraem pessoas de regiões diversas. Contudo, enquanto em Copacabana o deslocamento é principalmente temporário e contínuo, o que se acentua pela inerente vocação turística do bairro, os imigrantes, em Nova Iguaçu, normalmente fixam residência. Desse modo, as 93 movimentações, bem como o tipo de relação que as pessoas mantêm são importantes para compreender a dinâmica linguística nas regiões. De modo geral, embora algumas semelhanças possam ser identificadas entre as duas regiões, Copacabana e Nova Iguaçu apresentariam diferenças relevantes quanto ao status sociocultural; nesse sentido, Copacabana é concebida como localidade de prestígio, diferentemente de Nova Iguaçu. O reflexo dessas diferenças para o campo linguístico especialmente no que toca ao fenômeno estudado – que, na modalidade oral, não costuma ser objeto de avaliação, prestigiosa ou desprestigiosa – não parece, por hipótese, ser relevante. Assim sendo, supõe-se que o comportamento das duas comunidades obedeceria às mesmas regras; em outras palavras, essas localidades exibiriam comportamento, quanto à colocação pronominal, equivalente, próprio de uma mesma comunidade de fala. (ii) Escolaridade Três níveis de escolaridade foram definidos, a fim de verificar se, na medida em que se aprofunda o conhecimento acerca do padrão culto idealizado em abordagens prescritivas, se modifica a ordem dos pronomes átonos em complexos verbais. - Nível 1: ensino fundamental - Nível 2: ensino médio - Nível 3: ensino superior Sabe-se que apenas a escolaridade não é suficientemente responsável por promover o domínio da norma padrão, idealizada em compêndios tradicionais, por parte do indivíduo, mas o papel da escola em difundir essa norma de prestígio é inquestionável. Dessa forma, supõe-se que o contato do indivíduo com a escola, especialmente no que se refere ao contato com a escrita culta padrão, interfere no seu conhecimento e na avaliação sobre as estruturas linguísticas; por isso, afeta o processo de variação e mudança. Dentre as variáveis extralinguísticas controladas, supôs-se que esta sobressairia; quanto maior o nível de instrução do indivíduo, maior seria o índice de variação, pois a pessoa dominaria as estruturas supostamente pouco usuais, que seriam incentivadas ao longo do percurso escolar. A atuação da escola favoreceria, então, a realização das três formas alternantes, aumentando a competitividade e reduzindo a hipotética soberania da posição intra-CV. 94 (iii) Sexo Quando se reflete sobre organização e funcionamento de sociedades, um aspecto que costuma ser abordado diz respeito ao papel desempenhado por homens e mulheres. Como a língua é, além de um elo entre as pessoas, um modo de expressão, pois executa atos de fala, é imprescindível correlacioná-la às categorias de homem e mulher. Dessa forma, temos as variantes: - Homem - Mulher Historicamente, a essas categorias são atribuídos papéis sociais que, no âmbito da variação e mudança linguística, costumam refletir atitudes conservadoras e inovadoras. Na sociedade ocidental, onde se encontram as comunidades de fala investigadas, as mulheres cada vez mais conquistam funções (profissionais especialmente) que, por muito tempo, foram desempenhadas apenas por homens. Embora diferenças venham sendo desconstruídas, propiciando igualdade de direitos e deveres entre essas classes, acredita-se que as mulheres ainda se empenham para sustentar a conquista de um espaço menos marginalizado na sociedade, com participação no mercado de trabalho. Assim sendo, infere-se que elas costumam preocupar-se mais com o status das formas variantes. Costumam liderar processos de mudança linguística somente quando a forma inovadora tem prestígio social; caso contrário, apresentam uma postura conservadora (cf. LABOV, 1972a). Para o estabelecimento das variantes, foi utilizado critério estritamente biológico. Os papéis tradicionalmente desempenhados por homens e mulheres, por sua vez, ajudaram a tecer hipóteses. Por não se tratar de variantes com significativo grau de estigma ou prestígio, a hipótese foi a de que, quanto à colocação pronominal, não haveria expressiva diferença entre mulheres e homens. Talvez por serem mais sensíveis ao padrão de prestígio, elas se mostrassem mais rigorosas às regras gramaticais normativas; todavia, a priori não se postulou qualquer hipótese específica a respeito da variável ‘sexo’ para explicar uma possível liderança em processo de mudança linguística. Devido ao fato de se tratar de uma variável social possível de ser controlada no corpus utilizado e que já se mostrou relevante em vários estudos sociolinguísticos, sua influência sobre o fenômeno foi naturalmente verificada. 95 (iv) Faixa etária Esta é a última variável independente extralinguística controlada. Ela permite verificar a variação ao longo do tempo (aparente), de modo que a fala dos indivíduos idosos, por exemplo, refletiria os padrões usuais de cerca de 60 anos atrás ou mais. - Faixa A: entre 18 e 35 anos - Faixa B: entre 36 e 55 anos - Faixa C: a partir de 56 anos Segundo os estudos de mudança em tempo aparente (cf. LABOV, 1994), os indivíduos tendem a passar a realizar uma variante inovadora depois da puberdade. Se, nas fases seguintes, houver um progressivo incremento de certa variante, propõe-se a hipótese de mudança em progresso; se, entretanto, a variante conservadora se tornar a mais produtiva novamente, com o passar do tempo, propõe-se que a variação é estável e resulta meramente das adaptações características de cada faixa ao contexto social. Nota-se que a primeira faixa compreende o período em que as pessoas costumam ingressar no mercado de trabalho; na segunda, já apresentariam uma estabilidade profissional; na terceira, então, estariam aposentados, não mais se preocupando em atender ao rigor estabelecido para muitas carreiras. Dessa forma, além de avaliar o aparente percurso diacrônico da variação, as faixas etárias permitem refletir também sobre uma possível influência do mercado de trabalho, por exemplo, ou de outros fatores que configuram a complexidade das relações sociais. Neste trabalho, supõe-se, com base na observação da distribuição das variantes por faixas etárias, que haja uma regularidade entre as faixas etárias, com expressiva produtividade da variante intra-CV. Desse modo, a expectativa inicial foi a de que se trataria de um caso de variação estável. Variáveis independentes linguísticas (v) Número de verbos auxiliares Em alguns complexos verbais, ocorre simultaneamente mais de uma forma auxiliar, o que teoricamente implicaria mais posições admissíveis para o pronome átono ocupar. Assim sendo, foram estabelecidas as variantes abaixo, de modo a compor um grupo apenas para o controle dos eventuais exemplos com mais de uma forma verbal auxiliar: - 1 forma verbal auxiliar 96 28. não quero me formar. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental). - 2 formas verbais auxiliares 29. não dá razão pra ninguém... porque ele não quer se estressar... porque ele é hipertenso então ele não quer ficar se estressando. (Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino superior). - 3 ou mais formas verbais auxiliares Não houve qualquer registro no corpus. A hipótese foi a de que, quando houvesse mais de uma forma verbal auxiliar, o clítico seria colocado nas adjacências do verbo temático ou logo após o verbo auxiliar mais próximo desse verbo temático; dessa forma, a incidência da variante intra-CV seria maior. Além disso, quanto mais verbos auxiliares, menor seria a chance de ocorrer a ordem préCV. (vi) Forma de V2 Quanto à forma do verbo temático, há três possibilidades de concretização, conforme se lista a seguir: - Gerúndio 30. você não tá me dizendo nada. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária A, ensino médio). - Infinitivo 31. “Rodrigo, você vai me desculpar mas você está errado”. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária C, ensino superior). - Particípio 32. mas certamente alguém teria me recolocado. (Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino superior). Estudos sobre o fenômeno sugerem que, em complexos com V2 no gerúndio, o pronome oscilaria entre as posições intra e pós-CV, enquanto, naqueles com particípio, ele oscilaria entre as posições pré e intra-CV. As construções com infinitivo seriam a única a admitir, na realidade, variação entre as três posições. Em termos de probabilidade, consoante a hipótese de que o clítico se localizaria no entorno de V2, de modo geral, o particípio restringiria a variante pós-CV, ao passo que o 97 infinitivo, ao contrário, favoreceria essa variante. Sobre a forma de gerúndio, ela seria imparcial. Com base nas nítidas diferenças de comportamento ora expostas, o controle desta suposta variável independente serviu, na prática, ao propósito primordial de separar os dados em subamostras segundo a forma do verbo temático, a fim de averiguar a comentada diferença de comportamento da regra variável quanto à ordem dos pronomes átonos. (vii) Forma de V1 Os verbos auxiliares podem apresentar-se flexionados em diferentes tempos e modos. Para cada possibilidade, uma variante foi definida; assim, a influência da forma desses verbos pôde ser investigada25. - Presente do indicativo 33. você acaba se sentindo inseguro. (Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino médio). - Pretérito imperfeito do indicativo 34. então elas não podiam se permitir serem pegas assim de forma assim tão flagrante. (Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino superior). - Pretérito perfeito do indicativo 35. a gente acabou se juntando. (Copacabana, homem, faixa etária A, ensino superior). - Futuro do pretérito do indicativo 36. e que eu deveria me apresentar no [IME] dentro de uma semana. (Copacabana, homem, faixa etária C, ensino superior). - Presente do subjuntivo 37. nada que assim que assuste todo mundo que... que o pessoal queira se mudar que tá violen:to tá rouban:do não tem nada disso. (Copacabana, homem, faixa etária B, ensino médio). - Pretérito imperfeito do subjuntivo 38. provavelmente se eu tivesse me tornado professora... tendo feito pedagogia eu teria levado grandes reprovações mas eu me tornei professora pelo mérito técnico. (Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino superior). - Futuro do subjuntivo 25 Além dos tempos e modos listados, outros (pretérito mais que perfeito do indicativo, futuro do presente do indicativo e imperativo) também foram previstos, mas não houve registro no corpus. 98 39. se vier eh me me violentar vai me matar vou mandar me matar porque eu também não quero ficar viva. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária A, ensino médio). - Infinitivo 40. meu segundo sonho é conseguir me estabilizar um pouco na vida e ter um filho. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária A, ensino fundamental). - Gerúndio 41. não tem mais ninguém... podendo se achar melhor do que ninguém. (Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino superior). Esta variável foi estabelecida com a finalidade de averiguar a influência de cada flexão possível do verbo auxiliar. A hipótese foi a de que o modo subjuntivo, devido ao caráter subordinativo, favoreceria a anteposição do pronome ao complexo verbal. As demais flexões, de outro modo, apresentariam comportamento neutro. (viii) Tipo de complexo verbal Todos os complexos verbais que se enquadram nas descrições apresentadas na seção 2.2 foram considerados variantes26. - Ter + particípio 42. vou dizer para você... que: minha mãe e meu pai tenha me influenciado não porque: eu não experimentei dentro de casa. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária B, ensino fundamental). - Ir + infinitivo 43. você não sabe exatamente no que que você vai se especializar. (Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino médio). - Vir + infinitivo 44. mas eu vou quebrar ele porque senão ele vem me assaltar. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária C, ensino fundamental). - Estar + gerúndio 45. gosto como as coisas tão se encaminhando. (Copacabana, homem, faixa etária A, ensino fundamental). - Ir + gerúndio 26 Apesar de não terem sido registradas, atentou-se também para a ocorrência de outras estruturas, como ser + particípio, estar + a + infinitivo, haver + particípio, vir + gerúndio, haver + de/por + infinitivo, precisar + infinitivo, dar + para + infinitivo, acabar + de/por + infinitivo, chegar + a + infinitivo, continuar/ficar/habituar/andar + a + infinitivo, costumar + infinitivo. 99 46. ela vai se: enriquecendo. (Copacabana, homem, faixa etária A, ensino médio). - Ter + que/de + infinitivo 47. não é que ache que a pessoa não tem que se divertir [brincar] não... não eu acho que tem. (Copacabana, mulher, faixa etária C, ensino fundamental). - Poder + infinitivo 48. não se pode mais comparar o que era há vinte anos atrás. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária A, ensino superior). - Dever + infinitivo 49. e eu tive até uma atitude que não se deve ter né? (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental). - Precisar + infinitivo 50. a pior a partir do momento [em] que você se envolve com a política você não precisa se envolver sendo político mas você estar inteirado dos assuntos estar inteirado do que ocorre você se torna alguém capaz de mudar. (Copacabana, homem, faixa etária A, ensino médio). - Acabar + gerúndio 51. você vê aquelas pessoas ali você acaba se sentindo inseguro de passar por elas. (Copacabana, homem, faixa etária A, ensino médio). - Começar + a + infinitivo 52. e ali ele começou a se meter a se envolver com negócio de drogas. (Copacabana, homem, faixa etária C, ensino médio). - Passar + a + infinitivo 53. aí eu passei a conhecê-lo. (Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino médio). - Voltar + a + infinitivo 54. passamos uns... uns três meses sem se ver depois voltamos a se encontrar de no:vo. Copacabana, homem, faixa etária B, ensino superior). - Continuar + gerúndio 55. não sei quanto se roubava antes mas continua se roubando hoje. (Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino superior). - Ficar + gerúndio 56. as mulher ficaram me olhando. (Copacabana, homem, faixa etária B, ensino superior). 100 - saber + infinitivo 57. eu: tenho amigas assim pessoas que falam errado que não sabe se expressar. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária B, ensino fundamental). - Tentar + infinitivo 58. as pessoas passavam de bicicle:ta... assaltavam... todos os tipos de assalto que você pode imaginar tentaram me assaltar. (Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino superior). - Procurar + infinitivo 59. procura se informar melhor das coisas com eles. (Copacabana, homem, faixa etária B, ensino superior). - Conseguir + infinitivo 60. até que eu consegui levá-la pra lá. (Copacabana, homem, faixa etária C, ensino superior). - Querer + infinitivo 61. não quero me formar. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental). Com base principalmente nos resultados de Vieira (2002), supôs-se que, dentre todos os complexos verbais, aqueles formados por poder ou dever + infinitivo seriam mais propensos a acomodar o pronome antes do verbo auxiliar. (ix) Tonicidade de V1 Com a finalidade de controlar minimamente a forma do verbo auxiliar do ponto de vista fonético, esta variável abarca os padrões de tonicidade possíveis: - Oxítona 62. eles vão me mandar o mapa de luz mas ali não quer dizer nada. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária A, ensino fundamental). - Paroxítona 63. procura se informar melhor das coisas com eles. (Copacabana, homem, faixa etária B, ensino superior). - Proparoxítona Não houve qualquer registro no corpus. 101 Conforme já se detalhou, a posição do clítico também poderia ter, por hipótese, motivação de ordem fonética. Nesse sentido, foram controlados os padrões de tonicidade de V1 e de V2, para verificar se a posição do acento primário das formas verbais interfere, em alguma medida, na posição do pronome átono. Considerando o verbo auxiliar, supõe-se que formas paroxítonas seguidas de pronomes átonos constituiriam uma estrutura natural no PB. Tendo em vista que, na posição intra-CV, o clítico seria supostamente proclítico a V2, haveria todas as condições para manutenção do ritmo troqueu, com a manutenção do padrão preferencial paroxítono. Por meio desta variável, também poderá ser investigada a atuação do padrão oxítono sobre a ordem dos clíticos pronominais, que, a princípio, não teria atuação relevante, no sentido de que não mudaria o padrão de tonicidade do verbo auxiliar. (x) Tonicidade de V2 Da mesma forma que a variável precedente, esta controla a tonicidade verbal; contudo, dessa vez, trata-se do verbo temático. Em virtude de ele poder estar somente no infinitivo, gerúndio ou particípio, apenas dois padrões acentuais são possíveis: - Oxítona 64. eles vão me mandar o mapa de luz mas ali não quer dizer nada. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária A, ensino fundamental). - Paroxítona 65. as mulher ficaram me olhando. (Copacabana, homem, faixa etária B, ensino superior). A hipótese foi a de que a forma oxítona favoreceria a posposição do pronome átono, propiciando uma acentuação, na verdade, paroxítona. Desse modo, quando V2 estivesse no infinitivo, haveria mais chance de ocorrer a ordem pós-CV do que quando esse verbo estivesse na forma de gerúndio ou particípio, cuja tonicidade é necessariamente paroxítona. (xi) Presença de preposição/conector no complexo verbal Alguns verbos, mesmo na qualidade de auxiliar, combinam-se com uma preposição ou um conector, configurando um elemento interveniente no complexo verbal. Com base nos elementos que apareceram no corpus, foram estabelecidas as variantes: - Presença de a 102 66. o povo passou a se aperfeiçoar mais. (Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino superior). - Presença de que 67. “a senhora tem que se internar”. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária A, ensino médio). - Ausência de preposição/conector 68. não posso te dizer muito não. (Copacabana, homem, faixa etária B, ensino fundamental). A presença de preposição ou conector no interior do complexo verbal seria um indício de menor integração sintático-semântica entre os verbos; desse modo, o pronome, ligado semanticamente ao segundo verbo, dificilmente iria para a posição pré-CV. Haveria mais chance para essa anteposição quando não houvesse qualquer elemento interveniente. (xii) Presença de sintagma(s) no complexo verbal Alguns adjuntos, semelhantemente aos elementos mencionados na variável anterior, podem ocorrer no interior do complexo verbal, interferindo na integração dos verbos e, com isso, nas possibilidades de colocação pronominal. Diante dessa possível interferência, é plausível configurar as variantes: - Presença de sintagma(s) 69. só que infelizmente...os nossos planos de saúde estão quase se transformando. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental). - Ausência de sintagma(s) 70. não vou te enganar. (Copacabana, homem, faixa etária C, ensino fundamental). Os sintagmas considerados nesta variável não são determinados sintaticamente por nenhum dos verbos, como acontece na variável anterior. Dessa forma, apesar de se tratar também de elemento interveniente no complexo verbal, as variantes acima formam uma variável à parte daquela que contempla a presença ou ausência de preposição ou conector. Nos dados em que houve presença de qualquer material interveniente, apesar de, neste trabalho, se controlar, de modo geral, três variantes, conforme se detalhou anteriormente, foi possível observar o comportamento dos pronomes átonos em função de quatro variantes. Em outras palavras, através das ocorrências com elemento interveniente, pôde-se estudar não só as variantes pré, intra e pós-CV, mas também aprofundar a 103 investigação refletindo sobre a alternância entre Cl V1 V2, V1-Cl V2, V1 Cl-V2 e V1 V2Cl, formas que podem ser seguramente atestadas nesse contexto. Bem como no tocante à variável independente anterior, supôs-se que, na presença de um sintagma no interior do complexo verbal, o clítico não tenderia a ocorrer na posição pré-CV. Em se tratando de quatro variantes, o clítico estaria adjacente normalmente ao segundo verbo. (xiii) Tipo de clítico A relevância da tipologia do clítico – fortemente atestada em outros estudos da colocação pronominal – também foi cogitada, de modo que as variantes postuladas foram as seguintes: - Me 71. os vizinhos que são antigos vão me socorrer. (Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino médio). - Te 72. alguém vai te dar uma Bolsa Família o resto da vida. (Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino superior). - Se reflexivo/inerente 73. acho que a consciência deles eles nunca vão se livrar disso. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental). - Se indeterminador/apassivador27 74. um dia vai se descobrir isso no Brasil. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental). - O, a(s) 75. você não pode deixá-los até as tantas porque eles tão correndo risco. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária B, ensino superior). - Nos 76. ela quer nos induzir. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental). 27 Na realidade, não houve qualquer registro do pronome se indeterminador nos moldes propostos na tradição gramatical; antes, as ocorrências referem-se a se ligado a verbos transitivos diretos. É possível que essa ausência do se indeterminador esteja relacionada à produtiva variação nas estratégias de indeterminação do agente no Português do Brasil, que conta com outras formas pronominais, como, por exemplo, você, a gente, além de expressões nominais. Cabe, ainda, salientar que não foram registradas as formas vos e lhe(s) no corpus. 104 Com exceção dos clíticos acusativos de terceira pessoa, que seriam predispostos à posição pós-CV, os pronomes átonos, de modo geral, ocorreriam majoritariamente na posição intra-CV. Entretanto, quando deslocados, os clíticos se indeterminador/apassivador, por hipótese, seriam mais propensos ao movimento para a posição pré-CV. O comportamento particular desse pronome pode estar relacionado a seu caráter mais gramatical, que o deixa intimamente vinculado ao verbo auxiliar, configurando a estratégia indeterminadora, ao passo que os demais pronomes seriam mais comprometidos semanticamente, visto que se vinculam ao verbo temático. Essa suposta diferença de comportamento entre os tipos de se também foi fundamental para o estabelecimento das motivações para a análise da direção fonéticofonológica dos clíticos, o que será detalhado na seção 5.2. (xiv) Contexto morfossintático antecedente a Cl V1 V2, V1 Cl V2 ou V1 V2 Cl Tradicionalmente se descreve a atração que alguns elementos exerceriam sobre o pronome, provocando seu deslocamento. Embora o PB oral sabidamente não dependa de elemento antecedente ao verbo para licenciar a variante pré-verbal – haja vista a presença de próclise em início absoluto –, a descrição da norma de uso atual não pode prescindir de observar o comportamento dos dados em função do contexto morfossintático que antecede o complexo verbal – contenha ele ou não elemento “atrator” tradicional –, de modo a detectar a presença de qualquer regularidade na aplicação da regra variável. Cabe informar que, em termos de codificação dos dados, alguns procedimentos metodológicos tiveram de ser definidos, especialmente no que se refere à presença de mais de um elemento no contexto antecedente. Primeiramente, quando houvesse mais de um elemento considerado tradicionalmente um “atrator”, levou-se em conta o mais próximo do complexo. Em já não se pode mais dizer isso, por exemplo, em que, segundo a tradição gramatical, ambos os advérbios poderiam ter provocado a anteposição do clítico ao complexo verbal, tomou-se como possível atrator o advérbio de negação, que está mais próximo do pronome. Ademais, se houvesse mais de um elemento no contexto antecedente ao complexo, mas apenas um fosse tradicionalmente descrito como atrator, este seria considerado; num enunciado como ele disse que você pode se apresentar amanhã, a conjunção integrante foi objeto da codificação. 105 Dessa forma, verificamos os seguintes contextos28: - Ausência de elemento antecedente (início absoluto) 77. “vão nos assaltar”. (Copacabana, mulher, faixa etária C, ensino fundamental). - Nome na função de sujeito 78. vagabundo fica se metendo na vida dos outro. (Copacabana, homem, faixa etária C, ensino fundamental). - Nome mais adjunto adnominal na função de sujeito 79. a outra que comprou o apartamento trezentos e quatro procurou se aproximar ao máximo. (Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino médio). - Pronome pessoal na função de sujeito 80. eles vão me mandar o mapa de luz mas ali não quer dizer nada. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária A, ensino fundamental). - Pronome indefinido, exceto ninguém, na função de sujeito 81. alguém vai te dar uma Bolsa Família o resto da vida. (Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino superior). - Pronome demonstrativo na função de sujeito 82. isso ia me prejudicar. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária A, ensino médio). - Partícula de negação (nenhum, não, nunca) 83. não vou te enganar. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária C, ensino fundamental). - Sintagma adverbial com valor circunstancial – um só vocábulo 84. já tentaram me assaltar lá. (Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino superior). - Sintagma adverbial com valor circunstancial – locução 85. um dia vai se descobrir isso no Brasil. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental). - Preposição para 86. aí eu comecei também ter um sustento né... pra poder me ajudar a pagar a faculdade. (Copacabana, homem, faixa etária B, ensino superior). 28 Além dos contextos apresentados, foram previstos outros que poderiam ocorrer mas não foram registrados efetivamente: SPrep (objeto indireto); predicativo do sujeito; preposição a; de; por; sem; em; conjunção coordenativa alternativa; conjunção integrante se; que em locução conjuntiva (para que); palavra QU interrogativa do tipo pronominal (quem, qual); elementos discursivos/fáticos (quer dizer, por favor, então tá). 106 - Conjunção coordenativa aditiva 87. e foi me levando. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária B, ensino fundamental). - Conjunção coordenativa adversativa 88. não sei quanto se roubava antes mas continua se roubando hoje. (Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino superior). - Conjunção coordenativa conclusiva 89. é o tal da convivência... eu convivi com meu pai e com minha mãe... então você acaba se acostumando. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental). - Conjunção coordenativa explicativa 90. “não façam isso que vocês tão eh até me prejudicando”. (Copacabana, homem, faixa etária B, ensino superior). - Conjunção subordinativa (se, embora, enquanto) 91. se você quer se formar e não gosta... não se forma. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental). - Pronome relativo que 92. o professor tinha que ter... eh... o poder ter... eh... como se diz... ter direito a dar voz de prisão... porque o professor... como a família... é nata... é aquilo que... é aquele que vai te ensinar... é aquele que vai se estressar contigo. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental). - Pronome/advérbio relativo (cujo, o qual, onde, quem) 93. tá precisando de políticos mais sérios que ao invés de pensar em ganhar dinheiro pensar mais em melhorar o ambiente... o lugar onde eles né... estão... se propondo a trabalhar (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária C, ensino fundamental). - Conjunção integrante que 94. eu acho que tá se perdendo um pouco. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária B, ensino fundamental). - Que em estruturas clivadas 95. L2: a porta tá aberta aqui L: tá... é que a moça tá me fazendo a entrevista aqui. (Copacabana, homem, faixa etária C, ensino fundamental). - Palavra QU interrogativa do tipo adverbial (quando, como, onde, por que) 96. não... porque a gente... como eu vou te dizer... a gente se diverte muito em casa. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental). 107 - Hesitações (eh, ah), interjeições, truncamentos 97. ah consegue se expressar bem. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária C, ensino fundamental). (xv) Distância entre Cl V1 V2, V1 Cl V2 ou V1 V2-Cl e o elemento antecedente A última variável independente controlada diz respeito à distância entre o elemento antecedente, determinado na variável anterior, e o pronome ligado ao complexo verbal. Além de se considerar, então, a presença e a natureza do elemento antecedente, é importante mensurar a distância a que ele se encontra do complexo verbal, a fim de testar a hipótese de que, quanto menor a distância, especialmente no caso dos elementos tradicionais, maior seria a propensão para o clítico ocupar a posição pré-CV. Isso aconteceria porque a distância atenuaria a suposta força atratora do elemento antecedente. Para o controle da distância, foram estabelecidas as variantes: - 0 sílaba 98. faltou já tão te ligando. (Copacabana, homem, faixa etária C, ensino médio). - 1 sílaba 99. não devia nem tá falando isso porque eu estou me queimando. (Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino superior). - 2 sílabas 100. nem todas vou te explicar. (Copacabana, homem, faixa etária C, ensino fundamental). - 3 sílabas 101. aqui se o cara tentar me assaltar se eu puder voar no pescoço dele eu vou voar no pescoço dele COM CERTEZA. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária C, ensino fundamental). - 4 sílabas 102. você estuda quando quer... porque o professor vai te dar uma colinha. (Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino superior). - 5 sílabas 103. a educação sempre foi deficiente desde a antiguidade... porque a educação quer te ensinar o que não é próprio do teu meio ambiente. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária C, ensino superior). 108 Após montar os grupos de fatores e traçar as hipóteses, os dados foram codificados para serem, em seguida, quantificados por meio do instrumento computacional Goldvarb X. Desde que seja variável o fenômeno, esse programa permite alcançar, além da distribuição dos 29 dados em valores absolutos e percentuais, pesos relativos , obtidos através da ponderação em níveis escalares das variáveis independentes, verificando o efeito de cada uma sobre a variável dependente. Na presente pesquisa, o uso do programa Godvarb X permitiu verificar a distribuição geral de cada variante da variável dependente e a produtividade de cada uma segundo os contextos controlados. Ao passo que essa etapa matemática era cumprida, realizava-se a análise qualitativa, observando os dados e interpretando os valores obtidos. Os procedimentos executados, por ora descritos, viabilizaram os resultados que serão apresentados na seção 6.1, do próximo capítulo. 5.2. Tratamento fonético-fonológico O tratamento fonético-fonológico abarca três experimentos. É comum a eles o fato de o material para a análise ter sido gravado, utilizando o programa computacional Sound Forge, no laboratório de Fonética Acústica da UFRJ, que é acusticamente isolado. Para a constituição do corpus do experimento 1 e do corpus do experimento 2, foram gravados três homens30, cariocas, entre 20 e 30 anos. As frases produzidas para ambos os experimentos e algumas frases distratoras foram colocadas em uma ordem aleatória e, em seguida, gravadas por cada colaborador cinco vezes. Alguns cuidados foram tomados, a fim de garantir gravações de qualidade para a análise. Um deles diz respeito à naturalidade, especialmente na primeira gravação, que consistia no primeiro contato dos colaboradores com o texto. Em algumas frases, havia palavras com grandes chances de apresentarem monotongação ou alteamento; se essas regras variáveis nunca fossem aplicadas, suspeitava-se que a gravação era pouco natural, sendo então descartada. Atendendo a esse rigor, um dos colaboradores excepcionalmente gravou seis vezes; a primeira versão, avaliada como inadequada, não foi utilizada no estudo. 29 Esta função estatística, infelizmente, não foi utilizada na presente pesquisa, dada a pouca variabilidade da colocação pronominal em orações com complexo verbal (cf. item 6.1). 30 A utilização de voz masculina para a análise deveu-se ao fato de, nesse tipo de voz, os formantes serem mais nítidos e constantes que na voz feminina (cf. BEBER, 2009). 109 Além disso, a velocidade de fala também se mostrou uma característica importante. Um candidato a informante teve de ser dispensado por falar, no ato da gravação, bem mais rápido que fala habitualmente. Para a constituição dos corpora, foram consideradas três das cinco gravações de cada informante em condições satisfatórias para o estudo. Devido à ocorrência de apagamentos vocálicos, as duas últimas (gravações 4 e 5) foram utilizadas para preencher lacunas nos corpora, cuja estratificação será apresentada nas subseções 5.2.1 e 5.2.2. Nos experimentos 1 e 2, o material para análise permitiu a comparação entre pronomes átonos e sílabas átonas vocabulares. Se houvesse alguma diferença formal entre as estruturas contrastadas, seria em relação à vogal, o que ficará mais evidente na apresentação dos corpora. Em virtude disso, foram medidos, utilizando o programa computacional Praat, os parâmetros duração (em milissegundo), intensidade média 31 (em decibel), primeiro e segundo formantes (em Hertz) de cada vogal analisada. Vale ressaltar que foram considerados, no que toca à intensidade média, F1 e F2, os 50% centrais do segmento vocálico, descartando, portanto, os 25% iniciais e finais, correspondentes às extremidades sujeitas a alterações em função de coarticulação com som vizinho. Depois de feitas as medições, foram calculados a média e o desvio padrão entre os valores, utilizando a calculadora no modo estatística. Isso propiciou observar os resultados segundo a fala de cada informante e considerando a fala dos três indivíduos simultaneamente. Para a constituição do corpus do experimento 3, por outro lado, foi gravado um homem, carioca, entre 50 e 60 anos. Esse material serviu ao propósito de ressíntese de fala, cuja manipulação e utilidade serão descritas ainda neste capítulo. Por fim, a relevância dos resultados foi verificada mediante a função t.test do programa computacional para análise estatística R. Quanto mais próximo de 0 o índice de significância, mais relevante é a variação. Tendo-se estabelecido o limite aleatório de 0,05 para aferição da relevância estatística, entende-se que atestar diferenças até esse limite de significância denota que a interpretação é confiável, a variação é sistemática; valor de significância superior a esse índice sugere determinado grau de aleatoriedade dos resultados, de modo que a diferença detectada não teria relevância em termos estatísticos. Por meio desse programa, o confronto dos resultados foi feito sempre de forma binária. 31 Algumas limitações metodológicas dificultaram o controle da intensidade. Duas delas estão relacionadas à etapa de constituição dos corpora: (a) possibilidade de variação da distância entre o informante e o microfone, e (b) cansaço do indivíduo durante a leitura dos enunciados. Esses aspectos podem ter provocado a diminuição da força expiratória. 110 É oportuno, nesse momento, apresentar os métodos empregados em cada um dos experimentos, principalmente o conteúdo e a estratificação dos corpora. 5.2.1. Experimento 1 O primeiro experimento objetivou comparar sílabas clíticas (me, te e se) com sílabas vocabulares. A hipótese foi a de que esses clíticos se assemelhariam prosodicamente a sílabas pretônicas, especialmente quando a vogal se encontrasse alteada. Para tanto, foi constituído o corpus, contendo os clíticos me, te e se antes e depois de verbo, e vocábulos com sílaba átona a que eles poderiam equivaler do ponto de vista prosódico, conforme se verifica na figura 7. Figura 7: Vocábulos utilizados para as medições da sílaba clítica e da sílaba átona vocabular/lexical Me Pretônica com /E/ [me] [mi] medisse megera mexido menina [te] tequila teclado [ti] tesoura tesouro [se] [si] Pretônica com /i/ [mi] micose mitose Postônica com /I/ [m] salame perfume Palavras Te [ti] titio tigela [t] tomate tapete Palavras Se secura setenta Palavras seguido seguro [s] [si] cigarro cigarra chatice alface Clítico(s) [mi]/[m] me disse me gera me chifra me nina me cobre me toca calei-me lembrei-me [ti]/[t] te quica te cava te zomba te zoa te tiro te gela tomei-te domei-te [si]/[s] [si]/[s] refl./inerente indet./apass. se cuida se trata se trata se tenta se guia se guia se nina se nina se gaba se nada se cala se dava cortou-se pediu-se furou-se previu-se Como se pode observar na figura 7, os vocábulos escolhidos cumprem alguns requisitos essenciais para garantir a comparabilidade dos resultados. A estrutura das sílabas 111 pretônica e postônica deveria ser do tipo CV (consoante + vogal), bem como ocorre com as sílabas dos clíticos pronominais observados. A consoante deveria ser igual à do pronome; a vogal, no entanto, variava em função do tipo de sílaba (pretônica ou postônica) e das possibilidades de concretização vocálica que pudesse corresponder à do clítico – /E/ ([e] ou [i], normalmente) ou /i/ ([i]), no caso de pretônicas, e /I/ ([], normalmente) no caso de postônicas. Por ser variável o alteamento32, foram selecionadas palavras com propensão ao cumprimento dessa regra. A consoante anterior e posterior à vogal costuma interferir no alteamento, mas, como a consoante anterior à vogal deveria ser idêntica à do pronome, a escolha das palavras foi condicionada apenas pelo ponto de articulação da consoante seguinte (velar ou palatal) e pela presença de vogal alta na sílaba seguinte. Por fim, outros dois cuidados foram tomados para a escolha do repertório de palavras que compõem o corpus. Um deles diz respeito ao número de sílabas dos vocábulos, até mesmo aqueles formados por clítico e verbo. Em todos os casos, trata-se de trissílabos cuja tonicidade é paroxítona. Além disso, para cada categoria de sílaba átona vocabular, foram escolhidas duas palavras. A quantidade de construções com pronome, por outro lado, foi superior, a fim de contemplar estruturas parecidas com aquelas cuja sílaba átona seria analisada. Quando o pronome estava antes do verbo, houve o cuidado, por exemplo, de escolher uma forma verbal cuja sílaba inicial fosse semelhante à sílaba que sucede a sílaba pretônica que seria analisada (tigela e te gela). Cada palavra selecionada e cada construção com pronome se encontravam inseridas em uma frase padronizada (ele me disse secura de novo, ele me disse ‘te zoa’ de novo), o que propiciou um contorno melódico comum entre os enunciados e eliminou qualquer chance de as estruturas investigadas apresentarem evidências prosódicas de enunciado que finaliza uma construção, posição em que há nítido enfraquecimento articulatório, o que tornaria mais delicada a obtenção de valores relativos à intensidade e à estrutura formântica. Quando se tratava de clítico se, a frase foi contextualizada, a fim de que o informante tivesse noção do tipo de se que iria reproduzir, o qual poderia ser 32 Os fonemas /e/ e // encontram-se neutralizados em sílaba pretônica, resultando no arquifonema /E/, cujas formas de concretização são [] e [e]. Além disso, embora a oposição entre o fonema /i/ e o arquifonema /E/ não tenha sido neutralizada, ainda distinguindo significado (r/E/mar e r/i/mar), em certos vocábulos o fone [i] concretiza /E/. Dessa forma, podem ser formas variantes [], [e] e [i] neste tipo de sílaba. 112 reflexivo/inerente (Estou doente, mas não quero fazer o tratamento. Meu amigo sempre me liga e recomenda a mesma coisa. Hoje ele me ligou de novo. Ele me disse ‘se trata’ de novo) ou indeterminador/apassivador (Eu sempre pergunto se se trata de algo pessoal. Ele sempre me responde a mesma coisa. Hoje não foi diferente. Ele me fala ‘se trata’ de novo). A relação de todos os enunciados gravados para este experimento, bem como as frases distratoras, está exposta em anexo. Constituído o corpus e traçados o objetivo e a hipótese geral, os parâmetros acústicos da vogal de cada sílaba átona analisada foram medidos. Em seguida, os valores obtidos foram tratados estatisticamente, por meio do programa R, que informa a significância dos resultados quando comparadas duas categorias de sílaba. Desse modo, foi possível apresentar resultados que permitissem mostrar se os pronomes átonos brasileiros parecem realmente com uma sílaba pretônica, assumindo, portanto, comportamento proclítico. Ao final, a interpretação dos resultados permitiu as generalizações cabíveis, que serão apresentadas, juntamente com os resultados, na seção 6.2 deste trabalho. 5.2.2. Experimento 2 O segundo experimento objetivou investigar a ligação fonológica dos clíticos se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador quando estivessem entre dois verbos. A hipótese foi a de que o primeiro seria proclítico a V2, enquanto o outro seria enclítico a V1. Para testá-la, inicialmente se realizaram dois tipos de comparação: (i) entre pronomes, e (ii) entre pronomes e sílaba(s) pretônica(s) a que pudessem se assemelhar, o que revelaria se se tratava de um elemento proclítico. O corpus foi constituído como mostra o figura 833. 33 O objetivo inicial consistiu em pautar o experimento em estruturas foneticamente idênticas, a não ser pelas vogais consideradas. Quando não foi possível cumpri-lo, utilizaram-se construções análogas. 113 Figura 8: Paralelismo fonético entre estruturas com complexo verbal – comparação entre tipos de clítico se e entre clítico(s) e sílaba(s) pretônica(s) Você encontrará um atendente no balcão. Pode se dirigir tranquilamente até lá. Se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador É permitido por lei aqui no Rio. Pode se dirigir a 80 quilômetros na cidade. É tempo de ditadura. Pode seviciar porque é ditadura. Cuidado! Você está cheirando demais. Pode se viciar em drogas. Todos têm de estar atentos. Pode se viciar os garotos em drogas. Você está com medo. Pode segurar na minha mão. Você está no caminho certo. Pode se curar seguindo as recomendações. Clítico(s) se e sílaba(s) O médico pode ajudar. Pode se curar o menino com um bom tratamento. É preciso mudar de vez. Pode sitiar o governo em Brasília. pretônica(s) Você está incomodando. Pode se tirar daqui. O material já está disponível. Pode se tirar aqui. O paciente não tem cura. Pode sedar o paciente. Ainda não está claro. Pode citar outros exemplos. Você é muito esforçado. Pode se dar bem no trabalho. É dia de Cosme e Damião. Pode se dar doce ao menino. O corpus abarca frases, contextualizadas, contendo estruturas parecidas (nem sempre foi possível testar realizações idênticas em termos segmentais, como se desejava), todas com complexo verbal, que serviram de objeto para a análise. Inicialmente, por meio do par pode se dirigir (encaminhar-se) e pode se dirigir (conduzir), foram medidos e comparados os parâmetros acústicos da vogal dos clíticos se reflexivo/inerente e do se indeterminador. Ambos estavam inseridos entre dois verbos, que compõem complexos verbais foneticamente idênticos, os quais se diferenciam basicamente pelo sentido do verbo temático. A respeito dos demais dados do corpus, utilizando um procedimento adotado no experimento 1, efetuou-se, por meio deles, um confronto entre clítico e sílaba pretônica. Através do trio pode seviciar, pode se viciar (se reflexivo/inerente) e pode se viciar (se indeterminador/apassivador), houve uma comparação entre a sílaba pretônica se, de seviciar, e os clíticos se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador. O mesmo foi feito em relação ao trio pode segurar, pode se curar (se reflexivo/inerente) e pode se curar (se indeterminador/apassivador), apesar da diferença de sonoridade entre [g] e [k] em segurar e curar. O trio pode sitiar, pode se tirar (se reflexivo/inerente) e pode se tirar (se indeterminador/apassivador) também apresenta uma diferença formal – entre sitiar e tirar, um rótico no ataque da sílaba tônica de tirar estabelece a diferença. Apesar disso, a partir dessas cadeias fônicas, realizou-se um contraponto entre a sílaba pretônica si, de sitiar, e os pronomes se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador. 114 Por fim, o quarteto pode sedar, pode citar, pode se dar (se reflexivo/inerente) e pode se dar (se indeterminador/apassivador) permitiu confrontar simultaneamente as sílabas pretônicas se e ci, de sedar e citar respectivamente, e os clíticos se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador. O experimento 2 teve, portanto, a finalidade de analisar propriedades fonéticas de clíticos em contexto com complexo verbal – poder + infinitivo precisamente –, por ser uma estrutura que admite variação sintática de pronome átono, conforme será visto na análise variacionista. Embora o corpus tenha sido diferente daquele utilizado no experimento 1, o método de análise do experimento 2 foi semelhante ao empregado naquele, pois comparouse não só a vogal de clíticos entre si, mas também a vogal de clítico(s) com a vogal de sílaba(s) átona(s) vocabular(es). Estando os pronomes se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador na mesma posição sintática, entre V1 e V2, qual dos verbos seria o hospedeiro fonológico? O corpus do experimento 2 serviu ao propósito de averiguar essa questão. A hipótese foi a de que características sintáticas intrínsecas aos pronomes se refletiriam na ligação fonológica; por isso, os pronomes que servem à expressão de caráter indeterminador, mais gramaticais, seriam normalmente enclíticos a V1, enquanto o se reflexivo/inerente, de natureza argumental, seria proclítico a V2. 