ANÁLISE IN SILICO DE GENES POTENCIALMENTE ENVOLVIDOS NA REAÇÃO DE HIPERSENSIBILIDADE EM Coffea arabica Juliana H. SATO¹; Marília S. SILVA2; Magnólia A. CAMPOS3; Maria Fátima GROSSI-DE-SÁ4; Angela MEHTA4, E-mail: [email protected] 1 Universidade de Brasília, Brasília, DF; Biotecnologia, Brasília, DF 2 Embrapa Cerrados, Brasília, DF; 3 Universidade de Lavras, Lavras, MG; 4 Embrapa Recursos Genéticos e Resumo: A reação de hipersensibilidade (HR) é uma das principais estratégias de defesa da planta tanto contra estresses bióticos quanto abióticos. A HR é geneticamente determinada e envolve a morte programada da célula vegetal infectada ou sob estresse abiótico para conseqüente contenção física de patógenos ou de efeitos negativos de condições ambientais adversas. A célula vegetal que codifica genes relacionado a HR, quando sensibilizada por estresses bióticos ou abióticos, ativa genes produzindo enzimas que participam da HR, tais como a lipoxigenase e a caspase. As caspases participam como chave para o desencadeamento da morte programada da célula vegetal, enquanto o metabolismo da lipoxigenase conduz à formação de moléculas regulatórias e importantes produtos associados ao sabor e aroma das plantas. A análise desses genes no Banco Genoma Funcional do Café (CafEST) revelou várias seqüências expressas relacionadas a caspases e lipoxigenases em diferentes tecidos sob condições de estresse tais como ataques de patógenos e déficit hídrico. Estes genes foram caracterizados in silico e analisados através da construção de uma árvore filogenética. Palavras-chave: Reação de hipersensibilidade, lipoxigenase, caspase, Coffea arabica In silico ANALYSIS OF GENES POTENCIALLY INVOLVED WITH HYPERSENSITIVE RESPONSE IN Coffea arabica Abstract: The hypersensitive reaction (HR) is one of the main strategies of plant defense both agains biotic and abiotic stress. HR is genetically determined and involves the programmed plant cell death infected or under abiotic stress in order to consequently restrain pathogens or negative effects of unfavorable environmental conditions. The plant cell, which encodes HR related genes when sensitized by biotic and abiotic stresses produces enzymes that participate in HR such as lipoxygenase and caspase. Caspases are enzymes that play a key role in the development of programmed cell death, while the metabolism of lipoxygenase leads to the formation of regulatory molecules and important products associated to flavor and taste in plants. The analysis of these genes the Functional Coffee Genome Database (CafEST) revealed several expressed sequences associated to caspase and lipoxygenase in different tissues under stress conditions such as pathogen attack and water stress. These genes were characterized in silico and analyzed by the construction of a phylogenetic tree. Key words: Hypersensitive response, lipoxygenase, caspase, Coffea arabica Introdução O café é um dos principais produtos agrícolas cultivados, sendo de grande importância para a economia brasileira. O Brasil junto com o Vietnã e a Colômbia representam 50% da produção de café do mundo, sendo que o Brasil responde por um terço da produção e das exportações (Vieira et al.,2006). O gênero Coffea pertence à família Rubiaceae e as espécies mais importantes comercialmente são a Coffea arabica e a Coffea canephora. A espécie C. arabica, planta de clima tropical úmido e de temperaturas amenas oriunda da Etiópia, encontra no Brasil extensas áreas apropriadas para seu cultivo. Segundo Vieira et al. (2006) esta espécie é a mais cultivada e ocupa cerca de 75% da plantação de café no mundo. C. arabica apresenta uma excelente qualidade