Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia

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Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia
Psicologia: de onde viemos, para onde vamos?
Universidade Estadual de Maringá
ISSN 1679-558X
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DO PROCESSO DE HOMINIZAÇÃO À HUMANIZAÇÃO: EXPLICITANDO O
CURSO DO DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES PSÍQUICAS SUPERIORES A
PARTIR DOS ESTUDOS DESENVOLVIDOS NO LAPSIHC (LABORATÓRIO DE
PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL)
Eixo Temático: Psicologia e Educação
Coordenadora: Silvana Calvo Tuleski1
Dos propósitos iniciais
Esta sessão coordenada visa apresentar trabalhos desenvolvidos pelos alunos
participantes do Laboratório de Psicologia Histórico-Cultural: Ciência, Arte e Educação
(LAPSIHC). O LAPSIHC foi criado em 2008 visando reunir as diversas atividades de
ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas na abordagem da Psicologia Histórico-Cultural
por professores pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de
Maringá. Um dos princípios adotados pelos integrantes do laboratório assenta-se no
entendimento que a Psicologia, como parte das Ciências Humanas, ao tomar para si a
investigação a respeito da constituição da subjetividade humana como objeto, esta não pode
ser compreendida como apartada das relações sociais de produção e da expressão de tais
relações no âmbito das ideias, ou seja, das teorias. Ao tratar, pois, dos fundamentos da
ciência psicológica, menos ainda deve ficar apartada de suas raízes históricas e de sua
vinculação com a organização social vigente, sendo, pois, produção e produto desta,
expressão das contradições explícitas e implícitas da sociedade contemporânea.
Este caminho, considerando a abordagem teórica da Psicologia Histórico-Cultural,
só é possível quando se compreende as categorias do método materialista-histórico-dialético
e, além disso, quando estas são utilizadas para revelar os fenômenos humanos em sua
essência. A partir deste referencial, entende-se que nem a Ciência – no caso a Psicologia – e
nem a Arte, podem ser apropriadas de maneira puramente abstrata, isto é, desligada da
materialidade que as produz.
1
Doutora em Educação Escolar, Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Estadual de Maringá. E-mail: [email protected].
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Nesta trajetória de cinco anos o LAPSIHC foi se ampliando. Inicialmente era
composto por três Projetos de Pesquisa e um de Ensino, coordenados por docentes do
Departamento de Psicologia, e hoje conta com cinco projetos de pesquisa, quatro de
professores do Departamento de Psicologia e um do Departamento de Teoria e Prática da
Educação, além de um Projeto de Ensino. Em 2009, vinculado ao LAPSIHC, passou a ser
organizado o Grupo de Estudos em Psicologia Histórico Cultural, que atualmente conta com
um total de aproximadamente 25 membros, integrando estudantes da graduação e pósgraduação em Psicologia e outras áreas, sob a supervisão e acompanhamento dos professores
do Departamento de Psicologia e Educação da UEM, que o integram.
É importante destacar que todos os trabalhos agregados ao LAPSIHC possuem,
como objetivo geral, relacionar as categorias do Materialismo Histórico Dialético
evidenciando-as como base dos conceitos da Psicologia Histórico-Cultural, possibilitando a
análise das correntes teóricas dentro da Psicologia, Educação, bem com as diversas
expressões na esfera das Artes como produções humanas, historicamente datadas.
Dos objetivos aos fundamentos e seus desdobramentos
Feita a breve explanação acima, entende-se como fundamental elencar os objetivos
que norteiam os estudos nos projetos em geral e mais especificamente do Grupo de Estudos
do LAPSIHC, cujos trabalhos desenvolvidos no primeiro semestre de 2012 comporão esta
sessão coordenada.
Além do objetivo mais amplo já descrito anteriormente, destacam-se outros, tais
como: Evidenciar a arte e a ciência como conhecimentos elaborados produzidos pelo homem;
Caracterizar o atual estágio capitalismo e suas repercussões na constituição da subjetividade
dos indivíduos e nos próprios movimentos dentro da ciência e da arte; Estudar as categorias
do método materialista histórico e dialético a partir dos clássicos do marxismo como Marx,
Engels, Lênin, e; Analisar as implicações da retirada dos fundamentos marxistas da obra dos
teóricos da psicologia Histórico-cultural, na contemporaneidade.
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Busca-se evidenciar que a adoção do referencial teórico do materialismo-histórico
não só impele o pesquisador ao recuo necessário ao passado para o entendimento das
concepções teóricas que se configuram na atualidade - que, em determinados momentos
atingem uma projeção no meio acadêmico -, como também desafia a uma análise radical (que
vai às raízes) do que é colocado como novo ou como novidade pelos paradigmas pósmodernos. Como Marx e Engels (1991) propõem, a análise deve ultrapassar a aparência dos
fatos e fenômenos e permitir que se alcance a essência dos mesmos.
Reportando-se às teses marxistas para a análise da sociedade capitalista, Duarte
(2002) explica que as relações particulares e locais entre as pessoas, comuns nas sociedades
pré-capitalistas vão sendo substituídas por relações universais, despersonalizadas, mediadas
unicamente pela mercadoria e, principalmente, pelo seu equivalente universal, o dinheiro.
Esta separação entre trabalho e capital, na qual o trabalhador passa a ser somente alguém que
possui sua força de trabalho e precisa vendê-la ao capital para sua sobrevivência vai
desapropriando, gradativamente, o trabalhador do conhecimento da relação de seu trabalho
com a produção. Assim, o trabalhador, no capitalismo, vai deixando de ser alguém que possui
um conhecimento e uma experiência de trabalho específica, singular, para se transformar em
alguém que possui uma capacidade de trabalho abstrata, geral, indiferente ao conteúdo
concreto da atividade de trabalho e, portanto, capaz de adaptar-se às mudanças constantes do
mercado de trabalho.
A alienação é, portanto, entendida como a não-efetivação, na vida dos indivíduos,
das conquistas já efetuadas historicamente pelo gênero humano (MARKUS, 1974). Por outras
palavras, podemos dizer que a alienação consiste em um distanciamento, uma ruptura e um
conflito entre a riqueza material e intelectual do ser humano e a vida de cada pessoa. O ser
humano, a humanidade vem enriquecendo-se ao longo da história, mas isso não se traduz em
enriquecimento da vida de cada ser humano. As pessoas, na sua grande maioria, vivem em
condições muito aquém daquilo já alcançado pelo gênero humano em termos do seu
enriquecimento. Como afirmou Leontiev (1978), na sociedade de classes, a grande maioria
das pessoas somente tem acesso à riqueza material e intelectual dentro de limites miseráveis,
o que limita em diversos aspectos o desenvolvimento das funções psicológicas.
