MONOPÓLIO, CONCORRÊNCIA EM PROPRIEDADE INTELECTUAL, FLEXIBILIZAÇÃO E O ACESSO À MEDICAMENTOS NO ESTADO DEMOCRATICO SOCIAL BRASILEIRO: EFETIVAÇÃO DO DIREITO A SAÚDE? * MONOPOLY, COMPETITION IN INTELLECTUAL PROPERTY, AND ACCESS TO MEDICINES FLEXIBILIZATION THE BRAZILIAN STATE DEMOCRATIC SOCIALIST: REALIZATION OF THE RIGHT TO HEALTH? Claudio José Amaral Bahia Ana Carolina Peduti Abujamra RESUMO O direito a saúde, e, dentro dele o acesso a medicamentos é inquestionavelmente um dos maiores, quiçá, o maior direito humano fundamental inserido no Estado Democrático Social Brasileiro. Assim é que mesmo fazendo uso de ponderações, entende-se que o direito a propriedade intelectual, monopólio, não poderá sopesar a ele. Deve-se pois, proteger a propriedade intelectual, estimular as pesquisas, a invenção e descoberta de novos medicamentos, porém seu acesso pela população deverá ocorrer no menor tempo possível, promovendo- se assim a plena saúde – a vida! PALAVRAS-CHAVES: PROPRIEDADE MEDICAMENTOS, MONOPÓLIO, SAÚDE, ABSTRACT The right to health, and within it access to drugs is undoubtedly one of the largest, perhaps, the most fundamental human right in the Brazilian Social Democratic State. So is that even using the views, it is understood that the right to intellectual property, monopoly, it can not poise. It is therefore, protect intellectual property, encouraging research, invention and the discovery of new medicines, but their access by the population to occur in the shortest time possible, promoting it to full health - the life! KEYWORDS: MEDICINE, MONOPOLY, HEALTH, PROPERTY INTRODUÇÃO * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009. 9732 Questão de extrema atualidade, objeto das mais acaloradas discussões nos foros nacionais e internacionais, a matéria relativa ao patenteamento de medicamentos vem ocupando, de forma insistente, as páginas da imprensa do país, suscitando distintos posicionamentos de ordem científica, legal, humanitária e moral, despertando o interesse, não só de estudiosos do Direito, mas de profissionais dos mais variados ramos de atuação. Quando se fala em medicamento se fala também em doença, saúde, vida e morte, questões que dizem respeito a todos os seres humanos indistintamente. Suas formas de existência e disponibilidade na sociedade – criação, descoberta, pesquisa, fabricação, modificação, distribuição, venda, extinção – não deveriam ser regulamentadas da mesma forma como se regulamentam outros produtos. O medicamento difere de uma mercadoria ou de um serviço de consumo tradicional, cuja aquisição constitui-se em ato de liberdade e eventual possibilidade de cada qual. A Constituição brasileira de 1988 estabeleceu o direito à saúde como um dos seus princípios fundamentais. Nenhuma norma infraconstitucional pode afrontar, impedir ou dificultar o exercício do direito à saúde. Entenda-se, aqui, incluídas as disposições constantes de tratados e acordos internacionais aprovados e ratificados pelo Brasil. 1. PROPRIEDADE INTELECTUAL E CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 A Constituição Federal de 1988 revela-se uma das únicas Cartas a pormenorizar o estatuto das patentes, atribuindo-lhe, além de proteção constitucional, espaço dentre os Direitos e Garantias Fundamentais da República (art. 5º, XXIX, CF/88), razão pela qual alguns autores passam a discutir a existência ou não de um direito natural aos bens intelectuais. Sendo os direitos de propriedade intelectual antes de tudo direitos de propriedade e estando estes vinculados ao art. 5 º do texto constitucional, a eles impõem-se as limitações que regulam os direitos de propriedade em toda a sua extensão, em especial a limitação aos incisos XXII e XXIV. A doutrina que se dedica ao tema da propriedade intelectual e à sua existência jurídica costuma encontrar como ponto máximo de tensão constitucional a restrição que o monopólio de patentes traz ao direito da livre concorrência. Esse aparente conflito encontra solução em âmbito que extrapola os limites estritos da proteção concedida, no direito de livre copiar, vencidas as garantias da patente. A contradição é própria de um direito que, ao contrario da propriedade tangível, necessita da proteção jurídica para existir. Por essa razão, torna-se insustentável qualquer argumento que procure encontrar na patente de invenção fundamento de direito natural. Somente a norma é capaz de atribuir a esse instituto o status de direito individual em substituição a outras possibilidades de fruição de conhecimento. 9733 1.1. DA PROTEÇÃO NO BRASIL O regime das patentes se reveste de especial importância no âmbito da indústria farmacêutica, extremamente dependente de custosas inovações e pesquisas científicas. O desenvolvimento tecnológico do setor farmacêutico jamais foi prioridade no Brasil, considerado, em muitos países, como de segurança nacional. O mercado nacional é dominado pelos oligopólios internacionais. As empresas nacionais, mesmo que produzindo no Brasil, dependem do fornecimento de matérias–primas pelas empresas transnacionais, o que faz aumentar, ainda mais, a dependência existente. No período de 1945 a 1969, o Brasil concedia patentes apenas para processos farmacêuticos, negando-as para produtos. O que, ao invés da consolidar a indústria farmacêutica, fez com que surgisse uma indústria baseada na importação de pirataria e na de cópias de produtos cujas patentes já tinham expirado, tendo como conseqüência a estagnação da investigação científica e do desenvolvimento tecnológico. Com o advento do Código de Propriedade Industrial de 1971, a proteção patentária de processos e produtos farmacêuticos e alimentícios e de produtos químicos foi totalmente abolida (art. 9º, “c”, da Lei n.