Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ DO PROCESSO DE HOMINIZAÇÃO À HUMANIZAÇÃO: EXPLICITANDO O CURSO DO DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES PSÍQUICAS SUPERIORES A PARTIR DOS ESTUDOS DESENVOLVIDOS NO LAPSIHC (LABORATÓRIO DE PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL) Eixo Temático: Psicologia e Educação Coordenadora: Silvana Calvo Tuleski1 Dos propósitos iniciais Esta sessão coordenada visa apresentar trabalhos desenvolvidos pelos alunos participantes do Laboratório de Psicologia Histórico-Cultural: Ciência, Arte e Educação (LAPSIHC). O LAPSIHC foi criado em 2008 visando reunir as diversas atividades de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas na abordagem da Psicologia Histórico-Cultural por professores pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. Um dos princípios adotados pelos integrantes do laboratório assenta-se no entendimento que a Psicologia, como parte das Ciências Humanas, ao tomar para si a investigação a respeito da constituição da subjetividade humana como objeto, esta não pode ser compreendida como apartada das relações sociais de produção e da expressão de tais relações no âmbito das ideias, ou seja, das teorias. Ao tratar, pois, dos fundamentos da ciência psicológica, menos ainda deve ficar apartada de suas raízes históricas e de sua vinculação com a organização social vigente, sendo, pois, produção e produto desta, expressão das contradições explícitas e implícitas da sociedade contemporânea. Este caminho, considerando a abordagem teórica da Psicologia Histórico-Cultural, só é possível quando se compreende as categorias do método materialista-histórico-dialético e, além disso, quando estas são utilizadas para revelar os fenômenos humanos em sua essência. A partir deste referencial, entende-se que nem a Ciência – no caso a Psicologia – e nem a Arte, podem ser apropriadas de maneira puramente abstrata, isto é, desligada da materialidade que as produz. 1 Doutora em Educação Escolar, Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected]. Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ Nesta trajetória de cinco anos o LAPSIHC foi se ampliando. Inicialmente era composto por três Projetos de Pesquisa e um de Ensino, coordenados por docentes do Departamento de Psicologia, e hoje conta com cinco projetos de pesquisa, quatro de professores do Departamento de Psicologia e um do Departamento de Teoria e Prática da Educação, além de um Projeto de Ensino. Em 2009, vinculado ao LAPSIHC, passou a ser organizado o Grupo de Estudos em Psicologia Histórico Cultural, que atualmente conta com um total de aproximadamente 25 membros, integrando estudantes da graduação e pósgraduação em Psicologia e outras áreas, sob a supervisão e acompanhamento dos professores do Departamento de Psicologia e Educação da UEM, que o integram. É importante destacar que todos os trabalhos agregados ao LAPSIHC possuem, como objetivo geral, relacionar as categorias do Materialismo Histórico Dialético evidenciando-as como base dos conceitos da Psicologia Histórico-Cultural, possibilitando a análise das correntes teóricas dentro da Psicologia, Educação, bem com as diversas expressões na esfera das Artes como produções humanas, historicamente datadas. Dos objetivos aos fundamentos e seus desdobramentos Feita a breve explanação acima, entende-se como fundamental elencar os objetivos que norteiam os estudos nos projetos em geral e mais especificamente do Grupo de Estudos do LAPSIHC, cujos trabalhos desenvolvidos no primeiro semestre de 2012 comporão esta sessão coordenada. Além do objetivo mais amplo já descrito anteriormente, destacam-se outros, tais como: Evidenciar a arte e a ciência como conhecimentos elaborados produzidos pelo homem; Caracterizar o atual estágio capitalismo e suas repercussões na constituição da subjetividade dos indivíduos e nos próprios movimentos dentro da ciência e da arte; Estudar as categorias do método materialista histórico e dialético a partir dos clássicos do marxismo como Marx, Engels, Lênin, e; Analisar as implicações da retirada dos fundamentos marxistas da obra dos teóricos da psicologia Histórico-cultural, na contemporaneidade. Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ Busca-se evidenciar que a adoção do referencial teórico do materialismo-histórico não só impele o pesquisador ao recuo necessário ao passado para o entendimento das concepções teóricas que se configuram na atualidade - que, em determinados momentos atingem uma projeção no meio acadêmico -, como também desafia a uma análise radical (que vai às raízes) do que é colocado como novo ou como novidade pelos paradigmas pósmodernos. Como Marx e Engels (1991) propõem, a análise deve ultrapassar a aparência dos fatos e fenômenos e permitir que se alcance a essência dos mesmos. Reportando-se às teses marxistas para a análise da sociedade capitalista, Duarte (2002) explica que as relações particulares e locais entre as pessoas, comuns nas sociedades pré-capitalistas vão sendo substituídas por relações universais, despersonalizadas, mediadas unicamente pela mercadoria e, principalmente, pelo seu equivalente universal, o dinheiro. Esta separação entre trabalho e capital, na qual o trabalhador passa a ser somente alguém que possui sua força de trabalho e precisa vendê-la ao capital para sua sobrevivência vai desapropriando, gradativamente, o trabalhador do conhecimento da relação de seu trabalho com a produção. Assim, o trabalhador, no capitalismo, vai deixando de ser alguém que possui um conhecimento e uma experiência de trabalho específica, singular, para se transformar em alguém que possui uma capacidade de trabalho abstrata, geral, indiferente ao conteúdo concreto da atividade de trabalho e, portanto, capaz de adaptar-se às mudanças constantes do mercado de trabalho. A alienação é, portanto, entendida como a não-efetivação, na vida dos indivíduos, das conquistas já efetuadas historicamente pelo gênero humano (MARKUS, 1974). Por outras palavras, podemos dizer que a alienação consiste em um distanciamento, uma ruptura e um conflito entre a riqueza material e intelectual do ser humano e a vida de cada pessoa. O ser humano, a humanidade vem enriquecendo-se ao longo da história, mas isso não se traduz em enriquecimento da vida de cada ser humano. As pessoas, na sua grande maioria, vivem em condições muito aquém daquilo já alcançado pelo gênero humano em termos do seu enriquecimento. Como afirmou Leontiev (1978), na sociedade de classes, a grande maioria das pessoas somente tem acesso à riqueza material e intelectual dentro de limites miseráveis, o que limita em diversos aspectos o desenvolvimento das funções psicológicas. Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ Este patrimônio material e espiritual a que este autor se refere está relacionado ao que há de mais elaborado pela cultura humana, no caso a Ciência, a Arte e a Filosofia. Mas, o processo de apropriação vai efetuar-se no decurso do desenvolvimento de relações reais do sujeito com o mundo e estas relações “não dependem nem do sujeito nem da sua consciência, mas são determinadas pelas condições históricas concretas, sociais, nas quais ele vive, e pela maneira como a sua vida se forma nestas condições” (LEONTIEV, 1978, p. 275). Fica evidente na citação acima de Leontiev, que juntamente com Vigotski e Luria foram fundadores da Psicologia Histórico-Cultural, a base marxista de seus postulados, por isso a necessidade de não desligá-los do materialismo-histórico. Tal desligamento, atualmente, tem possibilitado sua vinculação, por diversos intérpretes contemporâneos, aos paradigmas pósmodernos tal como apontam Tuleski (2008) e Duarte (2002), esterilizando-a de seu potencial crítico e transformador. Assim, a recuperação de suas bases filosóficas e epistemológicas é fundamental para que seja possível a compreensão da essência da Psicologia Históricocultural. Em busca de uma práxis articulada: o exemplo do Grupo de Estudos A partir dos objetivos e fundamentos estabelecidos no LAPSIHC, o Grupo de Estudos procura tomá-los como práxis articulada. O grupo funciona como um coletivo organizado, que se reúne quinzenalmente, no qual há alunos coordenadores que organizam junto com os demais participantes quais serão as atividades desenvolvidas durante o ano. Ocorrem reuniões semestrais de avaliação quanto aos objetivos propostos e alcançados, sendo que estas contam com a participação dos professores. Nestas reuniões de avaliação coletiva procura-se elencar as dificuldades encontradas tanto em relação aos encaminhamentos dos estudos, quanto à distribuição, execução das tarefas e funcionamento geral do GE, que objetiva sempre fazer com que os novos participantes que a cada ano iniciam possam inserirse de moto efetivo no ritmo de estudos e debates teórico-práticos que vem sendo realizados no decorrer dos anos pelos participantes do LAPSIHC. Toma-se sempre como norte o entendimento de que não somente a Arte, mas também a Ciência e Filosofia, quando apropriadas pelos homens, despertam neles o que há de Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ mais elevado em termos de desenvolvimento: o cientista, o artista e filósofo, aguçando a sensibilidade, a curiosidade, a racionalidade e a capacidade de ir além do óbvio. Assim, para que não se fique inerte, conformado, anestesiado diante das mazelas provocadas pelo atual estágio do capitalismo, vê-se como caminho o rompimento com uma política que desvaloriza o conhecimento e o superficializa-o, partindo-se do estudo aprofundado de trabalhos de psicólogos e educadores marxistas que compreendem a escola (e a Universidade) como uma instituição de socialização das formas mais desenvolvidas e mais ricas de conhecimento humano. Nesse aspecto, a Psicologia Histórico-Cultural iniciada por L. S. Vigotski auxilia na superação ou se contrapõe a estes ideários que desconsideram a historicidade dos fenômenos humanos. Por isso a necessidade no Grupo de Estudos de se recuperar as categorias marxistas para o entendimento da Psicologia Histórico-cultural, vinculando-as aos conceitos de Vigotski, Leontiev e Luria, bem como seus continuadores como Davidov, Elkonin, Shuare, Zaporozéths, entre outros que tem como finalidade propor uma Psicologia baseada no marxismo. Especificamente, como exemplo da produção realizada pelos participantes do GE no primeiro semestre de 2012, está o conjunto de trabalhos que serão apresentados nesta sessão coordenada, os quais buscam sistematizar o desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores, a partir dos fundamentos da Psicologia Histórico-Cultural e do materialismo histórico-dialético. Compondo a sessão temos, pois, os seguintes trabalhos: A formação das funções psicológicas superiores, Estudos acerca da Sensação a partir da Psicologia Histórico-Cultural, Desenvolvimento da Percepção: apontamentos a partir da Psicologia Histórico-Cultural e Desenvolvimento da atenção voluntária para a psicologia históricocultural. Espera-se, ao longo do tempo que o LAPSIHC se consolide como Núcleo de Pesquisa e que possa obter apoio institucional de modo a ter um espaço para suas atividades, o qual sirva de estrutura para os estudos lá desenvolvidos, contribuindo para a organização de atividades de pesquisa, ensino e extensão não só no âmbito da graduação quanto da pósgraduação. Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ Referências Duarte, N. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. (2002). Campinas, SP: Autores Associados. Leontiev, Alexis. O Desenvolvimento do Psiquismo. (1978). São Paulo: Editora Moraes. Markus, Gyorgy. A Teoria do Conhecimento no Jovem Marx. (1974). Trad. Carlos Nelson Coutinho e Reginaldo Di Piero. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Marx, k. & engels, F. A Ideologia Alemã. (1991). 8º Ed. São Paulo: Editora Hucitec. Trad. José Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira. Tuleski, S. C. Vygotski: A Construção de uma Psicologia Marxista. (2008). Maringá: Eduem. Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ Apresentação 1 A FORMAÇÃO DAS FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES Gustavo Lacatus da Costa de Oliveira * Luzia Pedro da Silva Maria Aparecida Santiago da Silva Naiara Valdelaine Balduino Taiane do Nascimento Andrade Lenita Gama Cambaúva O presente trabalho resulta das atividades do Grupo de Estudos em Psicologia Histórico Cultural da Universidade Estadual de Maringá (UEM), que tem o objetivo de aprofundar os estudos por meio da leitura e discussão das obras clássicas dos fundadores da Psicologia Histórico-Cultural: L. S. Vigotski (1896-1934), A. R. Luria (1902-1977) e A. N. Leontiev (1903-1979). O objetivo deste trabalho é apresentar, de forma geral, como se dá a formação do psiquismo humano. Propõe-se uma discussão histórica sobre o desenvolvimento humano a partir do exercício metodológico do Materialismo Histórico Dialético, cujos pressupostos filosóficos e epistemológicos fundamentam a Psicologia Histórico-Cultural. De acordo com esta proposta, o comportamento humano só pode ser compreendido a partir da análise histórica, considerando que o homem se constrói no interior das relações sociais de produção que estabelece em sociedade. Sendo assim, comprometido com as transformações sociais que aconteciam na Rússia, no projeto de uma nova sociedade junto ao de um novo homem – o comunista -, Vigotski deparou-se com a necessidade de empreender o desenvolvimento do país de um modo geral, formando indivíduos autônomos capazes de dominar o processo de trabalho e suas próprias condutas (Shuare, 1990; Tuleski, 2008). A partir dos pressupostos do Materialismo Histórico Dialético, o projeto da nova psicologia objetivava superar o determinismo biológico da sua época para construir uma ciência psicológica compatível com as transformações históricas. O determinismo da velha psicologia ceifava as possibilidades de transformação e revolução da condição humana e, para Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ romper com esta concepção, foi necessário “criar a consciência da transformação da qual o homem é sujeito e objeto” (Tuleski, 2008, p. 120). Desse modo, na época revolucionária de Vigotski e de seus colaboradores, acreditava-se que a transformação do comportamento humano, das atitudes e valores só seria possível à medida que a prática social mudasse efetivamente de uma sociedade burguesa para uma comunista. Assim, a vivência de relações diferentes determinaria a revolução nos modos de agir e pensar em sociedade e as mudanças destas impulsionariam à transformação das relações sociais. A psicologia, com base marxista, opondo-se à psicologia fisiológica reducionista, buscou delinear