5.2.3. Experimento 3 O terceiro experimento consiste em uma análise da percepção da ligação fonológica. Para tanto, foi necessário modificar o enunciado gravado com a ressíntese de fala, seguida da elaboração e aplicação de dois testes de percepção auditiva a 20 juízes – falantes-ouvintes nativos e moradores do Rio de Janeiro, todos alunos da Pós-graduação da Faculdade de Letras/UFRJ. Considerando a frase pode se dirigir ao balcão do lado, alteraram-se os parâmetros duração e/ou intensidade da vogal do clítico, fazendo uso do programa computacional Sound Forge. Essas propriedades foram alteradas porque normalmente são responsáveis pelo acento em nível vocabular; então reduzi-las significaria tornar a sílaba mais débil. A redução podia ser “leve” ou “forte”. Concernente à duração, a redução “leve” correspondia à diminuição de 30% do comprimento de onda da vogal, enquanto a redução “forte” 115 correspondia à diminuição de 50%. No que diz respeito à intensidade média, a redução “leve” correspondia a menos 3 dB, enquanto a redução “forte”, a menos 6 dB. Com a experiência anterior, de medir a vogal de clíticos em contexto com complexo verbal, notou-se que, muitas vezes, a sílaba de do verbo auxiliar pode foi realizada como [d], uma africada resultante da queda da vogal [i] entre [d] e [s]. Nesses casos, a vogal parece ser ouvida, provavelmente em função da consoante africada, realizada na comunidade de fala somente quando o /d/ é seguido de /i/, mas não consta como um segmento ondulatório, conforme aparece ilustrado na figura 9. Figura 9: Apagamento vocálico na pronúncia da frase pode-se dirigir a 80 km na cidade pelo informante 1 Considerando o fragmento pode se dirigir, supôs-se que, quando o clítico é percebido como enclítico, não só ele é foneticamente débil, mas também a sílaba de de pode, que corresponderia a uma sílaba átona não-final. Por isso, na ressíntese de fala, foram alteradas as propriedades da vogal do clítico, da vogal de de e de ambas simultaneamente. Para isso, na frase em que as duas vogais seriam manipuladas, elas deveriam ter sido realizadas – motivo pelo qual foi efetuada uma gravação à parte daquelas referentes aos experimentos 1 e 2. Realizaram-se as modificações conforme mostra a figura 10. 116 Figura 10: Relação de modificações feitas na etapa de ressíntese de fala Vogal do de do verbo auxiliar pode Vogal do se refl./inerente Redução forte da intensidade (6 dB) Redução fraca da intensidade (3 dB) Redução forte da duração (50%) Redução fraca da duração (30%) Redução forte da duração (50%) + redução fraca da intensidade (3 dB) Redução forte da duração (50%) + redução forte da intensidade (6 dB) Redução fraca da duração (30%) + redução fraca da intensidade (3 dB) Redução fraca da duração (30%) + redução forte da intensidade (6 dB) Redução forte da intensidade (6 dB) Redução forte da intensidade (6 dB) Redução forte da duração (50%) Redução forte da intensidade (6 dB) Redução forte da duração (50%) Redução forte da duração (50%) Redução forte da intensidade (6 dB) Redução forte da duração (50%) Redução fraca da intensidade (3 dB) Redução fraca da intensidade (3 dB) Redução fraca da duração (30%) Redução fraca da duração (30%) Redução forte da intensidade (6 dB) Redução fraca da intensidade (3 dB) Redução forte da duração (50%) Redução fraca da duração (30%) Redução forte da duração (50%) + redução fraca da intensidade (3 dB) Redução forte da duração (50%) + redução forte da intensidade (6 dB) Redução fraca da duração (30%) + redução fraca da intensidade (3 dB) Redução fraca da duração (30%) + redução forte da intensidade (6 dB) Total de 22 enunciados alterados Apenas o fragmento pode se dirigir, extraído da frase pode se dirigir ao balcão do lado, foi ouvido pelos juízes-ouvintes. Os 22 enunciados alterados foram apresentados em ordem aleatória; a versão original foi posta no início e depois do décimo primeiro enunciado alterado. Duas outras versões originais (gravadas no laboratório pelo mesmo colaborador), as quais não serviram ao propósito de ser modificadas, também foram colocadas duas vezes para os juízes ouvirem; uma delas apresentava uma ligeira pausa entre o verbo pode e o clítico se. Os 20 juízes não tiveram acesso à organização das sentenças. Em cada teste, então, foram ouvidos 28 enunciados por um total de 20 pessoas. Antes de assinalar uma opção, cada juiz ouviu duas vezes o enunciado, fosse ele alterado ou original. Além de as pessoas indicarem qual ligação julgavam compatível com a frase ouvida [( ) pode-se dirigir (x) pode se-dirigir], deveriam, em uma outra audição das mesmas frases, indicar como completariam a frase [( ) a 80km na cidade ( ) ao balcão do lado], 117 demonstrando sua interpretação do enunciado a cada audição. Para que os resultados não fossem enviesados por conta de um efeito da ordem de realização dos dois testes, dez dos juízes ouviram todos os enunciados, cada um repetido uma vez, e marcaram a suposta direção da ligação fonológica; posteriormente, ouviram os mesmos novamente e tiveram de marcar um complemento. Os outros dez juízes fizeram o inverso, isto é, começaram pelo teste com as possibilidades de complemento e terminaram pelo da ligação fonológica. Uma cópia dos dois testes fornecidos aos juízes encontra-se em anexo. Por hipótese, em se tratando de se reflexivo/inerente, as frases originais seriam majoritariamente percebidas como ligação proclítica e o complemento seria “ao balcão do lado”, conforme foi gravado originalmente. Consoante o aumento da fragilidade da vogal do clítico e/ou de de, aumentaria a quantidade de julgamentos de clítico ligado ao primeiro verbo e do complemento “tranquilamente até lá”. O experimento 3 tratou de averiguar a intuição de usuários da língua a respeito da ligação fonológica dos clíticos pronominais e de sua relação com propriedades sintáticas desses mesmos pronomes. Deve-se sublinhar a relevância dessa etapa em função de a manipulação dos parâmetros acústicos permitir aferir, de forma empírica e inequívoca, as razões pelas quais se dá a alteração das opções quanto ao parâmetro de ligação fonológica. Esperava-se, inicialmente, que os resultados dos testes confirmassem o que havia sido observado por meio das ondas sonoras. Ademais, por hipótese, esperava-se que houvesse a identificação das reduções vocálicas do clítico e da sílaba final do verbo auxiliar como forte indicador de cliticização para a esquerda, configurando um caso de ênclise fonológica. Essa configuração acústica seria, ainda, compatível com a interpretação indeterminadora das construções com se, diferentemente da interpretação reflexiva, que configuraria um caso de próclise ao verbo temático. Com a interpretação desses resultados, encerrou-se o experimento 3. Após realizar cada um dos experimentos, foram reunidas as tendências observadas e, a partir disso, teceram-se as generalizações possíveis a respeito da ligação prototípica dos pronomes átonos brasileiros, especialmente quando eles se encontram no interior de um complexo verbal. Concernentemente ao conjunto de experimentos realizados, salienta-se que os objetivos e as hipóteses traçados orientaram a formulação dos corpora, que foram criteriosamente constituídos. Os resultados alcançados com a medição de parâmetros 118 acústicos, com a ressíntese de fala e com o tratamento matemático dado a eles serão expostos no próximo capítulo, na seção 6.2 deste trabalho. 119 6. ANÁLISE A análise da presente pesquisa desmembra-se em duas categorias: variacionista e fonético-fonológica; cada qual atendendo a uma especificidade do comportamento dos pronomes átonos. A primeira será apresentada na seção 6.1, ao passo que a segunda será apresentada logo em seguida, na seção 6.2. 6.1. Análise variacionista O comportamento da totalidade das ocorrências analisadas revela que a realidade atual da colocação pronominal na região metropolitana do Rio de Janeiro reflete, muito mais que a suposta variação estável, uma tendência à invariabilidade. Observando a tabela 3, que mostra a distribuição geral dos dados, nota-se a expressiva predominância da ordem intra-CV sobre as demais. Tabela 3: Índice geral de produtividade de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV Frequência Pré-CV 5/258 Intra-CV 247/258 Pós-CV 6/258 De outro modo, a proporção de cada variante no corpus em percentuais pode ser assim representada: Figura 11: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV 120 Surpreendente foi o índice de produtividade da variante intra-CV. De 258 ocorrências, apenas 11 não foram dessa variante. De acordo com as categorias de regras linguísticas propostas por Labov (2003), pode-se dizer que o fenômeno em pauta assumiu, na amostra analisada – com aproximadamente 96% de uma das formas controladas –, comportamento de uma regra semicategórica. Contudo, acredita-se que não se define efetivamente o tipo de regra em questão apenas com a distribuição geral dos dados, pois podem ter ocorrido poucas vezes as variantes pré e pós-CV, por exemplo, por falta de ambiente propício. Convém, antes de qualquer generalização, que os trabalhos sociolinguísticos observem minuciosamente a qualidade dos dados presentes no corpus e, ainda, quando possível, realizem uma análise probabilística. Cabe dizer que, devido ao baixo teor de variação, não se julgou apropriado desenvolver a análise a partir de valores probabilísticos (pesos relativos), de modo a estimar as chances de cada uma das formas alternantes ocorrer mediante a influência de um conjunto de fatores. A suposta relação de causa e efeito entre as variáveis independentes e a variável dependente foi analisada, então, apenas com base em duas estratégias: (i) na descrição das ocorrências em termos qualitativos; e (ii) na observação de frequências de cada variante. Ademais, sempre que possível, os resultados desta pesquisa foram associados àqueles revistos no capítulo 3, a fim de não só retratar a sistematicidade da colocação pronominal nos dias atuais, mas também presumir, se possível, a direção evolutiva do fenômeno. Nas décadas de 1980 e 1990, de acordo com Vieira (2002), a regra ainda se manifestava em amostras sociolinguísticas aparentemente de forma variável. A ordem intra-CV correspondeu a 90% do corpus, enquanto as ordens pré-CV e pós-CV corresponderam, respectivamente, a 7% e 3%. Considerando o período entre os séculos XVIII e XX, tomando por base a modalidade escrita da mesma variedade linguística, observamos, na revisão da literatura, que gradativamente a ordem pré-CV cedeu o posto de posição preferencial dos pronomes átonos para a ordem intra-CV. Dessa forma, o resultado geral da presente pesquisa, acrescido deste panorama, sugere que o fenômeno pode estar progredindo, de fato, em direção a uma invariabilidade; pode-se pensar, ao menos, sobre um processo de fixação, ao longo dos anos, de um padrão rígido de colocação pronominal, de modo que as três posições ocorreriam e assumiriam graus diferentes de produtividade, mas não configurariam formas realmente alternantes. 121 Em vez de explorar a alternância das variantes no corpus por variável independente controlada, devido ao número reduzido de ocorrências de clítico nas posições pré e pósCV, os dados referentes a essas duas formas serão apresentados e, depois disso, serão verificadas as circunstâncias mais diversas em que ocorreu a posição intra-CV, comparando-as com aquelas em que as outras variantes ocorreram34. Almeja-se, por meio desse modo de apresentação, inicialmente descrever o contexto estrutural e os aspectos sociais envolvendo a realização de cada forma supostamente alternante, para, ao final, fazer as possíveis interpretações. (i) A posição pré-complexo verbal Primeiramente, seguem os únicos cinco dados (2%) com clítico antes do complexo verbal: 104. e eu tive até uma atitude que não se deve ter né? (Nova Iguaçu, homem, faixa B, ensino fundamental). 105. então... eu acho que isso é vandalismo... que isso não se deve aprender dentro do colégio (Nova Iguaçu, homem, faixa A, ensino superior). 106. não se pode mais comparar o que era há vinte anos atrás (Nova Iguaçu, homem, faixa A, ensino superior). 107. então acho que ele é menor em função... das coisas que eu posso colocar ( ) que se pode colocar dentro de casa (Copacabana, mulher, faixa B, ensino superior). 108. isso nunca se vai saber (Copacabana, mulher, faixa C, ensino superior). Dentre as características sociais dos informantes que produziram essas cinco ocorrências, destaca-se o grau de escolaridade do indivíduo entrevistado. A variante préCV foi produzida quase exclusivamente por indivíduos com ensino superior (4/5). Observou-se, por outro lado, uma distribuição equilibrada dessa variante entre a fala de homens (3/5) e mulheres (2/5), bem como entre as faixas etárias [A (2/5), B (2/5) e C (1/5)] e entre as localidades [Copacabana (2/5) e Nova Iguaçu (3/5)]. 34 Assume-se, aqui, que essa decisão metodológica quanto à forma de apresentação dos resultados – que acaba por fazer o leitor evocar à memória diversas vezes os grupos de fatores controlados – é mais adequada à realidade evidenciada no próprio material estudado. Apesar de todo o trabalho prático que foi empreendido no tratamento de cada ocorrência segundo grupos de fatores linguísticos e extralinguísticos, conforme se explicitou na metodologia, não se verificou efetivamente a atuação de variáveis independentes sobre uma regra variável; antes, o material permitiu visualizar três formas de colocação, que aparecem em contextos estruturais específicos. Entende-se que a apresentação dos resultados pelas supostas variáveis independentes seria contraprodutivo no sentido de fazer crer que se estaria diante de um fenômeno verdadeiramente variável. 122 Em todos os cinco enunciados, o clítico que precedeu o complexo verbal foi do tipo se indeterminador/apassivador (5/5)35. Quanto ao tipo de complexo verbal, todos com V2 no infinitivo, quatro são formados por V1 modal [dever + infinitivo (2/5) e poder + infinitivo (2/5)]; o outro (ex. 108) corresponde a um tempo composto, formado por ir + infinitivo (1/5). Apenas em uma das ocorrências (ex. 106) se encontrou elemento interveniente no complexo verbal, o advérbio mais (1/5); desse modo, ao que parece, sua presença não impede que o pronome se em questão fique adjacente a V1. A respeito do contexto morfossintático antecedente, houve, quase sempre, imediatamente antes do pronome, uma partícula de negação (4/5); quando não havia essa partícula (ex. 107), deu-se a presença de um pronome relativo que (1/5). Ambos os ambientes correspondem à expectativa de atração pronominal, recomendada em manuais prescritivos. Sobre a forma de V1, em todos os casos, o verbo se encontrava no presente do indicativo. A tonicidade de quatro das formas auxiliares era paroxítona; apenas uma forma verbal (vai) fugiu a esse padrão acentual, por ser um monossílabo tônico (ex. 108). Quanto à forma de V2, em todos os casos, o verbo encontrava-se no infinitivo, o que lhe assegurava tonicidade oxítona. Todas essas características dos enunciados e de quem os produziu, acompanhadas dos índices de produtividade, ainda que muito baixos, vão ao encontro, de modo geral, do que era esperado para os dados em que o clítico antecedesse o complexo verbal. Com exceção da tonicidade das formas verbais – supôs-se, inicialmente, que V1 paroxítono seria favorável à ordem intra-CV, enquanto V2 oxítono favoreceria a posposição do pronome –, todas as outras variáveis independentes, no que toca à variante pré-CV, comportaram-se conforme a expectativa inicial. De acordo com a descrição dos dados ora apresentada, o acesso do informante a alto nível de escolaridade, como é o ensino superior, a construção indeterminadora com se, o complexo verbal formado por poder ou dever + infinitivo, a ausência de elemento 35 Todas as ocorrências de pronome se utilizado como estratégia de indeterminação do agente encontradas no corpus envolvem, em termos de predicação básica, verbo transitivo direto, o que, de acordo com a abordagem tradicional, coloca o pronome na categoria de apassivador. Nesta pesquisa, conforme se esclareceu na metodologia, a possibilidade de ocorrer se apassivador e se indeterminador foi controlada separadamente a princípio; ao longo do trabalho, não se mostrou produtivo distinguir as duas classificações, o que não se configurou um problema, pois as estruturas atendem ao mesmo propósito, diferenciando-se apenas pela transitividade do verbo em questão. 123 interveniente e a presença de uma partícula negativa no contexto antecedente ao complexo constituíram contextos que tornam possível a posição pré-CV. Quando forem comparados esses fatores aos que se mostraram frequentes nos enunciados com as demais variantes, será possível inferir o que foi determinante para a realização de cada uma. De antemão, pode-se dizer que as circunstâncias descritas envolvendo se indeterminador/apassivador, presença de partícula negativa ou de pronome relativo e complexo verbal com auxiliar modal confirmam a tendência de anteposição do pronome átono apresentada nos trabalhos sincrônicos referidos na seção 3.2.2.1.2. No que toca ao contexto morfossintático antecedente, os resultados coincidiram também com o que é descrito em Perini (2007 [1995)]), para a escrita brasileira, e prescrito nas três gramáticas normativas consultadas, justificando, neste caso, o fato de a variável ‘escolaridade’ ter se mostrado importante na presente pesquisa e em Vieira (2002). (ii) A posição pós-complexo verbal Antes de detalhar as características dos dados em que o pronome se encontra depois do complexo verbal, estão expostas, a seguir, as seis sentenças com essa configuração encontradas no corpus: 109. ele ia encontrar lá um mais velho que ia orientá-lo ia ensinar etc (Nova Iguaçu, homem, faixa C, ensino superior). 110. você não pode deixá-los até as tantas porque eles tão correndo risco (Nova Iguaçu, mulher, faixa B, ensino superior). 111. eu precisei de um favor dele aí eu passei a conhecê-lo... aí ficou meu amigo (Copacabana, mulher, faixa B, ensino médio). 112. nós fomos visitá-lo umas três três vezes (Copacabana, homem, faixa C, ensino superior). 113. e nós (diríamos) que quem devia julgá-lo seriam oficiais (Copacabana, homem, faixa C, ensino superior). 114. até que eu consegui levá-la pra lá (Copacabana, homem, faixa C, ensino superior). Dentre as variáveis sociais relativas aos informantes, foi na escolaridade novamente que se obteve maior regularidade quanto aos exemplos destacados. A forma pós-CV foi produzida fundamentalmente por indivíduos com ensino superior (5/6), tendo sido registrada apenas uma ocorrência (ex. 111) enunciada por informante com ensino médio 124 (1/6). Falantes com ensino fundamental não concretizaram qualquer construção dessa natureza. A diferença entre a frequência dos fatores das outras variáveis sociais não supera duas ocorrências. Ainda assim, pode-se dizer que pessoas de Copacabana realizaram mais essa forma que aquelas de Nova Iguaçu [Copacabana (4/6) e Nova Iguaçu (2/6)]; homens mais que mulheres [(4/6) e (2/6), respectivamente]. Os falantes mais idosos também a produziram mais que os da faixa intermediária [C (4/6) e B (2/6)]; não se registrou essa variante na fala dos indivíduos da faixa A. Do ponto de vista linguístico, há que se ressaltar que foi categórico, nessa posição, o tipo de clítico acusativo de terceira pessoa seguido de forma verbal infinitiva (6/6). Quanto ao tipo de complexo verbal, registraram-se ir + infinitivo (2/6), poder + infinitivo (1/6), passar + a + infinitivo (1/6), dever + infinitivo (1/6) e conseguir + infinitivo (1/6). Nota-se que, assim como em enunciados com a variante pré-CV, aconteceu posposição do pronome em complexo com V1 modal. Em virtude disso, mais relevante que a natureza dos verbos é a tipologia pronominal, pois consistiu em um aspecto que diferenciou os enunciados na ordem pós-CV daqueles na pré-CV. Em um dos enunciados com ordem pós-CV (ex. 111), foi constatada a presença de um elemento interveniente no complexo verbal: a preposição a (1/6). Nos outros cinco, não ocorreu qualquer sintagma, preposição ou conector no interior do complexo verbal (5/6). Sobre o contexto morfossintático antecedente, verificou-se a presença de diversos elementos: um pronome relativo que (ex. 109), uma partícula de negação (ex. 110), um elemento com valor circunstancial, aí, seguido de pronome pessoal (ex. 111), apenas o pronome pessoal na função de sujeito (ex. 112), uma conjunção integrante que seguida de pronome indefinido quem (ex. 113), e, por fim, uma locução conjuntiva, até que, seguida de pronome pessoal eu (ex. 114). A diversidade de elementos e a distribuição equilibrada pelos contextos ora descritos – além da predominância da variante intra-CV no corpus como um todo – são suficientes para assegurar que, na amostra, não atua efetivamente um mecanismo de atração do pronome. Novamente reforçando a hipótese de relevância da tipologia pronominal, constatase que, mesmo se tratando de indivíduo com ensino superior e de frase com a presença de não no contexto antecedente ao verbo auxiliar poder, o clítico sucedeu a segunda forma verbal. Em outras palavras, a co-atuação desses fatores que estimulariam, teoricamente, a 125 ida do pronome para a posição pré-CV não foi mais forte que a atuação do tipo de clítico (acusativo de terceira pessoa) para a colocação pronominal depois dos verbos. Referentemente a V1, constataram-se as seguintes formas: pretérito imperfeito do indicativo (2/6), pretérito perfeito do indicativo (3/6) e presente do indicativo (1/6). Como se pode observar, todas as formas verbais estavam flexionadas em tempos do modo indicativo, expressando a maioria (5/6) um tempo pretérito – exceto no exemplo 110. Do ponto de vista acentual, a maioria apresentou tonicidade paroxítona (4/6), mas também ocorreu V1 com tonicidade oxítona (2/6), caso dos exemplos 111 e 114; não se encontrou qualquer proparoxítona. Quanto a V2, todos estavam na forma infinitiva (6/6), cuja tonicidade é necessariamente oxítona. A esse respeito, Galves & Abaurre (1996) associa a colocação pós-verbal a uma adaptação rítmica: o pronome incorporado encliticamente a um verbo com esse padrão acentual propiciaria uma grade métrica que é prototípica da variedade brasileira, o troqueu. Além disso, quando um pronome do tipo acusativo de terceira pessoa (o, os, a, as) é agregado de forma enclítica a um verbo no infinitivo, visto que este termina em -r, ele assume uma forma com ataque silábico preenchido (-lo, -los, -la, -las). Como essa construção silábica, com ataque simples, é bastante produtiva em Português, acredita-se que tanto a tonicidade do verbo quanto essa adaptação fonética em termos de padrão silábico podem contribuir para a realização pós-CV do clítico. Dessa forma, a morfologia, através do infinitivo, juntamente com a fonética, através do acento e do ajuste sofrido pelo pronome átono, parecem somar-se a favor dessa variante. A porção do corpus referente à variante pós-CV é superior, em apenas um dado, àquela relativa à pré-CV – seis dados com a ordem pós-CV e cinco, com a pré-CV. Na amostra analisada na presente pesquisa, o registro dessas duas posições está praticamente empatado, sendo ambas raras. Nos registros de Vieira (2002), a ordem pré-CV foi a segunda mais produtiva (7% dos dados), com 4% de diferença a mais em relação a menos produtiva, a pós-CV (com 3% dos dados). Comparando-se os dados de Vieira (2002) aos da presente pesquisa, detectou-se uma redução no uso da ordem pré-CV e o baixo índice de realização da ordem pós-CV. De acordo com o que sugerem diversos trabalhos e com o que confirmam os resultados de Rodrigues-Coelho (2011), cuja pesquisa está baseada em redações escolares, os clíticos acusativos de terceira pessoa são aprendidos na escola; por isso, quem é 126 instruído formalmente teria mais chance de realizar essa forma. Esse tipo de clítico não faria parte do vernáculo brasileiro ou, na perspectiva aquisicionista formalista, não integraria a gramática nuclear dos brasileiros, depreensível na fase de aquisição da linguagem (cf. KATO, 2005). Isso está plenamente de acordo com o fato de que, na presente pesquisa, a forma pronominal o, a (s) ocorreu exclusivamente na posição pós-CV e basicamente na fala de indivíduos com nível superior. Se, por um lado, o ensino exerce papel fundamental na introdução dessa forma pronominal, por outro, o uso decorrente desse processo de aprendizagem, especialmente no que se refere à ordem, não confere exatamente com o que propõem as gramáticas normativas. Conforme suas recomendações, diante de pronome relativo que, partícula de negação, sintagma adverbial com valor circunstancial e/ou conjunção integrante que – “atratores” encontrados em enunciados com a variante pós-CV –, o pronome deve ser proclítico; então, teoricamente não deve ser enclítico ao segundo verbo. No entanto, quando V2 se encontra no infinitivo, ainda que a sentença apresente uma palavra atratora, foi facultada a posposição do pronome nos dados com pós-CV registrados no corpus. Ao que parece, bem como foi mostrado em Peterson (2010), Rodrigues-Coellho (2011) e Vieira (2002), a ordem pós-CV normalmente ocorre quando se trata de clítico acusativo de terceira pessoa sucedendo V2 no infinitivo. Essa tendência – muito expressiva na modalidade escrita – tem sido atestada também na língua oral, embora com baixa produtividade, na presença ou não do conjunto de fatores que favorecem as demais posições. Descritos os dados de clíticos na ordem pré e pós-CV, vejamos, enfim, como são aqueles que contêm a variante dominante no corpus – a posição intra-CV. Faz-se necessário, então, aferir o seguinte: de fato, essa posição é comum aos falantes das duas comunidades de fala observadas ou não houve, nesses casos, condições favoráveis à realização das outras variantes? Para tratar dessa questão, os dados com a ordem intra-CV serão não só descritos, mas também comparados àqueles com as demais posições, a fim de verificar (i) se alguma característica foi exclusiva aos dados que apresentaram a ordem intra-CV, (ii) o que foi comum entre variantes e (iii) o que foi fundamental para a realização das ordens pré e pós-CV. 127 (iii) A posição intra-complexo verbal: descrição e confronto com as demais posições (a) ‘Localidade’ Observando inicialmente a produtividade das variantes por localidade, as proporções revelam a predominância da posição intra-CV tanto em Copacabana quanto em Nova Iguaçu. Essa variante corresponde a mais de 90% dos dados nas duas amostras. As outras variantes também são produtivas nas duas regiões, mas cada uma delas não atinge 5%. O baixo teor da suposta variação pode ser mais bem visualizado através da figura 12. Figura 12: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV na fala de indivíduos de Copacabana e de Nova Iguaçu A distribuição dos dados por comunidade de fala mostra que o comportamento dos pronomes átonos é relativamente uniforme. Registraram-se 94% das ocorrências da variante intra-CV em Copacabana; com 3% a mais, em Nova Iguaçu, foram registrados 97% dessa mesma forma. A quantidade de ocorrências de pré-CV manteve-se constante, com 2% de produtividade. A ordem pós-CV, a segunda variante mais registrada em Copacabana, com apenas 4%, correspondeu à estrutura menos recorrente em Nova Iguaçu, atingindo apenas 1%. Diante desse panorama, em que se observaram diferenças entre as localidades que não ultrapassam 3%, a regularidade dos resultados até então descritos sugere que ambas as regiões se comportam, no que se refere à ordem dos clíticos em complexos verbais, como uma mesma comunidade de fala. A discreta diferença referente à concretização da variante pós-CV, de apenas 3%, relaciona-se, conforme já se esclareceu, ao uso do clítico acusativo o/a (s). Se, de algum 128 modo, a região interfere, pode-se supor que, em Copacabana, haveria maior variação no uso das formas pronominais flagrantemente em desuso na variedade brasileira do Português, tendo em vista que essa localidade contempla um público diferenciado, pois integra uma região nobre do Rio de Janeiro (zona sul), que é socioculturalmente desenvolvida e prestigiada, conforme já se detalhou neste trabalho. (b) ‘Sexo’ A organização dos dados em relação à variável ‘sexo’ não foi muito diferente do que se viu anteriormente. A preferência de homens e mulheres foi radicalmente pela ordem intra-CV, ainda que as demais variantes tenham sido registradas nos dois grupos. Figura 13: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV na fala de indivíduos de homens e mulheres Em alguns estudos, essa variável já se revelou importante porque os homens ou as mulheres podem estimular ou retrair um processo de mudança linguística. Como tendência geral, os estudos sociolinguísticos costumam testar a hipótese laboviana de que as mulheres seriam inovadoras na implementação de mudanças linguísticas quando essas mudanças não desrespeitam a norma efetivamente prestigiada socialmente. Diante de uma iminente mudança completa no padrão de ordem dos clíticos pronominais, não se pode deixar de supor que esse aspecto social esteja, em alguma medida, relacionado ao fenômeno. Contudo, se se observar a figura 13, infere-se que os dois grupos de informantes partilham a tendência à aplicação semicategórica da posição intra-CV. Assim, pode-se pensar que, na sincronia atual, ser homem ou ser mulher não implica aumentar ou diminuir, de forma relevante, as chances de uma ou outra variante ser realizada. 129 Observando detalhadamente os resultados, verifica-se que a ordem intra-CV correspondeu a 98% dos dados na fala feminina, 4% a mais que o registrado na fala masculina. As ordens pré e pós-CV apresentam-se de forma equilibrada na fala dos informantes de cada um dos sexos; cada forma equivaleu a 3% na fala masculina e 1%, na feminina. Novamente a suposta variação é muito pouco expressiva, principalmente dentre as mulheres. O comportamento feminino, de forma ainda mais nítida do que o masculino, confirma a completude da mudança da ordem dos clíticos, cuja ordem preferencial já se encontra certamente aceita, sem qualquer julgamento desprestigioso. (c) ‘Escolaridade’ Nem todas as variáveis independentes sociais se mostraram efetivamente imparciais. Ao descrevermos os poucos dados das variantes pré-CV e pós-CV no início desta análise, a escolaridade pareceu relevante. Nesse momento, um contraste entre as três variantes e os níveis de instrução controlados possibilita uma observação mais detalhada da participação da escola na manutenção da variabilidade na colocação pronominal; por isso, vejamos a figura 14. Figura 14: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV na fala de indivíduos com diferentes graus de escolaridade Na fala de indivíduos com ensino fundamental e médio, foi praticamente categórica a realização da ordem intra-CV. Em ambos os casos, essa posição atingiu 99%. Considerando a amostra de indivíduos com ensino fundamental, apenas 1% dos dados, referente a apenas uma ocorrência, correspondeu à variante pré-CV; a produção da ordem pós-CV foi nula. No conjunto relativo ao ensino médio, em contrapartida, não se registrou 130 pronome antes do complexo verbal, mas registrou-se 1% da variante pós-CV, que se refere também a apenas uma ocorrência. Assim sendo, tivesse a pessoa um ou outro nível de instrução, o comportamento sintático da ordem dos pronomes átonos não muda significativamente, com realização quase exclusiva da posição intra-CV. Variação expressiva, entretanto, envolveu o grupo de dados produzidos por informantes com ensino superior. Dos onze dados, no corpus, das posições diferentes da ordem intra-CV, nove pertencem ao grupo de pessoas que cursaram o terceiro grau. As três posições quanto à colocação pronominal constituem formas, embora não restritas à fala dessas pessoas, muito mais frequentes nela. Sabe-se que o grupo dos informantes altamente escolarizados costuma ter por prioridade o domínio de uma norma culta idealizada, cujo perfil sofre certa influência dos modelos propostos nas gramáticas normativas e divulgados em meios letrados. A aprendizagem desses modelos36 indiretamente nutre a variação da colocação pronominal especificamente no grupo de falantes com alta escolaridade. Quanto maior o contato com a educação formal e com meios letrados, maior o domínio das estruturas recomendadas na tradição gramatical; desse modo, pode-se afirmar que pertencem à norma culta de uso, ainda que de forma pouco expressiva, as ordens pré e pósCV, posições que não seriam adquiridas naturalmente, como ocorre com a intra-CV, nas duas comunidades de fala investigadas. Kato (2005) mostra que, por via do letramento, o indivíduo recupera usos gramaticais pertinentes a sincronias passadas ou a outras variedades do Português. De acordo com o aporte teórico formalista de que se vale o referido trabalho, a gramática nuclear, definida na fase de aquisição da língua materna (até cerca de cinco anos de idade), conviveria com uma gramática periférica (“periferia estendida”), cujo conteúdo seria assimilado através do processo de ensino-aprendizagem. No caso dos pronomes átonos na variedade brasileira, fariam parte da gramática periférica, pelo que demonstram os estudos variacionistas, os clíticos acusativos de terceira pessoa e se indeterminador/apassivador. Como mostra Rodrigues-Coelho (2011), em estudo com redações escolares, essas formas entram no repertório linguístico ao mesmo tempo em que é aprendida a ordem em que supostamente deveriam ocorrer. Por isso, no 36 Nesse momento, considera-se o aprendizado das regras prescritas pelas gramáticas normativas por meio da educação formal, mas parte-se da premissa de que esse aprendizado não se limita à fonte escolar. Há por detrás uma dinâmica linguística e outras fontes de contato com esse padrão, como jornais, que muitas vezes ajudam a propagá-lo. Em virtude dessa dinâmica, o que é aprendido formalmente nem sempre é usado na fala cotidiana; por isso, a norma culta – conjunto de regras efetivamente utilizado por falantes escolarizados, normalmente pertencente à elite urbana – não coincide sempre com o chamado padrão culto idealizado. 131 que toca à colocação pronominal em complexos verbais, os falantes com ensino superior seriam mais propensos a realizar as estruturas pré e pós-CV. (d) ‘Faixa etária’ A atuação da variável ‘faixa etária’, embora por meio de índices menos expressivos que os registrados para a ‘escolaridade’, também, não parece imparcial no que se refere ao comportamento da ordem dos clíticos em complexos verbais. Ainda que a produtividade da variante intra-CV prevaleça nas três faixas, o índice diminui ligeiramente em função da idade das pessoas, gerando um comportamento que ainda poderia ser considerado em alguma medida variável. Figura 15: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV na fala de indivíduos em diferentes faixas etárias Na faixa A, alternam somente as estruturas pré e intra-CV. Na faixa B, a produtividade dessas duas construções diminui em 1%, dando vez aos dados com a ordem pós-CV, cuja quantidade é 2%, a mesma dos dados com a ordem pré-CV. Da faixa B para a C, o índice das variantes pré e intra-CV reduz outra vez, 3% e 1% respectivamente, enquanto o da pós-CV aumenta, atingindo seu pico de 6%. Embora a produtividade da posição intra-CV tenha oscilado, ela foi dominante na fala de todos os indivíduos, independentemente de sua idade. Os traçados das variantes pré-CV e pós-CV encontram-se muito distantes daquele referente à variante intra-CV. Entre as três épocas que cada faixa etária representa, não se nota mudança de preferência geral pela ordem intra-CV; nota-se, entretanto, que, da faixa A para a C, houve uma inversão da preferência no que se refere às variantes pré e pós-CV, visto que, enquanto na 132 fala dos informantes mais jovens não se verifica qualquer ocorrência da ênclise ao complexo verbal, na faixa C a variante pós-CV se torna a segunda estrutura mais realizada, em 6% dos dados. A distribuição dos dados indica, de modo geral, que, embora as formas pré e pósCV sejam pouco recorrentes em qualquer idade, os idosos usam menos (93%) a forma tida como mais inovadora, a intra-CV, e registram mais (6%) a forma mais tradicional, a pósCV. Além disso, a postura conservadora dos idosos revela-se pelo tipo de pronome que nessa posição ocorreu [o/a(s)], o qual, segundo pesquisadores como Kato (2005), não é mais adquirido na primeira infância, quando é formada a gramática nuclear, a vernacular por assim dizer. Somente com esses resultados – cuja oscilação não ultrapassa a marca de seis pontos percentuais, no caso da ordem pós-CV –, não é possível fazer generalizações seguras a respeito de o fenômeno configurar variação estável ou mudança em progresso. É oportuno, no entanto, trazer à reflexão o resultado de Vieira (2002) de que a colocação pronominal, embora já demonstrasse opção preferencial compatível com a verificada na presente pesquisa, se comportava como uma regra variável na ordem de cerca de 10% dos dados. Tendo o referido estudo se baseado na fala fluminense e em variáveis independentes parecidas, é possível comparar seus resultados gerais com os da presente pesquisa, os quais revelaram inicialmente que a ordem dos clíticos pronominais se comporta, nos dias atuais, como uma regra semicategórica. Com isso, fica estabelecida uma breve comparação entre sincronias. A distinção entre regra variável e regra semicategórica, feita por Labov (2003), é estabelecida, grosso modo, pela frequência das supostas formas alternantes da variável dependente. Entretanto, acredita-se que, associado ao aspecto quantitativo, deve estar o aspecto qualitativo, isto é, o que está por detrás do fato de uma forma ter ocorrido entre 5% e 95% dos casos (índices variáveis) ou entre 95% e 99% (índices semicategóricos). Do ponto de vista quantitativo, o contraste entre sincronias constatou uma redução do teor supostamente variável, a ponto de mudar o fenômeno de categoria. Ao longo dos anos, ele passou, em termos de produtividade, de variável a semicategórico, pois, no corpus das décadas de 1980 e 1990, a ordem intra-CV correspondia a 90% das ocorrências, enquanto, no corpus atual, corresponde a 96%. Do ponto de vista qualitativo, os resultados até então apresentados corroboram essa categorização. Uma vez que as ordens pré e pós-CV ocorrem basicamente na fala de 133 indivíduos com elevado grau de escolarização, sobretudo, com mais de 56 anos, acredita-se que, de fato, atualmente o fenômeno obedece a uma regra semicategórica. O uso das três variantes integraria provavelmente, ainda que de forma pouco expressiva, a fala das pessoas mais idosas, mas, nos dias atuais, a realização (rara) das três formas na comunidade de fala como um todo estaria intimamente relacionada, em termos extralinguísticos, principalmente à atuação da escola e, em segundo plano, à idade dos informantes. Do exposto até aqui, as informações por ora reunidas conduzem à projeção de que uma mudança completa no vernáculo brasileiro já se processou, havendo apenas, por força da atuação de modelos idealizados de comportamento linguístico, sobrevivência de algumas estruturas, cujo perfil será, a seguir, descrito a partir do comportamento das variáveis linguísticas controladas na presente pesquisa. Cabe apresentar, então, os contextos linguísticos em que se registrou a ordem intraCV, para assim verificar as singularidades que, de fato, foram determinantes para que ocorressem os poucos dados de pré e pós-CV. (e) ‘Presença ou ausência de elemento interveniente’ (preposição, conector ou sintagma) O primeiro grupo de fatores a comentar refere-se à presença ou à ausência de elemento interveniente – preposição, conector ou algum sintagma que não fosse clítico pronominal (até, quase, nem, eh, mais, sempre). 115. o povo passou a se aperfeiçoar mais (Nova Iguaçu, mulher, faixa A, ensino superior). 116. então assim se você bater o pé ele tem que te atender (Copacabana, homem, faixa B, ensino médio). 117. eu achava irritante e eles também assim até pelo fato deles tarem sempre me sacaneando mesmo por causa do meu sotaque (Copacabana, mulher, faixa A, ensino médio). 118. vou te dar um exemplo (Nova Iguaçu, homem, faixa C, ensino superior). A maioria dos dados do corpus, 87%, não contém elemento interveniente no complexo verbal, como ilustra o exemplo 118. Os 13% restantes distribuem-se entre 7% de complexo com conector que (ex. 116) na sua formação, 2% com preposição a (ex. 115), e 4% são intermediados por um sintagma de outra natureza (ex. 117). 