9732 monopólio, concorrência em propriedade

Propaganda
MONOPÓLIO, CONCORRÊNCIA EM PROPRIEDADE INTELECTUAL,
FLEXIBILIZAÇÃO E O ACESSO À MEDICAMENTOS NO ESTADO
DEMOCRATICO SOCIAL BRASILEIRO: EFETIVAÇÃO DO DIREITO A
SAÚDE? *
MONOPOLY, COMPETITION IN INTELLECTUAL PROPERTY, AND
ACCESS TO MEDICINES FLEXIBILIZATION THE BRAZILIAN STATE
DEMOCRATIC SOCIALIST: REALIZATION OF THE RIGHT TO HEALTH?
Claudio José Amaral Bahia
Ana Carolina Peduti Abujamra
RESUMO
O direito a saúde, e, dentro dele o acesso a medicamentos é inquestionavelmente um dos
maiores, quiçá, o maior direito humano fundamental inserido no Estado Democrático
Social Brasileiro. Assim é que mesmo fazendo uso de ponderações, entende-se que o
direito a propriedade intelectual, monopólio, não poderá sopesar a ele. Deve-se pois,
proteger a propriedade intelectual, estimular as pesquisas, a invenção e descoberta de
novos medicamentos, porém seu acesso pela população deverá ocorrer no menor tempo
possível, promovendo- se assim a plena saúde – a vida!
PALAVRAS-CHAVES:
PROPRIEDADE
MEDICAMENTOS,
MONOPÓLIO,
SAÚDE,
ABSTRACT
The right to health, and within it access to drugs is undoubtedly one of the largest,
perhaps, the most fundamental human right in the Brazilian Social Democratic State. So
is that even using the views, it is understood that the right to intellectual property,
monopoly, it can not poise. It is therefore, protect intellectual property, encouraging
research, invention and the discovery of new medicines, but their access by the
population to occur in the shortest time possible, promoting it to full health - the life!
KEYWORDS: MEDICINE, MONOPOLY, HEALTH, PROPERTY
INTRODUÇÃO
*
Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo –
SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.
9732
Questão de extrema atualidade, objeto das mais acaloradas discussões nos foros
nacionais e internacionais, a matéria relativa ao patenteamento de medicamentos vem
ocupando, de forma insistente, as páginas da imprensa do país, suscitando distintos
posicionamentos de ordem científica, legal, humanitária e moral, despertando o
interesse, não só de estudiosos do Direito, mas de profissionais dos mais variados ramos
de atuação.
Quando se fala em medicamento se fala também em doença, saúde, vida e morte,
questões que dizem respeito a todos os seres humanos indistintamente.
Suas formas de existência e disponibilidade na sociedade – criação, descoberta,
pesquisa, fabricação, modificação, distribuição, venda, extinção – não deveriam ser
regulamentadas da mesma forma como se regulamentam outros produtos. O
medicamento difere de uma mercadoria ou de um serviço de consumo tradicional, cuja
aquisição constitui-se em ato de liberdade e eventual possibilidade de cada qual.
A Constituição brasileira de 1988 estabeleceu o direito à saúde como um dos seus
princípios fundamentais. Nenhuma norma infraconstitucional pode afrontar, impedir ou
dificultar o exercício do direito à saúde. Entenda-se, aqui, incluídas as disposições
constantes de tratados e acordos internacionais aprovados e ratificados pelo Brasil.
1. PROPRIEDADE INTELECTUAL E CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988
A Constituição Federal de 1988 revela-se uma das únicas Cartas a pormenorizar o
estatuto das patentes, atribuindo-lhe, além de proteção constitucional, espaço dentre os
Direitos e Garantias Fundamentais da República (art. 5º, XXIX, CF/88), razão pela qual
alguns autores passam a discutir a existência ou não de um direito natural aos bens
intelectuais.
Sendo os direitos de propriedade intelectual antes de tudo direitos de propriedade e
estando estes vinculados ao art. 5 º do texto constitucional, a eles impõem-se as
limitações que regulam os direitos de propriedade em toda a sua extensão, em especial a
limitação aos incisos XXII e XXIV.
A doutrina que se dedica ao tema da propriedade intelectual e à sua existência jurídica
costuma encontrar como ponto máximo de tensão constitucional a restrição que o
monopólio de patentes traz ao direito da livre concorrência. Esse aparente conflito
encontra solução em âmbito que extrapola os limites estritos da proteção concedida, no
direito de livre copiar, vencidas as garantias da patente. A contradição é própria de um
direito que, ao contrario da propriedade tangível, necessita da proteção jurídica para
existir.
Por essa razão, torna-se insustentável qualquer argumento que procure encontrar na
patente de invenção fundamento de direito natural. Somente a norma é capaz de atribuir
a esse instituto o status de direito individual em substituição a outras possibilidades de
fruição de conhecimento.
9733
1.1. DA PROTEÇÃO NO BRASIL
O regime das patentes se reveste de especial importância no âmbito da indústria
farmacêutica, extremamente dependente de custosas inovações e pesquisas científicas.
O desenvolvimento tecnológico do setor farmacêutico jamais foi prioridade no Brasil,
considerado, em muitos países, como de segurança nacional. O mercado nacional é
dominado pelos oligopólios internacionais. As empresas nacionais, mesmo que
produzindo no Brasil, dependem do fornecimento de matérias–primas pelas empresas
transnacionais, o que faz aumentar, ainda mais, a dependência existente.
No período de 1945 a 1969, o Brasil concedia patentes apenas para processos
farmacêuticos, negando-as para produtos. O que, ao invés da consolidar a indústria
farmacêutica, fez com que surgisse uma indústria baseada na importação de pirataria e
na de cópias de produtos cujas patentes já tinham expirado, tendo como conseqüência a
estagnação da investigação científica e do desenvolvimento tecnológico.
Com o advento do Código de Propriedade Industrial de 1971, a proteção patentária de
processos e produtos farmacêuticos e alimentícios e de produtos químicos foi totalmente
abolida (art. 9º, “c”, da Lei n.º 5.772/71).