as convergências e divergências entre o homem e o animal, mostrando que o desenvolvimento histórico se sobrepõe ao biológico. Para demonstrar tal afirmação sobre o desenvolvimento, Vygotsky e Luria (1996), apresentam três linhas principais de desenvolvimento: a evolutiva, marcada pela constante mudança no comportamento da humanidade a partir da invenção e do uso de ferramentas, criando e recriando instrumentos que servem como extensão aos seus órgãos naturais; histórico-social, iniciada pelo trabalho e pelo desenvolvimento da fala humana e outros signos psicológicos, que resultou na transformação do homem primitivo no homem cultural moderno; e ontogenética que é o desenvolvimento individual de uma personalidade específica, quando o comportamento da criança baseado na aquisição de habilidades e em modos de comportamento e pensamento cultural desenvolve os processos de crescimento e maturação orgânica. Cada processo de desenvolvimento prepara dialeticamente o seguinte, transformando-o em um novo tipo de desenvolvimento. Neste sentido, o desenvolvimento do comportamento humano em relação ao animal ocorreu por meio de um salto qualitativo do biológico ao histórico, ou seja, o comportamento do homem é condicionado primordialmente pelas leis do desenvolvimento histórico da sociedade e não pelas leis da evolução. Esta concepção supera a ideia da psicologia tradicional de que o homem é apenas produto da evolução biológica e de que a diferença do comportamento da criança e do adulto é somente quantitativa (Vygotsky & Luria, 1996). Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ Os referidos autores pontuaram certas divergências e convergências entre o homem e o animal, também o fizeram em relação ao homem primitivo e o moderno, salientando o alto grau de desenvolvimento dos órgãos de percepção nos primitivos, devido à necessidade imediata de sobrevivência. Assim, contrariam a ideia de que as funções psicológicas são dadas desde o nascimento e afirmam o inverso, que são desenvolvidas a partir da necessidade de sobrevivência, de organização e relação com outros homens e com a natureza. Portanto, a hominização é resultado da passagem da sociedade primitiva para a sociedade organizada pelo trabalho social, sendo que esta passagem modificou a natureza do homem, que passou a ter seu desenvolvimento submetido às leis sócio-históricas e não mais às leis biológicas. Leontiev (1978) também aborda a questão do trabalho no desenvolvimento humano, quando afirma que o trabalho não apenas modifica a estrutura geral da atividade humana, como também não engendra unicamente ações orientadas para determinados fins, mas transformam qualitativamente as atividades (operações) no processo de trabalho. Tal transformação efetua-se com o desenvolvimento dos instrumentos de trabalho. Esses instrumentos auxiliam a realização das atividades e são objetos com o qual se realiza uma ação, operação do trabalho. Fazer e utilizar um instrumento de trabalho exige a consciência do fim da ação e de suas propriedades objetivas. “Assim é o instrumento que é de certa maneira portador da primeira verdadeira abstração consciente e racional, da primeira generalização consciente e racional” (Leontiev, 1978, p. 82). O instrumento não é somente particular e determinado por suas características físicas, mas é também um objeto social, pois foi elaborado socialmente no decurso do trabalho coletivo, é produto de uma experiência social do trabalho. Leontiev (1978) descreveu o pensamento como o processo de reflexo consciente da realidade, nas suas propriedades, ligações e relações objetivas, incluindo os objetos inacessíveis à percepção sensível imediata. A mediação se caracteriza como a via do pensamento, e esse é indispensável na tomada de consciência, que só se realiza no processo do trabalho, através da utilização dos instrumentos com os quais os homens agem sobre a natureza. A consciência, é portanto, o reflexo da realidade, a forma histórica concreta do psiquismo humano. Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ A consciência da realidade opera através da linguagem, que assim como a consciência, é produto da coletividade humana e só aparece a partir do processo do trabalho, da necessidade de comunicação entre os homens. A linguagem é a consciência prática e real e não desempenha apenas o papel de comunicação entre os homens, ela é também uma forma de consciência e pensamento humano. Vygotski (2000) pontua a similaridade entre signo e ferramenta, uma vez que ambos possuem a função mediadora na atividade do homem. Também diferencia os instrumentos dos signos, na qual os primeiros dirigem-se para a atividade exterior do homem, orientada para a modificação da natureza e, por sua vez, os signos agem sobre a conduta, na atividade interior do homem. Para o autor há uma reciprocidade entre o domínio da natureza e da conduta, devido à relação dialética entre a transformação da natureza pelo homem e a modificação da sua própria natureza humana (Vygotski, 2000). É possível observar que o comportamento humano vai sendo determinado culturalmente e é originado primordialmente no aperfeiçoamento de signos externos, métodos externos e modos de vida desenvolvidos em determinado contexto social, sob pressão das necessidades técnicas e econômicas, ou seja, o aperfeiçoamento vem de fora, determinado pela vida social do grupo ao qual o indivíduo pertence. Dialeticamente, na medida em que o desenvolvimento humano se complexifica, por meio do desenvolvimento e uso dos instrumentos psicológicos, as funções psicológicas também ficam mais complexas, tomando caráter de funções psicológicas superiores, o que caracteriza a diferença qualitativa entre o homem e o animal. Desse modo, pode-se afirmar que o processo de evolução se dá pela transmissão das aquisições humanas, de geração em geração, ou seja, cada geração se apropria dos conhecimentos cristalizados nos produtos materiais ou intelectuais deixados pela geração anterior (Leontiev, 1978). Tanto para Vygotski (2000) quanto para Leontiev (1978) a história do comportamento humano seria a história dos signos produzidos pela humanidade. Os signos servem como instrumentos coletivos que objetivam o domínio do comportamento do próprio homem, assim como a técnica serve para o domínio da natureza. De acordo com Leontiev Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ (1978), o “indivíduo aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana” (p. 285). Uma das questões presentes na sociedade soviética era a de formar as novas gerações embasadas em um projeto socialista. Desta maneira, Vygotski vai se aprofundar nos estudos de como desenvolver na criança recém-nascida, na qual imperam as funções elementares e biológicas, atitudes e comportamentos necessários ao homem da nova sociedade. Para isso é fundamental entender como a criança se apropria dos instrumentos culturais e simbólicos da sociedade. A principal diferença do homem primitivo e da criança é que a criança já nasce em um ambiente cultural-industrial, portanto ocorre um processo de integração ao contexto cultural, desenvolvendo mecanismos e funções específicas necessárias à sobrevivência no ambiente. Ao tratar do desenvolvimento, marcado pela crescente superação por incorporação das funções elementares, Vigotski (1996) afirma que há uma distinção no papel das funções