índice Agradecimentos...... 9 Introdução...... 11 Como ler este livro...... 17 Capítulo 1...... 21 O Estado de Espírito Canino Capítulo 2...... 35 As Leis Caninas Naturais de Cesar Capítulo 3...... 53 Nove Princípios Simples para um Cão Equilibrado Capítulo 4...... 77 Técnicas Práticas para Todos os Chefes de Matilha Capítulo 5...... 95 Maus Comportamentos Capítulo 6...... 139 Escolher o Cão Certo para Si Capítulo 7...... 165 Mudanças de Vida, O seu Cão, e Você Capítulo 8...... 181 A Fórmula da Realização Capítulo 9...... 193 Enriqueça o seu Cão, Enriqueça a sua Vida Recursos adicionais...... 205 Créditos das imagens...... 207 Dedico este livro a todos os meus fãs de todo o mundo. Sem o seu apoio, eu não seria capaz de dar conselhos a ninguém. Como tal, obrigado aos meus fãs pela sua abertura de espírito e, claro, obrigado aos seus cães, por me terem acompanhado durante as nove temporadas de O Encantador de Cães. Dedico igualmente este livro a Jahira Dar e Calvin Millan, por estarem sempre presentes e por percorrerem o mundo comigo, para que possamos continuar a ajudar os outros. Sem vocês, a minha matilha não está completa. Obrigado. Agradecimentos Q uero agradecer a Deus por me ter concedido este dom tão incrível que tenho em relação aos cães. Quero também agradecer à minha equipa – incluindo todos os que pertencem à Cesar Millan Inc. –, ao Dog Psychology Center, à Cesar's Way, ao National Geographic Channel, a Lisa Thomas e a Hilary Black, da National Geographic Books, a Tara King e à Millan Foundation, pela sua inabalável dedicação à missão que é o resgate, a reabilitação e a adoção de cães. Um agradecimento especial a Jon Bastian e a Bob Aniello, pela ajuda na conceção deste livro, e a Amy Briggs, que prescindiu de fins de semana e de serões para editar estas palavras. Ainda que os últimos nove anos tenham sido incríveis, aguardo o futuro com expectativa e quero agradecer aos membros mais recentes da minha equipa – incluindo a equipa de produção do programa televisivo Leader of the Pack –, ao Steve LeGrice, da revista Cesar's Way, e a Cheri Lucas, Evo Fisher e Eric Rovner, da William Morris Endeavor. Também quero agradecer ao Pomi por ceder o seu rancho, para que possamos gravar uma série incrível. Cesar Millan 9 CESAR MILLAN Gostaria de agradecer a Stacy e a Ted Milner por me terem trazido para o mundo de Cesar; ao meu CMI, às matilhas de Cesar's Way e de O Encantador de Cães, passadas e presentes; a Che'Rae Adams e ao L. A. Writers Center pela sua inspiração, pelo apoio e pela amizade; e à minha matilha, Shadow e Sheeba, pela sua constante presença e por me ensinar a ser o seu chefe. Obrigado a Bob Aniello e a Dave Rogers pela sua fé e pela sua confiança. E, claro, gostaria de agradecer ao Cesar, com quem aprendi tanto ao longo dos anos e que me deu a oportunidade de trabalhar num campo que tanto me apaixona. Jon Bastian Gostaria de agradecer aos meus pais – Al e Jean Aiello – pela sua total dedicação e pela inspiração; à minha família – Daryle, Nick e Chris –, por me aturar e permitir que eu seja quem sou, mesmo quando a deixo louca; aos meus dois irmãos, Ron e Rick, que sempre estiveram presentes e sempre me souberam orientar criativa, moral e espiritualmente. E ao Cesar, por me ensinar que tudo é realmente possível. Bob Aniello Gostaria de agradecer ao Cesar Millan e à sua incrível equipa pela oportunidade de trabalhar neste projeto fantástico. Obrigada, Bob e Jon, por moverem céus e terra para entregar o texto em condições que muitos considerariam impossíveis. Vocês constituem uma equipa de sonho – rápida, aberta a praticamente tudo, e capaz de contribuir sempre com novas formas de melhorar um livro. Obrigada ao meu marido, Crenshaw, e à minha filha, Diana. Saber que posso contar convosco torna tudo possível. Obrigada aos meus gatos cinzentos (!), Colonel e Nellie, pelos ronronados e pelas marradinhas. E obrigada Hoss, Ralph, Max, Bud e Lucy por serem os melhores cães que qualquer pessoa poderia querer ter. Tenho tanta sorte por ter partilhado a minha vida com vocês. Amy Briggs 10 Introdução E stou de pé na areia macia e os tacões dos meus sapatos enterram-se no solo poroso do deserto. Enquanto estou aqui parado, a areia começa a formar um molde em redor dos sapatos, como se fosse cimento. Está calor, mais de 40 ºC. Sinto-me desconfortável, e os movimentos são difíceis de