A herAnçA gerMânicA

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Guia
www.expressao.com.br | 2014
Brasil de cara suja
• Os quatro rios mais poluídos do Sul
• 2 mil lixões fora da lei empesteiam as cidades
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190 anos de imigração alemã
A herança germânica
Ela foi maior no Sul, com grande peso na indústria,
dando sabor ao turismo e valorizando o meio ambiente
Marcas com sotaque alemão
Blumenau: 2a maior Oktoberfest do mundo
Parque Malwee: santuários patrocinados
XXI Prêmio Expressão de Ecologia
Fotógrafo Marcelo Martins
A grande aventura deu certo
Há 190 anos os alemães trocavam os conflitos do velho continente pelas
selvas de um novo mundo. No Sul do país eles deixaram suas
marcas mais profundas, e conheceram os mais afortunados sucessos
E
m julho de 1824, há exatos 190 anos, um grupo de 39 imigrantes alemães instalou-se nas
margens do Rio dos Sinos, nas proximidades
de Porto Alegre. Começava uma das maiores aventuras globais desse século XIX, conhecido como o século das migrações. Eram os pioneiros de um povo que
trocava um velho continente conturbado por guerras, crescimento populacional e escassez de alimentos,
por uma região quase despovoada, distante da corte
de D. Pedro I, fronteira que precisava ser protegida
contra as ameaças espanholas e portuguesas, após a
independência do Brasil, ocorrida dois anos antes.
Aportaram em uma mata inóspita, com insaciáveis
insetos alienígenas, malária, animais selvagens, víboras e índios pouco amistosos, que lhes fora vendida,
em panfletos de companhias de colonização, como
Herança germânica
Vale dos Sinos: grande polo de calçados nacional
Vale do Itajaí: grande polo têxtil continental
Santa Catarina: três maiores polos industriais do estado
Blumenau: maior Oktoberfest mundial, fora da Alemanha
Joinville: segundo maior polo metalúrgico do país
o paraíso terrestre. O oceano era vasto, viajava-se 12
mil quilômetros, desde Hamburgo, em veleiros superlotados de pessoas que sonhavam com a Terra Prometida. Faltava comida e água, morria-se de doenças
como sarampo e tifo durante a navegação.
Na segunda metade do século XIX, após a derrota de Napoleão, vários estados alemães se uniram e
organizaram a Confederação Alemã, com sede em
Frankfurt. Em 1870 surgiu o Império Alemão. Profundas transformações causadas pela intensa industrialização, urbanização acelerada e atritos no campo
provocavam graves conflitos, saques. O modelo econômico e social era autoritário, com muita concen-
Os naturalistas e botânicos começaram a chegar ao Sul do país
junto com os primeiros imigrantes
alemães. Vinham atraídos pela
exuberância da selva. O cientista
e médico Fritz Müller, que estudara com Hermann Blumenau em
um ginásio prussiano, chegou em
1852, navegando em um veleiro
assombrado por mortal epidemia
de sarampo. Fritz Müller conviveu
com onças, índios bravios e pernilongos gigantescos.
Filho, neto e bisneto de pastores
luteranos, o rebelde Fritz Müller era
ateu. Preferia buscar as explicações
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G U I A D E S U S T E N TA B I L I D A D E
Arquivo Expressão
A grande maioria das personalidades ambientais selecionadas
pelo Prêmio Expressão de Ecologia
nestas duas décadas têm sobrenome alemão. É caso de José Lutzenberger, considerado o príncipe dos
ambientalistas brasileiros, que combateu o uso abusivo de agrotóxicos
no Brasil na década de 70, foi incansável ativista e ajudou a forjar uma
atuante consciência ambiental.
caram cerca de 50 cartas e Darwin
mandou-lhe um microscópio, quando o seu perdeu-se em uma das várias enchentes do Rio Itajaí.
Fritz Müller: Karl Marx, índios e Darwin
Cientista, professor e único médico
da colônia, construiu sua choupana
com as próprias mãos, trabalhava
com enxada e machado. A religiosidade da colônia conflitava com
a descrença e sabedoria científica
desse leitor de Karl Marx. Considerado o patrono dos ecologistas catarinenses, defendeu fauna, flora e
os índios. Suas aventuras e pesquisas brasileiras estão em um museu
em Blumenau.
na ciência. Com esse espírito observador desenvolveu vasto material
sobre plantas, insetos, moluscos e
crustáceos que ajudaram o britânico Charles Darwin a embasar a
Teoria da Evolução das Espécies.
Embrenhava-se em expedições nas
selvas do Vale do Itajaí e mandava
suas observações para Darwin, ilustradas com desenhos detalhistas.
Era grande anatomista. Eles tro-
Outro museu, em Seara, no Oeste catarinense, ostenta o nome de
outro mitológico naturalista alemão. O Museu Entomológico Fritz
Plaumann é considerado o maior do
continente americano, com cerca
de 80 mil exemplares de 17 mil espécies diferentes de insetos, todos
recolhidos por ele. Até sua chegada,
os insetos eram uma praga ali. Jamais seus habitantes imaginariam
que eles trariam fama para a cidade. Ele transformou Seara na Terra
das Borboletas. Milhares de alunos,
professores europeus, cientistas japoneses e curiosos vão anualmente
até o museu e deparam-se com uma
comunidade onde tudo lembra borboletas. Esculturas de borboletas de
madeira, outras de concreto, que enfeitam pontos de ônibus, adesivos,
mosaicos, e uma de granito, simbolicamente pousada no túmulo de
Fritz Plaumann há exatos 20 anos,
desde sua morte em 1994.
Ele chegou em 1924, em um sertão onde a rede elétrica só surgiu na
década de 1970 e o asfalto bem no
final do século. Era um personagem
singular em uma região de mata
virgem que precisava ser desbravada. Tocava Mozart no pequeno
órgão de sua casa. Tinha que dividir
o tempo entre o trabalho duro de
agricultor, as tarefas de professor,
responsável pela alfabetização de
várias gerações de habitantes da região, e a entomologia. Foi também
fotógrafo ambulante. Nos finais de
Arquivo Expressão
Os Fritz investigam as selvas
Borboletas
de Plaumann
deram fama
ao sertão
semana viajava para fazer fotos das
famílias da região, para conseguir
dinheiro para a compra de equipamentos de pesquisa. Esse um dos
motivos que levou sua esposa a
voltar para a Alemanha.
do Mérito Científico. Mantinha contatos com instituições brasileiras
como o Butantan, que enviava soro
contra veneno de cobras. Várias vezes Fritz salvou cachorros e vacas
dos vizinhos mordidos por cobras.