A exclusão dessas áreas tinha motivação essencialmente política, dentro de um modelo
de industrialização autárquica, qual seja a de proporcionar, via apropriação do
conhecimento alheio, o desenvolvimento brasileiro nesses setores tecnológicos.
A decisão brasileira de não patentear produtos e processos farmacêuticos tinha
fundamento e estava amparada na Convenção de Paris de 1883, da qual o Brasil foi um
dos primeiros signatários, que estabeleceu que o país poderia excluir do patenteamento
qualquer produto essencial, por razões de interesse social, ameaça à saúde e à segurança
pública.
Cabe ressaltar que a atitude brasileira não era inédita, uma vez que, países como
Alemanha, Itália, Suíça, Japão e Espanha, que hoje estão dentre os mais
industrializados, também adotaram estratégia similar à brasileira, objetivando evitar o
sucateamento de suas indústrias, possibilitando investimentos no setor, enquanto não
houvesse patenteamento, de forma a possibilitar a ulterior concorrência com empresas
mais potentes de outros países. Apenas mais recentemente, em momento mais
adequado, tornou-se possível a aprovação de leis modernas de propriedade industrial.
No Brasil, negado o patenteamento no período referido, a falta de uma política
adequada ao setor impediu que investimentos se realizassem, sendo que, em nosso país,
as instituições de pesquisa mendigam verbas ao governo federal, quando não as têm
simplesmente reduzidas ou totalmente cortadas. Em conseqüência, assistimos ao
desmantelamento do parque industrial farmacêutico pela inexistência de investimentos
públicos em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) no setor.
9734
O início dos anos sessenta caracterizou-se pela entrada de empresas farmacêuticas
internacionais que, aos poucos, foram ocupando o mercado interno, sem abrir as portas
para o capital nacional, aqui se estabelecendo, sem criar nenhuma associação com as
empresas nacionais. Com o passar dos anos, assistimos ao enfraquecimento dos
laboratórios nacionais e a incapacidade dos mesmos para concorrer com os grupos
estrangeiros. E, iniciou-se a desnacionalização do setor farmacêutico nacional.
O Brasil ocupa posição privilegiada no cenário internacional, nada menos do que o
oitavo lugar no mercado mundial de fármacos. É um dos maiores mercados
consumidores de produtos farmacêuticos do mundo. Isto significa, de um lado, grande
fonte de riquezas para o primeiro mundo, pelo que consumimos e pelos royalties que se
paga, e, de outro lado, pelo que se fornece ou se pode fornecer em termos de matériasprimas até hoje não exploradas. Cabe ressaltar que a nossa biodiversidade é atualmente
explorada por grupos internacionais representados por multinacionais ou universidades
estrangeiras que se apropriam de nossa matéria–prima, cobiçada ainda pela biopirataria,
que vem se apoderando do conhecimento indígena para enviar, aos laboratórios
estrangeiros, plantas e animais existentes na floresta (HERINGER, 2001, p.81).
Curioso é constatar que a invasão de empresas estrangeiras ocorreu, principalmente,
após a década de setenta, quando não mais havia a possibilidade de patenteamento dos
produtos farmacêuticos. Nada obstante a ausência de patentes, o capital estrangeiro,
assim mesmo, foi atraído.
O Brasil, por não reconhecer, na época, patentes farmacêuticas, sofreu diversas
retaliações em razão de poderoso lobby, instaurado nos EUA, pela Pharmaceutical
Manufacturers Association - PMA, junto ao governo norte americano (Seção 301 do
Trade Act de 1974). A PMA se constitui na maior representante dos laboratórios
farmacêuticos dos EUA, protegendo os interesses de cerca de cem empresas
transnacionais norte-americanas que atuam no ramo de medicamentos.
Tais empresas insurgiram-se contra a total falta de proteção patentária brasileira aos
produtos farmacêuticos e a possibilidade de, no Brasil, se copiar, produzir e
comercializar produtos inventados pelos membros da PMA, sujeitos a patentes nos
EUA e em muitos outros países.
Em julho de 1990, deu-se o fim das retaliações quando, a então ministra da economia,
anunciou que o Brasil encaminharia ao Congresso, até março de 1991, um Projeto de
Lei, o de número 824/91, para revisar o Código de Propriedade Industrial, tendo por
objetivo, dentre outros, o reconhecimento de patentes para produtos farmacêuticos.
A Lei n.º 9.279/96, novo Código de Propriedade Industrial, em conformidade com o
disposto no artigo 27 do TRIPS (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade
Intelectual Relacionados ao Comércio), prevê a concessão de patentes em todos os
setores tecnológicos, inclusive para produtos químicos, alimentos e fármacos, que eram
as áreas excluídas da patenteabilidade pelo CPI de 1971.
Com esta lei, o Brasil passou de segunda para a terceira fase de desenvolvimento
tecnológico. A teoria do desenvolvimento tende hoje a sustentar que o reforço da
proteção dos direitos de propriedade, e em particular da propriedade intelectual e
industrial, é um importante fator de desenvolvimento econômico, social e científico9735
cultural. É com este sentido que deve ser interpretado o artigo 5º XXIX da Constituição
Federal de 1988, quando fala na proteção legal de inventos industriais, tendo em vista o
interesse social e desenvolvimento tecnológico e econômico do país.
O reforço da proteção da propriedade industrial é aqui visto como um meio para atingir
o fim do desenvolvimento social e econômico e não como um obstáculo à sua
realização. Isto contra o que era defendido por uma teoria do desenvolvimento
sustentado, dos anos 70 do século XX, assente no protecionismo e marcadamente hostil
à ordem econômica e à sua ênfase nos direitos de propriedade, na liberalização do
mercado e na globalização da economia.
Na verdade, a tendência hoje vai sentido de recuperar a noção de que um esquema forte
de proteção dos direitos de propriedade intelectual pode constituir um importante motor
do desenvolvimento econômico e do progresso social. A aplicação consistente da nova
lei é essencial para impedir uma regressão para estágios menos avançados de
desenvolvimento.