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Este patrimônio material e espiritual a que este autor se refere está relacionado ao
que há de mais elaborado pela cultura humana, no caso a Ciência, a Arte e a Filosofia. Mas, o
processo de apropriação vai efetuar-se no decurso do desenvolvimento de relações reais do
sujeito com o mundo e estas relações “não dependem nem do sujeito nem da sua consciência,
mas são determinadas pelas condições históricas concretas, sociais, nas quais ele vive, e pela
maneira como a sua vida se forma nestas condições” (LEONTIEV, 1978, p. 275). Fica
evidente na citação acima de Leontiev, que juntamente com Vigotski e Luria foram
fundadores da Psicologia Histórico-Cultural, a base marxista de seus postulados, por isso a
necessidade de não desligá-los do materialismo-histórico. Tal desligamento, atualmente, tem
possibilitado sua vinculação, por diversos intérpretes contemporâneos, aos paradigmas pósmodernos tal como apontam Tuleski (2008) e Duarte (2002), esterilizando-a de seu potencial
crítico e transformador. Assim, a recuperação de suas bases filosóficas e epistemológicas é
fundamental para que seja possível a compreensão da essência da Psicologia Históricocultural.
Em busca de uma práxis articulada: o exemplo do Grupo de Estudos
A partir dos objetivos e fundamentos estabelecidos no LAPSIHC, o Grupo de
Estudos procura tomá-los como práxis articulada. O grupo funciona como um coletivo
organizado, que se reúne quinzenalmente, no qual há alunos coordenadores que organizam
junto com os demais participantes quais serão as atividades desenvolvidas durante o ano.
Ocorrem reuniões semestrais de avaliação quanto aos objetivos propostos e alcançados, sendo
que estas contam com a participação dos professores. Nestas reuniões de avaliação coletiva
procura-se elencar as dificuldades encontradas tanto em relação aos encaminhamentos dos
estudos, quanto à distribuição, execução das tarefas e funcionamento geral do GE, que
objetiva sempre fazer com que os novos participantes que a cada ano iniciam possam inserirse de moto efetivo no ritmo de estudos e debates teórico-práticos que vem sendo realizados no
decorrer dos anos pelos participantes do LAPSIHC.
Toma-se sempre como norte o entendimento de que não somente a Arte, mas
também a Ciência e Filosofia, quando apropriadas pelos homens, despertam neles o que há de
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mais elevado em termos de desenvolvimento: o cientista, o artista e filósofo, aguçando a
sensibilidade, a curiosidade, a racionalidade e a capacidade de ir além do óbvio. Assim, para
que não se fique inerte, conformado, anestesiado diante das mazelas provocadas pelo atual
estágio do capitalismo, vê-se como caminho o rompimento com uma política que desvaloriza
o conhecimento e o superficializa-o, partindo-se do estudo aprofundado de trabalhos de
psicólogos e educadores marxistas que compreendem a escola (e a Universidade) como uma
instituição de socialização das formas mais desenvolvidas e mais ricas de conhecimento
humano. Nesse aspecto, a Psicologia Histórico-Cultural iniciada por L. S. Vigotski auxilia na
superação ou se contrapõe a estes ideários que desconsideram a historicidade dos fenômenos
humanos. Por isso a necessidade no Grupo de Estudos de se recuperar as categorias marxistas
para o entendimento da Psicologia Histórico-cultural, vinculando-as aos conceitos de
Vigotski, Leontiev e Luria, bem como seus continuadores como Davidov, Elkonin, Shuare,
Zaporozéths, entre outros que tem como finalidade propor uma Psicologia baseada no
marxismo.
Especificamente, como exemplo da produção realizada pelos participantes do GE no
primeiro semestre de 2012, está o conjunto de trabalhos que serão apresentados nesta sessão
coordenada, os quais buscam sistematizar o desenvolvimento das Funções Psicológicas
Superiores, a partir dos fundamentos da Psicologia Histórico-Cultural e do materialismo
histórico-dialético. Compondo a sessão temos, pois, os seguintes trabalhos: A formação das
funções psicológicas superiores, Estudos acerca da Sensação a partir da Psicologia
Histórico-Cultural, Desenvolvimento da Percepção: apontamentos a partir da Psicologia
Histórico-Cultural e Desenvolvimento da atenção voluntária para a psicologia históricocultural.
Espera-se, ao longo do tempo que o LAPSIHC se consolide como Núcleo de
Pesquisa e que possa obter apoio institucional de modo a ter um espaço para suas atividades,
o qual sirva de estrutura para os estudos lá desenvolvidos, contribuindo para a organização de
atividades de pesquisa, ensino e extensão não só no âmbito da graduação quanto da pósgraduação.
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Referências
Duarte, N. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais
e pós-modernas da teoria vigotskiana. (2002). Campinas, SP: Autores Associados.
Leontiev, Alexis. O Desenvolvimento do Psiquismo. (1978). São Paulo: Editora
Moraes.
Markus, Gyorgy. A Teoria do Conhecimento no Jovem Marx. (1974). Trad. Carlos
Nelson Coutinho e Reginaldo Di Piero. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Marx, k. & engels, F. A Ideologia Alemã. (1991). 8º Ed. São Paulo: Editora Hucitec.
Trad. José Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira.
Tuleski, S. C. Vygotski: A Construção de uma Psicologia Marxista. (2008). Maringá:
Eduem.
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Apresentação 1
A FORMAÇÃO DAS FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES
Gustavo Lacatus da Costa de Oliveira *
Luzia Pedro da Silva
Maria Aparecida Santiago da Silva
Naiara Valdelaine Balduino
Taiane do Nascimento Andrade
Lenita Gama Cambaúva
O presente trabalho resulta das atividades do Grupo de Estudos em Psicologia
Histórico Cultural da Universidade Estadual de Maringá (UEM), que tem o objetivo de
aprofundar os estudos por meio da leitura e discussão das obras clássicas dos fundadores da
Psicologia Histórico-Cultural: L. S. Vigotski (1896-1934), A. R. Luria (1902-1977) e A. N.
Leontiev (1903-1979).
O objetivo deste trabalho é apresentar, de forma geral, como se dá a formação do
psiquismo humano. Propõe-se uma discussão histórica sobre o desenvolvimento humano a
partir do exercício metodológico do Materialismo Histórico Dialético, cujos pressupostos
filosóficos e epistemológicos fundamentam a Psicologia Histórico-Cultural.
De acordo com esta proposta, o comportamento humano só pode ser compreendido a
partir da análise histórica, considerando que o homem se constrói no interior das relações
sociais de produção que estabelece em sociedade. Sendo assim, comprometido com as
transformações sociais que aconteciam na Rússia, no projeto de uma nova sociedade junto ao
de um novo homem – o comunista -, Vigotski deparou-se com a necessidade de empreender o
desenvolvimento do país de um modo geral, formando indivíduos autônomos capazes de
dominar o processo de trabalho e suas próprias condutas (Shuare, 1990; Tuleski, 2008).
A partir dos pressupostos do Materialismo Histórico Dialético, o projeto da nova
psicologia objetivava superar o determinismo biológico da sua época para construir uma
ciência psicológica compatível com as transformações históricas. O determinismo da velha
psicologia ceifava as possibilidades de transformação e revolução da condição humana e, para
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romper com esta concepção, foi necessário “criar a consciência da transformação da qual o
homem é sujeito e objeto” (Tuleski, 2008, p. 120).
