- Seminário Concórdia

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Seminário Concórdia
Diretor
Paulo Moisés Nerbas
Professores
Acir Rayinann, Ely Prieto, Gerson Luís Linden, Norberto Heine (CAAPP),
Orlando N. Ott, Paulo Gerhard Pietzsch, Paulo Moisés Nerbas, Vilson Scholz.
Professoresemeritos
Arnaldo J. Sclunidt, Arnaldo Schueler, Doilaldo Schueler, Otto A. Goerl,
Johannes H. Rottinann, Martiin C. Warth.
IGREJA LUTERANA
ISSN 0103-779X
Revista Semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela Faculdade
de Teologia do Seininário Concórdia, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil
(IELB), São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.
Conselho Editorial
Acir Rayinann (editor), Vilson Scholz
Assistência Administrativa
Janisse M. Schindler
A Revista Igreja Luterana está indexada em Bibliograjia Bíblica LatinoAmericana. Os originais dos artigos serão devolvidos quando acompanhados de
envelope coin endereço e selados.
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1
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I
------Correspondência
Revista Igreja Luterana
Seininário Concórdia
Caixa Postal, 202
9300 1-970 - São Leopoldo, RS
IGREJA LUTERANA
I
Volume 56
NOVEMBRO 1997
1
Número 2
EDITORIAIS
Nota do editor ...................................................................................... 155
ARTIGOS
Hermenêuticas pós-modernas
Vilson Scholz ............................................................................. 159
Estudo exegético de 2 Coríntios 6.1- 1 0
e aplicação ao ministério da igreja hoje
Gerson Luis Linden ......................................................................
165
Como ser um servo pastoral positivo,
alegre, esperançoso e dedicado
Charles S. Mueller ....................................................................
197
Os dois Catecismos
Martim C. Warth ........................................................................
203
O Catecismo da Igreja Católica: uma apreciação
Horst Kuchenbecker .................................................................
2 15
LIVROS ............................................................................................
325
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153
EDITORIAIS
Nota do editor
Um relógio digital instalado no campus da ULBRA lembra a cada dia
que passa quantos ainda restam para a virada do milênio. No momento são
mais de 800. Por isso pouca gente se preocupa com aquele painel porque
faltam relativamente muitos dias. Imagino quando faltarem apenas uma
centena, ou uma dezena ... Os finais de séculos e milênios têm sempre sido
motivo de ansiedades, presságios e o aparecimento de inúmeras tendências
no campo da curiosidade humana. Dentro da própria teologia movimentos
ocorrem e diante dos quais a igreja precisa se posicionar. Como estará a
igreja enfrentando a realidade e as ilusões do novo milênio? Como estarão
seus pastores?
Neste número de Igreja Luterana cinco artigos abordam questões
bíblicas e pastorais. O primeiro trata de "Hermenêuticas pós-modemas".
Dr. Vilson Scholz sumariza o que vem a ser pós-modemidade e em seguida
alerta para o fato que os ventos dessa tendência sopram também sobre a
hermenêutica bíblica. Mesmo que surja com o intuito de questionar a suposta supremacia do método histórico-crítico, a hermenêutica pós-modema,
em princípio, se mostra mais simpática a hermenêutica confessional do que
aquele.
Para demonstrar o valor do método histórico-gramática, Prof. Gerson Luis Linden nos apresenta um estudo sobre 2 Coríntios 6.1-10, onde
analisa palavra por palavra e as aplica ao ministério pastoral. Obstáculos
enfrentados no ofício do ministério inibem, por vezes, a manifestação da
alegria, que é parte da sua essência. Prof. Linden chama a atenção que em
razão disso "não poucas vezes refletimos se vale a pena continuar no ministério pastoral". Com propriedade lembra que a "alegria genuína neste mundo sempre deve ser vista em conexão com a cruz do Salvador".
Alegria é assunto também do terceiro artigo, onde Dr. Charles S.
Mueller, sempre otimista, mostra o caminho de "Como ser um servo pastoral positivo, alegre, esperançoso e dedicado". A partir de três questões que
considera essenciais, Dr. Mueller não titubeia na sua tese.
Para concluir a secção de artigos, dois de caráter mais polêmicoapologético. Numa análise bem fundamentada, Dr. Martim C. Warth historia
as razões e o contexto dos dois catecismos do Dr. Martinho Lutero. Por
este estudo vê-se que os catecismos Menor e Maior não surgem de uma
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
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realidade utópica. São antes resultado de uma necessidade real, prática e
candente. A Igreja Luterana hoje ainda tem muito a aprender com os Catecismos. Porque "certamente os dois catecismos são a maior dádiva de Lutero
ao mundo".
Numa breve, mas abrangente con~paração,Rev. Horst Kuchenbecker
paraleliza doutrinas do catecismo da Igreja Católica Romana com as doutrinas essenciais da Bíblia e do luteranismo confessional. Você poderá se surpreender.. .
Temos a certeza que estes e os demais trabalhos que integram este
número de Igreja Luterana propiciarão momentos de reflexão e crescimento. Abençoada leitura. - AR
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IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
Pós-modernidade, evangelizaçao
e o papel do Espírito Santo
Dialogar ou proclamar autoritativamente? Um dilema para a Igreja!
Pelo menos, para urna Igreja que vive nestes tempos conhecidos como "pósmodernos". Pensamento holístico, pessimismo quanto a possibilidade de
existir uma verdade absoluta, pluralismo relativista são algumas das características apontadas para o nosso tempo. Stanley J. Krenz, em seu livro
Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia de nosso tempo
(trad. de Antivan Guimarães Mendes. São Paulo: Vida Nova, 1997), aponta
para o desafio que o espírito da época coloca ao cristianismo:
A consciência pós-modema ... enfatiza o grupo. Os pós-modemos vivem em grupos
sociais independentes, cada um dos quais possui sua própria linguagem, suas crenças
e seus valores. Conseqüentemente, o pluralismo relativista pós-modemo procura dar
espaço a natureza 'local' da verdade. As crenças são consideradas verdadeiras no
contexto das comunidades que as defendem. ... as crenças são, em última análise. uma
questão de contexto social ... (p. 33,34).
Num contexto destes, o diálogo - não a proclamação - é visto como
condição sine qua non para a missão da Igreja, que não quer se privar do
contato com ideologias teológicas diversas, que proliferam por todas as partes.
Klaus D. Schulz, missionário em Serowe Bostwanna, na África, mostra
que o relativismo religioso se apresenta hoje de uma forma mais politicamente correta para quem é zeloso pelos conceitos cristãos, mas que se
sente obrigado a ter uma atitude mais aberta em relação a crenças pagãs.
Em seu artigo "Tensão na Pneumatologia do Conceito da Missio Dei,"
(Concordia Journal, abril de 1997, p. 99-1 07), Schulz mostra que muitos
estudiosos da missiologia, "que têm corretamente relacionado a missão ao
Terceiro Artigo do Credo, começaram a atacar o ofício e obra do Espírito
Santo, no que se relaciona a Cristo e a Igreja" (p. 103). Com isso, mostra
Schulz, alguns (citados por ele) têm afirmado que o Espírito Santo está presente e ativo em outras crenças, fora da proclamação de Cristo. Dai que a
missão da Igreja deixa de ser um proclamar daquilo que está concluído (o
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
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Evangelho) e tende a ser um "diálogo inter-religioso".
Um exemplo de tal abordagem aparece no artigo "Há salvação nas
religiões não-cristãs?", do pastor presbiteriano de Cuba, Carlos M. Camps,
na revista Tempo e Presença, de marçolabril de 1997. Ali o autor afirma:
"Devemos descobrir a dimensão holística do conceito Povo de Deus sem
reduzi-lo ao conceito estreito de Igreja de Jesus Cristo". E conclui: "Deus
está presente de forma salvífica em diversas mediações culturais, raciais e
religiosas" (p. 41). Mais exemplos podem ser encontrados no exemplar de
marçolabril de Contexto Pastoral, onde teólogos (incluindo uma pastora e
um pastor luteranos!) dão o depoimento de que "convivência e diálogo7' são
o fundamental na Missão (esp. p. 5-8).
A base da Escritura e das Confissões Luteranas, Klaus Schulz ousa
afirmar - contra o espírito da época - que a "tarefa da Igreja, em última
análise, não é dialogar, mas proclamar" e isto deriva da própria natureza
do evangelho, "que não meramente transmite informação, mas é uma palavra com autoridade divina e poder para dar, criar e realizar fé e salvação" (p. 106).
Convém perguntarmos até que ponto nos disporen~osa assumir uma
atitude aparentemente amorosa, compreensiva e de diálogo, com o custo de
desprezar o escândalo da particularidade (1 Co 1.18-23; At 4.12)! Escândalo este, porém, que é "o poder de Deus, para a salvação de todo aquele que
crê7'. Por certo, ao proclamar a mensagem da redenção, a Igreja não assume posição de jugo sobre os povos não-cristãos. Infelizmente a História tem
apresentado situações onde evangelização foi sinônimo de violência e
enculturação. No entanto, no plano do Senhor da Missão, a Igreja proclama
humilde, mas corajosamente, o que lhe foi dado para anunciar, verdade esta
que nem mesmo lhe pertence. Ela o faz com autoridade, não intrínseca, mas
a autoridade daquele que salva por Cristo e estabelece um mandato para
Seu povo no mundo (1 Pe 3.15,16). O Espírito atua onde e quando quer, sim,
mas é o Espírito do Filho (G14.6), que é enviado pelo Filho e proclama Sua
obra (Jo 15.26). É na proclamação da obra de Cristo, como único e suficiente Salvador, que encontramos o Espírito Santo; e é nisso que consiste a
missão. Talvez em oposição ao espírito pós-moderno, mas no poder do Espírito eterno.
Gerson Luis Linden
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IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
ARTIGOS
Hermenêuticas pós-modernas
Vilson Scholz
A pós-inodernidade é definida em relação a inodernidade. Logo, fazse necessário caracterizar ambas.
1. Características da modernidade
Segundo Habermas, é nos escritos do filósofo alemão Hegel que
aparece pela primeira vez uma clara consciência da modernidade. Hegel
esclarece que o princípio do mundo moderno é a liberdade da subjetividade,
nos três aspectos de individualismo, direito a crítica e autonomia do agir.
- O ponto-chave da ideologia da modernidade é a fé no progresso,
tido como um valor eni si. O novo é melhor porque é novo. A idéia do
progresso resultou, não se o pode negar, de uma secularização da concepção bíblica de história, mediante a eliminação de todos os aspectos transcendentes. Há nisso, porém, uma profunda ambigüidade, pois junto com
esta dessacralização veio uma ressacralização e mitização do profano em
termos de progresso. O progresso se tomou uma espécie de fatalidade, pela
sua inevitabilidade.
-
2. Características da pós-modernidade
termo entrou no debate contemporâneo especialmente depois
da obra de J. F. Lyotard, A condição pós-moderna, do começo da década de 80.
-Nomes representativos do pós-modemo: além de Lyotard e outros,
-O
Dr. yllson Scholz é professor de teologia exegética do Novo Testamento no Seminário Concórdia de São Leopoldo, RS,e integrante do Conselho Editorial de Igreja Luterana. No momento Dr.Scholz exerce atividade docente no Concordia Seminary de St. Louis, USA. Este artigo é
o roteiro da conferência proferida pelo Dr. Scholz no encontro das
comunidades acadêmicas do Seminário Concórdia de São Leopoldo,
RS, e do Seminário Concórdia de Buenos Aires, realizado em 27-29 de
outubro de 1995, em Buenos Aires.
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Martin Heidegger, Hans Georg Gadamer, Michel Foucault, Jacques Derrida.
- A pós-modernidade não pode ser considerada uma etapa posterior
a modernidade, ou seja, sua superação, pois desse modo ela permaneceria
dentro da concepção de modernidade, a qual se concebe, como havia
teorizado Hegel, como contínua superação. Logo, a dicotomia moderno1
pós-moderno não deve ser concebida como algo que se sobrepõe dentro do
ritmo "antes/depoisn.
- A cultura do pós-moderno é a busca de uina saída da forte
racionalidade moderna, que encontrou sua expressiio ideológica no positivisino
e na exaltação do primado do saber científico. Descobriu-se que tanibéin o
saber mais rigoroso e "puro", como o das ciências exatas, é incapaz de se
auto-fundamentar. Edmund Husserl e Martin Heidegger participaram da
crítica a superioridade das linguagens científicas, mostrando o seu
enraizamento na vida cotidiana. A própria especialização e fragmentação
na pesquisa científica contribuiu para uma modificação na concepção do
saber. Em resumo: uma das características da condição pós-moderna do
saber é a sua fragmentação em linguagens especializadas.
- Numa outra conceituação, o pós-moderno é o desmascaramento
daquele traço de modernidade que foi e continua sendo a fé leiga na universalidade da razão humana, o otimismo no progresso evolutivo da história
humana. Em outras palavras, é a crítica da crítica, ou seja, as instâncias
críticas que a modernidade fez valer contra a tradição agora se voltam contra a própria modernidade.
- Convém notar que o pós-moderno fora das artes é o mesmo que o
moderno nas artes. Nas artes, o moderno (que é o pós-moderno) surgiu por
volta do início do século XX (no Brasil chegou com a Semana de Arte
Moderna, no começo da década de 20). A arte dita "moderna" é um claro
exemplo de pós-modernidade. No mundo das narrativas, as novelas de televisão são de modo geral modernas, pois se trata de "narrativas realistas". Já
o realismo fantástico de Gabriel Garcia Marquez é pós-moderno.
- Uma característica da sociedade pós-moderna é a deslocalização
da experiência. Por isto se entende a possibilidade de conseguir simultaneamente informações de todas as partes do mundo. Ao contrário do que
temiam alguns, o efeito dos meios de con~unicaçãomassivos não foi a
homogeneização da sociedade, e sim o aparecimento de uma multiplicidade
de Weltanschaungen ou visões de mundo.
- Outra característica da pós-modernidade é a eliminação da referência na linguagem. Imagens e símbolos tomaram o lugar da realidade. Em
lugar da distinção entre imagem e realidade, característica da modernidade,
160
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
a sociedade pós-moderna transformou as imagens em simulacros, que produzem efeitos sociais apenas porque existem, não porque remetem a uma
realidade que os transcenda (veja-se os "fatos" criados pela mídia). A comunicação moderna é regida por regras próprias e produz efeitos sociais
determinados, embora não possa ser definida como "real" no sentido tradicional (o que é é, se assim nos parece).
-No nível político, após-modernidade se manifesta na multiplicação
de "centros" da história do inundo. Pode ser vista na crítica ao eiirocentrismo;
no afrouxamento de vínculos pós-coloniais entre nações européias e países
do terceiro e quarto mundos; na diminuição de competição entre as superpotências pela hegemonia mundial.
3. O moderno na hermenêutica bíblica
Em termos de hermenêutica bíblica, o moderno se identifica acima de
tudo com o que se convencionou chamar de "o método histórico-crítico"
(MHC). Filho do iluniinismo, que atingiu a maioridade no século XIX, o MHC
pressupõe de modo geral um esquema evolutivo (progresso no âmbito da
teologia bíblica - do politeísmo para o monoteísmo, por exemplo - e ênfase na
gênese dos livros). Caracteriza-se pela aplicação da razão secularizada aos
textos (daí o nome "crítico"), e é fomentado pela constante busca do novo
(uma teoria supera ou quer superar a outra). A explicação clássica dos princípios que subjazem ao MHC foi dada pelo teólogo alemão Emst Troeltsch, que
falou nos princípios da Crítica, da Analogia e da Correlação. Na prática, o
objetivo do método histórico-crítico é, segundo um manual de Kaiser e
Kuemmel, "descobrir o significado objetivo do texto". Parte-se do pressuposto que o texto tem um significado objetivo que pode ser desenterrado pela
aplicação das ferramentas a disposição do teólogo/crítico. O irônico é que o
MHC não leva o texto a sério, pois está mais preocupado com a história do
texto do que com o texto propriamente. Em geral o texto transforma-se em
janela que se abre para um referente extra-textual.
Posto em outras palavras, o método histórico (de críticos e conservadores) procura descobrir o sentido histórico, dá prioridade à intenção do
autor, e quer ser uni enfoque objetivo, científico, livre de preconceitos.
4. Os ventos da pós-modernidade
no campo da hermenêutica bíblica
Os ventos da pós-modernidade atingiram também o campo da
hermenêutica bíblica. Como se pode perceber isto? Pelo surgimento de
enfoques que questionam o MHC.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
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Estruturalismo - Em termos cronológicos, o primeiro enfoque a questionar a hegemonia do método histórico-crítico foi o Estruturalismo. O
paradigma estruturalista foi visto por muitos como o sucedâneo natural do
método histórico-crítico, pois oferecia um enfoque sincrônico (ao invés de
diacrônico), textual (em lugar do extra-textual), e relaciona1 (em lugar do
genético). No enfoque estruturalista o texto é visto como que fechado em si
mesmo, afastado tanto do autor quanto da realidade extralingüística. O
surgiinento do enfoque estruturalista no campo da exegese bíblica coincidiu
temporalmente com o florescimento do Novo Criticismo no campo da teoria
literária (primeira metade do séciilo XX). Também o Novo Criticismo
enfatizava a independência do texto em relação ao autor. Falava-se e ainda
fala-se da "morte do autor" (entre parênteses é preciso observar, em tom
jocoso, que aqueles que escrevem livros sobre a "morte do autor" de modo
nenhum esperam que o leitor acredite que eles próprios já morreram!).
Crítica da Narrativa - Influenciado talvez pelo Novo Criticismo e
pelo Estruturalismo, mas com certeza sob o bafejo da teoria literária secular,
surgiu em tempos recentes o que se convencionou chamar de "Crítica da
Narrativa", mas que eu prefiro designar com um termo um tanto quanto
mais neutro: "Análise da narrativa". Esta análise é aplicada a trechos narrativos, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. Preocupa-se com questões como enredo, personagens, narrador, ponto de vista do narrador, leitor
implícito (chamado por Umberto Eco de "leitor modelo"), etc. Na medida
em que considera o texto tal qual o temos (enfoque sincrônico), a análise da
narrativa é tipicamente pós-moderna.
Crítica da Resposta do Leitor - Tanto pós-moderna quanto pósestruturalista é a assim-chamada "crítica da resposta do leitor" (também
conhecida como "teoria da recepção"). Levanta a velha pergunta: a árvore
que cai na floresta produz barulho mesmo quando não existe ninguém lá
para ouvir? Se o MHC privilegiava o autor e pugnava pela suposta objetividade, aqui o ator principal é o leitor e campeia a subjetividade. Seria desnecessário dizer que sancionou-se o relativismo, pois, em princípio, nenhuma
leitura é superior à outra.
Antes que se comece a querer execrar a crítica da resposta do leitor, é
bom lembrar os aspectos positivos que decorrem desse enfoque. Mais do que
nunca fica claro que nenhum intérprete é tabula rasa. A rigor, ele já tem um
texto ou textos em sua memória (em linguagem de informática se poderia
dizer que o "ambiente" ou o "programa" preexiste ao trabalho com diferentes
textos ou arquivos). Esse ambiente ou texto determina como os novos textos
serão lidos. Na prática, só se ouve o que a mente está preparada para ouvir.
162
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
Como disse alguém: "Se não sabemos o que a Bíblia significa hoje, é de duvidar se saberemos o que ela significou no passado" (Moisés Silva).
Os teóricos mais radicais da crítica da resposta do leitor chegam a
afirmar que não existe um texto objetivo. Na medida em que cada leitor traz
seu arcabouço interpretativo para o texto, acaba gerando um novo significado para o texto e, por conseguinte, cria um novo texto.
MÉT. HISTORICO
-----
CR~T.NARRATIVA
----- C R ~ T .RESPOSTA-LEITOR
PRIVILEGIA
AUTOR
-----
TEXTO
-----
LEITOR
ENCARA O TEXTO COMO
JANELA
-----
VITRAL
-----
ESPELHO
5. Palavra conclusiva
É preciso lembrar que o pós-moderno não é uma etapa que sucede o
moderno, e sim o questionamento do moderno, o voltar as armas da
modernidade contra a própria modernidade. Isto significa que não se pode
esperar dos enfoques pós-modernistas que necessariamente desbanquem o
enfoque moderno do MHC. Na prática se percebe que, num sentido amplo,
tudo continua "igual ao que era antes, no quartel de Abrantes". Em outras
palavras, o método histórico (critico) está vivo e vai bem, obrigado.
Os resultados advindos dos novos enfoques são, em termos genéricos, semelhantes aos do método que caracteriza a modernidade. Isto porque a pós-modernidade pressupõe e constrói sobre a modernidade. (Isto
também responde a pergunta quanto a relação entre o pós-moderno e o prémoderno. O pós-moderno, embora tenha muito em comum com o pré-moderno, não é uma simples volta ao passado. O pós-moderno é a (re)avaliação
do moderno que se torna possível exatamente pelo instrumental da
modernidade).
A pós-modernidade abre espaço para diferentes linhas ou linguagens
hermenêuticas. Surgem as hermenêuticas negra, feminista, latino-americana, sul-africana, estruturalista, etc. Resta saber se isto abre espaço também
para uma hermenêutica confessional. Tudo leva a crer que, no espírito da
pós-modernidade, a hermenêutica confessional terá um lugar ao sol, mesmo
que seja em meio a muitos outros enfoques.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
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Estudo exegético de 2 Coríntios 6.1-10
e aplicação ao ministério da igreja hoje
Gerson Luis Linden
Introdução
Este não pretende ser um estudo doutrinário, ao menos não no sentido de uma abordagem sistemática da doutrina do santo ministério. Por outro
lado, a tarefa exegética exige a consideração do contexto amplo no qual
cada texto bíblico está inserido. Isto nos leva a algumas considerações:
l a -No texto, Paulo trata especificamente do ofício do santo ministério. É preciso, pois, dar atenção ao que a Escritura como um todo diz a
respeito desta instituição do Senhor. Teremos de, pelo menos, pressupor a
doutrina do Ministério em nossa análise. Vez por outra precisaremos ser
explícitos na abordagem de aspectos desta doutrina, pertinentes ao estudo
em que nos engajamos.
2a-A doutrina do Santo Ministério é objeto de estudo na Igreja, não
só na Igreja Luterana e não só no Brasil, mas em diversas Igrejas no mundo. Há questões candentes sobre o assunto. Para exemplificar: a natureza
do ministério - é ele um ofício a parte do sacerdócio universal ou é derivado
deste? É próprio falar em ministério ou em ministérios? O propósito central
deste ministério está no campo da justificação ou da santificação? as qualificações para este ministério, considerando-se aí também os aspectos
proibitivos - questionamentos sobre o ministério feminino aí incluídos; etc.
Ainda que não seja nosso propósito entrarmos na discussão específica de
algum destes temas, não podemos deixar de tê-los em mente ao abordar o
texto de 2 Coríntios 6.1-10. Se queremos tratar do ministério de forma fiel e
contemporânea não temos o direito de nos esquivar das questões que, de
ProJ: Gerson Luis Linden é professor de Teologia Exegética no Seminário Concórdia e também vice-diretor e deão de alunos. Este estudo
foi apresentado no Concílio Nacional de Pastores da IELB, em Foz do
Iguaçu, PR, em 9 a 12 de junho de 1997.
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
165
uma certa forma, têm exercido influência no roteiro de estudos sobre a
doutrina do Ministério.
Contexto
As relações de Paulo com a congregação de Corinto são um capítulo
a parte na História da Igreja na era apostólica. Sem entrar em maiores
detalhes, notamos que 2 Coríntios foi escrita após Paulo ter recebido um
relatório favorável de Tito, que vinha de Corinto. Em 2 Coríntios (especialmente capítulos 3 a 7) Paulo trata do seu ministério, mais do que eni qualquer outra de suas cartas. O texto deixa ver que havia adversários de Paulo,
diferentes daqueles a quem é dada resposta em 1 Coríntios. Na 2a carta, os
adversários são vindos de fora, têm origem judaica, apresentando-se como
apóstolos e buscando vantagens materiaisjunto aos Coríntios (2 Co 11.7,1215,22-23; etc.). Sobre a situação em Corinto, que se pode depreender de 2
Coríntios:
Eram numerosas as acusações feitas pelos seus oponentes. Acusavam-no de andar
'segundo a carne' (1 0.2). Diziani que era covarde, pois escrevia cartai que reboavam
como um trovão enquanto que, em pessoa, era tão autoritário quanto um rato (10.10).
Não defendia a sua dignidade aceitando o apoio das igrejas, antes se rebaixava trabalhando (I 1.7). Invocavam o fato de ele não ser um dos apóstolos originais, destituído,
portanto, de condições para ensinar (I 1.5; 12.1 1,12) e de não ter credenciais para
apresentar (3.1). Atacavam o seu caráter pessoal dizendo que era carnal (10.2),
jactancioso (10.8,15) e enganador (I 2.16), e insinuavam que gastava em proveito
próprio o dinheiro que lhe era confiado (8.20-23).
Os acusadores eram, ao que parece, judeus (1 1.22), 'ministros de
Cristo' (1 1.23), que, servindo-se habilmente de recomendações de outras
igrejas (3.1), tinham logrado entrar nas igrejas paulinas. Sem dúvida que
eram responsáveis por parte do cisma ocorrido em Corinto. Eram altivos e
imperiosos (1 1.19,20), mas não estavam prontos a fazer trabalho de pioneiro
nem a sofrer por Cristo (1 1.23 e seguintes). Em suma, eram 'falsos irmãos7.1
O principal motivo para a escrita da carta foi para manifestar a
alegria pelas notícias trazidas por Tito. No entanto, outras questões importantes precisavam ser abordadas. Paulo precisou refutar a acusação
de que ele seria inconstante, por mudar seus planos de viagens. A igreja
tinha de ser encorajada a tratar evangelicamente com o irmão faltoso
arrependido. E Paulo viu necessidade de mostrar o verdadeiro caráter
Merryl C. Tenney. O Novo Testamento - Sua Origem e Análise. Trad. de Antônio Fernandes,
3" ed. São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 3 15.
166
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
do ministério cristã^.^
George A. Kennedy, em sua análise retórica do Novo Testamento,
considera 2 Coríntios como pertencendo a categoria de "Retórica judicia1."3 Este tipo de retórica acontece quando 'o autor procura persuadir a
audiência a que ela faça um julgamento sobre eventos que ocorreram no
passado."4 Segundo sua análise, Kennedy sugere que 2 Co 2.14-1 7 seja a
proposição básica feita por Paulo nesta carta. Esta proposição, por sua vez,
estaria dividida em três afirmações: 1) agimos com sinceridade; 2) somos
comissionados por Deus; 3) em Cristo falamos na presença de Deus. Estes
três pontos, segundo Kennedy, encontram sua "prova" no texto que segue de 3.4 a 6.13. O trecho que estamos considerando seria parte da prova para
a terceira afirmação (toda a prova seria 5.1 1-6.13).j Kennedy lembra, a
respeito de 2 Co 6, especificamente considerando a longa lista apresentada
por Paulo, na sua auto-recomendação, que
Por escrito [tal lista] chega a parecer estranha, mas empregada oralmente6 ela fica
carregada de um poder dramático, a partir da variedade de imagens que a lista evoca
e da força rítmica das frases ... Nos versiculos 8 a 10 aparece o uso do paradoxo, que
é uma qualidade básica do pensamento cristã^.^
Os capítulos 3 e 4 são importantes para que se perceba o ponto de
vista de Paulo a respeito do ministério que lhe foi confiado. É o ministério
da nova aliança (3.6), que anuncia a Cristo como Senhor e os ministros
dos cristãos por causa de Jesus (4.5). O tesouro é
como servos (~oÚAoL)
Cristo, que é trazido em vasos de barro (4.7). No capítulo 5, Paulo mostra
-
Guthrie, New Testament Introduction, 453.
George A. Kennedy. New Testarnent Interpretation through Rhetorical Criticism. Chapel
Hill: The University ofNorth Carolina Press, 1984. A análise retórica de um texto é de valor
no sentido de auxiliar no entendimento do interrelacionamento entre os argumentos, a partir
do conhecimento da razão principal que originou a escrita.
