Câncer de Mama, cuidado de si

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Câncer de Mama, cuidado de si
Manuela Machado Ribeiro Venancio 1
Núbia Bento Rodrigues 2
Resumo
Este artigo apresenta uma reflexão sobre como mulheres com câncer de mama, residentes em
Atibaia-SP, constroem o “cuidado de si” (Focault, 1985), no contexto específico desta doença. Esse
cuidado inicia-se logo após tomarem conhecimento do diagnóstico do tumor no seio. Quem indica o
tratamento são o mastologista e o oncologista, e normalmente as mulheres não os questionam
quanto às decisões destes profissionais que incidem diretamente sobre os corpos delas. Desse
modo, há uma internalização da “cultura do cuidado de si” que tem como base o conhecimento
biomédico. Zelar por si próprias é uma jornada diária e árdua. A cidade de Atibaia não oferece
condições para realização de procedimentos mais complexos de quimioterapia e radioterapia, o que
exige o deslocamento para São Paulo. É importante ressaltar que apesar das mulheres terem
internalizado o conhecimento biomédico perante a atenção que devem dar aos seus corpos doentes,
elas trazem uma nova experiência para o cuidado de si. Seguir a risca o que os médicos pedem é
sofrer uma privação, e o que elas passam a perceber durante a doença, é que querem mais é viver,
por isso mesmo, não ficam reclusas em casa ou se afastam das atividades sociais, tal como se
poderia imaginar. Viajar, sair para passear, ir ao centro espírita, comer “porcaria”, hábitos que as
mulheres não abrem mão, porque fazem bem para elas. Neste sentido, o conceito de cuidado de si
ganha uma nova dimensão, não apenas se restringe ao corpo, mas também inclui o cuidado
emocional, psicossocial, indispensável no processo de enfrentamento da doença e de todas as
etapas do tratamento. O texto que segue visa contribuir para o eixo temático “Saúde, Ciência, Gênero
e Tecnologia” no sentido de pensar sobre a construção da prática de si, e como corpo, saúde e
doença são concebidos e percebidos num episódio específico de doença.
Palavras-chave: Câncer de Mama Feminino, Processo Terapêutico e “Cuidado de Si”.
1
Bacharela em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina; mestranda do Programa de Pós-Graduação em
Antropologia da Universidade Federal da Bahia. Endereço eletrônico: [email protected]
2
Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Federal da Bahia; professora e chefe do departamento de Antropologia da
Universidade Federal da Bahia.
1
Cidade ponto de partida
3
Atibaia fica localizada a 69 km de São Paulo, tem uma população de 126. 757 habitantes , que vem
se expandido ao longo dos anos. É uma cidade arborizada, considerada com um bom clima, ótimo
para a saúde. Mas, como a maioria das cidades do Brasil tem em seus problemas sociais o elevado
tráfico de drogas, violência urbana considerável, sua periferia cada vez maior e sem infra-estrutura
para aqueles que habitam. O lado rico da cidade também cresce com seus condomínios, teleférico, a
instalação do Mc Donalds considerado pela população da cidade um grande avanço – modernização
– sua inauguração será um evento e tanto, para crianças, jovens e adultos.
Esta cidade conta com apenas dois hospitais particulares e uma Santa Casa. Os hospitais
particulares, aparentemente, possuem uma boa infra-estrutura, só que pode ser questionada ao
apontarmos que, apesar de ter um número considerável de pacientes femininas com câncer de
mama, não oferecem plenas condições a essas mulheres de realizarem os tratamentos biomédicos
indicados pelos médicos desses centros de saúde. O que eles oferecem no momento é o
equipamento necessário para a realização do tratamento quimioterápico – “portocat”
4
e “bomba de
infusão” –, no entanto, para a radioterapia é preciso deslocar-se para lugares que ofereçam esse tipo
de tratamento. Que foi o que ocorreu com as três mulheres que pesquisei.
Kelly (31), Maria (65) e Mariana (35)
5
não mediram esforços para seguir a risca os tratamentos
indicados por seus oncologistas e mastologistas. Esses são figuras centrais diante a orientação ao
cuidado do corpo doente destas mulheres.
As mesmas mobilizaram todas às formas para poderem se curar do câncer de mama. O medo
da morte é iminente, por isso, é preciso fazer de tudo para manter-se viva, e é só por meio da
intervenção física que isso é possível.
Mastectomia, reconstrução do seio, quimioterapia, radioterapia, injeções na barriga e
hormonioterapia são as técnicas de modificações utilizadas no corpo das mulheres que têm como
finalidade anular o tumor mamário, e no caso da reconstituição do seio, reconstruir a imagem das
mulheres dando um novo peito, mas que não as agrada.
Por que falo que as mulheres não mediram esforços para cuidarem de si?
Tomo como justificativa as cansativas viagens dessas mulheres para São Paulo ou Jundiaí,
interior de São Paulo, para poderem realizar a radioterapia, caso de Kelly e Mariana, e a
quimioterapia que foi o caso de Maria.
