Apoio matricial - Anais Unicentro

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Apoio matricial: uma ferramenta em construção
Carmen Leontina Ojeda Ocampo More, Cibele Motta e Roberta Borghetti Alves,
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Resumo: Objetivou-se nesse artigo analisar a produção científica acerca do apoio matricial a
partir de artigos indexados em bases de dados nacionais. Os descritores utilizados foram apoio
matricial e matriciamento. Para categorizar as produções científicas utilizou-se a análise de
conteúdo categórico-temática proposta por Bardin, a qual propiciou a criação de dois núcleos
temáticos: “articulação da rede de atenção em saúde mental” e “alcances e limites do apoio
matricial”. Como principais resultados destacaram-se o reconhecimento do apoio matricial
enquanto estratégia potente, pois possibilita a construção de um sistema articulado em rede.
Espaço de aprendizado, por proporcionar a discussão, o estudo e corresponsabilização de
casos, bem como a análise do processo de trabalho. Evidenciou-se também a necessidade de
educações permanentes para as equipes de referência (ESF), pois as mesmas, muitas vezes,
não sentem-se preparadas para atuarem com as demandas de saúde mental. Desse modo,
salienta-se que embora o apoio matricial foi constituído para superar a dicotomia entre Saúde
Mental e Atenção Básica (AB), há muito em que progredir, pois ainda há a necessidade de
repensar as estratégias adotadas no processo de implantação e de implementação dessa
ferramenta.
Palavras-chave: apoio matricial; saúde mental; equipe de referência; Estratégia da Saúde da
Família; Centro de Atenção Psicossocial.
Introdução
A partir da criação da Estratégia da Saúde da Família e da Reforma Psiquiátrica,
pactuou-se na III Conferência Nacional de Saúde Mental, a reorganização da Rede de
Atenção Integral à Saúde Mental (CUNHA; YASUI, 2010), que além de, priorizar os Centros
de Atenção Psicossocial (CAPS), passa também a enfatizar a Atenção Básica. Desse modo,
essa rede começa a compreender que a Atenção Básica faz parte de um conjunto de ações de
saúde mental articuladas em um território, as quais baseiam-se no acolhimento e no vínculo
com seus usuários (BRASIL, 2001).
Portanto, ao se propor uma atuação baseada no território fez-se necessário que os
profissionais de saúde refletissem sobre esse cenário, de modo a repensar a compreensão que
tinham sobre ele, baseadas não somente no conceito geográfico, mas sim em um território que
emerge história, sujeitos, sociedades e diversas culturas. A partir disso, almejou-se que os
serviços de saúde trabalhassem nessa lógica, porém, nesse momento, surge um impasse, à
dicotomia entre a Saúde Mental e a Atenção Básica (AB). Para superá-la, Campos (1999)
propõe um arranjo organizacional denominado Apoio Matricial, o qual iniciou-se em
Campinas em 1989 (CUNHA; CAMPOS, 2011).
Esta ferramenta visa criar a possibilidade de uma clínica ampliada, que priorize as
necessidades do usuário, enquanto um ser que reside em um contexto, e que possui demandas
e necessidades, além do estar naquele momento doente. Auxilia também na reflexão do
processo saúde-doença, pois compreende a saúde como um processo complexo que envolve
diversos fatores além dos biológicos, cuja atuação dos profissionais de saúde deve-se levar em
conta essa lógica e intervir por meio dela (BRASIL, 2011).
O apoio matricial possibilita também um diálogo entre distintas especialidades e busca
a coresponsabilização de casos, configurando-se como um suporte técnico especializado que é
ofertado a equipe de saúde como meio de ampliar seu campo de atuação e qualificar as ações
desenvolvidas, de modo a corroborar para o aumento da capacidade resolutiva das equipes
(FIGUEIREDO; ONOCKO-CAMPOS,2009). Além disso, visa-se implantar um espaço de
comunicação ativa, onde o compartilhamento é requisito necessário para a troca de práticas e
de saberes entre profissionais de referência e apoiadores, a fim de produzir uma ruptura no
modelo assistencial dominante, calcado na lógica da especialização e da fragmentação do
trabalho (CAMPOS, 1999).