º 5.772/71). A exclusão dessas áreas tinha motivação essencialmente política, dentro de um modelo de industrialização autárquica, qual seja a de proporcionar, via apropriação do conhecimento alheio, o desenvolvimento brasileiro nesses setores tecnológicos. A decisão brasileira de não patentear produtos e processos farmacêuticos tinha fundamento e estava amparada na Convenção de Paris de 1883, da qual o Brasil foi um dos primeiros signatários, que estabeleceu que o país poderia excluir do patenteamento qualquer produto essencial, por razões de interesse social, ameaça à saúde e à segurança pública. Cabe ressaltar que a atitude brasileira não era inédita, uma vez que, países como Alemanha, Itália, Suíça, Japão e Espanha, que hoje estão dentre os mais industrializados, também adotaram estratégia similar à brasileira, objetivando evitar o sucateamento de suas indústrias, possibilitando investimentos no setor, enquanto não houvesse patenteamento, de forma a possibilitar a ulterior concorrência com empresas mais potentes de outros países. Apenas mais recentemente, em momento mais adequado, tornou-se possível a aprovação de leis modernas de propriedade industrial. No Brasil, negado o patenteamento no período referido, a falta de uma política adequada ao setor impediu que investimentos se realizassem, sendo que, em nosso país, as instituições de pesquisa mendigam verbas ao governo federal, quando não as têm simplesmente reduzidas ou totalmente cortadas. Em conseqüência, assistimos ao desmantelamento do parque industrial farmacêutico pela inexistência de investimentos públicos em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) no setor. 9734 O início dos anos sessenta caracterizou-se pela entrada de empresas farmacêuticas internacionais que, aos poucos, foram ocupando o mercado interno, sem abrir as portas para o capital nacional, aqui se estabelecendo, sem criar nenhuma associação com as empresas nacionais. Com o passar dos anos, assistimos ao enfraquecimento dos laboratórios nacionais e a incapacidade dos mesmos para concorrer com os grupos estrangeiros. E, iniciou-se a desnacionalização do setor farmacêutico nacional. O Brasil ocupa posição privilegiada no cenário internacional, nada menos do que o oitavo lugar no mercado mundial de fármacos. É um dos maiores mercados consumidores de produtos farmacêuticos do mundo. Isto significa, de um lado, grande fonte de riquezas para o primeiro mundo, pelo que consumimos e pelos royalties que se paga, e, de outro lado, pelo que se fornece ou se pode fornecer em termos de matériasprimas até hoje não exploradas. Cabe ressaltar que a nossa biodiversidade é atualmente explorada por grupos internacionais representados por multinacionais ou universidades estrangeiras que se apropriam de nossa matéria–prima, cobiçada ainda pela biopirataria, que vem se apoderando do conhecimento indígena para enviar, aos laboratórios estrangeiros, plantas e animais existentes na floresta (HERINGER, 2001, p.81). Curioso é constatar que a invasão de empresas estrangeiras ocorreu, principalmente, após a década de setenta, quando não mais havia a possibilidade de patenteamento dos produtos farmacêuticos. Nada obstante a ausência de patentes, o capital estrangeiro, assim mesmo, foi atraído. O Brasil, por não reconhecer, na época, patentes farmacêuticas, sofreu diversas retaliações em razão de poderoso lobby, instaurado nos EUA, pela Pharmaceutical Manufacturers Association - PMA, junto ao governo norte americano (Seção 301 do Trade Act de 1974). A PMA se constitui na maior representante dos laboratórios farmacêuticos dos EUA, protegendo os interesses de cerca de cem empresas transnacionais norte-americanas que atuam no ramo de medicamentos. Tais empresas insurgiram-se contra a total falta de proteção patentária brasileira aos produtos farmacêuticos e a possibilidade de, no Brasil, se copiar, produzir e comercializar produtos inventados pelos membros da PMA, sujeitos a patentes nos EUA e em muitos outros países. Em julho de 1990, deu-se o fim das retaliações quando, a então ministra da economia, anunciou que o Brasil encaminharia ao Congresso, até março de 1991, um Projeto de Lei, o de número 824/91, para revisar o Código de Propriedade Industrial, tendo por objetivo, dentre outros, o reconhecimento de patentes para produtos farmacêuticos. A Lei n.º 9.279/96, novo Código de Propriedade Industrial, em conformidade com o disposto no artigo 27 do TRIPS (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio), prevê a concessão de patentes em todos os setores tecnológicos, inclusive para produtos químicos, alimentos e fármacos, que eram as áreas excluídas da patenteabilidade pelo CPI de 1971. Com esta lei, o Brasil passou de segunda para a terceira fase de desenvolvimento tecnológico. A teoria do desenvolvimento tende hoje a sustentar que o reforço da proteção dos direitos de propriedade, e em particular da propriedade intelectual e industrial, é um importante fator de desenvolvimento econômico, social e científico9735 cultural. É com este sentido que deve ser interpretado o artigo 5º XXIX da Constituição Federal de 1988, quando fala na proteção legal de inventos industriais, tendo em vista o interesse social e desenvolvimento tecnológico e econômico do país. O reforço da proteção da propriedade industrial é aqui visto como um meio para atingir o fim do desenvolvimento social e econômico e não como um obstáculo à sua realização. Isto contra o que era defendido por uma teoria