134 Em todos esses ambientes, a variante intra-CV prevaleceu. Quanto à maioria dos dados registrados, que não possui elemento interveniente, pôde-se observar alternância entre as três variantes. Os 87% de dados sem elemento interveniente correspondem a 2% do pronome depois do complexo verbal (ia orientá-lo), 2% de pronome antes dele ([não] se deve ter) e 83% de pronome entre os dois verbos (vou te dar). Quando havia algum elemento no interior do complexo, a ordem intra-CV ainda foi a mais produtiva. Quando o elemento correspondia a um que, o pronome categoricamente se encontrava na posição intra-CV (tem que te atender). Quando se tratava da presença da preposição a, em 17% dos dados, o que corresponde a somente um dado, o pronome ocupou a posição pós-CV (passei a conhecê-lo); em 83%, nos cinco demais dados desse tipo, ele localizou-se na posição intra-CV (começou a se meter). Quando havia, no interior do complexo verbal, outro tipo de elemento, como um advérbio, ocorreu em apenas um dado (11% dos casos) a anteposição do pronome ao complexo verbal ([não] se pode mais comparar); nos outros oito dados desse tipo (89% dos casos), o pronome ocupou a posição intra-CV ([pelo fato deles] tarem sempre me sacaneando). Assim sendo, o pronome foi mais frequente nas posições pré e pós-CV quando não havia elemento interveniente, sugerindo que este não deve facilitar a realização dessas duas variantes. O pronome na posição intra-CV, por outro lado, foi a estrutura mais produtiva independentemente de ter ocorrido ou não algum elemento no interior do complexo verbal, reforçando a hipótese de que essa variante seria uma forma não-marcada, pois é altamente frequente em diversas construções. Na presença de elemento interveniente, conforme já se apresentou no presente trabalho, a variante intra-CV pode ser considerada enclítica à primeira forma verbal, V1-Cl V2, ou proclítica à segunda forma verbal, V1 Cl V2. Observando essas duas opções, associadas às demais, Cl V1 V2 e V1 V2-Cl, seria possível verificar se se trata realmente de uma regra variável. Com base nos dados com elemento interveniente, os pronomes me, te e se reflexivo/inerente ocorreram na posição posterior a tal elemento, V1 x Cl V2 (ex. 115, 116, 117), mas não ocorreram em outra posição. Esses dados reforçam a proposta de que esses pronomes se ligam procliticamente a V2, contradizendo a recomendação gramatical de ênclise a V1 quando o pronome está na posição intra-CV. A respeito dos clíticos acusativos de terceira pessoa [o/a(s)], eles ocorreram exclusivamente na posição enclítica ao verbo principal, V1 x V2-Cl (passei a conhecê-lo). Por outro lado, o pronome se indeterminador/apassivador, que ocorreu na posição anterior 135 ao complexo verbal, Cl V1 x V2 ([não] se pode mais comparar), foi o único a ocupar também outra posição, intra-CV, mas em dados sem elemento interveniente, o que não possibilitou assegurar se ele se liga de forma enclítica a V1 ou proclítica a V2. Estruturas como pode-se até tentar, pode-se sempre confiar num especialista e pode-se sempre precisar de gente, não contempladas no corpus, permitiriam atestar que, na posição intra-CV, o pronome átono se liga encliticamente a V1. Casos como esses fariam supor que não seria a opção natural, não-marcada, na variedade brasileira, a realização com esse pronome após o elemento interveniente, adjacente a V2, como em pode sempre se precisar de gente. Como bem salienta Vieira (no prelo), tratar da temática colocação pronominal, especialmente em ambiente com complexo verbal, não consiste em uma tarefa simples, a começar pela definição da variável dependente, a princípio, eneária. Um fenômeno que dialoga com vários níveis da gramática não pode prescindir de, além de uma execução rigorosa dos procedimentos, um olhar objetivo no tratamento variacionista, que busque separar os contextos de aplicação de cada suposta variante detalhadamente. Levando isso em consideração e refletindo sobre o que os dados com elemento interveniente revelaram, infere-se que a expressão da variável dependente, no caso da amostra estudada, deve ser, na verdade, binária, cuja alternância seria entre pronome se indeterminador/apassivador antes ou depois de V1; isto se, em posição intra-CV, ele for enclítico a V1, o que não foi possível verificar com base no corpus da análise variacionista. Em síntese, os dados com elemento interveniente mostraram que os clíticos me, te e se reflexivo/inerente se localizam antes do verbo temático, em próclise a V2. Clíticos acusativos de terceira pessoa, por outro lado, revelaram-se enclíticos a V2. A análise, entretanto, não permitiu averiguar, lamentavelmente, a hipótese de que o pronome se indeterminador/apassivador, em intra-CV, estaria sempre adjacente a V1, verbo a que ele se liga sintaticamente. Na presente pesquisa, essa suposta diferença de comportamento entre o se indeterminador/apassivador e o se reflexivo/inerente também foi estudada na análise fonético-fonológica, a ser apresentada na seção 6.2, de modo a verificar se os padrões de ligação distinguiriam tais estruturas. (f) ‘Tipo de clítico’ No que toca ao tipo de clítico, quando se trata da variante pré-CV, o se indeterminador/apassivador se destaca; quando se trata de pós-CV, estão envolvidos os 136 acusativos de terceira pessoa [o/a(s)]. No corpus, não só esses pronomes, mas também me, te, se reflexivo/inerente e nos foram encontrados. A frequência de cada um dos pronomes encontrados foi a seguinte: me (34%), te (20%), se reflexivo/inerente (40%), se indeterminador/apassivador (3%), o/a(s) (2%) e nos (1%). Nota-se que não se registrou qualquer enunciado com os tipos vos e lhe(s) envolvendo complexos verbais. Eles, na verdade, em conjunto com nos, o/a(s), se indeterminador/apassivador, correspondem a formas pouco usuais, que vêm cedendo lugar a outras formas de referenciação (cf. KATO, 2005; VIEIRA & BRANDÃO, 2007); o uso do pronome vos, em especial, mantém-se, na modalidade escrita ou em tradições religiosas orais, principalmente por intermédio de textos antigos a que alguns usuários da língua têm acesso, como a bíblia, ou da escola, principalmente na promoção de textos literários. Quando se observou a distribuição das variantes em função da presença ou da ausência de elemento interveniente no complexo verbal, atestou-se a predominância da ordem intra-CV em todos os ambientes controlados. No caso da tipologia pronominal, a variante intra-CV não prevaleceu em todos os contextos. Em se tratando de enunciados com clítico do tipo se indeterminador/apassivador, de nove dados, em cinco (55%), o pronome antecedeu o complexo verbal. As exceções encontram-se nos seguintes dados: 119. D: você acha que é comum essa reunião hoje em famílias ou é uma característica só da sua família? L: não não só da minha família tem muita família boa ainda mu:ita mas... eu acho que tá se perdendo um pouco (Nova Iguaçu, mulher, faixa B, ensino fundamental). 120. agora parece-me que vai se estender o projeto oficial é que ele se a Via Light se estenda até o porto de Sepetiba né (Nova Iguaçu, mulher, faixa C, ensino superior). 121. um dia vai se descobrir isso no Brasil (Nova Iguaçu, homem, faixa B, ensino fundamental). 122. não sei quanto se roubava antes mas continua se roubando hoje (Copacabana, mulher, faixa B, ensino superior). Embora tenhamos visto que, nos casos de ordem pré-CV, os entrevistados basicamente possuíam ensino superior, essas ocorrências com clítico do tipo se indeterminador/apassivador em posição intra-CV ocorreram na fala de indivíduos com esse grau de instrução, bem como com ensino fundamental. Podemos afirmar, ainda, que a maioria ocorreu em fala feminina e na comunidade de Nova Iguaçu. Nenhuma ocorrência foi produzida por falante da faixa etária A, a mais jovem. Essas frases apresentam conjunção integrante (ex. 119, 120), coordenativa (ex. 122) ou locução adverbial (ex. 121) antes do complexo verbal, mas não apresentam uma 137 partícula negativa nem pronome relativo que, termos que precederam o pronome na posição pré-CV. Além disso, em nenhuma delas, V1 era do tipo modal (poder ou dever), formas auxiliares que ocorreram nas construções com ordem pré-CV. Essas frases não apresentam também nenhum elemento interveniente no complexo verbal, bem como a maioria dos dados em que se evidenciaram as posições pré e pós-CV. Assim sendo, a ausência de partícula negativa e de pronome relativo que no contexto morfossintático antecedente, bem como a ausência de V1 poder ou dever revelam características que podem ter sido determinantes para o pronome se indeterminador/apassivador ocupar a posição pré-CV, pois elas constituem a diferença entre os cinco dados com a variante pré-CV e esses quatro dados com o clítico se indeterminador/apassivador na posição intra-CV. Outro tipo de clítico que fugiu à regra da ordem intra-CV foi o acusativo de terceira pessoa [o/a(s)]. Esse tipo, de modo geral, colaborou para a alternância de colocação na medida em que esteve envolvido na produção da forma pós-CV (fomos visitá-lo). Ele, por outro lado, apresentou um caráter invariante, pois, indo ao encontro dos resultados de Cyrino (1996 [1993]), ocorreu categoricamente nesta posição. Na verdade, foi o único pronome a ocupar tal posição, reforçando a tese proposta no referido estudo de que esse tipo de pronome é genuinamente pós-verbal. Os demais pronomes encontrados – me, te, se reflexivo/inerente e nos – ocorreram sempre na posição intra-CV. Por representarem a maior porção do corpus, esses pronomes ajudam a justificar o alto registro da ordem intra-CV, em contrapartida aos poucos dados com os pronomes que poderiam favorecer as outras posições. Os resultados da presente pesquisa associados aos de outras demonstram que o fato de o clítico ser do tipo se indeterminador/apassivador constitui fator importante para que ocorra a variante pré-CV, pois somente ele se antepôs ao complexo verbal. Observando enunciados em que esse clítico ocorreu em outra posição, as características ligadas ao contexto morfossintático antecedente e ao tipo de verbo auxiliar novamente mostraram sua relevância para a realização da variante pré-CV, o que vai ao encontro dos resultados de Peterson (2010), Rodrigues-Coelho (2011) e Vieira (2002). Os clíticos acusativos de terceira pessoa, por outro lado, apenas sucederam V2, posição que só foi ocupada por esse tipo de pronome. No que toca à realização da variante pós-CV, então, o tipo de pronome constitui fator determinante para a ocorrência dessa variante. 138 A produtividade das formas clíticas e a distribuição dessas formas quanto à ordem permitem confirmar, aqui, que, junto à aprendizagem das formas pronominais pouco produtivas no PB, são aprendidas também as posições pouco usuais – a pré-CV (com o se indeterminador/apassivador) e a pós-CV (com o, a, os, as). (g) ‘Tipo de complexo verbal’ A respeito do tipo de complexo verbal, vinte construções viabilizaram a observação da colocação pronominal. Na tabela a seguir, podem-se observar não só essas construções, mas também os clíticos com os quais elas apareceram no corpus. Figura 16: Relação de complexos verbais registrados no corpus e relação dos pronomes que ocorreram antes, no interior ou depois de cada uma dessas estruturas verbais Pronomes Complexos verbais Pré-CV Intra-CV Pós-CV ter + particípio me ir + infinitivo se (indet./apass.) me, te, se (refl./inerente e indet./apass.) o/a(s) vir + infinitivo me estar + gerúndio me, te, se (refl./inerente e indet./apass.) ir + gerúndio me e se (refl./inerente) ter + que/de + infinitivo me, te, se (refl./inerente) poder + infinitivo se (indet./apass.) me e se (refl./inerente) o/a(s) dever + infinitivo se (indet./apass.) me e se (refl./inerente) o/a(s) precisar + infinitivo se (refl./inerente) acabar + gerúndio se (refl./inerente) começar + a + infinitivo se (refl./inerente) passar + a + infinitivo se (refl./inerente) o/a(s) voltar + a + infinitivo se (refl./inerente) continuar + gerúndio se (indet./apass.) ficar + gerúndio me e se (refl./inerente) saber + infinitivo te e se (refl./inerente) tentar + infinitivo me e se (refl./inerente) procurar + infinitivo se (refl./inerente) conseguir + infinitivo me e se (refl./inerente) o/a(s) querer + infinitivo me, te, nos e se (refl./inerente) - A construção ir + infinitivo foi a mais produtiva no corpus, aparecendo em 31% dos dados. Em segundo plano, ficou estar + gerúndio, aparecendo em 20%. Em terceiro plano, mais ou menos empatada está a produtividade de ter + que/de + infinitivo, poder + infinitivo e querer + infinitivo, contemplados, respectivamente, em 7%, 8% e 7% dos dados. Cada um dos demais tipos não correspondeu a 5% do corpus. No que toca à colocação pronominal, somente quando se tratava de dever + infinitivo, a variante intra-CV não prevaleceu. Apesar de ter sido registrada em poucos dados com esse tipo de complexo verbal (apenas cinco), essa variante, nesse contexto, teve 139 produtividade equivalente à da variante pré-CV (duas ocorrências com intra-CV e duas com pré-CV), conforme se mostrará adiante. Conforme se demonstra na figura 17, adiante, em cinco tipos de complexo verbal, encontrou-se pronome sem ser na posição intra-CV. Foram eles: conseguir + infinitivo, ir + infinitivo, dever + infinitivo, poder + infinitivo e passar + a + infinitivo. Apenas nos tipos ir + infinitivo, dever + infinitivo e poder + infinitivo, houve alternância entre as três variantes37. Estar + gerúndio não revelou variação da colocação pronominal, apesar de bastante produtivo e precedido pelos mais variados contextos morfossintáticos registrados no corpus – salvo pronome indefinido (exceto ninguém) na função de sujeito e de conjunção coordenativa adversativa. Esse tipo de complexo verbal registrou sempre a posição intraCV. Figura 17: Produtividade, em valor percentual, de pronome átono nas posições pré, intra e pós-CV, segundo os complexos verbais em que se observou alguma variação na colocação pronominal Mesmo tão produtivo, no complexo ir + infinitivo, só em 4% desses dados, o clítico não esteve entre os dois verbos. Por que se registrou tão pouca variação envolvendo o complexo verbal mais produtivo? O que aconteceu com esses 4% de dados que não aconteceu com os demais? 37 Exemplos que ilustram a variação na colocação pronominal envolvendo essas cinco construções verbais serão apresentados adiantes, quando cada estrutura será analisada. 140 Na realidade, fica bastante evidente que é o tipo de clítico o fator determinante para o registro das variantes pré e pós-CV, independentemente do tipo de complexo38. Em posição pré-CV, só se encontrou se indeterminador/apassivador; em posição pós-CV, o/a(s). Dentre esses dois tipos de pronome, só o se indeterminador/apassivador ocorreu no interior de ir + infinitivo: 123. um dia vai se descobrir isso no Brasil (Nova Iguaçu, homem, faixa B, ensino fundamental). 124. agora parece-me que vai se estender o projeto oficial é que ele se a Via Light se estenda até o porto de Sepetiba né (Nova Iguaçu, mulher, faixa C, ensino superior). A maioria dos pronomes produzidos no interior de ir + infinitivo não coincide com o tipo se indeterminador/apassivador. Na verdade, na posição intra-CV, outros pronomes foram bem mais produtivos – me (31%), se reflexivo/inerente (24%), te (41%) e nos (1%) – que o se indeterminador/apassivador (3%). O único a não superar a produtividade deste pronome foi nos, com 1% de produtividade. Assim sendo, mais influente que o tipo de complexo verbal é, de fato, o tipo de pronome, cuja atuação já foi detalhadamente descrita. Mesmo no caso dos dois dados de se indeterminador/apassivador na posição intraCV, não havia antes do complexo, conforme já se registrou, uma partícula negativa ou um pronome relativo que; o que configura outra diferença entre os dados de intra-CV envolvendo o complexo ir + infinitivo e aqueles dados com a variante pré-CV. No que se refere à forma de V2, não é possível verificar qualquer atuação relevante, tendo em vista que se trata, aqui, do infinitivo, bem como nos dados referentes às variantes pré e pós-CV; mesmo assim, quando se trata de ir + infinitivo, o se indeterminador/apassivador ocorreu duas vezes na posição intra-CV. No que se refere à anteposição do pronome ao complexo verbal, a forma de V2 não parece ser fundamental. Um aspecto saliente relativo aos dados de pré-CV foi o nível superior dos indivíduos que os pronunciaram. Em virtude dessa frequência, esse fator da variável ‘escolaridade’ pareceu favorecer a variante pré-CV, porém não foi suficiente para deslocar 38 Não se descarta, nesta pesquisa, o comportamento diferenciado dos complexos verbais na Língua Portuguesa como um todo, tendo em vista os diferentes graus de auxiliaridade que cada construção assume. No corpus em análise, entretanto, não se pôde atestar o reflexo desses graus e o fenômeno estudado com segurança, dado o irrisório número de dados supostamente variável. Embora duas formas auxiliares modais tenham registrado a pré-CV, essa variante também ocorreu com forma auxiliar de tempo (ir). Além disso, outras posições dos clíticos ocorreram não só com os modais, mas também com outros tipos de auxiliares. 141 o pronome em agora parece-me que vai se estender o projeto oficial (Nova Iguaçu, mulher, faixa C, ensino superior). A ausência de uma partícula negativa ou do pronome relativo que no contexto morfossintático antecedente pode ter sido determinante para a realização intra-CV nos dois referidos dados, pois consiste em um aspecto importante que os diferencia, especialmente aquele que ocorreu na fala do indivíduo com ensino superior, daqueles com a variante préCV. Se contrastarmos a produtividade das variantes relativa ao complexo do tipo ir + infinitivo com aquela relativa a poder + infinitivo, veremos que, neste caso, o índice de intra-CV também destoa do das outras variantes, embora de forma um pouco menos expressiva. Enquanto 4% dos dados com ir + infinitivo não contemplaram a variante intraCV, 14% dos dados com poder + infinitivo corresponderam às variantes pré e pós-CV. Em 10%, o pronome ocorreu antes do complexo verbal. Considerando o conjunto de dados com poder + infinitivo em que o pronome ocupou a posição intra-CV, nenhum enunciado apresentou clítico do tipo se indeterminador/apassivador ou acusativo de terceira pessoa. Em alguns, o complexo foi precedido de partícula negativa e pronunciado por indivíduo com ensino superior. 125. pode me acordar dez vezes durante à noite (Copacabana, homem, faixa B, ensino superior). 126. ela poderia me colocar lá mas só com meu segundo grau (Nova Iguaçu, mulher, faixa A, ensino médio). 127. isso eu não posso te falar corretamente como é porque não tenho conhecimento de causa pra te falar (Nova Iguaçu, mulher, faixa B, ensino superior). 128. particular eu não posso te falar muito (Copacabana, homem, faixa B, ensino fundamental). 129. você pode se apaixonar de novo (Copacabana, mulher, faixa B, ensino superior). 130. o ser humano que deixa de sonhar ele pode se matar (Nova Iguaçu, homem, faixa B, ensino fundamental). Com os dados exclusivos de ir + infinitivo, verificou-se que o pronome do tipo se indeterminador/apassivador por si só não garante a ocorrência da variante pré-CV. Todavia, em dado como exemplificado em 127, em que co-atuaram os fatores partícula negativa (não) e ensino superior, esse tipo de clítico se revelou imprescindível para a anteposição do pronome ao complexo verbal. 142 Com base em dados como 125 e 128, compreende-se que possuir ensino superior somente não significa que o pronome será alçado para a posição pré-CV. Com base em 128, entende-se que um não antes do complexo não exerce força suficiente para atrair o pronome. Sendo assim, no que se refere à realização da variante pré-CV, os dados demonstram que é essencial a atuação simultânea do se indeterminador/apassivador e da partícula negativa e/ou pronome relativo que, o que ainda se associa, em termos extralinguísticos, ao alto grau de escolaridade do informante. Os dados 126 e 130 corroboram que, quando nenhuma dessas três características está presente, a ordem concretizada é a intra-CV. No que concerne à posição pós-CV, duas características foram salientes quando dados desse tipo foram descritos: V2 no infinitivo e clítico do tipo acusativo de terceira pessoa [o/a(s)]. Os dados com poder + infinitivo que não registraram essa variante, seis deles ilustrados anteriormente, não apresentam esse tipo de pronome; razão pela qual provavelmente não houve posposição de pronome a esse complexo verbal. A única ocorrência de posposição do pronome a poder + infinitivo foi você não pode deixá-los até as tantas porque eles tão correndo risco (Nova Iguaçu, mulher, faixa B, ensino superior). O complexo dever + infinitivo foi pouco produtivo no corpus: houve apenas cinco ocorrências. 131. e eu tive até uma atitude que não se deve ter né? (Nova Iguaçu, homem, faixa B, ensino fundamental). 132. então... eu acho que isso é vandalismo... que isso não se deve aprender dentro do colégio (Nova Iguaçu, homem, faixa A, ensino superior). 133. eu acho que... realmente o governo deveria se empenhar mais (Nova Iguaçu, mulher, faixa B, ensino superior). 134. e que eu deveria me apresentar no (IME) dentro de uma semana (Copacabana, homem, faixa C, ensino superior). 135. e nós (diríamos) que quem devia julgá-lo seriam oficiais (Copacabana, homem, faixa C, ensino superior). Houve uma paridade entre a distribuição das variantes. Por apenas um dado, a variante pós-CV distinguiu-se. Apesar de não se observar o predomínio da variante intraCV, a colocação pronominal, no que toca aos dados com esse complexo verbal, assemelhase ao que foi observado em relação a poder + infinitivo. Não se registrou se apassivador ou clítico acusativo de terceira pessoa na posição intra-CV, tampouco partícula de negação ou pronome relativo que antes do complexo verbal. Nessa posição, foram encontrados me (ex. 143 134) e se reflexivo/inerente (ex. 133); ambos pronunciados por falante com ensino superior. No exemplo 133, é digno de nota o fato de que o clítico ocorre posteriormente a uma forma do futuro do pretérito do indicativo, mas sem formar mesóclise; esse comportamento, associado à observação da preferência pela posposição dos clíticos aos elementos intervenientes, já demonstrada, reforça a hipótese da preferência brasileira pela próclise a V2. No mais, deve-se registrar que, assim como com poder + infinitivo, não ocorreu pronome se indeterminador/apassivador sem ser na posição pré-CV (exs. 131 e 132). Na única ocorrência de clítico acusativo de terceira pessoa em oração com dever + infinitivo, o pronome encontrou-se posposto (ex. 135). No que toca aos dados com conseguir + infinitivo, a variante intra-CV predominou. De seis dados, o pronome ocupou essa posição em cinco, (80%); em um (20%), o pronome pospôs-se ao verbo temático (ex. 141). 136. espero precisar um dia e eles conseguir me atender (Nova Iguaçu, homem, faixa A, ensino fundamental). 137. e depois teve um negócio de umas fofocas que vieram acontecendo que o Lindeberg tinha feito não sei que... que não é tinha caixa dois e não sei o que lá mas aí eu também não consegui me encaixar na conversa das pessoas (Nova Iguaçu, homem, faixa A, ensino fundamental). 138. meu segundo sonho é conseguir me estabilizar um pouco na vida e ter um filho (Nova Iguaçu, homem, faixa A, ensino fundamental). 139. ah... consegue se expressar bem (Nova Iguaçu, mulher, faixa C, ensino fundamental). 140. isso porque... se ele/ ao mesmo tempo que ele chega... a/ diretamente a essas pessoas que ele consegue se comunicar direto... ele acaba sendo... desvalorizado (Copacabana, mulher, faixa A, ensino médio). 141. até que eu consegui levá-la pra lá (Copacabana, homem, faixa C, ensino superior). Na posição intra-CV, ocorreram me e se reflexivo/inerente; na pós-CV, o pronome acusativo de terceira pessoa (-la). Não houve registro da variante pré-CV com essa construção verbal, mas também não ocorreu se indeterminador/apassivador. Observa-se, ainda, que uma das ocorrências foi produzida por informante com ensino superior, aquele que pospôs o pronome ao complexo verbal. As demais ocorrências, na maior parte (4/6), foram produzidas por informantes que possuem ensino fundamental. Em sentença com a ordem intra-CV, ocorreu não, mas o pronome me não foi alçado para a posição pré-CV; ocorreu pronome relativo que, mas o pronome se reflexivo/inerente 144 também não se localizou na posição pré-CV. Com ou sem esses termos, confirma-se, então, a preferência pela posição intra-CV. Sem o pronome se indeterminador/apassivador, independentemente de outras condições favoráveis à anteposição do clítico ao complexo, não se encontrou uma evidência no corpus de que o pronome iria para a posição pré-CV. Assim sendo, ainda que houvesse um termo considerado atrator e/ou o indivíduo possuísse terceiro grau, a variante não ocorreu. A ausência de se indeterminador/apassivador em ambiente com conseguir + infinitivo não permitiu averiguar o peso desse complexo sobre a variante pré-CV, como foi minimamente possível com o complexo ir + infinitivo. Neste caso, sem a influência de não ou pronome relativo que, mas diante de outro atrator tradicionalmente prescrito, o pronome se indeterminador/apassivador não foi para antes do complexo verbal. Um dos dois enunciados nessa situação foi pronunciado por indivíduo com ensino superior; mesmo assim, a ordem realizada foi a intra-CV. Logo, verificou-se que a influência desses dois atratores parece ser maior que a estrutura do complexo verbal; independentemente do tipo de complexo verbal, sem partícula negativa ou pronome relativo que no contexto anterior ao pronome se indeterminador/apassivador, a ordem pré-CV não ocorreu. Em se tratando de conseguir + infinitivo, bem como poder + infinitivo e dever + infinitivo, a descrição meticulosa contribui para assegurar a relevância de características recorrentes entre os dados de pré e pós-CV. Ela não permite, no entanto, confirmar com precisão o papel do tipo de complexo verbal, mas mostra que poder + infinitivo e dever + infinitivo admitem as três posições, enquanto o complexo conseguir + infinitivo admite as ordens intra e pós-CV. Finalmente, a respeito do complexo passar + a + infinitivo, ele esteve envolvido em uma ocorrência da variante intra-CV e em uma da pós-CV. 142. o povo passou a se aperfeiçoar mais (Nova Iguaçu, mulher, faixa A, ensino superior). 143. eu precisei de um favor dele aí eu passei a conhecê-lo (Copacabana, mulher, faixa B, ensino médio). Um falante com ensino superior realizou um se reflexivo/inerente no interior do complexo verbal (ex. 142); outro com ensino médio realizou clítico acusativo de terceira pessoa depois do complexo verbal (143). Não havia, no contexto morfossintático antecedente, qualquer partícula negativa ou pronome relativo. Contudo, com base em duas 145 ocorrências, não é possível fazer qualquer generalização a respeito da possível interferência desse complexo verbal. Pode-se, ao menos, afirmar que o posicionamento do clítico se reflexivo/inerente no interior do complexo verbal vai ao encontro da expectativa de este clítico se localizar nas adjacências de V2; e, ainda, reafirmar o caráter enclítico ao complexo do pronome acusativo de 3ª pessoa. Com base na observação de tipos de complexos verbais, pôde-se verificar que vinte categorias foram produtivas no corpus, principalmente ir + infinitivo e estar + gerúndio. Todavia, somente em cinco se constatou variação na colocação pronominal; dentre eles, não se encontra o referido estar + gerúndio, segundo tipo mais frequente no corpus. Sintetizando a análise da variação da colocação pronominal em relação aos cinco tipos de complexos verbais, notou-se que, ao contrário dos clíticos acusativos de terceira pessoa, que sempre sucedeu os dois verbos, o se indeterminador/apassivador, que foi encontrado na posição pré-CV, também foi encontrado em posição intra-CV quando o complexo era do tipo ir + infinitivo. A maior parte dos dados com se indeterminador/apassivador ocorreu com poder ou dever + infinitivo; em todas essas ocorrências, o pronome antepôs o complexo verbal. Ademais, em uma ocorrência com não antes do complexo conseguir + infinitivo, ocorreu a ordem intra-CV, mas não foi na fala de indivíduo com nível superior, nem o clítico era do tipo se indeterminador/apassivador. De modo geral, nos cinco tipos de complexo verbal envolvidos com variação, os falantes não realizaram a ordem intra-CV em circunstâncias similares àquelas em que se registraram as demais variantes, o que ficou mais evidente quando o complexo verbal continha auxiliar modal – contexto em que ocorreram as três variantes –, de modo a constatar que: (i) o clítico acusativo de terceira pessoa aparece seguindo V2 no infinitivo; (ii) o se indeterminador/apassivador antecede o complexo verbal quando sucede ora uma partícula negativa ora um pronome relativo, sobretudo quando o indivíduo possui ensino superior; e (iii) a ordem intra-CV, na fala de indivíduos com ou sem ensino superior, ocorreu quando o clítico não era acusativo de terceira pessoa e, em se tratando dos outros tipos de pronome, quando o auxiliar modal não era precedido de partícula de negação ou pronome relativo. 146 (h) ‘Contexto morfossintático antecedente a Cl V1 V2, V1 Cl V2 ou V1 V2 Cl’ Quais foram os contextos morfossintáticos anteriores ao complexo verbal registrados no corpus? Dentre aqueles complexos verbais em que apenas se verificou a ordem intra-CV, ocorreu uma partícula negativa ou pronome relativo antes? Uma análise da frequência das variantes em função da variável ‘contexto morfossintático antecedente’ possibilita responder a essas perguntas. Ao mesmo tempo em que esse ambiente foi investigado, averiguou-se a distância a que determinado elemento estava do complexo verbal. Em termos práticos, utilizando a função cross tabulation do programa computacional Goldvarb X, a interseção de variáveis independentes permite esse tipo de observação metódica e minuciosa. Em todo o corpus, ocorreram os contextos anteriores ao complexo verbal listados na figura 18. Figura 18: Contextos morfossintáticos antecedentes aos complexos verbais registrados no corpus Ausência de elemento antecedente Nome com ou sem adjunto adnominal na função de sujeito Pronome pessoal na função de sujeito Pronome indefinido, exceto ninguém, na função de sujeito Pronome demonstrativo na função de sujeito Partícula de negação SAdv com valor circunstancial – um só vocábulo SAdv com valor circunstancial – locução Preposição para Conjunção coordenativa aditiva Conjunção coordenativa adversativa Conjunção coordenativa conclusiva Conjunção coordenativa explicativa Conjunção subordinativa (se, embora, enquanto) Pronome relativo que Pronome/advérbio relativo (cujo, o qual, onde, quem) Conjunção integrante que Que em estruturas clivadas Palavra QU interrogativa do tipo adverbial Hesitações (eh, ah), interjeições, truncamentos A presença de pronome pessoal na função de sujeito foi o contexto mais recorrente, correspondendo a 28% dos dados. Também foi bastante produtiva a partícula de negação, com 17%. A ausência de elemento antecedente consistiu no terceiro ambiente mais frequente, com 13%. Nome com ou sem adjunto adnominal na função de sujeito esteve presente em 10% dos dados. Os demais contextos equivaleram a menos de 10%. Dentre estes, figura o pronome relativo que, em 8% dos dados. 147 Vale ressaltar que os dados considerados com verbo em início absoluto de oração não abarcam orações subordinadas reduzidas, como em meu segundo sonho é conseguir me estabilizar um pouco na vida e ter um filho (Nova Iguaçu, homem, faixa A, ensino fundamental). O início absoluto corresponde a sentenças como vou te dar um exemplo (Nova Iguaçu, homem, faixa C, ensino superior), em que o complexo verbal inicia novo enunciado, não havendo qualquer vocábulo precedente. Nessa conjuntura, registrou-se apenas a variante intra-CV. Em meio aos contextos em que as gramáticas normativas recomendam a anteposição do pronome átono, de modo geral, estão: orações com alguma partícula negativa, pronome ou advérbio interrogativo, orações subordinadas. Além disso, essa posição seria facultativa quando a frase fosse exclamativa ou exprimisse desejo. Considerando as orientações de cunho normativo, foram produtivos no corpus os contextos partícula de negação, conjunção subordinativa (se, embora, enquanto), pronome relativo que, pronome/advérbio relativo (cujo, o qual, onde, quem), conjunção integrante que, palavra QU interrogativa do tipo adverbial e determinados advérbios. Mesmo assim, o pronome não antecedeu o complexo verbal na maioria das vezes. 144. você não tá me dizendo nada (Nova Iguaçu, mulher, faixa A, ensino médio). 145. se vier eh me violentar vai me matar vou mandar me matar porque eu também não quero ficar viva (Nova Iguaçu, mulher, faixa A, ensino médio). 146. o homem me esculachou tanto que eu tive que descer do ônibus que eu vi a hora que ele ia me bater dentro do ônibus (Nova Iguaçu, mulher, faixa B, ensino fundamental). 147. achei que eu ia me aventurar mais numa firma de construção civil (Copacabana, mulher, faixa C, ensino superior). 148. não... porque a gente... como eu vou te dizer... a gente se diverte muito em casa. (Nova Iguaçu, homem, faixa etária B, ensino fundamental). 149. já tentaram me assaltar lá. (Copacabana, mulher, faixa etária A, ensino superior). Com exceção de partícula negativa e pronome relativo que, os dados com os outros contextos não continham pronome se indeterminador/apassivador, condição que tem se revelado sine qua non para a variante pré-CV. Do total de 17% de dados no corpus com partícula negativa, somente em 2% o pronome ocorreu na posição pré-CV. Nos demais casos, não houve coincidência entre a norma de uso (objetiva) e a norma idealizada na tradição gramatical (subjetiva). Do total de 8% com pronome relativo que, em 0,4% (um dado), o pronome ocorreu na posição pré- 148 CV. Na maior parte das vezes, então, esses elementos não demonstraram a suposta atração do clítico. Apenas quando o clítico era do tipo se indeterminador/apassivador foi possível verificar o efeito proclisador de tais elementos. Sendo assim, esses termos por si só não exercem força de atração, mas precisam estar combinados a outros elementos, como o tipo de clítico (se indeterminador/apassivador)39. Com isso, observa-se também que, no que toca à variável ‘contexto morfossintático antecedente’, a variante intra-CV prevaleceu em todas as possibilidades de realização. (i) ‘Distância entre Cl V1 V2, V1 Cl V2 ou V1 V2-Cl e o elemento antecedente’ No que se refere à distância entre o elemento anterior e o clítico, verificou-se, que, na presença de um termo antecedente que pudesse atrair o pronome (80% (180/224) dos dados), esse termo se localizava na posição imediatamente anterior ao grupo Cl V1 V2, V1 Cl V2 ou V1 V2-Cl. Foi diante de um termo tão próximo que ocorreram os cinco dados de pré-CV. (j) ‘Forma e tonicidade de V1’ Dois aspectos que faltam ser abordados dizem respeito à forma e à tonicidade de V1 e V2. No que se refere à ‘forma de V1’, a variante intra-CV revelou-se a variante mais produtiva em todos os contextos de que se obteve algum registro. O verbo auxiliar só não apareceu flexionado no pretérito mais que perfeito do indicativo, no futuro do presente do indicativo e no imperativo. O presente do indicativo correspondeu à forma mais produtiva (72%) e a forma verbal flexionada em relação à qual mais se observou variação, com a qual se registraram os cinco dados com pré-CV e um com pós-CV. Ocorreu também a ordem pós-CV quando V1 estava flexionado nos tempos pretérito perfeito e imperfeito do modo indicativo, com três e duas ocorrências, respectivamente. Esperava-se que o modo subjuntivo favorecesse a variante pré-CV. No corpus, apenas 2% dos dados apresentaram verbo auxiliar com essa forma; em todos eles, o pronome ocupou a posição intra-CV, conforme se observa a seguir. 39 Na realidade, supõe-se que a subida do clítico em determinadas construções cause bastante estranheza a falantes brasileiros ou até nem seja mais interpretável. Embora não faça parte do escopo desta pesquisa, é de fundamental importância investigar, com metodologia específica para tratar de atitudes linguísticas, como o falante avaliaria estruturas como “você não se pode pentear hoje”, de modo a identificar que estruturas seriam reconhecidas como variáveis ou não. Ao que parece, o reconhecimento e/ou a interpretação dessas estruturas são importantes elementos para a caracterização do Português do Brasil e do Português Europeu. 149 150. vou dizer para você... que minha mãe e meu pai tenha me influenciado não porque: eu não experimentei dentro de casa (Nova Iguaçu, mulher, faixa, B, ensino fundamental). 151. nada que assim que assuste todo mundo que... que o pessoal queira se mudar que tá violento tá roubando não tem nada disso. (Copacabana, homem, faixa etária B, ensino médio). 152. provavelmente se eu tivesse me tornado professora... tendo feito pedagogia eu teria levado grandes reprovações mas eu me tornei professora pelo mérito técnico (Copacabana, mulher, faixa etária B, ensino superior). 153. se vier eh me violentar vai me matar vou mandar me matar porque eu também não quero ficar viva. (Nova Iguaçu, mulher, faixa etária A, ensino médio). 154. numa entrevista de emprego se você não souber se expressar bem você não fica naquele emprego (Nova Iguaçu, mulher, faixa A, ensino médio). Nos cinco dados, além do verbo auxiliar no modo subjuntivo, há ao menos um elemento prescrito como atrator em gramáticas. Em 151 e 154, especificamente, há o pronome relativo que e o advérbio não, elementos presentes em dados com a variante préCV. Mesmo assim, os pronomes ocorreram na posição intra-CV. Em 152, vê-se um enunciado produzido por falante com ensino superior. Essa característica associada à presença da conjunção subordinativa se e à forma subjuntiva de V1 não provocou a anteposição do pronome me ao complexo verbal. Os poucos dados com V1 no modo subjuntivo não sustentam a hipótese de que essa forma verbal seja verdadeira; mesmo com a presença dessa forma e de outro potencial fator favorecedor da ordem pré-CV, o pronome não foi alçado. Ao menos, pode-se dizer que o modo subjuntivo não é decisivo na produção da ordem pré-CV. Quanto à tonicidade de V1, a maioria das formas verbais registradas era oxítona (69%), mas também se encontrou a forma paroxítona (31%). Foi neste grupo que se observou maior produtividade de variantes pré-CV (quatro ocorrências) e pós-CV (quatro ocorrências). Quando a forma de V1 era oxítona, foram produzidas as posições pré-CV (uma vez) e pós-CV (duas vezes). Não houve qualquer registro de V1 com tonicidade proparoxítona no corpus. O pronome se indeterminador/apassivador, quando não ocupou a posição pré-CV, sucedeu V1, na maioria das vezes, na forma de monossílabo tônico (tá se perdendo); em apenas um caso, sucedeu V1 com tonicidade paroxítona (continua se roubando). Em posição intra-CV, a depender da direção ligação fonológica do pronome (próclise ou ênclise), ele pode ter colaborado para a formação de uma estrutura com 150 tonicidade paroxítona ou evitado a formação de uma estrutura com tonicidade proparoxítona, pouco usual na língua. Uma vez que o pronome se liga em ênclise fonológica, como se supõe que aconteça com se indeterminador/apassivador, se o acento de V1 recai sobre a última sílaba, constrói-se uma unidade (grupo clítico) com tonicidade paroxítona. Sobre os pronomes me, te e se reflexivo/inerente – registrados no corpus apenas em posição intra-CV –, supõe-se que se ligam em próclise fonológica. Assim sendo, ainda que V1 possua tonicidade paroxítona, não se teria sido provocada a formação de uma estrutura com tonicidade proparoxítona. A investigação fonético-fonológica, apresentada na seção 6.2, complementa a investigação dos aspectos fonéticos ora descritos no estudo da colocação pronominal, visto o pressuposto de que a ligação fonológica pode interferir na posição sintática dos pronomes átonos. (k) ‘Forma e tonicidade de V2’ Quanto à forma e à tonicidade de V2, ambas estão imbricadas. O alto índice de infinitivo (68%) acarretou alto índice de tonicidade oxítona (68%). Da mesma forma, as frequências de gerúndio (29%) e particípio (3%), em conjunto, correspondem à frequência de paroxítona (32%), porque essas duas formas verbais possuem necessariamente esta tonicidade. Tendo a variação posicional ocorrido apenas em relação a complexos verbais cujo V2 se encontrava no infinitivo – como se demonstrou na descrição dos dados das variantes pré e pós-CV –, o mesmo aconteceu quando V2 possuía tonicidade oxítona. Assim sendo, desconsiderando os complexos com V2 no gerúndio ou no particípio, cuja realização do pronome foi categoricamente na posição intra-CV, a proporção de ordem intra-CV com infinitivos foi 94% (164/175); de pré-CV, 3% (5/175); de pós-CV, 3% (6/175). Nos casos com V2 no gerúndio ou particípio, em que a tonicidade de V2 era paroxítona, não houve posposição de pronome, o que evitou construção de estrutura com tonicidade proparoxítona. Os acusativos de terceira pessoa, sempre pospostos a V2 no infinitivo no corpus, sendo naturalmente enclíticos, formaram uma estrutura com tonicidade paroxítona. O estudo da colocação pronominal a partir da tonicidade de V1 e de V2 está relacionado à análise fonético-fonológica; pois, para compreender como está a organização do acento, é preciso saber a quem o pronome está ligado em termos fonético-fonológicos. 151 (l) ‘Número de verbos auxiliares’ Por fim, falta avaliar o fenômeno em função da variável ‘número de verbos auxiliares’. Até esse momento, foi explorado o total de 258 dados; todos com complexo verbal formado por dois verbos. A seguir, serão apresentados os complexos formados por mais de duas formas verbais: total de doze ocorrências apenas. De imediato, nota-se a diferença de produtividade; o primeiro grupo passa de duzentos dados, enquanto o segundo não atinge vinte. A respeito do grupo de dados com mais de uma forma verbal auxiliar, foram todos compostos que apresentaram apenas duas unidades, além do verbo temático. Os enunciados foram os seguintes: 155. ainda tou morando aqui ainda... porque eu já podia ter se mudado daqui (Copacabana, homem, faixa C, ensino fundamental). 156. vou ter que me desfazer (Copacabana, homem, faixa C, ensino fundamental). 157. não dá razão pra ninguém... porque ele não quer se estressar... porque ele é hipertenso então ele não quer ficar se estressando (Copacabana, mulher, faixa A, ensino superior). 158. e aí em função da trajetória de cada um posso ter me dado melhor ou pior do que meu pai (Copacabana, mulher, faixa B, ensino superior). 159. poderia ter me dado muito bem ou não (Copacabana, mulher, faixa C, ensino superior). 160. eles estavam tentando me jogar dentro do carro (Nova Iguaçu, homem, faixa B, ensino fundamental). 161. e nós podemos começar a nos preparar de forma errada (Nova Iguaçu, homem, faixa B, ensino fundamental). 162. nossos filhos podem começar a se preparar de forma errada (Nova Iguaçu, homem, faixa B, ensino fundamental). 163. o cara vinha querendo me pegar (Nova Iguaçu, homem, faixa B, ensino fundamental). 164. você vai ficar se matando? (Nova Iguaçu, mulher, faixa B, ensino fundamental). 165. po meus filho vai ter que se formar... vai ter que se formar (Nova Iguaçu, homem, faixa C, ensino médio). 166. tem que tentar se corrigir até ser melhor para você mesmo né (Nova Iguaçu, mulher, faixa A, ensino médio). Independentemente da combinação de verbos auxiliares, é notória a presença do clítico na posição intra-CV e imediatamente à esquerda de V2, fato que se repetiu nos doze enunciados. Portanto, no que toca a esses complexos verbais, não houve variação quanto à 152 ordem dos clíticos pronominais, e reafirmou-se a tendência geral relativa à variedade brasileira. No que se refere à escolaridade, os dados foram produzidos por informantes dos três níveis de escolaridade controlados; apenas três dos doze dados ocorreram na fala de indivíduos com ensino superior. Desse modo, não se pode vincular o comportamento das ocorrências ao nível de escolaridade, como se fez no caso dos demais complexos coletados. Quanto à presença de material interveniente, a maioria não possui qualquer elemento entre as formas verbais (58%); mesmo quando o dado apresenta algum elemento, como que (exs. 159, 165, 166) ou a (161, 162), o pronome se localiza igualmente ao lado do verbo temático. Não ocorreu pronome dos tipos se indeterminador/apassivador e acusativos de terceira pessoa, clíticos que apareceram nas posições pré e pós-CV no corpus analisado. Os verbos ir e poder – auxiliares (além do dever) envolvidos na realização da variante pré-CV quando o complexo era formado por duas formas verbais – ocorreram como primeira das formas auxiliares; logo, a mais distante do pronome. Quanto aos elementos que se mostraram favorecedores da anteposição do clítico ao complexo (partícula negativa e pronome relativo que), houve apenas um registro de não antes do complexo verbal. Na maioria das vezes, o primeiro verbo auxiliar esteve flexionado no presente do indicativo (67%), com tonicidade oxítona (42%) ou paroxítona (58%). Sobre a forma dos outros verbos, o segundo auxiliar e o temático encontravam-se majoritariamente no infinitivo, com 83% e 58% de produtividade respectivamente; portanto, com tonicidade oxítona. Dessa forma, nessa amostra, não foram registrados contextos que inicialmente pareceram colaborar para a realização das variantes pré e pós-CV. Os dois únicos tipos de pronomes que, em enunciado com locução verbal, não ocorreram na posição intra-CV não ocorreram nessa amostra. Só houve um caso de partícula de negação no contexto antecedente, e o clítico envolvido era do tipo se reflexivo/inerente, o mais improvável de se afastar do verbo temático. Três enunciados foram produzidos por falante com ensino superior; um deles retratando início absoluto, quando não se espera que o pronome ocupe a posição antes do complexo verbal. 153 Sobre o tipo de complexo verbal, dois verbos auxiliares envolvidos na anteposição do pronome (poder e ir) ocorreram nessa amostra com complexo verbal extenso, mas ocorreram distantes do verbo temático, o que pode ter dificultado o deslocamento do clítico para antes do primeiro auxiliar. Fato é que os complexos verbais que contemplam mais de uma forma verbal auxiliar são escassos no corpus. Eles correspondem à expectativa inicial de que o pronome se localizaria antes do verbo temático, mas, ao mesmo tempo, não exibem a diversidade de contextos que permitiria um confronto com o que foi observado na análise dos complexos com duas formas verbais. Assim sendo, não se pôde observar, na amostra de complexos com mais de uma forma auxiliar, como funcionaria o fenômeno quando estivessem presentes características que se mostraram, nos demais dados do corpus, ligadas à realização das variantes pré e pós-CV. O que, então, o estudo acerca da colocação pronominal em ambiente com complexo verbal mostrou? Primeiramente, colaborou-se para o conhecimento da trajetória do fenômeno. Segundo os estudos históricos, ao longo do tempo, a ordem pré-CV, que era a mais produtiva, perdeu esse posto para a intra-CV; a ordem pós-CV ainda é realizada, mas com baixa frequência. Essas características são já, em parte, apresentadas na gramática de Said Ali 2008 [1908]. Com o aperfeiçoamento de técnicas de estudo variacionista e com a possibilidade de constituir corpora criteriosamente estratificados, o tema variável passou a ser investigado calcado na matemática. Com esse rigor, Cyrino (1996 [1993]), Pagotto (1992) e Nunes (2009), ainda que com base em dados extraídos da modalidade escrita, mostram um pouco essa trajetória do fenômeno. Quando foram revistos os estudos sincrônicos, observou-se que o fenômeno, ao menos até as décadas de 1980 a 1990, se mantinha variável tanto na escrita (de forma expressiva) quanto na oralidade (de forma menos expressiva: em cerca de 10% das ocorrências, não se registrava a variante interpretada como proclítica a V2). No presente trabalho, todavia, considerando os complexos constituídos de duas formas verbais, constatamos que ele se tornou, em termos quantitativos, semicategórico, sendo a ordem intra-CV a estrutura preferida, em 96% do total das ocorrências. Especificamente nas construções com V2 infinitivo, as três posições dos clíticos pronominais continuam sendo realizadas, mas em construções bastante específicas. 