Sua carência de livros para consulta foi solucionada por meio de um
intenso intercâmbio, que resultou
em grandes amizades e no seu reconhecimento pela comunidade
científica internacional. Ele enviava
insetos e, em troca, recebia livros.
Abasteceu museus de 12 países,
como os de Londres e Estocolmo.
Descobriu naqueles sertões 1.500
insetos desconhecidos da ciência e
recebeu a mais alta condecoração
científica da Alemanha, a Grã-Cruz
Nas anotações de seu diário, que
escreveu durante 50 anos, combatia
os agrotóxicos, a poluição dos rios
e a devastação da fauna e da flora.
Não pôde ver um de seus grandes
sonhos, a preservação da Floresta
do Rio Uruguai, ser realizado. Patrocinado pela Tractebel Energia,
o Parque Estadual Fritz Plaumann,
em Concórdia, além de proteger a
floresta e várias espécies da flora,
abriga veados-mateiros, macacos,
cutias, pacas e tamanduás.
G U I A D E S U S T E N TA B I L I D A D E
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XXI Prêmio Expressão de Ecologia
tração de dinheiro em pequena elite e condições de
vida miseráveis entre a maioria. Os impostos eram
altos para manter as guerras, os camponeses perderam terras. Havia gente demais e exploração extrema
de mão de obra pela recém-surgida Revolução Industrial. Esse conjunto de problemas gerou na Europa, nas primeiras décadas de 1800, uma série de
confrontos entre proletariado unido à classe média,
contra uma aristocracia que sufocava brutalmente
essas revoltas. Nesse contexto, a emigração era uma
saída. Empobrecidos e sedentos por terras, os alemães embarcaram na grande aventura migratória
que marcou o século XIX.
Esses migrantes e as levas que se seguiram enfrentaram no Brasil a selva perigosa, lavraram o solo, fizeram negócios, ergueram indústrias e revolucionaram
o Sul. Criaram uma nova classe social de artesãos,
técnicos, pequenos proprietários rurais. Com os imigrantes de várias nacionalidades, a população do Sul
praticamente dobrou de tamanho em pouco tempo.
Entre outras façanhas, os alemães e seus descendentes transformaram o gaúcho Vale dos Sinos num dos
maiores polos de calçados do Brasil e o Vale do Itajaí
num dos grandes polos têxteis continentais, no final
do final do século XX. Esses vales que geram muitas
riquezas, eram selvas antes de eles chegarem.
Cerca de 225 mil alemães aportaram no Brasil desde 1824, num período de 150 anos, até 1970, mas
foi no Sul que fincaram suas raízes, valores culturais
e sociais mais profundos. Santa Catarina é o estado
mais germânico do Brasil. Aproximadamente 25%
de sua população – 6 milhões e 320 mil habitantes
– é de ascendência alemã. Não há setor de atividade
onde não se faça visível a herança germânica. Duas
das maiores cidades, Joinville e Blumenau, têm seu
DNA e arquitetura. Grandes empresas catarinenses
têm sotaque dos pioneiros alemães. Eles mudaram a
organização agrária do estado, disseminando a atual
cultura minifundiária, uma das mais bem-sucedidas
do país. Criaram uma classe média rural e urbana até
então inexistente. Fundaram vilas rurais fortemente
comunitárias, mais de 300 escolas, disseminaram associações culturais e esportivas, festivais de flores, dança, tiro, ginástica, bolão e corais. E a maior festa da
cerveja, fora da Alemanha, a Oktoberfest de Blumenau. Esse peso crescerá um pouco mais este ano com a
chegada de uma fábrica da BMW no norte do estado.
É justamente nessa região, que engloba o norte e o
nordeste catarinense, onde se localiza o próspero Vale do Itajaí, que se concentram os três maiores polos
industriais estaduais, todos produto da colonização
A enchente de 83 durou tenebrosos 32 dias e o rio bateu seu recorde, subindo brutais 15,32 metros,
pegando a cidade desprevenida e
causando pânico na população. A
água subiu rapidamente, chegando
ao teto das casas, separando pais de
filhos, levando famílias ao desespero. Os mais humildes profetizavam o
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G U I A D E S U S T E N TA B I L I D A D E
Oktoberfest: média anual de
750 mil pessoas, uma das maiores
festas do turismo brasileiro
dilúvio bíblico. A residência do presidente da Artex, um poderoso império têxtil, Carlos Curt Zadrozny, foi
violentamente tomada pelas águas.
Ele, como vários outros, teve que ser
resgatado pelo telhado. As decolagens de helicópteros da Marinha
na névoa eram constantes, transportando mortos em afogamentos,
alimentos, remédios. Era preciso
buscar comida de canoa para os
acampamentos de desabrigados.
A água baixou, os blumenauenses
tiraram o barro das ruas, pintaram as
casas, oficinas e lojas, levantaram os
móveis e com apoio de toda a comunidade, empresários, comerciantes,
associações e prefeitura começaram
a preparar sua primeira Oktoberfest,
em 1984. Em agosto, dois meses antes da festança, o Rio Itajaí-Açu decidiu mostrar sua cara feia de novo,
batendo o recorde do ano anterior
em mais de 10 mortais centímetros.
A Defesa Civil, após a tragédia de
83, estava mais organizada. Porém
a violência da natureza atingiu mais
de 70% da população, algo como 70
mil pessoas. A contabilidade, além
de uma cidade arrasada, registrou
68 mortos, com as igrejas protestantes recheadas de desalojados.
O desânimo abateu até os mais corajosos. Indústria e comércio contabilizavam infernais prejuízos. Porém, o
espírito comunitário alemão prevaleceu. Enterraram os mortos, tiraram
o barro das ruas, pintaram as casas e
lojas, reconstruíram os muros. Pouco
menos de dois meses depois recebiam 102 mil turistas, que beberam
103 mil litros de chope, consumiram
12 toneladas de comida, inclusive o
afamado marreco com repolho roxo,
em meio a trajes e músicas típicos
e danças folcóricas de cidadãos recém-saídos de um flagelo.
30 anos neste 2014, um registro de
uma comunidade que enfrenta com
especial tenacidade suas adversidades e que encheria de orgulho os
ousados pioneiros.