A sensação delas é que essas jornadas diárias em busca de um corpo saudável eram
inacabáveis, todo dia era uma luta e uma vitória contada nos dedos. O mínimo de sessões de
quimioterapia é seis, e de radioterapia vinte e oito, podendo chegar à bem mais, como trinta e seis,
que foi o que aconteceu com Mariana em seu primeiro câncer de mama, em 2006. Teve recidiva no
ano passado, 2009.
3
Dado do IBGE Cidades – www.ibge.gov.br
Assemelha-se a um cateter que é colocado na região peitoral da mulher. Esse procedimento é utilizado quando há dificuldade
em realizar a quimioterapia pelas veias dos braços, o que ocorre com pacientes que já tiveram algum tipo de câncer (e que
tiveram suas veias queimadas pela química da quimioterapia) e estão com recidiva.
5
Nomes fictícios.
4
2
Acompanhei Kelly e Mariana em seus tratamentos.
Para poder ir com Kelly até São Paulo, tive que dormir algumas noites na casa dela que
gentilmente falou: “Você pode dormir em casa, não tem problema!” Dormi na sala de televisão, num
dos sofás. Para me dar conforto, Kelly todas as noites preparava café com chocolate e adoçante e
fazia pipoca. Preparava também o café-da-madrugada. Esse ato era religioso para ela:
Acordamos 03h15min da manhã. Kelly levantou antes de mim e já preparou o
café – da – manhã. Café, queijo, goiabada, bolacha de água e sal e margarina.
E eu peguei a canjica que levei para comermos. Kelly foi dormir por volta de
meia noite e meia e dormiu menos de três horas, por isso, estava com bastante
dor de cabeça. Além de não ter dormido quase nada a noite, está com sono
acumulado de segunda – feira, que também teve que acordar às 03h15min da
manhã. Disse-me “sabe quando você volta da balada e está detonada?”. É
assim que ela estava se sentindo. Colocou uma touca toda peluda na cabeça
que lhe foi presenteada por sua mãe durante o período da quimioterapia, para
se proteger do frio, quando seus cabelos começaram a cair. Tomamos café e
sentamos na sala a espera da perua chegar. Kelly brincou e disse (justificando o
fato de ter ido dormir tarde): “Aquelas bem assim: como eu não tenho nada para
fazer, assisto “CQC” e “a Fazenda””. Falou ironicamente, não tem nada para
fazer porque não pode fazer o que quer como voltar a trabalhar. Kelly não vê a
hora de voltar a trabalhar e nesses dias (desde quinta – feira passada
01/07/2009) se preocupa e se ocupa indo em busca de atestado médico para
entregar no INSS e manter legalmente a licença médica e assim continuar a
receber o auxílio doença pelo tempo em que seu tratamento durar. Hoje foi a
segunda sessão de radioterapia. Às 4 da manhã, ouvimos a buzina da perua
tocar. Saímos da sala, pegamos as nossas coisas, eu a minha bolsa, Kelly,
também, foi prática nesse momento e pôs tudo num bolso da calça, sem levar
nada na mãe, nem bolsa nem casaco. Depois que todas as pessoas foram
pegas em sua casa, saímos de Atibaia às 5 da manhã e chegamos a São Paulo
na clínica de radioterapia em Santana às 05h50min. Kelly foi à única que desceu
na clínica, os outros pacientes iam para outros lugares: Hospital das Clínicas,
Santa Casa de São Paulo etc. A clínica começa a funcionar às 6 da manhã,
porém como alguns pacientes chegam mais cedo que Kelly e eu, a clínica já
estava aberta para que possamos esperar do lado de dentro.
Este é um pequeno trecho de minha observação participante que extraí do meu diário de campo.
Foi à primeira noite em que dormi na casa de Kelly e a primeira madrugada das madrugadas
radioativas que acompanhei Kelly.
A passagem acima ilustra o sacrifício feito por essa mulher por mais de um mês, só aos
sábados, domingos e feriados, que ela não foi até São Paulo receber a radioterapia. De resto, de
segunda à sexta, lá estava ela de pé bem antes do sol raiar. E foi assim durante todo o mês de
Agosto e início de Setembro, fizesse sol ou chuva e frio (cerca de doze, treze graus de madrugada, e
oito, dez graus por volta das sete e meia da manhã em São Paulo, o frio era mais intenso).
Kelly não tinha como bancar seu tratamento de radioterapia. A passagem de ônibus de São
Paulo a Atibaia custa onze reais e quarenta e cinco centavos, só um trecho e a passagem de metrô
dois reais e cinqüenta e cinco centavos, também só um trecho.
Então, recorreu a Secretaria de Saúde de Atibaia para fazer parte dos pacientes que usam o
serviço de transporte (perua wolkeswagen branca) da prefeitura de Atibaia para poderem realizar
seus tratamentos médicos em São Paulo. E conseguiu um apoio financeiro para ter sua passagem de
ônibus paga. O bilhete de metrô, ela mesma quem pagou.
O esquema que ela fez foi o seguinte: para chegar à clínica de radioterapia usou o furgão da
prefeitura, após a radioterapia que dura menos de três minutos, descia até a estação de metrô
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Santana e de lá ia até o Terminal Rodoviário do Tietê e pegava o ônibus para Atibaia.