Kennedy, Rhetorical Criticism, 19. No mesmo trecho, Kennedy mostra que os outros tipos
básicos de retórica são: deliberativo - "quando o autor procura persuadir a audiência a que
tome uma ação no futuro"; e epideítica - "quando o autor procura persuadi-los a sustentarem
ou reafirmarem algum ponto de vista no presente."
Kennedy, Rhetorical Criticism, 88,89.
O próprio Kennedy sustenta que o Novo Testamento foi escrito basicamente para ser lido
em voz alta, perante a igreja (p. 37).
Kennedy, Rhetorical Criticism, 9 1 .
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
167
sua esperança escatológica. Também aí declara sua motivação para viver
como ministro de Cristo. A força impulsionadora é o próprio amor de
Cristo ( 5 . 1 4 ) . ~Paulo vê seu ministério, pois, em uma perspectiva claramente evangélica ou, para ser mais exato, como um ministério do evangelho (a boa nova de Jesus Cristo). Portanto, Paulo não só tem como objeto
de proclan~açãono ministério a reconciliação operada por Deus em Cristo
(5.18,19); ele também vê seu ministério como ação do próprio Cristo (5.20).
Mas, importante para os propósitos deste trabalho, Paulo se vê, como
ministro de Cristo, debaixo do Seu amor. Sua motivação pessoal é o evangelho da salvação.
Chama muito a atenção o fato de que Paulo, nesta carta, trata de
assuntos muito práticos e até pessoais, mas, longe de se tornar casuístico, é
teológico. Dito de outra forma, encontramos nesta carta, mescladas as
tratativas pastorais de Paulo em questões "práticas", afirmações teológicas
importantes. Algumas delas são, até mesmo, fundamentais como princípios
hermenêuticos e doutrinário^.^ Tal observação é importante na medida em
que questiona um posicionamento pastoral que vise o prático, a parte do
teológico. Paulo está mostrando que prática pastoral tem de ser teológica,
ou não será pastoral. Se se percebe um distanciamento excessivo entre
teologia e prática, pode ser que a teologia esteja fora de foco, tornando-se
questão meramente intelectual; no entanto, pode ser também que nossa
prática necessite um questionamento e redirecionamento a partir da Escritura e Confissões. Ainda sobre este ponto, tem-se repetido muitas vezes o
axioma: "Teologia é um hábito prático." Temo que por vezes possamos estar entendendo mal o dito. Estará ele pretendendo afirmar uma visão pragmática da teologia e do ministério, do tipo "O que não funciona - não dá
resultados visíveis e imediatos - não é boa teologia"? Ou o contrário: "O
que não é boa teologia, não dará bons resultados (do ponto de vista de
Deus), ainda que possa dar resultados visíveis"? Parece-me que a segunda
-
Dentre os seus vários significados, o verbo o u v e ~ wé utilizado para .'impelir". Este é o
significado em 2 Co 5.14. Digno de nota também é o uso do verbo para "estar ocupado com,
dedicar-se a", como em At 18.5 O mesmo verbo é empregado para "pressionar" (Lc 8.45). É
assim que Paulo usa o termo em Fp 1.23,24. No texto em estudo, pois, o "constranger" tem
a ver com sentir-se pressionado. No entanto, não pela força da lei, mas pelo amor de Cristo.
Em outras palavras, Paulo está dizendo que a força motora, impulsionadora para seu trabalho
é o evangelho - o amor de Cristo.
A título de exemplo: 1.20-22; 3.12- 18; 5.5-7; 5.14-1 5; 18- 19; etc. Note-se que a delimitação
destas afirmações teológicas já é questionável - onde inicia e onde termina é incerto. E é
exatamente este o ponto que queremos afirmar.
168
IGREJA LUTERANA- NUMERO 2 - 1997
opção é a que mais se aproxima da verdade.
Os estudiosos são unânimes em concordar que o texto em estudo
pertence a uma seção da carta que trata especificamente sobre o ministério
apostólico (capítulos 3 a 7).l0 É ainda significativo observar que Paulo escreve com um tom polêmico. Sua autoridade apostólica estava sendo questionada. A segunda carta aos Coríntios é uma resposta pessoal de Paulo a uma
Congregação que lhe causava muita preocupação. Dentro de seu cuidado
pastoral, foi necessário tratar com mais profundidade da doutrina do santo
ministério. Para Paulo, não era apenas o seu nome que estava em jogo. Como
o ministério é dado por Deus, com o propósito de proclamar o Evangelho da
salvação, ao atacarem o apostolado de Paulo, seus adversários - na prática colocavam em dúvida o próprio evangelho que ele proclamava.
Exame do texto
Versículo 1
2 u v c p y o U v z ~ ç- sendo cooperadores l l
O verbo ouvtpygw significa "trabalhar junto com, cooperar com,
ajudar."12 Normalmente o verbo é acompanhado por um substantivo no
dativo, indicando com que é feita a cooperação. No caso, poderia estar
referindo-se a Deus ou aqueles a quem Paulo escreve. No caso do texto
em estudo, há semelhança com o uso do particípio em 1 Co 16.16. Também
naquele texto não há um referente explícito com quem a cooperação é feita.
Podemos ter um auxílio, no que tange a identificação do referente, no
uso do substantivo cognato, ouv~pyóç: o mesmo é empregado treze vezes
no NT, sendo que apenas uma fora de Paulo. Pode-se notar que Paulo faz
uma distinção entre aqueles que são cooperadores de uma pessoa [diversas vezes, dele próprio, Paulo] (Áquila e Priscila - Rm 16.3; Urbano - Rm
16.9; Timóteo - Rm 16.2 1; Paulo e seus companheiros são cooperadores da
alegria dos Coríntios - 2 Co 1.24; Tito, cooperador dos Coríntios - 2 Co 8.23;
Epafrodito - Fp 2.25; Clemente e outros - Fp 4.3; Aristarco, Marcos e Jesus
- C1 4.1 1; Filemon - Fm 1;Marcos, Aristarco, Demas e Lucas - Fm 24) e os
que o são de Deus (Paulo, Apolo, Pedro - 1 Co 3.9; Timóteo - 1 Ts 3.2). Em
Por exemplo: Guthrie, 463; Gundry, 323; Tenney, 3 14; Kümmel, 206; Childs, 293.
l1 Pari. pres. norn. p. rn. de ouvtpyío
-
lit.: os que cooperam; cooperadores.
l2 BAGD, 787.
'3 BAGD, 787. Os usos do verbo no NT: Mc 16.20; Rrn 8.28; 1 Co 16.16; Tg 2.22 .
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
169
apenas dois textos a "cooperação" é entendida como sendo "com Deus" - 1
Co 3.9 e 1 Ts 3.2. Ainda assim, deve-se ter a precaução de notar que o
primeiro texto pode referir-se a um cooperar de um ministro com outro,
ambos pertencendo a Deus (ver o estudo sobre 1 Co 3.4-9); e o segundo
por auv~pyós). O usual
texto citado tem uma variante textual (6~cí~ovos
é que Paulo considere as pessoas como sendo suas cooperadoras. João usa
o termo uma vez (3 Jo 8) referindo-se aos cooperadores com a verdade,
aqueles que acolhem os irmãos (possivelmente pregadores itinerantes).
No caso do texto em estudo, o mais natural parece ser considerar
que o referente é Deus, visto o versículo anterior concluir falando sobre
Deus. Paulo, como Seu cooperador, exorta aos Corínlios.
írapaKaho6p~v- (nós) exortaniosl5
O verbo írapa~ahkw é aplicado para cinco significados básicos:
1. chamar alguém para o lado, convocar; pedir ajuda; convidar;
2. Apelar para, instar, exortar, encorajar (onde se enquadra o texto
em estudo);
3. Requerer, implorar, rogar;
4. Confortar, encorajar;
5. Tentar consolar ou conciliar, falar de maneira amigável, pedir desculpas. l Pelo amplo uso do verbo em 2 Coríntios, pode-se notar que é uma
carta onde Paulo usa de ou trata bastante sobre consolo (1.4 - 3x; 1.6; 2.7;
7.6 - 2x; 7.7; 7.13; 13.11) e exortação/pedido (2.8; 5.20; 8.6; 9.5; 10.1). O
verbo também é usado por Paulo em 2 Coríntios no sentido de pedir, rogar
(10.1; 12.8; 12.18).
No contexto, o verbo aparece como sinônimo de 6íopa~-pedir (5.20).
No mesmo versículo, Paulo fala que Deus exorta por intermédio dele e de
seus con~panheiros,ministros da palavra. A exortação de Paulo, pois, não
deve ser vista como um pedido de uma amigo a outro, mas de uma exortação
que vale tanto como se o próprio Deus estivesse diretamente falando.
O texto em primeiro lugar atesta a importância do trabalho pastoral
l 4 Esta também a opinião de diversos comentaristas. Por exemplo: Colin Kruse, 139; Alfred
Plummer, 187,188 (que aponta cinco diferentes possibilidades, preferindo aquela pela qual
optamos, ou tendo "Cristo" como o referente - cf. 5.20); Philip E. Hughes, 216; J. H.
Bernard, 74; Floyd V. Filson, 345.
l 5 1 S. Pres. Ind. at. de "apaicahko. O verbo é usado: 25 x nos Evangelhos; 23 x em Atos;
53 x em Paulo (destas, 18 em 2 Coríntios); 4 x em Hebreus; 3 x em Pedro e 1 x em Judas.
l 6 BAGD, 617.
170
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
como agente de Deus na proclamação da reconciliação (cf. o contexto 5.18-21). Paulo se coloca diante de seus ouvintes e os exorta fundamentado
na sua qualidade de cooperador (Almeida R.A.), não em um cargo para o
qual teria sido democraticamente escolhido pelo povo. Jobst Schone, em um
~
que
artigo sobre Igreja e ~ i n i s t é r i o , lembra
O ministério pastoral da igreja no Novo Testamento não é ... originado do sacerdócio
de todos os batizados e crentes. como se fosse produzido por eles ou se fosse Lima
subespécie de seu próprio estado. Ambos devem ser distinguidos Lim do outro e
considerados separadamente. O ministério pastoral tem clarainerite suas raízes no
apostolado como uma instituiqão de Cristo.18
É neste caráter que Paulo pode exortar a igreja como embaixador,
deixando claro que Deus exorta por seu intermédio (5.20). O ministério
apostólico - e, conseqüentemente, o ministério pastoral -fundamenta-se na
instituição de Cristo para anunciar os desígnios de Deus.
KEVÒV ~ f i vX ~ ~ Lt o V6 OEOU
não receberdes em vão a graça de Deus
pfi
~ ~ [ U U ~ CupCI<
L L
-para
"Não receber em vão a graça de Deus" deve ser entendido conforme o contexto. Paulo falava a pessoas cristãs que, no entanto, estavam
sendo influenciadas por falsos apóstolos, de modo a terem uma atitude negativa quanto a Paulo. Assim, com esta frase "Paulo não quer que as vidas
das pessoas que reagiram bem ao evangelho sejam perturbadas agora perdendo tempo com críticas contra seu evangelho e com as pessoas que as
assacaram."l9 Rejeitar o ministério de Paulo - risco que os Coríntios efetivamente corriam - significaria rejeitar o evangelho que ele anunciava e,
portanto, a mensagem centrada na graça de Deus, no Seu amor reconciliador,
em Cristo. Isto seria receber a graça de Deus em v ã 0 . 2 ~
l7 Jobst Schone, "Church and Ministry - Part I: Exegetical and Historical Treatment," Logia
211 (Janeiro de 1993): 4- 14.
l8 Schone, "Church and Ministry," 7.
l9 Kruse, II Coríntios, 140.
20 David J. Valleskey, Second Corinthians, 99.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
171
-pois diz: no tempo aceitável ~favorável)~'
te ouvi e no dia da salvação vim em teu auxílio22
Paulo cita Isaías 49.8. É significativo que aquele texto foi aplicado ao
Servo, Jesus Cristo, na Sua obra. Agora, ele se aplica a proclamação do
evangelho. O dia da salvação não é um ato passado, mas se torna contemporâneo a todas as épocas pela pregação do evangelho salvador. Isto fica
evidente na afirmação seguinte:
awtqpiol< Épo$qaá
GOL
i606 V ~ VKCLLPÒ< ~ Ú T I ~ Ó U ~ E K Z
i 6O
0 6< , V ~ Vq p í p ~U~O T ~ P ~ C L <
eis agora o tenlpo aceitável23, eis agora o dia da salvuqCo
NGv significa "agora", "marcando um ponto (ou período) definido
de tempo; é o presente imediato ( ~ b j e t i v o ) . ~ ~
Em um artigo intitulado "Chamado e Ordenado - Reflexões sobre a
Posição do Novo Testamento sobre o Ofício do Ministério", o prof. William
~ e i n r i c comenta
h ~ ~ a respeito de 2 Co 5.17-6.2:
-
No pensamento de Paulo, o ato reconciliador de Deus em Cristo e sua própria
recepção do ofício apostólico não são dois eventos distintos e autônomos. O ato
reconciliador de Deus em Cristo não é um evento morto do passado, que podemos
apenas trazer a memória e lembrar. Cristo morreu e ressuscitou, e por esta razão
Sua morte reconciliadora permanece sendo o meio, o lugar e o conteúdo da pregação
e vida apostólicas. De fato, o ato reconciliador de Deus em Cristo está presente e
efetivo em e através do exercício do serviço apostólico de Paulo. Por esta razão.
Paulo pode escrever que ele é um embaixador 'em lugar de Cristo' (Unkp Xpiosou),
e ele pode lançar sua proclamação não no Indicativo, como se estivesse falando a
respeito de Cristo, mas no Imperativo, discursando aos seus ouvintes in persona
Christi: 'Reconciliai-vos com Deus!' (2 Co 5.20). De fato, o tempo da reconciliação de Deus em Cristo é o momento do discurso de Paulo: 'Agora é o dia da
salvação' (2 Co 6.2). Se então fazemos a pergunta: onde e quando ocorre a reconciliação de Deus em Cristo, que a fé recebe e a qual a fé se apega, a resposta é: na
21 É significativo que este termo normalmente se aplique a aceitação da parte de Deus
(exceção - Lc 4.24): Lc 4.19; At 10.345; 2 Co 6.2; Fp 4.18. (BAGD, 174)
22 O verbo Boqeíw é usado no pedido de ajuda; por exemplo, pela mulher cananéia (Mt
15.25); pelo pai do jovem endemoninhado (Mc 9.22,24); o varão macedônio, na visão de
é poderoso para socorrer os que são
Paulo (At 16.9). E empregado ainda em Hb 2.18
tentados"); Ap 12.16 ("A terra socorreu a mulher ...").
c...
23 O sentido é o mesmo da palavra usada antes. Esta é empregada ainda em Rrn 15.16; 15.31;
2 Co 8.12; 1 Pe 2.5.
24 J. H. Thayer, Greek-English Lexicon, 75.
25 "Called & Ordained - Reflections on the New Testament View of the Office of the
Ministry," Logia, 211 (Janeiro 1993): 20-27.
172
IGREJA LUTERANA- NUMERO 2 - 1997
proclamação do mensageiro de Cristo. Ouvi-lo e obedecê-lo e estar reconciliado
com ~ e u s . ~ ~
A maneira como aplica o texto do Antigo Testamento a sua proclamação apostólica vem lembrar-nos da urgência que sempre está implícita
no exercício do ministério, que proclama a reconciliação de Deus com o
mundo.27
Sendo o v. 2 um parênteses, os Particípios nos vv. 3 e 4 são coordenados em relação a a u v ~ p y o C v r ~no
< v.
Versículo 3
p q 6 ~ p i a v i v p q 6 ~ v i 6 t 6 Ó v r ~ <~ r p o a ~ o . r r < v- n2o dando ne-
nhum nzotiito de escândalo de maneira nenhuma29
A palavra T ~ O U K O T T .só
~ ~ ocorre aqui no grego bíblico. Significa algo
que leva outros a se escandalizarem e caírem em erro e pecado.30
' i v a p$ papqeíj T) 6 ~ a ~ o v i -apara que o ministério n z o seja
censurado (achado em falta)
O verbo p a p d o p a ~ é empregado apenas aqui e em 2 Co 8.20,
quando Paulo trata da coleta feita em favor dos necessitados da Judéia e de
sua preocupação em agir honestamente: "evitando assim que alguém nos
acuse em face desta generosa dádiva administrada por nós." O mesmo
significa, no passivo3 : "ser censurado; ter um erro em." O substantivo
cognato, pWpo~,é empregado em 2 Pe 2.13, referindo-se aos falsos mestres: "... Considerando como prazer a sua luxúria carnal em pleno dia, quais
nódoas e deformidades, eles se regalam nas suas próprias mistificações,
enquanto banqueteiam junto convosco." A BLH traduz a palavra como "es-
-
26 William Weinrich, "Called & Ordained," 26.
27 D. J. Valleskey, Second Corinthians, 99
28 Plummer, Second Corinthians, 191
29 A mesma palavra - pq6~ic- aparece duas vezes, primeiro na forma feminina, combinando com rrpoo~o.rr4:"nenhum motivo de tropeço", depois no neutro: "em nada".
30 Thayer, Greek-English Lexicon, 547.
3 1 No texto, o verbo está na 3a p. S. Aor. Subj. Pass.
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
173
~ â n d a l o s . "Assim,
~ ~ Paulo se preocupa em que, através de sua maneira de
ser, não venho o ministério a ser motivo de escândalo para as pessoas. A
cláusula 'ivcr implica resultado que advém de determinada situação. O
escândalo com o ministro resulta em que o próprio ministério é censurado.
Bem sabemos que o mundo (e mesmo pessoas na igreja) caracterizam o ministério pastoral a partir do que vê no ministro. Paulo quer, sempre
de novo, enfatizar que o ministério é instituição divina e não pode ser considerado como contendo erro em si mesmo. O ministério tem a tarefa sagrada de proclamar a palavra da reconciliação (2 Co 5.19). Paulo sabe que se
o ministério é censurado, o próprio evangelho estará sendo "censurado",
considerado como um erro.
Aí duas implicações vêm a mente: la) É preciso cuidar muito na
igreja para que pessoas mal informadas não venham a censurar o ministério, simplesmente porque não concordam com a maneira do ministro agir.
Faz-se necessário na igreja que sempre ensinemos da origem divina do ministério e do fato que, mesmo sendo exercido por alguém que nos desagrade, enquanto proclama o evangelho puro da graça de Deus, deve ser recebido como atuação de Deus entre Seu povo; por outro lado, 2a) O ministro
precisa ter diante de si a seriedade com que Paulo considerava o próprio
ministério, como se vê no texto citado acima sobre a coleta para os necessitados. Paulo não somente era honesto e fiel, mas preocupou-se em que
isto ficasse evidente diante da Igreja. Vale lembrar que isto não evitou que
ele fosse caluniado, como se nota pela própria carta aos Coríntios.
Versículo 4
&l17iv morvt'i u u v ~ a t á v t c çeautobs - mas em todas as coisas
recomendando-nos
Paulo é enfático no que passa a dizer. Inicia com o adversativo forte,
&lh&, "muito pelo contrário".
2 u v ~ u r & v t é~ so nom. pl. m. Part. Pres. At. de u u v í u r q p ~ .O
verbo é empregado 16 vezes no N T , ~
sendo
~ que 9 delas em 2 Coríntios
(somente 2 vezes fora de Paulo - Lc 9.32; 2 Pe 3.5). O verbo é empregado
diversas vezes para recomendar alguém, ou seja, dar credenciais de uma
32 O texto citado, na BLH, é: "Eles têm prazer em satisfazer os seus desejos impuros em
pleno dia. Quando se reúnem com vocês para comer, são uma vergonha e um escândalo,
divertindo-se o tempo todo com os seus modos enganosos."
33 ~ c 9 . 3 2 ; ~ m 3 . 5.8;
5 ; 16.1;2Co3.1;4.2; 5.12;6.4;7.11; 10.12; 10.18; 12.11;G12.18;CI
1.17; 2 Pe 3.5. (Moulton, Geden, 923)
174
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
pessoa, apresentá-la, de modo que ela seja aceita. No versículo anterior,
Paulo dizia que em nada dava ele (e seus companheiros) motivo de escândalo para o ministério. Bem ao contrário, em tudo que se tinha passado em
sua vida, havia recomendações de que ele era um legítimo ministro de Deus.
É importante, neste sentido, lembrar os textos em que Paulo utiliza o verbo
criticando quem se louva (recomenda) a si mesmo (2 Co 10.12, 18). Paulo
não hesita em apontar o que o recomenda como ministro de Deus. Sua
auto-recomendação não visa uma autoglorificação, mas a apresentação de
credenciais próprias para um ministro de Cristo. Colin Kruse faz um comentário interessante a respeito desta auto-recomendação de Paulo:
Pode parecer estranho que Paulo faça apelo a tais provações a fim de recomendar seu
ministkrio. Todavia, subjacente aos apelos está o reconhecimento de que o verdadeiro
servo de Deus é o Servo Sofredor, e quem for seguidor leal do Senhor compartilhará
suas provações: "O discípulo não está acima do seu mestre, nem o servo acima do seu
senhor"(Mt 10.24; cf. At 20.1 9).34
Sobre a longa lista apresentada por Paulo, comenta Gunther Bornkamm:
A série de enumerações de seus atos e sorrimentos, sucessos e fracassos na sua obra
apostólica- aqui e ali com ecos do Salmo 1 18 - e até as antíteses paradoxais do final
não são, como no caso dos pregadores itinerantes, os relatos da vida e sucessos de um
herói; são, antes, uma declaração do poder de Deus que, por causa de Cristo, conduz
o apóstolo a tribulação e morte, mas também o salva da morte e transforma tristeza
em alegria e pobreza em riqueza.
Esta confiança permitiu Paulo falar da liberdade apostólica e cristã usando os mesmos termos usados pelos sábios estóicos de seu tempo. Mas com o apóstolo. os
termos tiveram uma base e tom completamente direrentes. O que ele deve a graça de
Deus é algo que ele recebeu, é uma dádiva; não são simplesmente postulados e ideais
que podem ou não ser realizados, mas a realidade da qual os crentes derivam seu
viver.35
Na continuação da frase, Paulo qualifica sua (e de seus companheiros) auto-recomendação. Ela é feita "como ministros de Deus".
o< Ocoii ~ L ~ K O V O-Lcomo ministros de Deus
34 Kruse, II Covíntios, 141.
35 Günther Bornkamm, Paul, traduzido por D. M. G Stalker, New York: Harper & Row,
1969, 170.
IGREJA LUTERANA- NÚMERO 2 - 1997
175
Os termos ~ L C X K O V ~ C X e ~ L & K O V O Ç ,traduzidos, respectivamente, por
"n~inistério,"e "ministro", merecem algumas reflexões.36 Serão estes termos técnicos para o ofício da pregação,37 ou referir-se-ão a qualquer serviço feito por um filho de Deus, mesmo (ou, até, especialmente) em obras de
caridade?38 Quanto ao uso de Paulo do termo B ~ a ~ o v ipode-se
a,
dizer
que apesar de não ser empregado exclusivamente para o ministério da palavra, o termo é quase um termo técnico para o mesmo.39
O termo ~ L & K O V O Çé empregado 22 vezes por ~ a u l o . ~OOmesmo é
empregado em um sentido técnico para o ministério da Palavra, sempre que
aplicado a Paulo e seus ~ o m ~ a n h e i r o sE.. ~Earle Ellis, em um estudo sobre
os termos empregados no Novo Testamento para os colaboradores de Pau10,42aponta para o relacionamento estreito entre este título e o de ouvcpyó~
em Paulo. Sugere ainda, pelo uso do termo no Novo Testamento e em fontes seculares, que o termo ~ L ~ K O V Orefere-se
S
a atividade de pregação e
ensino. Chama a atenção o uso de Paulo deste termo, em Colossenses,
Efésios e nas Pastorais, referindo-se a comunicação do mistério revelado
36 Para um estudo do termo no Novo Testamento, em escritos extra-canônicos e nas Confissões Luteranas, ver: Karl Paul Donfried, "Ministry: Rethinking the Tem Diakonia." Concordia
Theological Quarterly 5611 (Janeiro de 1992): 1- 15.
37 Referindo-se aqui especificamente ao oficio pastoral, de proclamação do evangelho e
administração dos sacramentos.
38 Vale lembrar que o termo, transliterado para o Português, é empregado neste sentido, no
contexto do serviço ao próximo.
39 Das 22 vezes que o termo é empregado por Paulo, em 12 ocasiòes o referente é o ministério
dapa1avra:Rm 11.13;2Co3.8,9b;4.1;5.18;6.3;11.8;Ef4.12;C14.17; 1 Tm 1.12;2Tm4.5,
11. Em 2 Co 3.7,9a o termo é aplicado a ministros da lei (da letra. da morte). Pode-se debater
qual o sentido em Rm 12.7.
40 Poderão ser 21, se desconsiderarmos 1 Ts 3.2, onde, preferindo a leitura mais dificil,
teríamos ouvcpyóç.
41 Outros usos da palavra são: as autoridades, como servos de Deus (Rm 13.4 - 2x); Cristo
(Rm 15.8; G12.17); Febe, protetora de Paulo e de muitos outros (Rm 16.1); falsos ministros
(2 Co 11.15 - 2x; 11.23). Neste último caso, o sentido continuaria sendo de "ministros da
palavra", só que referindo-se a falsos servos de Cristo. Isto elevaria o número de referências
ao ministério da palavra de 14 para 17, do total de 22. As outras 14 referências são: 1 Co 3.5;
2 Co 6.4; Ef3.7; 6.21; Fp 1.1; C1 1.7,23,25; 4.7; 1 Ts 3.2; 1 Tm 3.8,12; 4.6.
42 ''Paul and His Co-workers," New Testarnent Studies 17 (1 97 1): 437-452.
176
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1 9 9 7
por Deus ao mundo.43
Paulo passa a empregar expressões que apresentam repetições: por
19 vezes utiliza a preposição ív, 3 vezes 616 e 7 vezes wc. Nestas 19
vezes em que a preposição í v é empregada, ela acompanha substantivos
no dativo associativo: "usado para designar circunstâncias e maneira que
acompanham" determinada ação.44 Neste sentido, o dativo dá idéia da "esfera" na qual determinado fato ocorre. Paulo nomeia, então, urna sirie de
situações vividas por ele, que se configuram na esfera na qual seu ministério
veio a ser comprovado fiel, recomendável.
Nas palavras que se seguem "vemos o que Paulo quer dizer com a
expressão enz coisa ulgun~a"(v. 3).45
i v u~opovíj rohhíj - conz nzuita perseverança.
O substantivo u~opovflnormalmente significa paciência, perseverança e, em alguns casos, expectativa paciente. É usado especialmente em
situações de trabalho duro e sofrimento (Lc 2 1.19; Rm 5 . 3 ~ )Em
. ~ Rm
~
15.4,5 está associado a consolação, sendo que neste mesmo texto Deus é
chamado de "Deus de paciência e consolação". Em 2 Ts 1.4, Almeida traduz como "constância", em uma situação de perseguição e tribulações. Paulo
mesmo coloca a sua perseverança como exemplo para o pastor Timóteo (2
Tm 3.10; cf. 1 Tm 6.1 1). Tiago associa a perseverança a provação (Tg
1.3s). Nota-se, em diversas passagens de Paulo, a associação da "perseverança" a expectativa escatológica. De fato, Paulo tinha claro diante de si o
viver do cristão, pela fé, em uma realidade nova (G1 1.4; 1 Co 10.1 1; 2 Co
5.17; etc.); assim, sua perseverança está diretamente ligada a esperança
frente a volta de Cristo. Em outras palavras, a perseverança de Paulo, claramente demonstrada em situações de conflito, está diretamente vinculada
as promessas de Deus, e não em um sucesso pessoal na sua atividade. A
perseverança é, pois, fmto do evangelho na vida do apóstolo, como de qualquer ministro da palavra e de todo filho de Deus.
