Análise da Economia Mundial e Conjuntura do Setor Externo Brasileiro 1 Bruno Rodrigues Pinheiro 2 Paulo Sergio Ferreira 3 Introdução Após um crescimento modesto da economia mundial em 2007, o mundo se prepara para períodos possivelmente menos prósperos onde as principais locomotivas mundiais tendem a ter seu crescimento arrefecido e problemas ligados a desequilíbrios globais apresentam-se mais claramente, demandando efetivas ações de ajuste num futuro próximo. Diante desse quadro conjuntural geral, analisaremos como as principais economias do mundo (EUA, Europa, Japão e China), comportaram-se no ano de 2007, avaliando as perspectivas para os períodos futuros. A conjuntura internacional favorável continua refletindo de forma positiva no setor externo brasileiro. A recente crise no mercado imobiliário, associado com a queda na taxa de juros nos Estados Unidos, realimenta a tendência de permanência do crescimento mundial. A valorização do Real, fruto do excesso de liquidez no mercado financeiro internacional, faz com que a taxa de câmbio siga sua tendência de queda continua. Em relação à taxa média de 2004, o real já se apreciou em 75,3%. Esse resultado é justificado pela política monetária extremamente ortodoxa que o Banco Central vem realizando com a manutenção da taxa de juros do Brasil como uma das maiores do mundo. Esse conservadorismo permite um ganho de arbitragem ainda maior, pois o FED, como dito anteriormente, vem reduzindo a taxa de juros da economia americana de forma sistemática, na intenção de evitar um desaquecimento na sua economia. 1 Texto a ser apresentado ao NEC na reunião a ser realizada no dia 21/11/07 Aluno do Curso de Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia e bolsista do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC). 3 Aluno do Curso de Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia e bolsista do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC). 2 1. EUA As previsões de crescimento da economia americana em 2007 giram em torno de 2%. As perspectivas melhoraram depois do surpreendente resultado do terceiro trimestre. O crescimento do PIB entre julho e setembro foi de 3,9%, quando os analistas previam alta de 3,1% após o resultado alto de 3,8% no segundo semestre. O bom desempenho foi verificado em todos os setores, exceto no ramo imobiliário, e demonstra a força dinâmica do consumo interno, que responde por ⅔ do PIB e é o motor da economia americana. Os gastos cresceram 3,4%, no melhor trimestre nos últimos 2 anos (EUA, 2007). Na última reunião, no fim de outubro, o Federal Reserve decidiu fazer um corte de 0,25 p.p. na taxa básica de juros, para 4,5%, para evitar que a crise do crédito contamine os demais setores da economia. No mês anterior, o Fed já havia reduzido a taxa de juros em 0,5 p.p. De qualquer maneira, membros do Fed têm dado a entender que não farão novos cortes nos juros antes de analisarem os próximos dados sobre a evolução do núcleo da inflação. Com o dólar valorizado e o preço do petróleo pressionando a balança comercial, a inflação é um problema que os americanos não precisam. O índice de preços ao consumidor (PCI, na sigla em inglês) subiu 0,3% em outubro, mesma variação do mês anterior. Quando se analisa os 12 meses até outubro, o CPI teve alta de 3,5% e o núcleo, de 2,2% – o Fed considera adequada uma taxa entre 1% e 2%. Excluídos do núcleo do CPI, o índice de preços de energia deu um salto de 14,5% em outubro, depois da queda de 6,1% em setembro, e o índice de preços dos alimentos recuou 4,4% no período (PREÇOS, 2007). Em outubro, o índice de preços ao produtor subiu 0,1%. Em setembro, o mesmo índice havia registrado alta de 1,1%. A inflação de oferta tornou-se um risco mais distante depois que os custos trabalhistas, um dos mais importantes fatores dos custos de produção, apresentaram alta de apenas 0,8% no terceiro trimestre de 2007, abaixo das expectativas dos analistas. O risco são os outros custos de produção – aqueles mais sensíveis às importações e os custos de energia. Porém, a depender dos motivos que estão mantendo controlados os custos trabalhistas, a notícia pode não ser tão boa para a economia americana. Em um momento em que o consumo interno segura a economia em meio a restrições de crédito, o aumento do desemprego é certeza de recessão. Os pedidos por auxílio-desemprego no Departamento do Trabalho cresceram em 20 mil na semana encerrada no dia 10 de outubro, para 339 mil pedidos, sob os 219 mil da semana anterior, o dobro do que os analistas previam. Um mau sinal. Todas as análises são pessimistas na avaliação da economia americana a partir do quarto trimestre desse ano. Embora os analistas não acreditem em recessão, as previsões de crescimento para 2008 são baixas. O prognóstico mais negativo é da revista “The Economist”, cuja opinião é de que a crise imobiliária afetará mais a economia americana do que se tem previsto e prevê crescimento de 1,9% do PIB no próximo ano. Relatório da Associação Nacional para a Economia Empresarial é mais otimista, e prevê crescimento de 2,6% da economia americana. O mesmo relatório prevê aumento do déficit federal de US$ 163 bilhões no ano fiscal de 2007 para US$ 215 bilhões em 2008. O enfraquecimento do setor imobiliário e as restrições do sistema creditício são os fatores principais da desaceleração econômica dos EUA. Os investimentos em construção civil caíram 20% no terceiro trimestre de 2007, uma aceleração importante no índice, que teve queda de 11,8% no segundo trimestre (EUA, 2007). Também é grave o encadeamento da crise imobiliária, já que a inadimplência nos segmentos de hipotecas de risco afetou