psicológicas superiores e elementares no desenvolvimento da personalidade do homem. Dito de outra forma, a psicologia vigotskiana ao analisar o processo de formação das funções psicológicas superiores, compreende que estas independem e superam as funções biológicas, o que garante nesta perspectiva teórica, a centralidade do desenvolvimento da linguagem e do pensamento como um processo caracteristicamente humano. Deveras, a linguagem reestrutura o pensamento, conferindo, através do pensamento verbal, novas formas de relação com outras funções e transformando-as. O que em um momento foi utilizado como forma de interferência no comportamento e conduta de terceiros, passa a ser utilizado para o controle do comportamento próprio. Assim, percebe-se a importância atribuída por Vigotski à educação, vista como um meio de se desenvolver as funções psicológicas superiores. Tendo isto em vista, percebe-se que a transição das funções elementares às superiores se dá por meio da aquisição de meios, signos e conhecimentos científicos que possam mediar a ação humana, por exemplo, por meio da linguagem, escrita, formação da atenção voluntária, da memória lógica, do pensamento abstrato, formação de conceitos, entre Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ outros. Essa teoria era então tida pela sociedade soviética, inclusive por Vigotski, como um meio para a superação dos problemas encontrados na época (Tuleski, 2008). Conclui-se, portanto, que não há como negar que as origens da vida consciente e do pensamento abstrato estão submetidas às condições de vida social e às formas históricas de vida da espécie humana. As funções psicológicas superiores são mediadas principalmente pela linguagem e pelo pensamento, sendo historicamente mutáveis, uma vez que possibilitam ao homem a apropriação de conceitos e signos originários da vida social humana. Referências Leontiev, A . (1978). O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizontes Ltda. Tuleski, S. C. (2008). Vygotski: a construção de uma psicologia marxista. 2. ed. Maringá: Eduem. Shuare. (1990). M. La psicologia soviética tal como yo la veo. Moscou: Editorial Progresso. Vigotski, L. S. (1996). Sobre os sistemas psicológicos. In.: Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1996, pp. 103 – 135. Vygotski, Lev Semiónovich. (2000). Método de investigación. In. Obras Escogidas III. Madrid: Visor, p. 47 – 96. Vygotsky, L. S. & Luria, A. R. (1996). Estudos sobre a história do comportamento: símios, homem primitivo e criança. Porto Alegre: Artes Médicas. Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ Apresentação 2 ESTUDOS ACERCA DA SENSAÇÃO A PARTIR DA PSICOLOGIA HISTÓRICOCULTURAL Marta Chaves Jéssica Elise Echs Lucena Fernanda Santos de Castro Marco Antonio Lima Rizzo * Rhayane Lourenço da Silva A Psicologia Histórico-Cultural considera o desenvolvimento do psiquismo humano a partir das elaborações do Materialismo Histórico desenvolvido por K. Marx (1818-1883) e F. Engels (1820-1895). Dessa forma, compreende-se o ser humano enquanto ser histórico e, portanto, social o que significa afirmar que as condições históricas concretas são determinantes no curso do processo de desenvolvimento psíquico de cada indivíduo. Nesse sentido os autores fundadores da Psicologia Histórico-Cultural, L. S. Vigotski (1896-1934), A. R. Luria (1902-1977) e A. N. Leontiev (1903-1979), destacam a existência de determinadas funções psicofisiológicas específicas do homem. Estas se referem à forma de vida superior do organismo, a vida mediatizada pelo reflexo psíquico da realidade. Vygotsky (1996) destaca que tais funções, denominadas por ele como Funções Psicológicas Superiores, não seriam uma simples continuação do desenvolvimento das funções biológicas elementares, mas estariam sobrepostas a elas e seriam produto do desenvolvimento histórico da humanidade. Ao internalizar as relações sociais a criança se desenvolve e se transforma em um membro da sociedade na qual esta inserida, portando e reproduzindo características, faculdades e comportamentos humanos produzidos historicamente. Os estágios sucessivos no seu desenvolvimento seriam graus diferentes dessa transformação (Leontiev, 1978). Dessa forma, Vygotsky (1996) afirma que no processo de desenvolvimento da criança há o surgimento de novas formas de relações quando esta passa de uma idade a outra. Assim, o desenvolvimento psíquico se baseia antes na evolução da conduta e dos interesses da criança, Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ nas mudanças que se produzem na estrutura e orientação do comportamento por meio dos determinantes culturais. Estas mudanças estariam, desta forma, relacionadas às condições objetivas de vida e à modificação do lugar que a mesma ocupa no sistema das relações sociais. Finalizada a exposição dos fundamentos teóricos e metodológicos, ressaltamos que este resumo tem por objetivo apresentar uma sistematização a respeito do desenvolvimento das sensações, aqui entendidas enquanto função psicológica superior do desenvolvimento humano. Esta pesquisa, cuja temática central é o estudo das sensações, desenvolve-se a partir da revisão bibliográfica de fontes primárias dos autores da Psicologia Histórico-Cultural (Vigotski, Luria e Leontiev) bem como de alguns continuadores, realizada por meio de leitura coletiva de um grupo de estudos, caracterizado como Projeto de Ensino vinculado à Universidade Estadual de Maringá, ao Departamento de Psicologia e ao Laboratório de Psicologia Histórico Cultural – LAPSIHC. concepção das abordagens teórico-metodológicas hegemônicas, as sensações são compreendidas como simples reações a estímulos da realidade. Nesse sentido, Luria (1991) discute que a teoria receptora das sensações entende que os órgãos dos sentidos reagem passivamente aos estímulos. Ao contrário disso, uma compreensão marxista do homem como um ser ativo, e não simplesmente um receptáculo da realidade concreta, difere dessa proposição. Luria (1991) compreende as sensações como possuidoras de um caráter ativo e seletivo. Para Luria (1991) um estudo sobre a evolução dos órgãos dos sentidos evidencia que órgãos especiais dos sentidos se formaram durante um longo processo de desenvolvimento histórico, e que eles se tornaram capazes de refletir formas objetivas de movimento da matéria. Nesse processo histórico, são as qualidades específicas do mundo exterior que desenvolvem as especificidades dos órgãos dos sentidos (Petrovski, 1980). Dessa forma, a compreensão do caráter ativo das sensações é justificada pela constatação de que delas participam componentes motores, como por exemplo, os receptores da pele refletem os Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ estímulos mecânicos, os receptores auditivos refletem oscilações sonoras, os receptores visuais refletem diapasões das oscilações eletromagnéticas, etc. (Luria, 1991). Partindo de tal compreensão, para que uma determinada sensação efetive-se, é preciso que o organismo seja submetido ao estímulo material correspondente, e que este aja nesse sentido, uma vez que os órgãos do sentido estão intimamente ligados com os órgãos de movimento (Petrovski, 1980). Isso significa que a sensação não é apenas uma imagem sensitiva, mas que somente se caracteriza como uma função psicológica se existe uma reação recíproca do organismo ao estímulo sensitivo (Petrovski, 