Esta expressão inicial, "na muita perseverança (paciência)" Paulo pode
43 Ellis, "Paul and His Co-workers," 441,442
44 Blass, F. e A. Debrunner. A Greek Grammar ofthe New Testament and Other Early
Christian Literature. Traduzido e editado por Robert W. Funk, Chicago , Londres: The
University of Chicago Press, 1961, p. 106.
45 Kruse, I1 Corintios, 141.
46 BAGD, 846.
IGREJA LUTERANA- NUMERO 2 - 1997
177
estar colocando um título para o que agora segue e que se configura em
nove fatores reunidos em três grupos de três fatores cada. Primeiro grupo: aflições,
privações, angústias, expressas em termos genéricos. O segundo grupo apresenta
exemplos particulares: açoites, prisões, tumultos. O terceiro refere-se a provações
assumidas voluntariamente:trabalhos, vigílias, jejuns.47
i v OA.~$EULV - enz (meio a) aflições (tribulações)
O termo refere-se a "aflições causadas por circunstâncias extern a ~ " No
. ~ seu
~ uso em 2 Coríntios, Paulo aplica o termo diversas vezes à
sua situação, em meio a qual escrevia a carta (1.8; 2.4; 4.17; 7.4). As aflições, no caso de Paulo, podiam muito bem ser caracterizadas como a "cruz"
de que Jesus falou (Mt 16.24). As aflições não lhe eram causadas por problemas pessoais, mas marcavam sua conformidade a Cristo.
i v &vcíy~cl~c
- enz (nzeio a) pressões
O substantivo á v á y ~ q significa "necessidade, pressão de qualquer
tipo, externa ou interna", podendo referir-se também a algum tipo de "aflição, ~ a l a m i d a d e " .Almeida
~~
traduz várias vezes por "necessidades". O
termo, de fato, dá idéia de algo que pressiona a pessoa a fim de levá-la a
tomar uma atitude. Isto pode ter um sentido positivo ou negativo, dependendo do contexto (ex. 1 Co 9.16; 2 Co 9.7; Fm 14).
Paulo, por certo, se sentia muito "pressionado" em seu ministério.
Por um lado, a "pressão evangélica" (5.14). Mas, por outro, havia toda a
pressão causada pelas pessoas com quem Paulo trabalhava. Da parte de
alguns, a oposição aberta e declarada. Por outras, a cobrança - certamente
bastante presente na relação dos Coríntios com Paulo.
Estar "sob pressão" não é uma situação desconhecida para os pastores da Igreja hoje. Existem pressões de todo o lado. A congregação quer de
seu pastor um trabalho excelente. A família necessita ter no esposo e pai
alguém presente e que participe da vida familiar. A consciência do pastor o
pressiona, mantendo-o em um estado de alerta que, por vezes, pode chegar
a uma situação doentia. O descanso (lazer) chega a ser considerado perda
-
47 Kruse, II Coríntios, 141.
48 BAGD, 362. Das 44 vezes que o termo é empregado no NT, 9 são nos Evangelhos
(nenhuma em Lucas), 5 em Atos, 5 no Apocalipse, 1 em Hebreus, 1 em Tiago e 23 são em
Paulo, das quais 9 em 2 Coríntios (o uso mais frequente nos livros do NT). (Moulton, Geden,
460,l)
49 BAGD, 52. O termo é empregado 18 vezes no NT, sendo que 9 em Paulo: Rm 13.5; 1 Co
7.26; 7.37: 9.16;2Co6.4;9.7; 12.10; 1 Ts3.7; Fm 14.
de tempo e infidelidade. Ser fiel no ministério - recomendar-se como ministro de Deus - é algo mais amplo do que estar "24 horas por dia a disposição
da congregação". Envolve o cuidado com a saúde, com a família, com a
vida em sociedade.
i v oz~voxopicr~<
- em (meio a) dificuldades
Literalmente az~voxopicr significa "estreiteza", sendo cognata ao
adjetivo or~vÓ<= estreito (Lc 13.24 - a "porta estreita"). Em um sentido
figurado, significa "aflição, dificuldade, angústia, problema" e no plural, "difi- Rm 2.9 e 8.35.
c u l d a d e ~ " Em
. ~ ~dois casos, é utilizado ao lado de ehi$~<
Versículo 5
i v í-rhqycil< - em (meio) a açoites
O termo nhqyq pode referir-se aos golpes de açoites (At 16.23),
bem como aos ferimentos causados por estes golpes (At 16.33). No livro de
Apocalipse, o termo se aplica aos flagelos impingidos sobre os ímpios.5
Em 2 Co 11.23, Paulo diz que é ministro de Cristo, mais do que aqueles que
o acusam, e o é em meio a "açoites, sem medida".
i v @uhcr~Cii<- em prisões
Paulo menciona as prisões também em 2 Co 11.23. O livro de Atos
nos relata duas prisões mais longas de Paulo. A primeira, na cidade de
Cesaréia, depois em Roma, de onde, ao que tudo indica, Paulo escreveu as
cartas aos Efésios, aos Filipenses, aos Colossenses e a Filemoin. Paulo
interpretava seus sofrimentos, particularmente aqueles ligados as suas prisões, como sinal de sua comunhão com Cristo (G16.17; Fp 1.29,30; etc.).
i v d~crzcrorcroicr~~
- em (meio a) tumultos
O termo52 é aplicado a revoluções (Lc 21.9) e a confusão e tumulto
decorrentes da falta de ordem na igreja ou da inveja entre as pessoas (1 Co
14.33; 2 Co 12.20; Tg 3.16). Paulo talvez esteja se referindo às ocasiões em
que sua presença, proclamando o evangelho, causou tumulto. O livro de
Atos relata algumas destas ocasiões (At 14.5; 17.5; 19.23s; etc.). Da mesma forma, as cartas aos Coríntios (especialmente a 2a) pressupõem uma
relação tumultuada entre o apóstolo e a congregação.
50 BAGD, 766. O t e m o é usado em Rm 2.9; 8.35; 2 Co 6.4; 12.10.
5 1 BAGD, 668.Ap9.18,20; 11.6; 15.1,6,8; 16.9,21; 18.4,8;21.9;22.18.
52 Quatro vezes no NT: Lc 21.9; 1 Co 14.33: 2 Co 6.5; 12.20;Tg 3.16.
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
179
i v KÓTTOL< - em labores
O vocábulo pode significar tanto "problemas, dificuldades", como
"trabalho, labor".53 Paulo usa o termo normalmente no segundo sentido
(com exceção de G1 6.17 - "molestar"). O ternio é aplicado mesnio para o
trabalho na igreja (1 Co 3.8; 15.58; etc.), podendo ser traduzido por "labor"
(2 Ts 3.8, por exemplo).
i v &ypu.rrvía~<- enz noites sem dornlir.
O termo é empregado apenas no testo em estudo e em 2 Co 1 1 2 7 .
Seu significado literal é o estado de manter-se acordado. Na epístola de
Bamabé (2 1.7) é empregado no sentido de "cuidado", que causa insônia. No
caso de Paulo, o sentido pode ser o literal, estando Paulo a lembrar-se das
noites mal dormidas, seja nas suas constantes e longas viagens, seja nas noites
em prisão. Por outro lado, não se pode descartar a possibilidade de Paulo
estar se referindo ao seu "sono perdido" com preocupações pelas igrejas (e
Corinto foi certamente uma das que mais "tirou o sono" do apóstolo).
Cada ministro da palavra tem, em seu pastorado, situações de pouco
sono, seja pelo acompanhamento a pessoas enfermas, ou auxílio a pessoas
que perderam um ente querido, ou inúmeras outras situações. Além disso,
que pastor já não perdeu horas de sono por preocupações com seu rebanho? Quantos já ouviram de seus médicos a recomendação de um sono
mais tranqüilo, para evitar o "estresse"?! E, por mais que o ministro de
Deus diga a si mesmo que a obra é de Deus e a ele, pastor, compete ser fiel
e deixar para Deus os resultados, não poucas vezes resultados (visíveis)
pobres são causa de insônia.
Vale dizer que Paulo não está "santificando" a insônia, não a está
exaltando. Mas em um contexto em que seu ministério era questionado e
Paulo via nisto um prejuízo a própria causa do Evangelho, ele lembra também as noites de vigília como marcas de seu ministério fiel.
ív v q a t c i a ~ < - em jejuns
Paulo menciona jejuns também em 2 Co 11.27, sendo que ali distingue v q o t ~ i a 6e Aipo< (fome). Nos seus outros usos no NT, o vocábulo
-
53 BAGD, 443. Das 18 ocorrênciasno NT, I 1 são em Paulo: 1 Co 3.8; 15.58;2 Co 6.5; 10.15;
11.23; 11.27;G16.17; 1 Ts 1.3;2.9; 3.5; 2 Ts 3.8. As outras ocasiões são: Mt 26.10; Mc 14.6;
Lc 11.7; 18.5; Jo 4.38; Ap 2.2; 14.13.
-
180
~
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
está associado a um rito de significado religioso.54 E é provavelmente neste
sentido que Paulo emprega o termo em 2 Coríntios, em uma referência a
jejuns, próprios nas congregações onde os judeus estavam presentes (At
14.23). Pode-se ver aqui um exemplo do que Paulo dissera em 1 Co 9.20:
"Procedi, para com os judeus, como judeu, a fim de ganhar os judeus."55
Versículo 6
i v a y v ó t q t t - em pureza
'Ayvózq< é empregado apenas neste texto e em 2 Co 1 1.3 (omitido
por alguns documentos). O adjetivo cognato, ayvó<, é empregado para
caracterizar alguém como inocente, puro, honesto.56
i v yvdact - em conhecimento
O t e r m 0 5 ~é aplicado especialmente ao conhecimento cristão, em
expressões como "conhecimento de ~ e u s (2" Co
~ ~10.5; CI 1.10), "conhecimento da salvação" (Lc 1.77), "conhecimento da graça do nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo" (2 Pe 3.18), "conhecimento da glória de Deus" (1
Co 4.6), "conhecin~entode Cristo Jesus" (Fp 3.8). Em 2 Pe 1.5ss, o "conhecimento" é associado (assim como em 2 Co 6) a outros conceitos cristãos:
54 AS outras ocasiões do termo no NT sáo: Lc 2.37; At 14.23; 27.9. Seu uso consta em alguns
documentos para Mt 17.2 1 e Mc 9.29.
I
I
55 Plummer, Second Corznthians, interpreta os "jejuns" de que Paulo fala como sendo o
deixar de alimentar-se para ter mais tempo para o trabalho (195). Já J. H. Bemard argumenta,
a partir do uso da palavra em 2 Co 11. 27, que Paulo estaria se referindo a abstinência
involuntária de comida (The Expositor's Greek Testament, 111: 74), o que não parece ser o
caso.
56 2 Co 7.1 1 ("inocentes"); 11.2 ("pura"); Fp 4.8 ("puro"); 1 Tm 5.22 ("puro"); Tt 2.5
("honestas"); Tg 3.17 ("pura"); 1 Pe 3.2 ("honesto"); 1 Jo 3.3 ("puro").
57 Das 28 ocasiões em que a palavra é empregada no NT, 22 são em Paulo: Rm 2.20; 11.33;
15.14; 1 Co 1.5;8.1,7,10,11; 12.8; 13.2,8; 14.6;2Co2.14;4.6;6.6; 8.7; 10.5; 11.6;Ef3.19;
Fp 3.8; C1 2.3; 1 Tm 6.20. As outras ocasiões são: Lc 1.77; 11.52; 1 Pe 3.7; 2 Pe 1.5,6; 3.18.
58 Genitivo objetivo.
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
181
fé, virtude, domínio próprio, perseverança, piedade, fratemidade, amor.
iv p a ~ p o e u ~ i q- em paciência
A paciência59 é normalmente incluída entre outras virtudes cristãs
(C1 1.1 1; 2 Tm 3.10). Nas passagens citadas, bem como em Hb 6.12 e Tg
5.10, a paciência se refere a uma virtude cristã ainda não especificamente
direcionada para o relacionamento com as pessoas. Em outros textos, a
paciência para com o próximo está sendo referida: C1 3.12; 2 Tm 4.2; Ef
4.2.60 R. C. ~ r e n c h ~aponta
l
para a diferença entre y a ~ p o e u y i a e
uíropovq (presente no início da lista dada por Paulo), dizendo:
Enquanto urropov( é a disposição interna que não se deixa sucumbir facilmente sob
o sofrimento, pu~poeupíué uma autolimitação que não permite retaliar apressadamente o erro. Um é oposto a covardia ou desespero, o outro a ira ou vingança (Pv
15.18; 1 6 . 3 2 ) . ~ ~
Está sujeito a debate qual seria o referente de "paciência" em 2 Co
6.6, se é uma atitude geral do cristão, uma maneira característica de encarar os acontecimentos em virtude de sua fé, ou se é uma atitude para com o
próximo.63 A verdade é que Paulo demonstrou os dois em sua vida e ministério. Os sofrimentos, perseguições e injustiças sofridas não o fizeram desesperar de Deus. Por outro lado, demonstrou ter muita paciência com as
pessoas, com as congregações com quem trabalhou. De uma maneira bem
especial, Paulo demonstrou paciência com os Coríntios, ainda que tenha tido
de usar de palavras duras, enérgicas. Sua paciência com as pessoas se
manifestou no fato de que Paulo não as abandonou. Calcado no ministério
dado por Cristo, Paulo suportou pacientemente calúnias, desprezo e sentimentos rancorosos.
A paciência é uma virtude cristã, dada por Deus aos seus, como fruto
do Espírito (G1 5.22), e é particularmente necessária no ministério pastoral.
Ela, por vezes, precisa militar contra o zelo por ver as coisas acontecendo
59 Assim traduzida na BLH; na ARA, "longanimidade".
60 BAGD, 488.
61 Synonims of the New Testament, citado por J . H. Thayer, no seu The New Thayer k GreekEnglish Lexicon ofthe New Testament. Lafayette: Book Publisher's Press, 1981.
62 Thayer, Lexicon, 387.
63 BAGD inclui 2 Co 6.6 na segunda categoria - a paciência dirigida ao próximo.
182
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
conforme os planos e as pessoas agindo sempre em conformidade com a fé
que professam. A paciência cristã reconhece que vivemos sob a cruz, e não
na glória, e que as pessoas com quem trabalhamos são, em Cristo, "totalmente justas", mas em si mesmas, ainda "totalmente pecadoras".
&v x p y o r ó r q ~ -~ em bondade
O termo é usado tanto para expressar a bondade de Deus (Rm 2.4;
11.22; Tt 3.4; Ef 2.7), como a bondade humana. Neste último sentido, Rm
3.12 (onde o termo é melhor traduzido por "bem"), é dito que nenhum homem tem esta virtude em si mesmo. Em G1 5.22, faz parte do "fmto do
Espírito". E em C1 3.12 a bondade é apresentada como uma das virtudes
cristãs, das quais os "eleitos de Deus, santos e amados" são revestidos.
&v T T V C Ú ~ ~ a
Ty
L íq
- no Espírito Santo
A presença do Espírito Santo pode, a primeira vista, causar certa
surpresa. Paulo nomeia uma série de situações, algumas adversas (prisões,
angústias, aflições), ao lado de virtudes cristãs (bondade, paciência, etc.) e,
namesma lista, inclui o Espírito Santo. Alguns estudiosos têm proposto, por
isso, que se considere a expressão como não se referindo ao Es írito Santo,
mas a um "espírito santo", isto é, uma qualidade no homem.681sto, no entanto, pode ser entendido na medida em que Paulo está situando seu ministério, delimitando a esfera em que este ministério se desenvolve. Paulo mesmo
associa seu ministério ao Espírito Santo, de forma enfática, no capítulo 3 de
2 Coríntios, quando contrapõe o ministério "do Espírito" ao ministério "da
letra" (v. 6), "da morte" (v. 7), "da condenação" (v. 9).
i v oiycí~q d v u . r r o ~ p í r q - em amor genuíno (sem hipocrisia)
O adjetivo & v u ~ r ó ~ pé~empregado
~o~
no NT qualificando: o amor
(2 Co 6.6; Rrn 12.9; 1 Pe 1.22); a fé (1 Tm 1.5; 2 Tm 1.5) e a sabedoria que
vem "do alton(Tg 3.17). Paulo mostra que o amor que ele tem tido pelas
igrejas é sincero. Sua atitude para com o ministério que recebeu de Deus,
no que tange ao seu sentimento em relação as pessoas que serve, não pode
ser caracterizado por dissimulação. Neste seu amor sincero, Paulo teve de,
algumas vezes, agir de uma forma que poderia ser interpretada como sendo
violenta ou por extremo rigorosa. Paulo jamais procurou agradar a homens
ou usar de recursos humanos para convencer homens (GI 1.10). Para ele,
amar genuinamente implica falar a verdade e agir retamente. Nisto Paulo
se diferenciou dos falsos obreiros, que agiam com interesses maléficos,
64 Por exemplo: A. Plumrner, Second Corinthians, 196; D. J . Valleskey, Second Corinthians,
102. Outros expositores, como J. H. Bernard, sustentam a tradução tradicional, lembrando
que Paulo não está trazendo os itens de sua lista em uma ordem lógica (The Expositor S Greek
lèstament, 76)
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
183
mesmo se exteriormente aparentavam amor para com os irmãos (GI 4.1620). Provavelmente é a isto que Paulo se refere quando recomenda que a
palavra seja "temperada com sal" (C1 4.6).
A aplicação ao ministério hoje é imediata. Por vezes o amor genuíno
pode ser interpretado como sendo autoritarismo. (Evidente é que o contrário também pode ser verdadeiro). Uma atitude de aceitação passiva de tudo
o que ocorre é mais simpática, ao menos a curto prazo. O amor não fingido,
no entanto, caracteriza a atitude do ministro de Deus que quer, pelo seu
ministério, espelhar o amor de Cristo.
Versículo 7
i v h ó y q cihv0riaç - na palavra da verdade
Há mais de uma forma de interpretar o genitivo:
O genitivo pode ser de aposição, 'a palavra que é a verdade'; ou possessivo, 'a
palavra que pertence a verdade'; ou objetivo, 'a declaração da verdade'. Este último
é o correto - o ensino que anunciou a verdade das boas novas, a pregação do evangelho. ... Não havia qualquer insinceridade, fosse na afeição que [Paulo] demonstrava ou
nas declarações que fazia (2.17; 4.2).65
*v 6uvoípr~ 0roC - no poder de Deus
Paulo emprega o substantivo 6 ú v a p ~ ç 48 vezes, sendo que destas
em oito ocasiões na expressão 6 ú v a p ~ ç0t0C : Rm 1.16 (o evangelho); 1
Co 1.18 (a palavra da cruz), 24 (o Cristo crucificado); 2.5 (aquilo em que a
fé deve se apoiar - no v.2 : Jesus Cristo crucificado) ;2 Co 6.7; 13.4 (Como
Cristo vive "pelo poder de Deus", nós, diz Paulo, "viveremos pelo poder de
Deus"); 2 Tm 1.8 ("participa comigo dos sofrimentos, a favor do evangelho,
segundo o poder de Deus"). Como se pode notar, o vínculo é sempre com
Cristo e a proclamação do evangelho, centralizado na Sua morte e ressurreição. Este é o "poder de Deus". Paulo não se fixa tanto nos resultados
obtidos em seu ministério. No entanto, os resultados mostram que ele tem
atuado pelo poder de Deus, proclamando o evangelho.
Um ministério "cheio de poder" é o ministério pautado pela proclamação do escândalo da cruz. Aos olhos humanos será loucura ou escândalo
- as reações mencionadas por Paulo em 1 Co 1.18-25 continuam hoje.
Cada pastor e cada congregação se alegra com os resultados da pregação
do evangelho. É bom que seja assim. Trabalhos que apresentam a
65 Plummer, Second Corinthians, 197.
184
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
concretização das metas propostas; o crescimento numérico da congregação; a construção de locais para servirem à edificação, culto e evangelismo
... tudo isto podem ser manifestações do poder de Deus atuando na Igreja.
Entretanto, desvinculados da palavra da cruz, todas as realizações perdem o
referencial divino e passam a ser feitura humana que, em última análise,
glorifica o homem, seja ele o pastor, seja ele o membro da igreja. O ministério de Paulo, e a alegria nele, é padrão também, e especialmente neste
sentido.
Seguem-se agora três frases introduzidas pela preposição 61á que,
com o caso genitivo (como segue) dá a idéia de mediação ou instrumentalidade: "através de", "por meio de."
&L& t 6 v ijrrÂov t q c G L K ~ L O O ~ Vz6v
~ Ç 6 ~ 5 1 6 ~ai c i p ~ a t ~ p 6 v
- por meio das armas da justiça, ofensivas e defensiv~s6~
(lit.: para a
mão direita e esquerda)
Literalmente a expressão fica "da esquerda e da direita". Kruse nota
que armas da mão direita seriam armas ofensivas (espada) e as da mão
esquerda seriam defensivas (o escudo). Observando outros usos de Paulo
da metáfora das armas (especialmente em 2 Co 10.3-5; Rm 13.12 e Ef
6.10-20), ele chega à conclusão, possivelmente acertada, de que a expressão refira-se a "armas" defensivas do cristão - a armadura, de que fala
Paulo em Ef 6 (couraça da justiça, escudo da fé, capacete da salvação), e
também à arma ofensiva, a "espada do Espírito", a palavra de ~ e u s . ~ ~
As duas cláusulas seguintes iniciam, como a anterior, com a preposi. entanto, a resentam paradoxos semelhantes aos que seguem
ção 6 ~ áNO
(introduzidos por o<). Possivelmente o melhor é considerar uma mudança no significado da preposição 61&,marcando, nas duas cláusulas seguintes, "estado ou condição" na qual algo acontece69; neste caso, o ministério
&
BAGD sugere: "espada e escudo, ofensivas e defensivas" (1 74).
67 Kruse, II Coríntios, 142.
68 Kruse, no seu Comentário, sugere que se considere assim (I1Coríntios; 143).
69 Plummer, Second Corinthians, 198. Note-se que a Bíblia de Jerusalém observa esta
diferença, pelo uso da preposição "por" ("pela") no primeiro caso e "em" nos dois casos
seguintes.
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
185
de Paulo e seus companheiros. A diferença é que na cláusula a seguir, o
aspecto bom vem antes do mau. Pode ser simplesmenteum recurso estilístico,
formando um chiasmo (a b - b7
Versículo 8
ai & ~ ~ p i a ç- em glória e desonra
Ao que parece, Paulo está se referindo a maneira como as pessoas
agiam em relação a ele. Da parte de alguns, recebia glória. Exemplos evidentes eram os filipenses e os gálatas (GI 4.14). No entanto, outros, tanto
gentios como judeus, o tratavam com d e ~ o n r a . ~ l
GLÒL Guo$qpiaç ai tú$qpiaç - em m á reputação e boa reputação72
A diferença desta cláusula para a anterior é que aqui Paulo se refere
ao que ocorreu quando ele não estava presente.73
Seguem-se, nos versículos 8b- 10 uma série de sete paradoxos presentes na vida e no ministério de Paulo e de seus companheiros. Cada uma
das expressões é introduzida pelo advérbio wç. Este advérbio é normalmente traduzido por "como", dando idéia de comparação. No entanto, também
pode ser empregado no sentido de "uma qualidade atribuída erradamente a
alguém, sendo objetivamente falsa" (2 Ts 2.2; 2 Co 10.2; 13.7; Rrn 9.32).74
Nestas antíteses que seguem, "uma parte da antítese representa uma
avaliação de seu [de Paulo] ministério 'segundo a carne7,e uma outra parte,
o verdadeiro ponto de vista de alguém que está 'em rist to'."^^
oç nÀávo~ ai &Áq0ciç - como impostores, mas sendo verdadeiro~~~
GL& GÓtqç
70 Plummer, Second Corinthians, 199.
71 Plummer, Second Corinthians, 198.
72 Os dois termos gregos aparecem somente neste texto no Novo Testamento.
73 Plummer, Second Corinthions, 199.
74 BAGD,898. O Dr. James W.Voelz, professor de Novo Testamento do Concordia Seminary,
de St. Louis, EUA, sugeria como tradução de o~a expressão; "sob a impressão de ser", ou
"dando a impressão de ser".
75 Kruse, I1 Coríntios, 143.
76 BAGD, 666.
186
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
IIlávoç é empregado como adjetivo em 1 Tm 4.1 ("espíritos enganadores"). Como substantivo, é usado em Mt 27.63,77 numa referência
dos sacerdotes e fariseus a Jesus; em 2 Jo 7 refere-se aos falsos profetas e
ao anticristo. O ponto comum em cada um destes usos é que "enganador" é
um termo aplicado a alguém que usa de engano, mentira, na proclamação
de coisas espirituais. É neste sentido que Paulo se refere a ele próprio78 em
2 Co 6.8. Os Coríntios acusavam Paulo de ter duas palavras, em virtude que
ele fizera na visita planejada a Corinto (2 Co 1.15- 17). Pode também estar
em vista aqui o fato de que Paulo era criticado por não ter consigo cartas de
recomendação (3.1-3), pelo que ele seria considerado um impostor.79
Vivemos em um tempo onde o título "pastor" é encarado com suspeita. Os escândalos causados por "pastores", especialmente nas igrejas evangélicas em maior evidência no país, em alguns lugares levantam sobre todo
aquele se apresenta como pastor a dúvida sobre sua idoneidade moral.
"Mas verdadeiros" - o adjetivo é aplicável a Deus (Rrn 3.4), a Jesus
(Mt 22.16), a pessoas (2 Co 6.8) e a coisas (Tt 1.13; Fp 4.8). O termo não
visa afirmar a existência real de algo, mas o caráter moral bom, puro, genuíno, quando se tem o padrão divino em vista (Fp 4.8).
Versículo 9
wç &yvoo6p~vol ai ~ ~ l y l v o a ~ Ó
-~
como
~ v osendo
~
ignorados, mas sendo completamente conhecidos
Paulo usa o mesmo verbo &yvoío, no Particípio passivo, em G1
1.22: "E não era conhecido de vista das igrejas da Judéia...". Se é este o
sentido que Paulo pretende dar aqui, não nos é possível afirmar. No entanto,
em 2 Co a expressão parece estar sendo usada em um sentido mais crítico.
Talvez Paulo esteja se referindo ao problema que estava ocorrendo em
Corinto, com a presença de falsos apóstolos, que questionavam o apostolado
de Paulo e criticavam o fato de não ter ele cartas de apresentação (3.1-3;
1 1.1-6).~OSe for este o referente, Paulo está dizendo que ele é, para muitos,
77 ARA: "embusteiro"; BLH: "mentiroso".
79 Assim interpreta Colin Kruse, II Corintios, 143.
80 Conforme reconstrução da situação feita pelos estudiosos. Por exemplo, Colin Kmse, II
Coríntios - Introdução e Comentário. Série Cultura Bíblica. São Paulo: Vida Nova e Mundo
Cristão, 1994, p. 46-57.
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
187
um desconhecido e, daí, um falso apóstolo.
No entanto, Paulo afirma ser "conhecido completamente", um dos
.
neste sentido que
sentidos possíveis do verbo i s r ~ y ~ v ó o ~Éotambém
Paulo emprega o verbo em 1 Co 13.12 (" ... então conhecerei como também sou conhecido.").*l Pode-se perguntar de quem Paulo afirma ser
"bem conhecido7'.O texto não deixa claro se Paulo refere-se a Deus ou aos
homens.82 A primeira hipótese parece ser a mais provável, Paulo afirmando que Deus o conhece bem e atesta seu apostolado fiel.