o sistema de crédito americano. Segundo Jan Hatzius, analista do banco americano de investimentos Goldman Sachs, empresas concessoras de crédito podem perder algo em torno de US$ 400 bilhões com empréstimos a receber. O economista afirma que, se as perdas chegarem à metade desse valor, as empresas reagiriam de forma agressiva e poderiam retirar US$ 2 trilhões do país. “Esse é um choque enorme. Corresponde a 7% da dívida total nas mãos dos setores não-financeiros dos EUA. Nossa conclusão é de que as perdas prováveis com a crise das hipotecas colocam um risco macroeconômico significativamente maior que o geralmente admitido”, diz Hatzius (CRISE, 2007). John Stumpt, presidente-executivo do Wells Fargo, um dos maiores bancos dos EUA, afirma que “nós não assistimos uma crise nacional no setor imobiliário deste tamanho desde a Grande Depressão” (AÇÕES, 2007). O dólar despencou nas últimas semanas, depois que a desconfiança nos fundamentos da economia americana se agravou com a crise imobiliária. Ocorre que o próprio dólar é um dos mais importantes destes fundamentos e ele já vinha perdendo força desde 2002 frente ao euro, quando acabou a paridade entre as duas moedas. A crise só intensificou o processo. O presidente dos EUA, George W. Bush, e as autoridades monetárias do país têm se esforçado para apresentar confiança quanto à capacidade da moeda de manter-se como referencia internacional. Mas o mundo teve um surto na semana passada, quando fontes oficiais informaram que a China analisava acumular reservas em euro, atualmente mais forte que o dólar. As autoridades econômicas chinesas se apressaram em tranqüilizar o mercado: o país manterá suas reservas em dólar, assegurou Yi Gang, vice-presidente do Banco do Povo da China, o banco central chinês (CHINA, 2007). Os EUA têm pressionado a China por reformas que desvalorizem a moeda chinesa. “A China precisa de uma política de preços mais flexível e, sobretudo, de uma taxa de câmbio determinada pelo mercado”, disse o secretário do Tesouro americano, Henry Paulson (PAULSON, 2007). Agora, a tarefa do yuan é salvar a moeda americana. Com o dólar fraco, as exportações vêm crescendo e o déficit comercial dos EUA caiu 0,6% em setembro, para US$ 56,5 bilhões, o nível mais baixo dos últimos anos. No terceiro o trimestre, as exportações deram um salto de 16,2%, beneficiada por uma economia global a pleno vapor mesmo sem grande ajuda motor americano. 2. União Européia A União Européia vinha sendo responsável, junto à China, pelo motor da economia mundial com a desaceleração observada nos EUA. Mas a crise americana afeta cada vez mais os 27 países que compõem a UE, somada às elevações do preço do petróleo e à instabilidade do sistema financeiro internacional. Assim, as previsões de crescimento do bloco mostram uma visível desaceleração: 2,9% em 2007 e 2,4% em 2008 e 2009. Os dados são da Comissão Européia, o órgão executivo da UE (UE, 2007). A mesma tendência à desaceleração em 2008 é sentida nas duas principais economias da UE, que deverão crescer menos que a média do bloco em 2007. A Alemanha deve ter um aumento de 2,4% no PIB em 2007, arrefecidas para 2,1% em 2008, segundo os prognósticos do instituto de estudos econômicos DIW. O Instituto Nacional de Estatística da França, o Insee, prevê crescimento de 1,8% para o país em 2007, contra os 2,0% da análise do Governo. O baixo desempenho do terceiro trimestre (+0,7%) confirma as expectativas ruins, depois de 0,3% no segundo e 0,6% no primeiro semestre. Para 2008, os analistas prevêem crescimento entre 2,2% e 2,4%. A ministra da Economia e Finanças da França, Christine Lagarde, acredita que o crescimento do PIB francês pode chegar a 2,75% a depender dos resultados da reforma fiscal de orientação ortodoxa que o Governo pretende implementar. O presidente, Nicolas Sarkozy, se comprometeu a zerar o déficit das finanças públicas do país até 2012. As medidas provocaram insatisfação popular e greve de funcionários públicos (FRANÇA, 2007). Na última reunião, Banco Central Europeu (BCE) manteve estável a taxa de juros do bloco, em 4%, como já era previsto. Mas as pressões inflacionárias têm aumentado os riscos de alta indesejável dos preços, graças às altas cotações do petróleo. Segundo o Departamento de Estatísticas Europeu (Eurostat), a inflação entre setembro e outubro foi de 0,5%, tanto na zona do euro quanto no conjunto da Europa. O conjunto dos 27 países que formam a União Européia cresceu 0,8% no terceiro trimestre de 2007, segundo o Eurostat. O crescimento em relação ao mesmo trimestre de 2006 é de 2,6%, superior em 1 p.p. às estimativas da consultoria financeira Thomson Financial. Já a zona do euro teve incremento de 0,7% no PIB no período. O resultado, entretanto, foi maior que no segundo trimestre, quando os países registraram crescimento de apenas 0,3%. Em 12 meses, o PIB da zona do euro progrediu 2,6%, contra 2,5% no trimestre anterior. 