FOLHA DE ROSTO Título do trabalho: ECONOMIA SOLIDÁRIA E

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FOLHA DE ROSTO
Título do trabalho: ECONOMIA SOLIDÁRIA E TRABALHO: elementos para análise das
políticas públicas de geração de trabalho e renda
Nome do(s) autor(es): Adrianyce de Sousa (Professora da UnB, Doutora em Serviço Social pela
UFRJ) e
Daniela Neves (Professora da UnB, Doutora em Serviço Social pela UFRJ).
Endereço eletrônico: [email protected]
[email protected]
Filiação institucional: Universidade de Brasília - UnB
Resumo: A crise que acompanha medularmente a sociedade capitalista desde os anos 70, expõe, a
cada dia, contornos dramáticos de expansão da pobreza e aprofundamento do exército de reserva. O
desemprego e a pobreza tornaram-se o principal alvo na atuação das políticas públicas de
orientação neoliberal. No caso brasileiro, verifica-se o crescimento do incentivo estatal em
atividades de Economia Solidária.
Palavras chaves: Trabalho, Estado, Economia solidária.
Abstract: The crisis that came medularmente a capitalist society since the 70s, set out, each day,
contours of dramatic expansion and deepening of poverty in the army reserve. Unemployment and
poverty have become the main target in the performance of public policies of neoliberal orientation.
In Brazil, there is encouraging the growth of state activities in the Solidarity Economy.
Keywords: work, State, Solidarity economy.
Área temática: Serviço Social e o Desenvolvimento
ECONOMIA SOLIDÁRIA E TRABALHO: elementos para análise das políticas públicas de
geração de trabalho e renda
1. INTRODUÇÃO
Nas duas últimas décadas o Brasil vem sendo palco de um conjunto de mudanças estruturais,
reestruturação dos pólos produtivos, reorientação de marco neoliberal na agenda política
macroeconômica, ataques sequenciados aos direitos sociais e às políticas sociais. Mudanças estas
que atribuem um renovado e fundamental papel ao Estado na sociedade capitalista, qual seja:
subsidiar o desenvolvimento e acumulação capitalista, em especial nos momentos de crise,
aprofundando o acesso do capital ao fundo público.
A crise que acompanha medularmente a sociedade capitalista desde os anos 70 e suas atuais
facetas, expõe, a cada dia, contornos dramáticos de expansão da pobreza e aprofundamento do
exército de reserva. O desemprego e a pobreza que eram um traço residual no Estado de Bem Estar
Social, são agora efeitos do processo de reestruturação produtiva, e tornaram-se o principal foco na
atuação das políticas públicas de orientação neoliberal. Dados do Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento – PNUD estimam que cerca de 2,5 bilhões de pessoas no mundo encontra-se
em situação de pobreza atualmente, sobrevivendo com menos de dois dólares por dia (PNUD,
2001).
Contudo, uma outra tendência tem se materializado amplamente no Brasil, especialmente na
era de Governos do Partido dos Trabalhadores - PT, configurando os impactos da reordenação do
capitalismo mundial no país, sobretudo em seus rebatimentos sobre o trabalho, qual seja: dada à
ampliação da precarização e informalidade do trabalho, condições necessárias para o processo de
acumulação atual sustentado no receituário neoliberal, verifica-se no país o crescimento do
incentivo estatal em atividades de Economia Solidária.
Nestes termos, o presente artigo busca problematizar as configurações do Estado brasileiro
frente à esfera dos direitos, em especial os direitos do trabalho, e neste quadro a relação da
Economia Solidária com as formas de precarização do trabalho. Uma vez que, no nosso
entendimento, as ações dentro do espectro da Economia Solidária estão fundamentalmente voltadas
ao “combate ao desemprego” e à “geração de renda”, ou seja, a regulação do trabalho nos marcos
da sua precarização e não da criação de trabalho com proteção social e direitos. Trata-se, pois, de
incorporar o processo de precarização como definitivo e parte constitutiva das novas experiências
do trabalho.
2. A CONTRA-REFORMA NO ESTADO BRASILEIRO E O ATAQUE AOS DIREITOS.
Desde a década de 1970 o mundo vivencia um processo de reestruturação capitalista que
estabelece dois tipos de ajuste estruturais distintos, mas inerentes ao movimento do capital: o
primeiro balisado na esfera da produção pela chamada reestruturação produtiva e num novo regime
de acumulação mundial predominantemente financeiro, e que, do ponto de vista político sustenta-se
no neoliberalismo, cuja essência é o afastamento dos obstáculos a circulação do fluxo de
mercadorias e dinheiros, pela via da contra-reforma do Estado.
Estes dois processos articulados garantem ao capital fundamentalmente uma reatualização
da sempre existente tensão entre o monopólio e a competição, entre centralização e
descentralização. No dizer de Harvey (1996), não é que o capitalismo agora esteja mais
desorganizado, ao contrário trata-se agora da maneira como o capitalismo se torna organizado
através da dispersão e da mobilidade geográfica.