Desse modo, o apoio matricial personaliza os sistemas de referência e contrareferência, ao facilitar o contato direto entre os profissionais. Ele subdivide-se em duas
dimensões, a assistencial e a técnico-pedagógica. A dimensão assistencial que consiste na
ação clínica direta com o usuário da unidade de saúde, e ação técnico-pedagógica que se
refere ao apoio educativo compartilhado com a equipe referência, implicado em uma posição
horizontal entre os profissionais envolvidos (CAMPOS; DOMITTI, 2007).
Dadas às considerações, salienta-se que o objeto desse estudo mostra-se relevante e
original, particularmente pelo apoio matricial ser um dispositivo articulador no processo de
reformulação do processo saúde-doença, bem como por proporcionar o diálogo entre
diferentes categorias profissionais. Nesse prisma, o presente artigo trata-se de uma revisão da
literatura especializada, o qual teve por objetivo analisar as produções científicas dedicadas ao
apoio matricial, a partir de artigos indexados em bases de dados nacionais. Com a realização
desse estudo, espera-se contribuir para a ampliação das discussões sobre essa temática e
corroborar para a construção de uma prática que valorize e fortaleça a atuação compartilhada
e interdisciplinar.
Metodologia
Para investigar as produções científicas foi realizada uma busca eletrônica em três
bases de dados: BIREME/LILACS, BVS-Psi e Index Psi as quais tiveram como descritores as
palavras apoio matricial e matriciamento. Para a inclusão dos dados utilizou-se os seguintes
critérios:parâmetro linguístico português; parâmetro cronológico: 2007 a 2012; referir-se a
uma pesquisa empírica; possuir trabalho completo1.Cabe ressaltar que em cada base de dados
foram escolhidos apenas os artigos empíricos, sendo excluídas teses, dissertações e manuais
técnicos. Desse modo, foram localizados nas três bases de dados 113 artigos, destes apenas
12 atenderam aos critérios supracitados.
Para analisar o conteúdo das produções utilizou-se a análise de conteúdo categóricotemática proposta por Bardin (2010), seguindo as seguintes etapas: a) Pré-análise: leitura
exaustiva dos artigos, para que assim fossem abordados todos os aspectos contidos neles. b)
Exploração do material: transformação dos dados em conteúdos programáticos, sendo estes
embasados tanto na fundamentação teórica, como nos conhecimentos adquiridos. A partir
disso, foram criados dois núcleos temáticos que abarcam os resultados: “articulação da rede
de atenção em saúde mental” e “alcances e limites do apoio matricial”.
Resultados e discussões
O apoio matricial é um arranjo organizacional que proporciona o contato horizontal
entre os profissionais, de modo que a coresponsabilização e compartilhamento de casos entre
a equipe de referência e o apoiador torna-se necessário para o uso dessa ferramenta. Ele
constitui-se também como um dos arranjos metodológicos para a gestão do trabalho em
saúde, pois visa à integração dialógica entre distintas especialidades e níveis de atenção
(BALLARIN; BLANES; FERIGATO, 2012). Nesse sentido, analisou-se a produção científica
sobre esse objeto de estudo, e destacou-se que as mesmas abordam sobre o apoio matricial em
saúde mental na atenção básica, o qual foi construído inicialmente para realizar a articulação
entre a saúde mental e a atenção básica (DIMENSTEIN, GALVÃO, SEVERO, 2009).
Articulação da rede de atenção em saúde mental
Acerca da articulação das ações entre as equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF)
e do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Pinto et al. (2011) analisaram o apoio matricial
tendo como ênfase a integralidade do cuidado e a resolubilidade assistencial. Participaram
1
Pesquisa realizada em dezembro de 2012.
desse estudo 32 usuários, 22 familiares atendidos por meio do matriciamento, 46 profissionais
de saúde da ESF e 15 dos CAPS de dois municípios do Estado do Ceará. Para a coleta dos
dados, os autores utilizaram o grupo focal, a entrevista semiestruturada e a observação
sistemática, e para a análise dos dados os pressupostos da hermenêutica crítica.