executar. Enquanto contemplo a fronteira entre os Estados Unidos e o México, apercebo-me, de repente, de que o tempo que passei aqui em território norte-americano já é superior àquele que vivi em terras mexicanas. Já passaram mais de vinte e dois anos desde que atravessei ilegalmente a fronteira, a 23 de dezembro de 1990, vindo de Tijuana e com destino a San Ysidro, a sul de San Diego, Califórnia, quando tinha 20 anos. A fronteira era muito diferente naquela altura. Havia menos muros e menos patrulhas de fronteira, e o deserto estendia-se pelo que então parecia ser uma eternidade. Ainda que seja tanto o que mudou à minha volta, reconheço o mesmo deserto e os mesmos vales pelos quais vagueei sozinho durante duas semanas, antes de chegar em segurança a San Diego. Ainda sinto o cheiro seco do ar 11 CESAR MILLAN e a nudez do terreno onde me escondi, entre pedras e arbustos, para evitar ser capturado. Aquele sentimento de solidão nunca há de desaparecer, e o regresso apenas intensificou as recordações daquela experiência. Ao observar a paisagem, pergunto-me: como consegui? Na altura, tinha um sonho simples: ir para os Estados Unidos e tornar-me treinador de cães. Não passava de um sonho, e agora é uma realidade. Esta viagem é o fechar de um ciclo para mim. Estamos a 13 de setembro de 2012, e encontro-me de regresso a San Ysidro, ao mesmo lugar onde atravessei ilegalmente a fronteira. Só que agora não estou aqui como um imigrante solitário e assustado, mas como alguém que realizou um sonho. Estou aqui com uma equipa de filmagem completa, um fotógrafo, e a minha produtora, Allegra Pickett. Não cheguei a pé, vagueando pelo deserto, mas sim no conforto de um monovolume com ar condicionado, com a National Geographic Television, que está a filmar um documentário sobre a minha vida. É surreal e sinto-me humilde, quase envergonhado, por ver uma estação de TV tão interessada na história da minha vida, ao ponto de a querer partilhar com terceiros. Enquanto as câmaras filmam, uma multidão de observadores curiosos e de fãs começa a formar-se a alguns metros de nós. A maioria das pessoas parece conhecer-me pelo meu nome. Algumas chamam, em espanhol, por El Encantador de Perros, o nome que O Encantador de Cães recebeu no México. Durante as pausas na filmagem, aproximo-me para falar com alguns fãs e para lhes dar autógrafos. A diversidade dos presentes é incrível e reflete a ampla base de fãs deste programa de TV, que é transmitido em mais de cem países. Temos: uma mulher canadiana, a meio da casa dos sessenta anos, que diz não ter perdido um único dos 167 episódios de O Encantador de Cães; uma família de Seattle; um homem da Argentina que confessa ter recorrido a alguma da minha psicologia canina para criar os seus próprios filhos; e uma jovem família de Londres que me diz ter assistido ao seminário Cesar Millan Live durante a minha digressão, em março de 2010. 12 GUIA PARA UM CÃO FELIZ De volta a onde tudo começou: o meu regresso à fronteira perto de San Ysidro, Califórnia, em 2012. 13 CESAR MILLAN Aqui, na fronteira, a ouvir o que aqueles fãs me dizem, apercebo-me de que, apesar de ter nascido e crescido no México, tornando-me depois cidadão norte-americano, em 2009, não pertenço a um país definido por fronteiras, território ou linguagem. Pertenço a uma comunidade mundial de pessoas que adoram cães. Essa é a minha matilha. É a essas pessoas que eu pertenço... e aos cães delas. E existem mais de 400 milhões de cães no mundo, e mais de mil milhões de pessoas nesta matilha global que têm um cão na sua vida. O meu papel nesta imensa comunidade é o de um Chefe de Matilha. Este é um privilégio que eu levo muito a sério. Enquanto Chefe de Matilha, devo oferecer proteção e orientação. É claro que a maioria das pessoas me procura porque precisa de respostas para os seus problemas com cães. Durante todas as nove temporadas de O Encantador de Cães, apresentei técnicas para corrigir todos os tipos de mau comportamento de todas as raças imagináveis, e encontrei praticamente todos os erros humanos possíveis por parte de quem tem um cão ao seu cuidado. Mas, agora, o meu papel de Chefe de Matilha é mais importante. É tão importante, que decidi terminar a série O Encantador de Cães após a nona temporada e criar uma outra, denominada Cesar Millan's Leader of the Pack. Enquanto O Encantador de Cães era uma série sobre reabilitação, Leader