Subjacente ao novo regime está um novo entendimento, segundo o qual, embora uma
proteção robusta das patentes possa infligir alguns danos a curto prazo à indústria dos
produtos copiados, a mesma cria condições de desenvolvimento sustentado da indústria
farmacêutica a longo prazo, na medida em que estrutura e aperfeiçoa o mercado dos
produtos farmacêuticos, atrai investimento estrangeiro e promove a transferência de
tecnologia farmacêutica, diversifica os medicamentos originais disponíveis no mercado
interno e incrementa a investigação e o desenvolvimento por parte de empresas
nacionais.
O Decreto n.2.553/98 reafirma a vontade do legislador brasileiro de conferir uma
adequada proteção às patentes, estimulando dessa maneira a inventividade e o engenho
dos brasileiros. O Brasil é um país rico em espírito empreendedor, em desenvolvimento
científico e tecnológico e em recursos naturais, mas entre os seus aspectos mais
vulneráveis contam-se um déficit de capital humano no plano educacional e ausência de
uma estrutura normativa que incentive e proteja devidamente o investimento, a
investigação e o desenvolvimento.
As últimas décadas da teoria do desenvolvimento têm sublinhado o papel que os
Estados de direito democrático e os direitos fundamentais por si garantidos- entre os
quais os direitos de propriedade intelectual e industrial- podem desempenhar na criação
de riqueza e numa gestão justa, pacífica e sustentada dos recursos.
Por fim, é bom ressaltar que cristalina esta a tendência de internacionalização do direito
de patentes, e o Brasil está preocupado em acompanhar de perto tal tendência, evitando
atrasos em seu posicionamento internacional. É interessante notar que tal
internacionalização é fruto de um longo processo, que vem valorando e valorizando a
função e a razão das patentes.
2. O MONOPÓLIO E A CONCORRÊNCIA EM PROPRIEDADE
INTELECTUAL
9736
No sistema de patentes brasileiro, pode ser conferido privilégio de exclusividade
(monopólio legal) a toda invenção que atender aos requisitos de novidade, atividade
inventiva e aplicação industrial.
Segundo Carol Proner (2007, p. 349):
A publicidade da invenção constitui fundamento de justificação, para fins de
legitimidade social, de sua proteção, garantindo ao mesmo tempo uma contraprestação
pública em benefício do inventor e possibilidade futura (vencido o prazo da concessão)
de reprodução do objeto da patente.
Ocorre que para alguns a concessão de monopólio legal aos criadores entra em choque
com o princípio da livre concorrência estipulado em diversas constituições, e na disputa
dos preços, dos valores das “mercadorias”.
No entanto, não se pode olvidar que as criações intelectuais e as invenções trazem
benefícios para a sociedade, contribuindo para o desenvolvimento econômico e
tecnológico.
A proteção conferida aos direitos de propriedade intelectual é um estímulo para novos
investimentos em P&D, para a criação de novas invenções, contribuindo, cada vez mais,
para o desenvolvimento.
Ademais, os direitos exclusivos sobre novas criações não retiram do público qualquer
liberdade que havia anteriormente a sua constituição, eis que os elementos tornados
exclusivos – técnicas, ou obras expressivas – nunca haviam sido integrados ao domínio
comum. Novos, ou originais, são sempre bens ainda não inseridos na economia.
A concessão dessa exclusividade temporária ao criador de obra inventiva acaba por
favorecer a concorrência, o desenvolvimento e a tecnologia. Tendo-se em vista que as
empresas procurarão investir cada vez mais em pesquisa para a criação de novas
invenções, competindo entre si pelas vantagens conferidas pelo direito de
exclusividade[1].
Ocorre que no caso de medicamentos, esta lei (LPI) opera de forma absolutamente
desleal para qualquer padrão de dignidade humana ou mesmo de livre concorrência.
As relações de consumo (oferta e demanda), no caso de produtos no combate a doenças,
estão viciados pelo elemento da necessidade. A essencialidade do consumo de
determinados medicamentos por uma população enferma altera qualquer suposto
equilíbrio da concorrência. Somando-se esse a outro ainda maor, o do monopólio de
fatia de mercado por poucas empresas, escancara-se algo completamente alheio a
qualquer teoria econômica de fundamento liberal original.
A definição do monopólio de patente, também não menciona o aspecto da dependência
tecnológica, concentração de conhecimento e de tecnologia desde finais do século XIX
foi responsável pela existência de economia ricas e pobres. Em uma relação simbiótica,
9737
o sistema de proteção a patentes e a alta tecnologia convivem e se retroalimentam
mutuamente.
Cabe ainda ressaltar, que nem sempre é o inventor/pesquisadores que ficam com os
lucros, posto que, o benefício da patente pode ser concedido ao real inventor, a um
grupo de pesquisadores ou a uma entidade com personalidade jurídica pública ou
privada (PRONER, 2007, p. 350).
Diante disso, por se tratar de medicamentos (remédio, substância que combate doenças,
moléstias ou desvios do estado normal de saúde), vê-se com maus olhos a possibilidade
de concessão do monopólio destes, pelo prazo de 20 anos, devendo-se esta ser por um
tempo menor, prestigiando-se o inventor e fomentando a pesquisa, mas ao mesmo
tempo garantindo o acesso o quanto antes a produtos mais baratos, genéricos, e, de
outros laboratórios.
3. DA FLEXIBILIZAÇÃO DO SISTEMA DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL
PARA PROTEÇÃO CONTRA OS ABUSOS DOS DIREITOS QUANDO
HOUVER INTERESSE PARA A SAÚDE PÚBLICA
Na aplicação das tradicionais regras de interpretação da legislação internacional pública,
cada cláusula do Acordo Trips deverá ser entendida à luz do objeto e da finalidade do
Acordo, na forma expressa em seus objetivos e princípios. O artigo 8º, que define os
princípios do Acordo TRIPS, estabelece que os países membros da OMC
(...) podem adotar medidas necessárias para proteger a saúde e a nutrição públicas e para
promover o interesse público em setores de vital importância para o seu
desenvolvimento sócio-econômico e tecnológico, desde que estas medidas sejam
compatíveis com o disposto no Acordo.
Tal artigo confere autonomia para que os Estados- Partes adotem políticas
independentes em defesa da saúde pública.