de bebida, sendo de grande importância na indústria do café. Devido a sua grande importância, o genoma expresso do café (C. arabica) foi recentemente seqüenciado e foram obtidos cerca de 33.000 genes diferentes (Vieira et al., 2006), cujas seqüências foram depositadas no Banco Genoma Funcional do Café (CafEST). Para a composição do CafEST, foram construídas 37 bibliotecas de cDNA em diferentes condições biológicas, incluindo estresse hídrico e ataques de patógenos. Uma grande quantidade de informação está disponível para análise e vários esforços têm sido feitos para explorar os dados gerados. A reação de hipersensibilidade (HR) é considerada um dos principais componentes de respostas de defesa da planta, caracterizando-se pelo rápido reconhecimento entre o patógeno e o hospedeiro até o colapso da célula, que quando sensibilizada, ativa seus mecanismos de defesa. Dentre esses mecanismos está a produção de enzimas que irão participar dessa reação, incluindo a lipoxigenase e a caspase e que culminam com a morte programada da célula vegetal e a contenção física de efeitos maléficos de infecções e estresses abióticos. O objetivo deste estudo foi analisar in silico os genes de C. arabica lipoxigenase e caspase, potencialmente envolvidos em HR de cafeeiro, presentes no CafEST. Material e Métodos ESTs (“Expressed sequence tags”) provenientes de diferentes bibliotecas de cDNA de variados tecidos de C. arabica (folha, caule, fruto, flor e raiz) sob diferentes condições biológicas, incluindo estresses bióticos e abióticos, foram seqüenciados e essas seqüências foram depositadas no Banco Genoma Funcional do Café (CafEST, http://cafe.lge.ibi.unicamp.br/). Para a busca de seqüências relacionadas com lipoxigenases e caspases no CafEST, foram utilizadas duas estratégias: a primeira foi realizada por palavra-chave, e a segunda através dos programas BLASTn ou tBLASTn (Altschul et al., 1997),, utilizando as seqüências de genes de lipoxigenases e caspases bem caracterizadas depositadas no GenBank (www.nbci.nlm.nih.gov). Os parâmetros utilizados para a anotação reversa foram o e-value de 1 x e-4 e um filtro de baixa complexidade. Uma vez selecionada, as seqüências foram submetidas a clusterização usando o programa CAP3 (Huang and Madan, 1999) e os resultados foram organizados por projeto/gene. As seqüências deduzidas de aminoácidos dos contigs de café foram comparadas com as seqüências de outras plantas disponíveis no GenBank. Os alinhamentos foram obtidos utilizando o programa ClustalW (www.ebi.ac.uk/clustalw). A partir desses alinhamentos foram construídas as árvores filogenéticas de caspase e lipoxigenase pelo programa MEGA 3.0 (Kumar et al., 2004) com o método de Neighbour Joining, sendo que os ramos foram testados por bootstraping. Resultados e Discussão As lipoxigenases (LOX) são enzimas que catalisam a oxigenação de ácidos graxos poliinsaturados, contendo a estrutura cis, cis-1,4-pentadieno para formar hidroperóxidos (Siedow, 1991). Os hidroperóxidos produzidos são convertidos em vários compostos associados aos processos fisiológicos como o crescimento, a maturação do fruto e respostas a estresses bióticos e abióticos (Brash, 1999; Gardner 1991). Segundo Shibata e Axelrod (1995), as lipoxigenases de plantas estão classificadas em duas famílias: LOX 1 e LOX 2, que apresentam diferenças no pH ótimo para se tornarem ativas. As LOX foram encontradas em diversas plantas, dentre elas Arabidopsis thaliana, soja, tomate, arroz, feijão (Shibata e Axerold, 1995), limão e batata (Gomi et al., 2001), entre outras. Em A. thaliana e arroz, foram encontrados os dois grupos de lipoxigenases (Shibata e Axerold, 