of the Pack é uma série sobre resgate. Trata-se de uma história de abandono e de segundas oportunidades. É uma história de reabilitação e de adoção por parte de uma família compatível. Para muitos dos cães que participam nesta série, trata-se de uma última oportunidade. No meu papel de Chefe de Matilha, estou à procura de novos lares para estes cães incríveis, dando simultaneamente às suas novas famílias os instrumentos certos para cuidarem deles. Ainda que no mundo existam poucas pessoas que possam ser «encantadoras de cães», todas podem ser Chefes de Matilha. Esta nova noção de objetivo levou-me a criar este livro, para ajudar os outros a tornarem-se Chefes de Matilha, tal como eu me tornei. Se parar para pensar, este guia contou com 22 anos de 14 GUIA PARA UM CÃO FELIZ preparação. Combina todo o meu conhecimento empírico acerca da psicologia e do treino caninos num único volume, simples e de fácil leitura. Explico os aspetos mais importantes de entender um cão enquanto cão, e não enquanto ser humano. Descrevo como milhares de anos de evolução e de intervenção humana no apuramento genético definiram os nossos companheiros caninos. Em seguida, exploro aquilo a que chamo «leis caninas naturais», e como elas afetam o comportamento e o raciocínio caninos. No capítulo 3, encontrará os meus «nove princípios nucleares», ferramentas simples e intuitivas para o ajudar a criar um cão saudável, feliz e equilibrado. Estes princípios e técnicas são aqueles que segui com a minha própria matilha e no meu trabalho de reabilitação. Os capítulos seguintes cobrem importantes lições e estratégias para encontrar o cão certo, a adaptação a mudanças de vida, e a correção de problemas de comportamento comuns. Em seguida, desconstruo cada um desses problemas e apresento soluções de uma forma simples de seguir e referenciar. Tenho aprendido tanto com o Junior, o meu «braço direito» canino. 15 CESAR MILLAN Mas o que é mais importante é que preenchi estas páginas com aquilo que aprendi sobre o comportamento humano através do meu trabalho com cães e das minhas experiências de vida. Falaremos mais sobre isto nos últimos capítulos, nos quais partilharei convosco histórias inspiradoras – incluindo a minha – de pessoas cujas vidas foram tocadas e alteradas para sempre por um companheiro canino. Pela primeira vez, partilharei convosco conhecimentos que adquiri graças ao trabalho desenvolvido com pessoas como Jillian Michaels, treinadora pessoal e estrela da série televisiva O Peso Certo. Estas pessoas conheceram mudanças profundas ao aplicarem as «leis caninas naturais», os «princípios nucleares», e as «técnicas de Chefe de Matilha» que desenvolvi durante os muitos anos em que ajudei animais e pessoas a encontrarem, juntos, a harmonia. E, obviamente, neste livro irão conhecer os cães... os obsessivos, os agressivos... aqueles que foram humanizados ao ponto de ficarem desestabilizados, levando os seus donos – ou seja, as pessoas que estiveram na origem desse mesmo problema – a desistirem deles ou a isolá-los em jaulas ou quintais. Partilharei histórias de cães especiais da minha nova série, Cesar Millan's Leader of the Pack. Poderão constatar como os métodos apresentados neste livro ajudaram todos estes cães a encontrar o equilíbrio e também um novo lar junto da família perfeita. No final do meu Guia para um Cão Feliz, ter-me-ão acompanhado numa viagem ao coração e à mente de um cão. Terão adquirido um profundo conhecimento de como a mente canina funciona e de como a nossa energia afeta o comportamento de um cão, e ficarão a saber como poderão ser bons Chefes de Matilha para o vosso cão. E, se eu cumprir o meu dever de Chefe de Matilha, terão um melhor entendimento daquilo que está desequilibrado na vossa vida e, espero, saberão responder melhor às necessidades da vossa matilha. Espero que este livro vos traga (e estou convicto de que trará) conhecimentos que contribuam para melhorarem e enriquecerem a vossa relação com o vosso cão, a vossa família, a vossa comunidade. Bem-vindos à matilha. 