do desenvolvimento sustentado, dos anos 70 do século XX, assente no protecionismo e marcadamente hostil à ordem econômica e à sua ênfase nos direitos de propriedade, na liberalização do mercado e na globalização da economia. Na verdade, a tendência hoje vai sentido de recuperar a noção de que um esquema forte de proteção dos direitos de propriedade intelectual pode constituir um importante motor do desenvolvimento econômico e do progresso social. A aplicação consistente da nova lei é essencial para impedir uma regressão para estágios menos avançados de desenvolvimento. Subjacente ao novo regime está um novo entendimento, segundo o qual, embora uma proteção robusta das patentes possa infligir alguns danos a curto prazo à indústria dos produtos copiados, a mesma cria condições de desenvolvimento sustentado da indústria farmacêutica a longo prazo, na medida em que estrutura e aperfeiçoa o mercado dos produtos farmacêuticos, atrai investimento estrangeiro e promove a transferência de tecnologia farmacêutica, diversifica os medicamentos originais disponíveis no mercado interno e incrementa a investigação e o desenvolvimento por parte de empresas nacionais. O Decreto n.2.553/98 reafirma a vontade do legislador brasileiro de conferir uma adequada proteção às patentes, estimulando dessa maneira a inventividade e o engenho dos brasileiros. O Brasil é um país rico em espírito empreendedor, em desenvolvimento científico e tecnológico e em recursos naturais, mas entre os seus aspectos mais vulneráveis contam-se um déficit de capital humano no plano educacional e ausência de uma estrutura normativa que incentive e proteja devidamente o investimento, a investigação e o desenvolvimento. As últimas décadas da teoria do desenvolvimento têm sublinhado o papel que os Estados de direito democrático e os direitos fundamentais por si garantidos- entre os quais os direitos de propriedade intelectual e industrial- podem desempenhar na criação de riqueza e numa gestão justa, pacífica e sustentada dos recursos. Por fim, é bom ressaltar que cristalina esta a tendência de internacionalização do direito de patentes, e o Brasil está preocupado em acompanhar de perto tal tendência, evitando atrasos em seu posicionamento internacional. É interessante notar que tal internacionalização é fruto de um longo processo, que vem valorando e valorizando a função e a razão das patentes. 2. O MONOPÓLIO E A CONCORRÊNCIA EM PROPRIEDADE INTELECTUAL 9736 No sistema de patentes brasileiro, pode ser conferido privilégio de exclusividade (monopólio legal) a toda invenção que atender aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Segundo Carol Proner (2007, p. 349): A publicidade da invenção constitui fundamento de justificação, para fins de legitimidade social, de sua proteção, garantindo ao mesmo tempo uma contraprestação pública em benefício do inventor e possibilidade futura (vencido o prazo da concessão) de reprodução do objeto da patente. Ocorre que para alguns a concessão de monopólio legal aos criadores entra em choque com o princípio da livre concorrência estipulado em diversas constituições, e na disputa dos preços, dos valores das “mercadorias”. No entanto, não se pode olvidar que as criações intelectuais e as invenções trazem benefícios para a sociedade, contribuindo para o desenvolvimento econômico e tecnológico. A proteção conferida aos direitos de propriedade intelectual é um estímulo para novos investimentos em P&D, para a criação de novas invenções, contribuindo, cada vez mais, para o desenvolvimento. Ademais, os direitos exclusivos sobre novas criações não retiram do público qualquer liberdade que havia anteriormente a sua constituição, eis que os elementos tornados exclusivos – técnicas, ou obras expressivas – nunca haviam sido integrados ao domínio comum. Novos, ou originais, são sempre bens ainda não inseridos na economia. A concessão dessa exclusividade temporária ao criador de obra inventiva acaba por favorecer a concorrência, o desenvolvimento e a tecnologia. Tendo-se em vista que as empresas procurarão investir cada vez mais em pesquisa para a criação de novas invenções, competindo entre si pelas vantagens conferidas pelo direito de exclusividade[1]. Ocorre que no caso de medicamentos, esta lei (LPI) opera de forma absolutamente desleal para qualquer padrão de dignidade humana ou mesmo de livre concorrência. As relações de consumo (oferta e demanda), no caso de produtos no combate a doenças, estão viciados pelo elemento da necessidade. A essencialidade do consumo de determinados medicamentos por uma população enferma altera qualquer suposto equilíbrio da concorrência. Somando-se esse a outro ainda maor, o do monopólio de fatia de mercado por poucas empresas, escancara-se algo completamente alheio a qualquer teoria econômica de fundamento liberal original. A definição do monopólio de patente, também não menciona o aspecto da dependência tecnológica, concentração de conhecimento e de tecnologia desde finais do século XIX foi responsável pela existência de economia ricas e pobres. Em uma relação simbiótica, 9737 o sistema de proteção a patentes e a alta tecnologia convivem e se retroalimentam mutuamente. Cabe ainda ressaltar, que nem sempre é o inventor/pesquisadores que ficam com os lucros, posto que, o benefício da patente pode ser concedido ao real inventor, a um grupo de pesquisadores ou a uma entidade com personalidade jurídica pública ou privada (PRONER, 2007, p. 350). Diante disso, por se tratar de medicamentos (remédio, substância que combate doenças, moléstias ou desvios do estado normal de saúde), vê-se com maus olhos a possibilidade de concessão do monopólio destes, pelo prazo de 20 anos, devendo-se esta ser por um tempo menor, prestigiando-se o inventor e fomentando a pesquisa, mas ao mesmo tempo garantindo o acesso o quanto antes a produtos mais baratos, genéricos, e, de outros laboratórios. 