Os paradoxos apresentados as seguir diferem dos anteriores, pois
não trazem contradições, uma das quais falsa, outra verdadeira, como nos
casos até aqui. Agora apresentam-se sempre duas maneiras de ver os fatos, ambas sendo verdadeiras, mas partindo de diferentes pontos de vista.83
wc &.rro9vijo~ovrcs ai i606 COpcv - como estando continuamente *ente a morte, mas eis que vivemos
O verbo &.rro9vDa~wpode significar simplesmente "morrer", mas
pode denotar também "estar para morrer, ficar frente a morte, ser mortal",
que parece ser o sentido neste texto.84 Em Hb 7.8, o verbo (na mesma
forma que em 2 Co 6.9) significa "(homens) mortais". Em 1 Co 15.3 1,
Paulo usa o mesmo verbo,85 referindo-se aos perigos que ele passa em
virtude de sua fé (e ministério). O Particípio Presente, empregado por Paulo, pode denotar um estado de constante estar frente a morte, em sua vida e
ministério.
Neste frase, mais um paradoxo em sua lista, Paulo está afirmando
que apesar de estar em constante perigo mortal, ele vive e, como dissera
anteriormente, vive não mais para si mesmo, mas para Aquele que por ele
morreu e ressuscitou (5.15). A vida que Paulo celebra ter não se resume a
uma resistência teimosa aos perigos que o cercam. É a vida em Cristo que
ele comemora. A frase de Paulo retrata bem a vida do filho de Deus sob a
cruz. Ao contrário de alguns de seus colegas teólogos contemporâneos menos
nobres, Paulo recusa-se a considerar a vida cristã uma constante de manig1 BAGD, 291.
82 A BLH deixa explícita a referência: "embora sejamos bem conhecidos de todos."
83 Plummer, Second Corinthians, 199.
84 BAGD, 91.
85 "Dia após dia morro" (ARA); "Eu enfrento a morte todos os dias" (BLH).
festações milagrosas de poder. É bem verdade que em seu caso específico,
sinais extraordinários do apostolado se faziam mostrar (2 Co 12.12), mas
sem que eliminassem a cruz (2 Co 12.7-10).
A vida característica do ministério é vida sob a cruz. É vida na cruz
de Cristo. É, igualmente, vida da cruz da conformidade com Cristo (Rm
8.17; G16.17; Fp 1.29). As palavras de Paulo, antes de serem simplesmente
um exemplo a ser seguido, são mensagem de consolo para cada ministro de
Cristo. Em meio a morte, eis que em Cristo temos vida abundante, a vida
que vem do Evangelho, que anunciamos e que desfrutamos.
o< ~ r a t 6 ~ u Ó p c v ~oc~x ' i p$ B a v a t o Ú p c v o ~ - corno sendo disciylinudos, ?nus não morrendo
O verbo ~rcwtb~úo
pode significar "instruir, treinar, educar," ou ainda,
"disciplinar, com correção ... com punição."86 Neste último sentido, utilizado por Paulo em 2 Co 6.9, pode referir-se a (mais comum no NT) uma
punição dada por Deus, como um Pai o faz com seu filho; ou um castigo
imposto por uma pessoa sobre outra.87 A que Paulo estaria se referindo
com esta afirmação? Está ele falando de um fato real, ou deveríamos pesar
a presença do advérbio a < , de modo que Paulo estaria falando hipoteticamente? Este pode ser o caso, mas não necessariamente. Paulo está utilizando de paradoxos, alguns deles com a primeira cláusula inegavelmente retratando situações verdadeiras (vejam-se as seguintes). De qualquer forma,
não é estranha a Paulo a verdade de que Deus disciplina os Seus filhos,
mesmo com dor, mas sempre com um propósito benéfico (1 Co 1 1.32; 2 Co
12.7-10). E daí a afirmação complementar, "mas não morrendo"! Esta serviria para qualificar as correções sofridas por Paulo como punições paternais e não como castigo de morte.
Versículo 1O
o< h u ~ r o ú p ~ v&'i
o ~ 6 i ~ c t i p o v t c ~- como estando entristeci-
86 BAGD, 603,4.
87 Neste último sentido, o verbo é empregado em Lc 23.16 e 22, referindo-se a Pilatos, que
disse que iria castigar Jesus.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
189
dos, mas sempre alegres
O verbo ku.rrko, no Passivo, significa "estar triste,
Os
usos do verbo em 2 Coríntios mostram que a relação do apóstolo com aquela Congregação esteve marcada por momentos de tristeza. É interessante
notar que todas as ocasiões em que o verbo é usado em 2 Co, a parte do
texto em estudo, o mesmo se refere a relação de Paulo com a congregação,
particularmente relacionado a carta triste. Os textos são: 2.2 [2x], 4, 5 [2x];
7.8 [2x], 9 [3x]. O apóstolo tivera que usar de palavras duras com a Congregação, em vista dos problemas lá ocorridos, em que a autoridade de
Paulo foi questionada e a Congregação não saiu em sua defesa. Paulo então escreveu uma carta que causou profunda tristeza nos Coríntios (2.1-5).
Temos todo motivo, pois, para considerar a tristeza de que Paulo fala
como referindo-se especialmente aquela relacionada a suas relações
conflitantes com a congregação. O que ocorreu com Paulo é conhecido dos
pastores. Problemas de relacionamento com a congregação facilmente nos
deixam entristecidos. Como pastores não conseguimos (e podemos?) considerar o ministério como uma ocupação da qual nos vemos livres quando não
em atividade específica de trabalho. Não somos "profissionais da religião",
mas servos de Cristo e daqueles que nos foram confiados. Também não se
pode esquecer que somos humanos, carregamos dentro de nós o desejo de
termos reconhecido nossos esforços e labor. Por isso nos ressentimos e
entristecemos quando não somos tratados como pensamos que deveríamos
ser. Sem, no entanto, fazer um juízo sobre as causas de nossas tristezas
relacionadas ao nosso ofício, o fato é que, assim como Paulo, nos entristecemos e, por certo, não poucas vezes refletimos se vale a pena! Paulo, no
entanto, não fica a lamentar-se. No seu esquema - ao qual já estamos
habituados neste ponto do texto -usa esta primeira afirmação para enfatizar
a segunda.
O advérbio hei pode significar: "sempre" (2 Co 6.10; 1 Pe 3.15);
"desde o princípio" (Tt 1.12 89); "continuamente, constantemente" (2 Co
4.1 1; At 7.5 1; 2 Pe 1.12; Hb 3.10).90 Os cristãos precisam estar sempre
8 8 s 26 vezes que o verbo é empregado no NT, 15 são em Paulo (I2 em 2 Co): Rrn 14.15;
2 Co 2.2 (2x); 2.4; 2.5 (2x); 6.10; 7.8 (2x); 7.9 (3x); 7.11; Ef 4.30; 1 Ts 4.13. As demais
ocorrências no NT são: Mt 14.9; 17.23; 18.31; 19.22; 26.22; 26.37; Mc 10.22; 14.19; Jo
16.20; 21.17; 1 Pe 1.6.
89 ARA traduz "sempre."
90 BAGD, 19.
190
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
preparados para falar de sua esperança em Cristo (1 Pe 3.15). Paulo (e
seus companheiros) estão sempre sujeitos a morte por causa de Cristo (2
Co 4.11). O apóstolo Pedro afirma que sempre estará pronto a lembrar aos
seus leitores das coisas importantes para a salvação (2 Pe 1.12). O Salmista
(citado em Hebreus) mostra que o povo de Israel foi sempre rebelde contra
Deus, pelo que vagaram quarenta anos no deserto (Hb 3.10). Estêvão denuncia os judeus como sendo aqueles que, a exemplo de seus pais, sempre
resistem ao Espírito Santo (At 7.51). Os cretenses, mesmo nas palavras de
um dos seus poetas, eram conhecidos como "sempre rnentirosos" (Tt 1.12).
Nos usos desta partícula podemos notar um ponto em comurn. Em cada situação, o "sempre" denota um estado e não simplesmente o conjunto de uma
série de eventos. Cada texto citado apresenta uma situação onde algo se
mantém continuamente: o caráter pecaminoso e rebelde de um povo; a disposição fiel de um apóstolo; o preparo dos cristãos para falarem de sua fé.
Baseado nas observações acima, podemos dizer, ainda preliminarmente, que o "sempre alegres" apresenta urn quadro geral de como os ministros da palavra são. A frase de Paulo em 2 Co 6.10 não se configura
numa conclusão a partir da experiência de inúmeras situações empíricas.
Paulo está dizendo como os ministros de Deus "são", não como normalmente "estão7'.
O verbo xuipo significa "regozijar-se, estar alegre." No Novo Dicionário Internaciond de f i o l o g i ~do
~ Novo ~ e s t a r n e n t o , ~o verbo é caracterizado assim:
... o conforto e o bem-estar fisicos são a base da alegria. Dai o emprego do verbo nos
bons desejos que uns expressam para com os outros ao se cumprimentarem e ao se
separarem. Referem-se aos beneficias de saúde e felicidade que, na realidade, ai
pessoas desejam para si mesmas.92
Nos escritos clássicos gregos, o verbo aparece sendo empregado no
Imperativo (xolíp~r~)
e no Infinitivo (xaípc~v),como formas de saudação
("Salve!" ~ a u d a ~ õ e s ! " No
) . ~ seu
~ uso na LXX, é interessante observar
-
91 Colin Brown, ed., 4 volumes. São Paulo: Vida Nova, 1981. Sempre citado como NLIJTNT.
93 E. Beyreuther e G Finkenrath, NDIiNT, I: 133. Os autores ainda observam que há uma
conexão etimológica entre o verbo e o substantivo cognato (xapci) com xciprc (graça).
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191
que "De todas as palavras neste grupo,94 é aquela que fica mais perto do
hebraico oi5w (paz, salvação), e, na realidade se emprega para traduzir
esta palavra em 1s 48.22; 57.21 ."Ainda sobre o uso no Antigo Testamento,
é importante lembrar que a alegria verdadeira vem de Deus. Daí que ''xuipw
também serve para descrever a alegria escatológica, quando se regozija
acerca da salvação e paz finais (J12.21,23; 1s 66.10, 14; Zc 1 0 . 7 ) . " ~ ~
Sobre o uso geral do verbo (e do substantivo cognato) no Novo Testamento, vale observar que
Não é por acidente que as palavras aparecem com especial frequência onde se menciona expressamente o cumprimento escatológico
em Cristo, o estar com Ele, e a esperança nEle. Não se deve olvidar,
no entanto, que a totalidade da mensagem do NT, como roclamação
da obra salvífica de Deus é uma mensagem de alegria.86
Em Jesus, na Sua vinda e ministério, está a verdadeira alegria. O
tempo em que Ele está visivelmente com os Seus não é, por isso, tempo de
jejum (Mt 9.15). Mesmo quando seguir a Ele significa estar sob tribulação e
perseguição, nele continua havendo a alegria da salvação (Mt 5.12). A alegria estava unida ao temor quando os discípulos encontraram-se com Jesus
ressurreto (Mt 28.8). A salvação do pecador arrependido é motivo de alegria, até mesmo no céu (Lc 15.6,9,32).97
A respeito do uso que Paulo faz do tema "alegria", um importante
comentário:
As epístolas de Paulo testificam o paradoxo de que a alegria cristã se acha somente em
meio à fraqueza, à aflição e aos cuidados. Na realidade, é precisamente aqui que da
prova do seu poder. Esta alegria tem sua fonte além da alegria meramente terrestre e
humana. E alegria en kyrio,no Senhor, e, portanto, fora de nós mesmos. É por isso
que Paulo constantemente lembra seus leitores da existência dela, e os exorta a
manifestá-la (Fp 3.1 ; 4.4, 10; Rm 12.12; 2 Co 6.10). É a alegria da fé (Fp 1.25; Rm
15.13). Tem sua base na esperança e confiança da fé, a qual, a despeito de todas as
lutas e temores (2 Co 7.5) tem a certeza da justificação mediante Jesus Cristo (Rrn
8.3 1,32) e antecipa Sua volta como Senhor ressurreto. Como alegria da fé, também é
fruto do Espírito (G1 5.22), e se fala dela como sendo alegria do Espirito Santo (Rm
-
94 Isto é, aquelas empregadas para se referir a alegria e alegrar-se.
95 NDITNT, I: 134.
96 NDITNT, I: 134
g7 NDITNT, 1: 135.
192
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
14.17; 1 Ts 1.6). É portanto um dom espiritual, e, quanto a isto, se aproxima da idéia
de charis, graça. Paulo pode ficar confiante mesmo quando Cristo se prega por
motivos vis, porque a fé e sua conseqüente alegria não vêm a partir de nós mesmos.
O que importa é que Deus faça Sua obra graciosa, e que tantos homens quanto
possível devam ter participação no evangelho (Fp 1.5.6, 15, 1
A respeito do tema "alegria" em 2 Coríntios, "Paulo coloca alegria
em contraste direto com thlipsis, aflição, significando com isto, não somente a angústia causada pelas provações externas, como também a tristeza
despertada pelas repreensões apostólicas."99
Como se pode notar, então, em Paulo a alegria neste mundo sempre
deve ser vista em conexão com a cruz. A alegria cristã não pode ser vista
como um estado de anestesia frente ao que a cruz de Cristo representa para
os que crêem. O viver sob a cruz lembra, a bem da verdade, que a alegria
genuína só pode vir da cruz do Salvador.
o< n t o x o i ~oÂhoUç 6 i nÂouti~ovzc< - como [sendo] pobres,
mas enriquecendo a muitos
Os dois fatos são verdadeiros. Paulo e seus companheiros eram, do
ponto de vista dos bens materiais, pobres. Por outro lado, as riquezas espirituais que lhes foram confiadas como "despenseiros dos mistérios de Deus"
(1 Co 4.1) eram por eles distribuídas, na proclamação da reconciliação de
Deus em Cristo.
o < p q 6 i v Zxovtcç ~cci ncivtcc ~ a r í x o v r c <- como nada
tendo, mas possuindo tudo.
Os dois verbos, uni sendo a forma simples, o outro, a composta, não
diferem significativamente no significado. O composto pode significar: "manter-se na posse de". Talvez este seja o significado aqui. Realmente, nada do
que temos é realmente nosso. Tudo é dádiva do Pai celeste. Olhando pelos
critérios do mundo, o próprio evangelho que, como ministros, "temos" para
desfrutar e proclamar, é nada! Por outro lado, nas palavras de Agostinho, "O
mundo inteiro é a riqueza do crente."loO São palavras que lembram Mt 5.5:
"herdarão a terra" e 1 Co 3.2 1: "tudo é vosso". Mais ainda pode ser lembrado: o evangelho da reconciliação em Cristo é, de fato, "tudo" o que realmente
conta para a felicidade eterna de alguém. Como ministros do evangelho, temos este tudo, não para nós próprios apenas. Recebemos o privilégio de,
98 NDITNT, I: 137.
Io0 Citado por A. Plummer, Second Corinthians, 201.
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193
como cooperadores de Deus, proporcionar a outros desfmtarem da herança
que é dos filhos, ou seja, daqueles que estão no Filho (Rm 8.17).
Conclusão
É significativo notar que o verbo usado por Paulo em nosso texto,
para "alegrar-se",101 é o mesmo empregado no diálogo de Jesus com os
setenta após o regresso destes (Lc 10.17-20):
Então regressaram os setenta, possuídos de alegria (~ccpoíc), dizendo: Senhor, os próprios demônios se nos submetem pelo teu nome! Mas ele
Ihes disse: Eu via Satanás caindo do céu como um relâmpago. Eis aí vos dei
autoridade para pisardes serpentes e escorpiões, e sobre todo o poder do
inimigo, e nada absolutamente vos causará dano. Não obstante, alegrai-vos
(xoliptt~),não porque os espíritos se vos submetem, e sim, porque os vossos nomes estão arrolados nos céus.
O bondoso Salvador pacientemente ouve o relato eufórico dos discípulos, maravilhados com opoder que estava em suas mãos, dado sim por
Deus, mas no exercício do seu ministério. Jesus, porém, os conduz agraça,
a mensagem bendita da redenção na qual eles podiam realmente exultar.
Nós, ministros de Cristo, podemos, sim, estar sempre alegres, e temos muitos motivos para tanto: há muitas alegrias no ministério (novos convertidos;
o crescimento perceptível em alguns congregados; a boa atuação dos Iíderes; etc.). No entanto, o Salvador vem nos mostrar que o motivo para a
alegria do pastor não está no fato de ele ser pastor, mas filho de Deus e
herdeiro do céu. Nossa alegria é Cristo, Sua obra e Seus benefícios, conquistados por nós em Sua dolorosa cruz e na Sua gloriosa ressurreição;
benefícios recebidos por nós não por sermos fiéis no nosso ministério, mas
por Ele ser fiel na atuação renovadora do Batismo, pela Palavra pregada,
pelo santíssimo Sacramento do Altar. Nossa alegria tem, pois, uma só causa
suficiente: a graça de nosso Deus, o mesmo Deus que faz manifestar esta
graça exatamente por meio desta Sua sagrada instituição, o santo ministério, no qual temos a honra de poder atuar. Amém.
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196
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
Como ser um servo pastoral positivo,
alegre, esperançoso e dedicado
Charles S. Mueller
Em julho de 1997 tive o privilégio de coordenar um "Curso de Aperfeiçoamento" nos seminários de São Paulo, SP, e São Leopoldo, RS. Foram
vinte e quatro horas, em cada local, de alegre convivência e compartilhamento
sobre o ministério e as congregações nos Estados Unidos e no Brasil. As
sementes deste conteúdo foram semeadas numa conversa com um pastor
do Brasil alguns anos atrás. Trabalhava então num livro que levava o título
provisório de "A Alegria do Ministério". Este colega gostou do título e do
conteúdo, mas o livro não foi publicado. Quando o submeti aos editores, eles
o devolveram com a seguinte nota: - Conquanto esta possa ser a maneira
como você encara o ministério, não é assim que a maioria o vê.
Nunca tive um manuscrito devolvido, nem antes e nem depois. Fiquei
muito contrariado porque justamente este livro, que dava expressão aos
meus mais profundos sentimentos sobre o ministério pastoral, foi o primeiro
a ser devolvido. Mesmo que tenha havido uma ponta de elogio na nota de
rejeição do editor. Depois de pensar melhor sobre o assunto e trocar idéias
com amigos, cheguei a conclusão de que a editora provavelmente estava
certa. Eu realmente estava em descompasso com muitos pastores. Mas
não estava em descompasso com o apóstolo São Paulo e muitos outros que
serviram ao Senhor desde os tempos primitivos da igreja até hoje.
O tema da alegria na carta de Paulo aos Filipenses, escrita da prisão
em circunstâncias cruéis, aponta para isto: "Alegrai-vos sempre no Senhor;
outra vez digo: alegrai-vos" (Fp 4.4). Eu creio que o ministério pastoral deve
-
-
Dr.Charles S. Mueller é pastor assistente da Trinity Lutheran Church,
Roselle, IL. Dr.Mueller presta consultoria a conselheiros e congregações d a Lutheran Church-Missouri Synod, exercendo também a função de assessor da Wheat Ridge Ministries. Este artigo é parte do Curso de Aperfeiçoamento ministrado pelo DK Charles Mueller no Seminário Concórdia de 14-1 7 de julho de 1997. A tradução do original
inglês foi feita pelo Rev. Bruno F Rieth.
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
197
ser cheio de alegria.
Mas por que há tão pouca alegria na igreja, como o editor sugeriu e
outros concordam? Por que tantos rostos tristes, tão pouca exuberância,
conduta tão reservada e toda esta inflexibilidade pastoral?
Como eu contei aos colegas no curso, quando comecei a andar pela
igreja procurando uma resposta, encontrei algumas, mas não no mesmo
lugar. As respostas estão espalhadas pelas congregações.
Muita falta de alegria pode ser creditada ao fato de que muitos pastores hesitam diante destas questões chave:
1. Você crê que sua congregação devia crescer?
2. Você é capaz de aceitar orientação, conselho e exemplo de alguém?
3. Você é capaz de mudar?
O ministério não trará muito prazer ao pastor que disser "não" para
uma, duas ou as três perguntas.
E se o pastor disser "sim" para todas as três, mas os líderes disserem
"não", então o ministério se tornará um peso insuportável e cheio de murmuração, como experimentou Moisés quando liderou os israelitas por quarenta anos no deserto. As três perguntas, que discutimos exaustivamente, e
como elas são respondidas, ajudam a determinar quanta alegria haverá no
seu ministério.
Num outro canto da "The Lutheran Church-Missouri S y n o d eu encontrei outras partes desta questão. Pastores me disseram:
1. - Ninguém me disse que se esperava de mim que eu fosse um
líder na minha paróquia. Eu não sei como fazer isto e ninguém me ensinou.
2. -Ninguém me disse que se esperava de mim que eu ajudasse uma
congregação a crescer. Eu não sei como fazê-lo e ninguém me ensinou.
3. -Ninguém me disse que se esperava de mim que eu continuasse a
crescer espiritualmente. Eu não sei como fazê-lo e ninguém me ensinou.
Estas são três coisas preocupantes para serem ditas por um pastor.
Mas em todas as partes onde eu as mencionei a pastores me foi assegurado
que eram acuradas. Nenhum nunca discordou publicamente das três, inclusive da última, mesmo sentindo que alguns gostariam de discordar. Pastores
que carregam em seu coração estas três afirmações, especialmente a terceira, vão encontrar pouco espaço para alegria. Os pastores no curso me
disseram que isto também é verdadeiro entre obreiros do Brasil.
Muitas vezes a primeira reação tem sido assim: -Por que os seminários não ensinaram estas coisas?
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198
\
Penso que esta não é uma pergunta legítima. Os seminários não estão em falta. A sua tarefa primordial é ensinar pastores em formação a
pensarem teologicamente. Na minha avaliação, eles o fazem bem. Além
disso, nada mais espero, exceto uma coisa.
Os seminários deviam trabalhar um pouco mais intensamente na ajuda ao candidato para sua compreensão de que é necessário que ele continue aprendendo pelo resto de sua vida. Graduação é apenas um "gradus",
degrau. Assim como Jesus, em Lucas 2.52, os pastores vão ocupar-se pelo
resto de suas vidas "esforçando-se para a frente" ou "tendo sua imagem
forjada", como sugere a palavra gregaprokopto. Eu estou diante de vocês
com 68 anos de idade e com tanto ainda por aprender quanto eu consegui
até agora e mais ainda. E isto não é apenas um arroubo de modéstia. E um
fato. Eu preciso continuar a crescer intelectualmente, fisicamente, espiritualmente e socialmente, como o fez nosso Senhor Jesus. Prokopto é uma
contínua e permanente atividade pela vida afora. Ai de quem pára ou pensa
que sabe o suficiente. Ele impede seu próprio crescin~entoe - pior do que
isso - ele inibe o crescimento da sua congregação. Estou encantado com o
fato de tantos de vocês terem decidido continuar seu aprendizado.
Mas voltemos ao que eu estava expondo sobre a alegria no ministério. Eu cheguei a conclusão de que pastores passam dificuldades com as
três perguntas e as três afirmações - e prokopto - porque eles não se
decidiram a trabalhar as coisas necessárias para ajudar as congregações a
funcionar em 1997, para a glória de Deus e o bem do seu povo. Eles não
estão se preparando para "... um tempo como este" (Et 4.14) porque não
entenderam o seu tempo.
O que teria feito Lutero com um computador ou o apóstolo São Paulo
com um avião a jato? E como não teriam feito seu trabalho nossos pais e
mães espirituais da Igreja Luterana, se tivessem conhecido a respeito de
princípios de gerência que nós aprendemos e os dons de planejamento como
SMART (acróstico que em inglês significa "inteligente", usado para dizer
que uma meta precisa ser: específica, mensurável, atingível, haver recursos
e tempo definidos) e o círculo de decisão (os diversos passos da realização
de um plano) com os quais trabalhamos? Nunca saberemos. E esta não é
nossa preocupação. Eles eram fiéis com aquilo que tinham no seu tempo.
Agora o refletor está focalizado sobre nós. - O que faremos nós com estas
bênçãos seculares que são nossas para uso? Somos suficientemente sábios
para juntar este "maná" para seus propósitos? Ou vamos obstinadamente
recusar-nos a aprender e santificar a alegria neste processo?
Um magnífico exemplo de abençoado uso dos recursos seculares é o
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
199
profetaNeemias. Os princípios de liderança secular são todos apresentados
na Palavra de Deus - por isso, quem sabe, não é "liderança secular" mas
conceitos divinos de liderança que nós negligenciamos e que o mundo nos
tomou. Lembrem Neemias e o que aconteceu no seu tempo.
Hanani veio até ele e relatou que os muros de Jerusalém estavam
caídos em ruínas. Este relato não era novo, assim como a notícia de que
nossa igreja não está crescendo muito bem de modo algum é nova. Estes
muros estavam em ruínas há muitos anos. Mas de alguma maneira esta
mensagem penetrou na consciência de Neemias. E fez com que compreendesse a vergonha que significava a negligência do povo em relação aos
muros de Jerusalém. O que ele fez?
Primeiro chorou e, orando, se confessou. Mas sua oração foi diferente da oração de muitos de nós: ele confessou os pecados de "sua casa",
falou do dever se sua família. Ele não apontou o dedo para outros. Ele
assumiu responsabilidade pessoal. E decidiu agir.
E qual foi sua ação? Depois de orar, criou um plano, usando muitos
dons que nós estivemos estudando. Então ele esperou pelo momento certo.
Quando chegou a hora da pergunta do rei, ele estava preparado. Ele havia
elaborado os detalhes em sua mente, inclusive os vistos que era exigidos, os
salvo-condutos que desejava, os homens que o rei podia oferecer, os materiais para requisitar e o tempo de que precisaria. Usando todos os seus dons
de gerenciamento, no contexto de seu tempo, ele agiu.
Este não foi o fim disso tudo. Mais tarde, em Jerusalém, ele desenvolveu um plano para unir o povo ao introduzir o pronome "nós". Ele deu, a
cada um, um senso de participação. E quando o perigo aparece, ele dividiu
os trabalhadores. Metade para servir; a outra metade para defender.
Defender e construir. Nos Estados Unidos, treinamos um ministério
para defender; muito poucos com a competência de construir. Nósprecisamos de ambos! Mas, nós precisamos de ambos!
Construtores que não sabem como construir não podem ser alegres
em seu trabalho. Seu espírito é de tristeza e não de satisfação.
Provêm de uma sensação de que algo está errado. É como os quatro
leprosos em 2 Reis 7.9, que descobriram que os sírios haviam fugido e começaram a pilhar o acampamento em seu próprio beneficio. Até que um
deles disse: "Não fazemos bem: este dia é dia de boas novas, e nós nos
calamos ..."
Alegria não é característica pessoal. E a reação natural ao prokopto
pastoral em meio ao mundo das preocupações de uma congregação.
Duas semanas atrás estive na Concordia Publishing House, em Saint
200
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
Louis, planejando uma publicação ampliada da matéria que estivemos discutindo nos cursos de julho. Será oferecida a Igreja no outono (primavera
no Brasil) de 1998 sob o título provisório de "Congregações, congregações,
congregações". Uma das razões que me trouxe a este intercâmbio com
vocês foi verificar como o conteúdo básico desta matéria seria visto através
dos olhos de obreiros chave no Brasil. Eu sei que vocês são obreiros chave
no Brasil porque há muito tempo aprendi que aqueles que não têm uma
paixão pelos perdidos, que não conseguem adaptar-se ao que é novo e que
não querem mudar não vêm para eventos como este. Isto não quer dizer
que todos os que não vieram são diferentes de vocês. Mas quer dizer que
vocês que vieram são uma esperança para a Igreja.
E há esperança! Sempre houve esperança como a carta aos Hebreus,
cap. 11, tão claramente explica. Inicia com a afirmação de que fé e esperança estão ligadas na "certeza de coisas que se esperam". Depois o escritor sacro repete as histórias do que aconteceu "... pela fé". Muitas mudanças. Muitas coisas novas. A adoção de maneiras novas de fazer as coisas.