16 Como ler este livro A ntes de começar a ler, é importante que o faça com uma mente aberta. Eu sei que uso palavras que deixam as pessoas desconfortáveis. Segundo a minha experiência, as duas mais comuns são «domínio» e «controlo». Acredito no facto de que algumas pessoas se sentem pouco à vontade com estes termos porque os interpretam de forma negativa. Gostaria de explicar por que motivo é que, para mim, estes termos são neutros, possivelmente positivos até, e necessários. É frequente perguntarem-me o que quero dizer quando uso estas palavras. Aparentemente, em inglês, e em particular nos EUA, estes termos possuem conotações negativas – ninguém gosta de um cônjuge ou um patrão «controlador», e o conceito de «domínio» implica a conquista e o esmagamento total de um inimigo. Quando uso estas palavras, não faço essas associações. A palavra «domínio» vem do latim dominus, que apenas significa «senhor, mestre». Aos meus ouvidos, esta última palavra soa como a palavra espanhola maestro, que simplesmente significa «professor». Em português, a palavra maestro refere-se frequentemente a um chefe de orquestra – uma imagem muito mais agradável de associar à 17 CESAR MILLAN palavra «domínio», porque um chefe de orquestra brinda-nos com uma das duas coisas que um cão dominante oferece numa matilha: orientação. A segunda palavra frequentemente mal entendida é «controlo». Quando a uso neste livro, atribuo-lhe o sentido de iniciar, alterar e impedir ações por parte de terceiros. Quando os professores dizem aos seus alunos que comecem um teste ou que poisem as canetas no fim, trata-se de controlo. Quando um polícia de trânsito faz com que os carros se desviem devido a um acidente – alterando a sua direção –, também é controlo. Na sua relação com o seu cão, você, o ser humano, deve ser aquele que determina quando as coisas começam, mudam e terminam. Se é o seu cão que toma estas decisões, então, muito simplesmente, o controlo não é seu. Para ser um Chefe de Matilha, o controlo tem de lhe pertencer. Se você está a dar um passeio e o seu cão começa a puxar a trela, assuma o controlo, mudando de direção. Se o seu cão revela um comportamento que você não quer que ele tenha, faça-o parar. Corrija-o. Antes de dar ao seu cão algo que ele quer – um passeio, comida, água, afeto –, espere até ele apresentar o comportamento que você deseja, num estado calmo e submisso. A ação que o cão deseja apenas começa quando você permite que ela comece, e nunca quando o seu cão a inicia. Estou firmemente convicto de que aceitar estas palavras – «controlo» e domínio» – faz parte do processo de nos tornarmos Chefes de Matilha. É crucial que você se habitue a elas – com a aceção que eu lhes atribuo. Uma vez que os seres humanos podem ter associações negativas fortes a certas palavras, o ato intelectual de ler uma palavra pode gerar uma resposta emocional – por vezes defensiva – que constitua um entrave ao entendimento. Enquanto ler este livro, desafio-o a prestar atenção às suas emoções e a parar quando encontrar qualquer palavra que o faça sentir-se desconfortável. Sublinhe a palavra, e depois pense no motivo que levou essa mesma palavra a gerar essa reação. 18 GUIA PARA UM CÃO FELIZ Experimente fazê-lo agora mesmo com «controlo» e «domínio». Qual o significado de cada uma destas palavras para si? Transmitem-lhe sentimentos positivos ou negativos? O que é que poderá causar essas reações? Para todas as palavras que o perturbarem, tente encontrar sinónimos que considere mais agradáveis. Por exemplo, muitas pessoas poderão achar que a palavra «calor» desperta emoções desagradáveis, mas «calidez» poderá ser positivo – o deserto escaldante no verão versus uma lareira rodeada de entes queridos num feriado de inverno. Para os cães, as palavras não significam nada. São apenas tons e inflexões de som. Isto inclui os nomes que lhes chamamos. Os cães comunicam com energia, e reagem melhor quando estamos calmos e somos assertivos. Para atingir essa calma, temos primeiro de controlar as nossas emoções humanas, especialmente aquelas que levam a estados de energia fraca, como a dúvida, o medo ou a ansiedade. Se palavras específicas despertam estas emoções em si, então tem de neutralizá-las, identificando o motivo que o leva a sentir-se assim, retirando as conotações negativas das palavras e/ou, se necessário, substituindo-as por sinónimos que considere neutros. O conhecimento afasta o medo, e este livro tem como objetivo trazer-lhe muito conhecimento. Saber estar calmo, todavia, compete-lhe a si. Se trabalhar comigo e ler este livro com um espírito aberto, aprenderá a alcançar esse estado de calma e, instintivamente, saberá como trazer o equilíbrio aos seus cães. 19 