3. Ásia Em setembro, a produção industrial da Índia cresceu 6,4%, comparado ao mesmo mês do ano passado, embora esse crescimento tenha sido abaixo dos 10,7% do mês anterior. A desaceleração se deve à política econômica de perfil menos expansivo que tem sido adotada pelo governo indiano, com aumento das taxas de juros (foram cinco aumentos entre meados de 2006 e março deste ano) e valorização da rúpia em relação ao dólar (PRODUÇÃO, 2007). O Governo comemora o sucesso da política, pois vinha recebendo duras críticas graças à tendência inflacionária que a economia estava enfrentando. Na semana que terminou em 27 de outubro, entretanto, a inflação caiu para 2,97%, a taxa mais baixa em cinco anos e projetando perspectivas melhores que a meta de 5% das autoridades monetários do país. Porém, a valorização da moeda é um dos fatores responsáveis pelo aumento do déficit comercial do país, que chegou a US$ 36,923 bilhões, entre abril e setembro de 2007, uma alta expressiva de 41% em relação ao mesmo período do ano anterior. Enquanto as exportações cresceram 18,52% no período, para US$ 72,28 bilhões, as importações subiram 25,5%, para US$ 109,204 bilhões, em relação ao mesmo semestre do ano passado. A economia do Japão mantém seu ritmo de crescimento estável em 2007. O superávit em conta corrente alcançou US$ 17,68 bilhões em agosto, crescimento de 42,1% em termos anualizados, segundo o Ministério das Finanças japonês. Isso se deve principalmente ao crescimento de 185,2% nas exportações do país, que alçaram o montante de US$ 7,58 bilhões no mesmo período. Foi o 45º mês de alta consecutiva das exportações (JAPÃO, 2007). A produção industrial cresceu 3,4% no mesmo período, quando os economistas previam aumento de 3,1%. A OCDE estima crescimento de 2,4% para a economia japonesa em 2007, enquanto o Banco Central do Japão (BoJ) prevê 2,1%. O crescimento é baseado no investimento privado, com lucros em alta, mas o Japão sofreu queda no consumo familiar e a expansão foi menor no segundo semestre. A crise política vivida nos últimos meses ainda não chegou ao fim. Os problemas começaram quando a oposição ao Governo ganhou maioria na Câmara Alta do país (Senado), o partido do Governo se viu em má reputação após escândalos de beneficiamento em obras públicas e o então premiê renunciou ao cargo. No Governo de Junichiro Koizumi, o Partido Liberal Democrata, que está no Governo desde o fim da Segunda Guerra Mundial, implementou uma série de reformas liberalizantes que a população japonesa acredita ter agravado a situação do país e o novo premiê escolhido pelo partido, Yasuo Fukuda, não parece ter as respostas para a solução da crise política instaurada no país. O atual premiê foi o braço direito de Junichiro Koizumi na implantanção das reformas e acredita no aprofundamento delas. “As reformas ainda são necessárias. Talvez necessitemos uma reforma ainda muito maior”, diz Fukuda (PILLING, 2007). A conjuntura econômica trouxe mais um problema para o Governo de Fukuda há algumas semanas. Uma rápida valorização da moeda japonesa frente ao dólar, ainda mais pela má fase da economia americana, tem atemorizado os exportadores em um momento em que a demanda interna está frágil e sem dinamismo. O país é vulnerável a um choque externo, pois a demanda externa é responsável por ⅔ do crescimento total da economia. O PIB da China deve crescer 11,2% em 2007, contra 11,1% no ano anterior, segundo estimativas oficiais. Os destaques são para o consumo interno, com alta de 6,4% projetada para a inflação, e para as exportações, que podem ser responsáveis por um superávit da balança comercial da ordem de US$ 273 bilhões no ano – quase US$ 100 bilhões acima de 2006, de acordo com o estudo (CARDOSO, 2007). O Banco Mundial projetou crescimento de 11,3% para a economia chinesa e também previu crescimento da inflação e do superávit comercial. Os preços ao consumidor tiveram alta de 6,5% no mês de outubro, em relação ao mesmo período do ano anterior, a maior inflação em 11 anos na China. Os alimentos lideram as elevações de preços, mas já afetam outras categorias de produtos, como combustíveis. A alta inflação já ameaça a estabilidade econômica do país e o crescimento sustentando do PIB, que chegou a 11,5% no terceiro semestre. Muitos especialistas acreditam que a China está diante de um grave problema inflacionário. Corridas aos supermercados estão se tornando um fenômeno constante no país que mais cresce no mundo. Acredita-se que o Governo vai voltar a elevar as taxas de juros ainda esse ano. Esse cenário deve resultar em maiores pressões da comunidade internacional com respeito às políticas monetária e cambial executadas pelas autoridades chinesas. A análise é de que a moeda chinesa está subvalorizada, o que põe em risco a estabilidade econômica internacional, altamente dependente do dinamismo da economia chinesa atualmente. Em outubro, a China registrou novo recorde no saldo da balança comercial, de US$ 27,050 bilhões. O problema é que o superávit comercial tem estimulado a alta da inflação, dos preços das ações e dos custos na indústria. As conseqüências seriam desastrosas se houvesse uma recessão na economia dos EUA e em outros grandes mercados. O perigo é maior do que parece, uma vez que a economia americana corre algum risco de entrar em recessão. Os analistas já são mais cuidadosos ao se referir ao fenômeno do declouping, ou “descolamento”, processo vivido atualmente pela economia mundial em alta, aparentemente descolado do motor americano. Mas se o motor congelar e o trem descarrilar, a China também vai sair dos trilhos – e os gigantes levam com eles a economia do globo. A pressão internacional foi responsável por quatro alterações na taxa de juros básica da economia chinesa esse ano por parte do Banco do Povo da China, o banco central do país. Mas o resultado, longe de arrefecer o consumo e alterar a balança comercial, tem sido sentido sobre a inflação. Tome-se como indício o consumo, cujas vendas a varejo de 2007 crescerão 12,8% em relação a 2006, segundo o relatório do Banco Mundial. Ou as autoridades chinesas adotam rigorosidade à la Brasil, com elevação das taxas de juros e do valor do yuan para conter a inflação, a formação da bolha de ativos e a dependência das importações, ou o vapor chinês vai manter o ritmo de sua acelerada e perigosa corrida ao pódio da economia mundial. Os