Crescimento espiritual. Colocando tudo isso em ação nos leva a Hebreus
12.1 e a "nuvem de testemunhas", olhando para nosso Senhor Jesus "... que
por alegria ..." suportou a cruz, não despreza a vergonha e está sentado no
trono de Deus! Sua alegria promove a nossa alegria. Nenhum de nós pode
saber quão bem sucedido será nosso trabalho no futuro ou quão eficientes
se tomarão nossas paróquias. Mas nós influenciamos o futuro que vamos
encarar: o provável, o possível ou o preferível. Mas o que nós sabemos - sim
- é que temos que ser os melhores servos de Deus que conseguimos ser.
Nós não temos nenhum tipo de controle sobre qualquer coisa a não ser
sobre nos mesmos. Mas este nós temos. Ao servi-lo, nós podemos ter a
emoção de usar tudo aquilo que Ele colocou a nossa disposição, para a Sua
glória.
Esta é a fonte de alegria no ministério: dando o melhor de nós sob o
Espírito, com aquilo que ele nos deu. E ele nos deu tanto!
Repito agora o que disse quando começamos o curso. Fui chamado
por Deus para ser um pastor paroquial. O interesse primordial na minha
vida é a prática do ministério pastoral. Eu não sou um remoto teórico. Se "...
fé sem obras é morta ..." (Tg 2.17) assim também é a teoria congregacional
sem a prática. Existem outras coisas importantes para fazer na igreja. Como
preparar pastores e professores para o serviço, ou administrar os programas da igreja. Mas não são meu primeiro interesse. Meu interesse são
congregações, leigos e pastores paroquiais.
O que eu vim fazer com vocês que são pastores paroquiais é comIGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
20 1
partilhar a melhor prática pastoral do mundo moderno que eu conheço. Nas
horas em que estive com vocês, que perfazem 10% dos pastores paroquiais
da IELB, verifiquei que não sou o Único que tem esse interesse. Eu aprendi
muitas coisas com vocês, por exemplo, vocês encontraram um nome melhor para um dos tipos de congregação que estudamos, a congregação de
equipes ou departamentalizada. Apesar de saber que aquilo que cada um de
nós faz no ofício pastoral pode ser muito diferente, uma coisa é certa: na
essência nosso trabalho flui das mesmas sólidas convicções. E assim, o
Senhor nos dá alegria no ministério.
Ficou bem evidente que ele deu muita alegria a vocês nesta sala. Que
Ele continue a fazer assim. É meu desejo. Nunca queiram impedi-lo.
202
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
O s dois Catecismos
Martim C. Warth
Lutero escreveu simultaneamente dois catecismos, o Catecismo
Maior (CM) e o Catecismo Menor (Cnl), completando ambos em 1529.
No segundo prefácio do CM explica o termo "catecismo", dizendo: "Empreendemos este sermão com a finalidade de que sirva de instrução a crianças e pessoas simples. Essa também a razão por que desde a antiguidade se
lhe chama em grego catecismo, isto é, instrução para crianças. Todo cristão
necessariamente o deve conhecer. A quem o ignora não se poderia contar
entre os cristãos, nem admiti-lo a qualquer sacramento."'
O uso do termo catecismo é muito antigo na igreja.? Tertuliano3 e
Agostinho4 usavam o termo catechizare na igreja da África do norte para
descrever o ensino oral na preparação para o batismo dos catecúmenos
prosélitos que iam sendo recebidos na igreja. Cirilo de Jerusalém escreveu
sua obra Catecheses para instrução nas noções fundamentais da fé ~ r i s t ã . ~
CM, Prefácio 2, 1-2
Albrecht Peters, Kommentar zu Luthers Katechismen, Band I: Die Zehn Gebote.
Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1990, 15.
Tertuliano viveu de ca. 155/160 a ca. 2201230. Adv. Marc. Ir29
Agostinho viveu de 354 a 430. De fide et op. 6,13.
Cirilo de Jerusalém viveu ca. de 3 15 a ca. de 386.
F. Bente, Historical Introductions to the Book of Concord. Saint Louis, Mo., Concordia
Publishing House, 192 1 (1965), 62. Cita Du Cange, Glossariurn 2, 222s.
Dr.Martim C. Warth é professor emérito do Seminário Concórdia. Atualmente é coordenador do programa de doutorados conveniados da
Universidade Luterana do Brasil, em Canoas, RS.
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
203
No séc. 8, Leidradus7 confirma que catechizare est i n s t r ~ e r e . ~
Lutero usou o termo catecismo em vários sentidos, como ensino básico na religião cristã, primeiro como ato, depois como determinado material
de instrução, então como conteúdo de um livro, e finalmente como o próprio
1ivr0.~A primeira menção pública se encontra na Missa e ordem do culto
alemão de 1526, onde fala da instrução dos catecúmenos na igreja antiga
"que aprendiam o credo antes de seu batismo".'O Nos sermões sobre o
catecismo de 18 de maio e 14 de setembro de 1528, Lutero diz que "catecismo é instrução, ou ensino cristão" que deve estender-se após o batismo a
todas as crianças e aos jovens e adultos sem preparo na doutrina cristã, pois
"cada cristão precisa necessariamente conhecer o catecismo." No prefácio do Cm Lutero identifica catecismo com "doutrina cristã", ensinada em
forma de perguntas e respostas." Lutero chama o catecismo de "Bíblia dos
leigo^",'^ por ser o "sumário da Sagrada Escritura toda".I4 Este é o mínimo
que se deve saber "para cada cristão ser admitido ao sa~rarnento".'~
Albrecht Peters conclui que "achar o determinante para a salvação é
tão necessário no século 20 como o era no século 16". E afirma que "é
admirável verificar quão pouco é determinante para a salvação, e ao mes-
' Leidradus era bispo de Lyon. Viveu de 799 a8 13.Desacramento baptismi, C I(MPL 99,856
B).
Otto Albrecht, Vorbemerkungen zu beiden Katechisnien, WA 30 I, 426-474. Citado
em Peters, 17, e Bente, 63.
M. Lutero, Pelo Evangelho de Cristo. Porto Alegre / São Leopoldo: Concordia e Sinodal,
1984,22 1. Peters, 16, Bente 63. WA 19,76,2.
'O
" Pr 903, I. Praeceptum 18. Mai 1528. WA 30 I,2-4. Pr925, 1. Mandamento 14.Set. 1528.
W A 301,27-29. Bente, 63.
l 2 Cm, Prefácio, 1-2. Os Irmãos da Boêmia também voltaram, como Lutero, ao catecumenato
da igreja antiga, onde se ensinava também os já batizados. Peters,] 5.
l3Bente,63. Livro de Concórdia, São Leopoldo e Porto Alegre: Sinodal e Concórdia, 1980.
A expressão é mencionada na Fórmula de Concórdia (FC), Epitome, De Summa, 5.
CM, Prefácio 1, 18.
l4
CM, Prefácio 2,l-2
l5
204
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
mo tempo quão infinitamente muito é este p o u ~ o " . ' ~
O próprio reformador verificou a falta de instrução básica na igreja
quando participou pessoalmente na visitação pastoral na Saxônia em 1528 e
1529. Já havia advertido em seu tratado de 1520, A nobreza cristã da
nação alemã, que a instrução dos jovens estava sendo negligenciada,I7
mas o verdadeiro desastre espiritual reconheceu quando verificou que os
pastores eram incompetentes, pois a quarta parte tinha que ser removida do
ministéri~.'~
Os cidadãos lhe pareciam emancipados da religião,I9 como relata no prefácio do Catecisnzo Menor.'O
O que havia para instrução religiosa eram livrinhos como o Hortulus
aninlae e o Paradisz4s aninzae que Lutero queria ver erradicados ou reformados, por conterem orações aos santos, listas de vícios e virtudes, sem
tocarem na essência do cristianismo revelada no evangelho. Por isso Lutero
começou a convocar as "três santas ordens e verdadeiras fundações": o
pastorado (ordo ecclesiasticus), o regimento do casamento e da família
(ordo oeconomicus), e a autoridade civil (ordo politicus) para ensinar e
difundir o cateci~mo.~'
Ele próprio, o reformador, queria permanecer para
sempre, apesar de ser doutor, um "aluno do c a t e c i ~ m o " . ~ ~
Estava em jogo o cristianismo. Não bastava ser batizado para enfrentar a vida. Era necessário um contínuo alimento da palavra de Deus, o
meio da graça por excelência. Lutero disse na Missa e ordem do culto
alemão de 1526: "Um cristão não precisa do batismo, da palavra e do sacramento como cristão, pois tudo isso já é seu, mas sim como pe~ador."'~
A fé é um dom de Deus pelo qual a pessoa recebe, pelo uso dos meios da
graça, diretamente a graça e a justiça de Cristo. Esta fé direta não é consl6 Peters, 19.
l7
Lutero, Obras Selecionadas (OS), vo1.5,333. WA 6,461.
IR
Peters, 19.
20
Cm, Prefúcio, 1-3.
Lutero, Da Santa Ceia de Cristo. Conjissão519. 1528. OS, vol. 4, 370. WA 26,504.30.
22
WA 3 1,1,227,22.Der 11 7. Psalm ausgelegt. 1530. CM, Prefácio 1,8.
Lutero, Pelo Evangelho de Cristo, 219. Bente, 71.
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
205
ciente, como se verifica no batismo da criança. Mas ela precisa tornar-se
consciente por causa do pecado. Diante do pecado a fé precisa refletir
sobre o seu conteúdo, para que, como diz Lutero, o povo simples e o jovem
cristão sejam "diariamente exercitados e educados na Escritura e na palavra de Deus, para que se familiarizem com a Escritura, se tornem hábeis,
versados e sábios nela, prontos para defenderem a sua fé e, no devido tempo, ensinarem a outros e ajudarem a expandir o reino de Cristo. Por causa
destes é que se precisa ler, cantar, pregar, escrever e compor. Se ajudasse a
promover o assunto, eu faria repicar todos os sinos e tocar todos os órgãos
e ressoar tudo que pudesse dar um som de si."
Esta é a tarefa das "três santas ordens" que foram convocadas por
Lutero para ensinarem continuamente o catecismo as novas gerações na
igreja, na escola e na família. Sua última frase no Catecisnlo Maior é: "Pois
todos eles têm de ajudar-nos a crer, amar, orar e lutar contra o diab~".'~
Lutero preparou o ensino na igreja para que os pais aprendam e possam
depois ensinar aos filhos e servos em casa, onde ele próprio não pode normalmente entrar. Também os professores, que representavam o governo,
receberam instruções para ensinar o catecismo nas escolas restauradas,
como se recomenda na Instrução aos visitadores de 1 52V5 e outros escritos. Havia uma falta muito grande de instrução nas verdades do evangelho.
Por isso, no Sermão sobre Mateus 2, Iss., de 29 de novembro de 1528,
Lutero recomenda que se pregue o catecismo quatro vezes por ano, duas
semanas em cada trimestre, quatro dias por semana, as 10 horas da manhã.26
O catecismo propriamente dito, como era conhecido desde a igreja
antiga, consistia de três partes: o Decálogo, o Credo, e o Pai Nosso. As
duas partes adicionais que Lutero incluiu tratam dos sacramentos: do Batismo e da Santa Ceia. Uma sexta parte completa mais tarde o catecismo: a
Confissão e Absolvição. Os demais conteúdos são orações e instruções
para as "três santas ordens".
Lutero entende que aí está a essência do que é necessário para ser
cristão. Os dez mandamentos, como expressão da vontade de Deus e espelho da alienação do homem, acham-se diretamente ligados ao primeiro arti-
24
CM,5.Santa Ceia, 86/87.
25
WA 26,195-240.
26WA27,444. Cf. também WA 29,146. Bente, 69.
206
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
go do Credo, que fala da criação e do interesse de Deus pelo seu mundo
criado, especialmente pela humanidade que Deus quer sempre amar. O
segundo artigo é o centro de toda mensagem cristã, pois fala do ato trinitário
da salvação em Jesus Cristo. É a confissão no solus Christus. O Espírito
Santo, confessado no terceiro artigo, é que "chama, congrega, ilumina e
santifica" a humanidade para criar a sua santa igreja, em que se confessam
as três ênfases da Reforma: os sola Scriptura, sola gratia, solajde. Pois
a j d e s yzra, o dom da fé, vem da apresentação d a j d e s quae, o conteúdo
do evangelho, pelo qual o Espírito Santo cria e conserva a fé.
Desta forma a salvação em Cristo, que é o fundamento da santificação,
transforma toda criação numa dádiva do Pai celestial. O decálogo se transforma pela fé numa parenese. Em vez de apenas ser uma lei que condena o
pecado, o que ainda continua a fazer no seu segundo uso para levar ao
arrependimento, o decálogo se transforma em orientação segura para a
vida cristã. Lutero viu que o Pai Nosso repete o decálogo em forma de
oração, como descreve nas primeiras petições no Catecismo Maior. Desta
forma a ética cristã, a partir da Reforma, pode ser desenvolvida exclusivamente à base dos Dez Mandamentos." Era o que a Fórmula de Concórdia de 1580 entendia por terceiro uso da lei. Lutero já desenvolveu este
uso na sua explicação dos mandamentos no Catecismo Menor, quando
acentua de um lado que não devemos (a lei no segundo uso), e recomenda
o mas devemos na parte final (a lei no terceiro uso ou parenese).
O terceiro artigo do Credo leva assim naturalmente ao Pai Nosso, às
orações, e à tábua dos deveres, como parte da santificação. Os sacramentos são parte dos meios da graça que o Espírito Santo usa para nos tornar e
conservar cristãos. A Confissão e Absolvição fazem a ponte entre os Dez
Mandamentos e o Credo.
Os catecismos evoluíram em vários estágios. Havia um grande esforço da parte do reformador para levar esta essência da mensagem cristã
ao povo de Deus. As pilblicações catequéticas de Lutero começaram cedo.
De 1516 até a páscoa de 1517 ele pregou sobre os Dez Mandamentos e o
Pai Nosso. Joh. Oecolampadio comenta que no sermão de Os Dez Mandamentos pregados ao povo de Wittenberg, de 1518, Lutero "tirou o véu de
Moisés". No mesmo ano saiu também Uma breve explicação dos Dez
Mandamentos em alemão e latim, que serviu de base para a Breve forma,
de 1520. Neste ano de 1520 Lutero continuou a trabalhar nos Dez Manda-
j7
Peters, 46-47,53.
IGREJA LUTERANA- NÚMERO 2 - 1997
207
mentos, publicando seu tratado Das boas obras. Sua Explicação do Pai
Nosso em alemão para os leigos simples, de 1 5 18, foi logo traduzida e
publicada em várias línguas e diferentes países. Daí se derivou em 15 19 a
Breve forma para compreender e orar o Paternoster que serviu de base
para a Breve forma de 1520. Lutero ainda publicou uma Breve e boa
explicação do santo Pai Nosso diante de e atrás de si mesmo em 1519,
em que "diante de" se refere a relação com Deus e o "atrás de si" se refere
a própria pessoa.78 Uma breve instrzrção sobre conto devemos confess ~ r - n o foi
s ~ depois
~
reformulada em 1520 para a Confitendi ralio ou Modo
de confessar-se, ambos baseados nos Dez Mandamentos.j0 O texto não
foi usado na Breve forma de 1520.
Vários escritos trataram partes do catecismo, ou explicando-o ou incentivando seu uso. Em 1519 faz três sermões, dedicados especialmente a
duquesa Margarida de Braunschweig e Luneburgo, sobre os sacran~entos
da Penitência, do Batismo, e da Santa Ceia.jl Em 1520 escreve Da liberdade do cristão,32em que aborda a fé e a santificação. No Do cativeiro
babilônico da igrejaj3 Lutero aborda o sacramento da santa ceia, admitindo ainda a transsubstanciação, e a penitência, isto é, a confissão e absolvição, encaminhando o Ofício das Chaves. Em 1519 escreve Um sermão do
santo e honrado sacramento do batismo,34e volta a escrever a respeito
ZWecempraeceptaU5ttenbergensipraedicatapopulo (29 Junho 1516 a 24 Fevereiro 151 7)
1518. W A 1 (394)398-521.DasBoas Obras. 1520. OS 2,97-170.Auslegung deutsch des
Vaterunsersfur die einfaltigen Laien. 1519. W A 2,(74)80-130.W A 9 (122) 123-159.Eine
kurze Form, das Paternosterzu verstehen undzu beten. 1519. W A 6 (9)ll-19.Einekurze und
gute Auslegung des Vaterunsers vor sich und hinter sich. 1519. W A 6 (20)21-22.Johannes
Oecolampadio era um humanista que ajudou Erasmo a fazer a edição grega do Novo Testamento. "Tirar o véu de Moisés" significa entender o verdadeiro sentido da lei, numa referência
a2Co3,12-18.Bente, 75.
3Z
Von der Freiheit eines Christenmenschen. 1520. W A 7 (12)20-38.
'' Ein Sermon von dem heiligen hochwurdigen Sakament der Taufe. 1519. W A 2 (724)727737.
208
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
da santa ceia, enfatizando agora a presença de real de Cristo em Um sermão a respeito do Novo Testamento, isto é, a respeito da santa m i ~ s a . ~ ~ O
assunto da santa ceia também é abordado em A nobreza cristã da nação
alemã, acerca da melhoria do estamento cristão.36
A partir de 1520 surgiram os três grandes textos precursores do catecismo: l . a Breve forma, de Lutero; 2. o Livrinho, de Bugenhagen, e 3.
os Sermões, de Lutero.
1 . Lutero publicou as três partes principais do catecismo em 1520:
Breve forma dos Dez Mandanlentos. Breve for~nado Credo. Breve forn1a do Pai-Nosso. Em 1522 incluiu estas "breves formas" no seu Uni livrinho dos Dez Mandamentos, do Credo, do Pai-Nosso e do Ave Maria,"
em que ensina a reconhecer o pecado e a orar. Em novas edições acrescenta "sermões" sobre o batismo, a confissão, e a santa ceia. Na quinta-feira
santa de 1523 Lutero diz em seu sermão que em lugar da confissão romana
o cristão deve anunciar-se junto ao pastor antes da comunhão, quando se
e~~
faria um exame nas verdades do catecismo. Na Formula m i ~ s u aparece
um exame sobre a santa ceia.
2. Em 1525 Johannes B ~ g e n h a g e npublicou,
~~
sob influência e sugestão de Lutero, o Livrinho para leigos e crianças para renovar o ensino do
catecismo nas escolas reorganizadas após os distúrbios dos fanáticos liderados por K a r l ~ t a d tLutero
. ~ ~ havia incentivado outros colegas, como Justus
Jonas e Joh. Agrícola4', a escreverem o catecismo, mas sem sucesso. Felipe
Melanchthon ajudou Lutero a publicar a Instrução dos visitadores aos
'' Ein Betbüchlein der 10 Gebote, des Glaubens, des Vaterunsers und des Ave Maria. M.
Luther: 1522. WA 10 I1 (33 1)375-501.
38
Formula missae et communionis pro ecclesia. M. Luther: 1523. WA 12 ( 1 97) 205-220.
''Bugenhagen ou Pomeranus (I 485-1558) foi um grande colaborador de Lutero. O livrinho
foi publicado primeiro em pomerano com o título Ein Boekeschen vor de leyen unde Kinder:
Bente. 76.
Andreas R.B. Karlstadt (1 480- 154 1) fez sua própria reforma em Wittenberg em 152 1 com
fanatismo.
4'
JUS~US
Jonas (1493-1 555). Johannes Agrícola (1 494- 1566).
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
209
párocos no eleitorado da Saxônia 47, em 1528. Esta foi usada em 1528 e
1529 para incentivar a pregação sobre o catecismo.
3. O Catecismo Maior praticamente surgiu de três séries de sermões de Lutero em 1528. Em todos eles trata das mesmas cinco partes
principais do catecismo. Bugenhagen, o pastor da congregação de Wittenberg,
estava ausente e Lutero usou o púlpito de 18 a 30 de maio, de 14 a 25 de
setembro, e de 30 de novembro a 19 de dezembro. Por essa razão Lutero
chama o Catecismo Maior, no Prefácio 2, de "este sermão". Na conclusão
do CM Lutero parece ter usado ainda, entre outros, o sermão do domingo
de Ramos de 1529. Na segunda edição do CM, quando adicionou como
apêndice a "Breve Exortação a Confissão", Lutero usou o sermão de quinta-feira santa de 1529 e outros.
Os dois catecismos foram trabalhados simultaneamente. Um não é
resumo ou expansão do outro, mas ambos se complementam. O Catecismo
Menor foi elaborado em forma de perguntas e respostas, um método didático já em uso por 60 anos no livro de Qzrestõespara crianças, dos Irmãos
Boêmios (hussitas). As perguntas e respostas do Cn? foram preparadas
para auxiliar na memorização e explicação para toda a família. Especialmente os indoutos e menores devem ser preparados para poderem participar com todos os cristãos na santa ceia. Quando Bugenhagen faz esta observação na edição dinamarquesa, ele pensa em crianças de 8 anos.
O Catecismo Maior, embora também para ser lido em família, servia
de substrato para os sermões dos pastores.43O próprio Lutero usou o texto,
como diz no Prefácio 1,7 do CM e nos sermões de 18 de abril e 27 de
novembro de 1 530.44
Primeiro foi publicado o Catecismo Menor, possivelmente a 7 de
janeiro de 1529, em forma de cartazes para afixar nas igrejas, nas escolas e
nos lares. Inicialmente surgiram as três partes principais: os Dez Mandamentos, o Credo, e o Pai-Nosso. Pode ter havido neste primeiro lote o acréscimo das "Bênçãos" e das "Graças". Não há cópias preservadas. O segundo lote de cartazes, que só foi publicado a 16 de março de 1529 ou alguns
Filipe Melanchthon (1497-1560). Unterricht der Visitatoren an die Pfarrherrn im
Kurfurstentum Sachsen. 1528. WA 26(175)195-240.
43
Cm, Prefácio, 17. CM Prefácio I , 19;1,140;1II,12.
21O
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
dias antes, continha Confissão, Litania, Batismo e Santa Ceia. Havia também um texto Contra o Alcoolismo, as Orações da Manhã e da Noite, e,
talvez, a Tábua dos Deveres que aparece no livro impresso.
Lutero havia estado doente e trabalhava no tratado contra os turcos.
A edição do Cn1 em forma de livro só aconteceu a 16 de maio de 1529,
depois que o Catecismo Muiorjá havia sido publicado a 23 de abril de 1529
ou alguns dias antes. O CM recebeu inicialmente o título de Catecismo
Alemão. Como o latim era usado nas escolas o termo "alemão" significava
o mesmo que "popular". Lutero iniciou o trabalho com o CMantes do Cnz.
Por isso chamou logo o Cnz de "pequeno" ou "merior". O título Ca/ecisnzo
hliuior só surgiu depois de ter sido publicado o Cm. A primeira edição do
C M é de Georg Rhau em Wittenberg. No mesmo ano houve uma segunda
~
edição com correções no texto, com 24. gravuras de Lucas C r a n a ~ he, ~um
adendo ao Pai-No~so."~
Este foi omitido no Livro de Concórdia de 1580,
mas conservado na edição latina de 1584. Esta segunda edição do CM
também adiciona a Breve exortação a confissão, omitida em ambas as
versões do Livro de Concórdia. Em 1530 Rhau publica o Prefácio longo
de Lutero, decerto escrito em Coburgo durante a Dieta de Augsburgo. Houve
traduções do CMpara o latim por Lonicer e Vincentius Ops~paeus.~~Nicolau
SelnecceiA8usouo texto do segundo para, com modificações, incluir o CM
no Livro de Concórdia de 1584.
A edição do Catecisnzo Menor em forma de cartazes estava sem
título, mas era conhecido como o "catecismo". A primeira edição do Crn de
16 de maio de 1529 em forma de livro, feita por Michael Schirlentz em
Wittenberg, tinha por título "Catecismo Menor para os pastores e pregadores indoutos ". Talvez foi encabeçado por "Enquirídio ", como nas demais edições. Não foi preservada cópia desta edição, apenas cópias feitas
em Erfurt e Marburgo. A palavra enquirídio já era usada por Agostinho e
designava um pequeno manual que se podia facilmente carregar. Assim
Lutero também o usa quando escreve em 153 1 que o saltério era uma pe-
"Lucas Cranach (1472- 1553),o Velho, era amigo de Lutero. Recebeu a influência de Albrecht
Durer.
46
CMIII,jnal de 9 "...sobpena da ira de Deus" e todo 10 e I 1
Johannes Lonicerus foi importante filólogo, amigo de Lutero (1499-1 564). Vincentius
Opsopaeus foi, na metade do século 16, reitor em Ansbach e amigo da Reforma.
47
Nikolaus Selnecker (1 528130-1 592) era professor e filólogo.
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
21 1
quena Bíblia, um enquirídio ou pequeno manual.49Entre o Prefácio e o
Decálogo estava "Um pequeno catecismo ou disciplina eclesiástica",
mais tarde omitido. Nas cópias de Erfurt e Marburgo encontram-se o Prefácio, as 5 Partes Principais, as Orações da Manhã e da Noite, a Tábua dos
Deveres, e uma Liturgia de Casamento. Estas cópias omitem a palavra
"Enquiridio" e a pergunta sobre o ato físico do comer e do beber na santa
ceia e sua resposta,jOquejá havia nos cartazes e que voltam com a segunda
edição de Wittenberg. Esta segunda edição é de 13 de junho de 1529. Acrescenta uma Liturgia do Batismo, uma Breve Forma de Confissão, e tima
Litania. Falta a explicação da introdução ao Pai-N0sso.j' Na edição de
153 1 esta introdução volta, e é omitida a Litania. A Breve Forma de Confissão é substituída pela Instrução na Confissão, e colocada entre o Batismo e
a Santa Ceia. Em 1537 Lutero fez mudanças nos versículos bíblicos citados
para conformá-los com sua versão da Bíblia. Em 1542 se adicionou ao 4"
mandamento a promessa "para que te vá bem e vivas muito tempo sobre
a terra". O Livro de Concórdia de 1580 não adotou esta forma. Na
edição de 1542 do Cm que é igual a de 1543, a última na vida de Lutero, se
expandiu a Tábua dos Deveres com os deveres dos cristãos aos mestres e
curas de alma, bem como os deveres dos súditos para com o governo. Talvez a adição não seja de Lutero, mas está de acordo com sua intenção de
dar orientação às "três santas ordens" em sua vocação, que considerava
no mesmo nível do sacerdócio. Era a Haustafel ou cartaz da "casa", para
falar das tarefas do povo de Deus na casa de Deus, onde quer que estivesse. Em Nurnberg publicou-se em 1533 o livro de Sermões para crianças,
no qual André Osiander e Sleupners7colocaram entre o Batismo e a Santa
Ceia o Oficio das Chaves. Após a morte de Lutero, por incentivo de
B r e n ~esta
~ ~ adição
,
recebeu um lugar no Cm como a quinta parte principal.
O Livro de Concórdia aceitou este espaço para a ConJissão, mas não
49
Bente, 85.
52 Andreas Osiander (1498-1 552). Dominikus Schleupner tomou-se em 1522 pregador em
Nurnberg por recomendação de Lutero.
53
Johann Brenz (1499-1 570) foi o amigo mais fiel de Lutero no sul da Alemanha.
212
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
adotou o OJcio das Chaves, embora a temática seja a mesma. Conservouse a forma litúrgica em vez da forma doutrinária e catequética do Oficio
das Chaves.s4As questões cristãs foram adicionadas ao Cm em 1549. Há
dúvidas sobre se eram de Lutero ou de Johann LangS5Nemestas Questões cristãs, nem a introdução aos Dez Mandamentos (Eu sou o Senhor
teu Deus, adicionado em 1558), nem a doxologia do Pai-Nosso (Pois teu é
o reino, opoder e a glária, que constam só em manuscritos bíblicos mais
recentes) foram aceitos no Livro de Concórdia de 1580.
Embora não houvesse uma resolução formal, corno aconteceu com o
catecismo reformado de Heidelberg em 1563, os dois catecismos de Lutero
foram incorporados nas confissões oficiais da igreja luterana no Livro de
Concórdia de 1580. O Prefácio do Livro de Concórdia cita os catecismos pouco antes da assinatura oficial das autoridades. A Forrnzrla de Concórdia menciona os dois catecismos na "Suma".56 A tradução de Joh.