Capítulo 1 O estado de espírito canino A gora que vamos iniciar a nossa viagem rumo a uma vida mais feliz com o seu cão, o melhor será começar por ver o mundo através dos olhos dele – ou, mais provavelmente, por cheirar o mundo através do focinho dele. Primeiro, terá de tentar entender e aceitar o estado de espírito canino. Alguma vez pensou no que irá na cabeça do seu cão quando ele olha para si? Você está a dar-lhe ordens como «senta», «está calado» ou «sai do sofá», e ele, se for um cão equilibrado, cumpre-as; mas o que é que se passa no cérebro dele quando o faz? Acabaram-se as dúvidas. O cérebro canino é uma coisa maravilhosa. Fornece-lhe informação sobre o mundo, diz-lhe o que fazer com ela, e ajuda-o a perceber como pode agradar-lhe a si, o ser humano dele. Os cães têm como motivação agradar às pessoas. Sabem instintivamente que elas são de uma extrema importância para eles e que podem ver quase todas as suas necessidades satisfeitas se contarem com um ser humano para tal. Como resultado, fazem os possíveis para agradar aos seres humanos e o seu cérebro está preparado para satisfazer este impulso. 21 CESAR MILLAN Os cães são incrivelmente adaptáveis, mas esta vontade de agradar é uma espada de dois gumes. Se você quiser que o seu cão se comporte como uma criança carente, ele acabará por fazê-lo, ainda que os seus instintos naturais lhe digam o contrário. Por um lado, o desejo que os cães têm de agradar transforma-os em adoráveis animais de estimação e em dedicados animais «de serviço», mas, por outro, também lhes pode causar muitos problemas. Quando os cães se tentam adaptar a desejos humanos que não lhes são naturais, podem tornar-se desequilibrados. Perceber como o cérebro do seu cão funciona pode não só ajudá-lo a entender o animal, mas também ajudá-lo a ser um melhor Chefe de Matilha, ao dar ao seu cão aquilo de que ele precisa para ser saudável, feliz e equilibrado. ►► O cérebro do seu cão O cérebro de um cão precisa de grandes quantidades de combustível para funcionar bem. Ainda que o cérebro de um cão médio corresponda a menos de metade de um por cento do seu peso total, recebe mais de vinte por cento do sangue que é bombeado pelo coração. O cérebro de um cão é responsável pela interpretação de toda a informação ou de todos os sinais que ele recebe dos diversos recetores sensoriais caninos, assim como pela sua reação a eles. De uma forma mais simples, o cérebro de um cão é como uma superautoestrada de informação sensorial. As reações de um cão a estes sinais foram predeterminadas pela sua constituição genética. Mas isto não significa que os cães reajam sempre da mesma forma aos mesmos estímulos. A anatomia do cérebro canino é semelhante à da maioria dos outros animais. O cérebro controla a aprendizagem, as emoções e o comportamento. O cerebelo controla os músculos e o tronco encefálico é a ligação ao sistema nervoso periférico. 22 GUIA PARA UM CÃO FELIZ Anatomia de um cérebro canino cérebro fibras nervosas que ligam os hemisférios cerebrais direito e esquerdo córtex cerebral terceiro ventrículo cerebelo tálamo espinal medula hipotálamo bolbo protuberância glândula raquidiano anular pituitária Uma outra rede cerebral, denominada sistema límbico, é considerada a área que controla as funções gerais da memória. Um cão entende a sua relação com o mundo que o rodeia através do sistema límbico, que é alimentado pelos seus cinco sentidos: olfato, audição, visão, tato e paladar. ►► Instinto versus treino Por vezes, existe um conflito natural entre o que um cão «instintivamente» quer fazer e aquilo que queremos que ele faça. Este «duelo» tem lugar no sistema límbico do cérebro canino. A maioria dos métodos de treino de cães baseia-se em contrariar o sistema límbico natural, oferecendo-lhes recompensas pelo facto de nos obedecerem e de ignorarem os seus instintos, ou castigando-os por seguirem as suas tendências instintivas naturais. A maior parte do treino canino atual centra-se nestas duas escolas de pensamento: aprendizagem baseada em recompensas ou 23 CESAR MILLAN castigos. Tenho usado técnicas de ambos os métodos de treino no meu trabalho de reabilitação, e recomendo sempre a utilização dos métodos que sejam melhores para si e para o seu cão. Em vez de seguir um método ou uma fórmula específicos, tento sempre adaptar a minha abordagem com base no cão que tenho na minha presença. O treino