Desse modo, na época revolucionária de Vigotski e de seus colaboradores,
acreditava-se que a transformação do comportamento humano, das atitudes e valores só seria
possível à medida que a prática social mudasse efetivamente de uma sociedade burguesa para
uma comunista. Assim, a vivência de relações diferentes determinaria a revolução nos modos
de agir e pensar em sociedade e as mudanças destas impulsionariam à transformação das
relações sociais.
A psicologia, com base marxista, opondo-se à psicologia fisiológica reducionista,
buscou delinear as convergências e divergências entre o homem e o animal, mostrando que o
desenvolvimento histórico se sobrepõe ao biológico. Para demonstrar tal afirmação sobre o
desenvolvimento, Vygotsky e Luria (1996), apresentam três linhas principais de
desenvolvimento: a evolutiva, marcada pela constante mudança no comportamento da
humanidade a partir da invenção e do uso de ferramentas, criando e recriando instrumentos
que servem como extensão aos seus órgãos naturais; histórico-social, iniciada pelo trabalho e
pelo desenvolvimento da fala humana e outros signos psicológicos, que resultou na
transformação do homem primitivo no homem cultural moderno; e ontogenética que é o
desenvolvimento individual de uma personalidade específica, quando o comportamento da
criança baseado na aquisição de habilidades e em modos de comportamento e pensamento
cultural desenvolve os processos de crescimento e maturação orgânica. Cada processo de
desenvolvimento prepara dialeticamente o seguinte, transformando-o em um novo tipo de
desenvolvimento.
Neste sentido, o desenvolvimento do comportamento humano em relação ao animal
ocorreu por meio de um salto qualitativo do biológico ao histórico, ou seja, o comportamento
do homem é condicionado primordialmente pelas leis do desenvolvimento histórico da
sociedade e não pelas leis da evolução. Esta concepção supera a ideia da psicologia
tradicional de que o homem é apenas produto da evolução biológica e de que a diferença do
comportamento da criança e do adulto é somente quantitativa (Vygotsky & Luria, 1996).
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Os referidos autores pontuaram certas divergências e convergências entre o homem e
o animal, também o fizeram em relação ao homem primitivo e o moderno, salientando o alto
grau de desenvolvimento dos órgãos de percepção nos primitivos, devido à necessidade
imediata de sobrevivência. Assim, contrariam a ideia de que as funções psicológicas são
dadas desde o nascimento e afirmam o inverso, que são desenvolvidas a partir da necessidade
de sobrevivência, de organização e relação com outros homens e com a natureza. Portanto, a
hominização é resultado da passagem da sociedade primitiva para a sociedade organizada
pelo trabalho social, sendo que esta passagem modificou a natureza do homem, que passou a
ter seu desenvolvimento submetido às leis sócio-históricas e não mais às leis biológicas.
Leontiev (1978) também aborda a questão do trabalho no desenvolvimento humano,
quando afirma que o trabalho não apenas modifica a estrutura geral da atividade humana,
como também não engendra unicamente ações orientadas para determinados fins, mas
transformam qualitativamente as atividades (operações) no processo de trabalho. Tal
transformação efetua-se com o desenvolvimento dos instrumentos de trabalho. Esses
instrumentos auxiliam a realização das atividades e são objetos com o qual se realiza uma
ação, operação do trabalho.
Fazer e utilizar um instrumento de trabalho exige a consciência do fim da ação e de
suas propriedades objetivas. “Assim é o instrumento que é de certa maneira portador da
primeira verdadeira abstração consciente e racional, da primeira generalização consciente e
racional” (Leontiev, 1978, p. 82). O instrumento não é somente particular e determinado por
suas características físicas, mas é também um objeto social, pois foi elaborado socialmente no
decurso do trabalho coletivo, é produto de uma experiência social do trabalho.
Leontiev (1978) descreveu o pensamento como o processo de reflexo consciente da
realidade, nas suas propriedades, ligações e relações objetivas, incluindo os objetos
inacessíveis à percepção sensível imediata. A mediação se caracteriza como a via do
pensamento, e esse é indispensável na tomada de consciência, que só se realiza no processo
do trabalho, através da utilização dos instrumentos com os quais os homens agem sobre a
natureza. A consciência, é portanto, o reflexo da realidade, a forma histórica concreta do
psiquismo humano.
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A consciência da realidade opera através da linguagem, que assim como a
consciência, é produto da coletividade humana e só aparece a partir do processo do trabalho,
da necessidade de comunicação entre os homens. A linguagem é a consciência prática e real e
não desempenha apenas o papel de comunicação entre os homens, ela é também uma forma
de consciência e pensamento humano.
Vygotski (2000) pontua a similaridade entre signo e ferramenta, uma vez que ambos
possuem a função mediadora na atividade do homem. Também diferencia os instrumentos dos
signos, na qual os primeiros dirigem-se para a atividade exterior do homem, orientada para a
modificação da natureza e, por sua vez, os signos agem sobre a conduta, na atividade interior
do homem. Para o autor há uma reciprocidade entre o domínio da natureza e da conduta,
devido à relação dialética entre a transformação da natureza pelo homem e a modificação da
sua própria natureza humana (Vygotski, 2000).
É possível observar que o comportamento humano vai sendo determinado
culturalmente e é originado primordialmente no aperfeiçoamento de signos externos, métodos
externos e modos de vida desenvolvidos em determinado contexto social, sob pressão das
necessidades técnicas e econômicas, ou seja, o aperfeiçoamento vem de fora, determinado
pela vida social do grupo ao qual o indivíduo pertence. Dialeticamente, na medida em que o
desenvolvimento humano se complexifica, por meio do desenvolvimento e uso dos
instrumentos psicológicos, as funções psicológicas também ficam mais complexas, tomando
caráter de funções psicológicas superiores, o que caracteriza a diferença qualitativa entre o
homem e o animal.
Desse modo, pode-se afirmar que o processo de evolução se dá pela transmissão das
aquisições humanas, de geração em geração, ou seja, cada geração se apropria dos
conhecimentos cristalizados nos produtos materiais ou intelectuais deixados pela geração
anterior (Leontiev, 1978).
Tanto para Vygotski (2000) quanto para Leontiev (1978) a história do
comportamento humano seria a história dos signos produzidos pela humanidade. Os signos
servem como instrumentos coletivos que objetivam o domínio do comportamento do próprio
homem, assim como a técnica serve para o domínio da natureza. De acordo com Leontiev
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(1978), o “indivíduo aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe
basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do
desenvolvimento histórico da sociedade humana” (p. 285).
Uma das questões presentes na sociedade soviética era a de formar as novas gerações
embasadas em um projeto socialista. Desta maneira, Vygotski vai se aprofundar nos estudos
de como desenvolver na criança recém-nascida, na qual imperam as funções elementares e
biológicas, atitudes e comportamentos necessários ao homem da nova sociedade. Para isso é
fundamental entender como a criança se apropria dos instrumentos culturais e simbólicos da
sociedade.