1995). Em plantas, a expressão da LOX é regulada por diferentes moléculas sinalizadoras como o ácido jasmônico, ácido abscísico, diferentes formas de estresse, deficiência de água e ataques de patógenos. Os tecidos vegetais, quando danificados mecanicamente ou por patógenos, sofrem degradação de lipídios, cujo produto inicial são os hidroperóxidos resultantes da ação das lipoxigenases (Silva et al., 2001). Os hidroperóxidos produzem aldeídos, que inibem o crescimento de fungos, insetos e protozoários na planta (Croft et al., 1993) e traumatina (Batista et al., 2002), envolvida com o processo de sinalização e divisão celular na resposta a ferimentos em plantas (Zimmennam & Croudon, 1979). A análise do banco de dados CafEST revelou 152 reads relacionadas com lipoxigenases, formando 13 contigs e 8 singlets. A expressão dessa enzima foi observada em vários tecidos de café em resposta a estresses abióticos e bióticos tais como infecções por patógenos e estresses de alumínio, quanto em processos de desenvolvimento. Os contigs apresentando seqüência gênica completa (Tabela 1) foram utilizados para a construção de uma árvore filogenética (Figura 1). Um dos contigs selecionados apresentou similaridade com a lipoxigenase gi|15221970 de A. thaliana e foi formado por quatro reads. Outros dois contigs mostraram maior similaridade com lipoxigenases de Solanum tuberosum, enquanto que dois outros contigs apresentaram similaridade com Nicotiana attenuata. A árvore filogenética revelou três grupos principais de lipoxigenases representadas no CafEST (Figura 1), sendo que foi observada a proximidade entre o Contig 7 com gi|32454714 N. attenuata e o Contig 6 com gi|32454712 N. attenuata. Em outro grupo foi observada a similaridade entre o Contig 8 e gi|1117793 S. tuberosum. O terceiro grupo foi formado pelos Contigs 2 e 10, que apresentaram similaridade com gi|15221970 A. thaliana e gi|1407705 S. tuberosum. A morte programada da célula (programmed cell death, PCD) é um processo fisiológico geneticamente controlado, que ocorre devido a estresses e durante o desenvolvimento da planta (Hara-Nishimura et al., 2005). Caspases são um grupo de cisteína proteases capazes de clivar outras proteínas e desencadear processos que levam a apoptose da célula. Em plantas, dois tipos de proteases foram identificados como caspases: as metacaspases e as enzimas de processamento vacuolar (VPE) (Woltering et al., 2002). As VPEs foram originalmente descobertas durante a maturação de sementes (Hara-Nishimura et al., 2005). Estas enzimas podem funcionar como molécula chave para desencadear o colapso vacuolar levando a morte da célula (Sanmartín et al., 2005). Segundo Hatsugai et al. (2004) e Rojo et al. (2004), as VPEs apresentam atividade semelhante a das caspases e regulam a morte da célula em Arabidospsis e Nicotiana. A expressão de VPEs é induzida em condições de PCD como após a infecção pelo vírus do mosaico do tabaco (Tobacco mosaic virus, TMV) em plantas de fumo, ou durante a senescência e após o ataques de patógenos em Arabidopsis indicando que a regulação de sua atividade pode ser em nível de transcrição (Sanmartín et al., 2005). As metacaspases foram identificadas em plantas e fungos. O genoma de plantas contém um extenso complemento de metacaspases que são classificadas em tipo I e tipo II baseado na seqüência de genes e nas características estruturais (Sanmartín et al., 2005). Neste estudo, as caspases foram analisadas no banco CafEST e foram obtidas 19 reads, as quais foram agrupadas em 5 contigs. Um dos contigs mostrou similaridade com a caspase gi|113639949 de Oryza sativa sendo formado por dois reads. Dois contigs mostram