Caso, Kelly não tivesse conseguido o apoio financeiro da Secretaria de Saúde para pagar sua
passagem de ônibus, teria que passar o dia em São Paulo e esperar que no final de tarde a perua a
pegasse na clínica de radioterapia e, assim, voltaria para Atibaia.
A aplicação da radioterapia é extremamente rápida. Em toda sessão eu marcava no relógio o
tempo em que Kelly ficava na sala de radioterapia. Não durava nem dez minutos. Em três minutos a
aplicação era feita, e em dois minutos Kelly tirava e vestia sua blusa, sendo que muitas vezes saía da
sala com a blusa meio vestida e terminava de colocá-la no banheiro. O que ela queria era sair logo de
lá e esse ato de sair da sala semivestida de blusa demonstrava esse sentimento.
Perguntei a ela qual era o seu sentimento em ter que acordar tão cedo, pegar estrada, chegar à
clínica sem ela ainda funcionar, para que em menos de cinco minutos receba seu tratamento. A
resposta foi de que sente raiva, que faz todo esse sacrifício, simplesmente pelo fato de Atibaia não
oferecer esse tipo de tratamento em seus hospitais nem na Santa Casa.
Agora falarei de Mariana. Um dos casos que acompanhei dela, dentre os tantos que fazem a
experiência do câncer de mama, foi na quimioterapia. Esse seu tratamento foi feito em Atibaia, no
hospital em que ela era funcionário, por isso, tinha convênio médico. Esse é um dado importante.
Tanto Kelly quanto Mariana puderam ter seus tratamentos em hospitais e clínicas particulares devido
ao vínculo empregatício de cada uma: Kelly é funcionária pública e Mariana, secretaria do setor de
fisioterapia de um dos hospitais de Atibaia. Caso contrário, como elas bem disseram, não teriam tido
como cuidar de sua saúde. Estariam nas mãos do Sistema Único de Saúde que nós sabemos o
quanto é deficitário.
Das seis sessões de quimioterapia de Mariana, pude acompanhar apenas uma, pois foi realizada
no Pronto Socorro, uma exceção, porque nesse dia os quartos de aplicação de quimioterapia
estavam lotados e ela não quis esperar para ser atendida nessa local. Para a minha felicidade, por
mais infeliz que seja esse comentário.
Acredito, também, que ela quis me dar à oportunidade de observar esse procedimento e lhe
fazer companhia, já que sempre estava sozinha nesse momento. Aliás, para as três mulheres (Kelly,
Mariana e Maria), o tratamento do câncer de mama foi muito solitário, quase sempre estavam
sozinhas, sem familiares ou amigos. Muitas vezes, fui à companhia delas. Mesmo que eu não
pudesse acompanhar Mariana ao quarto de quimioterapia, encontrava-me com ela antes de iniciar as
sessões quimioterápicas ou depois.
Segue outro trechinho de meu diário de campo:
Às 8 e 30 encontrei com Mariana no hospital. Cheguei minutos antes e
ela ainda não estava. Esperei sentada no local de sempre, vendo “Ana
Maria Braga”. Mariana chegou acompanhada por seu marido (mas, que
logo foi trabalhar), não o reconheci, soube que era ele, porque Mariana
me contou. Passaram reto por mim. Na verdade Mariana deu um tchau
de longe e seguiu em frente. Esperei ela voltar. Mariana apareceu e me
chamou para acompanhá-la a quimioterapia. Pude hoje acompanhar
Mariana, porque ela recebeu a quimioterapia no P.S e lá pode entrar
acompanhada por uma pessoa. Fomos para o P.S e Mariana pegou
uma máscara, dessas comuns, utilizada por dentistas, caso precisasse
colocar dentro do P.S ou logo depois que saísse de lá. Não usou nem
dentro nem fora. A recomendação para que ela usasse a máscara
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estava relacionada ao risco de contaminação por vírus, especialmente,
o da gripe suína, já que sua imunidade está baixa. Mariana tomou três
doses de remédio que compõem sua quimioterapia. A primeira dose
durou dez minutos. A máquina apitou e o enfermeiro apareceu e
programou a máquina para mais uma dose de remédio. Não sei quanto
tempo duraram as outras doses. Pegamos no papo e não prestei
atenção. No total a quimioterapia durou cerca de cinqüenta minutos a
uma hora.
Durante esta sessão de quimioterapia, Mariana contou-me que foi com sua cunhada ao “centro
do japonês” que fica na rodovia Dom Pedro. Quem chamou Mariana foi sua cunhada que queria tratar
de uma dor de cabeça. Mariana achou bom ir também, pois assim faria um atendimento centrado na
cura de seu câncer de mama. Esse centro, que eu não sei qual é o nome e nem Mariana soube me
dizer, é muito famoso, pessoas do Brasil inteiro vão até ele em busca de cura para seus males
físicos.
Mariana disse como foi o procedimento de cura: com o uso de uma gaze molhada, que depois
deve ser queimada em casa pela própria pessoa para que mande os agentes nocivos causadores de
seu mal, embora.