O projeto neoliberal oriundo da estratégia internacional do capital estabelece uma política
econômica monetarista com ampla privatização de empresas estatais, em que o "Estado mínimo" e
o "máximo de mercado" são elementos fundamentais para a soberania do mercado.
Na América Latina a execução do receituário neoliberal (disciplina fiscal, estabilidade
monetária, redução de gastos públicos, reforma tributária, liberalização financeira e comercial,
alteração das taxas de câmbio, investimento direto estrangeiro, privatizações e desregulamentação)
implicou e tem implicado conseqüências totalmente nefastas para a maioria da população, pois
provocaram aumento do desemprego, destruição dos postos de trabalho não-qualificados, redução
dos salários devido ao aumento da oferta da força de trabalho e redução de gastos com as políticas
sociais.
No caso brasileiro, a heteronomia e amesquinhamento visceralmente antidemocrático e
conservador da burguesia brasileira, são amplificados pela lógica neoliberal. A configuração de
padrões universalistas e redistributivos de proteção social, garantidos minimamente na Constituição
de 88, foram fortemente tencionados. Voltado para as estratégias de extração dos superlucros, e sob
o argumento da crise fiscal do Estado, transformando as políticas sociais em ações pontuais e
compensatórias, o processo de privatização foi explicitamente induzido nos setores estratégicos da
proteção social (saúde, previdência e educação) (C.f. Behring e Boschetti, 2006). Aliado a esse
ataque sistemático aos direitos sociais, a contra-reforma do estado brasileiro fragiliza o trabalho, sua
organização e suas conquistas investindo em estratégias de trabalho com atividades de economia
solidária, vinculadas ao terceiro setor, ao Estado ou ao setor privado.
3. ECONOMIA SOLIDÁRIA E SUA EXPANSÃO: ou de como legitimar a precarização.
De acordo com Singer (2000), a economia solidária é parte de um projeto de organização
sócio-econômica orientada por princípios opostos ao do laissez-faire1do mercado capitalista, visto
que propõe em lugar da livre concorrência, a associação; em lugar da auto-regulação dos mercados,
a limitação destes mecanismos com a estruturação de relações econômicas solidárias entre
produtores e consumidores. Segundo o autor, a “economia solidária”, de um modo em geral, está
alicerçada em três pressupostos – fundamentos – necessários para se operar nos marcos de uma
organização solidária: a regulação econômica, a participação nos lucros e a gestão do trabalho.
Partindo desses três pressupostos, Singer (2000) argumenta que no processo econômico
capitalista nos termos liberais, a regulação da economia é regida pela livre concorrência no mercado
mediada pelo movimento da competitividade2. Em contraposição a essa forma de organização
econômica, Singer propõe “uma economia que fosse solidária em vez de competitiva. Isso significa
que os participantes na atividade econômica deveriam cooperar entre si em vez de competir” (2002,
p. 09).
Nestes termos, a solidariedade na economia só pode ser realizada mediante organização de
supostos iguais, que se vinculam entre si através de associação, em contraposição ao contrato entre
desiguais (patrões e trabalhadores). Segundo o autor, é dessa maneira que a igualdade se manifesta
como pressuposto da solidariedade, pois diferente do capitalismo, nas cooperativas os trabalhadores
proprietários organizam-se como “outro modo de produção”3, tendo seus princípios baseados na
propriedade coletiva ou associada do capital e também na liberdade individual. Dessa forma, é
produzida uma classe de trabalhadores que são possuidores de capital, tendo como resultado
1
O laissez faire, componente central da formulação teórica do liberalismo clássico de Adam Smith e David Ricardo,
fundamenta a posição econômica do livre mercado.
2
Cabe ressaltar que a economia capitalista atual não é competitiva na maior parte dos seus mercados, sendo dominada por
oligopólios. A livre concorrência, segundo o autor, expressar-se-ia de modo efetivo no comércio e no setor de serviços (Cf. Singer,
ibidem).
3
Termo utilizado por Singer (ibidem) na argumentação de que a economia solidária e as cooperativas de trabalho formariam
conjuntamente um outro modo de produção diferenciado do modo de produção capitalista.
“natural”4 a solidariedade e a igualdade na economia.
A compreensão de economia solidária defendida por Singer é resultado de um amplo
movimento de setores da sociedade (movimentos sociais, sindicatos, grupos religiosos, setor
privado, a academia e etc.) que vêm divulgando e investindo no trabalho autogestionado com
alternativa de trabalho e geração de renda. Entidades as mais diversas como: Associação Nacional
de Trabalhadores de Empresas Autogestionárias e de Participação Acionária – ANTEAG,
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, Rede Universitária de Incubadoras
Tecnológicas de Cooperativas Populares –ITCPs, Cáritas – órgão do Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil – CNBB, Fundação de Órgãos para a Assistência Social e Educação – FASE,
Unisol, do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, e a Agência de Desenvolvimento Solidário – ADS,
da Central Única dos Trabalhadores – CUT, são responsáveis por várias ações de criação, estímulo e
apoio as atividades de economia solidária.