Como resultados, salientou-se que as atividades do apoio matricial em saúde mental
corroboraram para ampliação do acesso do usuário, bem como para a diversificação das ações
voltadas à integralidade do cuidado. Já a resolubilidade assistencial delimitou-se ao
reconhecimento das condições sociais da demanda das equipes, bem como a superação das
práticas medicamentosas em saúde. De acordo com Ignácio e Nardi (2007) a medicalização
constitui uma estratégia biopolítica, utilizada como ferramenta de assujeitamento, onde,
muitas vezes, não se reflete sobre a produção de novos meios de transformação social.
Nessa direção, Dimenstein et al. (2009) pesquisaram a perspectiva de técnicos de ESF
no município de Natal, RN, acerca do apoio matricial enquanto proposta articuladora para os
cuidados em saúde mental na atenção básica. Para esse estudo foram realizadas entrevistas
com oito técnicos da ESF do Distrito Sanitário Leste da cidade. Como resultados as autoras
apontaram que não houve clareza acerca da proposta do matriciamento e há uma demanda
cotidiana de saúde mental não acolhida, pois os participantes não se sentiram capacitados para
tal, de modo a ressaltarem a necessidade de apoio e capacitação nesse campo. Além disso, as
possibilidades de referenciamento foram escassas em função da precariedade da rede de
serviços em saúde mental. O trabalho compartilhado com o Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS) ainda não foi executado, o que corrobora para os resultados supracitados.
Sousa et al. (2011) analisaram o matriciamento como ferramenta articuladora da rede
de atenção em saúde mental. Para a coleta dos dados foi utilizada a entrevista semiestruturada
e a observação sistemática com 47 profissionais da ESF e dos CAPS, distribuídos estes em
dois grupos. Os dados foram organizados e analisados por meio da análise de conteúdo de
Minayo. De acordo com os resultados evidenciados, o apoio matricial foi considerado como
uma estratégia potente, pois possibilita a construção de um sistema articulado em rede. Ele é
interligado por uma equipe de referência, que mobiliza e aciona diversos especialistas no caso
(apoiadores) para construção de projetos terapêuticos de modo compartilhado, propiciando a
conexão de redes de cuidados em saúde mental.
Nesse mesmo enfoque Bezerra e Dimenstein (2008) pesquisaram como está sendo
realizado o matriciamento às equipes de ESF por meio dos trabalhadores de saúde mental
inseridos em CAPS II e Ad. Entrevistou-se 17 profissionais de saúde, distribuídos entre
distintas categorias profissionais (psicologia, assistência social, enfermagem, psiquiatria e
nutrição). Dentre esses profissionais, alguns exerciam o cargo de coordenação dos serviços.
Dessa maneira, teve-se como foco de discussão, a articulação da rede de serviços, o espaço
que o CAPS ocupa nessa rede, as estratégias utilizadas pela Secretaria Municipal de Saúde
para implementar o apoio matricial, a importância do uso dessa ferramenta, bem como as
dificuldades e os desafios às equipes matriciadas. Identificou-se como principais resultados, a
articulação precária entre os CAPS e a rede de atenção básica, a necessidade de refletir sobre
o papel dos CAPS na rede e rever o modelo de fluxo ambulatorial vigente, bem como
salientou-se a necessidade da formação acadêmica dos profissionais, o qual mostrou-se
insatisfatória para o cuidado aos pacientes com sofrimento psíquico.
A partir desses resultados salienta-se a articulação precária entre os CAPS e a rede de
atenção básica, o que dificulta a demanda cotidiana de saúde mental que, muitas vezes, não é
acolhida, pois os participantes não se sentiram capacitados para tal, de modo a ressaltarem a
necessidade de apoio e capacitação nesse campo. A partir disso evidencia-se a importância da
implantação e de implementação do apoio matricial nos serviços de saúde, pois por meio dele
interliga-se a equipe de referência e os especialistas no caso (apoiadores) através de um
contato horizontal e compartilhado.