A dor de cabeça de sua cunhada foi embora, com isso, Mariana afirmou que “a fé cura tudo”. A
cura de sua cunhada foi pela fé em acreditar no trabalho do tal japonês.
Na hora em que disse isso, Fernando, o enfermeiro que aplica a quimioterapia em Mariana
expressou sua opinião, mas no contexto do câncer de mama: “Tudo depende da [aponta o dedo para
a cabeça]”. O que ele quis dizer é que tudo depende da mente.
Para Fernando, o domínio de si, ou seja, o controle do psicológico, das emoções e dos
pensamentos é que determinam no bom resultado do tratamento quimioterápico, consequentemente,
no tratamento do câncer de mama. Recorre ao termo “somatização” para explicar sua opinião. O
paciente que somatiza tudo, fica com um mal-estar físico muito grande: sente dores no corpo, enjôos,
fraqueza e uma depressão muito grande, afirma o enfermeiro. Segue dizendo que durante o
tratamento de quimioterapia muitos pacientes desenvolvem a “síndrome do trator”, que é a sensação
como se um trator tivesse passado por cima deles e os detonaram por inteiro.
Fernando completa seu pensamento ao falar que antigamente as pessoas que recebiam
quimioterapia passavam muito mal, porque não era possível ter uma dosagem de cada remédio que
compõem a quimioterapia. Eles eram misturados e muitas vezes manipulados em excesso. Não
tinham um controle da dose de cada remédio a ser aplicado. Outra questão era o controle do tempo
de cada dose de remédio. Não era possível ter um controle exato do tempo (10, 20, 30 minutos de
cada remédio), então, a pessoa tomava uma grande dose quimioterápica num período indeterminado.
Atualmente, com o desenvolvimento da máquina de aplicação de quimioterapia é possível ter um
maior controle sob a manipulação da quimioterapia: dosagem e tempo de aplicação de cada remédio.
A máquina de quimioterapia utilizada nos dias de hoje é chamada “bomba de infusão”, toda
digitalizada, uma caixinha quadrada compacta na cor azul. Nessa máquina o enfermeiro programa a
dose de cada remédio e o tempo em que devem ser aplicados. A cada término de remédio a máquina
apita e indica ao enfermeiro que acabou a aplicação. Que é o que ocorre com a quimioterapia de
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Mariana.
Segundo Fernando afirma, tendo esse controle da máquina “bomba de infusão”, os pacientes
não passam mais tanto mal como antigamente. O enfermeiro reconhece que o mal-estar é natural.
Contudo, raramente acontece de um paciente passar mal ao ponto de não agüentar a dor, precisar de
medicação, ou, que não consiga levantar da cama, ou ainda, que tenha que ficar internado. Quando
isto acontece não é por causa da quimioterapia, pois ela é controlada, e sim por causa do paciente
que não tem controle da mente. Desse modo, a responsabilidade diante o sucesso do tratamento
recaí toda sobre o paciente. Eles, profissionais da saúde dão o caminho da cura, cabe ao paciente
achá-la e saber guiá-la.
O mais interessante é que Mariana reafirma a frase de seu enfermeiro ao citar a si própria, como
exemplo. Disse que nas primeiras sessões de quimioterapia (1 e 2), ela passou muito mal, foi até
parar no pronto socorro e que isso aconteceu, porque ela não estava emocionalmente bem. Estava
com insônia há três dias, pensou em desistir do tratamento e estava depressiva. Essas coisas
desencadearam um mal estar insuportável nela. Da terceira sessão em diante, sentiu no máximo uma
fraqueza, nada mais, além da sensação de secura na boca desde a primeira sessão.
Mariana atribui seu bem- estar a partir da terceira sessão, devido ao seu controle emocional.
Está conseguindo pensar em coisas boas, deixar de se fazer de “vítima” e de “coitada”, estar
cuidando espiritualmente de si através de suas meditações matinais e por estar levando uma vida
mais tranqüila.
Acontece que Mariana só passou a ter essa noção de autocontrole de si, após ter levado uma
bronca de seu oncologista, justamente por ela ter aparecido numa noite, no pronto socorro por estar
passando tão mal. Quando foi consultar com seu oncologista, que já tinha sabido do fato, ele chamou
a atenção dela. Disse a Mariana que ela precisa saber lidar com os maus momentos gerados pela
quimioterapia, precisa ter controle, calma e equilíbrio. O corpo dela está bom, o que tem de errado é
tudo da mente dela. Que é para ela não ir ao hospital ficar tomando remédios intravenosos, que não
pode, não faz bem e basta ela lidar com a mente.
Focault com o parágrafo acima falaria sobre “a ética do domínio” que deve ser compreendida
como o sujeito pertencer “a si”, ser “seu”, num “modelo jurídico de posse”, somente dele mesmo é
que se depende: “nada limita nem ameaça o poder que se exerce sobre si”, sobre sua essência, é
inabalável. Só o próprio sujeito é capaz de demoli-la.