As atividades de trabalho que vêm sendo organizadas a partir de empreendimentos da
chamada “economia solidária”, estando esta em franca expansão, no nosso entendimento,
relacionam-se intimamente com formas atuais de desenvolvimento econômico e industrial,
caracterizando-se enquanto estratégias de controle sobre o trabalho. Nestes termos, algumas
propostas de auto-organização dos trabalhadores, na busca de satisfazer livremente as suas
necessidades e combater o desemprego, tornam-se estratégias de auto-organização do trabalho para
satisfazer as necessidades atualizadas do capital.
Para nós, nesse trato dedicado à “economia solidária” – centrado no trabalho e no
trabalhador - está contido um modo superficial de analisar os processos históricos e
contemporâneos de transformação da sociedade capitalista, em particular a reestruturação da esfera
produtiva e as relações sociais de produção. Isto é facilmente perceptível quando identificamos, na
formulação de diversos autores, em especial Singer (2001), a articulação da “economia solidária” à
necessidade contemporânea de combate ao desemprego localizado apenas na epiderme do
fenômeno da reestruturação produtiva.
Neste sentido, podemos afirmar que o atual padrão de acumulação põe em movimento um
renovado processo de organização do trabalho, cuja finalidade essencial é a intensificação das
condições de exploração da força de trabalho, principalmente nos contextos de crise, incorporando,
na parte central da produção de valor, modalidades de trabalho que aparentemente seriam formas
autônomas e independentes de trabalho. Sendo que estas formas, no caso brasileiro, verificam-se,
sobretudo nas atividades desenvolvidas pela “economia solidária”.
Logo, a inserção do Estado brasileiro como indutor direto de políticas que estimulam o
crescimento do trabalho em economia solidária é um marco que caracteriza a ação estatal no campo
das políticas públicas de trabalho e geração de renda. Este movimento permite efetuar um corte com
os outros fatores que estão articulados a esse processo, como a contra-reforma do Estado e seu
postulado neoliberal, e, sobretudo, as necessidades do capital no estágio atual de desenvolvimento
capitalista.
É dentro deste quadro, que no nosso entendimento, o governo brasileiro institucionaliza uma
política de estímulo ao trabalho na economia solidária, e cria a Secretaria Nacional de Economia
Solidária – SENAES5 dentro dessa perspectiva. E nestes termos, a partir de então, a economia
solidária alçou ao status de política pública6 de governo.
4
Esse entendimento obscurece as construções sócio-históricas da relação capital e trabalho, e, por conseguinte, naturaliza e
eterniza processos que são fundamentalmente resultantes sociais.
5
Em junho de 2003, o Congresso Nacional aprovou projeto de lei do presidente Lula, criando no Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE) a Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES.
6
A secretaria foi criada com a publicação da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003 e instituída pelo Decreto n° 4.764, de 24
de junho de 2003. A direção ficou sob o comando do economista Paul Singer.
Os números do setor são expressivos. Os dados do Atlas da Economia Solidária no Brasil,
do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE, 2006), apontam, no segundo semestre de 2005, a
identificação de 14.954 empreendimentos solidários em 2.274 municípios brasileiros, sendo 44% só
no Nordeste e 56% distribuídos nas demais regiões do país.
A criação da SENAES atesta um marco diferenciado na política de trabalho e geração de
renda do Estado brasileiro. A articulação da secretaria com diversos setores de governo como:
Ministério da Educação, Saúde e Desenvolvimento Social e ainda com o BNDES, Caixa Econômica
Federal, Banco do Brasil, Estados e Municípios, evidencia o enfoque plural das ações de economia
solidária.
Este traço pode claramente ser apreendido, segundo os dados veiculados pela própria
secretaria. Entre 2003 e 2004, por exemplo, o Ministério do Trabalho e Emprego objetivando
regulamentar as cooperativas de trabalho participa no Fórum Nacional do Trabalho, na constituição
do GT Micro e Pequena empresa, Autogestão e Economia; participa no Programa Primeiro
Emprego objetivando dar apoio à formação de associações e cooperativas de jovens. O Ministério
do Desenvolvimento Agrário, juntamente com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
a Fome, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal formulam uma política de
desenvolvimento Comunitário como instrumento de Combate à pobreza. O Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES passa a desenvolver ações voltadas a recuperar
empresas falidas, que passam a ser recuperadas pelos próprios trabalhadores.
Essas ações revelam a forma atual que possibilita ao capital (des)referenciar o conteúdo
central da exploração que é a sua produção coletiva e apropriação privada da riqueza. As ações
centradas na “economia solidária” destinam-se à gestão do trabalho e a regulação econômica, em
moldes flexíveis (leia-se máxima mobilidade para o capital, com máxima desregulamentação e
precarização para o trabalho). É este movimento que possibilita tornar cada vez mais obscuras as
mediações fundamentais do modo de produção capitalista. Particularmente, a funcionalização que
estas políticas de Economia Solidária comportam como estratégias para o estágio atual do
desenvolvimento capitalista no país, encobrindo as reais perdas de direitos, com impactos na
organização política, da classe trabalhadora.