154 O fato de a variante interna ao complexo ser uma forma não-marcada – altamente frequente em diversos contextos linguísticos e sociais – ficou evidente. Mesmo em circunstâncias em que se encontraram as ordens pré e pós-CV, como no complexo verbal cujo auxiliar era poder, também se encontrou a realização da ordem intra-CV. De fato, as ordens pré e pós-CV ocorrem somente em estruturas bem específicas, estruturas que, de alguma forma, foram salientadas em Peterson (2010), Rodrigues-Coelho (2011) e Vieira (2002). O tipo de clítico, por exemplo, mostra-se como aspecto primordial para o comportamento dos dados. O presente estudo atesta que, mesmo diante de condições aparentemente favoráveis à variação posicional, se não se tratar de se indeterminador/apassivador ou o/a(s), a única posição dos clíticos a ocorrer consiste na intra-CV. Os clíticos acusativos de terceira pessoa só ocupam a posição pós-CV, seguindo V2 no infinitivo – invariância que enfraquece a concepção do fenômeno como variável dependente, pois todos os clíticos pronominais não ocupam, na prática, as três posições na variedade linguística em estudo. Os resultados permitem postular que o tipo se indeterminador/apassivador assume um caráter mais gramatical, vinculando-se, por isso, à forma verbal auxiliar. O fato de ele ter sido, dentre me, te, se reflexivo/inerente, o/a(s) e nos, o único clítico a minimamente assumir posição distinta da intra-CV, mas em torno de V1, confirma a hipótese. Ele, na verdade, foi o único tipo de pronome a ocupar outra posição, que não a V1 cl V2, o que configuraria, ainda que minimamente, um caso de variação da colocação pronominal. A ordem intra-CV predominou em praticamente todos os contextos controlados; as exceções envolvem principalmente o tipo de clítico. Quando o clítico era acusativo de terceira pessoa [o/a(s)], somente ocorreu a ordem pós-CV. Quando era se indeterminador/apassivador, predominou a ordem pré-CV, com pouca diferença em relação à intra-CV. Os demais pronomes, como bem se sabe, ocuparam apenas a posição intra-CV, portanto domínio exclusivo dessa variante. No que se refere ao contexto específico de realização da forma pré-CV, não só o tipo de clítico se mostrou importante, mas também a escolaridade do indivíduo (ensino superior), o tipo de complexo verbal (poder ou dever + infinitivo), o contexto morfossintático precedente ao complexo verbal (partícula negativa ou pronome relativo que) e a distância entre Cl V1 V2 e o elemento atrator (distância nula = adjacência, ou seja, 155 elemento imediatamente anterior). Com base na análise realizada, essas características reunidas revelaram-se condições importantes para que fosse realizada a ordem pré-CV. Contudo, observaram-se dados em que duas ou mais características estavam reunidas, mas o pronome não era do tipo se indeterminador/apassivador; nesses casos, a ordem realizada foi intra-CV (não deve me dizer, em vez de não me deve dizer; ou você não deve se pentear, em vez de você não se deve pentear). Da mesma forma, enunciados com se indeterminador/apassivador, mas sem partícula negativa ou pronome relativo que no contexto morfossintático antecedente, ainda que na fala de indivíduo com ensino superior, efetivaram a ordem intra-CV (vai se descobrir em vez de se vai descobrir). Em virtude disso, acredita-se que, no que toca à variante pré-CV, a co-atuação de fatores está evidente. Pode-se dizer, ainda, que determinada combinação de fatores destaca-se, demonstrando ser fundamental: partícula negativa e/ou pronome relativo que e pronome se indeterminador/apassivador. Em outras palavras, ainda soa brasileiro dizer – quando o indivíduo utiliza essa estratégia de indeterminação – não se deve aprender ou nunca se vai saber, mas não soa naturalmente brasileiro dizer simplesmente se pode aprender ou se vai saber. Por fim, os dados com complexos verbais contendo mais de um verbo auxiliar foram escassos, mas ratificaram o que fora observado sobre o fenômeno quando a análise era acerca de complexos formados por um único verbo auxiliar e um verbo temático. Os pronomes, de modo geral, exibem uma propensão a localizar-se em torno do verbo temático. O pronome se indeterminador/apassivador, que inicialmente apresentou um comportamento singular, bem como o/a(s), não ocorreu nos dados com complexo verbal desse tipo, não demostrando se manteriam o comportamento atestado nos complexos com apenas duas formas verbais, em que eles não ficaram antes de V2 como os demais. Diante de uma descrição minuciosa, em termos quantitativos, considerando os resultados gerais de Vieira (2002) e da presente pesquisa, acredita-se na passagem de um estágio variável para semicategórico do fenômeno. Entretanto, em termos qualitativos, os mesmos condicionamentos que se mostraram importantes para a realização das variantes em Vieira (2002) parecem ter atuado sobre os dados da presente pesquisa, de modo que se questiona se, já nas décadas de 1980 e 1990, o fenômeno já não configuraria uma regra semicategórica. Neste caso, o índice menor das variantes pré e pós-CV no corpus contemporâneo poderia ser de certa forma ocasional. 156 Por ora, verificou-se que não existem três/quatro posições efetivamente variáveis. Apenas o se indeterminador/apassivador guardaria um vestígio de variação, mas oscilaria somente entre as posições pré e intra-CV, basicamente na fala de pessoas escolarizadas e nas condições sintetizadas anteriormente. Os pronomes, de modo geral, são proclíticos a V2; porém, o/a(s) na posição pósCV assume um caráter enclítico, em decorrência de um padrão antigo de cliticização aprendido via letramento. O clítico se indeterminador/apassivador, aprendido pelo mesmo processo, quando aparece na posição intra-CV, parece também se ligar, em ênclise, a V1, hipótese que foi investigada na análise fonético-fonológica, a ser apresentada na seção seguinte. 6.2. Análise fonético-fonológica Na análise variacionista, verificou-se, em síntese, que, em ambiente com complexo verbal formado por dois verbos, a colocação preferencial dos pronomes átonos na região metropolitana do Rio de Janeiro, com exceção de se indeterminador/apassivador e dos acusativos de terceira pessoa, corresponde à posição entre o verbo auxiliar e o verbo temático. O pronome se utilizado como estratégia de indeterminação ocorre também na posição pré-complexo verbal. Em função disso, acredita-se que este pronome esteja ligado sintaticamente ao verbo auxiliar, ao contrário dos demais clíticos, o que não pôde ser confirmado na posição intra-CV, tendo em vista não haver dados de elementos intervenientes para revelar a provável posição anterior a eles, como em pode-se até precisar disso. Diante dessa configuração sintática, traz-se a seguinte questão para a análise fonético-fonológica: a ligação sintática do pronome se indeterminador/apassivador a V1 poderia ser confirmada em termos de ligação de caráter fonético-fonológico diferenciada, se comparada à assumida pelos outros pronomes átonos? Em outras palavras, formaria o clítico, em um enunciado como pode-se precisar disso, uma unidade fonético-fonológica com a primeira forma verbal (pode-se) e não com a segunda (se precisar)? Essa questão é abordada especificamente nos experimentos 2 e 3 (que serão descritos nas seções 6.2.2 e 6.2.3, adiante). Antes disso, os resultados do experimento 1 permitem traçar as características fonéticas, sobretudo prosódicas, intrínsecas aos pronomes átonos fluminenses, antes e 157 depois de uma só forma verbal, quando não há dúvidas acerca de sua ligação sintática, proclítica e enclítica, respectivamente. Esse objetivo foi alcançado contrapondo-se os aspectos segmentais e suprassegmentais (duração, intensidade média, F1 e F2) da vogal de pronomes átonos àqueles da vogal de sílabas pretônicas e postônicas vocabulares/lexicais, o que permite averiguar, ainda, se há coincidência entre a ligação sintática e a fonológica. Em caso afirmativo, postula-se que o clítico antes do verbo se assemelha a uma sílaba pretônica, enquanto o clítico depois do verbo assume comportamento aproximado ao de uma sílaba postônica. No âmbito desse primeiro experimento, será descrita brevemente a forma segmental das vogais mensuradas, visto que, em alguns casos, pode ocorrer variação, como em mexido e menina, em que a vogal pretônica podia ser realizada como média ou alta. Na sequência, os resultados serão apresentados e comentados de acordo com cada parâmetro acústico. Em outras palavras, serão abordados duração, intensidade, F1 e F2, nessa ordem. Ao explorar cada parâmetro, as informações estão organizadas de modo a confrontar a vogal do pronome me e a vogal das sílabas vocabulares/lexicais a que foi comparada; depois, o mesmo foi feito com as formas te e se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador). Explorado o experimento 1, a análise fonético-fonológica prossegue com a apresentação e a interpretação dos resultados do experimento 2. Quando o pronome se se encontra entre dois verbos em locução, há diferença fonético-fonológica entre as categorias reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador? Os resultados que permitirão tratar dessa questão serão apresentados respeitando-se cada grupo discriminado na figura 8 (página 114), ou seja, cada conjunto de sentenças com complexos verbais parecidos; por exemplo, pode citar, pode sedar, pode se dar (se reflexivo/inerente) e pode se dar (se indeterminador/apassivador). Nos experimentos 1 e 2, foram calculados a média e o desvio padrão dos três valores relativos à fala de um mesmo indivíduo, visto que cada informante realizou a vogal de cada enunciado três vezes. Ao longo da análise, serão ilustrados os valores segundo a fala de cada um dos informantes e segundo a fala dos três informantes em conjunto40. Os resultados na íntegra estão expostos em anexo. 40 Para calcular a média geral – aquela que considera a fala dos três informantes –, não foi utilizada a média referente à fala de cada indivíduo; foram utilizadas as medidas que geraram a média de cada informante. 158 No experimento 3, foi investigado como os ouvintes percebem a direção da ligação do clítico no interior de complexo verbal em enunciados modificados pela ressíntese, sendo mostrada a proporção de votos para ligação à direita ou à esquerda que cada enunciado recebeu. As versões originais, também ouvidas pelos juízes, serviram apenas como meio de verificar a coerência dos julgamentos e firmar qual era a interpretação do clítico quando não havia dúvida acerca da direção da ligação fonológica, ou seja, quando a sentença apresentava ligeira pausa entre o verbo pode e o clítico se em pode se dirigir. Primeiramente, será analisada a percepção das pessoas quanto à ligação do pronome átono (se se liga ao verbo anterior ou posterior a ele); em seguida, será abordada a relação entre a cliticização fonológica e o tipo de pronome. Segue, portanto, a análise dos resultados dos experimentos 1, 2 e 3. 6.2.1. Experimento 1: características acústicas de proclíticos e enclíticos Em termos segmentais, de modo geral, os fonemas vocálicos foram realizados conforme a expectativa inicial, o que significa dizer que a vogal dos pronomes e a das sílabas postônicas foram realizadas como alta. Quando se tratava de arquifonema medial, a regra de alteamento não se aplicou em apenas um caso. Nessa situação, no que se refere às sílabas /mE/, o informante 2 realizou [me] em vez de [mi]. Na fala desse mesmo informante, um pronome me foi realizado como [me]. Essas duas ocorrências de vogal, por não serem representativas das categorias a que pertencem, não foram consideradas. Outro fato notável foi o apagamento do segmento vocálico quando a sílaba (“clítica” ou vocabular/lexical) era iniciada por [t] ou [s], especialmente quando se tratava de clítico te pós-verbal e sílaba te postônica vocabular/lexical. Com clítico te antes do verbo (te cava), isso aconteceu apenas uma vez na fala do informante 1; mas com o mesmo depois do verbo (domei-te e tomei-te), aconteceu três vezes na fala do informante 2 e seis vezes na fala do informante 3 (o que corresponde a um índice categórico). Em se tratando de te como sílaba postônica vocabular/lexical (tomate e tapete), a vogal esteve ausente uma vez na fala do informante 2 e duas vezes na fala do informante 3. Com [si]/[s], clítico ou sílaba vocabular/lexical, o apagamento da vogal não foi tão frequente. Com clítico se indeterminador/apassivador antes do verbo (se trata), aconteceu uma vez na fala do informante 2. Com clítico se reflexivo/inerente depois do 159 verbo (cortou-se e furou-se), a vogal foi omitida duas vezes na fala do informante 3; com se indeterminador/apassivador depois do verbo (pediu-se), uma vez. Em se tratando de ce como sílaba vocabular/lexical postônica (chatice), a vogal esteve ausente apenas uma vez na fala do informante 3. No total, foram registrados dezoito apagamentos vocálicos: treze em realizações de [t] e cinco de [s]. Das treze, nove correspondiam ao clítico te posposto ao verbo e três, à sílaba postônica vocabular/lexical /tI/. Ademais, das cinco realizações de [s], três correspondiam ao clítico se posposto ao verbo e uma, à sílaba postônica /sI/. Nenhum apagamento ocorreu em sílaba pretônica. Com isso, observa-se que o apagamento não envolveu sílaba com consoante oclusiva bilabial no ataque (m), mas ocorreu com consoante africada alveopalatal (t) e fricativa alveolar (s). Além disso, em virtude de não ter ocorrido em sílabas pretônicas, inferiu-se que, quanto mais frágil o clítico/sílaba, maior seria a propensão ao apagamento da vogal. Amaral (2009) mostra que as consoantes africadas alveolares – [t] e [d] – ocorrem se e somente se o núcleo silábico corresponder a uma vogal alta anterior. A nãorealização dessa vogal ocorre sobretudo se a sílaba for travada por /S/, como em den[ts] (AMARAL, 2009: 96). Dessa forma, a vogal /i/ é determinante para a realização africada de /t/ e /d/, e uma sibilante alveolar na posição de coda pode acentuar a chance de a vogal não ser pronunciada. Esse fonema vocálico, no entanto, seria realizado através de [t] e [d], como um tipo de fusão entre a consoante no ataque silábico e a vogal. Nos casos em que não foi possível delimitar o segmento vocálico, quando se tratava de duração, considerou-se, para o cálculo das médias e desvio padrão, que a vogal apresentava 0 ms. No que toca aos outros parâmetros acústicos, não foi possível mensurar a intensidade, F1 e F2; nesses casos, as vogais não realizadas foram desconsideradas no cálculo de média e desvio padrão. Todavia, todos esses resultados foram de inegável importância para mostrar que a fragilidade fonética do clítico/sílaba foi tanta que resultou no apagamento da vogal. Feita uma breve descrição do corpus (mostrando os segmentos que foram realizados e aqueles que foram apagados), dá-se início à análise do experimento 1 160 propriamente dita, aquela em que se observarão duração, intensidade média, F1 e F2 das vogais que compõem o corpus. (i) Duração: O parâmetro da duração não apresentou um comportamento regular entre os três grupos de dados – referentes a me, te e se – que serviram de base para a análise dos clíticos. As diferenças significativas – aquelas apontadas pelo nível de significância estatística – foram basicamente entre vogal média e alta, ou seja, são decorrentes da duração intrínseca aos segmentos vocálicos, o que vai ao encontro da proposta de Moraes (in Scarpa, 1999: 69-84). Essa discriminação esteve mais nítida nos resultados da amostra relativa ao clítico me e às sílabas a que esse pronome poderia corresponder. A vogal alta que acompanha /t/ e /s/ mostrou-se tão imbricada em relação à consoante que isso deve ter influenciado não só no seu apagamento, mas também na duração da vogal quando realizada. Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /mE/, cuja vogal pode ser realizada como média (m[e]disse, m[e]gera) ou alta (m[i]xido, m[i]nina), /mi/ (m[i]cose, m[i]tose) e /mI/ (salam[], perfum[]), os resultados foram os seguintes: Tabela 4: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal das sílabas pretônicas [me], [mi] derivada, [mi] e da postônica [m] Pretônica /mE/ Pretônica /mi/ Postônica /mI/ medisse mexido micose salame megera menina mitose perfume [] [e] [i] derivada [i] subjacente média D.P. média D.P. média D.P. média D.P. Informante 1 102 13 65 07 61 09 66 10 Informante 2 87 16 66 10 64 08 54 17 Informante 3 93 08 47 08 43 07 46 07 Informantes em conjunto 94 14 58 12 56 12 55 15 Observando a realização de cada informante, as médias de cada tipo de vogal são próximas, especialmente entre os informantes 2 e 3. As vogais produzidas pelo informante 2, com exceção de [e], são mais reduzidas. Considerando a fala de todos os informantes, no que diz respeito a cada categoria de vogal – pretônica média, pretônica alta derivada (vogal alteada), pretônica alta 161 subjacente e postônica alta –, a vogal média é bem mais longa que as demais. Por outro lado, a pretônica [i] alteada durou mais que a [i] subjacente, que, por sua vez, é mais extensa que a vogal [i] postônica; entretanto, essas diferenças não atingem em média 2 ms, o que sugere irrelevância. Conforme se verifica na tabela a seguir, os resultados dos cálculos estatísticos referentes ao grau de significância entre os segmentos vocálicos confirmam a semelhança entre as realizações de vogais altas entre si em oposição às da vogal média, e a distinção entre os dois grupos (pretônicas e postônica). Tabela 5: Significância das diferenças entre a duração da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [], [] derivada, [] e [] Vogais comparadas Significância [e] x [i] derivada 0,01 [e] x [i] subjacente 0,01 x [] [e] 0,00 [i] derivada x [i] subjacente 0,73 x [] [i] derivada 0,66 x [] [i] subjacente 0,94 Pretônicas x Postônica 0,00 A diferença entre a vogal média e cada tipo de vogal alta correspondeu a p = 0,00 ou p = 0,01 de significância, enquanto o contraste entre as vogais altas assinalou significância muito superior a 0,05. Do ponto de vista estatístico, isso significa dizer que, no que diz respeito à duração, qualquer diferença atestada entre as vogais altas foi aleatória, ao passo que é seguro afirmar que a pretônica média (m[e]disse, m[e]gera) se distingue de uma vogal alta, seja esta também pretônica (m[i]xido, m[i]nina, m[i]cose, m[i]tose) ou postônica (salam[] e perfum[]). Observando o contexto subsequente à vogal, a consoante seguinte à vogal [e] analisada é sonora (medisse e megera), o que poderia interferir na duração da vogal (efeito extrínseco), conforme apontam Silva (2008), Lehiste (1970) e Di Cristo (1975). Ocorre que a vogal postônica [] também foi seguida de consoante sonora (ele me disse salame de novo). Assim sendo, com mesmo contexto circunvizinho, manteve-se a diferença que foi atestada no confronto entre a vogal pretônica média e alta (derivada e subjacente). Além disso, revelou-se expressivo o contraste entre as pretônicas em conjunto e a postônica. Em virtude das significâncias obtidas a partir da comparação entre vogais de cada categoria controlada, acredita-se que a diferença entre as pretônicas e a postônica 162 tenha decorrido, na verdade, da oposição entre a vogal média e as demais, isto é, nem todas as vogais pretônicas possuem duração diferente da referente à vogal postônica. Tendo observado a duração da vogal das sílabas vocabulares/lexicais, o olhar foi dirigido à vogal do clítico me. Cada par com pronome átono foi correlacionado ao par de palavras cuja forma fonética é parecida. As diferenças não foram significativas, conforme se verifica na figura seguinte. Tabela 6: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico me e da vogal das sílabas [], [] derivada, [] e [] me disse me gera me chifra me nina me cobre me toca calei-me lembrei-me [i] do clítico [i] do clítico [i] do clítico [] do clítico 0,36 0,82 0,88 0,24 [e] [i] derivada [i] subjacente [] medisse megera mexido menina micose mitose salame perfume Todas as significâncias estão acima de 0,05, o que mostra que as vogais dos pares equiparados se assemelham no que diz respeito à duração. A semelhança é ainda mais acentuada quando se trata de vogal do clítico e da vogal pretônica alta (derivada e subjacente). Neste caso, o valor supera 0,80. Quando se observa simplesmente a vogal do clítico antes ou depois do verbo (cf. tabela 7, a seguir), a duração é basicamente a mesma, de modo que o pronome, em posições que repercutiriam tonicidades distintas, não apresentou, nos dados observados, comportamento diferenciado no que se refere exclusivamente à duração. 163 Tabela 7: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico me [mi/m]41 antes do verbo e depois do verbo Vogal do clítico me antes do verbo Vogal do clítico me depois do verbo média D.P. média D.P. Informante 1 75 22 75 13 Informante 2 70 13 62 14 Informante 3 59 16 60 09 Informantes em conjunto 68 18 66 14 p = 0,74 Os valores aproximados, no caso do informante 1, idênticos, são respaldados pela significância obtida de 0,7442, a qual assegura que a duração não muda significativamente em função da posição sintática do clítico, possivelmente porque, nos dois casos, a vogal realizada é alta. Quando comparada, dessa vez, a vogal do clítico antes do verbo em qualquer dos contextos à vogal das sílabas vocabulares em conjunto ou separadamente, apenas em duas situações a diferença foi relevante: clítico pré-verbal versus pretônicas em conjunto e clítico pré-verbal versus pretônica média. Tabela 8: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico me antes do verbo e da vogal das sílabas [], [] derivada, [] e [] Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico 0,02 0,01 0,33 0,21 0,16 pretônicas [e] [i] derivada [i] subjacente [] medisse megera mexido menina micose mitose salame perfume Em tese, o pronome proclítico ao verbo assemelha-se a uma sílaba pretônica, sobretudo quando a qualidade vocálica é a mesma, e diferencia-se de uma postônica. 41 Embora a hipótese seja a de que pronome átono anteposto ao verbo (hospedeiro sintático) é proclítico, a priori, ele pode ligar-se em próclise ou ênclise, seja o hospedeiro fonológico um verbo ou não. Assim sendo, a princípio, a representação fonética da vogal do clítico pode ser [i], como convencionalmente é atribuída à pretônica, ou [], atribuída à postônica. A ilustração, em tabelas, da vogal [i] do clítico em posição Cl V, como na tabela 8, vai ao encontro da expectativa de que clítico pré-verbal corresponda à sílaba pretônica. 42 Ao longo da análise, os índices de significância que provieram do confronto entre as médias da vogal do pronome em diferentes posições (antes e depois do verbo) não serão apresentados através de tabelas, conforme foi feito com a maioria dos resultados estatísticos. 164 Entretanto, essas tendências não puderam ser efetivamente confirmadas nos resultados expostos na tabela 8. No que se refere especificamente à duração da vogal do clítico me antes do verbo, esta mostrou-se significativamente distinta da duração das vogais pretônicas em conjunto. Acredita-se que essa discrepância ocorreu em função da vogal média, incluída no grupo das vogais pretônicas, pois, quando a vogal do pronome foi comparada à vogal alta, pretônica ou postônica, a duração foi semelhante, mas, quando foi comparada somente à vogal pretônica média, a significância foi 0,01. Dessa forma, a observação da duração isoladamente não permite distinguir sílaba pretônica de sílaba postônica, mas evidencia a diferença de duração relativa às realizações segmentais, opondo basicamente às realizações médias às altas; com isso, não ajudou a distinguir pronome proclítico e enclítico. Os resultados confirmam, assim, uma paridade entre as realizações de vogal alta quanto à duração. Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /tE/, cuja vogal pode ser realizada como média (t[e]quila, t[e]clado) ou alta (t[i]soura, t[i]souro), /ti/ (t[i]tio, t[i]gela) e /tI/, os resultados estão expostos na tabela a seguir. Tabela 9: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal das sílabas pretônicas [te], [ti] derivada e [ti] e da postônica [t] Pretônica /tE/ Pretônica /ti/ Postônica /tI/ tequila tesoura titio tomate teclado tesouro tigela tapete [] [e] [i] derivada [i] subjacente média D.P. média D.P. média D.P. média D.P. Informante 1 68 15 77 09 79 15 58 12 Informante 2 65 18 66 19 55 09 39 18 Informante 3 56 12 56 12 56 09 24 18 Informantes em conjunto 63 16 66 16 64 16 41 21 Observando a fala de cada um dos informantes ou dos três em conjunto, a vogal postônica foi sempre mais reduzida que as pretônicas, assim como aconteceu com /mE/, /mi/ e /mI/ na fala dos informantes 2 e 3 (cf. tabela 4). Nesse caso, a brevidade de [], visualizada na tabela 7, é acentuada pelas ocorrências de apagamento do segmento vocálico (1/6 na fala do informante 2 e 2/6 na fala do informante 2)43, considerado, aqui, como o estágio máximo de redução. 43 Cada informante realizou três vezes cada enunciado. Considerando que, para cada categoria, há dois enunciados, cada indivíduo, a princípio, produziu, no total, seis vezes um mesmo tipo de vogal. 165 A redução de [] em [t] (tomate, tapete) é bem mais expressiva que em [m] (salame, perfume). Nesta sílaba, a duração média da vogal produzida pelos três informantes foi 55 ms (cf. tabela 4), enquanto em [t] foi 41 ms. Comparando essa vogal com a pretônica alta subjacente, a segunda mais reduzida nas duas amostras, a diferença era de apenas 2% no caso de [mi] e [m]; mas, na amostra com [ti] e [t], é de 36% na média. Outro aspecto notável diz respeito à vogal [i] de [ti] (tesoura, tesouro), a mais duradoura, como se mostrou [e] na amostra com [me] (medisse, megera), ambas seguidas de consoante sonora. De acordo com o cálculo estatístico, ela é significativamente distinta da vogal mais reduzida [], conforme se verifica na tabela 10. Tabela 10: Significância das diferenças entre a duração da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [t], [t] derivada, [t] e [t] Vogais comparadas Significância [e] x [i] derivada 0,66 [e] x [i] subjacente 0,77 x [] [e] 0,13 [i] derivada x [i] subjacente 0,77 x [] [i] derivada 0,00 x [] [i] subjacente 0,14 Pretônicas x Postônica 0,12 Esses valores não mostram diferença entre segmentos vocálicos em função da sua duração intrínseca, como se verificou nos resultados relativos às sílabas /mE/, /mi/ e /mI/ (cf. tabela 5), pois toda vez em que a vogal média foi comparada a uma vogal alta, a significância foi superior a 0,0544. Em contrapartida, duas categorias de vogal alta mostraram-se estatisticamente diferentes, com p = 0,00: pretônica [i] derivada (tesoura, tesouro) e postônica [] (tomate, tapete). Como nem toda pretônica alta se mostrou realmente diferente da postônica, acredita-se que apenas [i] derivada se distinguiu de [] em função de um efeito extrínseco: consoante sonora no contexto seguinte. A consoante 44 A análise, como já se informou, baseia-se no limite arbitrário de 0,05 para atestar a relevância estatística do resultado. Não obstante o rigor utilizado no estabelecimento desse limite, é digno de nota que, nas oposições que contrastam vogais pretônicas à postônica, p seja bastante baixo (por volta de 0,10), se comparado a p referente às demais oposições. 166 sonora no contexto seguinte parece potencializar a duração da vogal precedente. A categoria [i] derivada, diferentemente da [i] subjacente, contemplou as duas palavras contendo a vogal analisada seguida de consoante. A vogal postônica, por outro lado, apesar de também ser seguida por consoante sonora (ele me disse tomate de novo), não foi suficiente para neutralizar a diferença entre [i] derivada e []. Quando se comparou cada par de verbos acompanhado de pronome te e as palavras possivelmente correspondentes, obtiveram-se os índices estatísticos apresentados na tabela seguinte. Tabela 11: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico te e da vogal das sílabas [t], [t] derivada, [t] e [t] te quica te cava te zomba te zoa te tiro te gela tomei-te domei-te [i] do clítico [i] do clítico [i] do clítico [] do clítico 0,01 0,87 0,61 0,69 [e] [i] derivada [i] subjacente [] tequila teclado tesoura tesouro titio tigela tomate tapete Apenas a oposição entre os enunciados de um dos pares não se mostrou equivalente. Com p = 0,01, verifica-se que a diferença entre a vogal alta do clítico te e a pretônica média não ocorreu ao acaso. Agrupando os enunciados em pronome antes e pronome depois do verbo, temos os seguintes resultados: Tabela 12: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico te [ti/t] antes do verbo e depois do verbo Vogal do clítico te antes do verbo Vogal do clítico te depois do verbo Média D.P. média D.P. Informante 1 59 25 72 18 Informante 2 54 22 18 20 Informante 3 51 13 0 0 Informantes em conjunto 54 21 30 34 p = 0,37 Com exceção das médias relativas ao informante 1, todos os outros valores demonstram que a vogal do clítico antes do verbo é bem mais longa que a do clítico posposto. Considerando a fala dos três indivíduos em conjunto, a diferença entre a duração 167 média da vogal em um contexto e outro foi de 45%, valor próximo dos 36% (cf. tabela 9), registrados entre a média da postônica [] e a pretônica mais reduzida ([i] subjacente). De acordo com o cálculo estatístico, apesar da referida diferença de milissegundos, mostrou-se indiferente o fato de o pronome estar antes ou depois do verbo, pois a significância obtida foi 0,37. Contudo, entende-se ser inegável a importância do fato de que, desses dois ambientes, somente com clítico posposto tenha ocorrido apagamento de vogal, assim como em sílaba postônica vocabular/lexical. De dezoito chances de pronunciar a vogal na situação de V-Cl, em nove, a vogal foi omitida. A presença de apagamento exclusivamente em sílabas postônicas, vocabulares ou clíticas, revela, sem dúvida, a fragilidade fonética desse contexto, em comparação ao de sílabas pretônicas. É preciso salientar, ainda, que o comportamento da duração poderá ser mais bem aferido na interação com o parâmetro da intensidade. A atuação dos dois parâmetros simultaneamente pôde ser investigada mediante a ressíntese de fala e os testes de percepção auditiva, que serão explorados na descrição do terceiro experimento, na subseção 6.2.3. Por ora, a vogal do pronome te antes do verbo em todos os contextos controlados foi comparada às três possibilidades de realização da vogal pretônica a que poderia corresponder, em conjunto ou separadamente, obtendo-se os seguintes valores quanto à possível relevância estatística: Tabela 13: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico te antes do verbo e da vogal das sílabas [t], [t] derivada, [t] e [t] Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico 0,03 0,13 0,00 0,38 0,28 Pretônicas [e] [i] derivada [i] subjacente [] tequila teclado tesoura tesouro titio tigela tomate tapete Das três possibilidades de realização, a vogal do pronome só foi realmente diferente de [i] derivada, o que se refletiu em p = 0,03 na comparação entre vogal de te e as pretônicas como um todo. A vogal pretônica média, anteriormente apresentada como 168 significativamente distinta da vogal do clítico anteposto, quando confrontadas estruturas com contexto foneticamente parecido (cf. tabela 11), não mostrou diferença relevante quando foi comparada a todas as realizações da vogal do clítico anteposto (p = 0,13). Dessa forma, infere-se que a duração intrínseca às vogais pretônicas não foi determinante para distingui-las da vogal do clítico, que, na realidade, só divergiu de [i] derivada, possivelmente em virtude de ela ser seguida pela consoante sonora [z]. Em suma, observou-se que (i) a duração da vogal pretônica [i] derivada é diferente da postônica []; (ii) a duração da vogal do pronome te não muda significativamente em função da variação posicional; e (iii) quando anteposto o pronome, sua vogal é diferente de [i] derivada. Contudo, não se pode desconsiderar a regularidade dos apagamentos, que só ocorreram em sílaba postônica vocabular ou em clítico te depois do verbo. A incidência de apagamento, que, em termos de duração, corresponde a 0 ms, já comprova uma semelhança entre sílaba postônica e clítico posposto em oposição à sílaba pretônica e pronome anteposto. Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /sE/, cuja vogal pode ser realizada como média (s[e]cura, s[e]tenta) ou alta (s[i]guido, s[i]guro), /si/ (c[i]garro, c[i]garra) e /sI/ (chatic[], alfac[]), os resultados foram os seguintes: Tabela 14: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal das sílabas pretônicas [se], [si] derivada e [si] e da postônica [s] Pretônica /sE/ Pretônica /si/ Postônica /sI/ secura seguido cigarro chatice setenta seguro cigarra alface [] [e] [i] derivada [i] subjacente média D.P. média D.P. média D.P. média D.P. Informante 1 82 10 71 17 74 11 62 12 Informante 2 70 13 59 12 67 17 53 10 Informante 3 48 05 42 12 57 12 37 17 Informantes em conjunto 67 17 57 18 59 19 51 17 A pretônica medial [e] (secura, setenta), na fala dos informantes 1 e 2, foi a vogal mais longa, mesmo sendo seguida por consoante surda, diferentemente das demais, que são seguidas por consoante sonora. Na fala do informante 3, a vogal mais longa foi a pretônica [i] subjacente (cigarro, cigarra), segunda mais longa na fala dos demais indivíduos. 169 Novamente, a categoria mais reduzida foi a postônica [] (chatice, alface) na fala dos três informantes. O apagamento vocálico ocorreu em apenas uma realização de chatice na fala do informante 3. Considerando as médias da duração das vogais produzidas pelos informantes em conjunto, a escalaridade, da vogal mais longa à mais breve, pode ser assim representada: pretônica [e] > pretônica [i] subjacente > pretônica [i] derivada > postônica []. A princípio, nota-se que as pretônicas, de modo geral, são mais longas que a postônica, mas a diferença parecia estar relacionada aos segmentos realizados (médio e altos), principalmente entre [e] e []. As categorias de vogal alta apresentaram a duração no intervalo de 50 a 60 ms, enquanto a da vogal média correspondeu, em média, a 67 ms. Em termos de relevância estatística, os resultados revelaram o seguinte: Tabela 15: Significância das diferenças entre a duração da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [s], [s] derivada, [s] e [s] Vogais comparadas Significância [e] x [i] derivada 0,51 [e] x [i] subjacente 0,95 x [] [e] 0,27 [i] derivada x [i] subjacente 0,43 x [] [i] derivada 0,58 x [] [i] subjacente 0,16 Pretônicas x Postônica 0,21 Os índices de significância demonstram que nenhuma vogal se mostrou realmente diferente da outra, tampouco as vogais pretônicas em geral em oposição à postônica. Quando comparada a vogal [e], cuja duração intrínseca é maior dentre as vogais analisadas, à vogal [i] subjacente, que, na amostra, apresentou maior duração, a significância ultrapassou 0,90, sugerindo que, no que se refere à duração das vogais diante de [s], esses segmentos vocálicos não se comportam claramente como categorias estanques. Comparando cada categoria de sílaba átona vocabular/lexical às categorias, inicialmente estabelecidas, de pronome se reflexivo/inerente, em contextos semelhantes, obtiveram-se as significâncias expostas na tabela 16. 170 Tabela 16: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se reflexivo/inerente e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] se cuida se trata se guia se nina se gaba se cala cortou-se furou-se [i] do clítico [i] do clítico [i] do clítico [] do clítico 0,34 0,69 0,32 0,85 [e] [i] derivada [i] subjacente [] secura setenta seguido seguro cigarro cigarra chatice alface Os índices revelaram que a duração do clítico se reflexivo/inerente antes do verbo se parece com o da sílaba pretônica vocabular, mesmo quando se contrastou vogal alta com vogal média. Da mesma forma, quando depois do verbo, ele tem duração semelhante à da sílaba postônica. Em todos os casos, a significância ficou muito acima de 0,05; logo, os termos comparados são semelhantes do ponto de vista da duração. Contrapondo o pronome se indeterminador/apassivador às mesmas sílabas vocabulares/lexicais, o resultado estatístico obedeceu à mesma tendência: Tabela 17: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se indeterminador/apassivador e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] se trata se tenta se guia se nina se nada se dava pediu-se previu-se [i] do clítico [i] do clítico [i] do clítico [] do clítico 0,20 0,68 0,12 0,96 [e] [i] derivada [i] subjacente [] secura setenta seguido seguro cigarro cigarra chatice alface Nenhuma diferença significativa foi atestada. Contudo, assim como aconteceu com se reflexivo/inerente, os maiores valores, refletindo maior semelhança, referiram-se à comparação entre a vogal do clítico anteposto e a pretônica [i] derivada (0,68/0,69, respectivamente), e entre a vogal do clítico posposto e a postônica [] (0,85/0,96). Ao que parece, os pronomes se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador, no que diz respeito à duração, apresentam o mesmo comportamento em relação às sílabas vocabulares. 171 Observando a duração estritamente do pronome se reflexivo/inerente, verifica-se que ele apresenta apenas uma sutil diferença quando muda de posição sintática, assim como aconteceu com o pronome me e diferentemente do que aconteceu com te. Tabela 18: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico se reflexivo/inerente [si/s] antes do verbo e depois do verbo Vogal do clítico se refl./inerente Vogal do clítico se refl./inerente depois antes do verbo do verbo média D.P. média D.P. Informante 1 58 15 72 10 Informante 2 58 15 48 15 Informante 3 41 12 22 18 Informantes em conjunto 52 15 48 26 p = 0, 77 Considerando a fala dos informantes em conjunto, quando o pronome passa de antes para depois do verbo, sua vogal reduziu apenas 8%. Possivelmente por isso, com p = 0,77, a diferença entre a vogal nas duas posições não se mostrou relevante. Apenas o informante 1 realizou em um espaço maior de tempo a vogal do pronome posposto. Na fala dos outros, a diferença foi de cerca de 18% (10 ms); diferença acentuada na fala do informante 3, em que duas vezes a vogal deixou de ser pronunciada (cortou-se, furou-se). Além disso, é notório que os informantes 1 e 2 produziam a vogal do clítico anteposto com a mesma duração média, 58 ms – próxima da vogal de te nessa mesma posição, 54 ms (cf. tabela 12), mas menor que de me, 68 ms (cf. tabela 7). A aparente regularidade envolvendo pronome antes do verbo associada à evidente redução da vogal do pronome posposto, pronunciada pelos informantes 2 e 3, corroboraria que pronome antes do verbo se reflexivo/inerente se comporta como pretônica, enquanto depois do verbo ele se comporta como postônica. Entretanto, consoante se observa na tabela 19, apesar de não se ter registrado diferença significativa entre a vogal do pronome anteposto e as pretônicas, especialmente as altas (derivada e subjacente), aquela também não se distinguiu da postônica, o que torna os resultados, por ora, inconclusivos. 172 Tabela 19: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se reflexivo/inerente antes do verbo e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Observando, na 0,18 Pretônicas 0,29 [e] 0,65 [i] derivada 0,14 [i] subjacente 0,93 tabela 20, os - [] valores relativos ao secura setenta seguido seguro cigarro cigarra chatice alface pronome se indeterminador/apassivador, verifica-se que, mais uma vez, a duração média da vogal do clítico não muda expressivamente a depender da posição sintática dele, o que se confirma através de p = 0,33 resultante da comparação entre vogal do clítico anteposto e do clítico posposto ao verbo. Tabela 20: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico se indeterminador/apassivador [si/s] antes do verbo e depois do verbo Vogal do clítico se indet./apass. Vogal do clítico se indet./apass. antes do verbo depois do verbo média D.P. média D.P. Informante 1 47 17 55 20 Informante 2 50 20 52 09 Informante 3 38 14 44 22 Informantes em conjunto 45 18 50 19 p = 0, 33 Esses resultados apresentam algumas singularidades. Enquanto se tem visto que normalmente a vogal do clítico anteposto, ainda que sutilmente, é menos reduzida que a do posposto, os resultados da tabela 20 mostram que, na fala de cada um dos informantes, não aconteceu uma redução, mas um prolongamento. Na média dos três, o aumento correspondeu a 10%. Além disso, como aconteceu com as sílabas postônicas vocabulares/lexicais e com os pronomes te e se reflexivo/inerente pospostos, ocorreu, na fala do informante 3, apagamento da vogal de se indeterminador/apassivador (pediu-se) uma vez apenas. Por outro lado, como não se tinha visto nos outros dados, ocorreu, na fala do informante 2, um apagamento vocálico envolvendo esse pronome antes do verbo (se trata). Observa-se, 173 então, que esse pronome, supostamente enclítico, apresentou apagamento quanto estava tanto antes quanto depois do verbo. Ademais, vale dizer que, quando se trata de pronome antes do verbo na fala do informante 2, a média de duração vocálica relativa ao pronome se indeterminador/apassivador é menor que qualquer outro pronome investigado. Com isso, em alguns aspectos que dizem respeito à duração e ao apagamento, o pronome se indeterminador/apassivador não se iguala aos demais pronomes nem às sílabas vocabulares/lexicais. Verificou-se que esse pronome, que supostamente é propenso à ênclise, não apresentou a vogal mais breve quando se encontrava depois do verbo (contexto mais propício à redução); ao mesmo tempo, foi o único a permitir apagamento vocálico quando se encontrava anteposto. Assim sendo, como na análise variacionista, nesse início de análise fonético-fonológica, esse tipo de clítico apresenta características atípicas dos pronomes átonos brasileiros. Apesar das aparentes diferenças fonético-fonológicas, se indeterminador/apassivador antes do verbo não se distinguiu de se reflexivo/inerente na mesma posição (p = 0,34)45 ao mesmo tempo em que aquele pronome depois do verbo não se distingue deste também posposto (p = 1,00)46. Para encerrar a abordagem do parâmetro duração, são expostas as significâncias referentes à comparação entre o pronome se indeterminador/apassivador e as vogais de sílabas átonas vocabulares/lexicais. Tabela 21: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se indeterminador/apassivador antes do verbo e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] 45 Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico 0,01 0,15 0,27 0,03 0,53 Pretônicas [e] [i] derivada [i] subjacente [] secura setenta seguido seguro cigarro cigarra chatice alface Como foram analisados dois tipos de pronome se, quando eles ocupavam a mesma posição em relação ao verbo, as médias referentes a cada um deles foram comparadas no programa computacional R. Os índices de significância obtidos através da comparação de se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador não foram apresentados na forma de tabela. 46 Foi surpreendente o índice 1,00 de significância, pois ele indica ausência total de variação. Não foi possível, no entanto, investigar a razão de o programa estatístico ter alcançado tal valor; verificação que, por necessidade, foi postergada. 