3. DA FLEXIBILIZAÇÃO DO SISTEMA DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL PARA PROTEÇÃO CONTRA OS ABUSOS DOS DIREITOS QUANDO HOUVER INTERESSE PARA A SAÚDE PÚBLICA Na aplicação das tradicionais regras de interpretação da legislação internacional pública, cada cláusula do Acordo Trips deverá ser entendida à luz do objeto e da finalidade do Acordo, na forma expressa em seus objetivos e princípios. O artigo 8º, que define os princípios do Acordo TRIPS, estabelece que os países membros da OMC (...) podem adotar medidas necessárias para proteger a saúde e a nutrição públicas e para promover o interesse público em setores de vital importância para o seu desenvolvimento sócio-econômico e tecnológico, desde que estas medidas sejam compatíveis com o disposto no Acordo. Tal artigo confere autonomia para que os Estados- Partes adotem políticas independentes em defesa da saúde pública. Na verdade, atuam na propriedade intelectual, dois importantes interesses protegidos pelo ordenamento jurídico, o econômico do inventor e o social. No campo das patentes farmacêuticas esse equilíbrio é especialmente sensível, pois, do ponto de vista social e de saúde pública, o sistema de patentes deve não só garantir que novas drogas e vacinas para tratamento e prevenção de doenças sejam geradas, mas também a disponibilidade de tratamentos e acesso a medicamentos (DOMINGUES, 2005, p.39). 9738 E sobre esse panorama que o Acordo TRIPS permite algumas flexibilidades ou salvaguardas que os países podem incluir nas suas legislações. As flexibilidades de interesse para a saúde pública são aquelas que, em geral, podem favorecer a introdução de medicamentos genéricos no mercado, veja-se: a) Licença compulsória: (artigo 31 do Acordo TRIPS e ratificado pelo artigo 68 e 73, § 6o da Lei 9.279/96), divulgada nos meios de comunicação como “quebra de patentes”, consiste na autorização concedida pelo Estado para o uso da invenção patenteada sem o consentimento do detentor da patente. Trata-se de uma potencial estratégia para regular o monopólio ocasionado pela proteção patentária. Na Lei brasileira de Propriedade Industrial, a licença compulsória está prevista dos artigos 68 a 74. Nela estão incluídas as possibilidades de concessão de licença compulsória por falta de exploração da patente, por interesse público, em casos de emergência nacional, para remediar práticas anticompetitivas, por falta de fabricação local da patente e em situações nas quais a exploração de uma patente dependa de outra (patentes dependentes). Os casos de concessão de licença compulsória, por interesse público ou emergência nacional estão regulamentados pelos Decretos nº. 3.201/99 e nº. 4.830/03. Cabe lembrar que a quebra de patente é temporária e não haverá prejuízo quanto ao pagamento dos royalties à empresa proprietária da patente tendo em vista o art. 2º do Decreto 6.108 de 04 de Maio de 2007. Ainda, é bom lembrar que se de interesse poderá o Sistema Único de Saúde “participar da produção de medicamentos” (art.200, CF/88) e a quebra da patente do produto mencionado, tira-se por ilação que por força normativa caberia ao Estado, através, por exemplo, de seu laboratório Federal (Far Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz) a produção do remédio genérico para fins de atender as necessidades do Ministério da Saúde. b) Importação paralela: Esta flexibilidade está prevista no artigo 6º do Acordo TRIPS. Permite importar um produto protegido de um país onde o medicamento tenha sido colocado no mercado pelo detentor da patente ou por terceiros por ele autorizado. Ao comercializar o produto no país exportador, os direitos do detentor da patente já foram reconhecidos, não havendo, portanto, justificativa para que ele seja novamente recompensado no país importador. Para as políticas de acesso a medicamentos, esta flexibilidade é extremamente importante, pois as empresas farmacêuticas multinacionais costumam estabelecer preços diferenciados para um mesmo medicamento nos diferentes países. Assim, a existência da importação paralela nas legislações nacionais permite que um país importe um medicamento de onde ele esteja sendo comercializado ao menor preço. No Brasil, a importação paralela não está prevista na legislação da forma mais completa possível, pois está condicionada às situações de concessão de licença compulsória por razão de abuso de poder econômico (art. 68, §3). Portanto, na prática, a importação paralela pode ser feita por um ano, enquanto o licenciado se organiza para fazer a exploração local do medicamento alvo da licença compulsória. 