4. A ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL
No Brasil dos dias atuais, considerados o quadro político, as mudanças no mundo do
trabalho e as estratégias do capital na sociedade brasileira contemporânea, a economia solidária vem
ganhando atenções e polarizando muito do debate acerca das estratégias de combate ao desemprego,
geração de emprego e renda, e, sobretudo, das ações políticas de combate à chamada
“vulnerabilidade social”.
A economia solidária compreende uma diversidade de práticas econômicas e sociais
organizadas sob a forma de cooperativas, associações, empresas autogestionárias, redes de
cooperação, complexos cooperativos, entre outros, que realizam atividades de produção de bens,
prestação de serviços, finanças, trocas, comércio e consumo - batizadas todas, nos últimos anos,
pela SENAES de “empreendimentos de economia solidária” – EES.
A amplitude de temas, experiências e ações que cerca esse amálgama denominado de
economia solidária possibilita, na mesma medida, uma diversidade de debates, análises e
proposições sobre e para a economia solidária. Existe hoje um número muito amplo e muito
diferenciado – se considerarmos as vinculações teóricas e políticas – de autores7, estudiosos,
7 Como dissemos, a produção no campo da economia solidária é muito ampla, mas podemos sinalizar algumas das
mais importantes no âmbito acadêmico: Arrouyo e Schuch (2006), Gaiger (2004), Rech (2000), Singer e Souza
(2000) e Singer (1998, 2000, 2001 e 2002). A repercussão deste debate é tal que já propiciou uma análise
profissionais, grupos, organizações e partidos que vêm produzindo intelectualmente e criando
atividades que desenvolvem a economia solidária. E ainda devemos destacar a inserção do Estado
brasileiro neste quadro, como formulador de políticas e indutor de ações de interesse deste
segmento.
Atualmente, a economia solidária faz parte da agenda do Estado através da implantação de
políticas governamentais (municipais, estaduais e nacional) voltadas ao seu desenvolvimento. O
governo federal criou em 2003, como já indicamos, no âmbito do Ministério do Trabalho e
Emprego, a Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES. No mesmo ano, também foi
criado o Fórum Brasileiro de Economia Solidária e a Rede de Gestores Públicos de Economia
Solidária. A SENAES tem, entre seus objetivos, favorecer o desenvolvimento e divulgação da
economia solidária. O Programa Economia Solidária em Desenvolvimento (criado em 2003 e
implantado a partir de 2004, consta no do Plano Plurianual 2004-2007 e 2008-2011 do Governo
Federal) realizou um amplo mapeamento da economia solidária no Brasil, na tentativa de catalogar
todos os EES e as Entidades de Apoio, Assessoria e Fomento. Com base nesse mapeamento foi
constituído o Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária – SIES, composto por uma
base nacional e por bases locais de informações, que proporcionam visibilidade à economia
solidária e oferecem subsídios nos processos de formulação de políticas públicas.
Não é nosso objetivo fazer uma análise e avaliação do programa do governo federal para a
economia solidária. Todavia, sendo o Estado, em todas as suas instâncias, historicamente o maior
empregador na criação das condições para regulamentar o trabalho, parece-nos importante
identificar quais são as particularidades dessa política pública que estão impactando as modalidades
de trabalho sem proteção social e quais são os vetores dessa política que vêm estreitando a relação
entre trabalho e economia solidária. Por isto, buscamos traçar eixos centrais que caracterizam a
política pública de economia solidária, a partir do Programa Economia Solidária em
Desenvolvimento do MTE/SENAES.
O Programa Economia Solidária em Desenvolvimento marcou a introdução de políticas
públicas especificas para a economia solidária em âmbito nacional, em um contexto de novas
ofensivas do capital, exigindo respostas do Estado cada vez mais flexíveis no campo do trabalho e
da pobreza.
Novas realidades do mundo do trabalho demandam do poder público
respostas para relações de trabalho distintas do emprego assalariado. Foi
neste contexto, e a partir das demandas do próprio movimento da
economia solidária, que o Governo Federal, por meio de seu Ministério
do Trabalho e Emprego, assumiu o desafio de implementar políticas
que estendam ações de inclusão, proteção e fomento aos
trabalhadores/as que participam das demais formas de organização do
mundo do trabalho entre elas, as iniciativas de economia solidária. Ao
constituírem um modo de produção alternativo ao capitalismo, onde os
próprios trabalhadores/as assumem coletivamente a gestão de seus
empreendimentos econômicos, as iniciativas de economia solidária vêm
apontando para soluções mais definitivas à falta de trabalho e renda.