“O cuidado de si”
A partir deste momento, então, é que introduzo o pensamento de Michel Focault, “O cuidado de si”,
(1985) na minha reflexão.
Para este pensador o cuidado de si pode ser compreendido como uma prática social que dá
lugar a relações entre indivíduos, a chamada “relação interindividual”, a intercâmbio e comunicação
social, filosófica, e a instituições da sociedade civil, como instituições religiosas, biomédicas etc.
O princípio do cuidado de si é uma condição que circula em diversas doutrinas, toma a forma
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de uma atitude, de um modo de comportamento, e de maneiras de viver, enfim, se configura numa
“cultura do cuidado de si” dotada de técnicas, receitas, modalidades e saberes que permitem a
existência dos seres humanos.
Na “cultura de si” duas posturas são fundamentais: a observação e ação.
Na primeira é a capacidade dos indivíduos em poderem olhar pra si mesmos, perceberem-se
enquanto sujeitos dotados de particularidades. A partir do momento em que realizam um trabalho
diário de entrar em contato consigo mesmo, ou seja, com seus sentimentos e pensamentos, eles
estão cuidando de si, dando atenção a suas intimidades.
As mulheres se observam o tempo todo. Percebem-se enquanto doentes, se acham feias,
vítimas, sofrendo sozinhas, não femininas pela perda do seio, dos cabelos, “gorda”, comportando-se
diferentemente com os outros e consigo mesmas, que nesse caso tem um apelo positivo; sentem-se
com uma aparência masculina pelo cabelo careca, ou se achando mais jovem fisicamente,
justamente por ficar com o cabelo curto, refletem sobre seus casamentos, as relações com as
famílias, refletem sobre a vida.
A ação consiste em realizar atos que levem ao bem-estar, físico e espiritual. Para isso,
existem diversas modalidades para a “prática de si” como retiros, treinamento físico, guerreiro, da
própria alma e apelo a outros indivíduos como mestres, professores, sacerdotes, médicos, parentes.
Todos eles desenvolvem o papel de aconselhadores e educadores, este último no sentido de ensinar
como os sujeitos devem se comportar diante as situações adversas da vida, diante aquele que
precisa e busca ajuda. Para citar Focault, o termo exato é “direção de consciência”. Segundo este
autor, o cuidado de si, muitas vezes exige que alguém conduza o indivíduo a um estado de
consciência, “por vez, essa direção de consciência permitirá o bem-estar do indivíduo consigo
mesmo”. (1985:55).
Realizar cirurgias, quimioterapia, radioterapia, fisioterapia, ir às psicólogas, fazer ioga, pilates,
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academia e ir a centros espíritas são ações que as mulheres realizaram e, que ainda, realizam.
Estão numa constante vigilância. E este é um dos princípios da cultura do cuidado de si.
Mariana, Kelly e Maria são convocadas a “tomarem a si” próprias “como objeto de conhecimento
e campo de ação para transformarem-se, corrigirem-se e purificarem-se, e assim, promover a própria
salvação.” (FOCAULT, 1985:48).
A “transformação” ocorre com cirurgias – perda e reconstrução dos seios –, queda de cabelos,
pêlos, sobrancelhas, de todos os fios do corpo, perda da lubrificação vaginal, todos esses em
conseqüência do tratamento quimioterápico. Pela radioterapia, queimaduras na pele da região do
seio.
Devem se “corrigir”-se com novos hábitos de vida como a alimentação, prática de exercícios
físicos, fisioterapia, psicoterapia, ida a centro religioso.
A purificação também se dá através desses novos hábitos de vida.
E enfim, a tão sonhada “salvação” será presentificada caso sigam disciplinadamente os
tratamentos terapêuticos e, assim, curam-se do câncer de mama.
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Interessante observar que as três mulheres, Kelly, Mariana e Maria, freqüentam centros espíritas.
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Segundo a tradição da cultura grega, o cuidado de si está diretamente relacionado com a prática
médica, esse é o terceiro aspecto da prática de si pontuado por Focault. Nessa forma particular do
cuidado de si, o corpo tem um valor riquíssimo, pois é sobre ele que recaem todas as atenções. É
submetido a diversas técnicas, privações, reclusões. Como aponta Focault, o tempo de cuidar de si
“não é vazio”.
O cuidado de si na prática médica se dá numa mão dupla: de um lado os médicos que orientam
o que deve ser feito diante o corpo doente, e do outro lado, os pacientes que estão atentos as
recomendações biomédicas e passam a se ocupar com elas.
No entanto, os médicos são apenas a ponta do iceberg, quem fará com que ele se mantenha
firme, ou seja, que permitirá ao corpo se restabelecer são os indivíduos doentes. Eles são os
responsáveis pela permanência de sua existência.
Funciona da seguinte maneira: eu cuido de você, te oriento e te ensino como cuidar de si e você
deve mostrar para mim os efeitos e resultados desse cuidar. É um jogo de obrigações e
reciprocidades entre médicos e pacientes. O médico acredita que tem todas as cartas para cuidar de
seu paciente e lhe trazer a cura, contudo, o paciente precisa desempenhar seu papel que é obedecer
às ordens estabelecidas e fornecidas pelo seu guardador. O paciente é o principal responsável por si,
por isso, deve internalizar o cuidar de si orientado pela biomedicina.