9739 c) Uso experimental: permite que a invenção patenteada seja usada para fins de investigação científica. Representa uma das formas de se promover um equilíbrio entre os interesses do detentor da patente e os interesses nacionais, porque possibilita a utilização da informação revelada pela patente com o objetivo de promover o desenvolvimento científico e tecnológico do país. Esta investigação científica pode ser realizada por qualquer laboratório de pesquisa, seja ele público ou privado. d) Exceção Bolar (Bolar Provision): O nome “Bolar” origina-se de um caso julgado pela corte dos Estados Unidos entre as empresas farmacêuticas Roche Products Inc. e Bolar Pharmaceutical Co. É conhecida também como “trabalho antecipado”, esta flexibilidade permite que um laboratório utilize a invenção patenteada para realizar testes necessários à obtenção do registro sanitário na agência reguladora de medicamentos. Assim, um produtor pode solicitar registro sanitário para um medicamento genérico durante o período de vigência da patente, de modo a lançar o produto concorrente no mercado imediatamente após a expiração de sua proteção. O uso desta flexibilidade tem dupla vantagem para o país: além de favorecer a rápida entrada do medicamento genérico no mercado, possibilita o aprendizado pelo uso da informação sobre a invenção. No Brasil, a exceção Bolar está prevista na emenda à Lei no 9.279/96, feita pela Lei no 10.196/2001, que incluiu o inciso VII no artigo 43. No âmbito da OMC, essa pratica foi considerada pelo Órgão de Solução de Controvérsias em harmonia com as regras do Acordo Trips. 4. A QUESTÃO DOS MEDICAMENTOS GENÉRICOS Um importante tópico relacionado com a propriedade industrial na atualidade é a questão dos medicamentos genéricos[2], pois bem reflete a importância econômica e social da patente, principalmente no que tange ao licenciamento compulsório. O Brasil tomou medidas internas para criar as condições para a implantação da Política de Medicamentos Genéricos, em harmonia com as regras da Organização Mundial de Saúde, Países da Europa, Estados Unidos e Canadá, e com isso houve a criação da ANVISA (Agencia Nacional de Vigilância Sanitária), e da edição da Lei de Medicamentos Genéricos (Lei nº. 9.787/99), ambas especificamente para a área de medicamentos. A chamada “Lei dos Genéricos” é a Lei nº. 9.787, de 10 de fevereiro de 1999, que altera a Lei nº. 6.360, de 23 de setembro de 1976, e que dispõe sobre a vigilância sanitária, estabelece o medicamento genérico, dispõe sobre a utilização de nomes genéricos em produtos farmacêuticos e dá outras providências. Entende-se como medicamento genérico um produto farmacêutico, que pretende ser intercambiável com o produto inovador, geralmente produzido sem licença da 9740 companhia inovadora e comercializado após a expiração da proteção patentária ou outros direitos de exclusividade. Os medicamentos genéricos podem ser comercializados sob a denominação genérica ou utilizar uma nova marca, podendo também apresentar dosagens ou potências diferentes dos produtos inovadores. Estes surgiram na década de 60, por iniciativa do EUA - primeiro país a adotar essa política - onde os medicamentos genéricos entram no mercado, em média, três meses após expiração da patente. Em seguida vários países da Europa adotaram a mesma política. [3] A implementação do tema, no Brasil, se deu na década de 70, com o Decreto 793, sendo a primeira tentativa de estabelecer os medicamentos genéricos. Tal norma foi revogada pelo Decreto 3.181/99, que regulamentou a Lei 9.787/99. O ano de 2000 foi marcado pela concessão dos primeiros registros de medicamentos genéricos (189 registros) e laboratórios (15), e o início da produção. Os primeiros medicamentos a serem registrados estão: Ampicilina sódica (antibiótico); Cefalexina (antibiótico); Cloridato de Ranitidina (antiulceroso); Cetononazol (antimicótico); Furosemida (diurético); Sulfato de Salbutamol (broncodilatador) [4]. É importante lembrar que tal política somente foi possível de ser implementada depois de reconhecidas as patentes de medicamentos, pelo que antes eram copiados, desenvolvendo apenas os “similares” [5]. Há evidências robustas de que a comercialização de medicamentos genéricos no mercado, especialmente se fabricados por diferentes empresas, provoca redução nos preços. Uma porque os laboratórios não precisam agregar ao valor de pesquisa e desenvolvimento no genérico, pois isto já foi efetuado pelo laboratório do medicamento patenteado. Duas porque cria concorrência entre o medicamento de referência, que possui uma marca, e o medicamento genérico. Este é um importante diferencial, o medicamento de referência é comercializado pela marca, ainda que conste o princípio ativo na embalagem, ao passo que o medicamento genérico é comercializado apenas pelo nome do princípio ativo, e a marcação “G” de genérico, nos termos da legislação corrente. Os resultados, pela comercialização de medicamentos a preços muito mais baixos, em um país como o Brasil, são significativos. Estudos da Organização Mundial da Saúde indicam que genéricos, tais como a aspirina, são produzidos em condições muito próximas àquelas constatadas em mercados perfeitamente competitivos – grande número de produtores e compradores, homogeneidade de produtos e serviços, pleno acesso às informações, mobilidade dos fatores de produção e ausência de barreiras à entrada, além dos preços serem estabelecidos quase que ao custo de produção. 9741 Outra, quando se adentra na seara de medicamentos mais complexos, como os antiretrovirais, por exemplo, constata-se que um número pequeno de empresas farmacêuticas possui monopólios legais para tais medicamentos. Esse mercado é caracterizado tanto por dificuldades de acesso às informações, quanto por barreiras legais à entrada impostas pela proteção patentária. Nesse mercado, as margens de lucro são elevadíssimas, particularmente nos primeiros anos da vigência da patente. Os lucros gerados pela proteção patentária são uma recompensa não apenas pelos riscos assumidos pela empresa, mas também pela inovação, esta considerada na forma de investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) pela empresa titular da patente. A concorrência é sabidamente o mais poderoso instrumento para reduzir os preços de medicamentos não patenteados ou