E foi para apoiar o seu fortalecimento e expansão que se construiu o
Programa Economia Solidária em Desenvolvimento (MTE/SENAES,
2008; negritos nosso).
Em 2004, as ações de economia solidária, sob responsabilidade da SENAES/MTE, passaram
a contar com orçamento próprio, a partir da inclusão do programa no Plano Pluri-Anual – PPA do
governo federal. O programa incorpora demandas da sociedade civil e iniciativas do governo para
economia solidária e são definidas ações e prioridades articuladas à plataforma do Fórum Brasileiro
comparativa França/Brasil (Filho e Laville, 2004); e não se esqueça os trabalhos de abrangência internacional
patrocinados pelo influente sociológico português Boaventura Santos (2002).
de Economia Solidária – FBES e às resoluções da I Conferência Nacional de Economia Solidária –
CONAES (2006) e do Conselho Nacional de Economia Solidária – CNES.
Na proposta do PPA 2008-2011, o programa incorporou, de modo mais definido, várias
linhas de ação, com destaque para:

a organização da comercialização dos produtos e serviços da economia solidária;

a formação e assistência técnica aos empreendimentos econômicos solidários e suas redes de
cooperação;

o fomento às finanças solidárias, sob a forma de bancos comunitários e fundos rotativos
solidários;

a elaboração de conhecimentos e tecnologias sociais apropriadas à economia solidária;

e a elaboração de um marco jurídico que, segundo o programa, regulamentará o direito ao
trabalho associado.
Mas a principal linha de ação é a estruturação de uma política pública voltada à
economia solidária, com o estímulo à institucionalização de políticas nas três esferas; a formação
de formadores/as e gestores públicos; a construção de uma estratégia de desenvolvimento local
tendo a economia solidária como eixo, a partir da atuação de uma rede de agentes de
desenvolvimento solidário espalhados pelo Brasil; e o mapeamento da economia solidária, para
ampliar e atualizar a base do Sistema de Informações em Economia Solidária – SIES.
As diretrizes dessa política capilarizam-se em outros setores do governo, como os
ministérios da Educação, Saúde, Desenvolvimento Social e Desenvolvimento Agrário, e ainda no
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, Caixa Econômica Federal,
Banco do Brasil, que também vêm desenvolvendo ações no campo da economia solidária. Por
exemplo, o BNDES criou uma linha de financiamento permanente para entidades de assessoria aos
EES e para a recuperação de empresas falidas que venham a ser administradas pelos próprios
trabalhadores.
Na condição de política pública, a economia solidária gera uma demanda diversificada nas
áreas de financiamento; gestão de políticas; gestão de negócios; capacitação técnica; comércio e
logística; pesquisa e metodologias sociais de cooperação, associação e autogestão; desenvolvimento
local e assessoria jurídica, contábil e administrativa. Tais demandas vêm se ramificando nas práticas
profissionais de várias categorias profissionais e e já constituem eixos específicos de formação e
qualificação e indução de postos de trabalho vinculados à economia solidária.
Afirmamos anteriormente que a economia solidária é muito heterogênea e conta com a
participação de diversos agentes na sua promoção. Mas qual é a realidade da economia solidária no
Brasil? E possível mensurar, agrupar, determinar a origem e a inserção econômica desses
empreendimentos? Mesmo considerando que esta é uma tarefa que equaliza atividades sociais e
econômicas com vinculações e relações sociais muito distintas, esboçamos, a partir das fontes
disponíveis, uma radiografia da economia solidária brasileira.
A economia solidária – ES no Brasil, a partir de dados do Sistema Nacional de Informações
em Economia Solidária – SIES (base de dados até o ano de 2007) do Ministério de Trabalho e
Emprego, é formada de 21.859 “empreendimentos”, dos quais, cerca de 49%, foram criados
somente de 2001 a 2007. E reúne um total de 1.687.496 participantes - destes, 37% são mulheres e
63% homens. Mais de 1 milhão e meio de pessoas participa de atividades de economia solidária no
país, número em significativo crescimento, e nos possibilita afirmar que a ES tem hoje uma
representatividade consistente, a partir do número de envolvidos. Mas onde estão localizados os
EES? Podemos ver, na tabela 01, que 43,5% deles atuam no nordeste brasileiro, e apenas 10,1%
encontram-se na região centro-oeste.
TABELA 01 – Quantidade segundo região, até 2007
REGIÃO
QUANTIDADE
(%)
Norte
2656
12,1
Nordeste
9498
43,5
Sudeste
3912
17,9
Sul
3583
16,4
Centro-Oeste
2210
10,1
TOTAL
21859
100
FONTE: SIES – SENAES/MTE, 2009.