Alcances e limites do apoio matricial
O apoio matricial tornou-se uma ferramenta de trabalho em saúde, no entanto há de se
destacar seus alcances e limites na saúde mental da atenção básica. Nesse sentido, Morais e
Tanaka (2012) avaliaram esses aspectos nas ESF que já tinham o apoio matricial implantado.
Para a coleta de dados utilizou-se o estudo de caso, na qual foram entrevistados doze
profissionais de ESF. A análise das informações foi por meio de categorias empíricas, que
evidenciaram que o acesso, a tomada de decisão, a participação e os desafios da implementação do matriciamento são elementos que se apresentaram de forma contraditória a
reorganização dos serviços e as práticas em saúde. Os autores consideraram que o processo de
implantação e implementação não findou. A sensibilização, a mobilização e a capacitação das
ESF precisam ser incrementadas constantemente, pois o apoio matricial possibilita ao serviço
e aos profissionais, compreensão e aceitação da saúde mental na atenção primária.
Nessa perspectiva, Cavalcante, Jorge e Santos (2012) buscaram compreender como
tem sido realizado o apoio matricial (AM) enquanto ferramenta de cuidado à criança com
problemas de saúde mental na Estratégia de Saúde da Família, ou seja, enquanto dimensão
assistencial, a qual o matricial realiza algum tipo de atendimento/cuidado ao usuário. Nesse
estudo foram realizadas entrevistas com apoiadores matriciais em saúde mental na ESF e
familiares de crianças que foram atendidas nessa lógica. Para análise das narrativas, utilizouse a hermenêutica fenomenológica de Paul Ricoeur. Como principais resultados
identificaram-se o baixo número de atendimentos realizados a essa faixa etária, bem como a
necessidade de capacitação para os profissionais de saúde voltadas ao tema da saúde mental
infantil, para que essas crianças possam ser atendidas em uma perspectiva integral, calcada na
compreensão das diferenças do desenvolvimento e das necessidades específicas desses
usuários.
Tendo essa perspectiva da integralidade do cuidado, Sousa e Tófoli (2012) avaliaram o
apoio matricial em saúde mental na atenção primária à saúde de Sobral, Ceará. Considerou-se
a fala dos gestores, dos profissionais das ESF, das equipes multiprofissionais (Residência
Multiprofissional em Saúde da Família e Núcleo de Apoio a Saúde da Família- NASF), dos
apoiadores matriciais, dos usuários e dos agentes comunitários de oito Centros de Saúde da
Família. Nessa pesquisa utilizou-se a análise documental, a observação sistemática, as
entrevistas e os grupos focais, o qual analisou-se os dados por meio da análise de conteúdo de
Minayo.
Como principais de resultados destacou-se o relato dos apoiadores matriciais e
residentes que apontam que a equipe de referência (ESF), muitas vezes, se esquiva das ações
voltadas à saúde mental, atitude associada ao sentimento de impotência, bem como ao
despreparo desses profissionais, o qual cria-se um empecilho ao discutir e trabalhar os casos
de saúde mental. No entanto, embora essa dificuldade os profissionais e a gestão relatam que
o trabalho interdisciplinar contribui para o respeito às especialidades e auxilia na lógica do
compartilhamento e corresponsabilização dos casos. A presença dos profissionais
matriciadores e do NASF foi vista como um meio de ampliar as ações de cuidado em saúde
mental, assim como qualificar e complementar o trabalho das equipes de referência. Além
disso, foi reconhecido o apoio matricial como um momento de aprendizado e, por isso,
salientado pelos autores como espaço político, pois pode propiciar a análise da realidade e de
recriá-la e/ou modificá-la por parte dos profissionais. No entanto, para alguns profissionais de
saúde essa ferramenta não é tão clara e apresenta-se atrelada ao termo Preceptoria.
Na pesquisa realizada por Ballarin, Blanes e Ferigato (2012) analisou-se o apoio
matricial sob a ótica dos profissionais que atuam na saúde mental em diferentes serviços do
município de Campinas/SP. Os autores utilizaram como instrumento de coleta de dados a
entrevista semiestruturada. Os dados obtidos foram tratados com base na metodologia da
análise do discurso. Os resultados evidenciaram que a proposta do apoio matricial não foi
compreendida com clareza por todos os profissionais, porém colaborou para a construção de
estratégias de intervenção e coresponsabilização no campo da clínica, na troca de
conhecimentos e na interdisciplinaridade.