especialistas acreditam na primeira hipótese. Setor Externo Brasileiro 1. Introdução O esgotamento do modelo de desenvolvimento econômico brasileiro implementado no pósguerra explicitou-se nos anos 80, com graves desequilíbrios macroeconômicos e a incapacidade da economia de voltar a apresentar as taxas de crescimento elevadas e sustentadas dos períodos anteriores. Do ponto de vista da estrutura produtiva, a estagnação dos investimentos e o pequeno esforço de incorporação de progresso técnico traduziram-se em níveis reduzidos de eficiência, produtividade e modernização tecnológica. As mudanças ocorridas na década de 90 representaram a ruptura com esse modelo e a tentativa de encontrar um padrão de desenvolvimento, com menor intervenção estatal nos rumos da economia e maior abertura ao exterior, tanto em termos de fluxo de comércio quanto em termos de fluxo de capitais. Várias políticas econômicas foram implementadas nessa direção, destacando-se a abertura comercial e financeira, as privatizações e o programa de estabilidade econômica. Esperava-se que essas medidas pudessem forçar a convergência rápida da estrutura produtiva e da produtividade da economia brasileira na direção das economias avançadas, eliminando os gargalos que impediam o desenvolvimento do país. A crescente internacionalização da economia brasileira na ultima década suscitou uma série de expectativas e preocupações a respeito do impacto sobre o crescimento e a inserção externa. Muitos foram os argumentos destinados a apontar as oportunidades que se descortinariam para o país a partir da maior presença de capital estrangeiro na estrutura produtiva. Por outro lado, outras tantas foram as preocupações levantadas por aqueles que não acreditavam que a simples presença estrangeira representasse uma alternativa para o desenvolvimento econômico do país e para melhorar sua inserção. Os argumentos favoráveis à internacionalização concentravam-se, por um lado, no fato de que os investimentos diretos possibilitariam uma fonte de financiamento de longo prazo para os desequilíbrios na balança de pagamentos. Por outro, acreditava-se que as empresas estrangeiras teriam um comportamento comercial diferente do das empresas nacionais, que favoreceriam a balança comercial. Dadas as modificações pelas quais passou a economia brasileira nos últimos anos e a crescente importância do capital externo em uma estrutura produtiva que já era bastante internacionalizada, torna-se fundamental conhecer de que forma e até que ponto o comportamento das empresas estrangeiras se diferencia da nacional. Em outras palavras, torna-se fundamental conhecer a influência que a origem do capital desempenha sobre os fluxos de comércio das empresas individuais. Essa tentativa requer, antes de qualquer coisa, o conhecimento do comportamento das empresas estrangeiras no que se refere a sua “autosuficiência de recursos”, ou seja, necessita-se verificar se as empresas estrangeiras conseguem gerar os dólares necessário para fazer frente as remessas de lucro, dividendos e juros. Esse é o objetivo desse relatório que antes buscará analisar a conjuntura das contas externas brasileira, em especial as transações correntes e o câmbio. 2. Transações Correntes e Câmbio Dados recentes reforçaram a expectativa de que, já no ano que vem o Brasil voltará a apresentar saldo negativo nas transações correntes. Embora não preocupe no curto prazo, esse fenômeno será danoso caso se prolongue. O fortalecimento das contas externas foi uma das mais importantes mudanças observadas no quadro macroeconômico brasileiro nos últimos anos. O movimento foi liderado, de início, por uma rápida inflexão no saldo do comércio exterior. Para tal transição, ocorrida entre os anos de 2000 e 2003, contribuíram dois fatores principais: a desvalorização do real e o abalo do consumo doméstico, num quadro de grande desemprego e queda no poder de compra do salário. A esses elementos veio agregar-se, uma melhora substancial e duradoura dos termos de troca – isto é, uma evolução mais favorável dos preços dos bens que o país exporta, comparativamente aos daqueles que são importados. No período mais recente, o aquecimento do mercado interno e a valorização do real vêm produzindo desgaste do superávit comercial. Essa deterioração se manifesta lentamente graças à persistência de termos de troca favoráveis. É aqui que chegamos ao ponto que requer mais atenção das autoridades: a taxa de crescimento das importações acelerou-se muito, ao passo que a das exportações vem caindo. No presente, o dinamismo das compras externas supera por larga margem o das vendas. Essa é uma situação que pode perdurar sem fragilizar as contas externas por algum tempo – mas não indefinidamente. O Brasil nunca importou tanto. Em outubro, ingressaram US$ 12,3 bilhões em mercadorias produzidas em outros países, novo recorde mensal histórico. Em tempos de dólar fraco e economia em expansão, as importações cresceram 41,1% na comparação com igual mês do ano passado e o total importado em dez meses de 2007 já supera todo o volume de 2006. No outro lado da balança comercial, a despeito do câmbio desfavorável, o governo anunciou nova projeção para as exportações. O número passou de US$ 155 bilhões para US$ 157 bilhões no acumulado de 2007. Outubro reforça a tendência de deterioração do saldo do comércio exterior vista desde o primeiro semestre. No mês, o resultado foi 12,9% menor que o de outubro de 2006, ficando em US$ 3,439 bilhões. Tabela 1 - Balança Comercial (FOB em milhões) Anos Exportações Importações Saldo 1999 48.011 49.210 -1.199 2000 55.085 55.783 -698 2001 58.222 55.572 2.650 2002 