Uma informação que nos chama atenção nessa tabela é que a região sudeste, que apresenta a
maior densidade populacional do país, a maior taxa de industrialização e é responsável por mais de
50% do produto interno bruto/PIB nacional, tem apenas 17,9% dos EES e envolve apenas 3912
pessoas. Significa dizer que, mesmo em significativo crescimento, os EES têm baixíssimo impacto
na composição da riqueza e na atividade econômica nacional (quase o mesmo vale para a situação
da região sul). De outro lado, norte, nordeste e centro-oeste, as regiões mais pobres, concentram
juntas 65,7% de toda a atividade de economia solidária, o que indica a concentração dos
empreendimentos em regiões predominantemente pauperizadas.
O modo de organização predominante é o sistema de associação, com 51,8%, seguido por
grupos informais, 36, 5%. Apenas 9,7% do empreendimentos organizam-se em cooperativas,
conforme a tabela 02.
TABELA 02 - Forma de organização
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
QUANTIDADE
(%)
Grupo informal
7978
36,5
Associação
11326
51,8
Cooperativa
2115
9,7
Sociedade mercantil por cotas de
responsabilidade limitada
54
0,2
Sociedade mercantil em nome coletivo
56
0,3
Sociedade mercantil de capital e indústria
192
0,9
Outra
138
0,6
21859
100
TOTAL
FONTE: SIES – SENAES/MTE, 2009.
Note-se que as formas de organização predominantes (associação e grupo informal) não
esclarecem absolutamente nada sobre esses EES. As associações e grupos informais podem ser os
mais diversos e com vinculações as mais distintas. E ratifica a nossa percepção analítica inicial
sobre como é difícil definir o conjunto das atividades de economia solidária. Vemos ainda que as
sociedades mercantis, 1,8% juntas, são também consideradas modalidades de organização de
economia solidária, o que implica, como já antes anunciado, que empresas com nítidas diretrizes
capitalistas fazem parte do leque da economia solidária. De acordo com a tabela 03, a seguir, 30,9%
afirmaram que a motivação para a criação do EES foi este ser uma alternativa ao desemprego,
sendo esta a maior motivação; a possibilidade da atividade associativa gerar maiores ganhos ficou
em segundo lugar, indicada por 15,3%; apenas 7,2% dos informantes apontaram o fato de serem
donos do seu próprio negócio como sua maior motivação.
TABELA 03 - O que motivou a criação dos empreendimentos
MOTIVOS
QUANTIDADE
(%)
1. Uma alternativa ao desemprego
6.746
30,9
2. Obtenção de maiores ganhos em um
empreendimento associativo
3.339
15,3
3. Uma fonte complementar de renda para os(as)
associados(as)
3.060
14
5. Condição exigida para ter acesso a financiamentos e
outros apoios
2870
13,1
4. Desenvolvimento de uma atividade onde todos são
donos
1.571
7,2
8. Desenvolvimento comunitário de capacidades e
potencialidades
1128
5,2
9. Alternativa organizativa e de qualificação
961
4,4
7. Motivação social, filantrópica ou religiosa
864
3,9
6. Recuperação por trabalhadores de empresa privada
que faliu
89
0,4
10. Outro. Qual?
772
3,5
Não respondeu.
459
2,1
21859
100
TOTAL
FONTE: SIES – SENAES/MTE, 2009.
O maior motivo que vem justificando a expansão dos EES's é, como se indicou, o
desemprego. Mas se, por um lado, esta é a justificativa dos governos, das organizações patronais e
dos sindicatos, as informações colhidas podem revelar – e este é o nosso entendimento - que já está
enraizada também, na visão dos próprios “empreendedores”, a noção de que são necessárias formas
alternativas de trabalho, vista a carência de empregos estáveis, formais e com garantias trabalhistas.
Se somarmos esses aos 14% que dizem ser a atividade de economia solidária uma fonte
complementar de renda para os associados, é flagrante o descontentamento e as dificuldades
econômicas pelo qual vem passando os trabalhadores na sua inserção, ou não, no mercado de
trabalho. Isso se traduz também quando observamos as áreas de atuação dos EES's posto que
48,3% deles atuam exclusivamente na zona rural, 34,6% em zona urbana e 17,1% tem atuação tanto
na rural como urbana. Essa maioria de atividades de economia solidária no meio rural poderia
talvez explicar-se pelo crescimento no país do setor agroexportador (o agrobusiness). Entretanto,
quando analisamos as atividades econômicas que mais aparecem nos EES's (tabela 01), verificamos
que a maioria são atividades de serviços ligadas à agricultura, no cultivo de lavouras temporárias,
hortaliças, legumes e outros produtos da horticultura. Apenas 1253 “empreendimentos”, cerca de
5,7%, afirmaram cultivar cereais para grãos. A fabricação de artefatos a partir de tecidos, madeira,
palha, cortiça e material trançado – itens conhecidos popularmente como artesanato - também é
uma das maiores atividades econômicas desenvolvidas. Explica, no nosso entendimento, a baixa
viabilidade econômica deles.