Sauermanns7 para o latim foi adaptada para o Livro de Concórdia de
1584. Houve outras traduções para as mais diversas línguas da época.
O impressionante em Lutero é que escreveu o Catecismo Menor
sem nenhuma polêmica e os dois catecismos sem terminologia teológica
erudita. Colocou diante do povo o essencial: a justificação pela fé e a vida
cristã de acordo com a teologia bíblica. Lutero escreveu a CapitoS8a 9 de
julho de 1537 que reconhece como seus livros talvez realmente apenas
.~~
os dois catecismos
dois: De sento arbitrio e o C a t e c i ~ m o Certamente
são a maior dádiva de Lutero ao mundo.
5J
Cm E 26-29. Os catecismos da IELB preferem o "Oficio das Chaves".
Johann Lang (1487-1 548) era amigo de Lutero que introduziu uma nova ordem de culto em
Erfurt em 1525.
55
56
FC, Ep., Suma,S; FC, DS, Suma,8.
57 Joh. Sauermann era amigo de Lutero. Deu ao Cm traduzido o titulo de Parvus catechismus
pro pueris in schola.
Wolfgang Fabricius Capito (1478-1 541). Bente, 91.
59
Bente, 9 1. WA, Brietwechsel8,99.
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
21 3
214
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
O Catecismo da Igreja Católica:
uma apreciaçao
Horst Kuchenbecker
O Novo Catecismo da Igreja Católica, lançado com grande publicidade no dia 1 1 de novembro de 1992, edição brasileira em 1993, recebeu
muitos elogios, inclusive da parte de igrejas evangélicas. Desde o lançamento, milhares de cópias, em vários idiomas, foram e estão sendo vendidas
em todo o mundo.
Isto nos levou a examinar, também, este novo Catecismo. E foi sem
grandes surpresas. A Igreja Católica continua a negar as principais doutrinas cristãs. Ela nega ser a Bíblia a única norma para a fé e a vida, a graça
de Cristo como único meio de salvação e outras doutrinas fundamentais.
Vejamos:
1. A Bíblia
1.1. O que diz o Catecismo Católico sobre a Bíblia?
- Catecismo Católico: A igreja ... não deriva a sua certeza a respeito
de tudo o que foi revelado somente da Sagrada Escritura. Por isso, ambos
(tradição e Escritura) devem ser aceitos e venerados com igual sentimento
de piedade e reverência ( 5 82). Todavia, a fé cristã não é uma religião do
Livro ( 5 108).
- Disto concluímos que a Igreja Católica ensina que a Bíblia e a
tradição humana são as fontes para a orientação em matéria de fé e de vida
cristã.
- Firmados na Bíblia, nós luteranos cremos e ensinamos que a
Bíblia é a única autoridade e norma para a fé e vida. "Toda a Escritura é
inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a
correção, para a educação na justiça" ( 2 Tm 3.1 6). "Eu, a todo aquele
que ouve as palavras da profecia deste livro, testifico: Se alguém lhe
flzer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará os flagelos escritos
Rev. Horst Kuchenbecker é pastor na Comunidade Evangélica Luterana
Cristo de Porto Alegre, RS,
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
215
neste livro; e se alguém tirar qualquer cousa das palavras do livro
desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, da cidade
santa, e das cousas que se acham escritas neste livro" (Ap 22.1 8,19).
1.2. O que diz o Catecismo Católico sobre quem tem o direito de
interpretar a Bíblia?
- Catecismo Católico: O ofício de interpretar autenticamente a palavra de Deus escrita ou transmitida foi confiada unicamente ao magistério
vivo da Igreja, cuja autoridade se exerce em nome de Jesus Cristo, isto é,
aos bispos em comunhão com o sucessor de Pedro, o bispo Kotnano (§ 85).
É dever do exegeta esforçar-se, dentro destas diretrizes, por entender e
expor com maior aprofundamento o sentido da Sagrada Escritura, a fim de
que, por seu trabalho, como que preparatório, amadureça o julgamento da
igreja. Pois todas estas cousas que concernem a maneira de interpretar a
Escritura estão sujeitas em última instância ao juízo da igreja, que exerce o
divino mandato do ministério de guardar e interpretar a palavra de Deus.
- Disto concluímos que a Igreja Católica atribui o direito último de
interpretar a Bíblia unicamente ao Papa.
-Firmados na Bíblia, nós luteranos cremos e ensinamos que todo o
cristão tem o direito de ler a Bíblia. Pois a Bíblia se interpreta a si mesma. A
Bíblia afirma: "Habite ricamente em vós a palavra de Deus " (C1 3.16).
"Lâmpada para os meus pés é a tua palavra " (SI 1 19.105).
1.3. O que ensina o Catecismo Católico sobre a inspiração da
Bíblia?
- Catecismo Católico: Os livros inspirados ensinam a verdade. "Portanto, já que tudo o que os autores inspirados ou os hagiógrafos afirmam,
deve ser tido como afirmado pelo Espírito Santo, deve-se professar que os
livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro a verdade
que Deus em vista da nossa salvação quis fosse consignada nas Sagradas
Escrituras ($ 107). A Escritura apresenta a obra do Criador simbolicamente
como uma seqüência de seis dias "de trabalho" divino que terminam com o
"descanso" no sétimo dia. O texto sagrado ensina a respeito da criação
verdades reveladas por Deus para a nossa salvação que permitem "reconhecer'' a natureza profunda da criação, seu valor e sua finalidade que é a
glória de Deus ( 5 33 7).
- Disto concluímos que a Igreja Católica afirma que a Escritura é só
inspirada no que se refere aos textos específicos para a salvação; outros
textos, como o relato da criação, dão um ensino generalizado mas não po216
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
dem ser tomados ao pé da letra.
-Firmados na Biblia, nós luteranos cremos e ensinamos que toda a
Escritura é inspirada por Deus, inerrante e infalível. "Toda a Escritura é
inspirada por Deus " (2 Tm 3.16). "Homens falaram da parte de Deus,
movidos pelo Espírito Santo " (2 Pe 1.20). "Falamos, não em palavras
ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito, conferindo cousas espirituais com espirituais " (1 Co 2.13).
2. Da salvação
2.1. O que ensina o Calecismo Católico sobre qtfenz e como alguém é salvo?
-Catecismo Católico: O plano da salvação abrange também aqueles
que reconhecem o Criador. Entre eles, em primeiro lugar, os muçulmanos,
que professam manter a fé de Abraão, adoram conosco o Deus único, misericordioso, juiz dos homens no último dia (5 841). Todos os sinceros pagãos são salvos. Aqueles, portanto, que sem culpa ignoram o Evangelho de
Cristo e sua igreja, mas buscam a Deus com coração sincero e tentam, sob
o influxo da graça, cumprir por obras a sua vontade conhecida através do
ditame da consciência, podem conseguir a salvação eterna (9 847).
- Disto concluímos que a Igreja Católica ensina no seu espírito
universalista que também os pagãos são salvos por suas obras.
- Firmados na Biblia, nós luteranos cremos e ensinamos que fora
da graça de Cristo não há salvação. "E não há salvação em nenhum
outro, porque debaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado
entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos" (At 4.12).
2.2. O que ensina o Catecismo Católico sobre a salvação propriamente dita?
- Catecismo Católico: Como a iniciativa pertence a Deus na ordem
da graça, ninguém pode merecer a graça primeira, na origem da conversão,
do perdão e da justificação. Sob a moção do Espírito Santo e da caridade,
podemos em seguida merecer por nós mesmos e para os outros as graças
úteis para a nossa santificação ... e também para ganhar a vida eterna. Os
próprios bens temporais, como a saúde, a amizade, podem ser merecidos
segundo a sabedoria divina (5 2010). O mérito do homem diante de Deus,
na vida cristã, provém do fato de que Deus livremente determinou associar
o homem a obra de sua graça (5 2008).
- Disto concluímos que a Igreja Católica ensina que somos salvos
não somente pela graça, mas por graça e pelas obras. Deus faz o começo e
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
21 7
nós completamos a obra.
- Firmados na Biblia, nós luteranos cremos e ensinamos que o
homem é justificado pela fé na graça de Cristo, independente das obras da
lei. "Concluimos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei" (Rm 3.28).
2.3. O que ensina a Igreja Católica precisamente sobre a justijcação do pecador?
-Catecismo Católico: A graça do Espírito Santo tem o poder de nos
justificar, isto é, purificar-nos dos nossos pecados e conquistar-nos "a justiça de Deus pela fé em Cristo" (Rm 3.22) e pelo batismo (fj 1987). A justificação nos foi merecida pela paixão de Cristo, que se ofereceu na cruz
como hóstia viva, santa e agradável a Deus, e cujo sangue se tornou instrumento de propiciação pelos pecados de toda a humanidade. A justificação é
concedida pelo batismo, sacramento da fé. Torna-nos conformes a justiça
de Deus, que nos faz interiormente justos pelo poder de sua misericórdia.
Tem como alvo a glória de Deus e de Cristo, e o dom da vida eterna (fj
1992). O Espírito Santo é o mestre interior. Gerando o homem interior (Rm
7.22; Ef 3.16), a justificação implica santificação de todo o ser (fj 1995).
- Disto concluímos que a Igreja Católica ensina que pelo batismo
recebemos a graça inicial que nos purifica internamente e, então, nos cabe
trabalhar para completar a justificação.
- Firmados na Bíblia, nós luteranos cremos e ensinamos que o
homem é declarado justo (um ato forense de Deus), não devido a seus
méritos, mas pelos méritos de Cristo que pagou toda a culpa da humanidade
por um único sacrifício. E os pecados que ocorrem após o batismo, Deus
perdoa abundante e diariamente aos que crêem em Cristo. "Justzficados,
pois, mediante a fé, temos paz com Deus, por meio de nosso Senhor
Jesus Cristo" (Rm 5.1). "Jesus, porém, tendo oferecido, para sempre,
um único sacrzfício pelos pecados, assentou-se à destra de Deus" (Hb
10.12). As obras são frutos da fé para glorificar a Deus.
3. O homem
3. I . O que ensina a Igreja Católica sobre a natureza do homem,
o pecado original?
- Catecismo Católico: Embora próprio a cada um, o pecado original
não tem, em nenhum descendente de Adão, um caráter de falta pessoal. É
a privação da santidade e da justiça original, mas a natureza humana não é
totalmente corrompida, ela é lesada nas suas próprias forças naturais, sub218
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
metida a ignorância, ao sofrimento e ao império da morte, e inclinada ao
pecado (esta propensão ao mal é chamada: "concupiscência". (9 405). A
doutrina da Igreja ... adquiriu precisão sobre tudo no século V... e no século
XVI, em oposição a Reforma protestante ... que ensinava que o homem
estava radicalmente pervertido e sua liberdade anulada pelo pecado original, identificavam o pecado herdado por cada homem como a tendência ao
mal ("concupiscência") que seria insuperável (3 406).
-Disto concluímos que a Igreja Católica ensina que o pecado original
não é a completa corrupção da natureza humana, mas só uma lesão. O
homem possui ainda o livre arbítrio.
- Firmrirlos rza Bíblia, nós luteranos cremos e ensinamos que o
pecado original é o pecado que herdamos de Adão, isto é, a completa
corrupção de toda a natureza humana, privada da justiça original, inclinada
para todo o mal e sujeita a condenação. "Éramos por naturezafilhos da
ira, como também os demais" (Ef 2.3). "O que é nascido da carne é
carne, e o que é nascido do Espírito, é espírito " (Jo 3.6).
3.2. O que a Igreja Católica ensina sobre o batismo?
-Catecismo Católico: A graça de Cristo é um dom gratuito que Deus
nos faz de sua vida infundida pelo Espírito Santo em nossa alma, para curála e santificá-la, trata-se da graça santificante ou deificante, recebida no
batismo. Em nós ela é a fonte de obra santificadora (9 1999).
-Disto concluímos que a Igreja Católica ensina que no batismo Deus
nos dá a graça, o perdão do pecado original. E uma vez santificados pela
graça inicial, temos a capacidade de trabalhar a nossa justificação diante de
Deus. Em outras palavras, os pecados cometidos após o batismo, nós precisamos pagar.
- Firmados na Bíblia, nós luteranos cremos e ensinamos que no batismo Deus vem a nós, nos oferece, dá e sela o completo perdão dos pecados,
gera a fé e nos recebe como filhos de Deus. Gera em nós o novo homem, a
nova vida. A imagem divina é parcialmente restituída. Mas ainda permanece
a nossa natureza carnal que não muda e que é fonte permanente de pecados.
E, enquanto estivermos na fé, Deus nos perdoa abundante e diariamente os
nossos pecados. "O batismo, agora, também vos salva" ( 1 Pe 3.21). "Cristo
amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela, para que a santijkasse,
tendo-a puriJicado por meio da lavagem de água pela palavra" (Ef
6.25,26). "Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita
bem nenhum, pois o querer o bem está em mim, não, porém, o efetuá-lo...
Mas, se eu faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, e sim o
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
219
pecado que habita em mim " (Rrn 7.1 8,20).
Conclusão
O Novo Catecismo Católico nega as doutrinas centrais do cristianismo sobre a Bíblia, o homem, a obra de Cristo, a fé cristã e a santificação. A
Igreja Católica não mudou sua doutrina denunciada pela Reforma Luterana.
O nosso Catecismo Menor, escrito pelo Dr. Martinho Lutero e exposto pelo
Dr. Schwan, ainda é nosso melhor manual de exposição da Bíblia e ao mesmo tempo um excelente manual para líderes e evangelistas.
220
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
Leitura da Epístola - Trienal C
PRIMEIRO DOMINGO NO ADVENTO
30 de novembro de 1997
1 Tessalonicenses 3.9-1 3
Leituras do dia
O Salmo 25.1-9 é uma oração que pede a Deus que se lembre "das
tuas misericórdias e das tuas bondades, que são desde a eternidade" (v.6). O
salmista apela para as promessas de Deus, esperando o advento da salvação.
O texto de Jeremias 33.14-1 6 fala da certeza da vinda do "Renovo" de
Davi, o Messias, que levará a Jerusalém o titulo de "Senhor, justiça nossa".
O evangelho em Lucas 21.25-36 conclama o povo para que vigie
para poder estar "em pé na presença do Filho do homem" (v.36) no seu
advento final. A segunda opção do evangelho em Lucas 19.28-4.0 fala do
advento de Jesus na sua entrada triunfal em Jerusalém.
A epístola em 1 Tessalonicenses 3.9-12 é uma oração de Paulo em
que lembra o seu desejo de ir ver os cristãos de Tessalônica para confirmá10s para o advento final "na vinda de nosso Senhor Jesus, com todos os seus
santos" (v. 13).
Contexto
Se a epístola aos Gálatas não for aceita como escrita em 48-49 A.D.,
esta primeira epístola aos Tessalonicenses é a primeira carta canônica do
apóstolo Paulo, certamente escrita em 51 A.D., de Corinto. Paulo havia
estado em Tessalônica, mas sofreu perseguição, como o povo cristão lá
continuava a sofrer. Enviou Timóteo para encorajar os Tessalonicenses a
ficarem firmes, mesmo debaixo de ataques dos judeus. Timóteo voltou com
notícias a Corinto, onde Paulo escreve a carta. Consola os cristãos com a
vinda final de Cristo em que, se não antes, ele os vai "livrar" (1.1 O), "salvar"
(5.9), "coroar" (2.19), "confirmar" (3.13), "ressuscitar" (4.16) e "santificar" (5.23).
Texto
Paulo introduz os motivos de sua oração no v. 9:
- o trabalho evangelístico de Paulo e Timóteo se mostrou eficiente
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
221
em Tessalônica;
- os cristãos continuavam firmes no Senhor, apesar das tribulações;
- Paulo não se gloria a si mesmo, mas sabe que está "diante do nosso
Deus" que está realizando este milagre.
No v. 10 Paulo fala de sua oração intensiva (noite e dia). Manifesta o
seu firme propósito de ir ver os cristãos para ainda "reparar as deficiências
da vossa fé". Claro que não fala da fé como meio da salvação @des direcru),
mas da fé como agente da vida cristã @des reflexa). A vida cristã sempre
ainda possui "deficiências", especialmente em tempos de perseguição. O
cristão é sempre perseguido pelo mal. Mas este já foi vencido por Jesus na
cruz.
As "deficiências" em Tessalônica foram de caráter prático. De um
lado eram problemas de ordem ética (4.1-12) e de disciplina cristã (5.1224), e de outro lado eram problemas doutrinários, como a respeito da confusão em torno da segunda vinda de Cristo (4.13-5.1 1).
No v. 11 inicia a oração de Paulo. Paulo costuma fazer isso de interromper a carta para fazer uma oração (Ef 1.15-23; 3.14-2 1 ; Fp 1.9- 1 1 ; C1
1.9- 12). A menção do Pai e do Filho introduz a ação do Espírito Santo, como
faz no início da carta (1. I), onde deseja "graça e paz". Aqui ora por "direção" certa para alcançar os resultados mencionados no v. 12.
O v. 12 acentua que "o Senhor" precisa efetuar os resultados esperados em Tessalônica. Nas cartas de Paulo "o Senhor" é geralmente o Filho
"Jesus, nosso Senhor", que é o mesmo Yahwe do Antigo Testamento, em
unidade com o Pai e o Espírito Santo. Para resolver as deficiências é necessário crescer em amor "uns para com os outros e para com todos", bem
como de Paulo "para convosco". Paulo sabe que a tarefa de corrigir deficiências não é fácil: precisa do amor que vem de Cristo.
No v. 13 Paulo expressa o objetivo final da sua oração: para que seus
corações sejam "confirmados em santidade", agora e para sempre. A santidade sempre é alheia, atribuída aos cristãos pela fidelidade e santidade de
Jesus Cristo através do dom da fé.
Esta fé é confirmada pela mensagem do evangelho no qual o Espírito
Santo age para garantir a fé nos cristãos e, com isso, o perdão e a santidade
atribuída. Com esta santidade ficarão "isentos de culpa, na presença de
nosso Deus e Pai".
Mas há uma santidade de vida pela qual o cristão precisa lutar: a
santificação cada vez maior de seus pensamentos e atos em favor do próximo. Essa luta é contínua, até o último dia.
Na "vinda de nosso Senhor Jesus, com todos os seus santos" é o
222
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
último dia. Essa vinda será na companhia dos seus santos anjos, mas também com a presença de todos os seus santos no mundo, os cristãos. Por isso
todo advento de Cristo é tão consolador.
Proposta homilética
A introdução pode falar da oração como preparo para o Advento. A
oração dominical inclui a petição "Venha o teu Reino". Lutero explica que o
Reino vem, na verdade, por si mesmo, mas pedimos que venha a nós também. Isto é, que o reinar de Deus inicie e continue dentro de nós e para fora,
até o último dia.
O tema poderia ser:
A vinda de nosso Senhor Jesus
1. A vinda em carne. - Seu nascimento e vida para nos salvar. A
importância da nossa salvação. O amor de Deus Pai, fazendo seu Filho
participar na carne, sofrer e morrer.
2. A vinda na Palavra. - Sua presença contínua na pregação e na
Santa Ceia. Sua presença no Espírito Santo pela fé. A importância para
nosso consolo e para nossa vida de amor ao próximo.
3. A vinda na glória. - A grande expectativa de Advento. Nós estaremos lá.
Dr.Martim C. Warth
Canoas, RS
SEGUNDO DOMINGO NO ADVENTO
07 de dezembro de 1997
Filipenses 1.3-11
Contexto
1. Contexto litúrgico: as leituras do dia nos apresentam promessas
e certeza de novos tempos, próprios desta época de Advento:
SI 126 - Deus restaura a situação do seu povo, após tempos difíceis,
e os alegra, na certeza de que "depois da tempestade vem o sol".
MI 3.1-4 - O mensageiro enviado por Deus preparará o povo para
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
223
receber o Messias.
Fp 1.3-1 1 - Paulo dá graças pela situação atual dos filipenses, ora
pelo seu progresso, e confia que Deus os há de guardar firmes "para o dia
de Cristo Jesus". O período de Advento olha para o primeiro advento de
Cristo e prepara para o segundo advento.
Lc 3.1-6 - Novos tempos estão começando: pela proclamação da
Palavra do Senhor "todos verão a salvação de nosso Deus".
2. Contexto histórico: Filipos (At 16.11-40) viu Paulo e Silas serem
açoitados e presos. Apesar disto, "cantavam louvores a Deus e oravam" na
prisão. Esta alegria do apóstolo transparece por toda a carta aos filipenses,
escrita de uma outra prisão, em Roma. Havia recebido donativos dos
filipenses, através do enviado especial Epafrodito (4.18), e também notícias
do andamento da igreja em Filipos. Aborda os assuntos noticiados e anima
os irmãos através desta carta.
3. Contexto imediato: Após a saudação (v. 1,2) e antes de tratar os
assuntos próprios da carta: a situação particular de Paulo, encorajamento e
admoestações, o apóstolo expressa sua gratidão a Deus pela situação dos
filipenses e ora para que continuem assim e progridam cada vez mais, em
face do "dia de Cristo Jesus".
Texto
V.3 - "Dou graças ..." Uma forma comum de Paulo em suas cartas.
Cf.Rrn 1.8; 1 Co 1.4;Cl 1.3; 1 Ts 1.2;2Ts 1.3;2Tm 1.3; F m 4 . - C o m o é
bom quando um pastor dá graças a Deus pela sua comunidade. Mesmo
havendo problemas, sempre há motivo de ação de graças. E a comunidade
precisa saber disto!
V.4 - "súplicas por todos vós ..." Não apenas agradecimentos, mas
também intercessões em favor dos irmãos! - Todos pastores se preocupam
com as situações anormais em suas comunidades; todos oram em favor
destas situações? em favor das pessoas envolvidas?
- "com alegria..." O tema contínuo nesta carta: 1.8; 2.2,17,18,28,29;
3.1;4.1,4,10.
V.5 - "cooperação no evangelho ..." participação, comunhão. O apóstolo não está sozinho na divulgação do Evangelho. O que eles haviam acolhido na fé também repartiam. Caso contrário acontecia na Galácia: G1 1.6:
"Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou
na graça de Cristo, para outro evangelho."
V.6 - "aquele que começou ... há de completar..." A certeza da salvação não está baseada em nós, mas na graça de Deus. Ele é fiel. Ele nos
224
IGREJA LUTERANA - NÚMERO2 - 1997
"chama, ilumina, congrega, conserva7'(Explicação do 3" artigo do Credo).
Esta certeza do apóstolo é consoladora para nós em face do fim de todas as
coisas. - Fp 2.13; 1 Co 1.6-8; 1 Ts 5.24.
Vv. 7,8 - "vos trago no coração ..." Uma declaração de amor do apóstolo; e a importância de serem participantes da mesma graça, pois isto fortalece o apóstolo na sua situação de prisioneiro.
V. 9 - "que o vosso amor aumente ..." Mais um motivo de oração
expresso pelo apóstolo. Não podemos parar, não podemos ficar estacionados em nossa fé e vida cristã. O progresso continuo se faz necessário.
c<
Amor - conhecimento - percepção".
Vv.10,11 - '-inculpáveis para o dia de Cristo..." O apóstolo retoma o
pensamento do v. 6. Sua preocupação é com a salvação final dos filipenses.
-Ninguém é inculpável por força própria, mas somente pela graça de Deus
em Cristo ficamos livres da culpa e do castigo. Fp 2.13-1 6; 1 Ts 3.11-13;
5.23: Jd 24. Esta certeza deve ser ressaltada no Advento!
Proposta homilética
Tema: A Boa Obra de Deus em nós visando ao dia de Cristo Jesus.
Objetivo: Fortalecer nos ouvintes a certeza da salvação pela graça
de Cristo, em face da volta de Cristo.
Dificuldades para atingir o objetivo:
- O pavor natural diante do fim de todas as coisas.
- Procura-se ignorar o fim.
- O medo do Deus-Juiz (cf. Lutero jovem: Só via Cristo com uma
espada na mão para condenar!).
- Incerteza pessoal devido a fraquezas humanas.
- O pouco conhecimento do amor de Deus.
A solução de Deus:
- Deus garante a nossa salvação por Cristo!
- Ele nos chama e ele nos conserva pelos meios da graça!
Introdução: Se dependesse exclusivanlente de nossos filhos pequenos, haveria presentes de Natal? Não! Eles não têm como comprar, como
providenciar um presente, uma festa. Mas eles têm certeza de que haverá
Natal para eles! Com poucos ou muitos presentes, mas haverá Natal! Eles
sabem e confiam que os pais no vão deixar a data passar em brancas nuvens!
Esta certeza Paulo nos quer dar com respeito a segunda vinda de
Jesus: Jesus voltará e isto vai ser muito bom para nós! Não que dependa de
nós o "dia de Cristo Jesus" e o presente da salvação; mas depende exclusiIGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
225
vamente da graça de nosso Pai celeste. Ele prometeu, ele quer o nossc
bem, ele quer a nossa alegria, e ele o fará. Podemos confiar!
I - Deus começou boa obra em nós.
Ele nos chamou e congregou pelo Evangelho.
(v.5; cf. explicação do 3" artigo do Credo.)
I1 - Deus continua a boa obra em nós. w.3,4,9. Ele nos dá pastore:
que se preocupam conosco, oram por nós e pregam o Evangelho.
I11 - Deus completa a boa obra em nós para o dia de Cristo Jesus.
vv.1 O,] 1. Ele nos mantêm inculpáveis (sem culpa, perdoados).
Concltrsão: Advento: Certeza para quem olha para trás (v.3) e
Certeza para quem olha para a frente (v. 1 1).
Carlos Walter Winterle
Porto Alegre, RS
TERCEIRO DOMINGO NO ADVENTO
14 de dezembro de 1997
Filipenses 4.4-7 (8-9)
Contexto
Alegria é uma das marcas da carta do apóstolo Paulo aos filipenses
Mesmo num mundo hostil e diante de adversidades e provações, o povo dt
Deus é alegre. Os problemas, as perseguições e tentações não podem des.
truir a alegria.
O apóstolo encontra-se na prisão (1.7,13). As ameaças de morte sãc
reais, mas ele não desespera. Entende que sua situação contribui para c
progresso do evangelho (1.12). A certeza da vitória, em Cristo, tanto nz
vida como na morte, traz alegria ao seu coração. A expectativa da pátriz
celestial (3.20-21) o consola e encoraja. Ele é um homem experiente nz
vida em comunhão com Cristo, o que lhe dá condições de afirmar: "aprend
a viver contente em toda e qualquer situação" (4.11).
Paulo fala em "alegria no Senhor" (3.1 e 4.4); mas fala também dl
alegria com os irmãos epor causa dos irmãos (1.4, 2.2 e 4.1) e, finalmen.
te, estimula os irmãos a serem alegres no Senhor.
"Alegrai-vos no Senhor" aparece pela primeira vez em 3.1. N2
seqüência do capítulo 3, o apóstolo mostra que o "alegrar-se no Senhor'
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IGREJA LUTERANA - NÚMERO2 - 1997
está intimamente ligado com a "sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus" (3.8). Conhecer Cristo e seu grande amor, confiar nele e não nos próprios méritos, traz alegria. Viver unido com Cristo proporciona alegria.
O desejo de Paulo é que os filipenses tenham esta alegria no Senhor,
mesmo perseguidos ou hostilizados pelo mundo. Ele quer ajudá-los a progredir e a ter alegria na fé (1.25).
Mas a epístola também destaca a alegria do apóstolo coni os irmãos
e por causa dos irnzüos. Ter irmãos na fé, estar com eles, ser confortado
e socorrido por eles, é motivo de grande alegria. Podemos ver isto nos textos que seguem:
Fp 1.3-5 -Toda vez que Paulo ora pelos filipenses, ele ora com alegria, dando a graças a Deus porque estes irmãos cooperaram decididamente com ele na pregação do evangelho.