Na verdade, atuam na propriedade intelectual, dois importantes interesses protegidos
pelo ordenamento jurídico, o econômico do inventor e o social. No campo das patentes
farmacêuticas esse equilíbrio é especialmente sensível, pois, do ponto de vista social e
de saúde pública, o sistema de patentes deve não só garantir que novas drogas e vacinas
para tratamento e prevenção de doenças sejam geradas, mas também a disponibilidade
de tratamentos e acesso a medicamentos (DOMINGUES, 2005, p.39).
9738
E sobre esse panorama que o Acordo TRIPS permite algumas flexibilidades ou
salvaguardas que os países podem incluir nas suas legislações. As flexibilidades de
interesse para a saúde pública são aquelas que, em geral, podem favorecer a introdução
de medicamentos genéricos no mercado, veja-se:
a) Licença compulsória: (artigo 31 do Acordo TRIPS e ratificado pelo artigo 68 e 73,
§ 6o da Lei 9.279/96), divulgada nos meios de comunicação como “quebra de patentes”,
consiste na autorização concedida pelo Estado para o uso da invenção patenteada sem o
consentimento do detentor da patente. Trata-se de uma potencial estratégia para regular
o monopólio ocasionado pela proteção patentária.
Na Lei brasileira de Propriedade Industrial, a licença compulsória está prevista dos
artigos 68 a 74. Nela estão incluídas as possibilidades de concessão de licença
compulsória por falta de exploração da patente, por interesse público, em casos de
emergência nacional, para remediar práticas anticompetitivas, por falta de fabricação
local da patente e em situações nas quais a exploração de uma patente dependa de outra
(patentes dependentes). Os casos de concessão de licença compulsória, por interesse
público ou emergência nacional estão regulamentados pelos Decretos nº. 3.201/99 e nº.
4.830/03.
Cabe lembrar que a quebra de patente é temporária e não haverá prejuízo quanto ao
pagamento dos royalties à empresa proprietária da patente tendo em vista o art. 2º do
Decreto 6.108 de 04 de Maio de 2007.
Ainda, é bom lembrar que se de interesse poderá o Sistema Único de Saúde “participar
da produção de medicamentos” (art.200, CF/88) e a quebra da patente do produto
mencionado, tira-se por ilação que por força normativa caberia ao Estado, através, por
exemplo, de seu laboratório Federal (Far Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz) a
produção do remédio genérico para fins de atender as necessidades do Ministério da
Saúde.
b) Importação paralela: Esta flexibilidade está prevista no artigo 6º do Acordo TRIPS.
Permite importar um produto protegido de um país onde o medicamento tenha sido
colocado no mercado pelo detentor da patente ou por terceiros por ele autorizado.
Ao comercializar o produto no país exportador, os direitos do detentor da patente já
foram reconhecidos, não havendo, portanto, justificativa para que ele seja novamente
recompensado no país importador.
Para as políticas de acesso a medicamentos, esta flexibilidade é extremamente
importante, pois as empresas farmacêuticas multinacionais costumam estabelecer preços
diferenciados para um mesmo medicamento nos diferentes países. Assim, a existência
da importação paralela nas legislações nacionais permite que um país importe um
medicamento de onde ele esteja sendo comercializado ao menor preço.
No Brasil, a importação paralela não está prevista na legislação da forma mais completa
possível, pois está condicionada às situações de concessão de licença compulsória por
razão de abuso de poder econômico (art. 68, §3). Portanto, na prática, a importação
paralela pode ser feita por um ano, enquanto o licenciado se organiza para fazer a
exploração local do medicamento alvo da licença compulsória.
9739
c) Uso experimental: permite que a invenção patenteada seja usada para fins de
investigação científica. Representa uma das formas de se promover um equilíbrio entre
os interesses do detentor da patente e os interesses nacionais, porque possibilita a
utilização da informação revelada pela patente com o objetivo de promover o
desenvolvimento científico e tecnológico do país. Esta investigação científica pode ser
realizada por qualquer laboratório de pesquisa, seja ele público ou privado.
d) Exceção Bolar (Bolar Provision): O nome “Bolar” origina-se de um caso julgado
pela corte dos Estados Unidos entre as empresas farmacêuticas Roche Products Inc. e
Bolar Pharmaceutical Co. É conhecida também como “trabalho antecipado”, esta
flexibilidade permite que um laboratório utilize a invenção patenteada para realizar
testes necessários à obtenção do registro sanitário na agência reguladora de
medicamentos. Assim, um produtor pode solicitar registro sanitário para um
medicamento genérico durante o período de vigência da patente, de modo a lançar o
produto concorrente no mercado imediatamente após a expiração de sua proteção.
O uso desta flexibilidade tem dupla vantagem para o país: além de favorecer a rápida
entrada do medicamento genérico no mercado, possibilita o aprendizado pelo uso da
informação sobre a invenção.
No Brasil, a exceção Bolar está prevista na emenda à Lei no 9.279/96, feita pela Lei no
10.196/2001, que incluiu o inciso VII no artigo 43. No âmbito da OMC, essa pratica foi
considerada pelo Órgão de Solução de Controvérsias em harmonia com as regras do
Acordo Trips.
4. A QUESTÃO DOS MEDICAMENTOS GENÉRICOS
Um importante tópico relacionado com a propriedade industrial na atualidade é a
questão dos medicamentos genéricos[2], pois bem reflete a importância econômica e
social da patente, principalmente no que tange ao licenciamento compulsório.
O Brasil tomou medidas internas para criar as condições para a implantação da Política
de Medicamentos Genéricos, em harmonia com as regras da Organização Mundial de
Saúde, Países da Europa, Estados Unidos e Canadá, e com isso houve a criação da
ANVISA (Agencia Nacional de Vigilância Sanitária), e da edição da Lei de
Medicamentos Genéricos (Lei nº. 9.787/99), ambas especificamente para a área de
medicamentos.
A chamada “Lei dos Genéricos” é a Lei nº. 9.787, de 10 de fevereiro de 1999, que altera
a Lei nº. 6.360, de 23 de setembro de 1976, e que dispõe sobre a vigilância sanitária,
estabelece o medicamento genérico, dispõe sobre a utilização de nomes genéricos em
produtos farmacêuticos e dá outras providências.