A principal diferença do homem primitivo e da criança é que a criança já nasce em
um ambiente cultural-industrial, portanto ocorre um processo de integração ao contexto
cultural, desenvolvendo mecanismos e funções específicas necessárias à sobrevivência no
ambiente. Ao tratar do desenvolvimento, marcado pela crescente superação por incorporação
das funções elementares, Vigotski (1996) afirma que há uma distinção no papel das funções
psicológicas superiores e elementares no desenvolvimento da personalidade do homem.
Dito de outra forma, a psicologia vigotskiana ao analisar o processo de formação das
funções psicológicas superiores, compreende que estas independem e superam as funções
biológicas, o que garante nesta perspectiva teórica, a centralidade do desenvolvimento da
linguagem e do pensamento como um processo caracteristicamente humano.
Deveras, a linguagem reestrutura o pensamento, conferindo, através do pensamento
verbal, novas formas de relação com outras funções e transformando-as. O que em um
momento foi utilizado como forma de interferência no comportamento e conduta de terceiros,
passa a ser utilizado para o controle do comportamento próprio. Assim, percebe-se a
importância atribuída por Vigotski à educação, vista como um meio de se desenvolver as
funções psicológicas superiores.
Tendo isto em vista, percebe-se que a transição das funções elementares às
superiores se dá por meio da aquisição de meios, signos e conhecimentos científicos que
possam mediar a ação humana, por exemplo, por meio da linguagem, escrita, formação da
atenção voluntária, da memória lógica, do pensamento abstrato, formação de conceitos, entre
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outros. Essa teoria era então tida pela sociedade soviética, inclusive por Vigotski, como um
meio para a superação dos problemas encontrados na época (Tuleski, 2008).
Conclui-se, portanto, que não há como negar que as origens da vida consciente e do
pensamento abstrato estão submetidas às condições de vida social e às formas históricas de
vida da espécie humana. As funções psicológicas superiores são mediadas principalmente
pela linguagem e pelo pensamento, sendo historicamente mutáveis, uma vez que possibilitam
ao homem a apropriação de conceitos e signos originários da vida social humana.
Referências
Leontiev, A . (1978). O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizontes
Ltda.
Tuleski, S. C. (2008). Vygotski: a construção de uma psicologia marxista. 2. ed.
Maringá: Eduem.
Shuare. (1990). M. La psicologia soviética tal como yo la veo. Moscou: Editorial
Progresso.
Vigotski, L. S. (1996). Sobre os sistemas psicológicos. In.: Teoria e método em
psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1996, pp. 103 – 135.
Vygotski, Lev Semiónovich. (2000). Método de investigación. In. Obras Escogidas
III. Madrid: Visor, p. 47 – 96.
Vygotsky, L. S. & Luria, A. R. (1996). Estudos sobre a história do comportamento:
símios, homem primitivo e criança. Porto Alegre: Artes Médicas.
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Apresentação 2
ESTUDOS ACERCA DA SENSAÇÃO A PARTIR DA PSICOLOGIA HISTÓRICOCULTURAL
Marta Chaves
Jéssica Elise Echs Lucena
Fernanda Santos de Castro
Marco Antonio Lima Rizzo *
Rhayane Lourenço da Silva
A Psicologia Histórico-Cultural considera o desenvolvimento do psiquismo humano
a partir das elaborações do Materialismo Histórico desenvolvido por K. Marx (1818-1883) e
F. Engels (1820-1895). Dessa forma, compreende-se o ser humano enquanto ser histórico e,
portanto, social o que significa afirmar que as condições históricas concretas são
determinantes no curso do processo de desenvolvimento psíquico de cada indivíduo.
Nesse sentido os autores fundadores da Psicologia Histórico-Cultural, L. S. Vigotski
(1896-1934), A. R. Luria (1902-1977) e A. N. Leontiev (1903-1979), destacam a existência
de determinadas funções psicofisiológicas específicas do homem. Estas se referem à forma de
vida superior do organismo, a vida mediatizada pelo reflexo psíquico da realidade. Vygotsky
(1996) destaca que tais funções, denominadas por ele como Funções Psicológicas Superiores,
não seriam uma simples continuação do desenvolvimento das funções biológicas elementares,
mas estariam sobrepostas a elas e seriam produto do desenvolvimento histórico da
humanidade.
Ao internalizar as relações sociais a criança se desenvolve e se transforma em um
membro da sociedade na qual esta inserida, portando e reproduzindo características,
faculdades e comportamentos humanos produzidos historicamente. Os estágios sucessivos no
seu desenvolvimento seriam graus diferentes dessa transformação (Leontiev, 1978). Dessa
forma, Vygotsky (1996) afirma que no processo de desenvolvimento da criança há o
surgimento de novas formas de relações quando esta passa de uma idade a outra. Assim, o
desenvolvimento psíquico se baseia antes na evolução da conduta e dos interesses da criança,
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nas mudanças que se produzem na estrutura e orientação do comportamento por meio dos
determinantes culturais. Estas mudanças estariam, desta forma, relacionadas às condições
objetivas de vida e à modificação do lugar que a mesma ocupa no sistema das relações
sociais.
Finalizada a exposição dos fundamentos teóricos e metodológicos, ressaltamos que
este resumo tem por objetivo apresentar uma sistematização a respeito do desenvolvimento
das sensações, aqui entendidas enquanto função psicológica superior do desenvolvimento
humano. Esta pesquisa, cuja temática central é o estudo das sensações, desenvolve-se a partir
da revisão bibliográfica de fontes primárias dos autores da Psicologia Histórico-Cultural
(Vigotski, Luria e Leontiev) bem como de alguns continuadores, realizada por meio de leitura
coletiva de um grupo de estudos, caracterizado como Projeto de Ensino vinculado à
Universidade Estadual de Maringá, ao Departamento de Psicologia e ao Laboratório de
Psicologia Histórico Cultural – LAPSIHC.
concepção das abordagens teórico-metodológicas hegemônicas, as sensações são
compreendidas como simples reações a estímulos da realidade. Nesse sentido, Luria (1991)
discute que a teoria receptora das sensações entende que os órgãos dos sentidos reagem
passivamente aos estímulos. Ao contrário disso, uma compreensão marxista do homem como
um ser ativo, e não simplesmente um receptáculo da realidade concreta, difere dessa
proposição. Luria (1991) compreende as sensações como possuidoras de um caráter ativo e
seletivo.
Para Luria (1991) um estudo sobre a evolução dos órgãos dos sentidos evidencia que
órgãos especiais dos sentidos se formaram durante um longo processo de desenvolvimento
histórico, e que eles se tornaram capazes de refletir formas objetivas de movimento da
matéria. Nesse processo histórico, são as qualidades específicas do mundo exterior que
desenvolvem as especificidades dos órgãos dos sentidos (Petrovski, 1980). Dessa forma, a
compreensão do caráter ativo das sensações é justificada pela constatação de que delas
participam componentes motores, como por exemplo, os receptores da pele refletem os
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estímulos mecânicos, os receptores auditivos refletem oscilações sonoras, os receptores
visuais refletem diapasões das oscilações eletromagnéticas, etc. (Luria, 1991).