O que Maria, Mariana e Kelly, principalmente, fazem é dar, em partes, uma nova roupagem
perante a prática do cuidado de si mobilizada pela biomedicina.
Para elas o cuidado de si toma o sentido de cuidar da saúde, do corpo, do emocional e do
espírito. Mariana e Kelly não abrem mão de viajar, de saírem para passear, fazer compras, estar com
alguns amigos, ir a show de rock-and-roll (com o filho). Ações, que a princípio, não deveriam ter sido
feitas enquanto estavam na fase do tratamento de quimioterapia, pois a partir do momento que
entram em contato com ambientes de risco, como lugares fechados “show de rock”, ou ida de
motocicleta a cachoeiras, como Mariana fez, ou cumprimentam muitas pessoas ao saírem de casa,
que é o caso de Kelly que conhece muita gente na cidade de Atibaia e é simpática com todos, estão
se expondo e entrando em contato com vírus e bactérias o que poderia acarretar sérias
conseqüências no estado de saúde debilitado em que elas se encontravam. Mas, cá entre é nós,
todas à vezes que tiveram que ir ao hospital para receberem a quimioterapia estavam em contato
com bactérias e vírus. Todos nós já ouvimos casos das famosas “infecções hospitalares”. Logo, o
risco de se infectarem era em todo lugar.
Estas três mulheres não se privaram de viver a vida, de fazer o que lhe fazem bem e quebrar a
dura e árdua rotina do tratamento do câncer de mama. Aliás, dentro dos aspectos da cultura do
cuidado de si está “a satisfação”.
Para não caírem num ostracismo, numa depressão que já dá a sua cara logo após o
recebimento do diagnóstico do câncer de mama, as mulheres precisam viver a vida, no sentido de
sentirem alegria, bem-estar, sensação de que estão aproveitando cada momento, seja para sair ou
para ficarem em casa pensando e refletindo, algo considerado pelas três, muito positivo, realizam o
que Focault denomina de “exame da consciência”. Realizam uma análise da vida e atitudes perante
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ela e a si mesmas, mas não chegam “a uma sentença de culpabilidade ou autopunição”. O que elas
tentam é não repetir ações que há a imputaram de ser o que queriam ou que lhe trouxeram danos,
entre eles, o câncer de mama.
O difícil é saber como retomar a vida. No caso de Mariana, recebeu a notícia de seu
mastologista que terá que se aposentar, pois não pode exceder os movimentos de seus braços, já
que sofreu mastectomia bilateral, com esvaziamentos axilares. Mariana era secretaria, passava o dia
inteiro escrevendo em computador e agendas.
Kelly não quer mais trabalhar na vigilância sanitária, está tentando outros concursos públicos,
para professora, fiscal pública, administradora de metrô, enfim, tudo que permita a ela mudar o rumo
de sua vida e sair de Atibaia, onde não tem mais tanta vontade de morar. Há questões pessoas
importantes nisso, que faz com que ela queira sair dessa cidade, a principal delas é sua relação
conjugal que não vai nada bem.
E Maria, já não tem mais tantos desejos e expectativas diante a vida. Quer apenas vive-la em
paz, sem mais ser surpreendida por nenhum mal físico. Aliás, já tem o cuidado de si totalmente
incorporado, qualquer coisa que sente já recorre a médicos e a exames, como o que fez de
tomografia craniana, pois se esquece facilmente das coisas e estava com medo de estar com alguma
degeneração no cérebro. Fez, também, coloscopia porque seu intestino não funciona direito e ela
quis investigar o motivo.
Porém, apesar desse seu estado constante de preocupação e vigia diante o corpo (um dos
aspectos do cuidado de si), Maria detesta e não agüenta mais ter um controle constante de sua
saúde, através de todo tipo de exame preventivo do câncer de mama e possível metástase. É exame
de ultra-som, mamografia, Papanicolau, desintometria óssea e muitos outros que ela nem sabe dizer
os nomes.
Considerações finais
O que apresentei nas linhas seguintes é fruto de um prazeroso, e por vezes, cansativo trabalho de
observação de campo, sendo muitas vezes realizado num período noturno, ou em frias madrugadas,
e de manhã bem cedinho. No entanto, a minha permanência nesses períodos não muito agradáveis,
pois eu sentia muito sono e cansaço por acordar tão cedo, ocorreram, sobretudo, nos dois, três
primeiros meses de minha observação participante. Confesso que senti falta de vivê-los mais vezes,
já que foi intenso e fundamental para a construção de minha pesquisa como um todo. Senão fossem
esses momentos, não seria possível eu escrever este artigo.
No decorrer dos demais meses (realizei seis meses de pesquisa de campo: Julho a
Dezembro de 2009, com encontros esporádicos em Janeiro de 2010 para bater-papo e matar a
saudades de minhas informantes) estive mais em campo no período vespertino.