A Oktoberfest não parou de crescer. Quatro anos depois, em 1988,
ela recebia 1 milhão de pessoas,
seu maior público até hoje. Sua média anual é de 750 mil pessoas, algumas vindas de outros países, que
se divertem na
Vila Germânia e
consomem quase 700 mil litros
de chope e cerveja, um recorde
nacional. É uma
das maiores festas do calendário
turístico brasileiro e traz muita
riqueza e fama
para Blumenau,
ocupando quase
tanto espaço nas
tevês quanto as
Enchente de 84, a mais violenta de Blumenau: dois meses tenebrosas enchentes.
depois cidade recebia 100 mil turistas na 1ª Oktoberfest
Coisa de alemão mesmo: transformar uma pavorosa enchente na
maior Oktoberfest do mundo, fora
a de Munique. Tanto a enchente
quanto a Oktoberfest completam
Arquivo Defesa Civil de Blumenau
As histórias das enchentes do
Rio Itajaí-Açu, em Blumenau, e da
cerveja caminham lado a lado com
a colonização e o espírito comunitário germânico. Os pioneiros enfrentaram solitariamente as selvas,
sem nenhum amparo. Conviviam
com onças, epidemias e índios e
fincaram e mantiveram os alicerces
da cidade. De 1850 a 2002 foram
registradas 68 enchentes na região.
Cerca de 40 nos últimos 50 anos. Porém, nenhuma delas foi tão trágica e
violenta como as dos anos de 1983
e 84. Foi justamente na década de
80 que a cidade começou a planejar
sua Oktoberfest, orgulhosa de suas
tradições alemãs, com apoio de empresários, comerciantes, prefeitura
e toda a comunidade.
Divulgação Santur
Uma história de enchentes e cerveja
As enchentes não soterraram o
espírito de luta alemão, mas poucos
imaginariam essa festa em 1984,
com a cidade sob as águas, morros
desabando sobre estradas, a única
comunicação sendo feita por radioamadores, um único telefone
público funcionando. As pessoas
colocavam o que podiam no segundo andar das casas, tudo empilhado em cima de armários e mesas,
desligavam a eletricidade e muitos
foram para o morro onde ficava o
Clube de Caça e Tiro Blumenauense.
Levaram mantimentos para alguns dias e os escoteiros montaram um acampamento tão organizado, que três dias depois, quando
os oficiais da Marinha chegaram
em helicópteros, pensaram que
era um acampamento militar. Os
radioamadores eram o único meio
de comunicação. Comandavam
ações de socorro, davam notícias
de famílias separadas e de feridos
e coordenavam a distribuição de
alimentos que escasseavam. Em
outubro, o dilúvio da cidade era
outro: de chope e cerveja.
G U I A D E S U S T E N TA B I L I D A D E
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XXI Prêmio Expressão de Ecologia
alemã. Essa região de ascendência alemã faz com que
Santa Catarina seja o estado cuja indústria tem maior
peso no PIB, entre todos os outros do Brasil. De cada
quatro reais gerados por toda a economia catarinense, um real vem do parque industrial. São bilhões e
bilhões de reais industriais. Várias de suas indústrias
são líderes nacionais e destacam-se nos rankings mun-
diais, muitas delas erguidas com os genes alemães, como Tupy, Embraco, Tigre, Ciser, Hering e dezenas de
outras. O maior polo, Joinville, e maior cidade, com
546 mil habitantes, concentra uma abastada classe
industrial e o segundo polo metalúrgico de todo o
país. Mas também mostra a outra face da colonização
alemã, com animada Festa das Flores, enfeitando a
cidade desde 1939; um Festival de Dança, que agita
os palcos joinvilenses há 32 anos, reconhecido pelo
Guiness como o maior do mundo em seu gênero, e
abriga a única filial do Balé Bolshoi fora da Rússia.
Os outros maiores polos são a surpreendente Jaraguá do Sul e Blumenau, terra das têxteis Hering,
Karsten e Altenburg. Mas também terra da atriz Vera
Fischer, do poeta Lindolf Bell, da modelo Mariana
Weickert, da campeã de vôlei Ana Moser, ou do engenheiro Emil Odebrecht, cuja família começou ali
seu case empresarial de sucesso nacional. Todos com
sotaque germânico. Essas três cidades tinham algo
incomum em cidades pequenas e médias brasileiras.
O Parque Malwee foi criado em
1978 pelo empresário Wolfgang
Weege, fundador da Malwee, escolhido, in memoriam, como personalidade ambiental do XXI Prêmio
Expressão de Ecologia. Quando visitou pela primeira vez a Europa, em
1975, Wolfgang encantou-se com
parques, castelos e museus. Em
cidades como Milão, Paris, Viena,
Roma e Berlim, o industrial identificou tradição e cultura, conectadas
especialmente com o ser humano.
Inspirado, decidiu que em sua
volta ao Brasil iria iniciar o projeto
de uma área verde de preservação
e lazer em Jaraguá do Sul. Nascia
assim o Parque Malwee. “Do ponto de vista do meu pai, era algo a
ser feito para enobrecer a região.
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G U I A D E S U S T E N TA B I L I D A D E
Wolfgang: os Weege chegaram
em 1868 e construíram gigantes
industriais e santuários ecológicos
Ele também queria dar de si para o
próximo”, recorda Wandér Weege,
filho de Wolfgang.
Adquiriu quatro terrenos amplos, próximos da Malwee, pastos
e plantações onde Wolfgang brincava com crianças da vizinhança, e
sonhava em fazer dali um enorme
jardim. Em viagem ao Japão, a ideia
se consolidou quando o empresário conheceu os Jardins de Kyoto.
“A partir de então passou a liberar
mais recursos para esse projeto e a
dedicar-se ainda mais para realizar
esta grande obra que é o Parque
Malwee”, lembra Wandér.
Wolfgang decidiu arborizar a
área também com árvores de várias
partes do mundo. Trouxe sementes
e centenas de outras plantas de diversos países. O Parque Malwee foi
inaugurado em 1978. “Os funcionários participaram da inauguração
na parte de cima da barragem, degustando um espumante. Inesperadamente, do horizonte do grande
lago, surgiu um barco onde estava
a família Weege, sendo Wolfgang o
timoneiro-mor. A família vestia-se a
caráter, ao estilo da época de 1910,
década na qual iniciou a história
empreendedora da família Weege
em Jaraguá do Sul. À medida que o
barco avançava, lentamente, o público conseguia olhar e ouvir o barco, que tinha um gaiteiro a bordo”,
recorda Wandér. Essa entrada simbolizou a chegada da família Weege
ao Brasil no veleiro Lord Brougham,
em 1868, vinda de Regenwalde, na
Pomerânia, atual Resko, na Polônia.