A dificuldade de manter-se e conseguir uma arrecadação mínima mensal é outro desafio dos
EES's. O faturamento médio mensal dessas atividades vem mostrando o nível de pobreza a que
estão submetidos. A maioria dos EES's (quase um terço deles) têm faturamento mensal igual a zero
(R$ 0,00), cerca de 29,9% (cf. infra, tabela 4) - o que nos parece ou escandaloso ou enganador. Dito
de outra forma: ou podemos entender dessa informação que quase 1/3 (um terço) das atividades de
economia solidária no país vivem um grau de exploração tremenda, na qual mesmo os envolvidos
que estão trabalhando não são pagos pela sua força de trabalho; ou esses EES, mesmo constituídos,
não têm nenhuma inserção no mercado, e não são, portanto, alternativa de renda e de solidariedade
econômica. Vejamos os dados da tabela 04.
TABELA 04 – Faturamento médio mensal dos EES
FAIXA DE FATURAMENTO
Nº DE EES
(%)
Até R$ 1.000,00
3.628
16,6
de R$ 1.001,00 a R$ 5.000,00
5.412
24,7
de R$ 5.001,00 a R$ 10.000,00
2.031
9,3
de R$ 10.001,00 a R$ 50.000,00
2.789
12,8
de R$ 50.001,00 a R$ 100.000,00
522
2,4
Mais de R$ 100.000,00
723
3,3
Faturamento mensal igual a R$ 0,00
6533
29,9
Não declararam faturamento
221
1
TOTAL
21859
100
FONTE: SIES – SENAES/MTE, 2009.
Dos 68,9% que declararam ter algum faturamento mensal, cerca de 9.040 (nove mil e
quarenta) “empreendimentos”, a grande maioria, 59,9%, chegam a faturar, no máximo, R$ 5.000,00
(cinco mil reais) mensais. A pergunta que nos instiga é: quando for retirado do faturamento as
parcelas destinadas aos custos com matérias-prima, instrumentos e infra-estrutura e outros, o que
resta para a repartição mensal entre os associados? O acesso à renda, nesses “empreendimentos”,
pode ser considerado uma forma insignificante de distribuição de renda por via do trabalho, por isso
comparável apenas com a condição de desemprego. Os problemas da inserção no mercado, da
viabilidade econômica e da renda para as atividades de economia solidária não podem ser
atribuídos, como fazem geralmente os economistas, aos elementos internos do mercado – dinâmica
de oferta e procura, qualificação do trabalho e dos produtos, instabilidade dos preços etc. No
capitalismo dos monopólios, não é a ação do capitalista individual, e neste caso do grupo solidário,
que determina seu desempenho econômico. As empresas monopolistas controlam a amplitude da
economia mundial e, em particular, do comércio mundial. As atividades econômicas que têm
rentabilidade real ou são incorporadas ou são destruídas pelos grandes conglomerados.
Na particularidade brasileira, uma das grandes dificuldades encontradas pelos EES's reside
na comercialização de produtos e de serviços. Mais da metade dos grupos, 61,3%, têm essa
dificuldade e constituem-se, neles mesmos, os vínculos para oferta dos produtos e serviços. Mais da
metade vende, diretamente ao consumidor, seus produtos e serviços. Apenas 88, cerca de 0,4%
“empreendimentos”, dos 21.859 pesquisados, afirmaram que têm na troca com outras atividades
solidárias sua principal forma de circulação. Essa realidade repõe, de fato como ela é, a realidade da
economia solidária e sua relação com o mercado capitalista constituído. Umas das grandes
premissas da economia solidária é a constituição, entre suas atividades, de uma rede autônoma de
produção, circulação e consumo solidário. Seria por esse mecanismo que as cooperativas,
associações e diversos outros grupos poderiam se organizar e constituir uma suposta economia
diferente da forma hegemônica. O que nos informam os números é a expressão concreta da
incapacidade de qualquer outro modo de produção coexistir com o capitalismo, sem ser por ele
destruído ou refuncionalizado - dessa forma, deixa de ser outra economia para ser uma variação da
mesma. E ainda cai por terra a perspectiva do socialismo possível (Nove,1989; Amim e Houtart
2003; Santos, 2005), que muitos militantes da economia solidária e de movimentos chamados
alteromundistas defendem.
Quando se trata de investigar no mundo atual locais, culturas, sociabilidades ou formas de
produção social nas quais o capitalismo ainda não incide ou domina, são poucos os exemplos que
podemos encontrar – mas elas existem. Por exemplo, algumas comunidades isoladas em partes
específicas do mundo, ou regiões paupérrimas, nas quais o capitalismo chegou apenas como
manifestação ideo-cultural e não o capital como relação social. Contudo, essa constatação nos
impede de afirmar que o capitalismo não é a forma social predominante, e muito menos, que
coexistam, ainda hoje, modos de produção, com algum impacto econômico, diferentes do
hegemônico.