174 Todas as realizações da vogal de se indeterminador/apassivador antes do verbo foram comparadas às realizações das vogais pretônicas analisadas na amostra, alcançando uma diferença com p = 0,01. Contudo, quando aquelas foram comparadas a cada categoria de vogal pretônica, somente a diferença em relação a [i] subjacente foi, inesperadamente, relevante, com p = 0,03. Não divergiram das realizações de vogal média, nem de [i] derivada seguida de consoante sonora, visto que [i] subjacente também foi sucedida de consoante dessa natureza. Dessa forma, não foi a duração intrínseca ao segmento ou a consoante subsequente a motivação para as diferenças atestadas. O contraste entre a duração da vogal do clítico e da vogal postônica, por outro lado, não apresentou divergência expressiva, visto que a significância foi 0,53. Embora se esperasse que a vogal do clítico anteposto, supostamente equivalente a uma pretônica, fosse mais longa que uma postônica, a duração da vogal de se indeterminador/apassivador não alterou significativamente em função da colocação pronominal, como também não foi relevante a diferença entre a duração das vogais pretônicas altas e da postônica. Portanto, no que se refere à análise exclusivamente da duração da vogal de se indeterminador/apassivador, não foi possível determinar graus de (a)tonicidade, o que permitiria refletir sobre a direção da ligação fonológica. Diante do que foi relatado, com exceção da vogal de se indeterminador/apassivador, mostraram-se mais breves as vogais dos pronomes átonos pospostos (me, te e se reflexivo/inerente) e das sílabas postônicas vocabulares/lexicais. Os resultados referentes aos pronomes antepostos e às sílabas pretônicas não se mostraram sistemáticos, nem consistentes em relação às oposições detalhadamente observadas; as diferenças, quando significativas, normalmente diziam respeito a traços segmentais (vogal média versus vogal alta), tendência que foi comprovada estatisticamente apenas na primeira amostra, a referente ao pronome me. Além disso, observando a duração por si só, isolada do parâmetro intensidade, não se conseguiu distinguir, com segurança, vogal pretônica de postônica, nem vogal de pronome anteposto de posposto, comprometendo qualquer paralelismo entre esses fragmentos. Dessa forma, o controle da duração permitiu opor termos com segmentos vocálicos nitidamente distintos (vogal média e vogal alta); não se conseguiu, entretanto, atestar diferenças estatisticamente significativas e sistemáticas entre vogais a priori com diferentes graus acentuais. 175 Algumas durações breves e apagamentos vocálicos sugeriram fragilidade fonética, que seria típica de sílaba postônica e de pronome enclítico. Em termos qualitativos, atribuise relevância a esse comportamento dos dados. Todavia, até o momento, os resultados não permitem uma confirmação geral dessa fragilidade, visto que (i) esses fenômenos ocorreram somente diante de /t/ e /s/, quando a vogal, na verdade, coarticulou fortemente com a consoante; e (ii) o índice de significância dos valores quantitativos não demonstra ser relevante a variação entre presença e ausência de vogal. No que diz respeito à cliticização fonológica, Vieira (2002) e Corrêa (2009) mostraram que a duração é importante para estabelecer uma ligação proclítica ou enclítica. Quando ela é observada isoladamente, na presente pesquisa, bem como nos trabalhos mencionados, as diferenças atestadas entre pronomes e sílabas vocabulares/lexicais decorrem, ao que parece, fundamentalmente de qualidades vocálicas distintas. Ao relacionar qualidade vocálica à cliticização fonológica, Carvalho (1989) atenta para a relação entre a vogal átona e a caracterização do acento. Contudo, a diferença na qualidade vocálica, referida em Vieira (2002), Corrêa (2009) e na presente pesquisa, refere-se principalmente a segmentos distintos, à duração intrínseca de que tratou Moraes (1999). O acento foi contemplado na medida em que se assumiu a priori que pretônicas e postônicas, na variedade linguística estudada, não estão no mesmo nível acentual; além disso, considerou-se a possível interferência do contexto circunvizinho sobre a vogal analisada (fator extrínseco). Para tratar da cliticização fonológica sob a perspectiva referida em Carvalho (1989), os resultados empíricos revelam que a duração é relevante, mas deve ser analisada em conjunto com a intensidade, visto que os dois componentes seriam responsáveis pela caracterização do acento. Em seguida, então, serão observadas as mesmas vogais abordadas até esse momento nos mesmos contextos, mas, dessa vez, o olhar recairá sobre o parâmetro intensidade. Ao final, na abordagem do experimento 3, os componentes duração e intensidade poderão ser observados em conjunto, de uma perspectiva perceptiva. (ii) Intensidade: É fato que um conjunto de parâmetros acústicos é responsável pelas informações prosódicas que percebemos. Um deles, a intensidade, é importantíssimo para a formação do acento; isto porque é a força motriz do som, aquela capaz de potencializar ou atenuar a 176 energia sonora. Nesse sentido, era esperado que, na análise desse parâmetro, fosse mais evidente a diferença entre sílaba pretônica e postônica, entre clítico anteposto e posposto ao verbo, mas os resultados, que serão apresentados adiante, não confirmam essa discrepância claramente. Como se verificou anteriormente no estudo da duração, a observação da intensidade apenas, a princípio, parece não ser suficiente para atestar a correlação entre sílaba átona e cliticização fonológica, visto que nem sempre foi estatisticamente significativa sequer a diferença entre as categorias pretônica e postônica. Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /mE/, cuja vogal pode ser realizada como média (m[e]disse, m[e]gera) ou alta (m[i]xido, m[i]nina), /mi/ (m[i]cose, m[i]tose) e /mI/ (salam[], perfum[]), os resultados foram os seguintes: Tabela 22: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal das sílabas pretônicas [me], [mi] derivada e [mi] e da postônica [m] Pretônica /mE/ Pretônica /mi/ Postônica /mI/ medisse mexido micose salame megera menina mitose perfume [] [e] [i] derivada [i] subjacente média D.P. média D.P. média D.P. média D.P. Informante 1 76 02 76 03 73 03 74 02 Informante 2 70 01 67 01 66 03 66 03 Informante 3 73 02 72 05 72 04 69 04 Informantes em conjunto 73 03 72 05 70 04 70 05 A intensidade média da vogal pretônica média [e] é maior que das demais nas falas dos três informantes, observadas junto ou separadamente. A vogal postônica [], por outro lado, apresentou os valores mais baixos de intensidade, chegando a apresentar, na fala dos informantes 2 e 3, uma diferença de 4 dB em relação à intensidade da vogal média; na fala do informante 1, no entanto, com 1 dB de diferença, a vogal [i] subjacente foi menos intensa que a postônica. Vale lembrar que a pretônica [e] (medisse, megera) e a postônica [] (salame, perfume) foram, respectivamente, a mais e a menos longa (cf. tabela 4). Assim sendo, pode-se presumir que a duração somada à intensidade tornou a vogal média mais saliente, ao contrário da postônica. A respeito das vogais [i] derivada (mexido, menina) e [i] subjacente (micose, mitose), a diferença de intensidade média entre as duas alcançou no máximo 3 dB na fala 177 do informante 1. Ora [i] derivada se assemelhou a [e], com 76 dB na fala do informante 1; ora foi idêntica a [i] subjacente, com 72 dB na fala do informante 2; ora foi maior que [i] subjacente, cada uma com respectivamente 67 e 66 dB na fala do informante 2 e com 72 e 70 dB na média geral. A intensidade média de [i] subjacente, por sua vez, na média dos informantes em conjunto, foi semelhante ao valor referente à postônica []. Esses resultados revelam que as diferenças quanto à intensidade não são nítidas47, especialmente quando se trata de modalidades de pretônica alta, o que provavelmente acarretou os índices de significância expostos na tabela 23. Tabela 23: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [], [] derivada, [] e [] Vogais comparadas [e] x [i] derivada [e] x [i] subjacente x [] [e] [i] derivada x [i] subjacente x [] [i] derivada x [] [i] subjacente Pretônicas x Postônica Significância 0,69 0,39 0,32 0,71 0,59 0,84 0,47 Nenhuma das comparações efetuadas revelou significância relevante, indicando que as variações de intensidade não ocorreram sistematicamente; então, com respaldo estatístico, não se conseguiu diferenciar, com base apenas no parâmetro intensidade, sílabas pretônicas e postônica, que, a princípio, possuem graus diferentes de (a)tonicidade. Apesar disso, vale notar que o menor valor de significância registrado, 0,32, se refere ao par que exibe o maior contraste observado, entre a vogal [e] e []; o maior, 0,84, por outro lado, refere-se ao par em que se espera, de fato, maior semelhança: [i] subjacente versus []. Desse modo, os índices obtidos sinalizam que a diferença é mais evidente quando, além de uma vogal ser pretônica e outra ser postônica, uma é média e a outra, alta. Quando se tratava de vogal alta como realização de /mE/, /mi/ e /mI/, não importava se era pretônica ([mi] derivada ou [mi]) ou postônica ([m]); a diferença entre essas categorias foi bastante sutil, tanto no que diz respeito à intensidade quanto à duração, 47 As limitações metodológicas referidas na seção 5.2. podem ter influenciado na manifestação pouco evidente da diferença de intensidade entre as vogais estudadas. Para complementar esta investigação, centrada na intensidade de fragmentos vocálicos, os resultados foram associados aos de Vieira (2002) e Corrêa (2009), que consideraram o peso da sílaba (clítica e vocabular/lexical) em relação às adjacentes. 178 a ponto de o cálculo estatístico concernente a cada um desses parâmetros ter resultado em um valor de significância muito elevado. Se, por um lado, nenhuma das vogais de /mE/, /mi/ e /mI/ se mostrou realmente diferente do ponto de vista da intensidade, o paralelismo feito entre enunciados com clítico me e palavras lexicais também não evidenciou diferença relevante, conforme se verifica na tabela 24. Tabela 24: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico me e da vogal das sílabas [], [] derivada, [] e [] me disse me gera me chifra me nina me cobre me toca calei-me lembrei-me [i] do clítico [i] do clítico [i] do clítico [] do clítico 0,87 [e] 0,85 [i] derivada 0,76 [i] subjacente 0,73 [] medisse megera mexido menina micose mitose salame perfume Independentemente do fato de serem equiparados enunciados distintos, como acontece com os dois primeiros pares (me disse e me gera versus medisse e megera), os resultados vão ao encontro da expectativa inicial: pronome pré-verbal atua de forma semelhante à pretônica vocabular/lexical e pronome pós-verbal, à postônica vocabular/lexical. Entretanto, como não se verificou diferença entre as sílabas pretônicas vocabulares/lexicais /mE/ e /mi/ e a postônica /mI/, acredita-se, por analogia, que também não seria relevante a diferença entre pronome anteposto e pronome posposto. Na sequência, através da tabela 25, a intensidade média da vogal do pronome me será apresentada, considerando a posição que ele ocupou em relação ao verbo. Tabela 25: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico me [mi/m] antes do verbo e depois do verbo Vogal do clítico me antes do verbo Vogal do clítico me depois do verbo média D.P. média D.P. Informante 1 74 02 76 04 Informante 2 68 03 66 04 Informante 3 73 02 71 02 Informantes em conjunto 72 03 71 05 p = 0,85 179 De uma posição para outra, a intensidade média mudou até 2 dB apenas. Na fala do informante 1, a vogal do pronome anteposto foi mais fraca que a do pronome posposto, assim como [i] subjacente foi mais fraca que [] (cf. tabela 22). Em contrapartida, considerando a produção dos outros dois informantes, a vogal do pronome anteposto foi mais forte, como a maior parte das vogais pretônicas. A média geral, com apenas 1 dB de diferença, mostrou-se ainda mais claramente equilibrada. A irrelevância da oscilação da intensidade média da vogal do clítico antes e depois do verbo foi comprovada pelo índice p = 0,85, muito acima do considerado relevante (até 0,05). Conforme se viu na tabela 24, a vogal do clítico posposto, com p = 0,73, apresentou comportamento similar ao da postônica [] no que se refere à intensidade. Ademais, tendo visto que a vogal do clítico não demonstrou alterar a intensidade quando ele muda de posição, cabe, então, se certificar de que a vogal do clítico anteposto, nas diversas produções contempladas no corpus, não tenha comportamento diferente do verificado para as vogais átonas nas sílabas vocabulares investigadas. Tabela 26: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico me antes do verbo e da vogal das sílabas [], [] derivada, [] e [] Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico 0,96 0,62 1,00 0,66 0,54 pretônicas [e] [i] derivada [i] subjacente [] medisse megera mexido menina micose mitose salame perfume De acordo com esses valores, a vogal do pronome me antes do verbo não apresentou uma intensidade diferente da registrada para nenhuma das vogais de sílabas vocabulares/lexicais analisadas, sobretudo da pretônica alta derivada (p = 1,00), a de comportamento idêntico ao dos clíticos, conforme hipótese inicial, em contraste com a postônica (p = 0,54), de comportamento, ainda que semelhante, menos próximo à vogal dos clíticos pré-verbais. Em linhas gerais, no entanto, fica estabelecido que a distinção de 180 intensidade das sílabas pretônicas e postônicas não é garantida pela atuação exclusiva desse parâmetro acústico. Em realidade, é preciso atentar para o fato de que todas as vogais investigadas são átonas, isto é, não recai sobre elas o acento primário; por isso, há que se esperar que a diferença de intensidade no nível da produção dos segmentos seja sutil. A intensidade tomada isoladamente, bem como a duração, não demonstrou ser responsável por diferenciar sílaba pretônica de postônica e pronome anteposto de posposto. Assim sendo, se os dados da amostra realmente se diferenciam, ainda que levemente, a percepção dessa diferença deve decorrer da atuação simultânea da duração e intensidade. As diferenças entre as vogais dos dados que serviram ao estudo do pronome te, por outro lado, mostraram-se mais sensíveis. Quando em sílaba postônica ou no caso do pronome posposto, ocorreram apagamentos e vogais bastante reduzidas; no caso da intensidade, como veremos, algumas diferenças, nesse grupo de dados, mostraram-se significativas. Assim sendo, ao que tudo leva a crer, a forma pronominal te não seria sempre tão imponente quanto me. Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /tE/, cuja vogal pode ser realizada como média (t[e]quila, t[e]clado) ou alta (t[i]soura, t[i]souro), /ti/ (t[i]tio, t[i]gela) e /tI/ (tomat[], tapet[]), os resultados estão expostos na tabela a seguir: Tabela 27: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal das sílabas pretônicas [te], [ti] derivada e [ti] e da postônica [t] Pretônica /tE/ Pretônica /ti/ Postônica /tI/ tequila tesoura titio tomate teclado tesouro tigela tapete [] [e] [i] derivada [i] subjacente média D.P. média D.P. média D.P. média D.P. Informante 1 77 03 73 01 72 02 67 02 Informante 2 72 02 66 03 67 04 66 05 Informante 3 75 03 71 02 69 04 62 01 Informantes em conjunto 75 03 70 04 69 04 65 04 Todas as médias referentes à vogal [e] (tequila, teclado) mostram que ela foi a mais forte, com diferença de até 5 dB do segundo tipo mais intenso – [i] subjacente na fala do informante 2; [i] derivada, nas demais. 181 A diferença entre as categorias de pretônica alta atingiu até 2 dB apenas. Entretanto, entre a postônica [] (tomate, tapete) e a pretônica [i] subjacente (titio, tigela), que corresponde à segunda mais reduzida, a diferença alcançou 7 dB na fala do informante 3. Embora a diferença de intensidade das pretônicas [i] derivada e [i] subjacente tenha sido tênue, a distinção entre pretônica média, pretônica alta e postônica alta parece bem mais nítida que a verificada nos resultados da amostra com /mE/, /mi/ e /mI/ (cf. tabela 22). Na maioria das vezes, sobretudo nas médias considerando os informantes em conjunto, a ordem que vai da maior intensidade à menor parece ser: [e] > [i] derivada > [i] subjacente > []. Assim como ocorre com a duração intrínseca, que varia diretamente com o grau de abertura da vogal, a intensidade intrínseca vai na mesma direção: a vogal [e] é intrinsecamente mais forte que a [i] (cf. LEHISTE, 1972; DI CRITO, 1975). Desse modo, o fato de a vogal média ter sido mais forte que as outras vogais, altas, mostra que a intensidade intrínseca deve ter sido responsável pelas diferenças observadas. De modo geral, como mostra a tabela 28, o que se observou como diferença parece confirmar-se em termos estatísticos. Tabela 28: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [t], [t] derivada, [t] e [t] Vogais comparadas [e] x [i] derivada [e] x [i] subjacente x [] [e] [i] derivada x [i] subjacente x [] [i] derivada x [] [i] subjacente Pretônicas x Postônica Significância 0,14 0,06 0,01 0,80 0,13 0,01 0,03 Na etapa em que se analisou a duração, a diferença deu-se entre [i] derivada e [], o que se associou à provável influência do contexto subsequente à vogal. No caso da intensidade, a vogal pretônica [i] derivada não se distinguiu significativamente de nenhuma outra. Constatou-se diferença realmente entre três pares opositivos: [e] e []; [i] subjacente e []; pretônicas e postônica. As vogais [e] e [i] subjacente demonstraram uma diferença cujo índice de significância é muito aproximado ao considerado aceitável estatisticamente para assegurar que houve variação sistemática (p ≤ 0,05). Desse modo, pelo parâmetro 182 intensidade, distinguiram-se efetivamente as sílabas dessa amostra pela tonicidade (pretônicas versus postônica) e, mais especificamente, duas categorias de vogal pretônica ([e] e [i] subjacente) em oposição à postônica. Por hipótese, a vogal [i] derivada seria uma categoria híbrida, intermediária entre [e] e [i] subjacente; isso dificultaria na sua distinção frente às outras duas vogais pretônicas. Encaminhando a reflexão para o pronome te, averiguou-se a pertinência da distinção de intensidade entre os pares com pronome átono e os pares lexicais, de modo que se obtiveram os graus de significâncias apresentados na tabela 29. Tabela 29: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico te e da vogal das sílabas [t], [t] derivada, [t] e [t] te quica te cava te zomba te zoa te tiro te gela tomei-te domei-te [i] do clítico [i] do clítico [i] do clítico [] do clítico 0,02 0,55 0,56 0,66 [e] [i] derivada [i] subjacente [] tequila teclado tesoura tesouro titio tigela tomate tapete Das comparações realizadas, apenas uma não teve índice de significância que assinalasse equivalência: entre a vogal do clítico anteposto e a pretônica [e]. A julgar que esta anteriormente se distinguiu de [i] subjacente, mas não de [i] derivada (cf. tabela 28), acredita-se que a vogal alta do clítico tenha apresentado intensidade semelhante à de uma pretônica [i] subjacente. No que se refere à intensidade estritamente da vogal do pronome átono, registraram-se as seguintes médias: Tabela 30: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico te [ti/t] antes do verbo e depois do verbo Vogal do clítico te antes do verbo Vogal do clítico te depois do verbo média D.P. média D.P. Informante 1 67 17 66 03 Informante 2 66 03 61 05 Informante 3 70 02 Informantes em conjunto 68 10 65 04 p = 31 183 Em todos os casos, a intensidade da vogal quando o clítico se encontrava antes do verbo foi maior que a verificada na outra posição. Em virtude de apagamentos, na fala do informante 3, em particular, não foi possível estabelecer esse contraponto. Embora os resultados estatísticos obtidos indiquem que as alterações de intensidade em função da colocação pronominal não sejam relevantes (p = 0,31), não parece desprezível a diferença entre pretônicas e postônicas quando posta em consideração, uma vez mais, a não realização do segmento vocálico em posição postônica. Antes do mais, vejamos a comparação entre todas as realizações de te antes do verbo e as vogais átonas de sílabas vocabulares/lexicais. Tabela 31: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico te antes do verbo e da vogal das sílabas [t], [t] derivada, [t] e [t] Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico 0,09 0,02 0,39 0,42 0,24 Pretônicas [e] [i] derivada [i] subjacente [] tequila teclado tesoura tesouro titio tigela tomate tapete No que diz respeito à intensidade, a vogal do pronome antes do verbo só não apresenta comportamento semelhante, com p = 0,02, ao da pretônica média. Isso justifica o fato de, por esse parâmetro, em Corrêa (2009), o pronome posposto não ter se distinguido de sílaba pretônica. A presente pesquisa e Corrêa (2009) convergem para a ideia de que é limitado tratar duração e intensidade separadamente para fins acentuais. Mesmo na amostra com pronome te, em que se observaram diferenças relevantes, a variação da intensidade não garantiu a suposta discrepância entre as categorias pretônica e postônica. Ao que tudo indica, como mencionado no estudo do pronome me, a vogal que é um pouco mais longa e forte se diferencia da outra que é mais reduzida e fraca. Ao que tudo indica, é a atuação em conjunto da duração e da intensidade que distingue as sílabas ou os pronomes enclíticos/proclíticos. 184 Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /sE/, cuja vogal pode ser realizada como média (s[e]cura, s[e]tenta) ou alta (s[i]guido, s[i]guro), /si/ (c[i]garro, c[i]garra) e /sI/ (chatice[, alfac[]), os resultados encontram-se expostos na tabela seguinte. Tabela 32: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal das sílabas pretônicas [se], [si] derivada e [si] e da postônica [s] Pretônica /sE/ Pretônica /si/ Postônica /sI/ secura seguido cigarro chatice setenta seguro cigarra alface [] [e] [i] derivada [i] subjacente média D.P. média D.P. média D.P. média D.P. Informante 1 75 02 69 03 68 03 67 02 Informante 2 67 02 67 04 66 05 62 03 Informante 3 74 01 72 02 73 01 67 04 Informantes em conjunto 72 04 69 04 69 04 65 04 Em termos absolutos, a vogal postônica mostrou-se mais fraca que as pretônicas. Estas, por sua vez, considerando a fala de cada um dos informantes, não apresentam um comportamento uniforme. A vogal média [e] foi mais forte ou igual à vogal [i] derivada. Esta, quando não era igual à média, era maior ou menor que [i] subjacente. Na média geral, a pretônica [e] é mais forte que [i] derivada, que possui a mesma intensidade média que [i] subjacente; todas as três foram mais fortes que []. A representatividade desses resultados não tem validade estatisticamente, conforme se verifica na tabela 33, se considerado o limite de 0,05 de significância estabelecido para esta análise. Tabela 33: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [s], [s] derivada, [s] e [s] Vogais comparadas [e] x [i] derivada [e] x [i] subjacente x [] [e] [i] derivada x [i] subjacente x [] [i] derivada x [] [i] subjacente Pretônicas x Postônica Significância 0,42 0,41 0,10 0,90 0,14 0,24 0,07 Embora, os índices expostos na tabela 32 não assegurem a relevância da distinção entre as vogais do ponto de vista da intensidade, pois todas as significâncias estão acima de 185 0,05, é interessante observar alguns extremos no comportamento verificado. O menor valor detectado (0,07) refere-se ao contraste entre as vogais pretônicas e a postônica. A maior significância obtida (0,90), muito próximo da totalidade, refere-se às vogais [i] derivada e [i] subjacente, cuja intensidade média na fala dos três informantes foi igualmente 69 dB (cf. tabela 32). Quando o olhar foi dirigido para os pronomes, em se tratando de oração com lexia verbal simples, esperava-se que o pronome se indeterminador/apassivador não fosse foneticamente diferente de se reflexivo/inerente, pois, em posição igual, estabeleceriam a mesma ligação fonológica. Se houvesse alguma diferença entre os dois, aquele seria mais fraco, devido ao fato de, em tese, ele ser essencialmente enclítico. Se o pronome se, ainda que de forma pouco expressiva, foi vulnerável a ponto de estar envolvido em apagamento vocálico como aconteceu com te, as realizações da vogal daquele (sobretudo, do tipo indeterminador/apassivador, cuja vogal foi omitida quando estava anteposto e posposto) seriam parecidas com as realizações da vogal de te. No entanto, enquanto a vogal de te variou de intensidade, a vogal dos dois tipos de se apresentou intensidade relativamente constante – neste caso, as alterações não foram significativas. Ao comparar os pares com sequência fônica parecida – pares de verbos acompanhados pelo pronome se reflexivo/inerente, a princípio, e pares de palavras contendo uma vogal que poderia corresponder48 à do clítico –, observou-se correspondência entre os termos. Tabela 34: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se reflexivo/inerente e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] se cuida se trata se guia se nina se gaba se cala cortou-se furou-se 48 [i] do clítico [i] do clítico [i] do clítico [] do clítico 0,22 1,00 0,63 0,84 [e] [i] derivada [i] subjacente [] secura setenta seguido seguro cigarro cigarra chatice alface Devido à diferença de qualidade entre a vogal alta do clítico e a vogal pretônica média de sílaba vocabular/lexical, considera-se que, neste caso, as duas podem não ser correspondentes. 186 A tabela 34 indica que, no que se refere à intensidade, a vogal de se reflexivo/inerente antes do verbo foi semelhante à vogal pretônica, especialmente quando esta era alta e derivada – contraste com índice de 1,00, o que revela identidade absoluta. Da mesma forma, quando o pronome se encontrava depois do verbo, sua vogal assemelhou-se à vogal postônica. Essas correlações vão, em parte, ao encontro da expectativa inicial; como sílaba pretônica não se diferenciou de postônica, a correspondência indica que se reflexivo/inerente antes ou depois do verbo deve apresentar, em média, a mesma intensidade. Em linhas gerais, o mesmo comportamento pôde ser observado com o pronome se indeterminador/apassivador, conforme se verifica na tabela 35. Tabela 35: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se indeterminador/apassivador e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] se trata se tenta se guia se nina se nada se dava pediu-se previu-se [i] do clítico [i] do clítico [i] do clítico [] do clítico 0,16 0,57 0,68 1,00 [e] [i] derivada [i] subjacente [] secura setenta seguido seguro cigarro cigarra chatice alface No que se refere aos índices obtidos para o se indeterminador/apassivador, há que se destacar que o índice a revelar identidade absoluta se refere ao padrão enclítico versus posposto – fato que corrobora a hipótese inicial de que o se indeterminador/apassivador, numa proposta escalar, se aproximaria, ainda que de forma sutil, mais do padrão enclítico do que o se reflexivo/inerente, que se aproximaria mais do padrão proclítico. Observando, então, como foi a intensidade da vogal do clítico se reflexivo/inerente antes e depois do verbo, encontraram-se os valores expostos a seguir, na tabela 36. Tabela 36: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se reflexivo/inerente [si/s] antes do verbo e depois do verbo Vogal do clítico se refl./inerente Vogal do clítico se refl./inerente antes do verbo depois do verbo média D.P. média D.P. Informante 1 69 04 69 03 Informante 2 65 02 60 01 Informante 3 70 02 65 04 Informantes em conjunto 68 04 65 05 p = 0,34 187 Somente na fala do informante 1, nas duas posições, o valor médio da intensidade foi similar, 69 dB. Na fala dos demais e dos três em conjunto, a vogal do clítico reflexivo; inerente antes do verbo foi mais forte, com até 5 dB a mais. Apesar disso, a oscilação da intensidade não foi sistemática o suficiente para ser considerada como relevante (p = 0,34). Como se pode ver na tabela 37, quando comparada a vogal desse pronome antes do verbo com as vogais átonas das palavras lexicais, nenhuma diferença foi significativa, especialmente quando esta correspondia à vogal pretônica alta. Tabela 37: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se reflexivo/inerente antes do verbo e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico 0,32 0,25 0,56 0,71 0,30 Pretônicas [e] [i] derivada [i] subjacente [] secura setenta seguido seguro cigarro cigarra chatice alface Na sequência, assim como aconteceu com se reflexivo/inerente, a intensidade da vogal do clítico se indeterminador/apassivador antes do verbo foi mais forte que quando ele se encontrava depois do verbo. Neste caso, considerando todas as médias calculadas, a diferença chegava a 4 dB, o que pode ser observado na tabela 38. Tabela 38: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se indeterminador/apassivador [si/s] antes do verbo e depois do verbo Vogal do clítico se indet./apass. Vogal do clítico se indet./apass. antes do verbo depois do verbo média D.P. média D.P. Informante 1 70 04 68 03 Informante 2 67 02 63 05 Informante 3 69 04 65 02 Informantes em conjunto 69 04 65 04 p = 0,13 Quanto à variação da intensidade do pronome se indeterminador/apassivador em diferentes posições, embora tenha ultrapassado o limite para ser considerada significativa, 188 há que se considerar o fato de que, diferentemente do pronome se reflexivo/inerente, o índice obtido foi bem mais baixo (p = 0,13). Quanto às significâncias resultantes da comparação entre a intensidade da vogal de se indeterminador/apassivador antes do verbo e a vogal das sílabas vocabulares/lexicais analisadas, elas estão expostas na tabela 39. Tabela 39: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se indeterminador/apassivador antes do verbo e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico 0,34 0,31 0,71 0,89 0,17 Pretônicas [e] [i] derivada [i] subjacente [] secura setenta seguido seguro cigarro cigarra chatice alface Como se constatou nos resultados sobre se reflexivo/inerente, a maior semelhança deu-se entre a vogal de se indeterminador/apassivador e vogal pretônica alta, neste caso derivada e subjacente. Não parece coincidência que a intensidade se comporte de forma semelhante, em linhas gerais, quando se trata de se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador. Quando os dois estão antes do verbo, a significância da variação foi 0,72, ao passo que, quando estão na posição pós-verbal, ela correspondeu a 0,83. Ao que tudo indica, no que se refere à intensidade da vogal do pronome se, ao menos quando há um só verbo, foneticamente são bastante sutis e, em alguns casos, indiferentes as diferenças entre as subcategorias referentes a essa forma pronominal. Dos pronomes analisados, somente a intensidade da vogal do te mostrou que, ainda que levemente, sofre alteração relevante quando o clítico muda de posição. Os demais parecem se comportar de forma constante; mesmo quando a intensidade da vogal muda, não é algo regular. A duração, com exceção da vogal média, que naturalmente é mais longa, também não alterou de forma significativa. No estudo desse parâmetro, o pronome te novamente se 189 destacou pela fragilidade da vogal, que, quando integrava clítico posposto, era normalmente bastante reduzida ou omitida, como na sílaba postônica /tI/. Na maioria das vezes, o respaldo estatístico assegurou que as diferenças observadas não são sistemáticas. Apesar disso, quase sempre, as vogais pretônicas foram mais fortes e longas que a postônica. Da mesma forma, a vogal dos clíticos – exceto de se indeterminador/apassivador – foi mais forte e longa quando eles se localizavam antes do verbo. Embora a duração e a intensidade observadas separadamente não tenham refletido fisicamente, de forma inequívoca, a saliência que se esperava encontrar na diferenciação das categorias investigadas, supõe-se que a atuação conjunta dos mesmos seja responsável pela distinção comumente atribuída a esses parâmetros em termos perceptuais. Há que se destacar, entretanto, que um dos aspectos que mostrou relevância diz respeito à qualidade vocálica, a ser averiguada acusticamente através dos formantes. (iii) Primeiro formante: Conforme já se observou para a duração e a intensidade, nem sempre as características acústicas se manifestam com clareza suficiente para que possam ser notadas a partir da observação de cada parâmetro isoladamente. Quando os valores de F1 foram analisados, a diferença entre vogal média e alta foi o aspecto mais evidente. Quando se trata das três categorias de vogal alta (pretônica derivada, pretônica subjacente e postônica), somente no grupo de dados que contém o pronome te, verificou-se diferença significativa. Na sequência, serão apresentados os valores médios de F1 e o que eles representam. Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /mE/, cuja vogal pode ser realizada como média (m[e]disse, m[e]gera) ou alta (m[i]xido, m[i]nina), /mi/ (m[i]cose, m[i]tose) e /mI/ (salam[], perfum[]), os resultados estão expostos a seguir. 190 Tabela 40: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [me], [mi] derivada e [mi] e da postônica [m] Pretônica /mE/ Pretônica /mi/ Postônica /mI/ medisse mexido micose salame megera menina mitose perfume [] [e] [i] derivada [i] subjacente média D.P. média D.P. média D.P. média D.P. Informante 1 363 19 350 36 337 23 344 21 Informante 2 394 39 328 29 343 26 342 33 Informante 3 416 30 334 19 349 13 305 08 Informantes em conjunto 391 38 338 30 343 22 330 29 A tabela 40 exibe claramente a diferença entre o primeiro formante da vogal pretônica média e das demais vogais, as quais, embora discriminadas em três categorias, são todas altas. De acordo com Catford (1988), o som [e] possui, em média, 390 Hz, valor bem próximo da média de 391 Hz, referente à realização deste segmento pelos três indivíduos. Ele indica ainda a média de 240 Hz para o som [i]; porém, os valores registrados para vogal alta anterior (pretônica ou postônica) foram superiores a essa média, estando em torno de 330 Hz e 345 Hz. Dessa forma, consoante a hierarquia de Catford (1988), foi comprovado que a vogal [e] é mais baixa que as outras, ainda que o primeiro formante destas não tenha sido tão baixo quanto aquele registrado pelo autor. Moraes, Callou & Leite (1996) – em trabalho que apresenta o comportamento médio dos formantes das vogais [e] e [i] em diferentes posições acentuais, na fala espontânea do Rio de Janeiro – apontam que não se deu a confirmação das hipóteses iniciais sistematicamente. Segundo o estudo, o comportamento esperado quanto às posições acentuais era o de que o maior grau de atonicidade seria compatível com o maior valor de F1 (que indica som mais baixo) e menor valor de F2 (que denota som menos anterior). Em linhas gerais, o comportamento dos dados quanto a F1 não foi claro para os [i]s, que apresentaram pouca diferença e/ou um comportamento não esperado ([i] tônico = 336 Hz; [i] pretônico = 324 Hz; [i] postônico = 333 Hz); entre os dois [e], o pretônico revelou-se mais aberto (433 Hz) que o tônico (400 Hz). A fim de verificar a sistematicidade das oscilações de F1 nos dados da presente pesquisa, calcularam-se as significâncias estatísticas, expostas na tabela 41. 191 Tabela 41: Significância das diferenças entre F1 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [], [] derivada, [] e [] Vogais comparadas [e] x [i] derivada [e] x [i] subjacente x [] [e] [i] derivada x [i] subjacente x [] [i] derivada x [] [i] subjacente Pretônicas x Postônica Significância 0,05 0,08 0,04 0,50 0,65 0,42 0,15 A comparação entre as vogais altas não revelou diferença significativa. O primeiro formante da pretônica média (medisse, megera), por outro lado, distinguiu-se da pretônica alta derivada (mexido, menina) – p = 0,05 – e da postônica (salame, perfume) – p = 0,04. Apesar de exibir uma significância de 0,08, um pouco superior ao limite convencional de 0,05, a pretônica média também se mostrou diferente da pretônica alta subjacente (micose, mitose). Assim sendo, a vogal média apresentou F1 diferente de todas as vogais altas, como se pensou inicialmente, mas não foi suficiente para diferenciar o grupo das pretônicas, do qual faz parte, do grupo da postônica. Confrontando essas vogais de sílabas vocabulares/lexicais e a vogal do clítico me, obtiveram-se as seguintes significâncias: Tabela 42: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico me e da vogal das sílabas [], [] derivada, [] e [] me disse me gera me chifra me nina me cobre me toca calei-me lembrei-me [i] do clítico [i] do clítico [i] do clítico [] do clítico 0,02 0,69 0,36 0,15 [e] [i] derivada [i] subjacente [] medisse megera mexido menina micose mitose salame perfume O confronto entre a vogal átona vocabular/lexical e a vogal do clítico, quando inseridas em mesmo ambiente fonético, mostrou que apenas não atuam de forma semelhante quanto a F1 quando a vogal pretônica era a média. Os outros pares contrastados mostraram que a vogal do clítico anteposto ao verbo apresentou F1 similar ao da pretônica alta derivada e subjacente; do mesmo modo, quando posposto o pronome ao 192 verbo, sua vogal não se diferenciou claramente da vogal postônica quanto ao aspecto acústico analisado. Após a reunião das realizações da vogal do clítico antes do verbo em um só conjunto, os valores médios de F1 em relação àqueles referentes à vogal do mesmo pronome posposto ao verbo encontram-se expostos na tabela 43. Tabela 43: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico me [mi/m] antes do verbo e depois do verbo Vogal do clítico me antes do verbo Vogal do clítico me depois do verbo média D.P. média D.P. Informante 1 326 27 318 22 Informante 2 337 19 290 51 Informante 3 340 21 300 24 Informantes em conjunto 334 24 303 37 p = 0,04 Com p = 0,04, a diferença entre F1 da vogal do clítico antes e depois do verbo foi significativa, de modo que, na fala dos três informantes, as médias obtidas quando o pronome estava antes do verbo foram maiores. Os valores relativos à vogal do pronome posposto, por outro lado, não foram tão altos quanto àqueles de vogal postônica (cf. tabela 40). Apesar disso, com p = 0,15, não se registrou uma variação sistemática entre esses dois grupos de dados. Por fim, a comparação entre a vogal do pronome anteposto e as vogais átonas vocabulares/lexicais resultou nas seguintes significâncias: Tabela 44: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico me antes do verbo e da vogal das sílabas [], [] derivada, [] e [] Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico 0,05 0,05 0,72 0,19 0,78 pretônicas [e] [i] derivada [i] subjacente [] medisse megera mexido menina micose mitose salame perfume Independentemente de apresentarem o mesmo contexto circunvizinho ou não, com p = 0,05, a vogal do pronome me antes do verbo mostrou-se diferente da vogal pretônica 193 média, o que provavelmente causou a diferença também entre a vogal do clítico e todas as pretônicas analisadas. A amostra de dados com pronome me e as sílabas /mE/, /mi/ e /mI/ confirmou que não há uma correspondência entre F1 de vogal média e alta (do pronome átono ou de sílaba vocabular/lexical). Além disso, no que toca ao clítico especificamente, quando variou a posição em relação ao hospedeiro verbal, apesar de ter sido realizada categoricamente como alta, a vogal do pronome anteposto mostrou-se significativamente mais baixa que aquela do pronome posposto. Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /tE/, cuja vogal pode ser realizada como média (t[e]quila, t[e]clado) ou alta (t[i]soura, t[i]souro), /ti/ (t[i]tio, t[i]gela) e /tI/ (tomat[], tapet[]), os resultados estão expostos na tabela a seguir: Tabela 45: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [te], [ti] derivada e [ti] e da postônica [t] Pretônica /tE/ Pretônica /ti/ Postônica /tI/ tequila tesoura titio tomate teclado tesouro tigela tapete [] [e] [i] derivada [i] subjacente média D.P. média D.P. média D.P. média D.P. Informante 1 403 40 317 07 298 22 285 26 Informante 2 384 38 331 35 295 31 291 46 Informante 3 409 41 309 20 293 15 250 14 Informantes em conjunto 399 41 319 25 295 24 278 36 Na tabela 45, é possível observar uma gradação comum à fala dos três informantes. Com cerca de 400 Hz, a vogal pretônica média apresentou os maiores valores de F1, seguida da vogal alta derivada, com, em média, 320 Hz. Em um terceiro nível, está a vogal pretônica alta subjacente, com praticamente 300 Hz. Por fim, a postônica apresentou os menores valores, com aproximadamente 280 Hz. Em termos estatísticos, nem todas essas diferenças são relevantes, como se pode verificar na tabela 46. 194 Tabela 46: Significância das diferenças entre F1 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [t], [t] derivada, [t] e [t] Vogais comparadas [e] x [i] derivada [e] x [i] subjacente x [] [e] [i] derivada x [i] subjacente x [] [i] derivada x [] [i] subjacente Pretônicas x Postônica Significância 0,00 0,00 0,00 0,06 0,05 0,25 0,01 Embora F1 das pretônicas como um todo se mostre diferente do obtido para a postônica (p = 0,01), nem todas as pretônicas se mostraram realmente diferentes da postônica. Com p = 0,00, foi confirmada a diferença de [e] (tequila, teclado) em relação às outras vogais. Com p = 0,05, a vogal [i] derivada (tesoura, tesouro) distinguiu-se da postônica [] (tomate, tapete). Com p = 0,06 apenas, ainda que ligeiramente acima de 0,05, a vogal pretônica [i] derivada demonstra ter F1 distinto em relação ao obtido para a pretônica [i] subjacente. Em contrapartida, com p = 0,25, a pretônica [i] subjacente (titio, tigela) e a postônica [] mostraram comportamento semelhante quanto a F1. Quando a cada vogal de sílaba vocabular/lexical foi comparada a vogal do clítico te com mesmo contexto circunvizinho, a diferença segmental novamente se destacou, conforme se verifica na tabela 47. Tabela 47: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico te e da vogal das sílabas [t], [t] derivada, [t] e [t] te quica te cava te zomba te zoa te tiro te gela tomei-te domei-te [i] do clítico [i] do clítico [i] do clítico [] do clítico 0,00 0,60 0,14 0,47 [e] [i] derivada [i] subjacente [] tequila teclado tesoura tesouro titio tigela tomate tapete Ao serem comparadas vogais igualmente altas, não se registrou variação significativa de F1, respeitado o limite de 0,05. Entretanto, quando a vogal alta do clítico foi associada à vogal média, a diferença, com p = 0,00, foi relevante. 195 Tendo verificado a relação entre as vogais quando estivessem neutralizados os efeitos do contexto circunvizinho, na tabela 48, estão expostos os valores médios de F1 referentes à vogal do clítico estritamente. Tabela 48: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico te [ti /t] antes do verbo e depois do verbo Vogal do clítico te antes do verbo Vogal do clítico te depois do verbo média D.P. média D.P. Informante 1 284 48 272 12 Informante 2 296 38 253 76 Informante 3 307 23 Informantes em conjunto 296 39 266 46 p = 0,10 Na fala dos informantes 1 e 2, a vogal do clítico depois do verbo apresentou índices inferiores de F1. Na fala do informante 3, a vogal nessas circunstâncias não foi sequer realizada, provavelmente devido à forte coarticulação da vogal com a consoante precedente (africada alveopalatal), combinada a uma fragilidade sonora da vogal neste ambiente. Apesar da variação observada a depender da posição do pronome em relação ao seu hospedeiro sintático (o verbo), em termos estatísticos, com p = 0,10, a oscilação de F1 não foi significativa com a expressividade esperada (de até 0,05). Em seguida, efetuou-se a comparação entre a vogal das estruturas com pronome antes do verbo e as vogais átonas vocabulares/lexicais, de modo que se obtiveram as seguintes significâncias: Tabela 49: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico te antes do verbo e da vogal das sílabas [t], [t] derivada, [t] e [t] Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico 0,03 0,00 0,06 0,96 0,25 Pretônicas [e] [i] derivada [i] subjacente [] tequila teclado tesoura tesouro titio tigela tomate tapete A vogal do pronome mostrou novamente F1 diferente da vogal pretônica média, motivo pelo qual provavelmente foi, com p = 0,03, significativa a diferença entre aquela e 196 as vogais pretônicas como um todo. Por outro lado, entre a vogal do pronome e a vogal alta derivada, com p = 0,06, a variação de F1 não foi assinalada como significativa pelo programa estatístico R no limite estabelecido como relevante. Além disso, revelaram-se semelhantes a vogal do pronome e as vogais pretônica alta subjacente (identidade quase total) e postônica alta. Portanto, assim como ocorreu na amostra com o pronome me, neste subconjunto de dados, a vogal pretônica média destacou-se das outras vogais (altas), pertencessem estas a sílabas átonas ou ao clítico te. Além disso, nesta amostra, observou-se que a vogal pretônica alta derivada também se diferenciou significativamente da vogal postônica. De acordo com os resultados, a vogal pretônica média apresenta os maiores valores de F1 contemplados na amostra (em torno de 400 Hz), enquanto a pretônica alta subjacente e postônica apresentam os menores (até cerca de 300 Hz). Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /sE/, cuja vogal pode ser realizada como média (s[e]cura, s[e]tenta) ou alta (s[i]guido, s[i]guro), /si/ (c[i]garro, c[i]garra) e /sI/ (chatice[, alfac[]), os resultados foram os seguintes: Tabela 50: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [se], [si] derivada e [si] e da postônica [s] Pretônica /sE/ Pretônica /si/ Postônica /sI/ secura seguido cigarro chatice setenta seguro cigarra alface [] [e] [i] derivada [i] subjacente média D.P. média D.P. média D.P. média D.P. Informante 1 400 22 319 25 290 20 275 26 Informante 2 387 24 310 21 331 35 312 32 Informante 3 413 42 313 16 312 13 234 45 Informantes em conjunto 400 32 314 21 311 29 276 47 Como a vogal pretônica média nas outras duas amostras, em [se], ela apresentou uma frequência de cerca de 400 Hz. A respeito das demais vogais, observando a média relativa à fala de cada informante, não é notável uma divisão clara entre as categorias; porém, baseando-se na média da pronúncia coletiva, a postônica ainda apresenta a menor média, com 276 Hz, enquanto as vogais pretônicas altas apresentaram frequências parecidas, entre 311 e 314 Hz. Na tabela 51, as significâncias confirmam o destaque da vogal média frente às demais vogais. 