é uma questão de aplicação de técnicas. Dou aulas no Dog Psychology Center (Centro de Psicologia Canina – CPC) que abrangem a maioria das técnicas que os treinadores habitualmente utilizam hoje em dia, como o adestramento positivo e baseado em recompensas. É frequente dizerem-me que não uso objetos que produzem sinais sonoros no meu treino, mas o som «tch!» que faço com a boca durante as minhas sessões de reabilitação é o mesmo que usar um desses objetos. Associa um som a um comportamento específico que eu quero obter por parte do cão. Do mesmo modo, também usei guloseimas para descontrair um cão medroso antes de iniciar uma sessão de reabilitação. Durante as aulas de treino no Centro de Psicologia Canina, vi muitas vezes os treinadores debaterem qual a melhor técnica para uma situação específica, chegando mesmo a envolverem-se em discussões. Quando alguém pede a minha opinião, regresso sempre ao básico: perceber aquilo de que o seu cão precisa; dirigir as tendências do cão para atividades saudáveis; e projetar uma liderança clara e consistente. Não interessa se você usa uma guloseima, um objeto emissor de sons ou a disciplina para obter o comportamento desejado, desde que este seja natural. ►► Trabalhe com o instinto, não contra ele Muitos problemas caninos atuais ocorrem porque os seres humanos suprimem o funcionamento natural do sistema límbico dos cães. A chave para um treino canino bem-sucedido passa por 24 GUIA PARA UM CÃO FELIZ recanalizar a energia e o instinto natural de um cão para um comportamento que seja positivo, tanto para o ser humano como para o cão. Redirecionar em vez de suprimir é uma das minhas regras fundamentais. Tento sempre cultivar e incentivar as capacidades especiais de uma determinada raça e redirecionar as tendências naturais dos cães para atividades saudáveis. Por exemplo, recebo muitas chamadas de donos de schnauzers, queixando-se de que o seu cão está sempre a escavar no quintal. Os schnauzers devem o seu nome à palavra schnauze, que em alemão significa «focinho». Foram criados para caçar ratos e outros animais daninhos em celeiros e casas, sendo possuidores de um olfato muito apurado. Esta raça está apenas a fazer instintivamente aquilo para o qual foi preparada. Em vez de contrariar o instinto natural do cão, porque não tentar criar um espaço no qual seja aceitável que ele escave? Escavar é uma forma de exercício e consome o excesso de energia. A capacidade de trabalhar com o instinto natural de um cão poderá ser uma solução mais fácil. No CPC, temos áreas especiais nas quais os cães podem exercitar os seus instintos naturais. Temos uma piscina para cães de água e retrievers. Também temos uma área de «pastoreio», para raças que possuam essa informação genética. Recordo-me de uma cadela chamada Ginger, que uma organização local de resgate levou ao CPC. A cadela era tão tensa e excitável, que o dono simplesmente tinha desistido dela. Percebi que tinha problemas de ansiedade e, naquele estado de espírito, nunca encontraria quem a adotasse. Todavia, levei-a para a área de pastoreio, onde, penso eu, nunca presenciei uma transformação tão rápida. A Ginger tinha reunido as ovelhas em dez minutos e, com as suas necessidades instintivas satisfeitas, descontraiu-se e assumiu um estado de calma e de submissão. Ainda a usamos como «personalidade televisiva» no CPC sempre que precisamos de demonstrar capacidades de pastoreio. Ela é capaz de reunir um rebanho mais depressa do que qualquer cão que eu conheço. 25 CESAR MILLAN Segundo Janna Duncan, responsável pelas nossas aulas de pastoreio no CPC, «cuidar de rebanhos é instintivo para muitas raças. Quando estão a “trabalhar”, sentem que têm um objetivo na vida. Deixá-las trabalhar contribui para a sua autoconfiança e alivia a ansiedade e a agressividade». Numa aula, vi a Janna apresentar uma cachorra de cinco meses às ovelhas. Ela deixou que a cachorra «descobrisse os seus instintos». Passados alguns minutos, a cachorrinha, chamada Luna, já tentava instintivamente manter as ovelhas juntas e fazê-las avançar. Depois desta demonstração, a Luna voltou orgulhosamente para junto dos seus familiares e sentou-se calma e obedientemente aos pés deles. O seu trabalho estava feito! ►► Suprimir os instintos de pastoreio de um cão • Tendência instintiva – reunir gado. • Energia – ansiedade, instabilidade. • Problema de comportamento – tendência para reunir outros animais de estimação ou até seres humanos dentro de casa; morder constantemente os calcanhares ou saltar para cima das pessoas. • Solução – redirigir a energia para jogos com bola, ou treino de agilidade. • Raças mais afetadas – corgis, cães pastores, malinois belgas, border collies, briards, pastores alemães, vallhunds suecos. Em certos casos, poderá ser melhor fazer o oposto a incentivar uma característica específica de uma raça. Com certas raças de força, como os rottweilers e os pitbulls, poderá não querer incentivar a atividade específica que o cão foi originalmente preparado geneticamente para executar, como caçar ou guardar. Terá de encontrar 26 GUIA PARA UM CÃO FELIZ formas criativas de redirecionar essas tendências. Por exemplo, o Junior e eu adoramos o jogo da corda. O instinto dele atrai-o para a caça. Quando jogamos com a corda, eu redireciono a energia para um jogo de controlo. A repressão de tendências naturais e instintivas pode originar graves problemas comportamentais. A Ginger é apenas um exemplo de um cão com um problema comportamental que se manifesta quando os seres humanos reprimem o sistema límbico. Por uma variedade de razões, alguns donos não deixam que os seus cães pastores pastoreiem, que os seus cães d’água nadem, ou que os seus cães escavadores escavem. Nestes casos, é melhor aceitar que estes animais terão um excesso de energia que terá de ser esgotado. Aumentar o exercício de um cão poderá queimar essa energia, ocupar os sentidos e reduzir o comportamento indesejado. ►► Aquilo de que um cão se recorda Agora que você já possui um entendimento básico do funcionamento do cérebro de um cão e de como este processa informações sensoriais, é igualmente importante entender como a memória dele funciona. A capacidade canina de apenas «viver no momento» também permite que os cães sejam treinados. Nos meus 23 anos de trabalho com cães, lidei com milhares deles, e foram muito poucos aqueles que não consegui ajudar. A investigação científica que estuda como os cães percecionam o tempo e recordam eventos é limitada. No que respeita à memória e ao tempo, sabemos que os cães são diferentes dos seres humanos. A minha experiência diz-me que os cães não conseguem recuar ou avançar mentalmente no tempo como nós. Ser capaz de recordar memórias específicas e prever acontecimentos futuros parece ser um dom incrível, mas, simultaneamente, estas capacidades humanas têm um preço: ansiedade, receio, culpa e remorso. 27 CESAR MILLAN Muitos dos meus clientes mostram-se céticos quando lhes digo que os cães vivem apenas no presente e que o alcance efetivo da sua memória é, de facto, muito curto: cerca de vinte segundos. Afinal, argumentam eles, o meu cão está treinado para ir buscar uma bola e largá-la aos meus pés sempre que eu a atiro. Ele lembra-se do que tem de fazer. Mas não é isso que se passa no cérebro dele. Não podemos esquecer que os cães aprenderam a reagir a ordens e a agradar aos seres humanos. Como tal, podem saber como reagir à ordem «busca!» sem terem uma memória do acontecimento específico no qual a aprenderam. Você poderá recordar-se de todos os pormenores daquele belo dia de primavera no qual ensinou o seu cão a ir buscar, mas ele não. Pelo menos não do mesmo modo. Um cão recorda-se de pessoas e lugares com base em associações que teve com eles. A memória associativa pode funcionar positiva e negativamente. Se um cão tiver uma visita traumática ao veterinário depois de uma viagem de carro, poderá reagir com medo a todas as viagens de carro até que essa associação seja substituída por outra, positiva – tal como uma viagem até ao parque de cães. Quanto mais forte a associação, mais difícil será substituí-la. Quando trabalho com cães traumatizados, tenho de identificar em primeiro lugar as suas associações negativas. É preciso tempo e paciência para alterar essas associações. Já trabalhei muito com cães militares regressados de zonas de guerra. Muitos deles necessitam de um extenso recondicionamento antes de poderem ser adotados por novas famílias. Estes cães não sabem se estão ou não numa zona de guerra, nem se a guerra acabou. Estão sempre a trabalhar e possuem muitas associações negativas, geralmente ligadas a sons fortes. Os ruidosos espetáculos de pirotecnia no 4 de Julho são particularmente difíceis para estes cães. Trabalhei com um cão militar muito especial chamado Gavin, um labrador dourado de dez anos, «reformado» do Bureau of Alcohol, Tobacco, Firearms and Explosives (ATF). 