1980). Luria (1991) classifica sistematicamente as sensações em interoceptivas, proprioceptivas e extraceptivas. As sensações interoceptivas se referem aos estímulos provenientes do interior do organismo, as proprioceptivas aos estímulos que informam sobre a posição do corpo no espaço e as extraceptivas são as sensações que garantem as informações sobre o mundo externo, de acordo com o autor, afirma que estas constituem a base do comportamento consciente (Luria, 1991). As sensações interoceptivas apresentam similaridade com os estados emocionais e são as menos conscientes e as mais difusas. Essas sensações podem aparecer nas formas de pressentimentos, em forma de sonhos, e se referem a mudanças pouco conscientizadas (Luria, 1991), como por exemplo, em uma criança que está com cólica, mas como não tem consciência dessas mudanças interoceptivas, chora diante do descontrole da situação. Segundo Luria (1991), a importância de tais sensações está ligada a regulação dos processos de metabolismo e de homeostase do organismo e desempenha papel fundamental na medicina denominada psicossomática2 As sensações exteroceptivas são classificadas em: olfato, paladar, tato, visão e audição. Luria (1991) discute que as sensações olfativas e gustativas são mais subjetivas, relacionadas às emoções, e as sensações visuais e auditivas possuem caráter mais objetivo e diferenciado, já as sensações táteis teriam caráter duplo, pois estariam relacionadas a sensações de frio, calor, dor; como as primeiras; e também a sensações de dimensões, forma, 2 Estudo da relação dos estados psíquicos com os processos somáticos e viscerais (Luria, 1991). Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ disposição; como as segundas. Porém, Luria (1991) comenta sobre outras duas categorias das exteroceptivas: as sensações intermediárias; como por exemplo, a sensação vibrátil pelos ossos do crânio; e os tipos não específicos de sensação; por exemplo, o sentido de distância do cego. Nesse sentido, entende-se o quanto as distintas sensações são fundamentais para o complexo processo da percepção, e que as duas operam em conjunto. O processo da percepção requer a discriminação de indícios relevantes em conjunto com a abstração de indícios não existentes, unificação dos indícios principais e a comparação com os conhecimentos adquiridos anteriormente sobre o objeto, se houver correspondência nessa comparação, então ocorre a identificação (Luria, 1991). Segundo Petrovski (1980, p. 223, tradução nossa) a percepção é definida pela “imagem de objetos ou fenômenos que se criam na consciência do indivíduo ao atuar diretamente sobre os órgãos dos sentidos, processo durante o qual se realiza ordenamento e associações das distintas sensações em imagens integrais de coisas e fatos”. Segundo Leontiev (1978) toda função se reorganizaria no interior do processo que ela realiza, desse modo, o desenvolvimento das sensações está ligado ao processo de desenvolvimento dos processos da percepção orientada. Por tal razão, as sensações devem ser ativamente educadas na criança. Assim, os progressos de desenvolvimento de tais funções seriam possíveis somente quando ocuparem um lugar determinado na atividade, ou seja, quando elas entram numa operação em que seja requerido um nível de desenvolvimento determinado para sua execução. Assim, atenta-se para o funcionamento em conjunto das funções psicológicas superiores. No ser humano, as imagens e representações concretas também possuem papel importante na regulação e orientação da conduta, como por exemplo, a luz do semáforo que é um sinal excitante para que o condutor de automóveis realize uma série de atos motores, no sentido de parar o carro (Petrovski, 1980). Dessa forma, compreende-se a importância do estudo das sensações no sentido de subsidiar a prática profissional dos educadores em geral, para incidir ativamente no desenvolvimento do autocontrole da própria conduta dos Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ indivíduos e de sua autonomia, e assim, possibilitar que individualidades em si se transformem em individualidades para si, como apresenta Duarte (1999) em seus estudos, baseando-se nessas categorias do marxismo. Com isto entende-se a importância e a necessidade de um processo de educação ativo que proporcione à criança a apropriação das elaborações humanas mais desenvolvidas e assim, conduza seu desenvolvimento. Pressupõe-se, a partir da tese de que o homem nasce com todas as características biológicas necessárias para, em um processo social e ativo, um desenvolvimento sócio-histórico ilimitado (Leontiev, 1978). Portanto, com a internalização das relações sociais, de processos humanos constituídos na vida em sociedade, que ocorrerá o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, em um processo sempre ativo, tornando-se capaz de interpretar a realidade e acessar a gama de sensações humanas que se desenvolvem a partir das condições de vida e das exigências da atividade prática. Referências Duarte, N. (1999). Individualidade para-si: contribuição a uma teoria históricosocial da formação do indivíduo. Campinas: Autores Associados. Leontiev, A. (1944/1978). O Desenvolvimento do psiquismo na criança. In Leontiev, A. (1978). O desenvolvimento do psiquismo (pp. 305-333). Lisboa: Livros Horizonte. Luria, A. R. Sensações. In___. Curso de Psicologia geral (pp. 1-36, volume II). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Petrovski, A. (1980). Psicologia General: Manual didáctico para los Institutos de pedagogia. Moscú: Editorial Progesso. Vygotsky, L. S. (1996). Obras Escogidas: psicologia infantil. Tomo IV. Madrid: Visor. Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ DESENVOLVIMENTO DA PERCEPÇÃO: APONTAMENTOS A PARTIR DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL Adriana de Fatima Franco Cássius Marcelus Tales Marcusso Bernardes de Brito Paulo Sérgio Pereira Ricci* Thaís Costa Gonzalez de Brito Beatriz Moreira Bezerra Vieira Rafael Iglesias Menezes da Silva Diego Augusto dos Santos Leonardo Amorim Egea Garcia Este texto, de natureza bibliográfica, tem como objetivo analisar o conceito de percepção apresentado pela Psicologia Histórico-Cultural e refletir sobre a sua importância para o processo de aprendizagem. Consideramos que a percepção, assim como as demais funções psíquicas superiores, possui participação fundamental no processo de aprendizagem. Buscaremos questionar o entendimento que predomina em nossa sociedade quanto ao seu processo de desenvolvimento. Para tanto iniciaremos com uma metáfora a partir da obra apresentada por José Saramago (1995). Em seu Ensaio sobre a Cegueira, o autor nos chama a atenção para a complexa forma como, por meio da percepção, nós, seres humanos, nos orientamos em um mundo produzido por nós mesmos. Com a epígrafe “se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”, Saramago sintetiza o que, por meio de um magistral manejo metafórico, percorrerá todo o seu livro: as profundas alterações que ocorrem na organização da vida de uma grande cidade a partir de uma epidemia de cegueira. A visão humana (ou a sua falta) serve de exemplo para Saramago problematizar questões que são caras à ciência psicológica, dentre as quais destacamos a percepção humana como resultado de uma complexa relação entre os sujeitos e o contexto social onde vivem. O estudo da