Partindo de tal compreensão, para que uma determinada sensação efetive-se, é
preciso que o organismo seja submetido ao estímulo material correspondente, e que este aja
nesse sentido, uma vez que os órgãos do sentido estão intimamente ligados com os órgãos de
movimento (Petrovski, 1980). Isso significa que a sensação não é apenas uma imagem
sensitiva, mas que somente se caracteriza como uma função psicológica se existe uma reação
recíproca do organismo ao estímulo sensitivo (Petrovski, 1980).
Luria (1991) classifica
sistematicamente
as sensações
em interoceptivas,
proprioceptivas e extraceptivas. As sensações interoceptivas se referem aos estímulos
provenientes do interior do organismo, as proprioceptivas aos estímulos que informam sobre a
posição do corpo no espaço e as extraceptivas são as sensações que garantem as informações
sobre o mundo externo, de acordo com o autor, afirma que estas constituem a base do
comportamento consciente (Luria, 1991).
As sensações interoceptivas apresentam similaridade com os estados emocionais e
são as menos conscientes e as mais difusas. Essas sensações podem aparecer nas formas de
pressentimentos, em forma de sonhos, e se referem a mudanças pouco conscientizadas (Luria,
1991), como por exemplo, em uma criança que está com cólica, mas como não tem
consciência dessas mudanças interoceptivas, chora diante do descontrole da situação.
Segundo Luria (1991), a importância de tais sensações está ligada a regulação dos processos
de metabolismo e de homeostase do organismo e desempenha papel fundamental na medicina
denominada psicossomática2
As sensações exteroceptivas são classificadas em: olfato, paladar, tato, visão e
audição. Luria (1991) discute que as sensações olfativas e gustativas são mais subjetivas,
relacionadas às emoções, e as sensações visuais e auditivas possuem caráter mais objetivo e
diferenciado, já as sensações táteis teriam caráter duplo, pois estariam relacionadas a
sensações de frio, calor, dor; como as primeiras; e também a sensações de dimensões, forma,
2
Estudo da relação dos estados psíquicos com os processos somáticos e viscerais (Luria, 1991).
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disposição; como as segundas. Porém, Luria (1991) comenta sobre outras duas categorias das
exteroceptivas: as sensações intermediárias; como por exemplo, a sensação vibrátil pelos
ossos do crânio; e os tipos não específicos de sensação; por exemplo, o sentido de distância
do cego.
Nesse sentido, entende-se o quanto as distintas sensações são fundamentais para o
complexo processo da percepção, e que as duas operam em conjunto. O processo da
percepção requer a discriminação de indícios relevantes em conjunto com a abstração de
indícios não existentes, unificação dos indícios principais e a comparação com os
conhecimentos adquiridos anteriormente sobre o objeto, se houver correspondência nessa
comparação, então ocorre a identificação (Luria, 1991). Segundo Petrovski (1980, p. 223,
tradução nossa) a percepção é definida pela “imagem de objetos ou fenômenos que se criam
na consciência do indivíduo ao atuar diretamente sobre os órgãos dos sentidos, processo
durante o qual se realiza ordenamento e associações das distintas sensações em imagens
integrais de coisas e fatos”.
Segundo Leontiev (1978) toda função se reorganizaria no interior do processo que
ela realiza, desse modo, o desenvolvimento das sensações está ligado ao processo de
desenvolvimento dos processos da percepção orientada. Por tal razão, as sensações devem ser
ativamente educadas na criança. Assim, os progressos de desenvolvimento de tais funções
seriam possíveis somente quando ocuparem um lugar determinado na atividade, ou seja,
quando elas entram numa operação em que seja requerido um nível de desenvolvimento
determinado para sua execução. Assim, atenta-se para o funcionamento em conjunto das
funções psicológicas superiores.
No ser humano, as imagens e representações concretas também possuem papel
importante na regulação e orientação da conduta, como por exemplo, a luz do semáforo que é
um sinal excitante para que o condutor de automóveis realize uma série de atos motores, no
sentido de parar o carro (Petrovski, 1980). Dessa forma, compreende-se a importância do
estudo das sensações no sentido de subsidiar a prática profissional dos educadores em geral,
para incidir ativamente no desenvolvimento do autocontrole da própria conduta dos
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indivíduos e de sua autonomia, e assim, possibilitar que individualidades em si se
transformem em individualidades para si, como apresenta Duarte (1999) em seus estudos,
baseando-se nessas categorias do marxismo.
Com isto entende-se a importância e a necessidade de um processo de educação ativo
que proporcione à criança a apropriação das elaborações humanas mais desenvolvidas e
assim, conduza seu desenvolvimento. Pressupõe-se, a partir da tese de que o homem nasce
com todas as características biológicas necessárias para, em um processo social e ativo, um
desenvolvimento sócio-histórico ilimitado (Leontiev, 1978). Portanto, com a internalização
das relações sociais, de processos humanos constituídos na vida em sociedade, que ocorrerá o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores, em um processo sempre ativo,
tornando-se capaz de interpretar a realidade e acessar a gama de sensações humanas que se
desenvolvem a partir das condições de vida e das exigências da atividade prática.
Referências
Duarte, N. (1999). Individualidade para-si: contribuição a uma teoria históricosocial da formação do indivíduo. Campinas: Autores Associados.
Leontiev, A. (1944/1978). O Desenvolvimento do psiquismo na criança. In Leontiev,
A. (1978). O desenvolvimento do psiquismo (pp. 305-333). Lisboa: Livros Horizonte.
Luria, A. R. Sensações. In___. Curso de Psicologia geral (pp. 1-36, volume II). Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira.
Petrovski, A. (1980). Psicologia General: Manual didáctico para los Institutos de
pedagogia. Moscú: Editorial Progesso.
Vygotsky, L. S. (1996). Obras Escogidas: psicologia infantil. Tomo IV. Madrid:
Visor.
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DESENVOLVIMENTO DA PERCEPÇÃO: APONTAMENTOS A PARTIR DA
PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL
Adriana de Fatima Franco
Cássius Marcelus Tales Marcusso Bernardes de Brito
Paulo Sérgio Pereira Ricci*
Thaís Costa Gonzalez de Brito
Beatriz Moreira Bezerra Vieira
Rafael Iglesias Menezes da Silva
Diego Augusto dos Santos
Leonardo Amorim Egea Garcia
Este texto, de natureza bibliográfica, tem como objetivo analisar o conceito de
percepção apresentado pela Psicologia Histórico-Cultural e refletir sobre a sua importância
para o processo de aprendizagem. Consideramos que a percepção, assim como as demais
funções psíquicas superiores, possui participação fundamental no processo de aprendizagem.
Buscaremos questionar o entendimento que predomina em nossa sociedade quanto ao seu
processo de desenvolvimento.
Para tanto iniciaremos com uma metáfora a partir da obra apresentada por José
Saramago (1995). Em seu Ensaio sobre a Cegueira, o autor nos chama a atenção para a
complexa forma como, por meio da percepção, nós, seres humanos, nos orientamos em um
mundo produzido por nós mesmos. Com a epígrafe “se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”,
Saramago sintetiza o que, por meio de um magistral manejo metafórico, percorrerá todo o seu
livro: as profundas alterações que ocorrem na organização da vida de uma grande cidade a
partir de uma epidemia de cegueira. A visão humana (ou a sua falta) serve de exemplo para
Saramago problematizar questões que são caras à ciência psicológica, dentre as quais
destacamos a percepção humana como resultado de uma complexa relação entre os sujeitos e
o contexto social onde vivem.