Entende-se como medicamento genérico um produto farmacêutico, que pretende ser
intercambiável com o produto inovador, geralmente produzido sem licença da
9740
companhia inovadora e comercializado após a expiração da proteção patentária ou
outros direitos de exclusividade.
Os medicamentos genéricos podem ser comercializados sob a denominação genérica ou
utilizar uma nova marca, podendo também apresentar dosagens ou potências diferentes
dos produtos inovadores.
Estes surgiram na década de 60, por iniciativa do EUA - primeiro país a adotar essa
política - onde os medicamentos genéricos entram no mercado, em média, três meses
após expiração da patente. Em seguida vários países da Europa adotaram a mesma
política. [3]
A implementação do tema, no Brasil, se deu na década de 70, com o Decreto 793, sendo
a primeira tentativa de estabelecer os medicamentos genéricos. Tal norma foi revogada
pelo Decreto 3.181/99, que regulamentou a Lei 9.787/99.
O ano de 2000 foi marcado pela concessão dos primeiros registros de medicamentos
genéricos (189 registros) e laboratórios (15), e o início da produção. Os primeiros
medicamentos a serem registrados estão: Ampicilina sódica (antibiótico); Cefalexina
(antibiótico); Cloridato de Ranitidina (antiulceroso); Cetononazol (antimicótico);
Furosemida (diurético); Sulfato de Salbutamol (broncodilatador) [4].
É importante lembrar que tal política somente foi possível de ser implementada depois
de reconhecidas as patentes de medicamentos, pelo que antes eram copiados,
desenvolvendo apenas os “similares” [5].
Há evidências robustas de que a comercialização de medicamentos genéricos no
mercado, especialmente se fabricados por diferentes empresas, provoca redução nos
preços.
Uma porque os laboratórios não precisam agregar ao valor de pesquisa e
desenvolvimento no genérico, pois isto já foi efetuado pelo laboratório do medicamento
patenteado. Duas porque cria concorrência entre o medicamento de referência, que
possui uma marca, e o medicamento genérico.
Este é um importante diferencial, o medicamento de referência é comercializado pela
marca, ainda que conste o princípio ativo na embalagem, ao passo que o medicamento
genérico é comercializado apenas pelo nome do princípio ativo, e a marcação “G” de
genérico, nos termos da legislação corrente.
Os resultados, pela comercialização de medicamentos a preços muito mais baixos, em
um país como o Brasil, são significativos.
Estudos da Organização Mundial da Saúde indicam que genéricos, tais como a aspirina,
são produzidos em condições muito próximas àquelas constatadas em mercados
perfeitamente competitivos – grande número de produtores e compradores,
homogeneidade de produtos e serviços, pleno acesso às informações, mobilidade dos
fatores de produção e ausência de barreiras à entrada, além dos preços serem
estabelecidos quase que ao custo de produção.
9741
Outra, quando se adentra na seara de medicamentos mais complexos, como os antiretrovirais, por exemplo, constata-se que um número pequeno de empresas
farmacêuticas possui monopólios legais para tais medicamentos. Esse mercado é
caracterizado tanto por dificuldades de acesso às informações, quanto por barreiras
legais à entrada impostas pela proteção patentária.
Nesse mercado, as margens de lucro são elevadíssimas, particularmente nos primeiros
anos da vigência da patente. Os lucros gerados pela proteção patentária são uma
recompensa não apenas pelos riscos assumidos pela empresa, mas também pela
inovação, esta considerada na forma de investimentos em pesquisa e desenvolvimento
(P&D) pela empresa titular da patente.
A concorrência é sabidamente o mais poderoso instrumento para reduzir os preços de
medicamentos não patenteados ou genéricos. Nos EUA, por exemplo, quando a patente
expira, a média do preço cai até 60% em relação ao preço do medicamento patenteado
ao entrar no mercado, quando há apenas um competidor, e 29% quando há dez
competidores (ABBOT, 2002, p.78).
Nesse sentido, sempre que a patente expira, outras empresas entram no mercado com
suas versões genéricas para o medicamento, provocando uma redução drástica nos
preços e, conseqüentemente, tornando os produtos mais acessíveis à população. Dessa
forma, as empresas deixam de concorrer com diferenciação de produtos e inovação, o
que demanda investimentos mais elevados, passando a concorrer com preços no
mercado. Nessa nova situação, não apenas as empresas farmacêuticas de pesquisa
competem entre si, mas também as empresas de genéricos, que entram no mercado com
novas versões para o mesmo medicamento, já que este, por sua vez, não goza mais da
proteção patentária.
Assim sendo, a produção de genéricos é um instrumento importante para os países em
desenvolvimento, pois facilita o acesso a medicamentos pela população que, na maioria
das vezes, não possui recursos financeiros suficientes para adquirir medicamentos
patenteados.
Ainda, sabe-se que muitos países não garantiam proteção a patentes para medicamentos
antes da entrada em vigor do ADPIC. Não obstante, como as regras de proteção à
propriedade intelectual não poderiam ser aplicadas retroativamente, diversos
medicamentos não protegidos por patentes que entraram no mercado antes do ADPIC
podem ter versões genéricas fabricadas nesses países. Assim, países como Brasil,
Argentina, Índia, dentre outros, por terem proibido o patenteamento de medicamentos
antes do ADPIC, não são obrigados a conferir proteção a fármacos que foram
introduzidos no mercado antes da assinatura do Acordo. Nesse caso, a produção de
genérico para esses produtos é permitida.
Cumpre ressaltar que o Brasil cumpre um importante papel no cenário mundial, pois
implementou um programa de combate à AIDS, adquirindo anti-retrovirais genéricos
para distribuição gratuita a pacientes que vem recebendo muitos elogios pela
comunidade internacional.
Sem embargo, em que pesem os benefícios econômicos, sociais e concorrenciais do
mercado de medicamentos genéricos, muitos países por serem menos desenvolvidos não
9742
possuem capacitação técnica, ou possuem capacidade ínfima, para a fabricação local de
genéricos.