A economia solidária, como já mencionamos, envolve um conjunto de grupos sociais, os
mais distintos, que vêm investindo e apoiando os EES's. Assim, pudemos observar que 72,67% dos
“empreendimentos” tiveram algum tipo de apoio, assessoria ou capacitação para criação e
desenvolvimento do grupo. E, neste ponto, o Estado – através dos mais diversos agentes
governamentais – foi o maior incentivador, colaborando diretamente, de alguma forma, com 8.915
EES. Mas também ONG's, grupos comunitários, entidades patronais, sindicatos, organizações
religiosas e redes universitárias são responsáveis por apoiar a economia solidária, conforme a tabela
05, a seguir. Essa realidade exprime a heterogeneidade do que é a economia solidária e suas
entidades colaboradoras.
TABELA 05 – Quem forneceu o apoio aos ESS's? (múltipla escolha)
ENTIDADES QUE FORNECERAM APOIO
TOTAL
Órgãos governamentais.
8.915
ONGs, OSCIPs, Igrejas, associações e conselhos comunitários, etc.
5.097
Sistema “S” (Sebrae, Sescoop, etc).
4.466
Movimento Sindical (Central, Sindicato, Federação).
2.534
Outra.
1.559
Universidades, incubadoras, Unitrabalho.
1.201
Cooperativas de técnicos(as).
663
FONTE: SIES – SENAES/MTE, 2009.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Remetendo-nos ao movimento da exposição da nossa investigação, consideramos que a
nossa hipótese – a economia solidária não é uma alternativa econômica anticapitalista – foi bastante
fundamentada. No bojo das grandes alterações que matizam as manifestações da questão social, e
atravessam o mundo contemporâneo, surge, com todas as suas contradições, um tratamento ao
trabalho, ao desemprego e à pobreza, que aponta para um processo de recomposição da ideologia
burguesa com suporte no que seria uma cultura da solidariedade (Mota, 1995). Este ambiente
social se manifesta de formas as mais diferenciadas, mas, sobretudo, no que nos interessa, introduz
no campo do trabalho largas mistificações com interesse em fragilizar a organização dos
trabalhadores, e ainda, arrefecer as suas resistências.
É neste caldo que a economia solidária está inscrita; assim, a sua inviabilidade como
alternativa anticapitalista traduz-se de duas formas: no terreno ídeo-político, é produzida uma
“narrativa lírica” que não se sustenta, pois a sua origem, se inscrita nas modalidades cooperativas e
autogestionárias do campo socialista, revela um deslocamento para o seu inverso, já que expressa,
na atualidade, uma solidariedade que não reflete uma identidade junto às classes trabalhadoras, mas
uma solidariedade indiferenciada, trans-classista e que termina por apagar qualquer rastro das
contradições que incidem nos interesses diametralmente diferenciados dos capitalistas e dos
trabalhadores. Por isso, a economia solidária abriga, no seu interior, organizações de naturezas
jurídicas e institucionais muito diferentes, e, especialmente, de posição de classe opostas, de modo
que o trabalho é autonomizado e tratado apenas sob os aspectos da gestão e da regulação
econômica. Assim, a economia solidária contribui para obscurecer em essência as relações de
trabalho, de produção e de organização do trabalho em que está inserida (cooperativa, associação
etc), particularmente modalidades de contratação da força de trabalho desprovidas de direitos
trabalhistas e subsumidas às atuais exigências da produção capitalista. O chamado “empreendedor”,
no campo da economia solidária, tem que empreender a si mesmo, visto que se processa, neste
ponto, uma brutal ideologização da condição de trabalhador, objetivando que este passe a
identificar-se com o capital. O resgate de proposições inscritas no caldo diversificado da tradição
socialista (solidariedade, cooperação, autogestão, mutualismo, utopia, trabalho autônomo etc) é
feito sem saturá-lo de diversas determinações, principalmente, sócio-históricas, produzindo um
constructo político encharcado de anticapitalismo romântico.
No terreno do factual, os empreendimentos de economia solidária revelaram-se atividades de
baixíssimo impacto econômico, pondo radicalmente por terra todas as análises e defesas da
economia solidária enquanto uma modalidade de geração de renda, dado o fato absurdo de que
praticamente 1/3 (um terço) dos empreendimentos de economia solidária existentes no país não
conseguirem, mês a mês, qualquer faturamento - isto demonstra, indubitavelmente, que não existe
nenhum movimento econômico alternativo sendo desenvolvido no interior da economia solidária e
que esta tentativa em afirmar que uma outra economia é possível nos marcos do capitalismo não
vem conseguindo passar de simples ocupação organizativa para parcelas, cada vez maiores, da
superpopulação relativa, com nítidas funções reificadas.
Nesses termos, as estratégias de desenvolvimento que se fundam nas modalidades de
trabalho por via da economia solidária necessitam ser confrontadas com os próprios objetivos desse
mesmo desenvolvimento. O desenvolvimento brasileiro não deve estar alicerçado somente na
diminuição da miséria e priorização do industrialização nos setores primários, mas na ampla
distribuição da riqueza por meio de um novo pacto social que destaque o criação de trabalho com
proteção social e direitos.
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