60.321 47.240 13.081 2003 70.084 48.290 21.794 2004 96.475 62.834 33.641 2005 118.308 73.551 44.757 2006 137.471 91.394 46.077 2007* 136.609 101.497 35.112 Fonte: MIDIC (*)Dados acumulados até 1ª semana de novembro O salto das importações é visto como a causa principal dessa piora. Para o professor de economia da USP, Fábio Kancyk, “o dólar fraco começa a ter efeitos mais explícitos no comércio exterior. Temos visto o aumento das importações, que tem avançado em linha com o câmbio favorável, o crescimento da economia e o aumento da renda”. Nas gôndolas dos supermercados, importados estão cada vez mais presentes. Isso já incomoda alguns setores da indústria nacional. O vice-presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro, diz que voltaram as reclamações sobre uma suposta “invasão de importados”. Gráfico 1 - Balança Comercial Brasil FOB (em US$ milhões) 18000 16000 14000 12000 10000 8000 6000 4000 2000 19 90 19 01 90 19 08 91 19 03 91 19 10 92 19 05 92 19 12 93 19 07 94 19 02 94 19 09 95 19 04 95 19 11 96 19 06 97 19 01 97 19 08 98 19 03 98 19 10 99 19 05 99 20 12 00 20 07 01 20 02 01 20 09 02 20 04 02 20 11 03 20 06 04 20 01 04 20 08 05 20 03 05 20 10 06 20 05 06 20 12 07 07 0 Fonte: BACEN Importações - (FOB) - US$(milhões) - BCB Boletim/BP - BPN12_MTV12 Exportações - (FOB) - US$(milhões) - BCB Boletim/BP - BPN12_XTV12 O saldo das transações correntes brasileiras chegou, no mês passado (outubro), ao seu menor nível em quase quatro anos. A principal causa do declínio, segundo o Banco Central, é o aumento das remessas de lucros e dividendos ao exterior que, neste ano, já registram aumento de 19%. Nos últimos 12 meses, a conta de transações correntes teve um superávit de US$ 9 bilhões, ou 0,75% do PIB do período. Embora o saldo continue positivo, a sua relação com o PIB é a mais baixa desde novembro de 2003. Isso significa que, se consideradas as operações como as de comércio exterior, remessas de lucros e pagamento de juros, o Brasil ainda recebe mais dólares do que envia para fora. Tabela 2 - Balanço de Pagamentos - Transações Correntes (anos selecionados) US$ milhões Ano Balança Comercial Serviços Renda Trans.Unilateral Transações Correntes 1997 -6753 -10646 -14876 1823 -30452 1998 -6575 -10111 -18189 1458 -33417 1999 -1199 -6977 -18848 1689 -25335 2000 -698 -7162 -17886 1521 -24225 2001 2650 -7759 -19743 1638 -23214 2002 13121 -4957 -18191 2390 -7637 2003 24794 -4931 -18552 2867 4178 2004 33641 -4678 -20520 3236 11679 2005 44703 -8309 -25967 3558 13985 2006 46115 -9656 -27489 4306 13276 2007* 30938 -8759 -19558 3019 5640 Fonte: Bacen (*) Acumulado janeiro/setembro de 2007. Entretanto, essa folga, tem caído. Entre janeiro e setembro deste ano, o superávit em transações correntes foi de US$ 5,640 bilhões, queda de 45% ante o mesmo período de 2006. Ainda assim, o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, diz que a situação do país é confortável. Para ele: “há uma redução [no superávit em transações correntes], mas o saldo continua positivo e é acompanhado por um fluxo de investimento estrangeiro ainda elevado, o que é mais do que suficiente para financiar o balanço de pagamentos”. O economista Luciano Miceli, da Tendências Consultoria, defendendo seus clientes, afirma que o aumento nas remessas de lucros não é um sinal ruim: “pelo contrário é o natural. Ainda bem que [as empresas] estão lucrando”, diz. Tabela 3 - Conta Renda do Balanço de Pagamentos (US$ milhões) 2002 2003 2004 Rendas -18191 -18552 -20520 Salário e ordenado 102 109 181 Renda de investimentos (líquido) -18292 -18661 -20701 Renda de investimento direto -4983 -5098 -5789 Lucros e dividendos -4034 -4076 -4937 Lucros reinvestidos no Brasil 0 0 0 Juros de empréstimo intercompanhia -949 -1022 -852 Renda de investimento em carteira -8384 -8743 -10415 Lucros e dividendos -1128 -1564 -2400 Juros de títulos de renda fixa -7256 -7179 -8015 Renda de outros investimentos (juros) -4925 -4820 -4497 Juros pagos -5578 -5681 -5495 Juros refinanciados 0 0 0 Juros atrasados 0 0 0 Fonte: Bacen 2005 -25967 214 -26181 -10302 -9142 0 -1161 -11778 -3544 -8234 -4101 -5452 0 0 2006 -27489 177 -27666 -12811 -11431 0 -1380 -11051 -4924 -6128 -3804 -5723 0 0 2007* -19558 337 -19895 -11366 -10730 0 -636 -4901 -3054 -1847 -3629 -5088 0 0 No mês retrasado, essas remessas somaram US$ 1,686 bilhão, o maior valor já apurado num mês de setembro. No ano, o total enviado ao exterior chega a US$ 13,784 bilhões – valor que inclui tanto os ganhos obtidos por empresas estrangeiras instaladas no Brasil quanto por investidores internacionais que aplicam seus recursos no mercado financeiro nacional. Relatório do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) ressalta ainda que o aumento das remessas também foi afetado pelo câmbio, já que, em agosto, o dólar se valorizou. 