197 Tabela 51: Significância das diferenças entre F1 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [s], [s] derivada, [s] e [s] Vogais comparadas [e] x [i] derivada [e] x [i] subjacente x [] [e] [i] derivada x [i] subjacente x [] [i] derivada x [] [i] subjacente Pretônicas x Significância 0,00 0,00 0,02 0,82 0,21 Postônica 0,23 0,06 A vogal pretônica média teve F1 diferente do verificado para as três vogais altas. Todas as outras comparações realizadas (entre vogais altas e entre pretônicas e postônica) não revelaram diferença significativa, considerando o limite de 0,05. Cabe salientar, apenas, que o contraste entre o F1 referente às pretônicas em geral e o da postônica apresenta significância bem próxima ao limite estabelecido, o que possivelmente se justifica pela inclusão da vogal média entre as pretônicas. Do que se expôs até o momento, verifica-se que o primeiro formante não consistiu em um parâmetro que distingue a qualidade vocálica de [i] derivada, [i] subjacente e [] – vogais a que poderia corresponder a vogal do clítico. Os resultados referentes ao pronome se reflexivo/inerente também retratam esse comportamento de F1, conforme se pode ver na tabela 52. Tabela 52: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se reflexivo/inerente e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] se cuida se trata se guia se nina se gaba se cala cortou-se furou-se [i] do clítico [i] do clítico [i] do clítico [] do clítico 0,00 0,22 0,66 0,79 [e] [i] derivada [i] subjacente [] secura setenta seguido seguro cigarro cigarra chatice alface A vogal alta de se reflexivo/inerente, quando contrastada com palavras foneticamente parecidas, só foi realmente diferente da vogal pretônica média. A vogal de se indeterminador/apassivador, por outro lado, distinguiu-se também de outra vogal alta, como mostra a tabela 53. 198 Tabela 53: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se indeterminador/apassivador e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] se trata se tenta se guia se nina se nada se dava pediu-se previu-se 0,00 [i] do clítico [e] 0,00 [i] do clítico [i] derivada 0,06 [i] do clítico [i] subjacente 0,42 [] do clítico [] secura setenta seguido seguro cigarro cigarra chatice alface A vogal do pronome antes do verbo diferenciou-se tanto da vogal pretônica média quanto da pretônica alta derivada; em ambas os casos, registrou-se p = 0,00. A diferença entre aquela vogal e a pretônica alta subjacente, por pouco, com p = 0,06, não se mostrou estatisticamente significativa; portanto, ao que parece, a vogal de se indeterminador/apassivador antes do verbo estaria, no que diz respeito a F1, mais próximo do comportamento da pretônica alta subjacente. Quando posposto o pronome, com p = 0,42, sua vogal teve comportamento semelhante ao da postônica []. Agrupando as realizações do pronome se reflexivo/inerente antes do verbo em um só conjunto, os valores médios de F1 desse grupo estão expostos na tabela 54, assim como aqueles relativos ao clítico posposto. Tabela 54: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se reflexivo/inerente [si/s] antes do verbo e depois do verbo Vogal do clítico se refl./inerente Vogal do clítico se refl./inerente antes do verbo depois do verbo média D.P. média D.P. Informante 1 312 29 276 20 Informante 2 318 27 305 43 Informante 3 319 21 262 32 Informantes em conjunto 316 26 283 38 p = 0,10 Na fala dos três informantes, consequentemente na média geral, o valor de F1 quando o pronome se encontrava antes do verbo era maior que o obtido para o pronome quando este sucedia o mesmo. Antes do verbo, F1 correspondia, em média, a 316 Hz, assim como as pretônicas altas vocabulares/lexicais (cf. tabela 50). Depois do verbo, correspondia a 283 Hz, como a postônica vocabular/lexicais (cf. tabela 50). De qualquer forma, com p = 0,10, a oscilação de F1 a depender da posição do pronome não foi de todo 199 desprezível, embora não significativa segundo o limite estabelecido para o tratamento estatístico dos dados. Quando comparada a vogal do pronome anteposto ao verbo à vogal de sílabas átonas vocabulares/lexical, foram obtidas as significâncias apresentadas na tabela 55. Tabela 55: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se reflexivo/inerente antes do verbo e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico 0,13 0,00 0,53 0,69 0,19 Pretônicas [e] [i] derivada [i] subjacente [] secura setenta seguido seguro cigarro cigarra chatice alface Mais uma vez, somente se constatou uma real variação de F1 envolvendo vogais alta e média. Enquanto a vogal do pronome se reflexivo/inerente se igualou às vogais altas de sílabas átonas vocabulares/lexicais (pretônicas e postônica), no que se refere a F1, com p = 0,00, ela diferenciou-se da vogal pretônica média. Em se tratando de se indeterminador/apassivador, por outro lado, com p = 0,03, a variação de F1 quando a posição do pronome alterou mostrou-se um aspecto sistemático. Os valores médios desse formante, concernente à vogal desse tipo pronominal, encontramse na tabela 56. Tabela 56: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se indeterminador/apassivador [si/s] antes do verbo e depois do verbo Vogal do clítico se indet./apass. Vogal do clítico se indet./apass. antes do verbo depois do verbo média D.P. média D.P. Informante 1 339 37 290 12 Informante 2 335 23 313 44 Informante 3 330 21 286 22 Informantes em conjunto 334 29 297 32 p = 0,03 Na fala dos três informantes, o valor médio de F1 de sua vogal era superior quando o pronome estava localizado antes do verbo, como foi observado na apresentação dos 200 resultados de se reflexivo/inerente. Como foi dito anteriormente, foi comprovado que a oscilação de F1 envolvendo o se indeterminador/apassivador não foi aleatória. Além disso, quando esse pronome estava antes do verbo, o F1 de sua vogal foi significativamente diferente não só da vogal pretônica média (secura, setenta), mas também da pretônica alta derivada (seguido, seguro), conforme se pode verificar na tabela 57. Tabela 57: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se indeterminador/apassivador antes do verbo e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico 0,66 0,00 0,00 0,17 0,11 Pretônicas [e] [i] derivada [i] subjacente [] secura setenta seguido seguro cigarro cigarra chatice alface Assim sendo, nessa situação, duas vogais altas distinguiram-se sistematicamente quanto ao primeiro formante, fato antes observado somente quando se verificou a relevância da variação de F1 quando a ordem do pronome alterava em relação ao verbo. No que concerne a F1, portanto, a vogal de se indeterminador/apassivador apresentou um comportamento singular, de modo que não foi ao acaso que este pronome antes do verbo tenha se diferenciado da vogal de se reflexivo/inerente nessa mesma posição (p = 0,00). Em posição pós-verbal, ao contrário, as vogais dos dois tipos pronominais não divergiram sistematicamente (p = 0,37). De modo geral, o que se pôde observar na análise de F1 nesse primeiro experimento consistiu principalmente na nítida diferença entre segmentos vocálicos altos e médio. Ademais, no âmbito dos pronomes átonos, o se indeterminador/apassivador foi o único a ter alterado realmente o formante a depender da sua posição sintática e, provavelmente, em função do tipo de ligação fonológica – se houver, de fato, coincidência entre a ligação sintática e a fonológica. Assim sendo, a frequência formântica consistiu em 201 mais um aspecto que reforça a tese de que, em termos fonético-fonológicos, esse tipo pronominal se destaca em relação aos demais. (iv) Segundo formante: Os valores do segundo formante tradicionalmente se correlacionam com grau de posteriorização/anteriorização da vogal. De acordo com o trapézio vocálico (cf. figura 5, página 86), que dispõe os segmentos vocálicos segundo seu ponto de articulação e seu grau de abertura, a vogal média é menos anterior que a vogal alta. Dessa forma, era esperado que a vogal média apresentasse valores médios de F2 menores que os de uma vogal alta; contudo, na maioria das vezes, essa hipótese não foi confirmada no presente trabalho. Considerando, ainda, o trabalho de Moraes, Callou & Leite (1996), partiu-se da hipótese de que o maior grau de atonicidade seria compatível com o maior valor de F1 (que indica som mais baixo) e menor valor de F2 (que denota som menos anterior). Quanto a F2, o referido estudo revelou basicamente uma diferença nítida do [i] postônico (2099 Hz em média) em relação aos outros dois [i]s (2193 Hz, quando pretônico, e 2196 Hz, quando tônico), denotando uma articulação menos anteriorizada (mais centralizada) do postônico. De forma semelhante, o [e] pretônico (1884 Hz em média), em comparação ao tônico (2016 Hz em média), mostrou-se mais recuado, menos anteriorizado. Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /mE/, cuja vogal pode ser realizada como média (m[e]disse, m[e]gera) ou alta (m[i]xido, m[i]nina), /mi/ (m[i]cose, m[i]tose) e /mI/ (salam[], perfum[]), os resultados foram os seguintes: Tabela 58: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [me], [mi] derivada e [mi] e da postônica [m] Pretônica /mE/ Pretônica /mi/ Postônica /mI/ medisse mexido micose salame megera menina mitose perfume [] [e] [i] derivada [i] subjacente média D.P. média D.P. média D.P. média D.P. Informante 1 2034 68 2166 50 2163 112 2005 76 Informante 2 2003 71 2078 94 1938 171 1839 119 Informante 3 2008 62 2010 242 2010 95 2101 128 Informantes em conjunto 2024 69 2085 169 2037 160 1982 154 202 Como se pode ver, a princípio, não é possível distinguir vogais de sílabas átonas vocabulares/lexicais com base em F2. Quando se observa a fala de cada indivíduo, não se verifica uma gradação entre os valores, o que indica uma assistematicidade, a qual é confirmada através do tratamento estatístico. Além disso, as médias referentes à fala dos informantes em conjunto mostram que a vogal alta postônica apresentou o menor valor de F2 (1982 Hz), contrariando a hipótese inicial de que a vogal média seria a menos anterior de todas as vogais. Comparando as realizações de [i], o índice mais baixo de F2 obtido para a postônica em comparação ao obtido para as realizações altas pretônicas confirma a hipótese de maior anterioridade da vogal postônica. Contudo, ao que parece, qualquer diferença superficialmente observada foi estatisticamente irrelevante, conforme ratificam os resultados expostos na tabela 59. Tabela 59: Significância das diferenças entre F2 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [], [] derivada, [] e [] Vogais comparadas [e] x [i] derivada [e] x [i] subjacente x [] [e] [i] derivada x [i] subjacente x [] [i] derivada x [] [i] subjacente Pretônicas x Postônica Significância 0,26 0,26 0,70 0,58 0,32 0,32 0,49 Os resultados das quatro categorias de vogais foram confrontados entre si. Em todos os casos, não houve índice de significância relevante, pois os índices ficaram sempre muito superiores a 0,05. Desse modo, o tratamento estatístico confirmou que as vogais das sílabas /mE/, /mi/ e /mI/ são, na verdade, similares quanto a F2. Após abordar apenas as sílabas vocabulares/lexicais, elas foram relacionadas a estruturas com pronome me, como mostra a tabela 60. 203 Tabela 60: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico me e da vogal das sílabas [], [] derivada, [] e [] me disse me gera me chifra me nina me cobre me toca calei-me lembrei-me [i] do clítico [i] do clítico [i] do clítico [] do clítico 0,12 0,35 0,06 0,34 [e] [i] derivada [i] subjacente [] medisse megera mexido menina micose mitose salame perfume Novamente não se registrou p ≤ 0,05. Enquanto o mais esperado era que a vogal média se distinguisse da vogal alta do clítico, o menor índice obtido, p = 0,06, resultou do confronto entre vogal do pronome anteposto ao verbo e vogal pretônica alta subjacente, o que fica, por ora, sem explicação. Ao que parece, o comportamento de F2 da vogal do pronome me é semelhante ao da vogal das sílabas vocabulares/lexicais. Assim, tendo já observado os índices referentes às pretônicas e postônica, cabe mostrar os que dizem respeito à vogal do clítico. Na tabela 61, eles são apresentados em função da posição do pronome em relação ao verbo. Tabela 61: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico me [mi/m] antes do verbo e depois do verbo Vogal do clítico me antes do verbo Vogal do clítico me depois do verbo média D.P. média D.P. Informante 1 2032 203 2112 52 Informante 2 2007 160 2025 74 Informante 3 2045 202 2093 88 Informantes em conjunto 2062 197 2076 82 p = 0,19 Na fala dos três informantes, em conjunto ou separadamente, quando o pronome se encontrava antes do verbo, o valor médio de F2 da vogal foi menor. Apesar dessa regularidade, o cálculo estatístico mostrou que o formante não alterou significativamente (p = 0,19). Os resultados mostram, então, que as realizações das vogais pretônicas e postônica não foram diferentes quanto a F2, da mesma forma que as vogais de pronome me antes e depois do verbo também não. Assim, é compreensível que, na comparação entre a vogal do clítico antes do verbo (me disse, me gera, me chifra, me nina, me cobre e me toca) e a 204 vogal de sílabas vocabulares/lexicais, não tenham sido alcançadas significâncias que representem dados realmente variáveis, como informa a tabela 62. Tabela 62: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico me antes do verbo e da vogal das sílabas [], [] derivada, [] e [] Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico 0,54 0,42 0,90 0,33 0,60 pretônicas [e] [i] derivada [i] subjacente [] medisse megera mexido menina micose mitose salame perfume Essa primeira amostra analisada justifica o fato de todas as vogais analisadas serem referidas tradicionalmente como anteriores. Em nenhum momento da investigação, a vogal do clítico me (antes ou depois do verbo) e a vogal das sílabas vocabulares (/mE/, /mi/ e /mI/) mostraram diferença significativa quanto a F2. A amostra que será explorada a seguir, no entanto, não revelou o mesmo comportamento. Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /tE/, cuja vogal pode ser realizada como média (t[e]quila, t[e]clado) ou alta (t[i]soura, t[i]souro), /ti/ (t[i]tio, t[i]gela) e /tI/ (tomat[], tapet[]), os resultados estão expostos na tabela a seguir. Tabela 63: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [te], [ti] derivada e [ti] e da postônica [t] Pretônica /tE/ Pretônica /ti/ Postônica /tI/ tequila tesoura titio tomate teclado tesouro Tigela tapete [] [e] [i] derivada [i] subjacente média D.P. média D.P. média D.P. média D.P. Informante 1 1966 145 1673 65 2194 060 2122 71 Informante 2 1999 089 1630 40 2125 117 1922 71 Informante 3 1917 078 1856 123 2255 143 2303 141 Informantes em conjunto 1960 113 1720 129 2192 124 2104 175 Na fala dos três informantes, a relação entre as vogais foi basicamente a mesma: a vogal pretônica alta derivada foi pronunciada de forma mais posterior, pois apresentou o 205 menor valor médio de F2 (1720 Hz em média); a vogal pretônica média aparece em segundo plano (com cerca de 1960 Hz), seguida pela postônica (em torno de 2104 Hz); a vogal pretônica alta subjacente foi a categoria mais anterior (com cerca de 2192 Hz). Na tabela 64, pode-se ver que nem todas essas vogais são realmente diferentes, sobretudo a vogal pretônica média e a postônica, cujos valores médios são próximos. Tabela 64: Significância das diferenças entre F2 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [t], [t] derivada, [t] e [t] Vogais comparadas [e] x [i] derivada [e] x [i] subjacente x [] [e] [i] derivada x [i] subjacente x [] [i] derivada x [] [i] subjacente Pretônicas x Significância 0,06 0,01 0,29 0,00 0,04 Postônica 0,57 0,29 As vogais [e] e [], de fato, não apresentaram valores de F2 significativamente diferentes, assim como [i] subjacente e []. As pretônicas [e] e [i] derivada, por p = 0,06 apenas, obtiveram índice de significância muito próximo ao limítrofe quanto a F2. Com p = 0,01, somente se verificou uma diferença clara entre vogal média e vogal alta quando [e] foi comparada a [i] subjacente – de acordo com os valores de F2, aquela seria mais posterior que esta, o que vai ao encontro da hipótese inicial. Algumas vogais altas entre si também revelaram alteração formântica significativa. Entre as pretônicas [i] derivada e [i] subjacente, com p = 0,00, a variação foi totalmente sistemática, de modo que aquela seria mais posterior que esta. A pretônica [i] derivada, por sua vez, com p= 0,04, também teria se mostrado significativamente mais posterior que a postônica []. Desse modo, ao que parece, a variação de F2 ocorreu envolvendo a vogal média/alta derivada e as demais vogais. Ademais, mesmo tendo se observado diferença entre uma pretônica e outra postônica, com p = 0,29, a classe pretônica não se mostrou significativamente diferente da postônica quanto ao aspecto observado. Tendo analisado as vogais das sílabas /tE/, /ti/ e /tI/, elas foram confrontadas com a vogal do pronome te, respeitando os pares foneticamente parecidos. 206 Tabela 65: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico te e da vogal das sílabas [t], [t] derivada, [t] e [t] te quica te cava te zomba te zoa te tiro te gela tomei-te domei-te [i] do clítico [i] do clítico [i] do clítico [] do clítico 0,00 0,34 0,54 0,56 [e] [i] derivada [i] subjacente [] tequila teclado tesoura tesouro titio tigela tomate tapete Não se constatou identidade entre os quatro pares comparados. Com p = 0,00, a vogal do pronome antes do verbo distinguiu-se da vogal pretônica média, mas igualou-se às pretônicas alta derivada e subjacente. Quando depois do verbo o pronome, sua vogal não apresentou diferença significativa em relação ao valor de F2 referente à vogal postônica. Os valores médios de F2 referentes à vogal do clítico estão expostos na tabela 66. Tabela 66: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico te [ti/t] antes do verbo e depois do verbo Vogal do clítico te antes do verbo Vogal do clítico te depois do verbo média D.P. média D.P. Informante 1 2088 283 2139 43 Informante 2 2011 201 1848 98 Informante 3 2281 148 Informantes em conjunto 2127 245 2042 152 p = 0,52 Na fala dos informantes 1 e 2, a vogal de te em posição pós-verbal foi mais posterior, porque apresentou F2 inferior ao da vogal do pronome anteposto. Na fala do informante 3, não foi possível fazer esse contraste, porque, em posição pós-verbal, nas seis realizações do clítico, a vogal foi omitida. De qualquer forma, de acordo com o tratamento estatístico dos dados, qualquer diferença observada foi irrelevante, pois o confronto entre as realizações vocálicas nas duas posições resultaram em p = 0,52. Relacionando todos os valores de F2 da vogal do pronome antes do verbo (te quica, te cava, te zomba, te zoa, te tiro e te gela) às vogais de sílabas átonas vocabulares/lexicais, obtiveram-se as significâncias apresentadas na tabela 67. 207 Tabela 67: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico te antes do verbo e da vogal das sílabas [t], [t] derivada, [t] e [t] Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico 0,17 0,16 0,01 0,52 0,93 Pretônicas [e] [i] derivada [i] subjacente [] tequila teclado tesoura tesouro titio tigela tomate tapete Quando o contexto circunvizinho era semelhante, a vogal do clítico mostrou-se diferente da vogal pretônica média. Dessa vez, considerando todas as realizações da vogal do pronome anteposto, independentemente do contexto seguinte, ela diferenciou-se da vogal alta derivada. Assim sendo, como ocorreu na análise especificamente das vogais de sílabas vocabulares/lexicais, as vogais pretônicas média e alta derivada distinguiram-se de outra vogal alta, neste caso, do pronome te. Já na análise de outros parâmetros acústicos, essa amostra se destacou. A maior parte dos apagamentos vocálicos atingiu a sílaba /tI/ e o pronome te pós-verbal. Além disso, a maior parte das diferenças verificadas também envolveu esse subconjunto de dados. Assim, as vogais das sílabas /tE/, /ti/ e /tI/ e do pronome te parecem mais sensíveis às alterações fonéticas, o que teria deixado mais evidentes características vocálicas que naturalmente são difíceis de perceber analisando os parâmetros acústicos isoladamente. Em se tratando de formantes especificamente – não só F2, mas também F1 (cf. tabelas 46, 47 e 49) –, as diferenças manifestadas não estão sistematicamente associadas à (a)tonicidade da partícula (sílaba ou pronome), mas à diferença da qualidade vocálica, sobretudo entre as vogais média e alta. Considerando a vogal das sílabas vocabulares/lexicais /sE/, cuja vogal pode ser realizada como média (s[e]cura, s[e]tenta) ou alta (s[i]guido, s[i]guro), /si/ (c[i]garro, c[i]garra) e /sI/ (chatice[, alfac[]), os resultados estão expostos na tabela 68. 208 Tabela 68: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal das sílabas pretônicas [se], [si] derivada e [si] e da postônica [s] Pretônica /sE/ Pretônica /si/ Postônica /sI/ secura seguido cigarro chatice setenta seguro cigarra alface [] [e] [i] derivada [i] subjacente média D.P. média D.P. média D.P. média D.P. Informante 1 1738 083 1999 178 2011 150 2059 179 Informante 2 1722 039 1783 294 1986 044 1907 051 Informante 3 1841 162 2075 121 2164 033 2286 247 Informantes em conjunto 1767 120 1952 244 2053 121 2072 231 Na fala dos três informantes, a vogal pretônica média (com cerca de 1767 Hz) foi mais posterior que a alta derivada (com 1952 Hz em média), que, por sua vez, foi mais posterior que a vogal pretônica alta subjacente e a vogal postônica. Estas duas, no entanto, não possuem uma fronteira entre bem definida, de modo que, apesar de a média de F2 da postônica referente à fala dos informantes em conjunto ter sido maior, nem sempre essa proporção se manteve entre a fala dos indivíduos. Em termos estatísticos, conforme mostra a tabela 69, apenas a oscilação de F2 entre a pretônica média e a postônica foi sistemática (p = 0,01). O maior índice de significância registrado (p = 0,82), por outro lado, envolveu pretônica alta subjacente e postônica, corroborando as impressões sobre essas vogais descritas anteriormente – valores formânticos aproximados e variação assistemática. Tabela 69: Significância das diferenças entre F2 da vogal das sílabas vocabulares/lexicais [s], [s] derivada, [s] e [s] Vogais comparadas [e] x [i] derivada [e] x [i] subjacente x [] [e] [i] derivada x [i] subjacente x [] [i] derivada x [] [i] subjacente Pretônicas x Postônica Significância 0,15 0,01 0,09 0,39 0,40 0,82 0,35 Na correlação entre os pares com pronome se reflexivo/inerente e aqueles com as sílabas analisadas, obtiveram-se as significâncias apresentadas na tabela 70. 209 Tabela 70: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico se reflexivo/inerente e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] se cuida se trata se guia se nina se gaba se cala cortou-se furou-se 0,44 [i] do clítico 0,39 [i] do clítico 0,30 [i] do clítico 0,48 [] do clítico [e] [i] derivada [i] subjacente [] secura setenta seguido seguro cigarro cigarra chatice alface Os quatro índices expostos acima revelam um paralelismo entre as vogais estudadas (p > 0,05), mesmo entre a vogal do clítico e a vogal média/alta derivada – contextos que, na amostra anteriormente abordada, revelaram diferença significativa. O mesmo procedimento foi adotado relacionando o pronome se indeterminador/apassivador às sílabas átonas vocabulares/lexicais, resultando nas significâncias expostas na tabela 71. Tabela 71: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico se indeterminador/apassivador e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] se trata se tenta se guia se nina se nada se dava pediu-se previu-se [i] do clítico [i] do clítico [i] do clítico [] do clítico 0,20 0,13 0,39 0,86 [e] [i] derivada [i] subjacente [] secura setenta seguido seguro cigarro cigarra chatice alface Assim como ocorreu com a vogal de se reflexivo/inerente, a vogal do pronome se indeterminador/apassivador teve um comportamento formântico similar ao de cada vogal átona a que foi comparada, sobretudo quando se tratava de pronome posposto e sílaba postônica (p = 0,86). Na sequência, são apresentados os valores médios de F2 referentes à vogal do pronome se reflexivo/inerente. 210 Tabela 72: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico se reflexivo/inerente [si/s] antes do verbo e depois do verbo Vogal do clítico se refl./inerente Vogal do clítico se refl./inerente antes do verbo depois do verbo média D.P. média D.P. Informante 1 2018 169 1945 028 Informante 2 1932 181 1805 053 Informante 3 2060 183 2155 143 Informantes em conjunto 2003 186 1945 155 p = 0,77 Exceto pela fala do informante 3, a vogal do pronome em posição pré-verbal apresentou valores médios de F2 maiores que aqueles da vogal de se reflexivo/inerente depois do verbo. A variação, no entanto, foi aleatória de acordo com o índice de significância estatística (p = 0,77); em outras palavras, a oscilação dos valores desse formante a depender da ordem dos constituintes não foi sistemática. Quando comparadas as realizações da vogal de se reflexivo/inerente antes do verbo (se cuida, se trata, se guia, se nina, se gaba e se cala) às vogais de sílabas átonas vocabulares/lexicais, as significâncias obtidas foram as que se expõem na tabela a seguir. Tabela 73: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico se reflexivo/inerente antes do verbo e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico 0,34 Pretônicas 0,01 [e] 0,63 [i] derivada 0,50 [i] subjacente 0,54 [] secura setenta seguido seguro cigarro cigarra chatice alface Como se pode ver, mais uma vez, a vogal alta do clítico diferenciou-se da vogal pretônica média. A julgar pelos valores apresentados nas tabelas 68 e 72, a vogal média foi mais posterior que a alta do clítico. Os demais contextos comparados não revelaram diferença relevante. Quanto aos valores médios de F2 referentes indeterminador/apassivador, eles encontram-se expostos na tabela 74. à vogal de se 211 Tabela 74: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico se indeterminador/apassivador [si/s] antes do verbo e depois do verbo Vogal do clítico se indet./apass. Vogal do clítico se indet./apass. antes do verbo depois do verbo média D.P. média D.P. Informante 1 1956 173 1989 043 Informante 2 1893 164 1927 106 Informante 3 1961 228 2257 105 Informantes em conjunto 1937 194 2046 165 p = 0,35 Ao contrário do que foi observado com se reflexivo/inerente, a frequência (F2) da vogal de se indeterminador/apassivador em posição pós-verbal foi maior que aquela da vogal desse tipo pronominal antes do verbo. Porém, assim como ocorreu com se em estrutura reflexiva, a vogal de se em estrutura indeterminadora não alterou significativamente F2 em função da colocação pronominal (p = 0,35). O segundo formante de todas as realizações da vogal de se indeterminador/apassivador antes do verbo foi contrastado com o das vogais pretônicas e postônica, de modo que se registraram as seguintes significâncias: Tabela 75: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico se indeterminador/apassivador antes do verbo e da vogal das sílabas [s], [s] derivada, [s] e [s] Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico Cl V [i] do clítico 0,34 0,02 0,87 0,15 0,31 Pretônicas [e] [i] derivada [i] subjacente [] secura setenta seguido seguro cigarro cigarra chatice alface Novamente, a diferença registrada deu-se entre a vogal do clítico e a categoria de vogal pretônica média (p = 0,02). Assim como ocorreu com se reflexivo/inerente, essa diferença não foi suficiente para estabelecer uma distinção significativa entre pretônicas e postônica (p = 0,34). Além disso, a vogal de se indeterminador/apassivador equivaleu às vogais altas, principalmente à pretônica alta subjacente (p = 0,87). 212 Tendo apresentado os resultados dos dois tipos de pronome se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador), cabe salientar o resultado estatístico obtido a partir da comparação entre os valores médios de F2 quando as duas tipologias pronominais se encontravam antes e depois do verbo. Com o pronome anteposto, a diferença de F2 entre a vogal de se reflexivo/inerente e de se indeterminador/apassivador foi relevante (p = 0,03), ao contrário de quando ambos estavam em posição pós-verbal (p = 0,56). Desse modo, embora os valores de F2 da vogal dos dois tipos pronominais não tenham sido alterados significativamente em função da posição do clítico e tenham se distinguido significativamente em relação à vogal média, a vogal desses dois tipos de pronome não foi similar no que se refere a F2 quando eles se encontravam antes do verbo. A análise do segundo formante mostrou que esse parâmetro acústico não variou significativamente entre os dados da primeira amostra explorada – aquela com as sílabas /mE/, /mi/ e /mI/ e o pronome me. Ao abordar a segunda amostra – aquela que contém as sílabas /tE/, /ti/ e /tI/ e o pronome te –, constatou-se diferença entre vogais altas (de clítico ou de sílaba átona vocabular/lexical) e vogal média, assim como aconteceu durante a análise da terceira amostra – aquela com as sílabas /sE/, /si/ e /sI/ e o pronome se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador). Além disso, no segundo subconjunto de dados, observou-se ainda discrepância entre a vogal pretônica alta derivada e as demais vogais altas contempladas (pretônica alta subjacente e postônica). Dessa forma, como se verificou também durante a análise dos outros três parâmetros acústicos (duração, intensidade e F1), registraram-se diferenças significativas, especialmente quando se tratava do segundo e terceiro subconjunto de dados – os mesmos envolvidos em apagamento de segmento vocálico. De modo geral, embora em alguns momentos os resultados não correspondam às expectativas iniciais, eles revelam, com respaldo estatístico, principalmente diferenças resultantes de características próprias dos segmentos. Assim, as vogais altas não se distinguiram entre si normalmente, mas distinguiram do segmento medial. Em virtude das propriedades comuns e divergentes entre clíticos e sílabas átonas vocabulares/lexicais verificadas ao longo do experimento 1, embora a análise dos parâmetros isoladamente não tenha sido suficientemente clara, ela mostrou, ainda que minimamente, que existe um paralelismo entre essas duas partículas (pronome e sílaba 213 átona) especialmente quando apresentam a mesma qualidade vocálica, conforme afirma Carvalho (1989). No experimento 2, cujos dados serão analisados a seguir, essas características fonéticas (segmentais e suprassegmentais) servirão ao propósito de refletir sobre a ligação fonológica. Em posição intra-complexo verbal, o pronome, a princípio, pode ligar-se em ênclise ao primeiro verbo ou em próclise ao segundo. Tentar-se-á, com base nelas, identificar a ligação prototípica do pronome se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador). 6.2.2. Experimento 2: características acústicas do pronome “se” no interior de complexo verbal Bem como foi feito no experimento 1, duração, intensidade, primeiro e segundo formantes foram medidos. Contudo, no experimento 2, em particular, o objeto de estudo contempla construções com complexo verbal, algumas delas com o pronome se e outras com a sílaba pretônica a que ele pode se assemelhar no caso de a ligação fonológica ser proclítica (cf. figura 8). Antes de abordar os parâmetros acústicos, cabe descrever o comportamento dos dados quanto à produção dos segmentos. A seguir, são, então, relatadas as vogais que foram realizadas e os contextos em que não ocorreu a realização do segmento. A vogal do pronome (se reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) foi realizada categoricamente como alta; assim, considerando o primeiro par de complexos verbais – pode se dirigir (estrutura reflexiva, pode se dirigir tranquilamente até lá) e pode se dirigir (estrutura indeterminadora, pode se dirigir a 80 quilômetros na cidade) –, duas vogais altas, pertencentes a tipos diferentes de pronome, foram comparadas. No segundo subconjunto de complexos verbais, estão compreendidas as realizações de pode seviciar, pode se viciar (com se reflexivo/inerente, pode se viciar em drogas) e pode se viciar (com se indeterminador/apassivador, pode se viciar os garotos em drogas). Através do primeiro complexo mencionado, em que a primeira vogal pretônica do verbo temático seviciar foi produzida sempre como [e], as vogais realizadas como alta nos dois tipos de pronome se foram comparadas a uma vogal pretônica média. No terceiro subconjunto, formado por pode segurar, pode se curar (com se reflexivo/inerente, pode se curar seguindo as recomendações) e pode se curar (com se 214 indeterminador/apassivador, pode se curar o menino com um bom tratamento), são contempladas apenas vogais altas, referentes às realizações do pronome se e à vogal pretônica alteada do verbo temático segurar. No quarto subconjunto – pode sitiar, pode se tirar (com se reflexivo/inerente, pode se tirar daqui) e pode se tirar (com se indeterminador/apassivador, pode se tirar aqui) –, assim como no terceiro, estão contidas apenas vogais altas; no entanto, as produções vocálicas do pronome se são comparadas à vogal alta subjacente, presente na sílaba pretônica do verbo temático sitiar. No quinto subconjunto – pode citar, pode sedar, pode se dar (com se reflexivo/inerente, pode se dar bem no trabalho) e pode se dar (com se indeterminador/apassivador, pode se dar doce ao menino) –, constam realizações de vogal pretônica alta subjacente, pretônica média e vogal alta de pronome em estrutura reflexiva e indeterminadora. Assim, a partir de estruturas foneticamente parecidas, a vogal alta do clítico se em posição intra-complexo verbal foi comparada a vogais pretônicas (média, alta derivada e alta subjacente, a depender do subconjunto). Além disso, cabe salientar que, em momentos oportunos, os resultados deste experimento serão relacionados àqueles obtidos no experimento 1. A respeito dos apagamentos das vogais, eles ocorreram, sobretudo, envolvendo o pronome átono. Em meio a noventa oportunidades de realização de vogal pretônica vocabular/lexical – trinta e seis de vogal média (pode s[e]viciar, pode s[e]dar), dezoito de vogal alta derivada (pode s[i]gurar) e trinta e seis de vogal alta subjacente (pode c[i]tar, pode s[i]tiar) –, apenas duas vezes (2%) ela foi omitida. Aquela que comumente foi realizada como alta derivada foi omitida uma vez na fala do informante 2, assim como aconteceu com a vogal alta subjacente de pode citar. Em nenhum caso, tratava-se de vogal média. Considerando cento e oitenta oportunidades de realizar o segmento vocálico do clítico, em treze (7%) a vogal foi omitida. Sobre o tipo reflexivo/inerente, três vezes esteve envolvido o complexo pode se tirar (uma vez na fala do informante 2 e duas vezes na fala do informante 3) e quatro vezes, o complexo pode se dar (duas vezes na fala do informante 1, uma vez na fala do informante 2 e uma vez na fala do informante 3). Sobre o tipo indeterminador/apassivador, uma vez esteve envolvido o complexo pode se viciar (na fala do informante 1), quatro vezes, pode se tirar (duas vezes na fala do informante 2 e duas 215 vezes na fala do informante 3) e uma vez, pode se dar (na fala do informante 3). Portanto, o apagamento ocorreu tanto em se reflexivo/inerente quanto em se indeterminador/apassivador. Do ponto de vista segmental, então, as vogais foram pronunciadas conforme o esperado, de modo que foi possível contrastar a vogal do clítico em posição intra-complexo verbal a diferentes tipos de vogal pretônica anterior (média, alta derivada e alta subjacente). O apagamento vocálico49, por outro lado, mostrou que não consiste em um fenômeno exclusivo aos clíticos; também ocorre, ainda que em menor proporção, em sílaba átona vocabular/lexical, desde que a vogal que seria pronunciada fosse [i] precedida pela consoante alveolar, contexto propício ao apagamento segundo Amaral (2009). Em termos suprassegmentais, dois subconjuntos de dados não apresentaram qualquer variação relevante, fosse a respeito da duração, intensidade, primeiro ou segundo formante. Um deles abarca o par pode se dirigir (com o pronome se reflexivo/inerente) e pode se dirigir (com o pronome se indeterminador/apassivador), o que sugere que se trata de dois fragmentos foneticamente idênticos, diferenciando-se apenas por aspectos sintático-semânticos (tipos de pronome se que se ligam sintaticamente a verbos diferentes – se reflexivo/inerente liga-se a V2, enquanto se indeterminador/apassivador se liga a V1 – provocam interpretação distinta do fragmento). O outro subconjunto a não revelar diferenças significativas é composto pelo trio pode sitiar, pode se tirar (com o pronome se reflexivo/inerente) e pode se tirar (com o pronome se indeterminador/apassivador). Nesse grupo, além dos tipos de pronome se, foi comparada a pretônica si de sitiar. A diferença esperada a princípio dizia respeito à tipologia pronominal, pois um estabeleceria ligação proclítica, enquanto o outro, enclítica. Contudo, esse complexo verbal com se indeterminador/apassivador (pode se tirar aqui) conta com uma forma verbal (tirar-se com sentido de ausentar-se) que não é comum na variedade estudada; a artificialidade do contexto criado pode ter influenciado nos resultados, de modo que fosse realizada como aquela que é usual, a indeterminadora (pode se tirar aqui). 49 O experimento 2 não abordou as características fonéticas dos complexos verbais; durante a medição dos parâmetros acústicos da vogal do clítico e das sílabas vocabulares/lexicais, entretanto, notou-se que, com frequência, a vogal postônica do verbo auxiliar pode foi omitida, o que poderia ser um aspecto importante para a realização da ligação enclítica. 216 A respeito dos demais subconjuntos observados neste experimento, serão explorados apenas os parâmetros acústicos que revelaram alguma diferença estatisticamente comprovada. Concernente ao trio pode seviciar, pode se viciar (com se reflexivo/inerente) e pode se viciar (com se indeterminador/apassivador), somente não se registrou diferença significativa em relação ao parâmetro duração. No que se refere à intensidade, a comparação das médias das diferentes vogais apresentou os níveis de significância expostos na tabela 76. Tabela 76: Significância das diferenças entre a intensidade da voga do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba pretônica [se] em pode seviciar Vogais comparadas Significância [e] x [i] de se refl./inerente 0,09 x [] de se indet./apass. [e] 0,03 x [] de se indet./apass. [i] de se refl./inerente 0,78 De acordo com esse resultado, o pronome se reflexivo/inerente não é diferente de se indeterminador/apassivador no que tange à intensidade. O fato de não terem se distinguido também pela duração conduz ao entendimento de que, de acordo com o comportamento desses complexos verbais, as duas tipologias pronominais possuem o mesmo estatuto acentual; portanto, poderiam, por hipótese, projetar-se em direção ao mesmo verbo. A única discrepância relevante do ponto de vista da intensidade deu-se entre a vogal [e] da sílaba pretônica do verbo temático seviciar e a vogal do clítico se indeterminador/apassivador, do modo como está exposto na tabela 77 a seguir. Tabela 77: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se (indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar Vogal do clítico se indet./apass. Vogal pretônica média pode se viciar pode seviciar [i]/[] [e] média D.P. média D.P. Informante 1 68 02 73 04 Informante 2 65 02 69 0 Informante 3 71 0,5 76 03 Informantes em conjunto 68 03 72 04 Na fala de cada um dos informantes, a vogal pretônica média foi mais forte que a alta do clítico indeterminador/apassivador, o que resultou nas médias gerais de 72 dB e 68 dB respectivamente, cuja diferença consiste em 4 dB. 217 No que diz respeito à natureza dos segmentos analisados, as três vogais contrastadas constituem formas diferentes quanto ao primeiro formante, conforme mostra a tabela 78. Tabela 78: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar Vogais comparadas Significância [e] x [i] de se refl./inerente 0,00 x [] de se indet./apass. [e] 0,03 x [] de se indet./apass. [i] de se refl./inerente 0,05 Com respectivamente 0,00 e 0,03 de significância, a vogal média da sílaba pretônica de seviciar foi diferente tanto da vogal de se reflexivo/inerente quanto de se indeterminador/apassivador. No limite de significância admitido para assegurar uma variação sistemática, com 0,05, a vogal dos dois pronomes também se distingue pelo primeiro formante. Na tabela 79, na sequência, pode-se observar que as três vogais – pretônica média, alta do pronome se reflexivo/inerente e alta do pronome se indeterminador/apassivador –, quanto a F1, apresentam comportamentos distintos. Tabela 79: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar Vogal do clítico se Vogal do clítico se Vogal pretônica média refl./inerente indet./apass. pode se viciar pode se viciar pode seviciar [i]/[] [i]/[] [e] média D.P. média D.P. média D.P. Informante 1 305 11 229 04 346 17 Informante 2 332 32 309 25 351 04 Informante 3 319 07 296 19 402 13 Informantes em conjunto 319 23 284 38 367 28 Tanto na média dos informantes em conjunto quanto na fala de cada um deles, a pretônica média (pode seviciar porque é ditadura) apresenta o maior valor de F1; dessa forma, das três vogais, ela corresponde à mais baixa, conforme o esperado. A vogal do pronome se reflexivo/inerente (pode se viciar em drogas) é intermediária, mais baixa que a vogal de se indeterminador/apassivador (pode se viciar os garotos em drogas) – resultado que contraria o pressuposto de que a vogal alta deveria ser mais fechada que em pretônica, que, por sua vez, seria mais fechada que em postônica. Assim como em Moraes, Callou, & 218 Leite (1996), os resultados nem sempre demonstram que, quanto mais átono o segmento, mais baixo seria o som (ou maior seria o valor de F1). É preciso, entretanto, ressaltar a sistematicidade dos resultados da pesquisa levando em conta os experimentos 1 e 2 em conjunto. Considerando a média de F1 referente aos três informantes, o confronto entre esses resultados e aqueles do experimento 1 converge para a conclusão de que a vogal do clítico se reflexivo/inerente em posição intra-CV equivale a uma vogal pretônica alta, ao passo que a vogal de se indeterminador/apassivador equivale à postônica. Na tabela 79, vê-se que a média de F1 da vogal de se reflexivo/inerente é 319 Hz, próxima dos 314 Hz e 311 Hz que, no experimento 1, corresponderam, respectivamente, à vogal pretônica alta derivada e subjacente (cf. tabela 50). Além disso, aqueles 319 Hz aproximam-se dos 316 Hz relativo, no experimento 1, à vogal do pronome em posição préverbal, diferentemente dos 283 Hz de quando o pronome ocupou a posição pós-verbal (cf. tabela 54). Portanto, no que se refere ao primeiro formante, as evidências concorrem para que a ligação fonológica do pronome se reflexivo/inerente seja interpretada como proclítica. O valor médio de F1 referente à vogal de se indeterminador/apassivador em posição intra-CV correspondeu a 284 Hz, bem próximo dos 276 Hz relativos, no experimento 1, à vogal postônica (cf. tabela 50) e dos 297 Hz relativos à vogal do mesmo tipo de pronome em posição pós-verbal (cf. tabela 56) – antes do verbo, o valor médio de F1 aumentara para 334 Hz. Assim, enquanto o se reflexivo/inerente parece proclítico, a qualidade da vogal de se indeterminador/apassivador na posição intra-CV sugere que o mesmo se encontra enclítico ao verbo auxiliar. Além da intensidade e do primeiro formante, o clítico se indeterminador/apassivador se destaca em mais um aspecto, o segundo formante, conforme se verifica na tabela 80. Tabela 80: Significância das diferenças entre F2 da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar Vogais comparadas Significância [e] x [i] de se refl./inerente 0,18 x [] de se indet./apass. [e] 0,03 x [] de se indet./apass. [i] de se refl./inerente 0,62 219 Assim como aconteceu em relação à intensidade, com p = 0,03, a vogal média de sílaba pretônica vocabular/lexical (pode seviciar porque é ditadura) diferenciou-se da vogal de se indeterminador/apassivador (pode se viciar os garotos em drogas) do ponto de vista do segundo formante. De acordo com a tabela 81, a vogal da sílaba pretônica é menos anterior que a vogal do clítico, visto que os valores formânticos daquela são menores. Tabela 81: Valor médio de F2, em Hertz, da vogal do clítico se (indeterminador/apassivador) em pode se viciar e da sílaba [se] em pode seviciar Vogal do clítico se indet./apass. Vogal pretônica média pode se viciar pode seviciar [i]/[] [e] média D.P. média D.P. Informante 1 1866 82 1859 29 Informante 2 1938 39 1842 50 Informante 3 1989 28 1875 76 Informantes em conjunto 1939 70 1859 57 Constata-se que a vogal [i]/[] é mais anterior que [e]; porém, a princípio, essa comprovação não tem qualquer implicação para a cliticização fonológica. Até esse momento da análise, os resultados acerca de F2 não revelam diferença entre vogal pretônica alta e postônica alta, entre vogal de pronome se proclítico e enclítico. O mais relevante, sem dúvida, dentro dos propósitos estabelecidos para o experimento 2, é averiguar o comportamento de se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador quando se encontram no interior de uma locução verbal. Nesse sentido, no trio de enunciados ora analisado, deduz-se, com base no índice de p = 0,62, que a vogal de ambos apresenta o mesmo grau de anteriorização – característica objetivamente observada através de F2 –, o qual foi superior àquele referente à vogal média [e]. Considerando o trio pode segurar, pode-se curar (com se reflexivo/inerente) e pode se curar (com se indeterminador/apassivador), registrou-se diferença significativa envolvendo apenas a intensidade e o primeiro formante. Tendo em vista que a duração e F2, no que concerne ao clítico se e às sílabas átonas, têm mostrado relevância somente no contraste entre vogal média e alta e, neste caso, todas as vogais são altas, provavelmente em virtude disso, esses dois parâmetros não se destacaram. Tomando por base o parâmetro intensidade, os índices de significância obtidos são apresentados na sequência. 