Em 1982 o fundador doou o parque
aos funcionários da Malwee, que
decidiram abrir as portas do santuário para toda a comunidade. Uma
visita ao parque é também uma singular excursão cultural, que faz parte do calendário escolar e de várias
instituições. Wolfgang era um admirador da cultura greco-romana.
Várias esculturas e estátuas desse
período estão espalhadas pelo
parque, como o Pantheon, onde as
cinzas do fundador estão preservadas. Mas o ponto forte é o cenário
ambiental. Com 16 lagoas – a maior
com 100 mil metros quadrados, o
parque tem mais de 40 mil árvores
nativas e exóticas, que Wolfgang
trouxe de várias partes do mundo,
e uma numerosa fauna silvestre,
com animais de médio e de pequeno porte e centenas de espécies de
aves. A lagoa principal é circundada
por uma pista de caminhadas e está
preparada para a prática de esportes náuticos, como canoagem ou jet
ski. O parque também possui campos de futebol, ginásio de esportes
e uma pista de bicicross já utilizada
em diversas competições nacionais
e internacionais. Há choupanas com
muitas mesas e churrasqueiras. Existem ainda dois restaurantes, um de
comida típica alemã.
Wolfgang tinha sua atenção também voltada para a área social e
apoiou iniciativas que favorecem a
comunidade até os dias atuais, como
hospitais, corpo de bombeiros, igrejas e outras atividades sociais.
O Grupo Malwee já está na terceira geração, nos últimos anos sob a
presidência do neto do fundador,
Guilherme Weege. O interesse socioambiental sempre marcou a
gestão de seu filho Wandér Weege,
que durante quase três décadas
comandou a companhia, com projetos de educação e investimentos
em hospitais e outras instituições.
Ele foi também um dos pioneiros
em vários aspectos das relações entre os negócios e o meio ambiente.
Arquivo Expressão
Ao contrário do cenário normalmente desolador de outras cidades
operárias brasileiras, brilha em Jaraguá do Sul um dos principais pontos
turísticos de todo o norte catarinense. O Parque Malwee, um verdadeiro
santuário ecológico aberto à visitação pública, com mais de 1,5 milhão
de metros quadrados, é um privilegiado centro de lazer. Seu exuberante cenário sedia diversos eventos esportivos, estudantis, gastronômicos,
ambientais, culturais e animadas
excursões turísticas. Recebe mais de
70 mil visitantes anuais.
Divulgação Malwee
Um poderoso sonhador
Parque Malwee recebe 70 mil visitantes anuais
Construiu um dos primeiros aterros
industriais do estado, aperfeiçoou
o tratamento de efluentes e a água
que devolve ao Rio Jaraguá é 97%
pura. Seu projeto de reutilização de
água faz com que a Malwee deixe
de captar até 200 milhões de litros
de água anuais. Passou a usar gás
natural e foi a primeira companhia do setor têxtil a desenvolver
um programa de neutralização de
carbono, em 2007. E se o Parque
Malwee, criado por seu pai, protege as nascentes do Jaraguá, rio vital
para toda a região, Wandér adquiriu novas áreas de mata atlântica
e numa delas, o Pico Malwee, de
2,5 milhões de metros quadrados,
recuperou espécies nativas. Em
outra, a Reserva de Fontes e Verde,
um santuário ecológico, preserva
mais de 30 nascentes de água.
Seu filho, Guilherme Weege, segue a pegada ecológica da família
e lançou artigos com fio poliéster
PET, produzido a partir de material
100% reciclado de garrafas plásticas. Com isso já resgatou mais de
10 milhões dessas garrafas que infestam rios e lixões e reduz o consumo de material virgem retirado
do meio ambiente. “Todo o projeto
de sustentabilidade concebido pela
Malwee está à disposição de outras
empresas. Queremos motivar novas
ações sustentáveis”, afirma Wandér.
G U I A D E S U S T E N TA B I L I D A D E
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XXI Prêmio Expressão de Ecologia
Fundação Cultural de Blumenau
Seus habitantes organizavam orquestras sinfônicas e
não causava espanto que donos de oficinas tocassem
violino, barbeiros e industriais soassem clarinetas e
cantassem nos corais de igrejas ou atuassem como
bombeiros voluntários, como se verá nas histórias
a seguir. Trabalhavam duro. Liam Goethe, tocavam
Mozart, dançavam. Competiam pelo jardim mais
bonito. Colocaram o sabor alemão no caldeirão cultural do Sul brasileiro.
Família musical: em 1882 Blumenau tinha
16 mil habitantes e muitas sociedades culturais
Entre os corajosos aventureiros vinham naturalistas,
botânicos, cientistas atraídos pela desconhecida exuberância da floresta e da fauna. Alguns conquistaram
fama mundial por suas experiências aqui, como Fritz
Müller, cujas pesquisas ajudaram Charles Darwin na
elaboração da Teoria da Evolução das Espécies, ou
Fritz Plaumann, que recebeu a mais alta condecoração do campo da ciência da Alemanha, a Grã-Cruz
do Mérito Científico (veja matéria com os naturalistas na página 6). Eles também deixaram uma herança
ambientalista. Das 11 personalidades ambientais que
o Prêmio Expressão de Ecologia selecionou em seus
21 anos, oito tinham sobrenome alemão. O mesmo
aconteceu com várias empresas que conquistaram o
Prêmio Expressão nessas duas últimas décadas, muitas
delas porque seus comandantes visitaram a Alemanha
nos anos 70 e 80, auge do Partido Verde naquele pa-
8
G U I A D E S U S T E N TA B I L I D A D E
ís, e trouxeram na bagagem soluções para os graves
problemas ambientais gerados pela industrialização
de suas empresas. Esse é o principal elo entre o XXI
Prêmio Expressão de Ecologia e a comemoração dos
190 anos da chegada dos alemães.
Aqueles 39 pioneiros que chegaram no Vale dos
Sinos em 1824, cujos sonhos se defrontavam com
selvas, onças e índios, representavam uma nova classe social de pequenos proprietários,
em um Brasil que até então só conhecia senhores e escravos. Eles
recebiam lotes de terra, bois, cavalos e auxílio financeiro por dois
anos. Isenção de impostos por 10
anos, liberdade religiosa e dispensa do serviço militar. Entre 1824 e
1830, chegaram 5 mil imigrantes
a São Leopoldo. Mas a partir dos
anos 1830, a imigração cessou por
problemas políticos como a abdicação de D. Pedro I e a separatista
Revolução Farroupilha, que começou em 1835 e durou uma década.
A imigração só retornou em 1844
e até 1850, em apenas seis anos, o
Rio Grande do Sul recebeu mais 10 mil habitantes.