percepção humana está tradicionalmente baseado na investigação de como o corpo humano capta os estímulos do meio externo, os conduz por vias fisiológicas, neurosensitivas até o córtex cerebral, onde estes estímulos serão codificados, associados e Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ combinados em imagens integrais (Luria, 1991). O que, contudo, não é tão comum nas investigações sobre a percepção é a consideração daquilo que ela, na medida em que é humana, tem de específico. Como diz Leontiev (2004, p. 279), “o homem é um ser de natureza social, [e] tudo o que tem de humano nele provem da sua vida em sociedade, no seio da cultura criada pela humanidade”. Isto quer dizer que as leis que regulam a atividade perceptiva humana não se limitam a leis biológicas, mas às leis de desenvolvimento sóciohistórico, uma vez que a própria realidade a ser percebida é produzida pela atividade conjunta de toda humanidade em seu processo de desenvolvimento ao longo da história. Entendemos que a Psicologia Histórico-Cultural, enquanto concepção psicológica de análise do homem em sua concretude, ou seja, em sua relação com a realidade histórica, nos fornece instrumentos teóricos para empreender um processo de investigação a respeito da percepção humana para além de seus aspectos biológicos, superando uma compreensão naturalizada de desenvolvimento humano. Tal concepção se apoia na tese de que, como todas as funções psicológicas superiores, a percepção humana é resultado de um processo de desenvolvimento das relações que cada indivíduo estabelece com o contexto social no qual está inserido desde o nascimento. A percepção humana é explicada por Luria (1991), como uma função de caráter complexo, ou seja, é uma função psicológica superior, que permite ao homem captar e compreender a realidade. Nesse sentido, não pode ser considerada apenas como a soma de sensações isoladas, ou simples resultado de associações. A percepção pressupõe um reconhecimento dos objetos percebidos, sua comparação a conhecimentos anteriores, e por fim a identificação, isto é a conceituação, nominação e categorização desses mesmos objetos. É evidente que, neste processo, o desenvolvimento da percepção está intimamente relacionado com a linguagem, que, por sua vez, ao permitir a análise e a consequente categorização do que é percebido, estabelece as relações com outras funções psicológicas, como a atenção, o pensamento a memória, entre outras. Nessa direção, pontuamos que para a Psicologia Histórico-Cultural, as funções psicológicas devem ser compreendidas em relação umas com as outras e, principalmente, em Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ íntima relação ao desenvolvimento da linguagem como materialidade viva que articula as relações sociais. Esse aspecto permite o reconhecimento de que, tendo como base as funções psicológicas elementares, as funções psicológicas superiores são coordenadas pela consciência (Vigotski, 2002). Na medida em que integra o conjunto das funções psicológicas superiores, a percepção de cada indivíduo se desenvolve a partir da maneira pela qual ele se apropria do conteúdo cultural existente no contexto social em que está inserido, sendo que essa apropriação pressupõe a participação de outro humano nesse processo de desenvolvimento (Leontiev, 2004). Dessa maneira, a percepção deixa de ser entendida como um processo passivo de reflexo de estímulos isolados da realidade e passa a ser entendida como um aspecto particular de um processo mais geral de apropriação dos conteúdos culturais que dão ao homem, sua especificidade humana. Segue dizendo Leontiev: as aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas não são simplesmente dadas aos homens nos fenômenos objetivos da cultura material e espiritual que os encarnam, mas são aí apenas postas. Para se apropriar destes resultados, para fazer deles as suas aptidões, ‘os órgãos da sua individualidade’, a criança, o ser humano, deve entrar em relação com os fenômenos do mundo circundante através de outros homens, isto é, num processo de comunicação com eles. Assim, a criança aprende a atividade adequada. Pela sua função este processo é, portanto, um processo de educação (2004, p. 290). Podemos considerar por consequência desse pressuposto, que a percepção humana vai se tornando uma função complexa e consciente pela apropriação cultural. Na concepção de Vigotski (2002), a percepção humana se distancia da percepção primitiva, pois esta é dissociada da palavra. Com o desenvolvimento conceitual e a tomada de consciência das significações humanas, os processos psíquicos dos indivíduos se elevam a um nível superior. Nesse nível a percepção dos objetos passa a ser orientada e expressa por meio do significado das palavras, caracterizando uma atividade psíquica de ordem superior. Desta forma, a Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ discussão acerca do desenvolvimento da percepção está indubitavelmente ligada ao tema do desenvolvimento da consciência. A mediação do adulto é condição para o desenvolvimento da percepção enquanto função psicológica superior. Ressaltamos a importância da linguagem neste processo. Essa concepção tem sua defesa no que expõe Martins (2011, p. 109): Da mesma forma que a constância, a unidade entre percepção e significado também carece de expressão na percepção da criança pequena. O vínculo entre percepção e significado é uma peculiaridade própria à percepção do adulto. Assim, a conquista de significação, ou seja, a busca desse vínculo é um traço característico da percepção infantil. Na percepção desenvolvida nada é ‘primeiro’ captado sensorialmente para ‘depois’ ser nominado e interpretado. Isso ocorre ao mesmo tempo e em unidade, tornando impossível a separação entre a percepção do objeto como tal e o significado que o objeto possui, isto é, entre percepção imediata e a percepção categorial, de forma que a posse da significação do objeto se torna variável altamente interveniente na qualidade da percepção. Se, por um lado, o aparato anatômico-fisiológico é a base biológica sem a qual a percepção humana é impossível, por outro lado, é preciso ter em conta que, justamente pela íntima relação que estabelece com a linguagem como forma material de relacionamento dos seres humanos entre si, a percepção é qualitativamente transformada por ganhar determinações de origem social que estão ausentes no nível animal (Luria, 1991). A vida social é mediada por significados e o desenvolvimento da percepção acontece por meio da apropriação destes significados por cada indivíduo. A problemática da significação e do significado ganha importância central na investigação da percepção humana como uma totalidade. Isso porque, como diz Vigotski, a comunicação humana, “estabelecida com base em compreensão racional e na intenção de transmitir ideias e vivências, exige necessariamente um sistema de meios cujo protótipo foi, é e continuará sendo a linguagem humana, que surgiu da necessidade de comunicação no processo de trabalho” (Vigotski, 2002, p. 11). Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ A linguagem, neste contexto, não se restringe apenas ao seu aspecto externo, isto é, de transmitir ideias e vivências, mas refere-se também ao seu caráter interno como conteúdo da percepção e do pensamento de cada indivíduo em suas situações de vida. Além da função comunicativa, a linguagem tem também a característica de constituir o conteúdo da elaboração mental e, por isso, retroage sobre a percepção qualificando-a e dando impulso ao seu processo de desenvolvimento. Do exposto podemos considerar a existência de uma relação dialética entre percepção e linguagem. Pontuamos que linguagem é aqui considerada como sendo um construto humano de conceituação do mundo. A linguagem permite ao homem alcançar graus de abstração, ao ponto de significar o mundo. O significado das palavras é, portanto uma abstração da realidade concreta que permite ao homem entrar em contato, conceituar, entender e interpretar a realidade na qual vive. Nesse entendimento, o homem por meio da percepção não acessa de modo direto um mundo de coisas e elementos isolados. Mas percebe um mundo carregado de significado, ou seja, um mundo de significações e abstrações humanas (Vigotski, 2002). Destacamos que para o autor, o significado das palavras só se realiza, com o desenvolvimento dos conceitos científicos. No modelo de sociedade atual, esses só são possíveis de serem desenvolvidos por meio da Educação Escolar. Consideramos que o desenvolvimento dessas funções ocorre sob a forma de unidade, sendo necessário, portanto para a compreensão da função da percepção o entendimento do desenvolvimento da linguagem. Nesse sentido, defendemos a importância de apropriações culturais para o desenvolvimento do homem, em nível geral, e de sua percepção em nível particular. Os estudos realizados pelos teóricos da Psicologia Histórico-Cultural compreendem que a percepção, como função psicológica superior, é específica do homem e, desenvolvida socialmente, contrapondo-se a qualquer forma de naturalização do psiquismo humano. Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ Nesta direção, a Educação Formal possui papel fundamental, pois, como já evidenciado irá possibilitar o desenvolvimento dos conceitos científicos nas crianças. Tal desenvolvimento acarretará em mudanças qualitativas no funcionamento mental, possibilitando que funções psicológicas, como a percepção, superem seu nível elementar transformando-se em funções psicológicas superiores. Referências Leontiev, A. N (2004). O Homem e a Cultura. In: Leontiev, A. N. O Desenvolvimento do Psiquismo. São Paulo: Centauro. Luria, A. R. (1991). Percepção. In: Luria, A. R. Curso de Psicologia Geral. V. II. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira. Martins, L. M. (2011). O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico cultural e da pedagogia histórico-crítica. Tese de livredocência. Bauru: UNESP. Saramago, J. (1995). Ensaio Sobre a Cegueira. São Paulo: Companhia das Letras. Vigotski, L. S. (2002). A Construção do Pensamento e da Linguagem. São Paulo: Martins Fontes. Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ Apresentação 3 DESENVOLVIMENTO DA ATENÇÃO VOLUNTÁRIA PARA A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL Henrique Feltrin dos Santos * Maiara Pereira Assumpção Melline Ortega Fagion Rhuana Amos dos Santos Marques Silvana Calvo Tuleski Hilusca Alves Leite Ao tomarmos como referencial a Psicologia Histórico-Cultural - cujos elaboradores foram Vigotski, Luria e Leontiev - compreende-se que as transformações ocorridas no comportamento e subjetividade de cada indivíduo em particular decorrem não somente de sua história de vida, mas da imbricação desta com as relações que o sujeito estabelece com a sociedade, a cultura e a história humana em geral. Neste sentido então, é de fundamental importância esclarecer que as Funções Psicológicas Superiores surgem e se constituem como processos de desenvolvimento a partir das relações sociais de produção em geral e suas implicações na esfera das interações sociais mais próximas a cada indivíduo. Segundo Leite e Tuleski (2011), nos estudos realizados por Vigotski, as funções psicológicas superiores resultam do desenvolvimento das funções psicológicas elementares, sendo estas últimas inatas ao ser humano. Porém, as primeiras que se devolvem para além dos processos biológicos, são constituídas por meio das vivências do indivíduo no interior de uma dada sociedade em um dado momento histórico, pela mediação de outras pessoas. O desenvolvimento do psiquismo humano se dá através das funções psicológicas superiores, sendo construídas por mediações de signos e o uso de instrumentos, tais funções desenvolvem-se através de apropriações que o individuo faz em seu contexto social e sua relação com o meio. Contudo, as funções psicológicas superiores se desenvolvem em conjunto e interligadas como um todo, na qual uma depende na outra, sendo todas são Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ mediadas pela linguagem e se dividem em: sensação, percepção, atenção, memoria e pensamento. Neste trabalho daremos ênfase na atenção. A atenção como caráter seletivo dos processos psíquicos humanos, contribui para a organização do pensamento, é também a atenção que garante a seleção dos estímulos mais importantes para executar determinadas atividades. Na ausência desse organizador psíquico não teríamos comportamentos dirigidos que se voltariam para a solução de problemas do homem (LURIA, 1991). Para Luria (1979) pode-se distinguir o processo de atenção através do volume, estabilidade e oscilações. O primeiro pode ser entendido pela quantidade de sinais recebidos, os quais conseguem permanecer dentro do plano dominante, plano este, que determina a direção da atenção. Em relação à estabilidade, pode-se definir como sendo o tempo de permanência dos estímulos com caráter dominante. Por último, a oscilação determina a mudança ocorrida entre caráter dominante e a perda dele. Existem duas categorias que determinam os fatores e o sentido da atenção, quais sejam: estrutura dos estímulos externos e atividade do próprio sujeito, com bem menciona Luria (1979). A primeira delas está vinculada a percepção do indivíduo e informações exteriores atuantes sobre ele, ao objeto percebido e a estabilidade do processo de atentar-se, processo no qual é organizado pela intensidade do estímulo e a novidade deste, respectivamente. Este fator pode ser explicado pela maneira que o estímulo é apresentado de modo a atrair mais a atenção do sujeito, na qual quando a intensidade desses estímulos é diferente a atenção terá caráter dominante, quando a intensidade desses estímulos apresenta-se como semelhante, a atenção mostra-se com um caráter instável, surgindo às oscilações. A novidade dos estímulos é a diferença existente entre eles. A atenção se dirige não a quantidade de estímulos apresentados, mas sim a sua diferença, pois se em algum evento a recepção de estímulos é alta e conhecida pelo individuo, o mesmo irá dar atenção a um estímulo que se difere dos que já são conhecidos pelo sujeito, de maneira imediata, ou seja, a atenção se volta para o “novo” independentemente da sua intensidade. A segunda categoria está relacionada com a atividade do indivíduo, e volta-se para as necessidades, interesses e objetivos do sujeito, todos construídos de acordo com suas Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ apropriações culturais cada vez mais elaboradas, e não mais como meros instintos de sobrevivência, como nos animais. Uma atividade é sempre orientada por uma necessidade ou um motivo- este que pode ser inconsciente- e busca atingir um