220 Tabela 82: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se curar e da sílaba pretônica [si] derivada em pode segurar Vogais comparadas Significância [i] derivada x [i] de se refl./inerente 0,05 x [] de se indet./apass. [i] derivada 0,32 x [] de se indet./apass. [i] de se refl./inerente 0,44 A intensidade não alterou expressivamente entre a vogal de se reflexivo/inerente (pode se curar seguindo as recomendações) e de se indeterminador/apassivador (pode se curar o menino com um bom tratamento). Entretanto, com p = 0,05, verifica-se que a intensidade da vogal alta derivada (pode segurar na minha mão) não equivaleu à da vogal do clítico se reflexivo/inerente, do modo como se pode observar na tabela 83. Tabela 83: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente) em pode se curar e da sílaba pretônica [si] derivada em pode segurar Vogal do clítico se refl./inerente Vogal pretônica alta derivada pode se curar pode segurar [i]/[] [i] derivada média D.P. média D.P. Informante 1 69 01 72 04 Informante 2 62 03 72 01 Informante 3 71 01 71 03 Informantes em conjunto 67 04 71 03 Com exceção das médias referentes à fala do informante 3, os valores demonstraram que a vogal do clítico é mais fraca que a vogal pretônica derivada. Se se considerar os resultados do experimento 1, no entanto, a vogal de se reflexivo/inerente em posição intra-complexo verbal não é tão fraca quanto uma sílaba postônica (cf. tabela 32) ou equivalente à vogal do mesmo em posição pós-verbal (cf. tabela 36), cuja intensidade média, considerando a fala dos informantes em conjunto, correspondeu a 65 dB. Sobre o primeiro formante, com p = 0,01, a vogal pretônica alta derivada também se diferenciou da vogal de se reflexivo/inerente, como pode ser observado na tabela 84. Tabela 84: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se curar e da sílaba [si] derivada em pode segurar Vogais comparadas Significância [i] derivada x [i] de se refl./inerente 0,01 x [] de se indet./apass. [i] derivada 0,06 x [] de se indet./apass. [i] de se refl./inerente 0,31 221 Com p = 0,06, índice ligeiramente maior que o limite de 0,05, a vogal pretônica (pode segurar na minha mão) mostrou-se também diferente da vogal de se indeterminador/apassivador (pode se curar o menino com um bom tratamento), ainda que não tão claramente quanto se diferenciou da vogal de se reflexivo/inerente (p = 0,01). Ademais, da mesma forma, com 0,31 de significância, a vogal dos dois tipos de pronome não demonstrou uma variação sistemática de F1. Lançando mão dos resultados que revelaram diferença expressiva, na tabela 85, são apresentadas as médias relativas a F1 da vogal alta de se reflexivo/inerente (pode se curar seguindo as recomendações) e da vogal alta derivada da sílaba pretônica vocabular/lexical. Tabela 85: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente) em pode se curar e da sílaba [si] derivada em pode segurar Vogal do clítico se refl./inerente Vogal pretônica alta derivada pode se curar pode segurar [i]/[] [i] derivada média D.P. média D.P. Informante 1 317 22 395 35 Informante 2 339 03 381 02 Informante 3 314 24 334 06 Informantes em conjunto 323 22 369 35 Os valores médios de F1 relativos à vogal do clítico são inferiores aos da vogal pretônica alta derivada; portanto, não são correspondentes no que diz respeito ao traço altura. As realizações da vogal de se reflexivo/inerente foram mais altas que aquelas da sílaba átona vocabular/lexical. Relacionando esses resultados àqueles obtidos no experimento 1, nota-se que a média geral de F1 da vogal do clítico (323 Hz) se aproxima do valor referente a uma pretônica alta, cuja frequência se apresentou em torno de 314 Hz/311 Hz (alta derivada e alta subjacente, respectivamente). A frequência média de uma postônica alta foi 276 Hz (cf. tabela 50); portanto, distante dos 323 Hz da vogal alta de se reflexivo/inerente. A frequência de [i] derivada em pode segurar não foi compatível com a média de 314 Hz obtida no experimento 1 através das realizações de seguido e seguro. Seu valor de 369 Hz aproxima-se mais dos 400 Hz de uma vogal pretônica média, produzida em secura e setenta. Dessa forma, nesse subconjunto, apenas se diferenciou a vogal do clítico se reflexivo/inerente e a vogal pretônica alta derivada quanto à intensidade e primeiro formante. Esta vogal se mostrou mais forte e mais baixa que aquela. 222 Por fim, considerando o quarteto pode citar, pode sedar, pode-se dar (com se reflexivo/inerente) e pode se dar (com se indeterminador/apassivador), as quatro vogais analisadas só se igualaram no quesito F2. Embora, por um motivo desconhecido, alguns índices de significância não foram fornecidos pelo programa computacional R, no aspecto duração, intensidade e F1, os índices estatísticos obtidos indicam que determinadas diferenças não foram aleatórias. Abordando primeiramente o parâmetro duração, observa-se, na tabela 86, que, com p = 0,01, as realizações da vogal pretônica alta subjacente (pode citar outros exemplos) foram diferentes daquelas referentes à vogal do pronome se reflexivo/inerente (pode se dar bem no trabalho), bem como estas foram diferentes das da vogal de se indeterminador/apassivador (pode se dar doce ao menino). Por outro lado, com p = 0,08, a vogal pretônica média apresentou diferença um pouco acima do índice limítrofe de relevância estatística estabelecido. Em relação ao contraste entre a vogal média e a vogal alta de cada tipo de pronome, não se obteve a informação relativa ao índice de significância no tratamento estatístico. Tabela 86: Significância das diferenças entre a duração da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se dar e das sílabas pretônicas [se] em pode sedar e [si] em pode citar Vogais comparadas Significância [e] x [i] subjacente 0,08 [e] x [i] de se refl./inerente x [] de se indet./apass. [e] [i] subjacente x [i] de se refl./inerente 0,01 x [] de se indet./apass. [i] subjacente 0,13 x [] de se indet./apass. [i] de se refl./inerente 0,01 Na tabela 87, a seguir, é apresentada a duração média da pretônica alta subjacente e da vogal do pronome se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador). 223 Tabela 87: Valor médio de duração, em milissegundos, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se dar e da sílaba pretônica [si] em pode citar Vogal do clítico se Vogal do clítico se Vogal pretônica alta refl./inerente indet./apass. subjacente pode se dar pode se dar pode citar [i]/[] [i]/[] [i] subjacente média D.P. média D.P. média D.P. Informante 1 06 08 38 07 74 05 Informante 2 18 15 36 05 31 23 Informante 3 18 13 28 20 32 07 Informantes em conjunto 14 14 34 13 46 25 Os resultados indicam que a vogal pretônica alta subjacente e a vogal de se indeterminador/apassivador foram mais longas que a vogal de se reflexivo/inerente. Ademais, qualquer diferença observada entre a pretônica vocabular/lexical e a vogal de se indeterminador/apassivador, ao que tudo indica, foi ocasional. A respeito da intensidade, na sequência, na tabela 88, estão expostos os contextos em que ela variou sistematicamente. Tabela 88: Significância das diferenças entre a intensidade da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se dar e das sílabas pretônicas [se] em pode sedar e [si] em pode citar Vogais comparadas Significância [e] x [i] subjacente 0,01 [e] x [i] de se refl./inerente 0,00 x [] de se indet./apass. [e] 0,05 [i] subjacente x [i] de se refl./inerente 0,13 x [] de se indet./apass. [i] subjacente 0,42 x [] de se indet./apass. [i] de se refl./inerente 0,04 Quatro graus de significância estão abaixo de 0,05. As três primeiras referem-se ao fato de as realizações da pretônica média terem apresentado intensidade diferente de todas as outras investigadas no subconjunto (vogal pretônica alta subjacente e vogal do clítico se, tanto reflexivo/inerente quanto indeterminador/apassivador). Além disso, a última, p = 0,04, indica que a vogal dos dois tipos de pronome não se comportou da mesma forma, no subconjunto de dados em análise, no que diz respeito a esse parâmetro acústico. Na tabela 89, pode-se verificar que a vogal média foi mais forte que as demais investigadas. Além disso, a vogal do pronome se indeterminador/apassivador, que se esperava mais fraca que a do se reflexivo/inerente, não correspondeu à expectativa. 224 Tabela 89: Valor médio de intensidade, em decibéis, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se dar e das sílabas pretônicas [se] em pode sedar e [si] em pode citar Vogal do Vogal do Vogal pretônica Vogal pretônica clítico se clítico se alta subjacente média refl./inerente indet./apass. pode se dar pode se dar pode citar pode sedar [i] subjacente [i]/[] [i]/[] [e] média D.P. média D.P. média D.P. média D.P. Informante 1 67 71 0 68 02 78 02 Informante 2 59 0 66 01 64 06 70 02 Informante 3 66 03 73 05 70 03 73 05 Informantes em conjunto 63 04 69 04 68 04 74 04 A vogal média só não apresentou a maior intensidade na fala do informante 2, sendo, nesta, tão forte quanto à vogal de se indeterminador/apassivador. Esta, por sua vez, foi produzida com mais força que a vogal de se reflexivo/inerente. Esses resultados, associados ao que se observou sobre a duração (cf. tabela 87), apontam a debilidade acentual com que foi pronunciado o pronome se reflexivo/inerente em pode se dar. A dessemelhança entre a vogal desse pronome e de se indeterminador/apassivador, comprovada estatisticamente, sugere que este pronome, mais proeminente, se ligou procliticamente ao verbo temático, enquanto o se reflexivo/inerente pode ter estabelecido uma ligação enclítica com o verbo auxiliar. Quando se observam os resultados sobre o primeiro formante, essa suposição acerca da ligação fonológica é reforçada. Primeiramente, na tabela 90, comprova-se que as tipologias pronominais, nesse subconjunto, se distinguiram em mais esse aspecto. Tabela 90: Significância das diferenças entre F1 da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se dar e da sílaba pretônica [se] em pode sedar e [si] em pode citar Vogais comparadas Significância [e] x [i] subjacente [e] x [i] de se refl./inerente x [] de se indet./apass. [e] [i] subjacente x [i] de se refl./inerente 0,21 x [] de se indet./apass. [i] subjacente 0,08 x [] de se indet./apass. [i] de se refl./inerente 0,00 Não foi possível averiguar a relevância dos resultados de F1 da vogal média em contraponto à vogal alta subjacente e à vogal do pronome se. Apesar disso, com p = 0,00, validou-se novamente a pertinência de enquadrar, em categorias distintas, por razões fonético-fonológicas, o pronome se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador. 225 De acordo com as médias expostas na tabela 91, em pode se dar com noção reflexiva, a vogal do pronome foi pronunciada de forma mais alta que naquela estrutura com noção indeterminadora. Tabela 91: Valor médio de F1, em Hertz, da vogal do clítico se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) em pode se dar Vogal do clítico se Vogal do clítico se refl./inerente indet./apass. pode se dar pode se dar [i]/[] [i]/[] média D.P. média D.P. Informante 1 270 386 26 Informante 2 279 10 341 19 Informante 3 311 06 341 02 Informantes em conjunto 290 19 358 30 A correlação desses valores com aqueles obtidos no experimento 1 diz ainda mais sobre a ligação fonológica desses tipos pronominais. A frequência 290 Hz – média de F1 referente às realizações da vogal de se reflexivo/inerente pelos três informantes – é compatível com a de uma sílaba postônica ou pronome pós-verbal, cuja frequência, em média, consiste em, respectivamente, 276 Hz (cf. tabela 50) e 283 Hz (cf. tabela 54). Com cerca de 358 Hz, o primeiro formante da vogal de se indeterminador/apassivador foi próximo dos 334 Hz de quando ele sucedeu uma lexia verbal simples (cf. tabela 56). Se comparada a vogal desse clítico em pode se dar com as vogais /sE/, /si/ e /sI/ estudadas no experimento 1, observa-se que o valor de seu primeiro formante não condiz com o da postônica, como aconteceu com a vogal de se reflexivo/inerente, mas com o de uma pretônica alta derivada, com 314 Hz, ou subjacente, com 311 Hz (cf. tabela 50). Em termos sintáticos, na análise variacionista (seção 6.1), viu-se que o pronome se indeterminador/apassivador pode ser o único tipo de clítico pronominal a ocupar a posição pré-complexo verbal, o que fez crer que somente ele manteria uma ligação (sintática e fonológica) com o verbo auxiliar. Todavia, os resultados deste experimento revelam que, em posição intra-complexo verbal, a depender possivelmente das características rítmicas e acentuais do enunciado em que os pronomes se encontram, tanto esse tipo quanto se reflexivo/inerente podem estabelecer uma ligação enclítica ou proclítica. 226 De fato, consoante o segundo subconjunto – pode seviciar, pode se viciar (estrutura reflexiva) e pode se viciar (estrutura indeterminadora) –, a vogal do pronome se indeterminador/apassivador pode apresentar os parâmetros acústicos (duração, intensidade e formantes) parecidos com os de uma sílaba postônica, ao contrário da vogal do se reflexivo/inerente. Contudo, a análise do quinto subconjunto (em que se tem, por exemplo, um verbo temático monossílabo) – pode sedar, pode citar, pode se dar (estrutura reflexiva) e pode se dar (estrutura indeterminadora) – mostrou que essa não é uma regra absoluta, de modo que são concebíveis, para os dois tipos de pronome, tanto a ligação para a esquerda quanto para a direita. Neste subconjunto, se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador foram diferentes quanto a duração, intensidade e F1. Em relação à vogal média e alta subjacente das sílabas vocabulares/lexicais, no que diz respeito à intensidade, ambos igualaram-se à pretônica alta subjacente; entretanto, com relação à duração, a vogal do pronome se reflexivo/inerente mostrou-se diferente dela. Foi, então, com base principalmente na frequência formântica que, neste grupo, se interpretou a direção da ligação fonológica do pronome átono se: ao contrário do esperado, o reflexivo/inerente teria sido realizado encliticamente a V1, enquanto o indeterminador/apassivador, procliticamente a V2. O segundo subconjunto – pode seviciar, pode se viciar (estrutura reflexiva) e pode se viciar (estrutura indeterminadora) – diferenciou-se pela intensidade e F1, como os demais, mas também se registrou diferença significativa envolvendo F2. Os três segmentos contrastados diferenciam-se quanto a F1; com relação aos outros dois aspectos, no entanto, verificou-se que a vogal de se indeterminador/apassivador não correspondeu à pretônica média. Novamente, com base principalmente em F1, é possível interpretar a ligação fonológica; neste caso, enclítica a de se indeterminador/apassivador e proclítica a de se reflexivo/inerente. O terceiro subconjunto – pode segurar, pode se curar (estrutura reflexiva) e pode se curar (estrutura indeterminadora) – mostrou diferença apenas entre a vogal derivada e aquela de se reflexivo/inerente. As realizações da vogal do clítico não foram tão fortes ou altas como aquelas do segmento alteado, mas também não apresentaram as características que, no experimento 1, revelaram ser de uma vogal postônica. Assim, acredita-se que esse pronome, ainda que não tenha correspondido à sílaba pretônica com vogal derivada, teria sido realizado como uma pretônica, assim como se indeterminador/apassivador; portanto, ambos, nesse subconjunto, estariam ligados em próclise a V2. 227 No presente trabalho, partiu-se do pressuposto de que diversos fatores poderiam impedir a produção diferenciada do pronome se de acordo com o que seria, por hipótese, a construção indeterminadora (em ênclise) e a construção reflexiva/inerente (em próclise). Dentre eles, diferenças na cadeia segmental ou no enunciado como um todo, além da maior ou menor naturalidade da frase em questão, poderiam implicar adaptações rítmicas. No experimento 2, especificamente, por sua própria natureza, embora se tenha trabalhado com complexos verbais parecidos, não foi possível ter identidade total entre os enunciados, tendo em vista que a interpretação indeterminadora e a reflexiva/inerente se dão em contextos naturalmente distintos. Além disso, de um subconjunto de dados para outro, diferenças relativas à constituição do verbo temático em termos acentuais (se monossílabo tônico, oxítono, paroxítono, proparoxítono), por exemplo, foram inevitáveis. Tendo em vista o exposto, não se pode descartar que as duas tipologias pronominais, ainda que se diferenciem claramente quanto à ligação sintática, podem ligarse em ênclise a V1 ou em próclise a V2 em função de um conjunto de fatores relacionados ao enunciado em que se inserem. No conjunto de enunciados testados, observou-se que a intensidade e a duração colaboram para a realização de uma ou outra forma, mas foi o primeiro formante que indicou, na realidade, de qual ligação se tratava. Desse modo, confirmou-se a hipótese de Carvalho (1989) de que a qualidade vocálica seria responsável por realizar os pronomes átonos em ênclise ou próclise. Assim como o quarto subconjunto – pode sitiar, pode se tirar (estrutura reflexiva) e pode se tirar (estrutura indeterminadora) –, o primeiro – pode se dirigir (estrutura reflexiva) e pode se dirigir (estrutura indeterminadora) – não revelou diferença significativa entre os tipos pronominais. Este subconjunto, cujas formas verbais (dirigir) são mais usuais do que as do quarto (tirar), serviu de base para o desenvolvimento do experimento 3, a ser analisado em seguida. Espera-se que a observação dos dados em termos perceptivos colabore para a compreensão do fenômeno. 6.2.3. Experimento 3: a percepção da cliticização pronominal em enunciados (com complexo verbal) modificados por ressíntese de fala Nem sempre os valores referentes às medidas prosódicas condizem com a impressão resultante da percepção auditiva. Neste caso, estão em jogo a avaliação dos 228 parâmetros acústicos em conjunto e também a intuição dos ouvintes. Por isso, o experimento 3 vem complementar a análise desenvolvida nos experimentos 1 e 2. Conforme detalhado na metodologia (cf. seção 5.2.3), um dos dois testes perceptivos aplicados teve por objetivo principal averiguar a direção da ligação fonológica do pronome se, gravado inicialmente com noção reflexiva (pode se dirigir ao balcão do lado), de modo a responder à questão: quando um ou mais parâmetros acústicos, a princípio relacionados ao acento (duração e intensidade), eram alterados, mudava a percepção da ligação fonológica? O outro teste tinha por finalidade averiguar a interpretação das pessoas acerca do tipo de clítico, respondendo ao problema: a mudança da ligação fonológica vai ao encontro da mudança de interpretação do tipo de clítico? Para não enviesar os resultados em virtude de um efeito da ordem de apresentação dos dois testes perceptivos, metade dos juízes começou pelo primeiro teste mencionado, enquanto a outra metade começou pelo segundo. Os resultados serão explorados considerando o total de vinte julgamentos (dez de cada ordem de apresentação) sobre cada enunciado ouvido. Observando os julgamentos feitos em relação à ordem de apresentação dos testes, verificou-se que os resultados de um teste vão ao encontro dos registrados no outro. De modo geral, constatou-se que as pessoas que fizeram primeiramente o teste da direção da ligação fonológica votaram que o clítico era proclítico na mesma proporção com que o pronome era entendido como reflexivo/inerente; o mesmo foi observado em relação à confluência dos votos dos testes daqueles que começaram interpretando o tipo de clítico. Nesta seção, serão explorados primeiramente os resultados do teste sobre a direção da ligação fonológica. A percepção foi majoritariamente de ligação proclítica nas duas vezes em que as versões originais de pode se dirigir foram apresentadas aos juízes, especialmente aquela contendo uma breve pausa entre o pronome se reflexivo/inerente e o verbo auxiliar. Desse modo, além da coerência entre os votos em relação às frases que foram originalmente gravadas, comprovou-se que a ligação fonológica de se reflexivo/inerente é proclítica quando ele se encontra no interior de uma locução verbal. Considerando as vinte e duas versões criadas através de ressíntese de fala, na figura 19, é apresentada a quantidade de votos registrados de clítico se ligado ao verbo auxiliar (ênclise) e do mesmo ligado ao verbo temático (próclise). 229 Figura 19: Quantidade de votos, em percentuais, do clítico se ligado ao primeiro verbo (ênclise) e ao segundo verbo (próclise)50 50 Duas sentenças julgadas não apresentam porcentagens múltiplas de cinco, em virtude de um juiz não ter assinalado uma das opções (ênclise ou próclise), passando o total de votos de vinte para dezenove. 230 Os enunciados alterados estão dispostos por ordem crescente de expectativa de votos de pronome ligado ao primeiro verbo. Os oito primeiros referem-se às sentenças em que se modificou apenas a vogal da sílaba postônica do verbo auxiliar. Os oito seguintes referem-se às sentenças em que se modificou a vogal do pronome. Os demais enunciados abarcam alterações feitas tanto na vogal da sílaba de quando na do pronome se. Em cada subconjunto, a redução forte da duração estaria entre os contextos mais cotados para a percepção de ênclise, conforme indicam os resultados de Vieira (2002) e Corrêa (2009); assim, a expectativa seria maior quando a redução desse parâmetro fosse forte, especialmente quando combinada à redução da intensidade. A gradação estabelecida, todavia, não se confirmou realmente. Na maioria dos contextos controlados, os votos variaram sutilmente. Apesar disso, conforme se verificará durante a apresentação dos resultados, a hipótese que estava por trás da hierarquia – quanto menor a energia acústica do clítico, maior a percepção de ênclise – pôde ser confirmada. Considerando os enunciados (de 1 a 8) em que se alterou apenas o(s) parâmetro(s) referente(s) à vogal postônica de V1 - pode (identificada no gráfico como vogal de de), o máximo de votos de ênclise registrado foi 50%. Neste caso, tratava-se de enunciado cuja redução foi forte da duração (alteração 6) e naquele em que esta foi combinada à redução fraca da intensidade (alteração 7). A menor quantidade de votos de ênclise a V1 no caso das alterações exclusivas na sílaba de, de pode, por outro lado, foi 20%. Ela diz respeito ao enunciado em que se efetuou redução fraca da duração e forte da intensidade (alteração 5). Dessa forma, os juízes diminuíram a opção por próclise a V2 quando se reduziu bruscamente a duração. Mesmo com redução forte da intensidade, os votos referentes a clítico ligado a V1 foram poucos; entretanto, quando se passou de redução fraca da duração para forte, combinada ou não à alteração da intensidade, os votos de pronome enclítico aumentaram. O frequente apagamento da vogal da sílaba de, observado durante o tratamento dos dados do experimento 2, gerou a hipótese de que a fragilidade dessa sílaba também poderia colaborar para a caracterização da ligação enclítica do pronome. Os resultados, no entanto, não são suficientes para confirmar cabalmente essa suposição, dado o limite de 50% dos votos de pronome enclítico quando somente a vogal da sílaba postônica de pode foi reduzida. É necessário levar em consideração que, embora o segmento vocálico tenha tido sua duração e/ou intensidade reduzidas, a alteração não foi facilmente percebida. Mesmo 231 que não houvesse a produção física específica desse segmento, o ouvinte perceberia a vogal através de sua coarticulação com a consoante africada [d]. Além disso, essa vogal foi sucedida por [s] do clítico se, o que, de acordo com Amaral (2009), configura um contexto ideal para o apagamento vocálico (o ápice da fragilidade). Por hipótese, mesmo a redução forte desses parâmetros não implicaria necessariamente uma percepção de vogal fraca, tendo em vista que a consoante que a precede sinalizaria sua existência. Quando somente a vogal do pronome foi alterada (de 9 a 16), registraram-se as maiores porções de votos de pronome enclítico: 68%, índice que se refere ao enunciado com redução forte da intensidade da vogal (alteração 12), e 65%, que se refere ao outro com redução forte da duração e intensidade (alteração 16). Diferentemente do que demonstram os resultados relativos aos enunciados cuja vogal da sílaba de foi modificada, a redução forte da intensidade foi comum entre os dados com maior quantidade de pessoas que perceberam ênclise. Acima de 50%, correspondendo a 55% na verdade, está também o enunciado em que se realizou redução forte da duração e fraca da intensidade (alteração 15), o mesmo tipo de alteração que se destacou dentre as sentenças cuja vogal da sílaba postônica de foi manipulada. Levando em consideração a sutileza na diferenciação entre estruturas enclíticas a V1, supostamente indeterminadoras, e proclíticas a V2, supostamente reflexivas, já assumida como ponto de partida na pesquisa e comprovada nos resultados dos experimentos 1 e 2, assume-se que são muito reveladores os índices superiores à metade dos votos. A maior parte dos informantes, não obstante à grande dificuldade de reconhecimento dos padrões nos experimentos, reconhece haver uma alteração de direção fonológica exatamente quando está em jogo uma forte redução do(s) parâmetro(s) acústico(s) do acento. Tomando por base, ainda, o conjunto de enunciados com a vogal do clítico modificada, verifica-se que o menor índice registrado foi 40%, que diz respeito ao enunciado com redução fraca de duração e intensidade (alteração 11). Neste caso, assim como naquele em que a ênclise correspondeu a 20% dos votos – o menor índice obtido dentre os dados com apenas a vogal de de alterada e considerando todos os outros enunciados criados –, esteve presente a redução fraca da duração combinada a alguma redução da intensidade. 232 Associando os resultados referentes aos dois grupos de enunciados, os relativos às alterações exclusivas na sílaba de e os relativos às alterações exclusivas na sílaba do pronome, a percepção dos juízes revela que a alteração da direção fonológica, ao que tudo indica, depende de reduções significativas (e não leves) da duração e/ou da intensidade, sobretudo na sílaba referente ao pronome átono. Cabe, ainda, analisar o terceiro subconjunto de dados, em que não só a vogal da sílaba postônica do verbo auxiliar pode, mas também a do clítico se foi alterada (de 17 a 22). A hipótese de que, nesse caso, aumentariam os votos de ênclise não foi confirmada na totalidade dos enunciados; os votos referentes à ligação fonológica para a esquerda estão entre 30% e 55%. O menor desses índices corresponde ao enunciado com redução fraca da intensidade da vogal da sílaba de e do pronome se (alteração 17). O maior dos índices, por sua vez, que chega a ultrapassar metade dos votos, corresponde ao enunciado com redução forte da intensidade da vogal da sílaba de e do pronome se (alteração 18). Nos dois casos, está em jogo o parâmetro intensidade, sendo que os dois índices mais altos, mais uma vez, referem-se a reduções fortes, enquanto os dois índices mais baixos se referem a reduções fracas. Como se pode observar na análise do conjunto de dados apresentados na figura 19, a frequência dos votos revela que, na maioria das vezes, a percepção de ênclise está concentrada entre 40% e 55%. Apenas quatro enunciados apresentam uma frequência que ultrapassa essas margens: redução fraca da duração e forte da intensidade da vogal de de (20%), redução fraca da intensidade da vogal da sílaba de e do pronome se (30%), redução forte da intensidade da vogal de se (68%), e redução forte da duração e intensidade da vogal de se (65%). Associando esses valores à análise detalhada que se fez acerca do aumento ou da diminuição do número de votos em cada subconjunto dos dados, as propriedades do clítico, referentes à intensidade e à duração, ora conjugadas, ora não, são responsáveis por estabelecer a ligação enclítica ou proclítica. Destacando os índices de votos superiores a 50% para ênclise, que revelariam a mudança de percepção dos ouvintes – da próclise a V2 à ênclise a V1 –, a intensidade parece demonstrar papel mais proeminente do que a duração. Em relação à sílaba em que incidiram as manipulações feitas, os resultados demonstram que o comportamento da sílaba clítica é mais relevante para a percepção do 233 que o da sílaba “de” do verbo pode. Assim, pode-se supor que a vogal postônica do auxiliar pode tem menor participação na mudança de percepção da cliticização fonológica. Entretanto, no nível da produção, o experimento 2 revela que o fato de essa sílaba estar frequentemente envolvida em processo de apagamento vocálico confirma sua influência sobre o fenômeno, ainda que em segundo plano. Associando os resultados da presente pesquisa aos obtidos em trabalhos anteriores (cf. seção 3.2.2.2) – Vieira (2002) e Corrêa (2009) –, é possível ampliar a compreensão sobre o fenômeno. Os referidos estudos mostram, em linhas gerais, que a duração do clítico desempenha papel fundamental na realização da ligação fonológica; a redução forte desse parâmetro ou a redução fraca associada à redução da intensidade (forte ou fraca) acarretaria a ênclise. Em Vieira (2002: 377), os resultados acerca de vinha me comunicar mostram que 90% dos juízes perceberam ligação enclítica quando a duração do pronome havia sofrido uma redução forte. Do mesmo modo, essa ligação foi percebida por 80% das pessoas quando, além dessa alteração, havia sido feita uma redução leve51 da intensidade. Em compensação, cai para 20% a quantidade de julgamentos de ouvintes que tiveram essa percepção quando havia sido reduzida levemente apenas a intensidade ou quando a frequência fundamental do pronome passou de descendente para ascendente – tão baixo o índice quanto àquele referente às duas vezes em que foi apresentada a versão original. Corrêa (2009) valeu-se de teste de percepção auditiva com o clítico de vinha me lavar e vinha se lavar manipulado. Em seu estudo, acabou por confirmar a importância da duração na concretização da ligação fonológica, como mostram os resultados ilustrados na figura 20. 51 “Redução leve” em Vieira (2002) e Corrêa (2009) corresponde ao que, neste trabalho, se rotulou de “redução fraca”. 234 Figura 20: Quantidade de votos, em percentuais, do clítico se ligado ao segundo verbo (próclise) 100 72 67 64 61 61 56 50 50 50 50 39 39 33 0 F0 ascendente e redução "leve" da intens. F0 ascendente Versão original (duas apresentações) Redução "forte" da intens. Redução "leve" da intens. F0 ascendente e redução "leve" da duração F0 ascendente e redução "leve" da duração e da intens. Redução "leve" da duração Redução "leve" da duração e "forte" da intens. Redução "leve" da duração e da intens Redução "forte" da duração e "leve" da intens. Redução "forte" da duração Fonte: Corrêa (2009: 936) Como se pode observar na figura 20, a progressão da quantidade de votos de próclise é sutil. Os menores índices de próclise (33% e 39%) – ou, em outras palavras, os maiores de ênclise (67% e 61%) – foram conferidos a enunciados cuja redução da duração foi forte ou fraca combinada à redução da intensidade. Por outro lado, os maiores índices de próclise (72% e 67%) corresponderam, respectivamente, aos enunciados com a frequência fundamental e a intensidade modificadas, e somente com a frequência alterada. De modo geral, em Corrêa (2009), os resultados, relativos tanto ao pronome se quanto ao me (cf. CORRÊA, 2009: 936), convergem para a conclusão sistematizada na figura 21. Figura 21: Representação escalar dos resultados dos testes de percepção auditiva de Corrêa (2009) 52 + Próclise / - ênclise Versão original, F0 ascendente e/ou redução “leve” da intensidade. - Próclise / + ênclise Redução “forte” da intensidade e/ou redução “leve” da duração, combinada(s) ou não à F0 ascendente. Redução “forte” da duração e/ou redução “leve” da intensidade, combinadas ou não à F0 ascendente. Fonte: Corrêa (2009: 937) Assim sendo, Vieira (2002) e Corrêa (2009) expõem que a duração corresponde ao principal parâmetro que as pessoas costumam associar à ligação fonológica. A brevidade do pronome determinaria seu caráter enclítico. A intensidade sozinha, por outro lado, não 52 A linha tracejada pretende representar o limite tênue entre as duas categorias. 235 desempenharia o mesmo papel, mas, se combinada à redução, ainda que leve, da duração, configuraria um padrão de energia compatível com a de um pronome enclítico. Os resultados da presente pesquisa não mostram com clareza o papel individual da duração e da intensidade sobre o fenômeno, possivelmente em virtude da dificuldade imposta pelo experimento, referente à percepção das alterações provocadas nas vogais diante de [d] e [s]. Há que se destacar que o tipo de clítico, ao que tudo indica, justifica a maior clareza nos resultados de Vieira (2002) e Corrêa (2009), se comparados aos do presente estudo. O pronome se, não só por sua constituição segmental, mas também por sua distinção significativa (indeterminador versus reflexivo/inerente), comporta-se como o clítico que demonstra de forma menos saliente as diferenças acústicas. Não obstante essas dificuldades, o presente estudo permite verificar que não se trata da duração somente ou da intensidade para determinar a ligação enclítica ou proclítica, mas da concorrência dos parâmetros acústicos. Independentemente de se ter destacado o parâmetro duração ou intensidade, os resultados do primeiro teste explorado nesta pesquisa, relacionados aos de Vieira (2002) e Corrêa (2009), mostram que, quanto menos evidente (mais débil) é o pronome átono, mais frequente é o reconhecimento de ênclise. Dessa forma, o pronome breve e/ou fraco é entendido, em certa medida, como ligado ao primeiro verbo. Os resultados do segundo teste de percepção confirmam a relação entre a cliticização fonológica e os tipos de pronome se. A ligação proclítica percebida nas versões originais da frase gravada foi associada ao clítico se reflexivo/inerente; fato evidenciado, sobretudo, quando o enunciado apresentava uma ligeira pausa entre o verbo auxiliar e o pronome, de modo que não restasse dúvida sobre a ligação fonológica. Principalmente quando a vogal do pronome tinha sido reduzida, o que revelou mudar a percepção da cliticização fonológica, a interpretação do pronome passa a ser indeterminadora. Conforme se esclareceu na metodologia deste trabalho, no teste sobre a interpretação do tipo de pronome se, os juízes deveriam optar por um complemento para o fragmento pode se dirigir (a 80 km na cidade ou ao balcão do lado). Os resultados acerca dos enunciados criados através da ressíntese de fala estão expostos na figura 22, obedecendo a sequência em que foram expostos na figura 19. 236 Figura 22: Quantidade de votos, em percentuais, de clítico em estrutura indeterminadora e em estrutura reflexiva 237 A análise desses resultados centrou-se no número de sujeitos que interpretaram o enunciado como uma estrutura indeterminadora. Desse modo, pretendeu-se identificar os elementos que causaram ou não essa percepção. Considerando os enunciados com alteração apenas na vogal da sílaba de (de 1 a 8), aqueles em que se efetuou redução fraca da duração (alteração 2) e redução forte da duração combinada à redução fraca da intensidade (alteração 7) foram interpretados como estrutura indeterminadora por 50% dos juízes. O menor índice registrado, 35 %, diz respeito à vogal que sofreu redução fraca da duração e forte da intensidade (alteração 5), redução forte da duração (alteração 6) e redução forte da duração e da intensidade (alteração 8). Os demais enunciados (alterações 1, 3 e 4) receberam 45% de votos que indicavam interpretação indeterminadora. Quando a modificação foi feita na vogal do pronome (de 9 a 16), a redução forte da duração e fraca da intensidade (alteração 15) foi responsável pela maioria dos votos (60%) de pode se dirigir a 80 km na cidade (se indeterminador). Essa também foi a interpretação de 55% dos juízes quando a vogal sofreu redução fraca da intensidade (alteração 9), redução fraca da duração e da intensidade (alteração 11) e redução forte da duração e da intensidade (redução 16). Por outro lado, com 35% de votos – o menor índice obtido nesse grupo –, a sentença continha a vogal que sofrera redução fraca da duração (alteração 10). Os demais enunciados apresentaram uma porção de 40% (alterações 12 e 13) ou 50% (alteração 14). Dentre as sentenças cuja vogal de de e de se foi modificada (de 17 a 22), recebeu 55% dos votos aquela em que se efetuou redução forte da duração nas duas vogais (alteração 22). Quando as vogais tiveram sua intensidade reduzida fortemente (alteração 18), registrou-se o menor índice, 30%, considerando não somente este grupo de dados, mas também os outros dois descritos anteriormente. Os demais enunciados apresentaram 40% (alterações 19 e 21), 45% (alteração 17) ou 50% (alteração 20) dos votos. Pode-se perceber, a partir desses resultados, que a oscilação na votação ocorreu principalmente quando estava em jogo o estatuto fonético do pronome átono. Quando somente a vogal da sílaba postônica do verbo auxiliar pode havia sido alterada, os votos que indicavam se indeterminador foram medianos (em torno de 50%) ou pouco expressivos (35%), o que sugere considerável dúvida no julgamento ou comportamento indiferente dessa sílaba frente à realização do pronome se. 238 Quando a maioria das pessoas assinalou a opção relativa à estrutura indeterminadora, os enunciados estavam envolvidos normalmente com redução forte, sobretudo, da duração. Dentre cinco dados com mais de 50%, apenas dois se referem à redução fraca (da intensidade somente e combinada à redução também fraca da duração). Assim, quanto mais debilitado o pronome se, maior sua associação com o tipo indeterminador, da mesma forma que a redução da duração e/ou intensidade demonstrou estar relacionada à ligação enclítica ao verbo auxiliar. Assim sendo, consideradas as dificuldades naturais inerentes ao experimento e aquelas referentes ao uso exclusivo do pronome se, já comentadas, a oscilação dos votos no teste relativo à interpretação do clítico, no limite máximo de 60%, confirma a hipótese básica da investigação: a de que o comportamento fonético dos dados quanto à ligação fonológica atua para a distinção entre os clíticos que a sintaxe mostra de forma inequívoca. Em breves palavras, a análise como um todo – variacionista e fonético-fonológica – mostrou que a cliticização pronominal não se aplica da mesma forma a todos os pronomes átonos. No que se refere à ordem dos clíticos em relação a complexos verbais, a variação é mantida, na realidade, através da alternância posicional do pronome se indeterminador/apassivador, estrutura que, conforme demonstram estudos sociolinguísticos sobre o fenômeno, é inserida no repertório linguístico através do letramento. Os pronomes átonos – com exceção de se indeterminador/apassivador e o/a(s), pronome também aprendido com o contato com meios escolarizados – ocupam preferencialmente a posição intra-complexo verbal, construção que serviu de base para os experimentos 2 e 3 da análise fonético-fonológica. A ocupação das outras posições, registradas na fala de indivíduos com ensino superior, ocorreu principalmente em função da tipologia pronominal: a ordem pré-complexo verbal foi registrada exclusivamente com se indeterminador/apassivador com advérbio de negação ou pronome relativo que no contexto morfossintático antecedente, e a ordem pós-complexo verbal, apenas com o/a(s) sucedendo o verbo temático no infinitivo. Na análise fonético-fonológica, por meio do experimento 1, o conjunto de resultados revelou, na maioria das vezes, semelhança entre a vogal dos pronomes átonos e das sílabas átonas vocabulares/lexicais, especialmente quando se tratava de vogal alta (paridade segmental). As diferenças significativas observadas decorreram, sobretudo, de propriedades intrínsecas às vogais mensuradas. Dentre os pronomes investigados – me, te e 239 se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) –, o se em estrutura indeterminadora apresentou, por vezes, resultados inesperados, como duração da vogal mais longa em contexto pós-verbal, o que levou ao entendimento de que esse pronome possui um comportamento diferenciado em relação a se reflexivo/inerente – tipo de clítico a que muitas vezes o se indeterminador/apassivador foi comparado. No experimento 2, os resultados mostraram que a ligação fonológica do pronome se é instável. Ora há indícios de uma ligação proclítica, ora de uma ligação enclítica. Intuitivamente, a ligação enclítica é associada à ligação sintática que se indeterminador/apassivador estabelece com o verbo auxiliar, enquanto a proclítica é associada à ligação sintática que se reflexivo/inerente estabelece com o verbo temático. Todavia, a observação dos parâmetros acústicos não demonstra com clareza essa intuição dos falantes, mas aponta indícios de que fonologicamente os pronomes átonos, especialmente o se, podem apresentar comportamento variável quanto ao chamado parâmetro de ligação fonológica. No experimento 3, a percepção de ênclise e a interpretação de se indeterminador/apassivador geralmente ocorreram quando a vogal do clítico havia sofrido redução forte da duração e/ou da intensidade. Dessa forma, os resultados dos testes de percepção auditiva foram ao encontro da hipótese de que se reflexivo/inerente, em posição intra-complexo verbal, se ligaria procliticamente ao verbo temático, ao passo que se indeterminador/apassivador se ligaria encliticamente ao verbo auxiliar. Em outras palavras, quanto mais nítida a fragilidade acentual do clítico, mais ele foi interpretado como se indeterminador/apassivador. No capítulo seguinte, dedicado à conclusão do trabalho, será feita uma apreciação mais detalhada acerca do que se observou ao longo da análise. 