Fp 2.2 - Ele pede que os filipenses completem sua alegria, sendo
unidos de alma, tendo o mesmo amor e o mesmo sentimento.
Fp 2.28 - Epafrodito havia adoecido gravemente na companhia de
Paulo, o que preocupou muito os irmãos. O apóstolo tem pressa em mandálo de volta, "para que, vendo-o novamente, vos alegreis".
Fp 4.1 - Paulo afirma que os filipenses são sua alegria. Eles o fazem
muito feliz.
Fp 4.10 - O apóstolo expressa a sua alegria no Senhor, porque os
filipenses, mais uma vez, mostraram seu amor pelo apóstolo, mandando-lhe
o de que ele necessitava.
Finalmente, Paulo estimula estes irmãos a se alegrarem sempre no
Senhor. Ele ora para que Deus lhes dê muita alegria. Que eles andem na
companhia do Senhor. Que não se deixem amedrontar pelos inimigos e adversários, lembrando que a pátria do povo de Deus está nos céus (Fp 3.20).
Afinal, alegria também é uma marca na vida do povo de Deus, que serve a
Deus.
Especificamente no capítulo 4, onde estão as palavras do texto base,
Paulo pede que Evódia e Sínteque façam as pazes. O desentendimento, a
briga e a inveja espantam a alegria e prejudicam o serviço do povo de
Deus (v.2). É momento de todos, unidos, cooperarem no serviço a favor do
evangelho. Seus outros dois pedidos são: "Seja a vossa moderação conhecida de todos os homens" (v.5) e "não andeis ansiosos" (v.6).
Texto
V. 4 - Chairo, "estar alegre", "regozijar-se" ocorre 74 vezes no
Novo Testamento e chara "alegria" aparece 59 vezes. No livro de filipenses
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
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esta palavra (verbo ou substantivo) aparece 14 vezes. A chave para entender a exortação do apóstolo está na palavra "no Senhor". A fé dos filipenses
"no Senhor" torna a alegria real, mesmo em tempo de dificuldades e perseguições. Certo comentarista bíblico, chamado Bonnard, comentando o texto, diz que "os apelos de Paulo à alegria nunca são meros encorajamentos;
eles atiram as igrejas desanimadas de volta ao seu Senhor; estes apelos são,
acima de tudo, apelos à fé".
V. 5 - To epieikes, "moderação", é uma disposição amável e honesta
para com outras pessoas. A capacidade de suportar injustiças sem ódio ou
maldade, confiando em Deus. É como se o apóstolo dissesse: Sejam benignos, não fiquem irritados ou ansiosos demais. O Senhor vai defender vossa
causa -perto está o Senhor. Em 1.29 Paulo lembra que aos cristãos também "foi concedida a graça de padecer por Cristo, e não somente de crer
nele".
V. 6 - A palavra principal deste versículo é merimna, "ansiedade,
cuidado", ou merimnaõ "preocupar-se, ser ansioso". Pode significar "cuidado" no sentido de medo ansioso, como também "cuidar de", de algo ou
alguém. Em 2 Co 1.28, por exemplo, Paulo diz que é sua tarefa cuidar da
igreja. Aqui, no versículo 6, o apóstolo exorta os filipenses a que não andem
ansiosos. Que não fiquem sobrecarregados de preocupações por causa das
provações e das ameaças do mundo, porque "perto está o Senhor" (v.5).
O inverso de andar ansioso é viver em comunhão com Cristo, viver
unido com Cristo, podendo apresentar diante dele todas as orações e súplicas, porque "perto está o Senhor" (v.5). Esta certeza da presença e companhia de Cristo aqui no mundo, bem como a certeza da pátria celestial,
alegram e encorajam a vida do povo de Deus e dissipam a ansiedade.
E as súplicas sempre subirão ao trono celestial acompanhadas de
ações de graça. Na ação de graças lembramos das misericórdias de Deus
no passado, algo bem distinto da preocupação ansiosa pelo futuro. Quem
olha para o passado e dá graças a Deus, também olhará mais confiante para
o futuro.
V. 7 - Tenho a impressão de que "a paz de Deus" contrasta com a
"ansiedade humana". A paz de Deus pode mais do que a ansiedade humana, pode mais do que todo o esforço humano. A paz de Deus tem uma
implicação do poder salvador e preservador de Deus. O verbophrouresei,
"guardará", é um termo militar, representando os soldados em guarda. O
verbo demonstra que o apóstolo está pensando na segurança da igreja e de
seus membros, num ambiente hostil, cercada de inimigos. Portanto, a paz de
Deus é de tal ordem que ela faz mais do que os pensamentos humanos
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IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
podem planejar ou executar.
E esta guarda, esta defesa estão "em Cristo". No corpo de Cristo,
unidos com Cristo, estamos seguros, aqui no mundo, bem como na pátria
celestial. Nesta certeza o apóstolo pode dizer: "Porquanto, para mim o viver
é Cristo e o morrer é lucro" (1.21). E, se a perseguição levar a morte, o
Senhor Jesus "transformará o nosso corpo de humilhação, para ser igual ao
corpo da sua glória" (3.21).
Sem dúvida, a alegria do povo de Deus se renova neste período
de Advento. A vinda de Cristo no Natal também faz os cristãos olhar para
a volta do Salvador no último e glorioso dia, quando todos os inimigos e
adversários serão colocados debaixo dos seus pés e os salvos reinarão eternamente com Ele.
Proposta homilética
Tema: Alegrai-vos sempre no Senhor!
I - Não fiquem sobrecarregados de preocupações e ansiedades
a) As tentações, provações e ameaças existem;
b) Mas o Senhor está perto;
c) 0 s irmãos na fé estão prontos para ajudar (como ajudaram o
apóstolo).
I1 - Peçam a ajuda do Senhor
a) Não confiem nas vossas próprias soluções;
b) Olhem para a misericórdia de Deus no passado, e dêem graças;
c) Olhem para o futuro com esperança, suplicando o auxílio do Senhor.
111 - A paz de Deus é maior que a ansiedade e esforço humano
a) O Senhor guardará seu povo;
b) Em Cristo está a vitória;
c) Alegrai-vos sempre no Senhor, na sua vinda no Natal e no último
dia!
Reinaldo Martim Ludke
Porto Alegre, RS
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
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QUARTO DOMINGO NO ADVENTO
Hebreus 10.5-10
21 de dezembro de 1997
Contexto
O livro de Hebreus veio a constituir-se numa das mais importantes
peças do quebra-cabeças que é a relação entre o Antigo e o Novo Testamento.
Para muitas pessoas do nosso tempo essa relação ainda não é bem
clara, mesmo já conhecendo bem os dois lados da moeda. O que dizer das
pessoas que receberam esta carta, que estavam tão ligadas ao Antigo Testamento e que se defrontavam com algo tão novo e, aparentemente, tão
contraditório ao que até então tinham aprendido e assimilado?
A carta aos Hebreus serve para dar significado a todo o ministério de
Jesus, não como algo novo ou contraditório ao Antigo Testamento, mas
como algo que veio dar significado a tudo o que se fazia até então. Isto,
especialmente, no que dizia respeito às cerimônias sacrificiais. Estas, em
certo momento da vida religiosa do povo de Israel, passaram a ser um fim
em si mesmas, desconectadas da sua relação com a obra do Messias prometido. Este é o fato que explica a forte re ação de Deus contra o modo
como as coisas eram oferecidas a Ele. Veja as palavras do SI 40.6 : "Sacrifícios e ofertas não quiseste". Como não querer algo que Ele mesmo tinha
ordenado? A questão não era o que se lhe estava sendo oferecido, mas o
como.
Não é difícil de imaginar o impacto que tal relação dos fatos teve na
vida dos leitores desta carta diante de uma tão grande multidão de fatos,
evidências e relações estabelecidas pelo escritor, que demonstram um conhecimento tão grande do Antigo e do Novo Testamento que só poderia ter
sido revelado pelo Espírito Santo.
Texto
Vv.5-9 - Neste versiculo estão sendo citadas as palavras do Salmo
40.6-8 como argumento confirmado que os sacrifícios e ofertas nada são por
si. O seu valor somente existe na medida que servem como "sombra das
coisas que haviam de vir" (C1 2.16). É como a moeda de um país que só tem
valor na medida que possui um lastro de ouro que suporta sua valorização.
Sobre todos os aspectos se sobressai a superioridade de Cristo diante
dos sacrifícios do Antigo Testamento os quais, ano após ano precisavam ser
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IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
novamente oferecidos. Isto demonstrava a sua transitoriedade a espera de
algo permanente. Como sombra, deixaram de ser importantes quando o
verdadeiro sacrifício foi oferecido uma vez por todas (Hb 10.9b; Hb 7.27).
Isto foi demonstrado como da vontade de Deus quando o véu do santuário
foi rasgado de alto abaixo após a morte de Jesus (Lc 23.45).
Devemos destacar a expressão "corpo me formaste", diferente do
Salmo 40.6: "Abriste os meus ouvidos". A primeira expressão dá destaque
a encarnação do Filho de Deus que, como "corpo", podia também oferecer
algo que os sacrifícios não podiam, isto é, obediência ("Eis-me aqui para
fazer, ó Deus, a tua vontade - v. 7). A segunda expressão destaca que
Jesus não se ofereceu motivado por alguma imposição do Pai, mas de livre
e espontânea vontade (Jo 3.16).
V. 10 -A vontade de Deus cumprida por Jesus em sua vida corporal
se torna a nossa santificação. Aqui podemos entender a oferta de Jesus
como aquela que nos torna total e completamente santos e inculpáveis diante de Deus. Isto não é algo a ser conquistado por nós através de boas ações,
porque a vontade de Deus não poderá nunca ser cumprida por nós totalmente, mesmo que nos transformemos em boas ações. Esta oferta, por
outro lado, também não se omite a respeito disso porque é ela que nos
motiva para uma vida santificada, esta sim, ainda imperfeita por causa da
carne.
Sugestão hornilética
Introdução: Neste período podemos ver como algo tão especial e
significativo como o Natal, o nascimento de Cristo, pode ter o seu significado desvirtuado.
Ligação com o texto: Foi bem isto que aconteceu em determinado
momento da história do povo de Israel quando se deixou levar pelo
formalismo dos rituais sacrificiais e se esqueceu do seu verdadeiro significado e relação com Cristo.
Aplicação para a congregação: Ninguém de nós está livre de tentar viver uma vida religiosa sem Cristo. Isto acontece quando achamos que
determinada prática como orar, ir a igreja, participar de departamentos, auxiliar obras de caridade, ofertar regularmente, etc., tem algum poder por si
só. Tudo isto só tem valor conectado c o n ~Jesus, como demonstração da fé
em Cristo.
Na manjedoura vemos o esforço de Jesus de se tornar gente para
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
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assumir as nossas culpas e pecados e se colocar diante de Deus como oferta
agradável. Nada pode se comparar a isto, nem toda a piedade humana.
Incentivo aprática: Que esta mensagem do Natal nos traga a alegria que os anjos anunciaram na certeza de ter vindo ao mundo Aquele que
agradou a Deus por nós e pelo amor de quem nós agora queremos ofertar a
nossa vida.
Luis A. dos Suntos
Yorlo Alegre, R S
NASCIMENTO DE NOSSO SENHOR
25 de dezembro de 1997
Tito 3.4-7
Contexto
Esta carta, endereçada originalmente a um bispo cretense, parece
ser a mais antiga das três epístolas pastorais (apesar de que a crítica a situe
num período pós-paulino), e sua dinâmica tem semelhanças com as cartas a
Timóteo: o apóstolo indica regras práticas para a vida da comunidade cristã,
e exorta a luta contra o erro. Esta carta é "um modelo de doutrina cristã, no
qual está incluído tudo o que é necessário para um cristão saber e viver"
(Lutero). Sem que isto coloque em dúvida a sua autenticidade, é provável
que nosso texto seja uma citação incluída aqui pelo apóstolo, oriunda do
patrimônio litúrgico da igreja apostólica. Supõe-se serem os vv.4-7 parte de
um hino de louvor, em que a comunidade, na primeira pessoa do plural, louva
o Senhor pela graça batismal recebida (cf. J. Jeremias). O tema do batismo
é evidente aqui, pois é somente por meio da graça divina, regeneradora, que
as condições de vida humana podem realmente mudar para melhor (hína
j-ontizosin kalon ergonproistastai, v.8, "sejam solícitos na prática de boas
obras", cf. o v. 14). Veja o que melhorar: 2.1 -6,8,10,12; 3.1-3: onde há calúnia, difamação e alcoolismo, onde o matrimônio é profanado ou simplesmente menosprezado em prol da "liberdade" ou "emancipação" do homem
ou da mulher (cf. também Rm 1.26,27), onde não existe confiança entre
patrões e empregados, onde há roubo e corrupção, tanto da parte de "patrões" como da parte de "enipregados" (ou de "eleitos" e "eleitores"), a
vida humana individual e coletiva fica ainda mais aquém do que deveria ser,
232
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
e a graça divina se faz urgente, tanto em Creta, então, como neste Natal
aqui, hoje. Assim, eu diria que a idéia de uma inserção de um hino de louvor
aqui até nos dá reconforto: no meio deste mundo sofrido, o evento que traz
esperança! Sendo batizados no nome de Cristo, participamos do seu nascimento, morte e ressurreição! Cristo nasceu para a glória (1 Tm 3.16. O
caminho da glória passa pela paixão), e nEle, no batismo, nós nascemos
para uma nova vida, pela qual a nossa existência adquire um lado mais
humano: assim como Deus destinou os homens, na criação e em Cristo, a
viverem em comunhão e amor mútuo, sob o Seu reinado. A comunidade
cristã pode cantar louvores ao Deus que se encarna, mesino sendo o inundo
o que ele é, ou justamente por isso! Esse texto nos dá ocasião para meditar
sobre o elo que existe entre o evento da encarnação do Filho e o nosso
batismo (sendo o "Cristo encarnado da pericope" [a característica própria
do evangelho contido na perícope a ser trabalhada] literalmente a encarnação
de Cristo), e o que isso tudo significa para nós e o nosso mundo.
Texto - considerações exegetico-homiléticas
V.4 - Exegetas fazem aqui uma alusão muito oportuna ao evento de
Natal: "o milagre divino, assim canta a comunidade, iniciou-se com o nascimento de Cristo e na sua morte na cruz. Sua vinda estabelece uma mudança na história da humanidade. Pois nele manifestou-se, como uma luz que
brilha na escuridão, a benignidade e o amor de Deus, nosso salvador" (J.
Jeremias). Essa mudança histórica é tanto individual quanto geral, pois ela
intervém em nossa vida atual pelo sacramento do batismo. A expressão
hóte dé ("quando, porém") introduz a mudança inédita que sobreveio com
Cristo. Ela é como um farol que brilha de repente num mar desencadeado e
escuro. Não se deve, porém, esquecer que o nascimento de Jesus recebe
sua luz de evento único e cairótico especialmente a partir da sua ressurreição: o menino que em Belém nasceu introduz a mudança no mundo porque
"foi designado Filho de Deus com poder [...I pela ressurreição dos mortos,
a saber, Jesus" (Rm 1.4). Nesse evento global tornou-se manifesta (epefáne,
cf. também 2.11) a chrestótes ("benignidade") e a$lantropia ("amor para
com os homens"; Lutero: Leutseligkeit, e na revisão d e 1984:
Menschenliebe) de Deus. Esta é a mensage atual do Natal: Deus ama
esse mundo, Deus ama os homens! Esse amor o coloca em movimento, em
direção aos homens para resgatá-los e, na sua comunhão, possível através
do Evangelho e dos sacramentos, oferecer-lhes uma vida nova "no presente
século" (cf. 2.12), e uma esperança verdadeira para o vindouro (v.7: "a
esperança da vida eterna", cf. 2.13). Em Cristo, o presente século e o vinIGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
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douro se entrelaçam. Cristo é a antecipação presente da consumação finz
dos tempos, em que Deus reinará, e onde os que vivem sob seu reinad
conhecerão uma comunhão e paz perfeitas (1s 9.7; Mq 5 . 9 , onde tambér
não mais haverá conflitos entre o indivíduo e a coletividade ("Eis aí está qu
reinará um rei com justiça", 1s 32.1, "e eles habitarão seguros", Mq 5.4).
V.5 -Não há dúvida: o seu movimento salvador em direção ao mun
do é movimento monergístico: a "obra de justiça" é sua, e unicamente su:
Ele gerou (Hb 1.5) e fez nascer (GI 4.4) o Filho, e esse Filho, que nos fc
"dado" (1s 9.6), revelou-se ser, por sua vida, morte e ressurreição (Rr
4.25), "SENHOR JustiçaNossa" (Jr 23.6). Quanto a nós, "não por obras d
justiça praticadas por nós". Nós só nascemos. A vida foi-nos dada. O batis
mo nos fez nascer, regenerados, para um mundo novo. O mundo presentc
quanto a ele, não está separado do nosso maravilhoso destino, mas, aind
sofrendo, aguarda o seu próprio nascimento (Rm 8.19-25) para a nova rea
lidade escatológica. Esta é outra faceta da mensagem de Natal: Deus fez
passo. Deus vem salvar. O homem e o mundo nada podem por si mesmo!
Gemem por causa da própria emancipação do homem (Gn 3). Têm de rece
ber tudo de Deus. Uma das provas mais flagrantes e belas da exclusividad
da graça de Deus para com homens que têm tudo a receber é o fato de qu
ninguém pode batizar-se a si mesmo! (cf. W. Pannenberg). "Não h
renascimento operado por homens" (J. Jeremias). Esse texto nos proclaml
Natal é dom, presente de vida, pois Cristo nasce para nós, é o nosso "sum8
bem" (Hinário Luterano, 13.3). No batismo nós o recebemos: nascemo!
vivemos, morremos e ressuscitamos para o Pai, com Cristo, pelo poder di
Espírito Santo. O que implica isto? Onde homens e mulheres vivem no ba
tismo diariamente, o mundo torna-se mais belo, num sinal antecipativo dl
que está por vir: viver com (o) Cristo (2 Co 5.17) é deixar para trás a
"coisas antigas" e viver para os outros por amor ao Pai.
V.6-7 - O movimento de amor de Deus para com os homens nãi
somente é exclusivo, mas também abundante: pelo advérbioplousíos ("ri
camente") a comunidade cristã canta a grandeza do dom de Deus ness
mundo de pobreza espiritual. O movimento sempre vem dEle: os enriqueci
dos somos nós. "Sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que pela su
pobreza vos tornásseis ricos", 2 Co 8.9. Num mundo em que se fita o ganhi
e o brilho do "metal", mas em que a pobreza e cegueira interior do homen
se manifestam entre outros pela insuportável inegalidade da repartição do
bens de vida, a mensagem da riqueza da graça divina, que apareceu com c
Filho encarnado, não somente traz bem-aventurança e alegria ao coraçãc
dos homens que a aceitam, como também recoloca num balanceamentc
234
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 199'
mais justo certos valores: pois a graça que enriquece, opera a alegria de se
pensar em quem não tem (cf. Os macedônios dos quais Paulo tem a satisfação de dizer: "porque no meio de muita prova e tribulação, manifestaram
abundância de alegria, e a profunda pobreza deles superabundou em grande
riqueza da sua generosidade", etc. Veja 2 Co 8.1-15). Assim, o Natal não
está desvinculado da realidade dura da vida. Antes, aqueles que receberam,
em Cristo, colocar-se-ão por sua vez em movimento em direção ao semelhante para servi-lo. Conscientize o povo que celebra das muitas oportunidades de "servir como povo de Deus", no Natal. O servir e a missão brotam
do culto e do louvor da comunidade que celebra o Deus Conosco (se possível no sacramento da Comunhão neste dia, se não em todos os cultos).
Proposta homilética
Ilustração
"Um pintor notório estava pintando um quadro que representava uma
paisagem de inverno banhada apenas pelos últimos raios de luz de um crepúsculo. Na tela, aparecem algumas silhuetas de árvores cobertas de neve
e gelo, como o chão. Num canto, uma velha casa. Terminada a obra, o
pintor sentiu-se insatisfeito. Pensava: 'sim, eu quis pintar uma paisagem
como a tenho na lembrança, mas não imaginei que ficaria tão tristonha. O
que é que eu poderia acrescentar para que o quadro tenha um toque mais
alegre, sem deixar de ser o mesmo?' Ficou pensando, uns instantes, quando
de repente tomou o pincel, e com uma só cor deu o "toque" que faltava, e
que transformou o quadro desolado: iluminou uma das janelas da velha casa,
com o amarelo. O nascimento de Cristo foi como o acender de uma luz num
mundo cheio de escuridão e desolação ..." (adaptado de A. Almudévar:
Diccionario de anécdotas e ilustraciones biblicas).
Disposição
Tema: Cristo nasceu para nós, e nele nascemos para Deus
1. O evento que mudou a história do mundo: o nascimento e obra de
Jesus
a. O mundo está na escuridão, e geme por dias melhores
b. A luz do amor de Deus para com os homens manifestou-se em
Cristo
2. Deus nos une ao evento que muda nossa história
a. Nós nascemos, Deus nos fez nascer, pelo batismo (obra exclusivamente divina)
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
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b. Na celebração eucarística da comunidade cristã Cristo atualiza em
nós o evento batismal.
3. Em Cristo existe esperança para nós e para o mundo
a. Uma esperança que se manifesta na confiança e na (ad)oração
b. Uma esperança que se manifesta na prática do amor cristão neste
mundo sofrido, por amor ao Pai.
Manfred Zeuch
Woerth, Franca
28 de dezembro de 1997
Hebreus 2.10-18
Contexto
Salmo 1 1 1 - Tudo que vemos e temos é obra do Senhor. A salvação
preparada por Cristo não poderia deixar de ser igualmente do Senhor, próprio do seu amor e misericórdia.
AT: Jr 3 1.10-13 - O Senhor redimiu ao seu povo e o livrou da mão de
Satanás. Isto precisa ser anunciado aos povos, para que venham a Sião,
glorificando o Senhor.
Evangelho: Lc 2.4 1-52 - O próprio Jesus se fez presente no templo,
porque lhe interessava, mais do que tudo, as coisas do Pai Celeste. Veio a
este mundo para atender aos interesses do Pai, revelados em seu amor.
Texto
V. 10 - "Porque convinha" - contrário a razão humana, mas próprio
para a forma divina de resolver o problema do homem. Deus fez o Autor da
Salvação, um "autor" por meio do sofrimento, com o objetivo de "conduzir
muitos filhos à glória". Jesus não abriu caminho, ou auxiliou, mas se tornou
o causador da eterna salvação. Todas as coisas existem por causa dele e
através dele. Jesus possibilitou a Deus conduzir a muitos a mesma glória de
seu Filho. Deus havia condicionado a salvação ao cumprimento da promessa. Era necessário ao Filho de Deus passar também pela morte. Sua vitória
já era completa antes da morte (v.9); "por causa do sofrimento da morte"
foi Jesus coroado, porque sua vitória já era completa, e não com o propósito
236
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
de ajudar a completar a salvação.
É próprio para Deus, aquele por cuja causa todas as coisas são, e por
cuja causa todas as cousas passaram a existir, conduzir muitos filhos a glória. É próprio para Deus também fazer isto por meio dos sofrimentos daquele que é o "Autor da Salvação7'.
V. 1 1 -Aquele que foi "menor que os anjos" e por causa do sofrimento e da morte na cruz, foi ressuscitado para a glória; Ele, para quem o
Criador e governador de todas as coisas objetivamente usou sofrimento
para torná-lo perfeito Azrtor da Salvação: Ele é o nosso verdadeiro irmão.
Ele é o herdeiro (v.2) de todas as coisas, e nós nos tornamos conjuntamente
irmãos com ele (Rm 8.17). Nem anjos se sentarão com ele no trono, apenas
seus irmãos, herdeiros da salvação.
"O que santifica" - sumo sacerdote. Ele nos santifica porque ofereceu melhor sangue do que de animais. Ofereceu seu próprio sangue que nos
purificou de todo pecado, e nos torna os "santificados". O santificador, nosso irmão, como sumo sacerdote nos compreende em nossas tentações e
tem empatia conosco.
V. 12 - Citação do SI 22.22. Jesus nos chamou de seus irmãos em Jo
20.17. Na segunda parte do verso afirma cantar louvores no meio da assembléia de seus innãos. Desta forma Jesus foi ao templo em Jerusalém e
cantou Salmos de adoração no meio de seus irmãos adoradores.
V. 13 - Citação de 1s 8.17. Profeticamente Isaías fala palavras do
Messias. Embora ele seja o Deus Onipotente, em sua humilhação e sua
natureza humana, aqui na terra, Jesus dependeu de Deus em completa confiança. Relembre-se suas orações. Em todas ele era como todos os filhos
de Deus, vivendo e depois também morrendo confiando em Deus.
A terceira citação é de 1s 8.18. Tanto ele quanto os filhos têm a
mesma natureza humana. A família de Isaías era a tipificacão da relação de
Jesus com os filhos santificados de Deus. Paidia, um diminutivo, tem o
senso de "queridos filhos". São filhos dados por Deus a Jesus (Jo
10.29;17.6,9,11,12).
V. 14 -Os queridos filhos, irmãos, santificados, estes muitos filhos de
Deus, apenas tinham participação em "carne e sangue", referência ao corpo físico. O "Autor da Salvação" os fez seus irmãos. Carne e sangue na
literatura judaica designa a falta de poder do homem em relação a Deus. É
a mera substância física (Ef 6.12). Não é a primeira vez que é feita referência a sua encarnação. Já aparece em 1.2 e em todos que seguem, notar
especialmente - "tendo sido feito menor que os anjos", no v.9. O ponto
central está no propósito de sua encarnação (para que...).Com o propósito
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
237
de solucionar o nosso problema, o Autor da Salvação se fez um de nós.
Como homem de carne e sangue ele poderia morrer e por sua morte livrarnos da morte. "Por que vais morrer, ó casa de Israel?'is 18.3 1. Jesus usou
a mesma coisa que o Diabo usaria contra suas pobres vítimas. Com a morte, Jesus destruiu a morte. Os judeus, leitores da carta, conheciam Gn 3.
Jesus se tomou o Autor da Salvação provando o que de mais amargo a
morte tem. Autor por meio do sofrimento. Nenhum judeu deveria ficar ofendido com o sofrimento do Messias, ou com a cruz. Deus fez deste o único
meio para nos salvar. Aqui estão os fatos e os resultados. Isto fala por si.
Deus fez tudo ao nos dar o Salvador sofredor. O autor de Hebreus, tal como
Paulo, é um teólogo de "fatos" (Lenski).
V. 15 - Fato abençoado - propósito de Deus revelado na morte. Todos estão livres do poder da morte, do medo da morte, embora tantos recusem esta liberdade. Temem a morte quando são escravos dela e estão debaixo do poder do Diabo. Jesus venceu a morte. Pelo poder de sua morte
nós escapamos dela.
V.16 - "socorre a descendência de Abraão" - tem o propósito de
mostrar a universalidade do socorro de Jesus. Não apenas os gentios necessitam desta ajuda, mas também o povo escolhido. Judeus ou judeus cristãos poderiam pensar assim.
V. 17 - Segue uma conclusão lógica indicada pela conjunção: o autor
da salvação foi obrigado a se fazer como irmão, em todas as coisas - em
respeito a tudo. Sem excluir ninguém, nem os gentios. Expiação e sumo
sacerdócio eram palavras conhecidas de judeus. Tudo prefigurava a grande
e final expiação de Jesus.
Tudo está ligado a Jesus. Ele se encarnou "tornando-se menor que os
anjos" (v.9), não se envergonhou de ser chamado nosso irmão (v. 1 1- 13), ele
e nós somos um (v.1 I), ele tem participação comum de carne e sangue
(v. 14). Isto explica como ele "provou a morte por todo o homem" (v.9), foi
tornado o completo Salvador "por meio dos sofrimentos" (v. 1 O), por "meio
da morte" livrou-nos da morte (v. 14,15). Ele se tomou o "Autor da Salvação" (v. 10), "o que santifica" estes que são verdadeiramente santificados,
nosso "fiel sumo sacerdote" (v. 17). Chegamos ao clímax.