O estudo da percepção humana está tradicionalmente baseado na investigação de
como o corpo humano capta os estímulos do meio externo, os conduz por vias fisiológicas,
neurosensitivas até o córtex cerebral, onde estes estímulos serão codificados, associados e
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combinados em imagens integrais (Luria, 1991). O que, contudo, não é tão comum nas
investigações sobre a percepção é a consideração daquilo que ela, na medida em que é
humana, tem de específico. Como diz Leontiev (2004, p. 279), “o homem é um ser de
natureza social, [e] tudo o que tem de humano nele provem da sua vida em sociedade, no seio
da cultura criada pela humanidade”. Isto quer dizer que as leis que regulam a atividade
perceptiva humana não se limitam a leis biológicas, mas às leis de desenvolvimento sóciohistórico, uma vez que a própria realidade a ser percebida é produzida pela atividade conjunta
de toda humanidade em seu processo de desenvolvimento ao longo da história.
Entendemos que a Psicologia Histórico-Cultural, enquanto concepção psicológica de
análise do homem em sua concretude, ou seja, em sua relação com a realidade histórica, nos
fornece instrumentos teóricos para empreender um processo de investigação a respeito da
percepção humana para além de seus aspectos biológicos, superando uma compreensão
naturalizada de desenvolvimento humano. Tal concepção se apoia na tese de que, como todas
as funções psicológicas superiores, a percepção humana é resultado de um processo de
desenvolvimento das relações que cada indivíduo estabelece com o contexto social no qual
está inserido desde o nascimento.
A percepção humana é explicada por Luria (1991), como uma função de caráter
complexo, ou seja, é uma função psicológica superior, que permite ao homem captar e
compreender a realidade. Nesse sentido, não pode ser considerada apenas como a soma de
sensações isoladas, ou simples resultado de associações. A percepção pressupõe um
reconhecimento dos objetos percebidos, sua comparação a conhecimentos anteriores, e por
fim a identificação, isto é a conceituação, nominação e categorização desses mesmos objetos.
É evidente que, neste processo, o desenvolvimento da percepção está intimamente relacionado
com a linguagem, que, por sua vez, ao permitir a análise e a consequente categorização do que
é percebido, estabelece as relações com outras funções psicológicas, como a atenção, o
pensamento a memória, entre outras.
Nessa direção, pontuamos que para a Psicologia Histórico-Cultural, as funções
psicológicas devem ser compreendidas em relação umas com as outras e, principalmente, em
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íntima relação ao desenvolvimento da linguagem como materialidade viva que articula as
relações sociais. Esse aspecto permite o reconhecimento de que, tendo como base as funções
psicológicas elementares, as funções psicológicas superiores são coordenadas pela
consciência (Vigotski, 2002).
Na medida em que integra o conjunto das funções psicológicas superiores, a
percepção de cada indivíduo se desenvolve a partir da maneira pela qual ele se apropria do
conteúdo cultural existente no contexto social em que está inserido, sendo que essa
apropriação pressupõe a participação de outro humano nesse processo de desenvolvimento
(Leontiev, 2004).
Dessa maneira, a percepção deixa de ser entendida como um processo passivo de
reflexo de estímulos isolados da realidade e passa a ser entendida como um aspecto particular
de um processo mais geral de apropriação dos conteúdos culturais que dão ao homem, sua
especificidade humana. Segue dizendo Leontiev:
as aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas não são
simplesmente dadas aos homens nos fenômenos objetivos da cultura material e
espiritual que os encarnam, mas são aí apenas postas. Para se apropriar destes
resultados, para fazer deles as suas aptidões, ‘os órgãos da sua individualidade’, a
criança, o ser humano, deve entrar em relação com os fenômenos do mundo
circundante através de outros homens, isto é, num processo de comunicação com
eles. Assim, a criança aprende a atividade adequada. Pela sua função este processo
é, portanto, um processo de educação (2004, p. 290).
Podemos considerar por consequência desse pressuposto, que a percepção humana
vai se tornando uma função complexa e consciente pela apropriação cultural. Na concepção
de Vigotski (2002), a percepção humana se distancia da percepção primitiva, pois esta é
dissociada da palavra. Com o desenvolvimento conceitual e a tomada de consciência das
significações humanas, os processos psíquicos dos indivíduos se elevam a um nível superior.
Nesse nível a percepção dos objetos passa a ser orientada e expressa por meio do significado
das palavras, caracterizando uma atividade psíquica de ordem superior. Desta forma, a
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discussão acerca do desenvolvimento da percepção está indubitavelmente ligada ao tema do
desenvolvimento da consciência.
A mediação do adulto é condição para o desenvolvimento da percepção enquanto
função psicológica superior. Ressaltamos a importância da linguagem neste processo. Essa
concepção tem sua defesa no que expõe Martins (2011, p. 109):
Da mesma forma que a constância, a unidade entre percepção e significado também
carece de expressão na percepção da criança pequena. O vínculo entre percepção e
significado é uma peculiaridade própria à percepção do adulto. Assim, a conquista de
significação, ou seja, a busca desse vínculo é um traço característico da percepção
infantil. Na percepção desenvolvida nada é ‘primeiro’ captado sensorialmente para
‘depois’ ser nominado e interpretado. Isso ocorre ao mesmo tempo e em unidade,
tornando impossível a separação entre a percepção do objeto como tal e o significado que
o objeto possui, isto é, entre percepção imediata e a percepção categorial, de forma que a
posse da significação do objeto se torna variável altamente interveniente na qualidade da
percepção.
Se, por um lado, o aparato anatômico-fisiológico é a base biológica sem a qual a
percepção humana é impossível, por outro lado, é preciso ter em conta que, justamente pela
íntima relação que estabelece com a linguagem como forma material de relacionamento dos
seres humanos entre si, a percepção é qualitativamente transformada por ganhar
determinações de origem social que estão ausentes no nível animal (Luria, 1991). A vida
social é mediada por significados e o desenvolvimento da percepção acontece por meio da
apropriação destes significados por cada indivíduo.
A problemática da significação e do significado ganha importância central na
investigação da percepção humana como uma totalidade. Isso porque, como diz Vigotski, a
comunicação humana, “estabelecida com base em compreensão racional e na intenção de
transmitir ideias e vivências, exige necessariamente um sistema de meios cujo protótipo foi, é
e continuará sendo a linguagem humana, que surgiu da necessidade de comunicação no
processo de trabalho” (Vigotski, 2002, p. 11).
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A linguagem, neste contexto, não se restringe apenas ao seu aspecto externo, isto é,
de transmitir ideias e vivências, mas refere-se também ao seu caráter interno como conteúdo
da percepção e do pensamento de cada indivíduo em suas situações de vida. Além da função
comunicativa, a linguagem tem também a característica de constituir o conteúdo da
elaboração mental e, por isso, retroage sobre a percepção qualificando-a e dando impulso ao
seu processo de desenvolvimento.