Outros 10 mil chegariam nas próximas duas décadas.
Lembrando que o Rio Grande do Sul contava com
pouco mais de 100 mil habitantes quando os alemães
começaram a chegar e dessa diminuta população, 10
mil concentravam-se em Porto Alegre.
Novas colônias pipocaram na região. Esses imigrantes trouxeram a Revolução Industrial ao despovoado Rio Grande do Sul. Eles fundaram o primeiro
curtume da região de Porto Alegre, depois moinhos,
ferraria, oficina de lapidação, fábrica de sabão, queijarias e introduziam os calçados no Vale do Rio dos
Sinos, setor que em algumas décadas iria gerar dezenas de milhares de empregos no vale, e também muita poluição nos rios. Inauguraram vilas que viraram
cidades, como Novo Hamburgo ou São Leopoldo;
XXI Prêmio Expressão de Ecologia
Os alemães traziam da Europa a ideia de que o
Estado e não a Igreja era a referência da organização da sociedade, e a escola um dos pontos centrais
da comunidade. Como não havia escolas públicas
no Brasil da época, suas rigorosas Deutsche Schule
eram competentes instâncias de educação em várias
cidades gaúchas. Os imigrantes alemães conseguiram nas décadas de 1920 e 30 a quase erradicação
do analfabetismo em mais de mil comunidades rurais gaúchas, quando a média nacional estava perto
de 80%. O censo de 1940 apontava que 400 mil
brasileiros natos falavam alemão no Rio Grande do
Sul. O mesmo acontecendo com outros 180 mil em
Santa Catarina, bem menos populosa.
Os alemães aportaram em Santa Catarina quatro anos após chegarem ao Vale do Sinos. Seus carroções agruparam-se em São Pedro de Alcântara, na
atual Grande Florianópolis. Mas suas tentativas não
deram certo por 20 anos. As colônias só tiveram sucesso quando eles subiram mais ao norte do estado,
numa região que ia do litoral, próxima ao porto de
São Francisco, penetrando no interior através dos vales formados pelo Rio Itajaí. A primeira comunidade
catarinense bem-sucedida foi Blumenau, fundada em
1850, e um ano depois surgia sua eterna rival Joinville, próxima ao litoral. Os blumenauenses, com perfil
mais liberal de Munique, alardeiam que seus vizinhos
Arquivo Histórico José Ferreira da Silva
surgiram artesanatos que se transformaram em indústrias. Salas de aula geraram escolas. Sucessivas levas de
imigrantes alemães levaram um total de cerca de 75
mil pessoas para o Rio Grande do Sul. Abriram novas
fronteiras agrícolas e iniciaram uma industrialização
que rompeu a monotonia agropecuária dos estados
do Sul. Sua influência está na culinária, na dança típica, nas festas e tendência a criar associações esportivas, recreativas, culturais. Dois dos maiores tenistas
brasileiros, o gaúcho Thomas Koch e o catarinense
Gustavo Kuerten, também saíram dessa fôrma.
Bebendo cerveja em Blumenau: primeira fábrica em
1860 e maior Oktoberfest do mundo fora da Alemanha
construíram a cidade em cima de um brejo, onde
chove um dia sim e outro também, e os joinvilenses,
mais prussianos e austeros, retrucam sobre a sede insaciável de cerveja dos conterrâneos.
O fundador Hermann Blumenau nasceu em 1819,
em um ducado da Prússia, no coração da recém-formada Confederação Germânica. Botânico, farmocologista, filósofo, convivia com naturalistas famosos e sentia
forte atração pelos trópicos. Trouxe poucos agricultores
para a colônia, mas vieram agrimensores, carpinteiros,
marceneiros, funileiros e o naturalista e médico Fritz
Müller, com que estudou em um ginásio na Prússia.
Encontrou índios caingangues e botocutos, além de
onças-pintadas. Se a noiva de Blumenau abandonou-o pelo temor da floresta, a colônia tinha pouquíssimas
mulheres e diz a lenda que navios traziam senhoritas
casamenteiras, que eram sorteadas entre os colonos
alemães. A colônia crescia e em 1882 contava com 16
mil habitantes, sociedades de canto, clubes de tiro, jogos de bolão e grupos de teatro. Indústrias domésticas
de banha, queijo e manteiga prosperavam, assim como
serrarias movidas por energia vinda de moinhos movimentados por quedas d’água dos rios. Em 1860, surgiu
a primeira fábrica de cerveja, que ninguém é de ferro.
Mulheres que construíram impérios
lançamentos de roupas de cama e
travesseiros PET. Usando o material
reciclado, a empresa já retirou 7 milhões de garrafas plásticas que costumam infestar rios e lixões.
A família Hess trocou a fronteira da
Alemanha com Luxemburgo em
1875 por Curitiba. Em seguida, a
segunda geração, capitaneada por
Valentim Hess, era pioneira na cata-
Divulgação Dudalina
As mulheres também foram pioneiras em alguns impérios têxteis.
Em 1922, para garantir o sustento
da família em Blumenau, Johanna
Altenburg começou a produzir acolchoados manualmente. Atualmente
são três fábricas de roupas de cama,
mesa e banho, e a incrível produção
de 1 milhão de travesseiros por mês,
sob o comando do neto Rui Altenburg. A companhia foi pioneira em
Adelina e a filha Sônia Hess:
uma compra exagerada de
tecido do marido e a intuição
e garra femininas a caminho
da meta de R$ 1 bilhão
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G U I A D E S U S T E N TA B I L I D A D E
rinense e vizinha de Blumenau, Luis
Alves, com uma casa de comércio
e serraria. Compravam a produção
dos colonos, vendiam secos e molhados e financiavam engenhos,
telhas, juntas de bois e ferramentas
para os colonos, numa região sem
crédito ou bancos. Adquiriram caminhões para transportar mercadorias e ônibus para passageiros. Seus
filhos mantiveram o negócio e abri-
ram também uma casa de comércio.
Mas foi a filha, Adelina Hess, forjada
na rigidez da educação alemã, um
dos cases femininos de maior sucesso empresarial no país. Ela criou a
Dudalina, a maior indústria de camisas brasileira.