Outro problema a ser apontado é a ocorrência de práticas anticompetitivas por titulares
de patentes farmacêuticas que abusam do monopólio legal como forma de obter lucros
excessivos, prejudicando a livre concorrência e os consumidores, principalmente
aqueles de países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, com menores recursos
financeiros para adquirir medicamentos.
Nesse sentido, há instrumentos no próprio ADPIC que permitem aos membros da OMC
adotar medidas contra práticas anticompetitivas por abuso de direito de patente, como
veremos adiante.
4.1. ACESSO A MEDICAMENTOS VS REGISTRO NA ANVISA
A atuação do setor de saúde no processo de concessão de patentes farmacêuticas foi
incorporada pela Lei 10.196/2001, que incluiu o artigo 229-c na legislação brasileira de
propriedade intelectual. Este dispositivo determinou que a concessão de patentes nesta
área somente poderia ser concedida com a anuência prévia da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA), órgão responsável pela segurança sanitária e pela
garantia da qualidade dos medicamentos no país.
O papel da ANVISA na anuência prévia não é, assim, o de simples interferência no
processo de concessão de patentes. Trata-se de uma medida para proteção dos pacientes,
evitando-se que seja concedida uma patente imerecida.
Juridicamente, o registro junto à ANVISA é obrigatório para a própria salvaguarda da
saúde nacional e dos direitos de patente, já que o medicamento deve demonstrar a sua
fórmula, a sua aplicação e as suas implicações. O registro apenas será realizado para
beneficiar o legitimo proprietário da fórmula e do processo de fabricação
(CARVALHO, 2007, p.95).
Essa medida pode ser considerada como uma flexibilidade do Acordo, implícita no seu
artigo 8º, o qual define como princípio o direito de os países membros da OMC,
adotarem medidas necessárias para proteger a saúde pública e nutrição e para promover
o interesse público em setores de vital importância para o desenvolvimento
socioeconômico e tecnológico, desde que compatíveis com o disposto no Acordo.
Por mais claro e óbvio que pareça ser o papel da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA) nos pedidos de patentes de produtos e processos farmacêuticos,
ainda persistem alguns focos de resistência à participação de membros do Ministério da
Saúde em tarefa tradicionalmente desempenhada unicamente por membros do Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
Também perseveram alguns equívocos de interpretação sobre o instituto da anuência
prévia à luz do direito interno e do direito internacional, em especial no que diz respeito
9743
aos compromissos que o Brasil assumiu junto à Organização Mundial do Comércio
(OMC) e ao Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual
Relacionados ao Comércio (a sigla em inglês TRIPS).
Com a anuência prévia, a intenção do legislador brasileiro não foi a de retirar
competências originárias do INPI, nem tampouco restringir o direito aos pedidos de
concessões de patentes farmacêuticas ou discriminar os produtos patenteáveis. Sua
intenção foi a de facilitar o processo de análise desses pedidos de patentes dotando o
órgão registrante - INPI - de técnicos originários de outro órgão do Executivo, capazes,
por sua formação específica, de participar da análise dos requisitos legais indispensáveis
dos processos de patentes de medicamentos.
Não pretendeu o legislador, o que é óbvio, criar um segundo procedimento de análise,
nem muito menos discriminar produtos patenteáveis. Com a anuência prévia
estabeleceu-se um procedimento moderno, eficiente e eficaz no qual o INPI e a
ANVISA, conjunta e cooperativamente, examinam os pedidos de patentes
farmacêuticas, evitando, assim, a concessão imerecida de patentes e o monopólio
indevido. Não há, como se vê do texto da lei de 2001, qualquer expressão ou frase que
leve a conclusão de que se trata de um duplo exame - de uma análise de confirmação ou
não. É evidente que o espírito do legislador foi o de proteger o interesse social de
possíveis riscos à saúde pública e ao desenvolvimento tecnológico do país. O INPI e a
ANVISA, na análise desses tipos de patentes, formam um sistema único, um único
corpo de examinadores a serviço da sociedade.
Aperfeiçoar o processo de análise dos pedidos dessas patentes, e dotar o INPI de
expertise, somente pode refletir positivamente no bem-estar dos consumidores e garantir
os benefícios advindos dos avanços tecnológicos que já se encontram no estado da
técnica. Por outro lado, é preciso reconhecer que o legislador não feriu nenhum
princípio expresso ou implícito de direito interno ao criar o instituto da anuência prévia.
É sabido que a Constituição Federal de 1988 determina que a propriedade deve atender
a sua função social (artigo 5º, inciso XXIII) e que a ordem econômica deve obedecer ao
princípio da função social da propriedade (artigo 170, inciso III), como garantia de
justiça social.
Claro está, em nossa lei fundamental, o reconhecimento da supremacia do bem-comum
sobre o direito individual da propriedade.
Nenhum argumento é capaz de resistir à lógica de que, nas relações entre Estado e
indivíduo, os direitos fundamentais assumem posição de proeminência. Não há
discricionariedade quando o Estado, por meio de seus órgãos, atua na tutela dos direitos
à vida, nem mesmo na concessão ou não de patentes. Nesse sentido é claro o texto do
artigo 197 da Constituição Federal.
Não sobrevive à análise criteriosa do direito interno nenhuma tese que tente afastar a
anuência prévia da ANVISA por violação constitucional. É preciso pôr fim, em nível
interno, às discussões que tentam, sem qualquer fundamento, macular o instituto da
anuência prévia. Isso tem representado um desserviço às conquistas relacionadas à
saúde pública em nosso país e, especialmente, ao acesso a medicamentos essenciais.
9744
Da mesma forma, a anuência prévia não viola nenhum princípio de direito internacional.
Os direitos de propriedade intelectual foram construídos sobre os fortes pilares do
direito internacional, tendo por base os princípios humanitários e a proteção dos direitos
do homem.
As críticas que se faz à anuência prévia no que diz respeito às obrigações que o Brasil
assumiu junto à OMC também não prosperam frente às flexibilidades e salvaguardas do
acordo TRIPs, justamente porque seus padrões de proteção devem atingir tanto países
desenvolvidos quanto aqueles em desenvolvimento.