Do exposto podemos considerar a existência de uma relação dialética entre
percepção e linguagem. Pontuamos que linguagem é aqui considerada como sendo um
construto humano de conceituação do mundo. A linguagem permite ao homem alcançar graus
de abstração, ao ponto de significar o mundo. O significado das palavras é, portanto uma
abstração da realidade concreta que permite ao homem entrar em contato, conceituar,
entender e interpretar a realidade na qual vive.
Nesse entendimento, o homem por meio da percepção não acessa de modo direto
um mundo de coisas e elementos isolados. Mas percebe um mundo carregado de significado,
ou seja, um mundo de significações e abstrações humanas (Vigotski, 2002). Destacamos que
para o autor, o significado das palavras só se realiza, com o desenvolvimento dos conceitos
científicos. No modelo de sociedade atual, esses só são possíveis de serem desenvolvidos por
meio da Educação Escolar.
Consideramos que o desenvolvimento dessas funções ocorre sob a forma de unidade,
sendo necessário, portanto para a compreensão da função da percepção o entendimento do
desenvolvimento da linguagem. Nesse sentido, defendemos a importância de apropriações
culturais para o desenvolvimento do homem, em nível geral, e de sua percepção em nível
particular.
Os estudos realizados pelos teóricos da Psicologia Histórico-Cultural compreendem
que a percepção, como função psicológica superior, é específica do homem e, desenvolvida
socialmente, contrapondo-se a qualquer forma de naturalização do psiquismo humano.
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Nesta direção, a Educação Formal possui papel fundamental, pois, como já
evidenciado irá possibilitar o desenvolvimento dos conceitos científicos nas crianças. Tal
desenvolvimento acarretará em mudanças qualitativas no funcionamento mental,
possibilitando que funções psicológicas, como a percepção, superem seu nível elementar
transformando-se em funções psicológicas superiores.
Referências
Leontiev, A. N (2004). O Homem e a Cultura. In: Leontiev, A. N. O
Desenvolvimento do Psiquismo. São Paulo: Centauro.
Luria, A. R. (1991). Percepção. In: Luria, A. R. Curso de Psicologia Geral. V. II. Rio
de Janeiro: Editora Civilização Brasileira.
Martins, L. M. (2011). O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar:
contribuições à luz da psicologia histórico cultural e da pedagogia histórico-crítica. Tese de livredocência. Bauru: UNESP.
Saramago, J. (1995). Ensaio Sobre a Cegueira. São Paulo: Companhia das Letras.
Vigotski, L. S. (2002). A Construção do Pensamento e da Linguagem. São Paulo:
Martins Fontes.
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Apresentação 3
DESENVOLVIMENTO DA ATENÇÃO VOLUNTÁRIA PARA A PSICOLOGIA
HISTÓRICO-CULTURAL
Henrique Feltrin dos Santos *
Maiara Pereira Assumpção
Melline Ortega Fagion
Rhuana Amos dos Santos Marques
Silvana Calvo Tuleski
Hilusca Alves Leite
Ao tomarmos como referencial a Psicologia Histórico-Cultural - cujos elaboradores
foram Vigotski, Luria e Leontiev - compreende-se que as transformações ocorridas no
comportamento e subjetividade de cada indivíduo em particular decorrem não somente de sua
história de vida, mas da imbricação desta com as relações que o sujeito estabelece com a
sociedade, a cultura e a história humana em geral. Neste sentido então, é de fundamental
importância esclarecer que as Funções Psicológicas Superiores surgem e se constituem como
processos de desenvolvimento a partir das relações sociais de produção em geral e suas
implicações na esfera das interações sociais mais próximas a cada indivíduo. Segundo Leite e
Tuleski (2011), nos estudos realizados por Vigotski, as funções psicológicas superiores
resultam do desenvolvimento das funções psicológicas elementares, sendo estas últimas inatas
ao ser humano. Porém, as primeiras que se devolvem para além dos processos biológicos, são
constituídas por meio das vivências do indivíduo no interior de uma dada sociedade em um
dado momento histórico, pela mediação de outras pessoas.
O desenvolvimento do psiquismo humano se dá através das funções psicológicas
superiores, sendo construídas por mediações de signos e o uso de instrumentos, tais funções
desenvolvem-se através de apropriações que o individuo faz em seu contexto social e sua
relação com o meio. Contudo, as funções psicológicas superiores se desenvolvem em
conjunto e interligadas como um todo, na qual uma depende na outra, sendo todas são
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mediadas pela linguagem e se dividem em: sensação, percepção, atenção, memoria e
pensamento. Neste trabalho daremos ênfase na atenção.
A atenção como caráter seletivo dos processos psíquicos humanos, contribui para a
organização do pensamento, é também a atenção que garante a seleção dos estímulos mais
importantes para executar determinadas atividades. Na ausência desse organizador psíquico
não teríamos comportamentos dirigidos que se voltariam para a solução de problemas do
homem (LURIA, 1991).
Para Luria (1979) pode-se distinguir o processo de atenção através do volume,
estabilidade e oscilações. O primeiro pode ser entendido pela quantidade de sinais recebidos,
os quais conseguem permanecer dentro do plano dominante, plano este, que determina a
direção da atenção. Em relação à estabilidade, pode-se definir como sendo o tempo de
permanência dos estímulos com caráter dominante. Por último, a oscilação determina a
mudança ocorrida entre caráter dominante e a perda dele.
Existem duas categorias que determinam os fatores e o sentido da atenção, quais
sejam: estrutura dos estímulos externos e atividade do próprio sujeito, com bem menciona
Luria (1979). A primeira delas está vinculada a percepção do indivíduo e informações
exteriores atuantes sobre ele, ao objeto percebido e a estabilidade do processo de atentar-se,
processo no qual é organizado pela intensidade do estímulo e a novidade deste,
respectivamente. Este fator pode ser explicado pela maneira que o estímulo é apresentado de
modo a atrair mais a atenção do sujeito, na qual quando a intensidade desses estímulos é
diferente a atenção terá caráter dominante, quando a intensidade desses estímulos apresenta-se
como semelhante, a atenção mostra-se com um caráter instável, surgindo às oscilações. A
novidade dos estímulos é a diferença existente entre eles. A atenção se dirige não a
quantidade de estímulos apresentados, mas sim a sua diferença, pois se em algum evento a
recepção de estímulos é alta e conhecida pelo individuo, o mesmo irá dar atenção a um
estímulo que se difere dos que já são conhecidos pelo sujeito, de maneira imediata, ou seja, a
atenção se volta para o “novo” independentemente da sua intensidade.