O meu trabalho de campo foi muito dinâmico, percorri diversos bairros da interiorana cidade
de Atibaia e demais cidades do interior do estado de estado de São Paulo, como Bragança Paulista e
Piracaia, e a própria capital São Paulo.
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Os meios de transportes que possibilitaram o meu deslocamento em campo foram os mais
diversos: ônibus, moto-táxi, perua, bicicleta, de vez em quando, carro e muitas vezes, a pé.
Todo à minha andança foi possível graças as minhas pesquisadas que permitiram eu ser uma
transeunte ou uma ambulante com livre acesso aos seus espaços sociais. Mesmo deste modo, foi um
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desafio realizar a pesquisa, pois bem situa Aureliano (2006) ao indagar como devemos agir diante
nossas informantes para que elas falem sobre uma experiência de vida dolorida e traumática como é
a da doença do câncer de mama?
Contudo, como a pesquisa antropológica é uma caixinha de surpresas, e no meu caso, ainda
bem que foi assim, o assunto câncer de mama que inicialmente seria um tabu tanto para mim quanto
para as minhas informantes, foi o elo entre nós. Foi através dessa doença e em eu querer abordá-la
diretamente com aquelas que viveram a mesma, que conseguimos criar um laço forte de afetividade.
Senão fosse meu interesse pelo tema, certamente não teria conhecido as três mulheres com câncer
de mama que pesquisei e que acompanho até hoje por permitem que eu faça um pouquinho parte de
suas vidas, indo além de uma mera pesquisadora. Comunicamo-nos com freqüência seja por
telefone, mensagens via celular ou Orkut. E muitas vezes, são elas que me procuram para saber
como eu estou e dizerem que estão com saudades. Duas delas, até pedem opiniões sobre o que eu
acho de tal assunto que ocorre na vida delas e o que eu acho que elas devem fazer diante a situação
que relataram a mim. Nesses momentos encontro numa cama de gato.
A diferença de idade de Mariana e Kelly com a de Maria tem sua explicação.
Eu tinha em mente pesquisar mulheres com câncer de mama na faixa etária entre cinqüenta
anos pra cima, na verdade não estava muito definida, mas era acima de quarenta anos. No entanto,
eu tinha o interesse em conhecer mulheres mais novas, nessa faixa de idade de Kelly e Mariana, até
um pouco mais nova, vinte cinco anos, pois tenho ouvido algumas notícias sobre o crescente
aumento de mulheres na faixa dos vinte e trinta anos com câncer de mama.
Ao procurar inserir-me em meu campo de pesquisa fui aos hospitais da cidade de Atibaia
conversar com médicos, assistentes sociais e demais funcionários, se eles poderiam passar o contato
de mulheres com câncer de mama. A oncologista de um dos hospitais sugeriu que eu acompanhasse
o grupo de fisioterapia de mulheres com câncer de mama, útero ou ovário, sendo a maioria de câncer
de mama, e disse que falaria com a fisioterapeuta para ver se ela aceitava a minha presença.
Atenciosamente e interessada em meu trabalho, Paula, a fisioterapeuta abriu as portas para mim e
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convidou-me para realizar as atividades fisioterápicas junto às mulheres .
No primeiro dia de aula de pilates, 20 de Maio de 2009, eu peguei os nomes e os telefones de
todas as mulheres que lá estavam tanto do período da manhã quando do da tarde. De repente,
surpreendo-me com uma moça que veio em minha direção perguntar se eu era a pesquisadora que
Paula disse para ela procurar. Falei que sim, perguntei seu nome e idade: Kelly, 31 anos. Na hora em
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Aureliano, Waleska “Compartilhando a experiência do câncer de mama: grupos de ajuda mútua e o universo da mulher
mastectomizada em Campina Grande”, dissertação (mestrado) Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2006.
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O pilates foi à atividade física realizada nas aulas de fisioterapia, uma vez por semana, na garagem onde as ambulâncias do
hospital são estacionadas. Atualmente, essa atividade ocorre numa sala do hospital.
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que falou sua idade pensei comigo “vou anotar o nome dela e a idade por educação!” e cheguei a
comentar com ela mesma que o seu perfil não encaixava na minha pesquisa. Mesmo com essa
minha resposta nada educada e sutil, essa moça que acabava de sair de uma sessão de
quimioterapia, aparentemente abalada, e estava mesmo, começou a conversar comigo, querer saber
sobre o que as mulheres, também, com câncer de mama falavam para mim. E o pouco que falei a
ela, mesmo que superficialmente, fizeram-na encher o olho de lágrimas.
Sai da aula de pilates e fiquei com a imagem de Kelly em minha cabeça. Foi tão simpática,
veio a minha procura, que tipo de pessoa vem procurar uma pesquisadora e oferecer-se para fazer
parte de sua pesquisa? Que eu saiba, até agora, nenhuma. Eu senti uma simpatia por ela. Pensei
comigo: “Vou ter que abandonar essa idéia de só querer mulheres “quarentonas”, “cinquentonas”, em
minha pesquisa. Devo estar aberta ao inesperado como aprendi na disciplina de “Métodos e Técnicas
de Investigação” antropológica.