Adelina trabalhava no comércio
dos pais e aos 14 anos conheceu em
um comício do general Eurico Dutra,
depois da queda de Getúlio Vargas
em 1945, em Luis Alves, um moço
elegante de terno azul com quem iria
se casar, Rodolfo Francisco de Souza,
o Duda. Eles tiveram 16 filhos, mas se
Duda era poeta, com mais de mil versos escritos e parceiro dedicado, era
Adelina a cabeça dos negócios, entre
uma gravidez e outra. Em 1954 Duda
foi sozinho fazer as compras no Bom
Retiro, em São Paulo, e um comer-
ciante turco o convenceu a comprar
600 metros de tecido. Foi um encalhe enorme no armazém de secos e
molhados da família. Adelina decidiu transformar o tecido em camisas para esvaziar o depósito. Trouxe
duas costureiras, com suas máquinas
de trabalho, para o quarto de empregadas da casa da família, e tiravam
as camas durante o expediente. Deu
certo: as camisas vendiam rapidamente. Surgia a Dudalina, junção dos
apelidos de seu Duda e dona Lina.
Em 2008, quando Adelina morreu, a
Dudalina já tinha fabricado a espantosa quantia de 50 milhões de camisas. E ela já tinha entrado no ramo de
hotéis e hotéis-fazenda.
O DNA empreendedor de Adelina
seguiu adiante. No ano passado, a
Associação de Dirigentes de Vendas
e Marketing do Brasil (ADVB) teve de
mudar a nomenclatura do principal
e mais disputado título que concede
anualmente, o de Homem de Vendas do Ano. É que pela primeira vez
em meio século uma mulher ganhou
o prêmio: Sônia Hess, filha de Adelina e presidente da Dudalina desde
2003. Sônia lançou a Dudalina com
sucesso no varejo – atualmente são
mais de 10 lojas próprias –, passou a
produzir também camisas femininas
em 2010, abriu showroom em Milão e dobrou o faturamento em três
anos. E planeja atingir o faturamento de R$ 1 bilhão em vendas nos próximos anos, com uma empresa que
tem o número recorde de 75% de
funcionários do sexo feminino. Suas
camisas desfilam pela novela da
Globo Em Família, com o apropriado
slogan: Para mulheres que decidem.
G U I A D E S U S T E N TA B I L I D A D E
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XXI Prêmio Expressão de Ecologia
Blumenau: no começo de 1900 cidade impulsionada
por dinheiro das têxteis recebia óperas e sinfônicas
Curiosamente, uma tradição que vingou, pois no começo deste século XXI um mercado novo e em rápida expansão, de cervejas artesanais, como a Eisenbahn
e a Bierland, surgiu na região e prospera atualmente.
Comerciantes, com meios de transporte, enriqueciam
circulando mercadorias entre colônias próximas, de
carroças ou barcos. Estima-se que em duas décadas,
entre 1850 e 72, 13 mil alemães aportaram em Joinville e Blumenau.
Um deles tornou o sobrenome de sua família o mais
famoso de Santa Catarina. Hermann Hering pertencia a
uma tradicional família de artesãos têxteis, que atuavam
no ramo desde 1675, na Saxônia. Mas os impostos altos
criados pelo primeiro-ministro Otto Bismarck para a
unificação da Alemanha e guerras contra a França e as
perturbações no mercado de matérias-primas fizeram
com que desembarcasse em Blumenau em 1878. A colônia já contava com quase duas centenas de empreendimentos, entre olarias, engenhos de arroz, farinha de
mandioca e açúcar, alambiques e, evidentemente, quatro
cervejarias. Em cerca de 25 anos, o empreendedorismo
desses pioneiros fez a selva avançar mais de um século
em tecnologia. Essas duas centenas de novos negócios
eram unidades familiares, com moinhos gerando energia, um pedaço da Revolução Industrial europeia que
aterrissava na selva brasileira, para espanto dos índios,
que por vezes atacavam a flechadas as casas dos colonos.
Hermann Hering percebeu que a agricultura não
traria riqueza. Trouxe a família da Alemanha, comprou um tear usado e criou uma inovação inédita
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G U I A D E S U S T E N TA B I L I D A D E
Johann Karsten: bisneto Odebrecht
recuperou Rio do Testo, onde a fábrica
começou com moinho pioneiro
A roda d’água foi substituída pela usina a vapor. Foi
o empreendimento mais afortunado do império colonial sulista, a primeira empresa têxtil do Brasil e uma
das locomotivas que ajudaram o Vale do Itajaí a ser
um grande polo têxtil. O final do século chegou com a
família em franco progresso. Seu filho Carl foi prefeito
de Blumenau em 1919, e já no século XX a Hering
chegou a ter 30 mil funcionários, o dobro da população da colônia na época da chegada de Hermann.
Hermann, descendente de um clã que há dois
séculos atuava no ramo, um apaixonado por máquinas, sutilezas tecnológicas e gerenciais, encontrou em
seu irmão e sócio Bruno um parceiro ideal. Bruno
lia Goethe, promovia saraus literários, estimulava
leitura entre os operários, instalou uma biblioteca
na fábrica. Empolgava-se com as conquistas socialistas. Divulgava conhecimentos agronômicos entre os
colonos, patrocinou uma cooperativa. Tinha grande
interesse pela natureza, pela conservação de espécies
nativas, ganhou um prêmio nacional de Pioneiro da
Preservação no Brasil e in memoriam foi escolhido
como uma das personalidades ambientais do Prêmio Expressão de Ecologia. O Parque Ambiental
da Hering e os jardins suspensos de Burle Marx que
emolduram os atuais prédios tombados da fábrica
são herança dessa filosofia de Bruno.
Os Hering sempre tiveram grande
influência na cultura da cidade, na
construção do famoso Teatro Carlos
Gomes, o único fora do eixo Rio-São Paulo que recebia turnês de
óperas italianas, sinfônicas e cantores de música clássica europeus no
começo dos anos 1900. Várias gerações deles tocaram
na sinfônica da cidade e atualmente a empresa patrocina a orquestra de câmara blumenauense.
Os comerciantes eram estratégicos para injetar dinheiro na colônia. Com barcos e carroções, constituíam verdadeiras companhias logísticas e se transformavam em banqueiros locais, financiando equipamentos
para os agricultores. Johann Karsten começou assim,
até fundar, dois anos após a Hering, a Karsten, outro
império têxtil, de roupas de cama, mesa e banho. Ele
emigrou em 1860 para gerenciar os cafezais da Fazenda
Imperial de Petrópolis. Logo em seguida rumou para a
Blumenau e no Rio do Testo usou uma queda d’água
Divulgação Hering
Fundação Cultural de Blumenau
em todo o país: confecção de camisetas e meias. Em
1880, surgia a primeira malharia made in Brasil, no
fundo do quintal dos Hering, tendo como mão de
obra a própria família. Na época, todas as peças de
vestuário do Brasil eram importadas.