similaridade com caspases de A. thaliana, sendo que um deles foi formado por quatro reads enquanto que o outro foi formado por três reads. Interessantemente, um contig mostrou similaridade com um gene que codifica uma proteína abundante do látex Hevea brasiliensis, porém a relevância biológica desta observação deve ainda ser validada experimentalmente. Os contigs apresentando seqüências completas (Tabela 2) foram utilizados para a construção de uma árvore filogenética (Figura 2) que revelou três grupos principais. Um grupo foi formado pelo Contig3 e gi|113639949 Oryza sativa e gi|30678252 A. thaliana, e o outro pelos Contigs 5 e 2. O terceiro grupo foi formado pelo Contig4 e gi|4235430 H. brasiliensis. Tabela 1 – ESTs que codificam possíveis lipoxigenases em C. arabica encontrados no banco de dados CafEST Número de acesso e-value Lipoxygenase [Solanum tuberosum] gi|1407705 6,00e-84 96/104 (91%) Lipoxygenase [Solanum tuberosum] gi|1117793 1,00e-159 Lipoxygenase [Nicotiana attenuata] gi|32454714 Lipoxygenase 1 [Arabidopsis thaliana] Lipoxygenase [Nicotiana attenuata] Produto do gene [Organismo] Similaridade Número Reads contigs singlets 36 2 0 255/292 (87%) 11 3 0 0.0 399/418 (95%) 81 4 0 gi|15221970 0.0 277/339 (80%) 4 1 0 gi|32454712 0.0 734/902 (80%) 64 1 0 Contig7 100 gi|32454714 Nicotiana attenuata 100 Contig6 100 gi|32454712 Nicotiana attenuata Contig8 99 gi|1117793 Solanum tuberosum gi|15221970 Arabidopsis thaliana Contig2 48 gi|1407705 Solanum tuberosum 53 54 Contig10 0 .1 Figura 1 - Árvore filogenética das seqüências de aminoácidos deduzida de lipoxigenases de C. arabica encontradas no banco CafEST, construída utilizando o programa Mega 3.0 (Kumar et al., 2004), com o método de Neighbour Joining. Tabela 2 - ESTs que codificam possíveis caspases em C. arabica encontrados no banco de dados CafEST Número de acesso e-value gi|4235430 2,00e-83 179/260 (67%) gi|30678252 1,00e-102 Caspase [Oryza sativa] gi|113639949 LOL3 (LSD ONE LIKE 3); caspase/ cysteine-type endopeptidase [Arabidopsis thaliana] gi|30678252 Produto do gene [Organismo] Latex-abundant protein [Hevea brasiliensis] Caspase/ cysteine-type endopeptidase [Arabidopsis thaliana] Similaridade Número Reads contigs singlets 8 1 0 194/245 (78%) 4 1 0 1,00e-76 173/243 (70%) 2 1 0 1,00e-141 274/367 (74%) 3 1 0 43 100 gi|113639949 Oryza sativa Contig3 gi|30678252 Arabidopsis thaliana Contig5 90 Contig2 Contig4 100 gi|4235430 Hevea brasiliensis 0 .1 Figura 2 - Árvore filogenética de seqüências de aminoácidos deduzidas de caspases encontradas no banco CafEST, construída utilizando o programa Mega 3.0 (Kumar et al., 2004), com o método de Neighbour Joining. Conclusões Neste estudo, foram identificados vários ESTs presentes no CafEST, que codificam para caspases e lipoxigenases, expressos em diferentes condições biológicas. Estudos futuros deverão ser realizados para confirmar o envolvimento destes genes no processo de defesa do tipo HR em cafeeiro. Agradecimentos Os autores agradecem o apoio recebido da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, da Embrapa Café e do Consórcio Brasileiro de Pesquisa dos Cafés do Brasil. Referências Bibliográficas Batista, R.; Oliveira, M.; Pires, C.; Piovesan, N.; Rezende, S.; Moreira, M. (2002) Caracterização bioquímica e cinética de lipoxigenase de plantas de soja submetidas á aplicação de ácidos graxos poliinsaturados. Pesquisa Agropecuária Brasileira. Brasília, 37:1517-1524. Brash, A. (1999) Lipoxygenases: Occurrence, functions, catalysis and acquisition of substrate. J Biol Chem, 274:2367923682. Croft, K.; Juttner, F.; Slusarenko, A. 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