Se não bastassem à clareza e a lógica dos objetivos e princípios do TRIPS, mais
recentemente a Declaração de Doha sobre o Acordo TRIPS e Saúde Pública enfatiza
que o acordo deve ser interpretado e implementado de maneira a garantir, nos Estadosmembros, a proteção da saúde pública e a promoção do acesso a medicamento para
todos.
Vê-se, sem esforço, que, de acordo com a Declaração de Doha, os órgãos registrantes de
patentes, como em nosso caso o INPI/ANVISA, não devem conceder patentes
farmacêuticas contrárias ao interesse público e que possam dificultar o acesso a
medicamentos essenciais.
Não há dúvida, portanto, que a anuência prévia representa instrumento importante de
garantia do interesse público, conquista fundamental da sociedade brasileira e exemplo
para os demais países em desenvolvimento.
Fora isso a pergunta que fica é: Quando for solicitado por qualquer pessoa, grupo de
pessoas ou organizações não governamentais, medicamentos ainda sem registro,
contudo específico, junto a ANVISA, deverá o Estado fornecer? Administrativamente o
Estado negará oferecer, posto estar cumprindo as normas ora discutidas, contudo se os
solicitantes se socorrem do Poder Judiciário, considerando que o seu intérprete não
analisará apenas o fato e o conjunto de normas, mas também o valor de justiça tem-se
como constitucional a concessão do acesso ao medicamento específico [6].
Cabe, porém ressaltar, que o Estado poderá negar de cumprir tal decisão se provar que o
medicamento possuía ou possui impedimento e restrição de uso, diante da constatação
médica de sua necessidade e eficácia e frente ao fato de ser reconhecido pelos órgãos
competentes do país de origem, não existem motivos para desprestigiar o acesso a
medicamento. O que se busca com essa medida é manter a integridade e saúde da
pessoa. O mesmo ocorre com medicamentos em teste (desde que provado que não é
eficaz e prejudicial tanto no exterior quanto no Brasil).
As soluções ora apresentadas são condizentes com a proteção que se faz à saúde, visto
que questões administrativas não podem corresponder a empecilho para o acesso a
medicamentos. Importante salientar, que a esfera administrativa, quando chamada a se
manifestar sobre o acesso a medicamentos, analisa apenas o fato, a norma e os
interesses estatais, ignorando a orientação preventiva da Constituição, bem como a
busca do bem comum. É por isso que a relevância é destinada ao Poder Judiciário.
Por fim, um argumento utilizado contra o acesso a medicamentos refere-se à
determinação do que esteja sobre a responsabilidade do Estado, ou seja, quais as
9745
atividades que envolvem o conceito de bem comum, ou política pública ou interesse
social.
CONCLUSÕES
Os medicamentos, intrinsecamente ligados à manutenção da saúde da população,
constituem elemento importante da política sanitária do Estado. Produtos de primeira
necessidade, os fármacos transcendem os direitos civis para alcançar o patamar de coisa
pública. Há, portanto, necessidade de maior controle e zelo e atenção, por parte do
Estado, nas políticas de distribuição, fiscalização, preço, entre outros fatores que atuem
no acesso aos medicamentos. Assim, englobadas pelo direito à saúde, as políticas
adotadas no mercado de medicamentos detêm importância não só econômica como
também social.
As patentes, vistas como instrumento de proteção e incentivo às invenções e ao
desenvolvimento científico das empresas detentoras, conferem-lhes a condição de
monopólio sobre seus produtos e processos por longos períodos, limitando, dessa forma,
a concorrência nos mercados farmacêuticos.
O sistema de patentes em cada país é reflexo de sua capacidade tecnológica, ou seja, os
países tecnologicamente desenvolvidos defendem um rígido sistema de patentes;
aqueles que ainda estão por se desenvolver defendem um sistema flexibilizado para
atender a seus interesses nacionais. No Brasil, país em desenvolvimento, visando
equilibrar as desigualdades tecnológicas enfrentadas, a partir de 1999 o governo
começou a implementar uma política de medicamentos. Dessa política, três elementos
se destacam: o Programa de Medicamentos Genéricos (PMG), o registro e
acompanhamento de preços e o acesso gratuito e universal a medicamentos pelos
portadores do vírus HIV.
Com intuito de impedir os possíveis abusos e ilegalidades cometidos pelos titulares de
patentes e de assegurar um mercado competitivo na área de medicamentos, regime
adotado pelo Brasil, o Tratado internacional de Patentes (Acordo TRIPS- ADPIC) e a
lei 9.279/96, prevêem algumas salvaguardas, entre as quais se destacam a limitação da
exclusividade de exploração da invenção a 20 anos, a caducidade da patente e a
concessão de licenças compulsórias em situação de emergência nacional ou na vigência
de interesse público.
Por fim, não se vê com bons olhos o prazo de 20 anos, concedido aos “inventores” de
medicamentos (remédio, substância que combate doenças, moléstias ou desvios do
estado normal de saúde), devendo esse prazo ser reduzido, não se olvidando de
prestigiar o inventor e fomentar a pesquisa, mas ao mesmo tempo garantindo o acesso o
quanto antes a produtos mais baratos, genéricos, e, de outros laboratórios, e, como
corolário, promovendo a saúde e por conseqüência protegendo-se a vida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
9746
ABBOTT, Frederick M. The Doha Declaration on the TRIPS Agreement and Public
Health: Lighting a Dark Corner at the WTO. Journal of International Economic
Law, 2002.
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito
Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas
Normas. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação. São Paulo, 1999, 2ª edição,
publicação do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, Celso Bastos editor
BASSO, Maristela. O Direito Internacional da Propriedade Intelectual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2000.
CARVALHO, Patricia L. Patentes farmacêuticas e acesso a medicamentos. São
Paulo: Atlas. 2007.
CORREA, CM. Tendencias en el
Organización Mundial de La Salud; 2001
patenteamento
farmacéutico.
Geneva:
DANTAS, Ivo, Instituições de Direito Constitucional Brasileiro, Curitiba: Juruá
Editora, 2ª Edição.2007.