Marcas com sotaque alemão
Jardins de Burle Marx da Hering:
herança ambiental do pioneiro Bruno
capaz de mover roda de moinho e
gerar energia para seu sítio. Plantava
e, com o primeiro moinho da região,
moía milho. Depois construiu uma
serraria. Capitalizou-se. Trocava tábuas e o serviço do moinho, de moer cereais de outros colonos, por produtos que levava de barco e carroça
para trocar por outras mercadorias.
Comprou teares e fiação na Alemanha e tornou-se industrial de peso.
Longe dos mercados do país, sem
acesso a financiamentos, Santa Catarina contou muito com o empreendedorismo e engenhosidade desses
imigrantes para produzir riquezas.
Um bisneto de Johann Karsten, Carlos Odebrecht,
brincava em criança, nos anos 1950, no Rio do Testo
que o progresso da empresa de sua família contribuiu
para degradar. As águas mudavam constantemente de
cor pelo despejo de corantes das têxteis. Nos anos 70,
Odebrecht voltou de uma Alemanha empolgada pelo
Partido Verde, assumiu o comando dos negócios, entre
1988 e 2006, e começou de forma pioneira a adotar
ações em favor do meio ambiente. Na empresa, praticamente zerou a poluição. Depois patrocinou grupos de
resgate do Rio do Testo, onde as crianças voltaram a nadar e remar ao lado da fábrica fundada por seu bisavô.
E ajudou a criar o primeiro departamento ambiental da Federação das
Indústrias do Estado de Santa Catarina, a Câmara de Meio Ambiente, da
qual foi o primeiro presidente. Ele é
outra das personalidades ambientais
do Prêmio Expressão.
Joinville também crescia acolhendo esses personagens que vinham de um mundo bem mais ilustrado,
a 12 mil quilômetros de distância. Carl Döhler, um
oficial de tecelagem com uma oficina na Saxônia, embarcou no começo de 1880 também para fugir dos
sufocantes impostos de Bismarck. Descobriu que os
G U I A D E S U S T E N TA B I L I D A D E
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Arquivo Municipal de Joinville
XXI Prêmio Expressão de Ecologia
Joinville no começo do século XX: famoso entreposto
comercial impulsionado por porto e nova estrada
mangues da cidade só produziam caranguejos e malária, nenhum grão. Como sua mulher Ernestine trouxera seis quilos de fios em sua bagagem, ele construiu
um tear de troncos de árvores com as próprias mãos,
e passou a produzir peças de fios, ajudado pela família e vizinhos. Era a Revolução Industrial inovando
no meio do mato. Deu certo.
Se Joinville era imprópria para a agricultura, com
a proximidade do porto e a abertura da estrada para
São Bento, pouco antes, somados aos prósperos ciclos da erva-mate e da madeira, transformou-se em
entreposto comercial nacionalmente conhecido. O
comércio se dinamizou e em 1885 Carl Döhler era
o único fornecedor de um mercado que já contava
com 34 mil consumidores ávidos por tecidos para
suas calças, camisas, lençóis, toalhas. A Döhler, outro império têxtil, começou suas atividades um ano
após a Hering. Carl cantava no coro da igreja luterana e agora brigava contra o fisco brasileiro, uma
briga herdada por seu filho Arno.
Aliás é uma tradição dos Döhler, o luteranismo, a
austeridade, o empenho pela comunidade, cuidar da
brigada de bombeiros voluntários da cidade, modernizar a empresa e combater o pesado ônus tributário brasileiro. Ônus capaz de causar inveja ao próprio Bismarck. Seu bisneto, Udo Döhler, mantém a tradição. Por
35 anos, em vários mandatos intercalados, presidiu a
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poderosa Associação Empresarial de
Joinville, a entidade mais atuante da
cidade. Preocupado com a negligência dos empresários de não se preocuparem com o que acontece fora dos
muros de sua indústria, com a visão
de que o poder público apodreceu
no Brasil e a corrupção ocupou espaço, tornou-se o empresário de maior
peso a envolver-se na política catarinense. Há dois anos elegeu-se prefeito de Joinville, única cidade do estado com mais de 500 mil habitantes.
“No poder público não falta dinheiro, falta gestão”, defende. Conseguiu alguns sucessos.
A tela do computador de seu gabinete registra 32 mil
pontos municipais, desde a escola a ser construída até
a boca de lobo entupida. Planeja não usar mais papel
e criar uma prefeitura 100% digitalizada. Encurtou a
burocracia do licenciamento para construções de 170
para 15 dias. Seu planejamento para a cidade vai até
2030, quando Joinville deverá ter 1,2 milhão de habitantes, um planejamento estratégico incomum na
gestão pública brasileira. Em pleno século XXI, Udo
agora enfrenta uma encrenca bem mais tenebrosa do
que a selva, onças, cobras e índios que assombravam
seu antepassado ilustre. Ele enfrenta o vampiresco cenário político tupiniquim.
Udo Döhler foi uma das lideranças mais ativas da
conscientização ambiental dos empresários, inclusive com palestras. A gestão ambiental da Döhler
conquistou o prêmio ecológico máximo da CNI.
Nos anos 1980 acompanhou in loco os debates ambientais na Alemanha e trouxe um pacote de ideias
para Joinville. Construiu o primeiro aterro ambiental privado catarinense. Substituiu óleo por gás natural, investiu na reutilização da água, mantém reserva ambiental de cerca de 30 hectares. Criou o primeiro Comitê de Proteção de Bacias Hidrográficas
de Santa Catarina. Pelo conjunto da obra, também
já foi eleito uma das personalidades ambientais do
Prêmio Expressão de Ecologia.
Karl trouxe dezenas de inovações a
Joinville, como a bicicleta. O neto Carlos
Schneider criou a Ciser e protege rio
Karl Friedrich Schneider deixou
Erfurt em 1881, onde seus pais eram
prósperos comerciantes de ferragens,
e veio ao Brasil no conforto de uma
cabine de navio de luxo, com a fortuna de 20 mil marcos, para comprar uma fazenda. E mais uma vez
Joinville ficou devendo parte importante de seu progresso à terra ruim da região. Em vez de uma fazenda, Karl inaugurou a Casa do Aço, um comércio que
trouxe dezenas de inovações para o desenvolvimento
da comunidade. Bem informado sobre os últimos
avanços tecnológicos europeus, ele trouxe máquinas sofisticadas que aceleraram o desenvolvimento
da cidade. Trouxe também a primeira bicicleta, que
em poucos anos se transformou no principal meio
de transporte e fez Joinville ser conhecida nacionalmente como a Cidade das Bicicletas. Percebeu que
os colonos usavam cana-de-açúcar apenas como ração animal. Soube que os norte-americanos tinham
moendas de alta tecnologia, de ferro, para produzir
açúcar mascavo. Teve de importar as moendas dos
Estados Unidos para Hamburgo, e de lá para Joinville. Elas cruzaram o Atlântico duas vezes. Valeu a
pena. O açúcar produzido a partir dessa sua inovação
abasteceu a colônia, entrou nas rotas comerciais, seguido da cachaça de alambiques. Centenas de pipas
com 500 litros passaram a cruzar a estrada puxadas
pelos carroções e fizeram muitas fortunas na cidade.