A segunda categoria está relacionada com a atividade do indivíduo, e volta-se para as
necessidades, interesses e objetivos do sujeito, todos construídos de acordo com suas
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apropriações culturais cada vez mais elaboradas, e não mais como meros instintos de
sobrevivência, como nos animais. Uma atividade é sempre orientada por uma necessidade ou
um motivo- este que pode ser inconsciente- e busca atingir um objetivo, a isso chamamos de
organização estrutural da atividade humana. A execução de uma determinada atividade atrai
para si a atenção, quando esta atividade assume um grau de automatização para ser realizada,
deixa de assumir um caráter consciente, organizado e passa a ocorrer de maneira que não atrai
o sentido da atenção, ou seja, embora o sujeito tenha consciência da atividade que realiza não
mais precisa “prender-se” em todos os momentos da atividade, pois já apropriou-se os
suficiente dos mecanismos que garantem a execução da mesma. Um exemplo disso seria o ato
de dirigir um automóvel. No início, quando ainda em processo de aprendizagem, são muitos
os detalhes aos quais o novo motorista deve atentar, é necessário, por exemplo, estar atento as
trocas de marchas que devem acontecer quando o veículo atinge determinadas velocidades e
exigem coordenação entre os movimentos dos pés e da mão que executa a troca. Vejamos,
pois que para cumprir apenas uma etapa do ato de conduzir um veículo são muitos os
momentos em que a atenção está presente e quando este processo é internalizado pelo sujeito,
dirigir torna-se algo automático e não só não é mais necessário pensar em cada ação realizada
como também é possível mudar o foco de atenção para outros eventos. Compreender a
organização da atividade e o grau e automatização dela são importantes para compreender os
fatores que dirigem a atenção (Luria, 1991).
Ao discutir o ato voluntário da atenção, em especial na criança, Leite (2010, p. 95),
respaldada nos estudos de Luria (1979), coloca que sua origem encontra-se na comunicação
com o adulto e na relação interpessoal existente, pois
No inicio, a criança deve se subordinar à instrução verbal do adulto para, nas
etapas seguintes, estar em condições de transformar esta atividade
“interpsicológica” em um processo “intrapsíquico” de autorregulação. A essência
do ato voluntário livre consiste em que sua causa encontra-se nas formas sociais
de comportamento. Em outras palavras, o desenvolvimento da ação voluntária da
criança começa com um ato prático que a criança realiza por indicação do adulto.
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Nesta direção, a essência dos atos voluntários encontra-se nas formas de
comportamento construídas socialmente e uma ação voluntária tem início com um ato prático
realizado pela criança sob orientação de um adulto. Posteriormente, num segundo momento, a
criança começa a utilizar sua própria linguagem, seja esta oral, corporal e outras, para realizar
uma ação, linguagem essa (externa), que se interioriza, transforma-se em linguagem interna
que passará a regular a conduta da criança, uma ação voluntária e consciente, mediada pela
linguagem social.
Para os autores da Teoria Histórico-Cultural a linguagem é o principal fator para o
desenvolvimento dos processos psíquicos do ser humano. Luria (1991, p.72) em seus estudos
sobre o processo de evolução intelectual do ser humano ressalta que “a linguagem muda
essencialmente os processos de atenção do homem” e considera essa função psicológica
superior como importante fator de construção de todo o conjunto da vida consciente do ser
humano.
Luria (1991) afirma que quando a criança desenvolve a linguagem, suas estruturas
intelectuais são “reequipadas” possibilitando que o discurso internalizado passe a compor as
estruturas cognitivas o que permite a antecipação da ação por meio do, com isto a atenção
converte-se em esquemas intelectuais dirigíveis.
A linguagem adquire uma função vital à criança e chegará um momento em que não
mais estará desassociada da atividade a ser realizada. E neste sentido, destaca-se a
importância da linguagem para o processo de desenvolvimento da atenção voluntária das
crianças, desde que a mediação seja de qualidade, e coloca que é nesse momento, que
Com 4 e 5 anos já se desenvolveu na criança uma capacidade de atenção
relativamente intensa e constante. Ela pode manter-se atenta à fala dos adultos,
por exemplo, quando isso lhe interessar. Entretanto, mesmo nessas condições, sua
atenção é desviada com facilidade mediante a percepção de outros objetos ou
pessoas” (Eidt & Ferracioli, 2007, p.111).
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Luria (1979) explica que neste período a criança já é capaz de reproduzir em sua
mente a imagem de uma ação ou de um objeto, daí a relativa facilidade em cumprir com uma
ação designada. No entanto é no período de escolarização que a atenção voluntária irá
desenvolver-se de forma qualitativamente superior, isto porque para Vigotski (1988) a
aquisição dos conhecimentos científicos transmitidos de forma sistematizada requer a
utilização das funções superiores de forma cada vez mais voluntária e consciente. No caso da
atenção, podemos citar a título de ilustração que as atividades em sala de aula requisitam
constantemente que o aluno seja capaz não apenas de manter-se atento, mas também de
realizar mudanças de foco constantes sem perder de vista o objetivo da atividade proposta,
caso contrário não se saíra bem. Citamos, por exemplo, que nas séries inicias transpor para o
caderno aquilo que a professora escreve no quadro não é tarefa simples, uma vez, que é
necessário estar atento ao quadro e ao caderno simultaneamente, atentar-se ainda para a grafia
correta das palavras, a pontuação, a posição correta da mão, do lápis, etc.
Segundo Eidt e Ferracioli (2007), nos pressupostos de Luria ressaltam que a atenção
voluntária somente se completa na fase da adolescência ou na fase adulta, desde que tenha
ocorrido um desenvolvimento qualitativo dessa função, que seria o terceiro momento – o
intrapsicológico, no qual com essa evolução o homem consegue ter um autocontrole, duração
e intensidade da sua atenção consciente.
Sendo assim, podemos concluir que é a partir da instrução verbal que a criança
orientará sua atenção, entretanto, nos anos iniciais de vida esta ainda coincide com a
percepção imediata da criança e, paulatinamente, na medida em que se complexificam as
apropriações culturais a atenção torna-se igualmente mais complexa, isto é, um processo
voluntário em que o indivíduo consegue controlar para qual(is) foco(s) deve dirigir-se,
independente dos estímulos que estejam ocorrendo concomitantemente.
Referências
Eidt, M. N.; Ferraciolli, U. M. (2007). O ensino escolar e o desenvolvimento da
atenção e da vontade: superando a concepção organicista do transtorno de déficit de atenção e
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hiperatividade (TDAH). In: Arce, A.; Martins, L. (Orgs.) Quem tem medo de ensinar na
educação infantil: em defesa do ato de ensinar (pp.107- 111). Campinas: Alínea.
Leite, H. A. (2010). O desenvolvimento da atenção voluntária na compreensão da
psicologia histórico-cultural: uma contribuição para o estudo da desatenção e dos
comportamentos hiperativos. Dissertação (Mestrado em Psicologia – PPI) Universidade
Estadual de Maringá, Maringá, 198 f.
Leite, H. A; Tuleski, S. C. (2001). Psicologia Histórico Cultural e desenvolvimento
da atenção voluntária: novo entendimento para o TDAH. Revista Semestral da Associação
Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional,15(1), 111-119.
Luria, A. R. (1979). Curso de psicologia geral. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 3.
Luria, R. A. (1991). Curso da psicologia geral. 2. ed. Rio de janeiro: civilização
brasileira, 1, 71-72.
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