3. Liquidez internacional e Reservas O mundo está encharcado de dólares e as soluções encontradas por diversos países para mitigar os efeitos indesejáveis desse fenômeno são cada vez menos convencionais. Governos como os de China e Rússia não se contentam apenas com o mecanismo tradicional da compra de dólares pelos bancos centrais. Com parte do excedente de suas exportações, constituem fundos no exterior, chamados de soberanos, para investir em aplicações variadas – papéis de dívida pública e privada, ações, etc. É um modo de impedir que os dólares entrem no país e de, com eles, buscar ganhos financeiros superiores aos dos papéis do Tesouro dos EUA, onde em geral os BC’s investem suas reservas. Incitada pelo ministro da Fazenda Guido Mantega, iniciou-se uma discussão sobre os riscos e as vantagens de o Brasil criar seu próprio fundo soberano. Os fundos soberanos existentes no mundo comandam um patrimônio estimado em US$ 3,2 trilhões – a título de comparação, as reservas internacionais de todos os BC’s somam US$ 5 trilhões. O da Noruega, constituído pela tributação sobre petróleo exportado, é um dos maiores: mais de US$ 300 bilhões. A principal dificuldade de o Brasil copiar a experiência é o fato de suas exportações não se concentrarem numa commodity, como ocorre com a Rússia (petróleo) ou o Chile (cobre). Russos e chilenos taxam as vendas externas – quanto mais alta é a cotação internacional, maior a fatia tributada – vislumbrando um futuro distante, em que seu subsolo esteja exaurido, e um mais próximo, em que os preços desses bens estejam aviltados. Nesses casos, terão uma fonte de renda adicional em seus fundos. Destinar uma parte das reservas do Banco Central para o fundo soberano não seria uma alternativa menos problemática. Esses fundos são vantajosos porque os dólares são coletados no exterior. Eles nem sequer entram no país, não pressionam para cima o preço da moeda local e não exigem intervenção das autoridades no mercado de câmbio doméstico. Constituir o fundo com dinheiro de reservas – dólares comprados no Brasil à custa de dívida pública remunerada com juros elevados – seria perder essa vantagem. Motivo de debate dentro do governo, a proposta de criação de um fundo soberano deve requerer mais tempo para que o país esteja menos vulnerável, afirmam economistas. Com US$ 165,099 bilhões em caixa, o país é dono hoje da oitava maior reserva internacional do mundo. As reservas são um recurso utilizado como espécie de seguro contra crises externas, mas que tem como efeito colateral o baixo rendimento, já que a maior parte está aplicada em títulos dos EUA, que rendem por volta de 4,5% ao ano. Gráfico 2 - Reservas internacionais - liquidez internacional US$(milhões) - BCB Boletim/BP 200000 180000 160000 140000 120000 100000 80000 60000 40000 20000 2007 09 2007 05 2007 01 2006 09 2006 05 2006 01 2005 09 2005 05 2005 01 2004 09 2004 05 2004 01 2003 09 2003 05 2003 01 2002 09 2002 05 2002 01 2001 09 2001 05 2001 01 2000 09 2000 05 2000 01 0 Reservas internacionais - liquidez internacional - US$(milhões) - BCB Boletim/BP - BM12_RESLIQ12 Como China, Cingapura, Emirados Árabes e Arábia Saudita, o Brasil também discute a melhor forma de usar esse dinheiro. A solução adotada por esses países foi criar um fundo de investimento (soberano) com parte do dinheiro que iria para as reservas. A China, por exemplo, aplica US$ 300 bilhões em ações, além de ter participações em bancos e em empresas pelo mundo. O governo brasileiro debate quanto de dinheiro levar para um fundo de risco, em quais empresas e papéis aplicar, como e quem vai gerenciar os investimentos e quando aplicar parte dessas reservas. A proposta divide economistas dentro e fora do governo. Para Vitoria Saddi, economistasênior para a América Latina da consultoria americana RGE Monitor, o Brasil teria pouco a ganhar com essa proposta de fundo soberano. Para ela, os maiores beneficiados são países dependentes de uma commodity em particular, como Chile e Noruega, que produzem principalmente cobre e petróleo, respectivamente. Ela explica que esses países utilizam fundos soberanos para receber fora do país recursos obtidos com a exportação, para evitar a entrada de capital e impedir a apreciação de suas moedas. “Mas, se você colocar uma parte das reservas em fundos no exterior e houver uma diminuição das exportações, o país terá de usá-las [rapidamente], e o fundo inviabiliza isso”, disse. O ministro Guido Mantega chegou a aventar a possibilidade de parte dos recursos do fundo soberano ser aplicada em infra-estrutura – idéia rechaçada por setores mais conservadores da área econômica do governo, que só aceitam a criação de um fundo de risco maior para elevar a rentabilidade das reservas. Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, afirma que a discussão caminha com “foco desviado e para o lado errado”. Argumenta ainda: “para que servem as reservas? É um seguro. Seria útil no Brasil contra um colapso no preço das commodities, uma desaceleração na economia mundial. Qual a proteção se esse dinheiro for parar em empresas brasileiras que serão prejudicadas em caso de crise?”. Tabela 4 - Composição das Reservas Internacionais - Brasil out/07 Ativos de Reservas Oficiais 167.867 Resevas em moedas estrangeiras 152.559 títulos 143.796 total de moeda e deposito 8.763 BIS, FMI, outros bancos centrais 251 Banco sediado no exterior 8.512 Posição de reserva no FMI 0 DES 8 Ouro 853 Outros ativos em reservas 14.447 derivativos 8 emprestimos a não residentes 117 titulos adqueridos em acordo de recompra 14.321 Fonte: BACEN. Elaboração própria. O ex-diretor do BC diz que a criação de um fundo soberano seria justificada para dar mais rentabilidade às reservas. Para ele, um modelo seria admitir uma porcentagem das reservas em ativos de maior risco. “Hoje as reservas estão restritas a títulos AAA [classificação para papéis de risco próximo de zero]. Teria de se admitir uma parcela, talvez de 15%, para AA e A [ainda de baixíssimo risco, mas inferiores ao AAA]”. Para o economista Fernando Cardim, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), no entanto, a proposta de Mantega de destinar cerca de 5% das reservas para infra-estrutura preserva a função de blindar o país contra crises. Para ele “se o dinheiro vai ficar parado, que financie o desenvolvimento. Os países que adotam esses fundos já fazem isso e assumem riscos maiores. Se fosse um percentual maior, seria uma loucura”. 