objetivo, a isso chamamos de organização estrutural da atividade humana. A execução de uma determinada atividade atrai para si a atenção, quando esta atividade assume um grau de automatização para ser realizada, deixa de assumir um caráter consciente, organizado e passa a ocorrer de maneira que não atrai o sentido da atenção, ou seja, embora o sujeito tenha consciência da atividade que realiza não mais precisa “prender-se” em todos os momentos da atividade, pois já apropriou-se os suficiente dos mecanismos que garantem a execução da mesma. Um exemplo disso seria o ato de dirigir um automóvel. No início, quando ainda em processo de aprendizagem, são muitos os detalhes aos quais o novo motorista deve atentar, é necessário, por exemplo, estar atento as trocas de marchas que devem acontecer quando o veículo atinge determinadas velocidades e exigem coordenação entre os movimentos dos pés e da mão que executa a troca. Vejamos, pois que para cumprir apenas uma etapa do ato de conduzir um veículo são muitos os momentos em que a atenção está presente e quando este processo é internalizado pelo sujeito, dirigir torna-se algo automático e não só não é mais necessário pensar em cada ação realizada como também é possível mudar o foco de atenção para outros eventos. Compreender a organização da atividade e o grau e automatização dela são importantes para compreender os fatores que dirigem a atenção (Luria, 1991). Ao discutir o ato voluntário da atenção, em especial na criança, Leite (2010, p. 95), respaldada nos estudos de Luria (1979), coloca que sua origem encontra-se na comunicação com o adulto e na relação interpessoal existente, pois No inicio, a criança deve se subordinar à instrução verbal do adulto para, nas etapas seguintes, estar em condições de transformar esta atividade “interpsicológica” em um processo “intrapsíquico” de autorregulação. A essência do ato voluntário livre consiste em que sua causa encontra-se nas formas sociais de comportamento. Em outras palavras, o desenvolvimento da ação voluntária da criança começa com um ato prático que a criança realiza por indicação do adulto. Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ Nesta direção, a essência dos atos voluntários encontra-se nas formas de comportamento construídas socialmente e uma ação voluntária tem início com um ato prático realizado pela criança sob orientação de um adulto. Posteriormente, num segundo momento, a criança começa a utilizar sua própria linguagem, seja esta oral, corporal e outras, para realizar uma ação, linguagem essa (externa), que se interioriza, transforma-se em linguagem interna que passará a regular a conduta da criança, uma ação voluntária e consciente, mediada pela linguagem social. Para os autores da Teoria Histórico-Cultural a linguagem é o principal fator para o desenvolvimento dos processos psíquicos do ser humano. Luria (1991, p.72) em seus estudos sobre o processo de evolução intelectual do ser humano ressalta que “a linguagem muda essencialmente os processos de atenção do homem” e considera essa função psicológica superior como importante fator de construção de todo o conjunto da vida consciente do ser humano. Luria (1991) afirma que quando a criança desenvolve a linguagem, suas estruturas intelectuais são “reequipadas” possibilitando que o discurso internalizado passe a compor as estruturas cognitivas o que permite a antecipação da ação por meio do, com isto a atenção converte-se em esquemas intelectuais dirigíveis. A linguagem adquire uma função vital à criança e chegará um momento em que não mais estará desassociada da atividade a ser realizada. E neste sentido, destaca-se a importância da linguagem para o processo de desenvolvimento da atenção voluntária das crianças, desde que a mediação seja de qualidade, e coloca que é nesse momento, que Com 4 e 5 anos já se desenvolveu na criança uma capacidade de atenção relativamente intensa e constante. Ela pode manter-se atenta à fala dos adultos, por exemplo, quando isso lhe interessar. Entretanto, mesmo nessas condições, sua atenção é desviada com facilidade mediante a percepção de outros objetos ou pessoas” (Eidt & Ferracioli, 2007, p.111). Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ Luria (1979) explica que neste período a criança já é capaz de reproduzir em sua mente a imagem de uma ação ou de um objeto, daí a relativa facilidade em cumprir com uma ação designada. No entanto é no período de escolarização que a atenção voluntária irá desenvolver-se de forma qualitativamente superior, isto porque para Vigotski (1988) a aquisição dos conhecimentos científicos transmitidos de forma sistematizada requer a utilização das funções superiores de forma cada vez mais voluntária e consciente. No caso da atenção, podemos citar a título de ilustração que as atividades em sala de aula requisitam constantemente que o aluno seja capaz não apenas de manter-se atento, mas também de realizar mudanças de foco constantes sem perder de vista o objetivo da atividade proposta, caso contrário não se saíra bem. Citamos, por exemplo, que nas séries inicias transpor para o caderno aquilo que a professora escreve no quadro não é tarefa simples, uma vez, que é necessário estar atento ao quadro e ao caderno simultaneamente, atentar-se ainda para a grafia correta das palavras, a pontuação, a posição correta da mão, do lápis, etc. Segundo Eidt e Ferracioli (2007), nos pressupostos de Luria ressaltam que a atenção voluntária somente se completa na fase da adolescência ou na fase adulta, desde que tenha ocorrido um desenvolvimento qualitativo dessa função, que seria o terceiro momento – o intrapsicológico, no qual com essa evolução o homem consegue ter um autocontrole, duração e intensidade da sua atenção consciente. Sendo assim, podemos concluir que é a partir da instrução verbal que a criança orientará sua atenção, entretanto, nos anos iniciais de vida esta ainda coincide com a percepção imediata da criança e, paulatinamente, na medida em que se complexificam as apropriações culturais a atenção torna-se igualmente mais complexa, isto é, um processo voluntário em que o indivíduo consegue controlar para qual(is) foco(s) deve dirigir-se, independente dos estímulos que estejam ocorrendo concomitantemente. Referências Eidt, M. N.; Ferraciolli, U. M. (2007). O ensino escolar e o desenvolvimento da atenção e da vontade: superando a concepção organicista do transtorno de déficit de atenção e Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ hiperatividade (TDAH). In: Arce, A.; Martins, L. (Orgs.) Quem tem medo de ensinar na educação infantil: em defesa do ato de ensinar (pp.107- 111). Campinas: Alínea. Leite, H. A. (2010). O desenvolvimento da atenção voluntária na compreensão da psicologia histórico-cultural: uma contribuição para o estudo da desatenção e dos comportamentos hiperativos. Dissertação (Mestrado em Psicologia – PPI) Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 198 f. Leite, H. A; Tuleski, S. C. (2001). Psicologia Histórico Cultural e desenvolvimento da atenção voluntária: novo entendimento para o TDAH. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional,15(1), 111-119. Luria, A. R. (1979). Curso de psicologia geral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 3. Luria, R. A. (1991). Curso da psicologia geral. 2. ed. Rio de janeiro: civilização brasileira, 1, 71-72.