genéricos. Nos EUA, por exemplo, quando a patente expira, a média do preço cai até 60% em relação ao preço do medicamento patenteado ao entrar no mercado, quando há apenas um competidor, e 29% quando há dez competidores (ABBOT, 2002, p.78). Nesse sentido, sempre que a patente expira, outras empresas entram no mercado com suas versões genéricas para o medicamento, provocando uma redução drástica nos preços e, conseqüentemente, tornando os produtos mais acessíveis à população. Dessa forma, as empresas deixam de concorrer com diferenciação de produtos e inovação, o que demanda investimentos mais elevados, passando a concorrer com preços no mercado. Nessa nova situação, não apenas as empresas farmacêuticas de pesquisa competem entre si, mas também as empresas de genéricos, que entram no mercado com novas versões para o mesmo medicamento, já que este, por sua vez, não goza mais da proteção patentária. Assim sendo, a produção de genéricos é um instrumento importante para os países em desenvolvimento, pois facilita o acesso a medicamentos pela população que, na maioria das vezes, não possui recursos financeiros suficientes para adquirir medicamentos patenteados. Ainda, sabe-se que muitos países não garantiam proteção a patentes para medicamentos antes da entrada em vigor do ADPIC. Não obstante, como as regras de proteção à propriedade intelectual não poderiam ser aplicadas retroativamente, diversos medicamentos não protegidos por patentes que entraram no mercado antes do ADPIC podem ter versões genéricas fabricadas nesses países. Assim, países como Brasil, Argentina, Índia, dentre outros, por terem proibido o patenteamento de medicamentos antes do ADPIC, não são obrigados a conferir proteção a fármacos que foram introduzidos no mercado antes da assinatura do Acordo. Nesse caso, a produção de genérico para esses produtos é permitida. Cumpre ressaltar que o Brasil cumpre um importante papel no cenário mundial, pois implementou um programa de combate à AIDS, adquirindo anti-retrovirais genéricos para distribuição gratuita a pacientes que vem recebendo muitos elogios pela comunidade internacional. Sem embargo, em que pesem os benefícios econômicos, sociais e concorrenciais do mercado de medicamentos genéricos, muitos países por serem menos desenvolvidos não 9742 possuem capacitação técnica, ou possuem capacidade ínfima, para a fabricação local de genéricos. Outro problema a ser apontado é a ocorrência de práticas anticompetitivas por titulares de patentes farmacêuticas que abusam do monopólio legal como forma de obter lucros excessivos, prejudicando a livre concorrência e os consumidores, principalmente aqueles de países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, com menores recursos financeiros para adquirir medicamentos. Nesse sentido, há instrumentos no próprio ADPIC que permitem aos membros da OMC adotar medidas contra práticas anticompetitivas por abuso de direito de patente, como veremos adiante. 4.1. ACESSO A MEDICAMENTOS VS REGISTRO NA ANVISA A atuação do setor de saúde no processo de concessão de patentes farmacêuticas foi incorporada pela Lei 10.196/2001, que incluiu o artigo 229-c na legislação brasileira de propriedade intelectual. Este dispositivo determinou que a concessão de patentes nesta área somente poderia ser concedida com a anuência prévia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), órgão responsável pela segurança sanitária e pela garantia da qualidade dos medicamentos no país. O papel da ANVISA na anuência prévia não é, assim, o de simples interferência no processo de concessão de patentes. Trata-se de uma medida para proteção dos pacientes, evitando-se que seja concedida uma patente imerecida. Juridicamente, o registro junto à ANVISA é obrigatório para a própria salvaguarda da saúde nacional e dos direitos de patente, já que o medicamento deve demonstrar a sua fórmula, a sua aplicação e as suas implicações. O registro apenas será realizado para beneficiar o legitimo proprietário da fórmula e do processo de fabricação (CARVALHO, 2007, p.95). Essa medida pode ser considerada como uma flexibilidade do Acordo, implícita no seu artigo 8º, o qual define como princípio o direito de os países membros da OMC, adotarem medidas necessárias para proteger a saúde pública e nutrição e para promover o interesse público em setores de vital importância para o desenvolvimento socioeconômico e tecnológico, desde que compatíveis com o disposto no Acordo. Por mais claro e óbvio que pareça ser o papel da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) nos pedidos de patentes de produtos e processos farmacêuticos, ainda persistem alguns focos de resistência à participação de membros do Ministério da Saúde em tarefa tradicionalmente desempenhada unicamente por membros do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Também perseveram alguns equívocos de interpretação sobre o instituto da anuência prévia à luz do direito interno e do direito internacional, em especial no que diz respeito 9743 aos compromissos que o Brasil assumiu junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) e ao Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (a sigla em inglês TRIPS). Com a anuência prévia, a intenção do legislador brasileiro não foi a de retirar competências originárias do INPI, nem tampouco restringir o direito aos pedidos de concessões de patentes farmacêuticas ou discriminar os produtos patenteáveis. Sua intenção foi a de facilitar o processo de análise desses pedidos de patentes dotando o órgão registrante - INPI - de técnicos originários de outro órgão do Executivo, capazes, por