4. Empresas Estrangeiras: Exportações, Importações e Remessa de Recursos. A maior presença de empresas de capital estrangeiro (ECE) na economia brasileira tem efeitos os mais diversos, que atingem as dimensões políticas (soberania nacional e correlação de forças políticas internas) e econômicas (esfera produtiva real, comercial, tecnológica e monetária-financeira). Tendo em vista a amplitude e profundidade dos temas, cabe aqui concentrar a discussão sobre o impacto econômico mais imediato e significativo dos processos de penetração do capital estrangeiro e de desnacionalização da economia brasileira. No que diz respeito especificamente à dimensão econômica, o destaque fica por conta da questão crítica da vulnerabilidade externa da economia brasileira, que aumentou de forma extraordinária durante o governo FHC e está “escondida” no governo do presidente Lula. Nesse sentido, a desnacionalização do aparelho produtivo significa um aumento ainda maior da vulnerabilidade externa do país. O resultado é não somente a perda de capacidade de resistência a pressões políticas externas, mas também a baixa capacidade de resistência a choques externos. A situação das contas externas, que vinha se deteriorando ano após ano durante o governo FHC, deu sinais de reversão a partir dos anos 2000, fruto da mudança da política cambial, associada ao crescimento da economia mundial. Assim, foi revertido o saldo nas transações correntes, fruto do enorme superávit na balança comercial. Uma análise pertinente sobre o impacto que as empresas de capital estrangeiro têm sobre a economia brasileira, em especial sobre as contas externas, é observar o comportamento de “auto-suficiência de recursos”. O Banco Central do Brasil começou a fazer um Censo de Capitais Estrangeiro no país a partir de 1995. Esse Censo é realizado de cinco em cinco anos. Os dados mostram, por exemplo, que essas empresas exportaram US$ 21,7 bilhões e importaram US$ 19,4 bilhões e, portanto, tiveram um saldo positivo na balança comercial. Entretanto, a balança de serviços dessas empresas teve um saldo altamente negativo de US$ 5 bilhões. Nessa conta de serviço, vale destacar a remessa de lucros e dividendos (US$ 3,2 bilhões) e o pagamento de juros ao exterior (US$ 1,6 bilhão). O resultado concreto é que as empresas estrangeiras no Brasil tiveram um saldo negativo nas transações correntes, no ano de 1995, de US$ 2,7 bilhões, o que representava 15% do saldo negativo total. A análise mais detalhada pode ser vista na tabela a seguir. Tabela 5 - Empresas Estrangeiras e Balanço Pagamentos Brasil: 1995 Empresas Estrangeiras Brasil Balança Comercial 2,373,644 -3,465.615 Exportação 21,744,976 46,506.283 Importação 19,371,332 -49,971.898 Serviços/Rendas -5,053,946 -18,540.511 Lucro/dividendo -3,183,367 -2,568.000 Juros -1,615,348 -9,509.000 Outros -255,231 -497.322 Transações Correntes -2,680,302 -18,383.714 Fonte: Bacen. Elaboração própria Com a adoção do Plano Real, a utilização da âncora cambial como forma de combater a inflação, a abertura indiscriminada da economia à concorrência internacional, aliada a um processo de vendas de ativos estatais, o parque produtivo nacional se viu mais internacionalizado do que nunca. Esse processo de abertura econômica e financeira, possibilitou às empresas estrangeiras facilidades para circulação de seus capitais. A remessa de lucro e dividendos passa a ser, no começo da década de 2000, um novo fator de preocupação para o equilíbrio das transações correntes. Tradicionalmente, o pagamento de juros da dívida sempre foi o “calcanhar de Aquiles” do ajuste do Balanço de Pagamentos. Segundo o Censo de Capitais Estrangeiros no Brasil, no ano de 2000, as empresas estrangeiras continuaram contribuindo de forma positiva no saldo da balança comercial: tiveram um saldo de US$ 1,7 bilhão. Mas, o pagamento de juros, lucros e dividendos, associado ao pagamento de royalties, fez com que o saldo das empresas estrangeiras, no que se refere a conta de serviços e rendas, explodisse para mais de US$ 21 bilhões negativos. Tabela 6 - Empresas Estrangeiras e Balanço Pagamentos Brasil: 2000 Empresas Estrangeiras Brasil Balança Comercial 1,696,598 -697.747 Exportação 33,249,792 55,085.595 Importação 31,553,194 -55,783.342 Serviços/Rendas -21,614,614 -25,047.847 Lucro/dividendo -6,023,618 -3,316,199 Juros -14,116,611 -16,174,251 Outros -1,474,385 -1,289,392 Transações Correntes -19,918,016 -24,224.530 Fonte: Bacen. Elaboração própria Comparando-se a evolução dessas contas entre os anos de 1995 e 2000, observamos como as empresas estrangeiras, evoluíram: houve uma piora relativa no saldo da balança comercial, mas o fato principal foi o aumento exponencial das remessas, tanto de juros quanto de lucro, que se expressam na conta de renda e serviços, como pode ser vista na tabela a seguir. Tabela 7 - Contas Externas Empresas Estrangeiras 1995 2000 Balança Comercial 2,373,644 1,696,598 Exportação 21,744,976 33,249,792 Importação 19,371,332 31,553,194 Serviços/Rendas -5,053,946 -21,614,614 Lucro/dividendo -3,183,367 -6,023,618 Juros -1,615,348 -14,116,611 Outros -255,231 -1,474,385 Transações Correntes -2,680,302 -19,918,016 Fonte: Bacen. Elaboração própria. O Banco Central do Brasil já finalizou o Censo de 2005, mas ainda não o divulgou. Entretanto, pode-se utilizar uma Proxy, para o ano de 2006. Utilizando os dados do BC sobre remessa de lucros e dividendos, do MDIC sobre exportações e importações das grandes empresas, além da Revista Exame sobre o controle acionário das empresas, foi possível fazer um levantamento aproximado sobre o comportamento da “auto-suficiência de recursos” para as empresas estrangeiras. Para