Durante a Primeira Guerra, com os curtumes joinvilenses quase falindo pela falta de tanino, que não
chegava mais da Europa conturbada, ele pesquisou e
conseguiu retirar das plantas do mangue uma subs-
tância parecida e manteve os curtumes em operação. Ele forjou a
economia da cidade financiando
ferramentas, máquinas agrícolas,
permitindo a abertura de lojas e
pequenas indústrias. Ainda encontrava tempo para ser primeiro-violino da orquestra sinfônica
e bombeiro voluntário. Seu filho
Hans falava seis idiomas e ia de
carroça estado adentro, com uma
modernidade a bordo: levava catálogos, outra inovação paterna,
ao invés de pesadas mercadorias.
Era um vendedor moderno e corajoso. Às vezes chegava em clientes com as casas arrasadas pelos índios. A Casa do
Aço durou até a década de 1970, na mesma Rua do
Príncipe. Aliás, o próprio Príncipe de Joinville, casado com a filha de D. Pedro II, jamais pisou naquela vila cercada pelo mangue que recebeu como
dote de casamento.
“Nenhum outro povo teria ficado aqui, só mesmo
o alemão, que é mão fechada, não queria perder o
dinheiro investido na terra”, diverte-se o neto de
Karl Friederich, Carlos Schneider. Com o mesmo
tino do avô, Carlos viu o parque industrial joinvilense explodir na década de 50, quando a cidade já
contava com 42 mil habitantes. Pipocavam novas
indústrias, com Tupy, Hansen (atual Tigre) e Consul. Elas compravam centenas de quilos de porcas
e parafusos na Casa do Aço. Ele percebeu a chance
e, em 1959, fundou a Ciser, maior indústria latino-americana de porcas, parafusos e roscas. Foi seu
presidente até o final do século passado.
Carlos Schneider desde criança acompanhou a
degradação acentuada dos rios de Joinville e pensava na exuberância daquelas terras no tempo da
chegada de seu avô à região. Adquiriu então várias porções de terra no entorno da cidade, a partir
de 1983, e montou um santuário de 9 mil alquei-
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XXI Prêmio Expressão de Ecologia
res. Além de proteger as nascentes
do Rio Quiriri, um importante
manancial de abastecimento de
Joinville, protege mais de 20 mil
espécies de plantas e centenas de
animais. Sua filha comanda uma
atuante ONG ambiental. Por sua
atuação como guardião das águas,
Carlos Schneider também foi eleito uma das personalidades ambientais do Prêmio Expressão nesta última década.
“A Ciser e a Döhler são os dois
maiores herdeiros da austeridade
alemã em Joinville. São os mais
ortodoxos e não por coincidência estão entre os
grupos mais antigos e sólidos da região”, ensina o
historiador Apolinário Termes, o maior especialista
dos arquivos da cidade. Outra família marcou profundamente a vida de Joinville, que em 1930 contava com 25 mil habitantes, quase duas centenas de
fábricas, muitos automóveis e um batalhão de bicicletas introduzidas quase 50 anos antes por Karl
Schneider. Eugen Schmidt chegou em 1869 e vinha
de Gorki, na Rússia, para onde sua família alemã
havia se transferido no final do século XVIII, quando a czarina Catarina, a Grande planejava modernizar o país. Os Schmidt tinham formação clássica,
eram poliglotas, estudiosos de ciência e apreciavam
a música. Ficaram quase um século em postos de
destaque na Rússia e embarcaram para cá fugindo
dos conflitos políticos russos. Seu filho morreu cedo e deixou a família em dificuldades.
O neto Albano, nascido em 1900, puxou o perfil
clássico da família e sempre foi dos melhores alunos
da rigorosa Deustche Realschule de Joinville. Gerenciou várias empresas e quando o proprietário morreu
em uma explosão em uma fundição, ele assumiu. Aos
30 anos, com uma brilhante equipe de mecânicos, ele
sonhava em descobrir a fórmula do ferro maleável,
desconhecida em todo o país, em sua modesta fundi-
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G U I A D E S U S T E N TA B I L I D A D E
Carl Döhler construiu primeiro tear
de Joinville, maior cidade alemã do
Sul, cujo prefeito é o bisneto Udo
catarinense
ção. Com grossos manuais escritos
em alemão, sem aparelhos para ensaios químicos ou mecânicos, seus
métodos eram empíricos. Sem luvas nem óculos de proteção, eles
sofriam queimaduras e ferimentos
provocados por estilhaços de ferro
sob temperaturas altíssimas na boca do forno, durante mais de cinco anos. Numa manhã de agosto
de 1935, eureca! Finalmente encontraram a fórmula
inédita no país. Todo o ferro maleável para produzir conexões hidráulicas para encanamentos de casas
e ruas vinha da Inglaterra – e em 1939 a II Guerra
Mundial estourou e interrompeu o fornecimento de
conexões para o Brasil. Surgia o embrião da poderosa Fundição Tupy, criada em 1938 e uma das mais
notáveis histórias empresariais do país.
Em pouco tempo a Tupy transformava-se no maior
empregador de Santa Catarina, algo como 10 mil
empregos. Em 1958 já era um dos principais fornecedores da emergente indústria automobilística
brasileira e atualmente fornece para indústrias automobilísticas de várias partes do mundo, do Japão à
Inglaterra. Criou a Escola Técnica Tupy, que qualificou centenas de milhares de técnicos em Santa Catarina. Atualmente é uma das dez maiores fundições
particulares do planeta e a maior da América Latina.
Centenas de outros imigrantes se aventuraram, inovaram, abriram negócios, trouxeram conhecimento
e cultura da Europa, geraram empregos, impostos
e um tipo de mentalidade que favorece a qualidade de vida de Santa Catarina, considerada uma das
melhores do Brasil.
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