sua formação específica, de participar da análise dos requisitos legais indispensáveis dos processos de patentes de medicamentos. Não pretendeu o legislador, o que é óbvio, criar um segundo procedimento de análise, nem muito menos discriminar produtos patenteáveis. Com a anuência prévia estabeleceu-se um procedimento moderno, eficiente e eficaz no qual o INPI e a ANVISA, conjunta e cooperativamente, examinam os pedidos de patentes farmacêuticas, evitando, assim, a concessão imerecida de patentes e o monopólio indevido. Não há, como se vê do texto da lei de 2001, qualquer expressão ou frase que leve a conclusão de que se trata de um duplo exame - de uma análise de confirmação ou não. É evidente que o espírito do legislador foi o de proteger o interesse social de possíveis riscos à saúde pública e ao desenvolvimento tecnológico do país. O INPI e a ANVISA, na análise desses tipos de patentes, formam um sistema único, um único corpo de examinadores a serviço da sociedade. Aperfeiçoar o processo de análise dos pedidos dessas patentes, e dotar o INPI de expertise, somente pode refletir positivamente no bem-estar dos consumidores e garantir os benefícios advindos dos avanços tecnológicos que já se encontram no estado da técnica. Por outro lado, é preciso reconhecer que o legislador não feriu nenhum princípio expresso ou implícito de direito interno ao criar o instituto da anuência prévia. É sabido que a Constituição Federal de 1988 determina que a propriedade deve atender a sua função social (artigo 5º, inciso XXIII) e que a ordem econômica deve obedecer ao princípio da função social da propriedade (artigo 170, inciso III), como garantia de justiça social. Claro está, em nossa lei fundamental, o reconhecimento da supremacia do bem-comum sobre o direito individual da propriedade. Nenhum argumento é capaz de resistir à lógica de que, nas relações entre Estado e indivíduo, os direitos fundamentais assumem posição de proeminência. Não há discricionariedade quando o Estado, por meio de seus órgãos, atua na tutela dos direitos à vida, nem mesmo na concessão ou não de patentes. Nesse sentido é claro o texto do artigo 197 da Constituição Federal. Não sobrevive à análise criteriosa do direito interno nenhuma tese que tente afastar a anuência prévia da ANVISA por violação constitucional. É preciso pôr fim, em nível interno, às discussões que tentam, sem qualquer fundamento, macular o instituto da anuência prévia. Isso tem representado um desserviço às conquistas relacionadas à saúde pública em nosso país e, especialmente, ao acesso a medicamentos essenciais. 9744 Da mesma forma, a anuência prévia não viola nenhum princípio de direito internacional. Os direitos de propriedade intelectual foram construídos sobre os fortes pilares do direito internacional, tendo por base os princípios humanitários e a proteção dos direitos do homem. As críticas que se faz à anuência prévia no que diz respeito às obrigações que o Brasil assumiu junto à OMC também não prosperam frente às flexibilidades e salvaguardas do acordo TRIPs, justamente porque seus padrões de proteção devem atingir tanto países desenvolvidos quanto aqueles em desenvolvimento. Se não bastassem à clareza e a lógica dos objetivos e princípios do TRIPS, mais recentemente a Declaração de Doha sobre o Acordo TRIPS e Saúde Pública enfatiza que o acordo deve ser interpretado e implementado de maneira a garantir, nos Estadosmembros, a proteção da saúde pública e a promoção do acesso a medicamento para todos. Vê-se, sem esforço, que, de acordo com a Declaração de Doha, os órgãos registrantes de patentes, como em nosso caso o INPI/ANVISA, não devem conceder patentes farmacêuticas contrárias ao interesse público e que possam dificultar o acesso a medicamentos essenciais. Não há dúvida, portanto, que a anuência prévia representa instrumento importante de garantia do interesse público, conquista fundamental da sociedade brasileira e exemplo para os demais países em desenvolvimento. Fora isso a pergunta que fica é: Quando for solicitado por qualquer pessoa, grupo de pessoas ou organizações não governamentais, medicamentos ainda sem registro, contudo específico, junto a ANVISA, deverá o Estado fornecer? Administrativamente o Estado negará oferecer, posto estar cumprindo as normas ora discutidas, contudo se os solicitantes se socorrem do Poder Judiciário, considerando que o seu intérprete não analisará apenas o fato e o conjunto de normas, mas também o valor de justiça tem-se como constitucional a concessão do acesso ao medicamento específico [6]. Cabe, porém ressaltar, que o Estado poderá negar de cumprir tal decisão se provar que o medicamento possuía ou possui impedimento e restrição de uso, diante da constatação médica de sua necessidade e eficácia e frente ao fato de ser reconhecido pelos órgãos competentes do país de origem, não existem motivos para desprestigiar o acesso a medicamento. O que se busca com essa medida é manter a integridade e saúde da pessoa. O mesmo ocorre com medicamentos em teste (desde que provado que não é eficaz e prejudicial tanto no exterior quanto no Brasil). As soluções ora apresentadas são condizentes com a proteção que se faz à saúde, visto que questões administrativas não podem corresponder a empecilho para o acesso a medicamentos. Importante salientar, que a esfera administrativa, quando chamada a se manifestar sobre o acesso a medicamentos, analisa apenas o fato, a norma e os interesses estatais, ignorando a orientação preventiva da Constituição, bem como a busca do bem comum. É por isso que a relevância é destinada ao Poder