DOMINGUES, Renato V. Patentes Farmacêuticas e acesso a medicamentos no
sistema da Organização Mundial do Comércio: A aplicação do Acordo TRIPS. São
Paulo: Lex Editora: Aduaneiras, 2005.
9747
FURTADO, Lucas Rocha. Sistema de Propriedade Industrial no Direito Brasileiro.
Brasília: Brasília Jurídica, 1996
GRAU, Eros Roberto, Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do
Direito, 3ª edição, 2005, Malheiros Editores.
GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: direitos não
nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
HERINGER, Astrid. Patentes Farmacêuticas & Propriedade Industrial no Contexto
Internacional. Curitiba: Juruá, 2001.
LILLA, Paulo Eduardo. Acesso a medicamentos nos países em desenvolvimento e
proteção das patentes farmacêuticas no contexto do Acordo TRIPS (Trade-Related
Intellectual Property Rights) – OMC: implicações concorrenciais. Monografia de
conclusão de curso de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado-FAAP, 2006.
MAGALHÃES, Vladimir Garcia. Propriedade intelectual, biotecnologia e
biodiversidade. 262. Tese de doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005.
MOSSINGHOFF, Gerald J. Overview of the Hatch-Waxman Act and Its Impact on
the Drug Development Process – Food and Law Journal, EUA.
MUJALLI, Walter Brasil. A propriedade Industrial. Nova Lei das Patentes. Leme:
Editora de Direito, 1997.
OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. A Proteção Jurídica das Invenções de
Medicamentos e de Gêneros Alimentícios. Porto Alegre: Síntese, 2000.
PICARELLI, Márcia Flávia Santini e ARANHA, Márcio Iorio (Organizadores).
Política de Patentes em Saúde Humana. São Paulo: Atlas, 2001.
9748
PIMENTEL, Luiz Otávio. Direito Industrial – As Funções do Direito de Patentes.
Porto Alegre: Síntese, 1999.
PRONER, Carol. Propriedade Intelectual e Direitos Humanos. Sistema de Patentes
e Direito ao Desenvolvimento. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 2007.
RYAN, M.P. Knowledge diplomacy: global competition and the politics of
intellectual property(Washington, Brookings Institution Press, 1998).
ROSE, M. Authors and owners: the invention of copyright. Cambridge (Mass.),
Harvard University Press, 1993.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23a edição. São
Paulo, Malheiros Editores,2004.
SMILLIE, Wilson, G. Medicina Preventiva e saúde pública. Rio de Janeiro:
Sociedade Brasileira de Higiene, 1950.
TACHINARDI, Maria Helena. A guerra das patentes – o conflito Brasil X Estados
Unidos sobre a propriedade intelectual. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
VARGAS, Fábio Aristimunho. O direito da propriedade intelectual face ao direito
de acesso a medicamentos. 139 f. Dissertação de mestrado. São Paulo: Universidade
de São Paulo, 2006.
[1] Celso Fernando Campilongo revela que “a justificativa mais básica de se proteger o
instituto da patente está na necessidade de se remunerar a empresa pelos gastos devidos
a seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Entende-se que o referido
instituto seja um mecanismo de estímulo e incentivo aos inventores e às empresas para
aplicarem recursos (dinheiro, tempo, risco etc.) em P&D. E convencionou-se que a
melhor forma para tal remuneração seria a instituição de um monopólio legal” (“Política
9749
de Patentes e o Direito da Concorrência”. In: PICARELLI, Márcia Flávia Santini;
ARANHA, Márcio Iorio. Política de Patentes em Saúde Humana, p. 162).
[2] Engenharia Reversa – na produção de medicamento genérico se parte da descoberta
ou fórmula para a fabricação.
[3] Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/hotsite/genericos/faq/profissionais.htm#2
acessado em 16 de janeiro de 2009.
[4] Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/hotsite/genericos/faq/profissionais.htm#2
acessado em 16 de janeiro de 2009.
[5] reproduz sem exatidão a fórmula do medicamento original, com os mesmos
princípios ativos e a mesma concentração, forma farmacêutica, via de administração,
posologia e indicação terapêutica, preventiva ou diagnóstica (inciso XX do artigo 3º da
lei n. 6.360/76).
[6]
MEDICAÇÃO FALTA. (JA SUPERADA) DE SEU REGISTRO NA ANVISA.
“FORNECIMENTO PELO ESTADO 1 A só falta, na ANVISA, de registro de um
medicamento não é causa de interdição absoluta de seu uso no Brasil, porque admite a
normativa o “uso experimental” ‘‘de produto novo, promissor, ainda sem registro” na
agência reguladora (RDC 26/1999) 2 Não se trata no caso de pleito para a obtenção de
medicamento proibido, mas de, ao fundo, permitir o acesso a medicamento que se
noticia aprovado no País de origem - sem observância de estorvos regulamentares.
Óbice suplantado, no caso, com a suplemente Resolução RE n° 2.555- ANVISA 3 A
tutela complementar da vida, da integridade física e da saúde diz Aduano de Cupis
reclama a garantia dos meios econômicos e financeiros idôneos a prover os cuidados
necessários à preservação ou reintegração desses bens da personalidade. Observa o
mesmo autor que o Estado se obriga a assegurar o fornecimento desses meios para
tornar possível a gratuidade da cura dos necessitados 4. Norma programática, ou talvez
de aplicação imediata tal o afirmou o Min Franciulli Netto, do Superior Tribunal de
Justiça (cfr REsp 212 346) . acaso de eficácia contida {rectius restringível. na conhecida
referência de Michel Temer), a do art 196, CF/88, não pode, em todo caso. ser limitada
por práticas administrativas que, em dez das diretrizes dessa norma constitucional,
lancem-se a sendas burocráticas, reticentes em atender a um direito fundamental, como
se arrola o da saúde (art 6o, CF), sobretudo posta em risco manifesto uma vida humana,
vida que é o mais nobre dos bens da personalidade Provimento da apelação. (Apelação
Cível 6097145700, rel. Ricardo Dip, 11 Câmara de Direito Público, jul. 07/03/2008,
TJSP).
9750
Download