realizar tal aproximação foi realizado o seguinte artifício: o MDIC divulga a relação das empresas exportadoras e importadoras. O BACEN divulga os dados referentes à remessa de lucro e dividendo, pagamentos de juros e as contas externas. Para verificar a “auto-suficiência de recursos” das empresas estrangeiras, utilizou-se a Revista Exame para identificar quais empresas listadas na relação do MDIC têm de fato, controle acionário estrangeiro. Na relação de empresas do MDIC constam as 250 maiores exportadoras e importadoras do país, entre empresas nacionais e estrangeiras. Essas empresas representam aproximadamente 72% do total das exportações/importações do Brasil. Considerando que a primeira empresa nas exportações em 2006 foi a Petrobrás S.A, representando 8,07% do total e a última foi a empresa Açúcar Guarani S.A, representando 0,06% do total, pode-se afirmar que as outras empresas que não constam nessa relação do MDIC têm contribuições marginais ao total exportado no Brasil. No ano de 2006, utilizando os dados do MDIC, observa-se que as principais empresas do país, que representam o núcleo duro do capitalismo brasileiro, exportaram US$ 30 bilhões e tiveram um saldo positivo de US$ 17 bilhões na balança comercial. Entretanto, no ano de 2006 foi remetido ao exterior na forma de lucros e dividendos US$ 16 bilhões. Assim, pode-se afirmar que as empresas estrangeiras não têm conseguido gerar os recursos suficientes para fazer frente as suas remessas ao exterior. Essa afirmação pode ser verificada na tabela a seguir. Tabela 8 - Contas Externas Empresas Estrangeiras e Brasil: 2006 Empresas Estrangeiras Brasil Balança Comercial 17.107.339 46.457.909 Exportação 30.168.002 137.807.470 Importação 13.060.663 91.349.561 Balança Serviço/Renda -31.098.117 -37.142.643 Lucro e dividendo -16.354.089 -16.354.089 Juros -13.230.658 -13.230.658 Outros -1.513.370 -7.557.896 Transações Correntes -13.990.778 13.621.476 Fonte: MDIC, Revista Exame e Bacen. Elaboração própria. Essa forma de analisar a inserção externa do país é útil na medida que permite verificar as ligações de dependência que certas frações do capital têm umas com as outras e como determinada política econômica pode afetar e criar fissuras nessa relação conflituosa. Fica claro que os grandes capitais internacionais necessitam das exportações dos setores ligados ao agribussines para conseguir os dólares necessários para remeter ao exterior, assim como o capital financeiro. No caso do capital financeiro, a “dependência” é ainda maior, pois, esse setor não gera divisas ao país – salvo os lucros marginais que bancos nacionais remetem do exterior ao Brasil. Vejamos o caso do câmbio: numa conjuntura de cambio valorizado, como a atual, há um incentivo a remeter recursos ao exterior, já que as empresas podem converter uma quantidade relativamente pequena de reais em dólar. Essa lógica favorece tanto o capital financeiro quanto o grande capital estrangeiro. Por outro lado, esse câmbio prejudica os exportadores, que são aqueles que “financiam” as remessas ao exterior. Assim, ao mesmo tempo em que esses capitais ficam no mesmo campo de batalha contra determinados assuntos (desregulamentação financeira, reforma trabalhista e da previdência, etc.), o uso de determinada política econômica pode criar fissuras internas ao capital. Bibliografia CHINA confirma que suas reservas continuarão sendo em dólares. Folha de São Paulo, São Paulo, 16 nov 2007. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u346117.shtml. Acesso em 17 nov. 2007. CARDOSO, Juliana. Economia chinesa deve crescer 11,4% em 2007. O Globo, Rio de Janeiro, 12 nov. 2007. Disponível em http://oglobo.globo.com/economia/mat/2007/11/12/327125512.asp. Acesso em 18 de novembro de 2007. JAPÃO tem superávit em conta corrente de US$ 17,68 bi em agosto. Folha de São Paulo, 11 out. 2007. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u335725.shtml. Acesso em 18 nov. 2007. PRODUÇÃO industrial da Índia desacelera e cresce 6,4% em setembro. Folha de São Paulo, São Paulo, 12 nov. 2007. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u344868.shtml. Acesso em 18 nov. 2007. Inflação na Índia cai ao menor nível em cinco anos. Folha de São Paulo, São Paulo, 8 nov. 2007. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u343763.shtml. Acesso em 18 nov. 2007. PILLING, David. Japão vive experiência inédita, diz Fukuda. Valor Econômico, São Paulo, 13 nov. 2007, pg. A-14. EUA surpreendem ao crescer 3,9% no terceiro trimestre deste ano. UOL > Economia > Últimas notícias, 31 out. 2007. Disponível em http://economia.uol.com.br/ultnot/afp/2007/10/31/ult35u56079.jhtm. Acesso em 19 nov. 2007. CRISE de crédito pode retirar do mercado US$ 2 tri, diz Goldman Sachs. Folha de São Paulo, São Paulo, 16 nov. 2007. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u346184.shtml. Acesso em 19 nov. 2007. PREÇOS ao consumidor nos EUA sobem 0,3% em outubro. Folha de São Paulo, São Paulo, 15 nov. 2007. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u345888.shtml. Acesso em 19 nov. 2007. Ações do setor financeiro derrubam Bolsas americanas. Folha de São Paulo, São Paulo, 15 nov. 2007. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u346023.shtml. Acesso em 19 nov. 2007. UE reduz previsões de expansão para 2008 e 2009. Folha de São Paulo, São Paulo, 9 nov. 2007. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u344158.shtml. Acesso em 19 nov. 2007. França prevê crescimento entre 2,25% e 2,75% para 2008 com pacote fiscal. Folha de São Paulo, São Paulo, 2 de jul. 2007. disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u308697.shtml. Acesso em 19 nov. 2007.