Judiciário. Por fim, um argumento utilizado contra o acesso a medicamentos refere-se à determinação do que esteja sobre a responsabilidade do Estado, ou seja, quais as 9745 atividades que envolvem o conceito de bem comum, ou política pública ou interesse social. CONCLUSÕES Os medicamentos, intrinsecamente ligados à manutenção da saúde da população, constituem elemento importante da política sanitária do Estado. Produtos de primeira necessidade, os fármacos transcendem os direitos civis para alcançar o patamar de coisa pública. Há, portanto, necessidade de maior controle e zelo e atenção, por parte do Estado, nas políticas de distribuição, fiscalização, preço, entre outros fatores que atuem no acesso aos medicamentos. Assim, englobadas pelo direito à saúde, as políticas adotadas no mercado de medicamentos detêm importância não só econômica como também social. As patentes, vistas como instrumento de proteção e incentivo às invenções e ao desenvolvimento científico das empresas detentoras, conferem-lhes a condição de monopólio sobre seus produtos e processos por longos períodos, limitando, dessa forma, a concorrência nos mercados farmacêuticos. O sistema de patentes em cada país é reflexo de sua capacidade tecnológica, ou seja, os países tecnologicamente desenvolvidos defendem um rígido sistema de patentes; aqueles que ainda estão por se desenvolver defendem um sistema flexibilizado para atender a seus interesses nacionais. No Brasil, país em desenvolvimento, visando equilibrar as desigualdades tecnológicas enfrentadas, a partir de 1999 o governo começou a implementar uma política de medicamentos. Dessa política, três elementos se destacam: o Programa de Medicamentos Genéricos (PMG), o registro e acompanhamento de preços e o acesso gratuito e universal a medicamentos pelos portadores do vírus HIV. Com intuito de impedir os possíveis abusos e ilegalidades cometidos pelos titulares de patentes e de assegurar um mercado competitivo na área de medicamentos, regime adotado pelo Brasil, o Tratado internacional de Patentes (Acordo TRIPS- ADPIC) e a lei 9.279/96, prevêem algumas salvaguardas, entre as quais se destacam a limitação da exclusividade de exploração da invenção a 20 anos, a caducidade da patente e a concessão de licenças compulsórias em situação de emergência nacional ou na vigência de interesse público. Por fim, não se vê com bons olhos o prazo de 20 anos, concedido aos “inventores” de medicamentos (remédio, substância que combate doenças, moléstias ou desvios do estado normal de saúde), devendo esse prazo ser reduzido, não se olvidando de prestigiar o inventor e fomentar a pesquisa, mas ao mesmo tempo garantindo o acesso o quanto antes a produtos mais baratos, genéricos, e, de outros laboratórios, e, como corolário, promovendo a saúde e por conseqüência protegendo-se a vida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 9746 ABBOTT, Frederick M. The Doha Declaration on the TRIPS Agreement and Public Health: Lighting a Dark Corner at the WTO. Journal of International Economic Law, 2002. ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005. BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação. 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[2] Engenharia Reversa – na produção de medicamento genérico se parte da descoberta ou fórmula para a fabricação. [3] Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/hotsite/genericos/faq/profissionais.htm#2 acessado em 16 de janeiro de 2009. [4] Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/hotsite/genericos/faq/profissionais.htm#2 acessado em 16 de janeiro de 2009. [5] reproduz sem exatidão a fórmula do medicamento original, com os mesmos princípios ativos e a mesma concentração, forma farmacêutica, via de administração, posologia e indicação terapêutica, preventiva ou diagnóstica (inciso XX do artigo 3º da lei n. 6.360/76). [6] MEDICAÇÃO FALTA. (JA SUPERADA) DE SEU REGISTRO NA ANVISA. “FORNECIMENTO PELO ESTADO 1 A só falta, na ANVISA, de registro de um medicamento não é causa de interdição absoluta de seu uso no Brasil, porque admite a normativa o “uso experimental” ‘‘de produto novo, promissor, ainda sem registro” na agência reguladora (RDC 26/1999) 2 Não se trata no caso de pleito para a obtenção de medicamento proibido, mas de, ao fundo, permitir o acesso a medicamento que se noticia aprovado no País de origem - sem observância de estorvos regulamentares. Óbice suplantado, no caso, com a suplemente Resolução RE n° 2.555- ANVISA 3 A tutela complementar da vida, da integridade física e da saúde diz Aduano de Cupis reclama a garantia dos meios econômicos e financeiros idôneos a prover os cuidados necessários à preservação ou reintegração desses bens da personalidade. Observa o mesmo autor que o Estado se obriga a assegurar o fornecimento desses meios para tornar possível a gratuidade da cura dos necessitados 4. Norma programática, ou talvez de aplicação imediata tal o afirmou o Min Franciulli Netto, do Superior Tribunal de Justiça (cfr REsp 212 346) . acaso de eficácia contida {rectius restringível. na conhecida referência de Michel Temer), a do art 196, CF/88, não pode, em todo caso. ser limitada por práticas administrativas que, em dez das diretrizes dessa norma constitucional, lancem-se a sendas burocráticas, reticentes em atender a um direito fundamental, como se arrola o da saúde (art 6o, CF), sobretudo posta em risco manifesto uma vida humana, vida que é o mais nobre dos bens da personalidade Provimento da apelação. (Apelação Cível 6097145700, rel. Ricardo Dip, 11 Câmara de Direito Público, jul. 07/03/2008, TJSP). 9750