28 GUIA PARA UM CÃO FELIZ O Gavin ultrapassou o seu medo de barulhos fortes ao tornar-se, novamente, um cão. O Gavin tinha passado dois anos no Iraque, onde desenvolvera um grave problema de aversão a barulhos. Quando regressou aos EUA, revelava medo do som de trovoadas e de fogos de artifício. Este distúrbio evoluiu, incluindo um receio de sons agudos, como detetores de incêndio e gritos de crianças. No nosso primeiro encontro, ele nem sabia como estar com outros cães. Ficava paralisado na presença da minha matilha. Como parte do seu treino militar, habituara-se de tal modo a uma matilha de pessoas que se esquecera de como se comportar junto de outros cães. Era como se se tivesse tornado um robô e como se tudo o que era «cão» lhe tivesse sido retirado. Eu reabilito estes cães recorrendo à introdução de uma atividade presente no ADN natural deles, mas não na sua rotina diária. No caso do Gavin, foi a natação. Os labradores são nadadores natos, originalmente criados para ajudar os pescadores a puxarem as redes. No início, o Gavin mostrou-se um pouco hesitante, mas, 29 CESAR MILLAN depois de algumas tentativas, acostumou-se rapidamente à água. Recuperou a sua confiança e, ao fazê-lo, os seus instintos caninos naturais regressaram. Assim que voltou a ser ele mesmo, tornou-se treinável. Em vez de se mostrar receoso, desconfiado de barulhos fortes – algo que ele aprendera na sua vida militar –, ensinei-o a associar esses mesmos barulhos ao ato de deitar-se. Sempre que ele ouvia um barulho forte, eu mandava-o deitar-se e descansar. Com o tempo, o Gavin aprendeu a sentir-se mais descontraído na presença de barulhos. O Gavin acabou por ser adotado pelo seu agente do ATF, L. A. Bykowsky, e perdeu o medo de sons fortes. Nos dias em que o L. A. não estava de serviço, o Gavin aparecia no escritório para visitar velhos amigos e cães. Infelizmente, morreu, em fevereiro de 2011, após uma batalha com um cancro, mas vivendo os seus últimos anos como um cão feliz e equilibrado. ►► Estimular o cérebro, cedo e frequentemente Perguntam-me muitas vezes se os donos de cães podem fazer alguma coisa para os tornar mais espertos. Se prestar atenção às prateleiras de supermercado, encontrará numerosas comidas para cão que afirmam promover a inteligência. Eu não sei se a dieta pode aumentar a inteligência, e os cães não podem fazer testes de QI para provar se tal é possível. Todavia, acredito no facto de que «estimular» um cão quando ele ainda é um cachorro pequeno pode resultar num cérebro mais forte e equilibrado. 30 GUIA PARA UM CÃO FELIZ O cérebro de um cão é como uma esponja – absorvendo todos os cheiros e visões e experiências do mundo o mais depressa que lhe é possível. Ao crescer, um cachorro bem estimulado terá um cérebro maior, com mais e maiores células e mais interligações entre elas. Ouvir sons fortes, fazer exercício regularmente, conhecer novos cães e novas pessoas, viajar para outros lugares, e até passar alguns minutos diários de treino em percurso de agilidade, tudo isto promove um cérebro mais forte. Podemos influenciar o desenvolvimento do cérebro de um cachorro se lhe proporcionarmos o melhor ambiente possível quando ele ainda for uma cria recém-nascida. Do mesmo modo, é mais provável que um cão que seja privado de estímulos ou que não interaja com outros cães ou seres humanos tenha um cérebro mais pequeno e seja menos equilibrado. Presenciei muitas situações nas quais um cão subestimulado não representa apenas um cão infeliz, mas também um animal amorfo, quase inerte. Mas, pelo contrário, o excesso de algo positivo pode ser prejudicial. Também assisti a situações nas quais o estímulo excessivo de um cão pode levar a problemas comportamentais e a agressividade. Sinais deste excesso podem ser observados num cão que entra numa sala ou que se aproxima de outro cão «focinho-com-focinho», com a língua pendurada, arquejante, e a puxar pela trela ou a ladrar. Muitos donos de cães interpretam mal estes sinais, pensando que correspondem a um cão «feliz», quando, na realidade, estes cães estão descontrolados. Quando vemos estes sinais, o nosso cão precisa de calma, ponderação, e o melhor será afastá-lo da origem do excesso de estímulo até que ele tenha acalmado. 31