Acerca das dificuldades e avanços do apoio matricial Dimenstein, Galvão e Severo
(2009) as mapearam a partir da ótica de coordenadores das ESF no município de Natal, RN.
Como instrumento utilizou-se a entrevista semiestruturada com seis enfermeiras. O apoio
matricial foi avaliado por elas como um dispositivo articulador da rede, o qual promove a
corresponsabilização nos diversos níveis de atenção, de modo a apoiar as ESF nas demandas
cotidianas. No entanto, as autoras ressaltam que é necessário problematizar a forma como o
apoio matricial é realizado, para que não reproduza a lógica de assistência fragmentada que o
matriciamento visa superar. As principais dificuldades são à necessidade de educações
permanentes sobre a temática para lidar com a demanda de saúde mental e a ausência de uma
rede de serviços articulada em saúde mental.
Além dos artigos citados acima, ressalta-se a pesquisa realizada por Silveira (2012). O
estudo teve como objetivo abordar a história entre a dissociação da saúde mental e da saúde
pública, bem como as práticas que propõem sua integração, por meio da produção científica e
documentos nacionais e internacionais. A autora analisou os artigos e documentos por meio de
Rose e além disso, entrevistou profissionais da saúde sobre suas práticas no apoio matricial e
na interconsulta. Como resultados a autora ressalta que tanto os documentos, como as práticas
da saúde enfatizam a interdisciplinaridade e a não hierarquização de saberes e serviços. E
enfatiza a necessidade de fortalecer as decisões horizontais e democráticas, ao invés de que
seja imposta a autoridade de modo vertical, utilizada nos modelos patriarcais e biomédicos.
A fim de avaliar a organização das ações de saúde mental na atenção básica, a partir da
implantação do arranjo de gestão apoio matricial em Campinas/SP, Figueiredo e Onocko
Campos (2009) realizaram dois grupos focais com profissionais de saúde mental, equipes de
referência e gestores. Para a análise dos dados utilizou-se a abordagem hermenêutica crítica.
Como resultado observou-se a necessidade de aprimorar a avaliação de risco e de criar
espaços permanentes de reflexão sobre esse arranjo, a fim de potencializar a transformação
das práticas hegemônicas em saúde.
De acordo com a perspectiva dos profissionais de saúde mental, as equipes de
referência, muitas vezes, evitam o contato com o sofrimento psíquico por meio de
justificativas como a falta de formação nessa área e a dificuldade em agir fora do campo dos
procedimentos e da conduta medicamentosa. Por sua vez, as equipes de referência,
reconhecem o aumento da resolutividade dos casos quando a clínica tradicional transforma-se
na clínica ampliada, mas consideram sua formação inadequada para compreender e lidar com
a subjetividade do usuário. No entanto, valorizam o incremento em sua formação a partir dos
estudos e discussões de casos que o apoio matricial propicia, assim como consideram possível
repensar sua prática. Desse modo, a lógica da corresponsabilização tem sido ressaltada a fim
de que possa se sobrepor à lógica do referenciamento, de modo que o sofrimento psíquico
passa a não ser de responsabilidade exclusiva da Saúde Mental.
Consoante à pesquisa supracitada, Mielke e Olchowsky (2010) avaliaram como o
apoio matricial é percebido por 14 profissionais de uma ESF, em um estudo avaliativo
qualitativo realizado a partir da Avaliação de Quarta Geração. Os dados foram coletados por
meio da observação sistemática e entrevistas semiestruturadas, e analisados pelo método
comparativo constante. Os participantes avaliaram a necessidade da retaguarda assistencial e
de capacitações pelas equipes especializadas em saúde mental, como apontado também pelo
estudo realizado Dimenstein, Galvão e Severo (2009) com as coordenadoras das
ESF.Corroborando a esses estudos, Figueiredo e Onocko-Campos (2009) também
identificaram que a capacidade da equipe da atenção primária em acolher o sofrimento do
usuário depende da disponibilidade desse profissional, do seu perfil, bem como de sua
formação.