Ao conversar com minha orientadora de mestrado, Núbia Bento Rodrigues, ela orientou-me e
alertou sobre eu estar aberta as possibilidades, a dinamicidade e mudanças que o trabalho
antropológico invoca e que era para eu entrar sim em contato com Kelly e realizar e enriquecer minha
pesquisa com uma mulher tão jovem e que veio até a mim.
O contato de Mariana, eu consegui com um ex-professor de matemática que tive no ensino
médio. Como sai espalhando aos quatro cantos que eu realizaria uma pesquisa com e sobre
mulheres com câncer de mama, esse meu professor disse que tinha um contato para me dar, de uma
amiga dele que ainda jovem, 35 anos, estava tendo seu segundo câncer de mama. Essa tinha que
fazer parte de minha pesquisa, assim como Kelly, eu não poderia guardar esse contato na gaveta e
deixá-lo lá as ações do tempo. Liguei para Mariana que me tratou muito bem e marquei de ir a casa
dela num dia de manhã bem cedinho, por volta de sete e meia e oito horas.
Finalmente, Maria, eu tive acesso a ela através de minha manicure Darlene, que também era
sua manicure. Maria foi o primeiro contato que obtive. Como ela estava dentro da faixa etária que eu
queria, de início, pesquisar, já fui me comunicando com ela e decidi continuar minha aproximação e
arriscar na disparidade de idade entre ela, Mariana e Kelly.
Finalmente, este artigo buscou, entre outras coisas, apresentar os processos de mobilização
terapêutica de três mulheres com câncer de mama. A busca diária pela cura dessa doença e pelo
bem-estar do corpo físico, emocional e espiritual. Por acreditarem que o câncer de mama teve uma
origem fisiológica ou genética, essas mulheres recorrem ao tratamento biomédico, no entanto, ele
não dá conta de explicar por si só, o surgimento da doença.
As mulheres defendem que as posturas que tiveram diante a vida: abrir mão de suas
vontades em prol do marido, dos filhos ou da família, ou abandoná-los por muito tempo; trabalhar
arduamente e pensar só no ganho material, deixando de lado as atenções a si mesmas, ao espírito e
ao emocional, são elementos fundamentais para compreenderem o aparecimento do câncer de
mama.
Por isso, a ida a psicólogas, a prática de ioga, de meditações, leituras de livros para a autoreflexão e freqüentar centros espíritas tornam-se alternativas presentes no cotidiano de cura do
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câncer de mama dessas mulheres e no cuidado ao corpo.
A percepção que elas têm sobre doença, a respeito do câncer de mama é que o mesmo se
desenvolve por três condições: (1) a condição fisiológica ou genética, (2) a condição emocional ou
psíquica e (3) a condição espiritual.
Logo, o corpo é pensando sob essa óptica: é ao mesmo tempo biológico, psíquico e
espiritual. Coexistem entre si e qualquer distúrbio por um desses pode ter conseqüências sérias um
sobre o outro. Se o psíquico não estiver bem, pode gerar um mal físico como o câncer de mama, ou,
durante o tratamento dessa doença como foi especificado pelos profissionais de saúde que cuidam
de Mariana.
Se o biológico não está bem, também, pode gerar um câncer de mama e o seu tratamento
gera abalos emocionais. E se o espírito não está bem, pode gerar malefícios físicos e emocionais
como ouvi num dos centros espíritas que freqüentei, algumas vezes.
Neste artigo, tentei mostrar como o conhecimento sobre o corpo e a saúde tem a influência
de fatores externos. Isto ficou muito bem evidenciado pela ação do oncologista e enfermeiro de
Mariana, e ela que logo concordou com eles e passou a ter uma nova postura.
Durante a radioterapia de Kelly, ela constantemente falava sobre as indicações de seu
massoterapeuta sobre os cuidados que deveria ter com a alimentação, a qual nunca seguiu e eu
observei isso muito claramente, pois Kelly só queria comer sanduíches, chocolates, pipocas,
brigadeiros, carne vermelha. Os cuidados que deveria ter ao mexer os braços. E o pensamento de
sua psicóloga que transmitia a ela para ter pensamentos bons: apreender a perdoar, a não sentir
raiva, pois tudo isso interfere no funcionamento do corpo.
Todas as posturas ensinadas às mulheres permitem que pensemos na idéia elaborada por
Focault, da cultura do cuidado de si e como ela é interiorizada e praticada pelos sujeitos.
O processo terapêutico do câncer de mama de Kelly, Mariana e Maria é cercado pela prática
diária de cuidar de si, de chamar a atenção para si mesma, seguindo a risca o que lhes indicado e, às
vezes, confrontando o que lhe orientado, trazendo à tona particularidades de cada pessoa a um
“mesmo” episódio de doença.
Referência Bibliográfica
AURELIANO, Waleska. Compartilhando a experiência do câncer de mama: grupos de ajuda mútua e
o universo social da mulher mastectomizada em Campina Grande. Dissertação (mestrado).
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2006.
FOCAULT, Michel (1985). História da Sexualidade, 3: o cuidado de si; edições Graal, Rio de Janeiro.
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