240 7. CONCLUSÃO O caráter híbrido dos pronomes átonos, especialmente no que tange à interface sintaxe-fonologia, pôde ser aferido pela investigação empírica desenvolvida na presente pesquisa, cujos resultados permitiram caracterizar o estatuto da colocação pronominal em termos estruturais, com base no aporte da Sociolinguística Variacionista, e em termos fonético-fonológicos, com o apoio da Fonologia Experimental. A análise variacionista, desenvolvida sob a perspectiva da Teoria da Variação e Mudança, centrou-se na colocação pronominal em relação a complexos verbais, contemplando, a princípio, quatro possibilidades: antes do complexo verbal (me deve fazer); depois do complexo (deve fazer-me); e em seu interior, ligado à primeira (deve-me até fazer) ou à segunda forma verbal (deve até me fazer). Os resultados encontrados mostram que os dados atuais revelam comportamento semelhante ao assumido por aqueles referentes às décadas de 1980 e 1990, consoante a pesquisa de Vieira (2002). Nesse estudo, a posição intra-CV correspondeu a 90% do corpus, enquanto as posições pré-CV e pósCV, motivadas por condicionamentos estruturais específicos, corresponderam, respectivamente, a 7% e 3%. Nas duas comunidades de fala investigadas na presente pesquisa – Copacabana e Nova Iguaçu –, a alternância das posições que o clítico pode ocupar é ainda mais restrita e regida por uma regra semicategórica, sendo a colocação do pronome entre as formas verbais (ordem intra-CV), presente em 96% dos dados, a construção mais usual. Justifica o perfil de regra linguística ora proposto não só o índice de frequência das variantes (acima de 95% dos casos, conforme propõe Labov, 2003), mas também a dificuldade de reconhecer uma efetiva variável dependente, pois nem todos os tipos de pronome oblíquo átono ocupam as três possibilidades de posição (pré, intra e pósCV). Em termos extralinguísticos, deve-se destacar que a variação posicional ocorreu praticamente apenas na fala de indivíduos com ensino superior. Se considerarmos exclusivamente os outros dois grupos de falantes (com ensino fundamental e médio), só 1% dos dados não retratou a variante intra-CV; dessa forma, nos grupos de pessoas com baixo ou intermediário nível de escolaridade, o caráter semicategórico da variável dependente foi ainda mais expressivo (99%). A ordem intra-CV também foi preferencial em todos os contextos controlados segundo as variáveis ‘localidade’, ‘faixa etária’ e ‘sexo’. A análise dos dados segundo esses grupos de fatores revelou que o baixo teor da suposta variação se dá 241 fundamentalmente quando se trata de Copacabana, comunidade de maior prestígio sociocultural, indivíduos com mais de 56 anos e homens. O conjunto de aspectos observados na análise das variáveis extralinguísticas revelou que as ordens pré e pós-CV não constituem padrões de colocação naturais nas duas comunidades de fala investigadas. Essas posições são escassas entre falantes jovens e com pouca escolaridade. De modo geral, os pronomes registrados no corpus – exceto o/a(s) e se indeterminador/apassivador – ocorreram exclusivamente na posição intra-CV, aqui interpretada como próclise ao verbo principal, pois, quando havia algum elemento interveniente, o pronome localizou-se sempre entre o elemento e V2 (pode até me dizer). A variante intra-CV ocorreu em circunstâncias diversas, o que corrobora o caráter típico de uma forma não-marcada. As outras duas variantes, por outro lado, ocorreram em situações bem específicas. Ambas, no que se refere às variáveis extralinguísticas, foram registradas principalmente na fala de indivíduos com ensino superior. Este fato reafirma os resultados de Rodrigues-Coelho (2011) de que essas estruturas são aprendidas por meio do ensino formal – aspecto, além dos índices percentuais, que, segundo Labov (2003), motiva a classificação da variável como semicategórica. A julgar pelo elevado índice da variante intra-CV, pelo fato de a variação fazer parte de uma gramática aprendida a posteriori (ou seja, não é vernacular) e o fenômeno já ter se mostrado variável outrora, acredita-se que a colocação pronominal em ambiente com complexo verbal não se mostre efetivamente variável (processo de mudança concluído), o que só não pode ser plenamente assumido para as estruturas de indeterminação com se. A posição pré-CV também foi ocupada por apenas um tipo de pronome: se indeterminador/apassivador. Entretanto, diferentemente de o/a(s), que só sucedeu o complexo verbal, o se indeterminador/apassivador também foi realizado na posição intraCV. Dessa forma, este foi o único tipo de clítico a realmente variar de posição. A observação dos dados permitiu deduzir que, para o pronome ser deslocado da ordem não-marcada intra-CV para a posição pré-CV, colaboravam, além da escolaridade do indivíduo, o complexo verbal formado por poder + infinitivo e a presença, no contexto morfossintático antecedente, de um advérbio de negação (não) ou pronome relativo (que). A posição pós-CV, correspondente a 2% do corpus, foi ocupada apenas por um tipo de pronome, o qual não ocorreu em nenhuma das outras posições: clítico acusativo de 242 terceira pessoa [o/a(s)]. Nos enunciados em que ele foi encontrado, foi regular sua sucessão a V2 no infinitivo. Assim sendo, o tipo de clítico, a forma do verbo temático e, ainda, a escolaridade do indivíduo foram determinantes para a realização desta variante. Desse modo, a análise variacionista revelou que, na norma de uso das comunidades de fala investigadas, a realização das três posições se deveu principalmente à tipologia do clítico. No entanto, concorrência, de fato, foi observada entre as posições pré e intra-CV, em que um mesmo tipo oscilou a posição a depender de alguns fatores, contemplados, sobretudo, pelas variáveis independentes ‘escolaridade’, ‘tipo de complexo verbal’, ‘tipo de clítico’ e ‘contexto morfossintático antecedente’. Em outras palavras, o resultado geral da presente pesquisa quanto à distribuição dos dados sugere que o fenômeno tem progredido, de fato, em direção a um estágio invariável. Supõe-se, ao menos, ter ocorrido um processo de fixação, ao longo dos anos, de um padrão rígido de colocação pronominal, de modo que as três posições ocorrem em construções específicas e em graus muito diferentes de produtividade. Não configuram, na maior parte dos dados, formas realmente alternantes. Quanto à análise fonético-fonológica, os três experimentos realizados – os dois primeiros baseados na observação de parâmetros acústicos mensurados e o terceiro, na percepção de juízes-ouvintes nativos do Rio de Janeiro acerca de enunciados criados através de ressíntese de fala – permitiram definir as características prosódicas dos pronomes átonos e, assim, verificar a direção prototípica de sua ligação com o hospedeiro fonológico – inclinação do pronome para a direita, em próclise fonológica (deve me-fazer), ou para a esquerda, em ênclise fonológica (deve-me fazer). No experimento 1, a vogal dos pronomes me, te e se (reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador) juntos à lexia verbal simples foi comparada à de sílabas átonas vocabulares/lexicais. Assim, foi possível observar, algumas vezes, o paralelismo entre as propriedades fonético-fonológicas dos pronomes átonos e das sílabas átonas vocabulares/lexicais. As diferenças que se mostraram significativas, sobretudo no que diz respeito a duração e a F1, resultaram fundamentalmente de características próprias do segmento. Considerando o subconjunto de dados com o pronome me, o papel dos parâmetros acústicos (duração, intensidade e frequências formânticas) ficou mais evidente, enquanto os demais subconjuntos apresentaram resultados mais instáveis, devido, em grande parte, à 243 intensa coarticulação da vogal alta com a consoante precedente (africada alveopalatal/fricativa alveolar). A configuração acústica da vogal pretônica média apresentou-se sempre mais saliente que as realizações de vogal alta (pretônica ou postônica, proclítica ou enclítica). Por vezes, os valores mensurados referentes à vogal média aproximavam-se do que representava a vogal pretônica alta derivada, possivelmente por esta ser uma categoria a priori intermediária entre a média e a alta subjacente. Quanto aos pronomes átonos especificamente, na maioria das vezes, quando antepostos, sua vogal aproximava-se ora da pretônica alta derivada, ora da pretônica alta subjacente. Quando pospostos, normalmente se comportavam como a vogal postônica. Além disso, vale destacar que os tipos se reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador mostraram comportamentos nitidamente diferentes apenas quanto aos formantes, reforçando a importância da qualidade vocálica para o estudo da cliticização, sobre a qual versou Carvalho (1989). No experimento 2, em que se analisam apenas estruturas em ambiente de complexos verbais, as vogais referentes às duas categorias de pronome se foram confrontadas entre si e em relação à vogal pretônica vocabular possivelmente correspondente. Entre os subconjuntos de dados em que se registrou alguma diferença estatisticamente relevante, foi comum o destaque referente a intensidade e F1. Em outras palavras, foi basicamente em função desses dois parâmetros que se compôs o perfil do pronome enclítico ao verbo auxiliar ou proclítico ao verbo temático. De acordo com o subconjunto que abarca pode se dirigir em estrutura reflexiva e pode se dirigir em estrutura indeterminadora, as vogais dos dois tipos pronominais apresentam comportamento semelhante do ponto de vista prosódico. O mesmo foi observado no subconjunto formado por pode sitiar, pode se tirar em estrutura reflexiva e pode se tirar em estrutura indeterminadora, quando a vogal dos pronomes foi também similar à vogal pretônica alta subjacente. No subconjunto pode seviciar, pode se viciar em estrutura reflexiva e pode se viciar em estrutura indeterminadora, a vogal pretônica média distinguiu-se da vogal de se indeterminador/apassivador quanto aos parâmetros intensidade e F2. Quando se tratava de F1, as três vogais analisadas mostraram-se diferentes. Neste caso, o primeiro formante da vogal de se indeterminador/apassivador foi compatível com o de uma vogal postônica, 244 segundo os resultados do experimento 1, enquanto o da vogal de se reflexivo/inerente foi parecido com o de uma vogal pretônica alta (derivada ou subjacente); portanto, os resultados revelam que aquele tipo pronominal se ligou encliticamente a V1, ao passo que este estava em próclise a V2. No subconjunto pode segurar, pode se curar em estrutura reflexiva e pode se curar em estrutura indeterminadora, a vogal pretônica alta derivada apresentou valor médio de intensidade e F1 significativamente diferente da vogal de se reflexivo/inerente. Os dois tipos pronominais não exibiram diferenças sistemáticas. Ao que parece, eles apresentaram a mesma ligação fonológica. Ambos seriam proclíticos, pois, embora a vogal do clítico tenha se mostrado diferente da vogal pretônica alta derivada, de acordo com os resultados do experimento 1, a frequência formântica registrada foi compatível com a de uma vogal pretônica alta. Por fim, no subconjunto pode citar, pode sedar, pode se dar em estrutura reflexiva e pode se dar em estrutura indeterminadora, no que se refere à duração, a vogal pretônica alta subjacente mostrou-se diferente da vogal de se reflexivo/inerente, que, por sua vez, não foi semelhante à vogal de se indeterminador/apassivador. Quanto à intensidade, a vogal de se reflexivo/inerente também foi significativamente distinta da vogal de se indeterminador/apassivador, ambas tão fortes quanto a vogal pretônica alta subjacente. Com relação a F1, os dois tipos pronominais novamente discreparam. O se em estrutura reflexiva apresentou frequência elevada como a de uma postônica, mas, em estrutura indeterminadora, assemelhou-se a uma pretônica. Assim, acredita-se que, no referido grupo de enunciados, aquele se ligou em ênclise fonológica, enquanto este esteve em próclise, contrariando a hipótese inicial. Em linhas gerais, com base na observação de cada parâmetro acústico nos dados do experimento 2, percebeu-se, então, que nem sempre o pronome reflexivo/inerente assume comportamento nitidamente proclítico ou o indeterminador/apassivador apresenta comportamento inequivocamente enclítico. Essas podem ser as ligações que, na maioria das vezes, são estabelecidas; contudo, os resultados indicam que diversos fatores, referentes às características prosódicas da cadeia segmental ou do enunciado como um todo, podem impedir a produção diferenciada do pronome se de acordo com o que seria, por hipótese, a construção indeterminadora (em ênclise) e a construção reflexiva/inerente (em próclise). Desse modo, por vezes, independentemente da ligação sintática, o pronome 245 se pode ser fonologicamente hospedado tanto pelo verbo auxiliar quanto pelo verbo temático. Em se tratando de pronome se, deve-se salientar que a forte coarticulação dos segmentos dificultou, por vezes, a observação dos parâmetros duração e intensidade do segmento vocálico. Nesse sentido, a análise dos formantes nos experimentos 1 e 2 foi indispensável para identificar a categoria da vogal do clítico. O experimento 3 – aquele que se baseia na percepção de ouvintes nativos do Rio de Janeiro e se vale do importante recurso da ressíntese de fala – foi de fundamental importância como um meio de complementar a análise fonético-fonológica, na medida em que permitiu observar o comportamento da duração e da intensidade separadamente (quando apenas um dos dois parâmetros foi alterado) e também em conjunto. Considerando a inegável sutileza na diferenciação entre estruturas enclíticas a V1, supostamente indeterminadoras, e proclíticas a V2, supostamente reflexivas, é de extrema relevância a alteração da percepção dos ouvintes mediante determinada manipulação dos parâmetros acústicos. A maior parte dos informantes, não obstante à grande dificuldade de reconhecimento dos padrões nos experimentos, reconhece haver uma alteração de direção fonológica exatamente quando está em jogo uma forte redução do(s) parâmetro(s) acústico(s) do acento. De modo geral, os dois testes de percepção aplicados revelaram que o pronome se reflexivo/inerente costuma ser mais saliente acentualmente que o se indeterminador/apassivador. Em outras palavras, quanto mais nítida a fragilidade acentual do clítico, mais ele foi interpretado como se indeterminador/apassivador. O confronto entre os resultados da presente pesquisa com os obtidos em Vieira (2002) e Corrêa (2009) – que se valeram de experimentos semelhantes – foi fundamental para a interpretação dos padrões de ligação fonológica. Os resultados dos testes de ressíntese de fala nos referidos trabalhos, em que foi contemplada a forma pronominal me, são compatíveis com os obtidos na presente pesquisa e asseguram, com muito mais clareza, a percepção de diferentes padrões de ligação fonológica. Apesar de todas as dificuldades relativas à observação dos aspectos físicos das tendências esperadas, no nível da produção, e à testagem da percepção das diferenças de ligação fonológica, no nível da recepção, os resultados da pesquisa não permitem afirmar que o clítico brasileiro se comporta em próclise a V2 categoricamente, sem qualquer restrição, como por vezes algumas pesquisas científicas levam a crer. Antes, a ligação fonológica à direita constituiria o padrão não-marcado da variedade, que, no caso do se, 246 assumiria certo grau de variação – ainda que sutil e por vezes difícil de ser captada – correlacionada aos diferentes tipos de construção sintática, se indeterminadora ou reflexiva/inerente. A presente pesquisa comprova que a compreensão da cliticização pronominal advém da análise de sua interface, pois, no que se refere às perspectivas sintática e fonético-fonológica, ambas estão estritamente relacionadas. Na análise variacionista, constatou-se o comportamento variável dos tipos de pronome se, peculiar frente ao comportamento dos demais clíticos observados. Na análise fonético-fonológica, esses tipos pronominais revelaram novamente uma instabilidade, sobretudo quanto a duração e intensidade, que, associada aos resultados de Vieira (2002) e Corrêa (2009), mostrou que a variação sintática e fonológica dos pronomes átonos, na verdade, está vinculada aos pronomes se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador. Embora se tenha suposto, inicialmente, que haveria uma coincidência entre a ligação sintática e fonológica, a observação dos parâmetros acústicos forneceu indícios de que nem sempre existe essa correlação. Como tendência geral, pode-se afirmar, conforme revelam os testes de percepção auditiva, que normalmente se reflexivo/inerente é proclítico, enquanto se indeterminador/apassivador é enclítico. Considerando as duas análises realizadas, a reunião dos resultados desta pesquisa revelou que a posição intra-CV, correspondente na maioria dos casos a próclise a V2, constitui a opção majoritária nos dados coletados na fala dos informantes de Copacabana e Nova Iguaçu, configurando um quadro típico de regra semicategórica, nos termos de Labov (2003); desse modo, as posições pré e pós-CV ocorrem apenas em construções específicas, adquiridas normalmente via experiência de letramento. A suposta variação sintática, de fato, mantém-se por força da atuação do pronome o, a, os as, registrado exclusivamente na posição pós-CV, e do pronome se (indeterminador/apassivador), que alterna entre as posições pré e intra-CV em função de determinados fatores. Associando os resultados variacionistas aos de natureza prosódica, fica claro que o clítico se em construção indeterminadora, além de resguardar uma ordem pouco usual, revelou que não só a próclise a V2, mas também a ênclise a V1 pode ocorrer na fala de indivíduos do Rio de Janeiro. Em função de a ligação fonológica ter alterado a depender do complexo verbal, motivações rítmicas devem estar relacionadas à cliticização fonológica, o que configura uma via de desdobramento pela qual a pesquisa tende a seguir. 247 Por fim, espera-se ter demonstrado, conforme se anunciou na introdução deste trabalho, que elementos sintáticos e fonético-fonológicos, em interface, configuram efetivamente os padrões de cliticização pronominal na variedade brasileira do Português. Sem a conjugação dos níveis fonético-fonológico e sintático, sem dúvida, não teria sido possível traçar a configuração do parâmetro preferencial adotado, nem apontar as estruturas que resistem a esse padrão e sinalizam, em seu comportamento por vezes oscilante, diferenças sintáticas e fonéticas indicadoras de construções morfossintáticas particulares. 248 BIBLIOGRAFIA ALI, Manuel Said. Dificuldades da Língua Portuguesa: estudos e observações. 7ª ed. Rio de Janeiro: ABL: Biblioteca Nacional, 2008 [1908]. AMARAL, Marisa Porto do. A síncope e a africada alveolar. In: BISOL, Leda; COLLISCHONN, Gisela. (Orgs.). Português do sul do Brasil: variação fonológica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009. p. 93-113. AVELHEDA, Anna Carolina da Costa; SILVEIRA, Eliete Figueira Batista da. Alteamento das vogais médias pretônicas nas cidades de São Fidélis e Rio de Janeiro: uma análise comparativa. In: Anais do VII Congresso Internacional da Abralin. Curitiba, 2011. p. 450464. BARBOSA, Plínio Almeida. 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Ele me disse ‘me toca’ de novo. Ele me disse ‘me cobre’ de novo. Ele me disse ‘calei-me’ de novo. Ele me disse ‘lembrei-me’ de novo. • Pretônica [te]: Ele me disse teclado de novo. Ele me disse tequila de novo. • Pretônica [ti] alteada: Ele me disse tesoura de novo. Ele me disse tesouro de novo. • Pretônica [ti] subjacente: Ele me disse titio de novo. Ele me disse tigela de novo. • Postônica [t]: Ele me disse tomate de novo. Ele me disse tapete de novo. 255 • Pronome [ti]/ [t]: Ele me disse ‘te cava’ de novo. Ele me disse ‘te quica’ de novo. Ele me disse ‘te zomba’ de novo. Ele me disse ‘te zoa’ de novo. Ele me disse ‘te tiro’ de novo. Ele me disse ‘te gela’ de novo. Ele me disse ‘tomei-te’ de novo. Ele me disse ‘domei-te’de novo. • Pretônica [se] pretônico: Ele me disse setenta de novo. Ele me disse secura de novo. • Pretônica [si] alteada: Ele me disse seguido de novo. Ele me disse seguro de novo. • Pretônica [si]: Ele me disse cigarro de novo. Ele me disse cigarra de novo. • Postônica [s]: Ele me disse chatice de novo. Ele me disse alface de novo. • Pronome [si]/ [s] reflexivo/inerente: Estou doente mas não quero fazer o tratamento. Meu amigo sempre me liga e recomenda a mesma coisa. Hoje ele me ligou de novo. Ele me disse ‘se trata’ de novo. Eu quase nunca bebo água. Meu pai sempre me liga e fala a mesma coisa. Hoje ele me ligou de novo. Ele me disse ‘se cuida’ de novo. O pai sempre diz que seu filho cego mesmo se guia. Hoje ele falou a mesma coisa. Ele me disse ‘se guia’ de novo. O menino sempre diz que se nina na cadeira de balanço para dormir. Ele me disse ‘se nina’ de novo. O professor conhece seus alunos. Ele sempre diz o que Pedro faz quando tira nota boa. Hoje aconteceu de novo. Ele me disse ‘se gaba’ de novo. O professor conhece seus alunos. Ele sempre diz o que a turma faz quando não fez o dever. Hoje aconteceu de novo. Ele me disse ‘se cala’ de novo. Toda vez que meu filho vai pra aula de artes plásticas, ele se machuca. O professor sempre me liga e diz a mesma coisa. Hoje ele ligou de novo. Ele me disse ‘cortou-se’ de novo. Toda vez que meu filho vai pra aula de artes plásticas, ele se machuca. O professor sempre me liga e diz a mesma coisa. Hoje ele ligou de novo. Ele me disse ‘furou-se’ de novo. • Pronome[si]/ [s] clítico indeterminador/ apassivador: Eu sempre pergunto se se trata de algo pessoal. Ele sempre me responde a mesma coisa. Hoje não foi diferente. Ele me disse ‘se trata’ de novo. Meu pai sempre diz que, mesmo que não se saiba se vai conseguir, se tenta. Hoje ele me deu o mesmo conselho. Ele me disse ‘se tenta’ de novo. 256 Um psicólogo deveria poder guiar as pessoas para profissões adequadas a elas. Meu psicólogo diz que através de teste vocacional se guia. Hoje ele repetiu o discurso. Ele me disse ‘se guia’ de novo. Meu pai diz que, quando se balança o neném, se nina ele. Hoje cedo ele me ligou só pra dizer isso de novo. Ele me disse ‘se nina’ de novo. O dono do clube de futebol disse que também há piscina lá, qualquer um pode nadar. O diretor disse que posso nadar, mesmo não sendo sócia. Hoje ele me ligou de novo para dizer que também se nada lá. Ele me disse ‘se nada’ de novo. Antigamente davam remédio no posto. Hoje perguntei de novo se se dava remédio ali, o enfermeiro deu a mesma resposta de sempre. Ele me disse ‘se dava’ de novo. Pediu-se isso, pediu-se aquilo. Aquele cara só saber dizer isso. Hoje não foi diferente. Ele me disse ‘pediu-se’ de novo. Parece que os danos não foram tão grandes porque previu-se o terremoto. De manhã, um jornalista disse isso. De noite, um outro jornalista disse a mesma coisa. Ele me disse ‘previu-se’ de novo. • Distratores: Ele me disse boneca de novo. Ele me disse beijo de novo. Ele me disse colher de novo. Ele me disse buraco de novo. Ele me disse ‘começo’ de novo. Ele me disse couro de novo. Ele me disse cozinha de novo. Ele me disse farmácia de novo. Ele me disse formiga de novo. Ele me disse fumaça de novo. Ele me disse moleque de novo. Ele me disse moleza de novo. Ele me disse peixe de novo. Ele me disse pequeno de novo. Ele me disse queijo de novo. Ele me disse touro de novo. 257 Formulários entregues a vinte juízes no experimento 3 Voluntário(a): ______________________ Idade: ____ Data: ________________ Instruções: (1) Você ouvirá os enunciados “Pode-se dirigir” ou “Pode se dirigir” dito de 24 maneiras ligeiramente diferentes. (2) Após ouvir atentamente cada um deles, assinale a opção que julga mais adequada quanto à ligação do pronome em destaque: com a palavra anterior ou com a palavra posterior. (3) Cada frase será dita duas vezes; em seguida, você terá alguns poucos segundos para assinalar sua escolha. (4) Você tem de escolher uma opção em todos os casos. Se houver uma dúvida muito grande, escolha a opção que achar mais conveniente e registre um ponto de interrogação ao lado. (5) Os dois primeiros enunciados não fazem, na verdade, parte do teste; servem apenas para você se acostumar com o tipo de tarefa a ser feita em seguida. Treinamento: 0. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 00. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) Início do teste: 1. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 15. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 2. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 16. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 3. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 17. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 4. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 18. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 5. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 19. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 6. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 20. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 7. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 21. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 8. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 22. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 9. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 23. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 10. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 24. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 11. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 25. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 12. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 26. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 13. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 27. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 14. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 28. pode-se dirigir ( ) pode se-dirigir ( ) 258 Voluntário(a): _______________________ Idade: ____ Data: ________________ Instruções: (1) Você ouvirá a primeira parte (a parte em negrito) dos enunciados interrompidos “Pode se dirigir... / a 80 por hora (com o sentido de “Pode se conduzir veículos a 80 km/hora)” e “Pode se dirigir / ao balcão do lado” (com o sentido de “Você pode se encaminhar ao balcão do lado), ditos de 24 maneiras ligeiramente diferentes. (2) Após ouvir atentamente cada um deles, assinale a opção que julga mais adequada quanto ao complemento da frase: “a 80 por hora” ou “ao balcão do lado”. (3) Cada frase será dita duas vezes; em seguida, você terá alguns poucos segundos para assinalar sua escolha. (4) Você tem de escolher uma opção em todos os casos. Se houver uma dúvida muito grande, escolha a opção que achar mais conveniente e registre um ponto de interrogação ao lado. (5) Os dois primeiros enunciados não fazem, na verdade, parte do teste; servem apenas para você se acostumar com o tipo de tarefa a ser feita em seguida. Treinamento: 0. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 00. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) Início do teste: 1. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 15. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 2. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 16. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 3. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 17. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 4. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 18. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 5. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 19. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 6. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 20. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 7. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 21. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 8. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 22. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 9. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 23. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 10. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 24. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 11. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 25. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 12. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 26. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 13. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 27. a 80km/h ( ) 14. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) 28. a 80km/h ( ) ao balcão do lado ( ) ao balcão do lado ( ) 259 Duração da vogal do pronome me e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 Vogal analisada Palavra contendo a vogal medisse [e] pretônico megera [i] alteado pretônico (o símbolo * marca a pronúncia [e]) mexido menina micose [i] pretônico mitose salame [] postônico perfume me disse me gera me chifra [i]/ [] do clítico me (o símbolo * marca a pronúncia [e]) me nina me cobre me toca calei-me lembrei-me Informante 1 104 118 92 118 93 86 68 80 62 58 62 62 56 74 56 56 52 74 66 58 68 54 62 86 76 112 104 118 92 94 54 68 42 58 70 74 56 80 62 64 74 42 82 56 92 74 86 62 Informante 2 68 80 88 119 84 80 56 * 80 56 74 62 50 68 68 74 68 56 80 36 42 62 68 36 * 74 68 74 106 82 56 56 62 62 80 88 62 62 56 62 66 74 68 80 44 80 57 48 Informante 3 80 86 100 92 100 100 42 56 36 42 56 50 36 42 42 36 48 56 42 36 56 54 42 44 62 92 86 72 68 80 68 42 56 50 56 56 56 54 50 32 38 38 48 50 62 74 56 68 260 Duração da vogal do pronome te e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 Vogal analisada Palavra contendo a vogal tequila [e] pretônico teclado tesoura [i] alteado pretônico tesouro titio [i] pretônico tigela tomate [] postônico tapete te quica te cava te zomba te zoa [i]/ [] do clítico te te tiro te gela tomei-te domei-te Informante 1 88 86 56 50 56 70 72 68 86 80 92 68 76 74 80 60 74 110 56 56 36 70 74 56 62 56 42 38 24 0 100 92 86 86 48 86 56 56 50 50 42 80 68 86 42 88 92 56 Informante 2 69 74 42 98 60 48 75 74 42 98 60 48 55 56 36 62 64 62 50 46 42 0 48 50 78 36 30 56 24 18 80 36 50 56 44 36 56 68 50 68 86 98 50 24 36 0 0 0 Informante 3 68 46 74 58 50 42 68 46 74 58 50 42 60 48 56 42 60 68 30 36 0 42 38 0 42 48 62 48 30 50 56 54 62 36 70 82 44 36 36 50 48 56 0 0 0 0 0 0 261 Duração da vogal do pronome se e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 Vogal analisada Palavra contendo a vogal secura [e] pretônico setenta seguido [i] alteado pretônico seguro cigarro [i] pretônico cigarra chatice [] postônico alface se cuida se trata se guia se nina [i]/ [] do clítico se refl./ inerente se gaba se cala cortou-se furou-se [i]/ [] do clítico se indet./ apass. se trata se tenta Informante 1 90 74 66 76 92 92 94 62 42 76 66 86 62 92 80 70 62 80 80 62 74 46 62 50 43 56 56 66 86 56 74 56 74 48 36 34 48 48 86 62 50 62 82 62 56 74 86 74 68 50 50 66 68 Informante 2 88 48 62 80 68 74 80 68 56 48 56 44 80 62 50 43 62 50 50 42 52 48 74 50 43 56 56 66 86 56 74 56 74 48 36 34 48 48 86 62 50 62 74 42 54 54 42 24 68 80 0 54 48 Informante 3 42 56 50 50 48 44 44 68 36 30 36 36 62 36 30 30 80 36 48 36 0 50 50 36 42 36 30 56 36 48 56 66 56 36 42 36 30 50 36 30 24 24 36 0 24 24 50 0 30 36 56 30 24 262 se guia se nina se nada se dava pediu-se previu-se 44 30 50 86 56 30 38 24 24 39 42 48 30 64 24 62 67 30 80 56 80 86 50 50 52 50 42 30 36 36 42 48 42 50 58 68 42 50 30 54 62 30 68 24 54 30 24 30 42 30 30 50 60 0 36 70 50 263 Intensidade da vogal do pronome me e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 Vogal analisada Palavra contendo a vogal medisse [e] pretônico megera [i] alteado pretônico (o símbolo * marca a pronúncia [e]) mexido menina micose [i] pretônico mitose salame [] postônico perfume me disse me gera me chifra [i]/ [] do clítico me (o símbolo * marca a pronúncia [e]) me nina me cobre me toca calei-me lembrei-me Informante 1 79 76 74 73 79 76 76 76 74 80 77 71 75 74 70 77 69 71 77 75 73 76 74 71 74 71 72 75 73 72 76 76 72 78 76 75 75 71 72 74 75 69 77 79 73 80 79 70 Informante 2 69 68 72 71 70 71 67 * 69 65 67 68 64 67 68 61 67 70 62 65 72 62 66 67 * 68 70 72 73 72 69 65 70 68 67 68 66 67 70 68 63 66 62 66 71 61 68 70 Informante 3 75 74 74 74 73 68 79 73 67 74 73 65 73 75 69 76 71 65 74 69 62 74 69 68 75 73 70 77 75 72 76 73 69 74 73 70 74 73 78 74 70 72 71 67 69 74 70 71 264 Intensidade da vogal do pronome te e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 Vogal analisada Palavra contendo a vogal tequila [e] pretônico teclado tesoura [i] alteado pretônico tesouro titio [i] pretônico tigela tomate [] postônico tapete te quica te cava te zomba te zoa [i]/ [] do clítico te te tiro te gela tomei-te domei-te Informante 1 82 76 74 77 77 73 73 73 70 74 74 72 71 73 68 72 73 72 70 68 64 68 67 65 70 65 63 71 66 78 69 72 77 74 72 72 70 65 73 70 70 68 68 63 69 67 62 Informante 2 74 70 73 68 71 75 63 65 70 62 69 68 64 62 69 67 66 75 60 74 69 65 61 64 63 62 73 62 68 68 68 74 66 68 69 63 63 63 69 65 68 57 58 69 - Informante 3 76 75 70 75 74 81 71 73 72 73 69 66 69 65 65 69 68 78 62 63 61 61 70 71 71 70 68 72 74 72 68 69 74 72 65 70 66 73 70 70 - 265 Intensidade da vogal do pronome se e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 Vogal analisada Palavra contendo a vogal secura [e] pretônico setenta seguido [i] alteado pretônico seguro cigarro [i] pretônico cigarra chatice [] postônico alface se cuida se trata se guia se nina [i]/ [] do clítico se refl./ inerente se gaba se cala cortou-se furou-se [i]/ [] do clítico se indet./ apass. se trata se tenta Informante 1 75 75 74 72 77 76 69 70 68 70 75 64 67 72 65 66 73 66 69 67 66 66 69 65 64 63 67 72 70 63 70 70 66 75 77 71 68 67 66 73 64 67 73 68 64 73 68 66 72 67 61 73 68 Informante 2 64 66 69 66 66 70 64 73 72 62 64 66 61 67 72 59 66 70 57 62 66 58 62 66 67 65 64 60 64 63 63 65 65 64 69 67 66 65 69 62 63 67 60 59 62 60 60 60 63 67 66 65 Informante 3 72 76 74 73 75 76 70 76 71 73 72 71 72 72 75 71 73 73 74 63 68 62 66 70 75 71 68 71 71 73 70 65 70 71 72 71 72 71 69 69 65 63 60 70 66 68 71 69 69 60 266 se guia se nina se nada se dava pediu-se previu-se 63 69 65 64 74 73 70 76 71 73 75 75 65 70 70 63 68 70 67 69 63 66 66 71 69 69 65 64 68 68 65 68 59 61 58 60 65 72 62 75 67 61 72 73 68 75 70 73 75 69 71 65 64 68 65 61 267 F1 da vogal do pronome me e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 Vogal analisada Palavra contendo a vogal medisse [e] pretônico megera [i] alteado pretônico (o símbolo * marca a pronúncia [e]) mexido menina micose [i] pretônico mitose salame [] postônico perfume me disse me gera me chifra [i]/ [] do clítico me (o símbolo * marca a pronúncia [e]) me nina me cobre me toca calei-me lembrei-me Informante 1 357 327 387 359 378 371 330 328 302 416 357 365 373 318 356 308 348 321 348 386 320 337 345 329 310 308 293 271 313 310 273 340 335 354 351 354 346 369 327 325 332 350 349 339 291 325 313 292 Informante 2 364 344 377 386 449 444 340 * 355 324 348 275 302 336 326 358 385 348 328 341 383 280 349 370 * 306 336 344 322 346 305 304 345 377 332 341 360 342 352 337 334 354 211 271 327 247 329 353 Informante 3 403 405 368 452 456 409 298 325 331 352 347 348 368 341 361 330 351 343 302 319 291 307 305 304 346 327 316 313 313 350 340 308 334 341 333 346 391 356 339 343 346 381 287 284 293 354 286 297 268 F1 da vogal do pronome te e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 Vogal analisada Palavra contendo a vogal tequila [e] pretônico teclado tesoura [i] alteado pretônico tesouro titio [i] pretônico tigela tomate [] postônico tapete te quica te cava te zomba te zoa [i]/ [] do clítico te te tiro te gela tomei-te domei-te Informante 1 412 330 382 452 402 440 322 320 306 320 323 309 327 306 253 306 295 299 230 305 292 309 281 295 251 244 223 308 344 334 319 343 340 334 343 230 249 245 223 231 261 274 251 270 280 289 267 Informante 2 331 343 372 411 405 439 379 351 337 308 343 268 269 254 343 280 297 326 275 295 361 307 219 275 280 226 297 311 302 324 297 329 302 366 331 287 258 215 307 265 351 199 200 360 - Informante 3 361 366 380 455 453 440 273 319 338 302 315 305 283 322 301 280 279 293 267 228 249 257 322 294 314 323 352 314 341 310 316 289 301 317 270 294 254 318 293 302 - 269 F1 da vogal do pronome se e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 Vogal analisada Palavra contendo a vogal secura [e] pretônico setenta seguido [i] alteado pretônico seguro cigarro [i] pretônico cigarra chatice [] postônico alface se cuida se trata se guia se nina [i]/ [] do clítico se refl./ inerente se gaba se cala cortou-se furou-se [i]/ [] do clítico se indet./ apass. se trata se tenta Informante 1 385 386 382 442 387 416 305 331 332 307 358 280 283 303 264 295 324 273 259 253 314 239 292 291 309 260 337 342 306 281 294 291 282 343 338 346 290 305 292 332 298 376 297 264 274 239 287 297 370 319 264 340 334 Informante 2 387 428 406 371 367 362 266 303 329 317 316 328 274 391 342 329 316 331 261 314 343 281 316 354 330 308 314 274 305 256 324 320 316 290 347 298 323 347 361 311 343 362 335 317 326 326 316 210 302 349 314 334 Informante 3 376 396 498 407 428 374 278 319 321 325 312 322 288 331 310 313 314 314 307 200 196 264 201 324 336 333 280 336 281 274 326 303 344 333 330 311 324 329 334 327 311 234 237 262 313 329 338 340 303 294 270 se guia se nina se nada se dava pediu-se previu-se 255 361 313 342 375 319 337 304 397 379 364 363 360 268 308 291 283 297 294 327 298 307 318 352 354 368 371 352 366 318 329 336 269 330 262 281 370 365 300 300 336 328 334 329 355 345 331 385 331 331 324 294 247 280 314 295 271 F2 da vogal do pronome me e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 Vogal analisada Palavra contendo a vogal medisse [e] pretônico megera [i] alteado pretônico (o símbolo * marca a pronúncia [e]) mexido menina micose [i] pretônico mitose salame [] postônico perfume me disse me gera me chifra [i]/ [] do clítico me (o símbolo * marca a pronúncia [e]) me nina me cobre me toca calei-me lembrei-me Informante 1 2148 2027 2100 1992 1964 1971 2137 2101 2183 2150 2161 2264 2314 2160 2143 2293 2015 2050 2092 1960 1881 2099 1979 2018 2180 2094 2181 2436 2364 2227 2289 2158 2172 1616 2150 2479 2085 1767 2022 2092 2009 2061 2124 2197 2061 2065 2158 2065 Informante 2 2017 2116 2064 1962 1948 1908 1922 * 2023 2135 2123 2187 2147 2086 2066 1696 1870 1765 1652 1885 1757 2031 1900 1814 * 2042 2033 2009 2185 2007 2101 2118 2099 2113 2171 2248 1914 1933 1991 1763 1624 1775 1965 2144 2110 1967 1968 1996 Informante 3 2010 2058 2092 1921 1936 2029 2282 2142 2250 1992 1652 1739 2021 2144 2082 1889 2037 1884 2024 1955 2059 2028 2327 2215 2205 1856 2355 2150 2188 2205 1989 2207 2254 1919 2193 1833 2155 2039 1494 1897 1892 1980 2059 2133 2115 1915 2184 2150 272 F2 da vogal do pronome te e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 Vogal analisada Palavra contendo a vogal tequila [e] pretônico teclado tesoura [i] alteado pretônico tesouro titio [i] pretônico tigela tomate [] postônico tapete te quica te cava te zomba te zoa [i]/ [] do clítico te te tiro te gela tomei-te domei-te Informante 1 2055 2185 2076 1839 1826 1814 1643 1652 1761 1609 1763 1611 2217 2143 2128 2312 2177 2185 2044 2154 2085 2065 2128 2257 2233 2411 2397 2058 2042 1666 1680 1688 1835 1822 1783 2438 2521 2326 2169 2208 2223 2186 2114 2127 2195 2070 2144 Informante 2 2085 2095 2086 1914 1907 1909 1585 1610 1683 1583 1678 1638 2119 2346 2183 1982 2087 2034 1852 1893 1906 1900 2059 2221 2293 2241 1984 2148 2054 1703 1939 1783 1672 1706 1837 2294 1902 2112 2022 2091 2193 1933 1901 1711 - Informante 3 2014 1980 1964 1894 1870 1782 1969 1764 1845 1818 1687 2054 2310 2172 2018 2318 2483 2234 2414 2158 2168 2471 2259 2252 2276 2144 2213 2250 1969 2435 2598 2218 2126 2375 2345 2505 2439 2125 2312 2213 - 273 F2 da vogal do pronome se e das sílabas comparadas a ele no experimento 1 Vogal analisada Palavra contendo a vogal secura [e] pretônico setenta seguido [i] alteado pretônico seguro cigarro [i] pretônico cigarra chatice [] postônico alface se cuida se trata se guia se nina [i]/ [] do clítico se refl./ inerente se gaba se cala cortou-se furou-se [i]/ [] do clítico se indet./ apass. se trata se tenta Informante 1 1778 1895 1733 1688 1636 1695 2360 2053 1963 1809 1930 1878 1945 2150 2049 2044 2162 1717 1973 2444 2041 1921 1929 2043 1803 1983 1781 1902 1788 1965 2164 2208 2179 2045 2151 2087 1998 2173 1636 2178 2198 2087 1963 1941 1937 1988 1894 1947 1769 1757 1850 1996 1861 Informante 2 1677 1694 1699 1751 1792 1717 2069 1995 2120 1631 1336 1546 1949 1909 1985 2022 2014 2036 1925 1909 1796 1945 1947 1918 1695 1655 1826 1673 1607 1845 2104 2229 2168 2078 2054 2077 1967 2016 2037 1953 1813 1971 1776 1759 1769 1820 1793 1915 1700 1689 1859 1862 Informante 3 1893 1841 2154 1812 1664 1682 2104 2043 2329 1969 1992 2014 2170 2112 2193 2135 2209 2167 2030 2618 0 2071 2549 2164 2153 1963 2158 1704 1704 1608 2193 2156 2067 2057 2188 2132 2134 2168 2213 2135 2145 2194 2232 2336 2024 2028 1720 1740 1660 1938 2337 274 se guia se nina se nada se dava pediu-se previu-se 1884 2083 2249 2309 2076 2189 2169 1820 1824 1784 1899 1883 1803 2017 2061 1937 1948 2000 1968 1818 2258 2154 2085 1981 2046 2041 1791 1779 1795 1785 1778 1753 1849 2042 1947 1912 2058 1752 1868 2180 2161 2062 2115 2501 2080 1971 1843 1830 1801 1668 1815 2362 2363 2163 2106 2293 275 Duração das vogais estudadas no experimento 2 Vogal analisada Composto com a vogal [i] / [] de se refl./ inerente Pode se dirigir [i] / [] de se indet. Pode se dirigir [e] da pretônica /sE/ Pode seviciar [i] / [] de se refl./ inerente Pode se viciar [i] / [] de se apass. Pode se viciar [e] / [i] da pretônica /sE/ Pode segurar [i] / [] de se refl./ inerente Pode se curar [i] / [] de se apass. Pode se curar [i] da pretônica /si/ Pode sitiar [i] / [] de se refl./ inerente Pode se tirar [i] / [] de se apass. Pode se tirar [i] da pretônica /si/ Pode citar [e] da pretônica /sE/ Pode sedar [i] / [] de se refl./ inerente Pode se dar [i] / [] de se apass. Pode se dar Informante 1 68 42 62 82 62 56 74 42 100 48 50 68 90 98 0 16 50 54 50 68 112 56 74 42 62 56 74 54 68 24 62 50 56 68 74 80 82 68 62 0 18 0 30 48 36 Informante 2 50 86 50 44 56 36 56 94 100 118 38 54 124 62 30 68 0 42 50 56 44 36 62 48 56 50 42 62 24 0 36 0 0 56 0 36 74 80 62 36 18 0 36 42 30 Informante 3 32 30 38 50 56 36 68 74 68 42 56 42 30 42 46 30 30 30 24 30 38 36 68 24 56 36 30 0 0 36 0 24 0 42 24 30 62 56 56 24 0 30 42 0 42 276 Intensidade das vogais estudadas no experimento 2 Vogal analisada Composto com a vogal [i] / [] de se refl./ inerente Pode se dirigir [i] / [] de se indet. Pode se dirigir [e] da pretônica /sE/ Pode seviciar [i] / [] de se refl./ inerente Pode se viciar [i] / [] de se apass. Pode se viciar [e] / [i] da pretônica /sE/ Pode segurar [i] / [] de se refl./ inerente Pode se curar [i] / [] de se apass. Pode se curar [i] da pretônica /si/ Pode sitiar [i] / [] de se refl./ inerente Pode se tirar [i] / [] de se apass. Pode se tirar [i] da pretônica /si/ Pode citar [e] da pretônica /sE/ Pode sedar [i] / [] de se refl./ inerente Pode se dar [i] / [] de se apass. Pode se dar Informante 1 71 72 69 73 67 67 78 72 68 68 70 68 70 66 70 77 68 71 68 69 71 68 69 71 65 67 69 69 62 69 69 65 66 70 69 80 77 76 67 71 71 71 Informante 2 59 70 68 72 60 58 69 69 69 61 64 70 62 66 67 73 71 61 60 66 59 72 70 57 75 65 69 61 58 69 58 68 71 72 59 59 65 67 65 Informante 3 68 70 71 63 65 65 76 79 72 73 77 67 72 71 71 71 74 67 71 72 69 73 77 64 68 67 61 70 63 71 72 66 78 75 67 69 63 77 68 277 F1 das vogais estudadas no experimento 2 Vogal analisada Composto com a vogal [i] / [] de se refl./ inerente Pode se dirigir [i] / [] de se indet. Pode se dirigir [e] da pretônica /sE/ Pode seviciar [i] / [] de se refl./ inerente Pode se viciar [i] / [] de se apass. Pode se viciar [e] / [i] da pretônica /sE/ Pode segurar [i] / [] de se refl./ inerente Pode se curar [i] / [] de se apass. Pode se curar [i] da pretônica /si/ Pode sitiar [i] / [] de se refl./ inerente Pode se tirar [i] / [] de se apass. Pode se tirar [i] da pretônica /si/ Pode citar [e] da pretônica /sE/ Pode sedar [i] / [] de se refl./ inerente Pode se dar [i] / [] de se apass. Pode se dar Informante 1 273 312 311 260 277 278 369 329 340 315 310 289 233 225 426 413 347 340 324 288 320 312 361 284 358 280 305 320 237 298 300 225 289 372 374 480 442 446 270 354 387 417 Informante 2 236 317 294 270 562 173 357 347 350 302 317 376 282 301 343 382 379 337 337 344 286 363 369 228 300 318 235 316 241 256 238 409 435 383 269 288 314 359 349 Informante 3 246 302 311 247 231 257 416 406 385 311 321 327 317 301 271 334 326 341 313 285 343 338 338 335 303 261 214 285 254 348 336 324 460 456 450 317 305 339 343 278 F2 das vogais estudadas no experimento 2 Vogal analisada Composto com a vogal [i] / [] de se refl./ inerente Pode se dirigir [i] / [] de se indet. Pode se dirigir [e] da pretônica /sE/ Pode seviciar [i] / [] de se refl./ inerente Pode se viciar [i] / [] de se apass. Pode se viciar [e] / [i] da pretônica /sE/ Pode segurar [i] / [] de se refl./ inerente Pode se curar [i] / [] de se apass. Pode se curar [i] da pretônica /si/ Pode sitiar [i] / [] de se refl./ inerente Pode se tirar [i] / [] de se apass. Pode se tirar [i] da pretônica /si/ Pode citar [e] da pretônica /sE/ Pode sedar [i] / [] de se refl./ inerente Pode se dar [i] / [] de se apass. Pode se dar Informante 1 1970 1995 1965 2014 2116 1969 1856 1897 1825 1839 1930 1824 1947 1784 1510 1587 1653 1976 1741 2239 1880 1782 1736 2166 3291 2116 1954 1917 1993 1958 1986 2119 1568 1649 1697 1712 1678 1690 1636 1150 1575 1542 Informante 2 1947 1898 1989 1924 2322 1969 1799 1912 1816 2017 1809 1771 1909 1993 1911 1660 1732 1556 1569 1597 1395 1904 1833 1939 1905 1915 1976 2004 2023 1688 0 1629 1735 1739 1661 1613 1709 1662 1730 1667 Informante 3 2078 2229 2183 2387 2475 2426 1977 1853 1796 2069 2009 1983 1969 2029 1970 1675 1898 1745 1874 1824 1737 1871 2087 1747 2449 2433 2414 2527 2646 1757 1610 1738 1654 1620 1708 1815 1834 1784 1639