Em relação às dificuldades voltadas à formação dos profissionais Moretti-Pires e
Campos (2010) colocam que elas iniciam ainda dentro da academia, pois muitas vezes
persiste-se em formar profissionais de saúde, mesmo no ensino público, direcionados a
atuações com foco e embasamento teórico diferente das necessidades do serviço público de
saúde, o que dificulta a atuação desses profissionais no sistema de atenção à saúde. O atual
modelo de formação privilegia os aspectos técnicos das profissões, bem como a atuação
singular em detrimento do trabalho interdisciplinar. No entanto, na prática em saúde, seja na
Atenção Primária em saúde ou mesmo em um serviço especializado, existirá a necessidade da
articulação com outras categorias profissionais (SANTA HELENA; NEMES; ELUF, 2010).
A partir dos artigos supracitados, evidenciou-se a dificuldade dos profissionais de
saúde em realizar o acolhimento dos usuários que demandam uma atenção psicossocial na
atenção básica. Os mesmos relatam a falta de conhecimentos específicos para lidar com esse
tipo de trabalho e a ausência de uma rede de serviços articulada em saúde mental. Além disso,
a proposta do apoio matricial não foi compreendida com clareza por todos os profissionais, o
que demonstra a necessidade de primeiramente explanar aos profissionais o que é o apoio e
em quê ele irá contribuir para que posteriormente seja implantado.
Em contrapartida aos resultados acima encontrou-se pesquisas que salientaram que as
atividades de apoio matricial, quando bem compreendidas, contribuíram para ampliar o acesso
do usuário e diversificar as ações voltadas à integralidade do cuidado, bem como colaborar
para a construção de estratégias de intervenção e corresponsabilização no campo da clínica,
na troca de conhecimentos e na interdisciplinaridade. Além disso, o apoio matricial foi
considerado por alguns profissionais de saúde como uma estratégia potente, pois possibilitou
a construção de um sistema articulado em rede. Essa rede foi composta por uma equipe de
referência, que mobilizou e acionou diversos especialistas no caso (apoiadores) para
construção de projetos terapêuticos de modo compartilhado.
Considerações finais
Diante dos resultados salienta-se que embora o apoio matricial foi constituído por
Campos (1999) para superar à dicotomia entre Saúde Mental e Atenção Básica (AB), há
muito em que progredir, pois ainda há o desconhecimento dos profissionais de saúde sobre
essa ferramenta, o que demonstra a necessidade de repensar as estratégias adotadas de
implantação e implementação dessa ferramenta. Como é debatido por Dimenstein, Galvão e
Severo (2009) acerca da necessidade de problematizar a forma como o apoio matricial é
realizado, para que não se reproduza a lógica de assistência fragmentada que o matriciamento
visa superar.
A mudança da lógica de trabalho proposta pelo Apoio Matricial não é fácil de ser
implantada nas equipes de saúde. Esse processo não ocorre automaticamente. Ela precisa ser
dialogada junto às equipes, por meio de espaços destinados à reflexão e à análise crítica sobre
o processo de trabalho, os preconceitos em relação aos transtornos mentais, à dificuldade do
contato com o sofrimento do usuário, bem como à sobrecarga profissional. Todas essas
dificuldades podem ser postas como possíveis entraves para a realização do Apoio Matricial,
se os profissionais não tiverem esses momentos de reflexão e formação permanentes para
processá-las.
Se em um primeiro momento a intenção do Apoio Matricial era fazer com que a Saúde
Mental saísse do serviço especializado para inserir-se no fazer das equipes e no território do
usuário, é possível considerar que houve uma propagação nesse sentido (FIGUEIREDO;
ONOCKO CAMPOS, 2009). No entanto, ressalta-se a necessidade da continuidade do
processo de implantação e de implementação do apoio matricial nos serviços de atenção
básica, para que esses serviços não reforcem a lógica do referenciamento, os quais há
sobrecarga do trabalho e pouca resolutividade dos casos atendidos.
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