Sua misericórdia se revela em ter sofrido e morrido para nos livrar do
medo do Diabo e da morte. Ilaskestai - expiar (tb. Lc 18.13) e se refere
aos "pecados do povo". O tempo presente indica que o ato único de Jesus
(10.12) é visto na sua aplicação contínua aos pecados do povo. Não há
dúvida de que laos refere-se ao povo de Israel, como "descendentes de
Abraão" (v.16), no sentido de que se Israel necessita a expiação do sumo
238
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
sacerdote, todos os outros necessitam também.
V. 18 - Descrição do sofrimento de Jesus. Gar não introduz uma
prova, mas uma elucidação adicional. Refere-se a expiação dos pecados
por Jesus. O ingrediente novo é a tentação. Lenski diz que o autós, e este
fato está conectado com o sofrimento (Jesus no Getsêmani). Quem sofreu
como Cristo, sendo tentado como ele, certamente é o único capaz de ajudar
quem sempre de novo suporta tentações.
Proposta homilética
Tenza: O Autor da Salvação
1. Se fez nosso irmão
a. Com sua vinda ao mundo - "convinha para Deus" (v. 10)
b. Com seu envolvimento em carne e sangue (v. 14)
c. Assemelhando-se aos irmãos (v. 17)
11. Para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote (v. 17)
a. Dando santificação (v. 11)
b. Ligando seus irmãos ao Pai (v. 1 1)
c. Adorando (v. 12) e confiando com seus irmãos (v. 13) naquele
donde provêm todas as coisas (v. 10).
111. Para fazer propiciação pelos pecados do povo (v. 17)
a. Com sua morte destruindo a morte e o Diabo (v. 14)
b. Socorrendo os que são tentados (v. 18)
c. Livrando do pavor da morte e da escravidão que isto causa (v. 15).
Paulo Edmundo Jung
Lajeado, RS
04 de janeiro de 1998
Efésios 1.3-6,15-18
Contexto
Nesta grande cidade asiática, Éfeso, Paulo fundou uma influente igreja.
Trabalhou ali por no mínimo dois anos, um período maior de trabalho do que
em qualquer outra cidade. Por meio de seus ajudantes, Paulo espalhou o
evangelho a partir de Éfeso por praticamente toda a província da Ásia.
Agora, preso em Roma, Paulo recebe notícias muito boas da igreja
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
239
de Éfeso. Envia então uma carta através de Tíquico com recomendações
gerais e para edificação espiritual dos efésios.
Texto
V.3 -Paulo canta a glória de Deus ao contemplar a obra maravilhosa
realizada por Ele para a salvação dos homens. Ele pode fazer isso a medida
que conhece muito bem esta obra, revelada ao mundo pela Palavra de Deus.
Esta obra está muito clara para ele, ao ponto de poder se referir a participação da Trindade na mesma (w.3- 14).
"O Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo". Deus de Jesus em sua
natureza humana e Seu Pai em Sua natureza divina. Deus desde a Sua
encarnação e Pai desde a eternidade.
Iremos bendizer a Deus pelas muitas bênçãos espirituais que Ele concede ao "novo homem" criado em nós, que beneficiam tanto o nosso corpo
quanto a nossa alma. Estas bênçãos de Deus são infinitamente superiores a
qualquer coisa deste mundo. Elas são concedidas unicamente através de
Cristo. Assim, só as pode receber aquele que está unido com Cristo.
Vv.4,5 - Deus, antes mesmo da criação do mundo, já havia nos escolhido para sermos dEle:
- Deus se interessou profundamente pela salvação de cada pessoa
antes mesmo da criação do mundo (sabia que o homem iria cair em pecado,
se preocupou com isso e já deliberou como realizaria esta salvação);
- Para que essa salvação não falhasse, não a colocou nas mãos do
ser humano, mas a colocou nas mãos de Jesus Cristo. Assim, toda a obra da
salvação de Deus é realizada através de Cristo (Atos 4.12).
Deus chama para si todos os seres humanos através de Sua Palavra
e do Batismo, e o continuará fazendo até o último dia, quando então receberá na vida eterna todos os seus filhos, todos os que foram lavados e purificados com o sangue de Cristo.
V.6 - O louvor e a glória se concentram principalmente no grande
atributo da graça, o favor de Deus, que nos declara justos sem nenhum
mérito ou dignidade nossa. Isto graças a obra meritória de Cristo, sobre
quem está todo o amor do Pai.
V. 15 - "também eu". Muitas outras pessoas e provavelmente outras
igrejas sabiam da fé e do amor presentes na igreja de Éfeso. Fé e amor são
as duas principais características de uma congregação. Toda congregação
cristã autêntica possui estas duas características. Mas precisamos cuidar
para não inverter a ordem das duas. O amor verdadeiro só existirá como
fruto da fé. Portanto, se queremos criar uma congregação mais ativa no
240
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
amor, precisamos investir na pregação da Palavra, pois a fé vem pela pregação (Rrn 10.17).
V.16 - Durante o seu encarceramento, os triunfos do Evangelho nos
campos onde Paulo havia antes trabalhado lhe traziam muita felicidade e lhe
faziam render graças a Deus incessantemente.
V. 17 - As ações de graça de Paulo envolvem também sua intercessão pelos efésios, para que jamais esqueçam da grandeza e do valor das
bênçãos espirituais concedidas por Deus, pois se as acharem algo conium
poderão expor-se a perdê-las.
"O Deus de nosso Senhor Jesus Cristo". Paulo lembra que o Deus
a quem são dirigidas suas orações é o Deus que enviou Jesus Cristo para
realizar a obra redentora. Como é o Deus de Jesus, é o nosso também.
O apóstolo Paulo quer que Deus conceda aos efésios um espírito
que seja rico em sabedoria derivada da revelação (Evangelho). Esta sabedoria não consiste em uma compreensão intelectual de Deus e de seus atos,
mas numa experiência salvifica vivida pelos cristãos e numa compreensão
sempre vívida do que a graça de Deus nos concede em Jesus Cristo.
V. 18 -Os "olhos do vosso coração" são os poderes espirituais para
ver o conteúdo de nossa esperança, que é a "riqueza da glória da sua herança", destinada a todos os santos, a toda a Igreja de Cristo.
Proposta homilética
Tema: A verdadeira sabedoria
I. Vai muito além do conhecimento científico deste mundo.
11. Não é um mero conhecimento intelectual de Deus.
111. É conhecer e confiar no Deus que enviou Jesus Cristo para nos
salvar.
Edelberto Rubem Stachovski
São Leopoldo, RS
IGREJA LUTERANA - NÚMERO2 - 1997
24 1
PRIMEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA
O Batismo de Nosso Senhor
11 de janeiro de 1998
At 10.34-38
Contexto da perícope
Cornélio era um oficial do exército romano em Cesaréia. O primeiro
gentio a oiivir de Pedro o evangelho. Deus dirigiu todos os acoritecimentos
(veja: At 10.1-33). Atendendo a uma visão de Deus relacionada com o
cliamado de Cornélio, Pedro vai de Jope a Cesaréia. Recebido pelo centurião,
comparando os fatos, Pedro expõe o que entende por verdade de Deus.
-
O texto Algumas considerações
V.34 - O verbo katalambáno, na voz média, significa detectar, descobrir, depreender, aprender, compreender, perceber, entender. Pedro compreende os fatos evidenciando uma verdade sobre o modo de Deus agir em
relação ao homem.
Prosopolémptes - refere-se, negativamente, a Deus. Descreve algo
que Deus não é. O verbo prosopolemptéo aparece mais vezes no NT, com
o sentido geral de aceitar alguém valorizando-se as aparências, as condições e circunstâncias exteriores, demonstrando-se parcialidade. Rm 2.1 1;
Dt 10.17 afirmam que Deus trata a todos com total imparcialidade.
Prosopolempsía é usado geralmente com referência ao julgamento de Deus,
diante do qual não há consideração de pessoas baseado em critérios exteriores. Veja: Ef 6.9; C1 3.1 5.
Deus não é prosopolémptes. Ele não escolheu os judeus em detrimento de outros povos, nem os separou para ser seu povo especial. Deus
convida também aos gentios para virem a ele e receberem dele a salvação.
Deus não tem favoritos.
Porquanto Deus não é prosopolémptes, também não deve haver
entre os cristãos qualquer sinal de prosopolempsía. Veja Tg 2.1-9. O juízo
de Deus é aprosopolemptos, conforme 1 Pe 1.17. Isso determina o procedimento da congregação e de seus membros. Deus trata a todos por igual.
Sua ira se manifesta sobre todos aqueles que rejeitam a revelação dele
mesmo em Cristo, trocando a verdade pela mentira. Nisso reside o aspecto
negativo e aterrador da imparcialidade de Deus.
Vv.35-38 - O evangelho da paz que vem de Cristo (v.36) é para
todos, de qualquer nação (v.35). O ministério de Jesus, iniciado no seu batis242
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
mo, tendo como alvo a sua morte sobre o madeiro (v.39), foi em benefício
de todos. Pedro o deixa evidente no v.38: "... o qual andou por toda parte...". Jesus é "o Senhor de todos" (v.36).
Paz com Deus é resultado da boa nova (evangelho) que anuncia Cristo
para todos. Sendo o evangelho "poder de Deus para salvação de todo o que
crê, primeiro do judeu, e também do grego" (Rm 1.16), seu efeito é a paz
por meio de Cristo. Todo o que crê em Cristo tem paz de Deus (Rm 5.1).
Isso acontece "em qualquer nação (élnos)!"
Para enriquecer o texto com o evangelho, veja: SI 107.20; 1s 42.1-7;
6 1.1 ; Lc 4.18 e o evangelho do dia (Lc 3.2 1-22). Note como a palavra
profética se cumpre ern Cristo. Veja como Pedro resume tudo no v.36 anunciando a paz por meio de Jesus. Ern Cristo Deus cumpriu a promessa e
trouxe paz, no sentido de salvação, de reconciliação com Ele. É notícia para
todos, não apenas para os judeus. Epifania é isto, é Cristo para todos. A
mensagem enviada primeiramente a Israel destina-se a toda a humanidade.
Esse é o aspecto positivo e consolador da imparcialidade de Deus.
Proposta homilética
A. Objetivo: que os ouvintes reconheçam a imparcialidade de Deus
no seu julgar o homem a luz de Lei e Evangelho. Que esse conhecimento os
conduza ao temor de Deus (Lei) e a certeza da salvação por meio do Cristo
para todos (Evangelho), levando-os a um testemunho mais eficaz do evangelho, sem acepção de pessoas.
B. Moléstia: o pecado do preconceito na congregação. Tomar os
textos de 1 Co 1.26-29; Tg 2.1-9 e o próprio do dia (At 10.34-38) e avaliar
o cotidiano da congregação. Como os membros agem em relação com os
demais? Quais os critérios para aceitar ou rejeitar alguém no convívio do
grupo? Por que um é tratado com deferência, e outro com desdém? São
importantes para os membros os aspectos exteriores, como por exemplo
riqueza ou pobreza, cultura, beleza, eloqüência, cor, poder, etc.?
Por preconceito, pode-se estar favorecendo alguém, em detrimento
de outro. Descobrir se os Estatutos da congregação, ou outras regras criadas para atendimento aos membros promovem o preconceito, o favoritismo,
a rejeição, a discriminação. Exemplo: não batizar porque os pais não ofertam.
O preconceito é fruto de um pré-julgamento. A formulação de um
juízo de valores sobre alguém outro pode estar completamente equivocada,
dependendo dos seus critérios de avaliação.
Pedro foi ao gentio romano, Cornélio, somente após vencer as barreiIGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
243
ras do preconceito. Então lhe anunciou o evangelho a toda a sua casa admitindo-os a comunhão da igreja.
Deus agiu em Pedro, levando-o a descobrir que Cristo veio para ser
o Salvador de todos, judeus e gentios.
C. Meio: o evangelho da paz por meio de Cristo, o eleito, ungido de
Deus com o Espírito Santo, cumprimento das promessas de redenção para
todos.
D. Esboço:
Tenza: Deus não tem favoritos
OU
Deus é imparcial para com as pessoas
ou
Resultados da imparcialidade de Deus
I. Condena a todo aquele que não crê. Rm 2.1 1.
11. Concede paz e vida eterna a todo aquele que crê no Evangelho.
Rrn 1.16; 5.1; At 10.36-38; Jo 3.16.
111. Como resultado da paz de Cristo, o crente age como pacificador,
tratando a todos com imparcialidade. Tg 2.1-9.
Rudi Thonza
São Borja, RS
18 de janeiro de 1998
1 Coríntios 12.1-12
Contexto
Como ocorreu em 7.1 e novamente em 8.1, no capítulo 12 o apóstolo
Paulo responde a mais uma indagação feita pela congregação de Corinto.
Desta vez trata-se dos dons Espirituais, que os membros da congregação de
Corinto tinham em abundância (7.1). O problema era que esta congregação
não usava os dons Espirituais de maneira sábia nem os avaliava adequadamente. Na verdade, intrigas e divisões levavam ao abuso de tais dons. Pelo
que se observa, a situação em Corinto nesta área era tão séria que induz o
244
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
apóstolo a dedicar nada menos que três capítulos (12-14) de sua epístola
sobre o assunto.
Texto
Nos vv. 1-3 o apóstolo designa os dons depneunzatiká, "dons Espirituais". Em Ef 6.12 a mesma palavra é empregada para designar as hostes
espirituais do mal. Portanto, a palavra pneumatikón não deve ser tomada
como termo técnico. A preferência paulina parece ser charisniatikón, ou
seja, dons que provêm da charis, da graça de Deus. Houve um tempo em
que os coríntios estiveram a busca de "dons" entre os ídolos tnudos; agora,
porém, pela graça divina recebem, gratuitamente, do Deus que fala e age,
os dons do Espírito Santo. Estes dons não podem ser buscados; precisam
ser dados. Como efetivamente não é inspirado aquele que grita na sinagoga
"Maldito é Jesus!", assim também ninguém na igreja de Cristo pode confessar "Jesus é Yahweh!" a não ser que seja inspirado pelo Espírito Santo.
Os vv. 4-6 mostram que a diversidade é uma característica dos dons
que o Espírito Santo concede. A igreja pode desfrutar deles em grande
variedade. Embora os dons sejam diversos, há apenas uma fonte: o Espírito
Santo. A Igreja Cristã há muito entende que o apóstolo nestes vv. está
nomeando as três pessoas da Trindade, embora em ordem inversa. Nossa
compreensão de valor e importância dos dons é intensificada quando percebemos que todas as pessoas da Trindade estão envolvidas na sua outorgação.
A intenção de Deus é que, no que respeita aos dons, a igreja experimente
diversidade na unidade e unidade na diversidade.
Nos vv. 7-10 o apóstolo Paulo relaciona os dons as pessoas. Cada
cristão - homem, mulher, jovem ou criança - possui seu dom (ou dons)
Espirituais: "A manifestação do Espírito é concedida a cada um" (v.7). Em
cada cristão o Espírito está presente e transparente através dos dons. Se a
fonte dos dons é uma só, também o é seu objetivo. O objetivo visa a um fim
proveitoso. Quão importante é ressaltar este objetivo para os cristãos de
Corinto. Grupos com intenções separatistas precisam ser lembrados que os
dons não visavam a promoção de indivíduos ou grupos, mas servia a um
"fim proveitoso", ou seja, o benefício da igreja.
Segue-se uma lista de dons. Não é a única (em C1 5.22-23 há outra).
Nem todos têm o mesmo dom ou todos os dons (v. 8). "Palavra de sabedoria" e "palavra de conhecimento" são dons similares. Ambos poderiam designar um conhecimento excepcional das verdades reveladas, especialmente dos mistérios do evangelho e a habilidade para explicá-los de forma clara
e persuasiva. O dom da fé mencionado no v. 9 não é a fé que é dada a todos
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
245
os cristãos - é uma fé especial. Provavelmente é o dom de uma fé fazedora
de milagres, umajides heroica. "Dons de curas", expressão no plural, sugere vários tipos de enfermidades e ao mesmo tempo vários caminhos que
Deus emprega para curá-las. A expressão "operação de milagres" energémata dynámeon - é, literalmente, "obras de poder". São obras que
não se explicam por meios naturais. "Profecia" em sentido restrito é a pregação e proclamação do que Deus tem revelado em Sua Palavra, da forma
como o pastor a faz. Em sentido lato, "profecia" é a comunicação da vontade divina feita a um indivíduo pelo Espírito Santo caracterizando-se por predição (v. Ágabo em At 11.28 e 2 1.1 0-1 I), ou a indicação da vontade de
Deus em determinada circunstância (cf. 14.29-30; At 13.1-2 1). A habilidade para o "discernimento de espíritos" é importante para diferençar entre o
Espírito e os espíritos maus. Este dom tinha significado especial nos primeiros tempos da Igreja Cristã neo-testamentária antes de os evangelhos e as
epístolas terem sido escritos.
Os dois últimos dons dizem respeito a "variedade de Iínguas". Visto
que a palavra grega glossa também significa "idioma", alguns entendem
que ela refere-se a habilidade de se falar em Iínguas nunca antes aprendidas
e faladas e dão o exemplo dos apóstolos no Pentecostes (At 2.4, 6, 11; ver
1 Co 14.9-10). Entretanto, o fenômeno de que Paulo fala nesta perícope não
é o mesmo de Pentecostes. Naquela ocasião "línguas" foi modificada por
"sua própria" (At 2.6,8) ou "nossas próprias" (At 2.1 1). Aqui em 1 Coríntios
12-14 o termo "línguas" pode referir-se tanto a idiomas internacionais como
linguagem celestial, incluindo língua extática de oração e louvor (1 3.1 ; 14.2,
10). A capacidade para interpretar tais Iínguas é também um dom especial.
No v. 11 está a ênfase de que é o Espírito de Deus quem determina
com que dom ou dons cada indivíduo é agraciado. Ninguém deve vangloriar-se de que merece determinado dom recebido. Todos os dons são dádiva
de Deus outorgados graciosamente pelo Seu Espírito, "como lhe apraz"
(v.11).
Sugestáo de Tema
A Unidade na Diversidade: A riqueza dos dons Espirituais
a. São concedidos em grande variedade e abundância
b. Vêm da mesma fonte: o Espírito Santo
c. São dados a cada cristão
d. Visam um fim proveitoso.
Acir Raymann
246
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
25 de janeiro de 1998
1 Coríntios 12.12-21,26-27
V. 12 - A conjunção explicativa gar introduz a analogia, fazendo a
conexão que esclarece o conteúdo de 1 Co 12.4-11. "Porque assim como...".
Uma palavra do texto original merece definição, para melhor compreensão
da analogia. A palavra sonza, "corpo", difere de sarks, "carne". Sonza não
é só matéria, mas tem o sentido de corpo vivo. O corpo é a soma ou síntese
de matéria e espírito. Não pode ser dividido, pois neste caso deixa de ser
corpo vivo para tornar-se cadáver. Este corpo é formado por muitos membros. Olhe para seu corpo: o que você vê? Uma unidade-corpo, ou uma
diversidade-membros? O texto destaca a unidade na diversidade. E quando
imaginamos que a comparação é dirigida a igreja, o texto nos surpreende,
concluindo: assim também com respeito a Cristo. É outro modo para expressar o que lemos: porque todos vós sois um em Cristo Jesus (G1 3.28).
Cristo Jesus é a vida da igreja, seu fundamento e sua redenção. O Salvador
está unido a sua igreja através de sua Palavra e Sacramentos. Cristo e a sua
igreja constituem uma união única e singular, assim como o corpo humano é
uma unidade na multiplicidade de seus membros. A união mística de Cristo
com a igreja é verdadeiramente espiritual. Uma união caracterizada por um
objetivo soteriológico, mediado pela Palavra e pelos Sacramentos.
V. 13 - O "assim também com respeito a Cristo" (v.12) é a chave de
toda a analogia. Quando perguntamos: Como acontece nossa união com
Cristo Jesus? a resposta correta aponta para a ação de Deus Espírito Santo
pelos meios por Ele estabelecidos, Palavra e Sacramentos. A marca pecadora de nossa natureza humana nos afasta de Deus. Igualmente toda e
qualquer sociedade humana é de turbulenta e de instável duração. O apóstolo no início da epístola exorta os coríntios a unidade (1 Co 1. 10-17). O
contexto da congregação era problemático. Formada por etnias e grupos
sociais que rivalizavam entre si com respeito aos pregadores. Com certeza
as diferenças eram acentuadas com respeito a quase todos os assuntos que
envolviam seu convívio na congregação. Divisões, facções, partidos e preferências. Que poder seria capaz de unir tantas e profundas diferenças? Só
Deus Espírito Santo. Os meios eficazes são Palavra e Sacramento. Seria
muito especial o pregador acentuar o ensino dos santos sacramentos na sua
mensagem. O batismo nos faz membros do corpo de Cristo. Por ele somos
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
247
feitos novas criaturas. Recebemos a fé salvadora. As diferenças de antes
caem no momento em que o Espírito nos faz membros do corpo vivo de
Cristo a Igreja. Todos unidos num só, judeus, gregos, escravos e livres.
Os extremos são estreitados, melhor, são unidos, num só corpo. Ninguém
por natureza pertence a Cristo. O Espírito incorpora os que crêem, através
de Cristo, no corpo da Igreja. Somos um em Cristo pelo Espírito Santo. A
Palavra pode ser traduzida por "nos foi dado beber de um só Espírito",
fazendo uso da mesma figura "água da vida" expressa pelo Senhor Jesus
em Jo 4.14 e 7.37-38. O Espírito Santo está sempre no início, no meio e no
fim de toda ação espiritual (vv. 13 e 18). O Espírito é a vida do corpo de
Cristo. Ele é o "fôlego da vida" da Igreja.
Vv. 14-71 -Na ilustração paulina o corpo espiritual de Cristo Jesus, a
Igreja, engloba um só com a sua variedade. Fica fácil entendermos que estes
membros, feitos um só e unidos no corpo de Cristo, têm variadas e múltiplas
funções. Nesta unidade um membro não pode prescindir do outro. Na Igreja,
o que rege as relações é o amor e aquilo que a caracteriza é o servir. Este é o
ponto significativo que a analogia nos revela. A interdependência dos membros no corpo é evidente. Ninguém pode faltar, todos confonne o dom recebido exercem suas funções. Se uma destas partes faltar, temos um corpo
deficiente. Não temos nas Escrituras Sagradas uma prescrição ou receita
pronta de como as igrejas devem se organizar. A diretriz é "tudo, porém, seja
feito com decência e ordem" (I Co 14.40). Da analogia do texto e desta
diretriz concluímos pela necessidade de ordem e organização na igreja. O
Espírito Santo é quem atua. Mas a igreja que não procura a melhor solução
para sua circunstância, prejudica e impede a ação do Espírito Santo. A ação
do Espírito Santo pervade todo o corpo, incorpora membros, une juntas e
concede dons para o bom desempenho de suas funções. Tudo com vistas ao
objetivo gracioso de Deus, a salvação de muitos.
Vv. 26-27 -Neste corpo espiritual, unido pela ação do Espírito por
Palavra e Sacramentos, ocorre algo similar, quanto ao sentir com que se
observa no corpo. Lutero o expôs assim: "Quando dói o pé por causa de um
ferimento no dedo menor, os olhos de forma especial cuidam por onde os
pés andam, as mãos redobram seus cuidados com curativos, todo o corpo se
curva para cuidar do dedinho machucado" (Obras de M. Lutero, v. 5, Ed.
La Aurora, Buenos Aires, 1971, p. 205). O mesmo amor perpassa os membros do corpo de Cristo. Eles se solidarizam com o sofrimento de seus
pares, se alegram com as conquistas de seus irmãos (ãs). Eles amam uns
aos outros, porque Deus em Cristo Jesus os amou primeiro (I Jo 4.19). A
verdadeira comunhão na Igreja se expressa conforme Rm 12.15: "Alegrai-
248
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
vos com os que se alegram, e chorai com os que choram".
A analogia ou ilustração se define na declaração do v. 27. E quando
alguém ainda pergunta: Quem faz parte do corpo de Cristo? "Vós" cada
um individualmente pela fé em Cristo, fostes feitos membros da Igreja, para
testemunho aos homens em todos os tempos e para glória de Deus.
Proposta homilética
Tema: Unm comunhão sublime, singulur e iniguulável.
1 . Por natureza somos mortos espiritualmente, desiinidos em nosso
egoísmo e perdidos em nosso pecado.
2. Toda e qualquer tentativa humana de unir os desunidos acaba falindo.
3. O perfeito elo de união encontramos na Igreja de Cristo.
4. Neste corpo de Cristo - a Igreja, somos incorporados, unidos e
ativados pelo poder do Espírito Santo.
5. Palavra de Deus e Sacramentos são os meios ativos desta incorporação e união. Através deles o Espírito atua como seu princípio eficiente
e eficaz.
6. Todos assim unidos e ativados servem uns aos outros conforme os
dons recebidos. Uma unidade na multiplicidade de funções, visando ao único objetivo: glorificar o nome de Deus entre os homens.
7. Somos membros da Igreja de Cristo para adorar e testemunhar
seu amor, crescer no seu ensino, viver na sua comunhão e servir nosso
semelhante.
Até o glorioso dia de sua volta.
Orlando Ott
1 de fevereiro de 1998
1 Coríntios 12.27-1 3.13
Contexto
Nos capítulos 12 a 14 Paulo está tratando de um problema atual para
a igreja em Corinto: o uso dos dons espirituais. Podiam ocorrer divisões na
Igreja por causa da maneira como os coríntios lidavam com a diversidade dos
dons. Além disso, a consideração que tinham pelos dons mais espetaculares
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
249
(línguas, curas) ameaçava cegá-los para a prática menos espetacular do amor
(H. Armin Moellering, Concordia Journal, janeiro de 1992, p. 59).
Texto
Cap. 12, w.27-30 - Paulo mostra que a Igreja é um corpo, onde cada
membro da Igreja é membro deste corpo. Não entra aí em questão o fato de
alguém ter ou não este ou aquele dom. No Batismo todos receberam o Espírito Santo e foram acrescentados ao corpo de Cristo (12.13). "O pertencer e
a importância de alguém no corpo de Cristo não são determinados pela grandeza ou pequenez dos carismas" (Moellering, p. 60).
Deus estabeleceu alguns em ofícios especiais na Igreja e mesmo aí
colocou uma hierarquia, um "primeiro, segundo, terceiro". A unidade do corpo não é quebrada por isto, mas é inantida desde que se saiba reconhecer e
respeitar as diferenças no corpo como algo que o próprio Deus concedeu,
para o bem do corpo. Há duas séries: a primeira tem um caráter oficial (apóstolos, profetas, mestres). Na segunda a ênfase recai não no ofício, mas na
função que determinado dom leva a pessoa a desempenhar. É interessante
notar que a "glossolalia", tão prezada pelos coríntios, é colocada em último
lugar por Paulo (Moellering, p. 61). Os ofícios e dons mencionados não pretendem formar uma lista completa. Há outros ofícios e dons, como se vê em
Efésios 4, Romanos 12, etc. O importante é que Paulo não faz leis a respeito
dos dons. Não há nenhuma palavra que diga que todos têm dons espetaculares. Também não é dito que cada pessoa terá um único dom. Isso pertence a
Deus, pois é o Espírito Santo que concede os dons "como lhe apraz" (12.11).
Os dons devem ser usados para o bem do corpo e, portanto, o amor se toma
o ingrediente absolutamente necessário no uso de cada dom.
Cap. 12, v.3 1 - Ao mesmo tempo em que Paulo exorta os coríntios a
que busquem os melhores dons (cf. 1 Co 14), Ihes mostra o caminho pelo qual
isto deve ser feito. Apesar do capítulo 13 não conter nenhum imperativo, o
texto todo é um lembrete aos coríntios e a toda a Igreja sobre a necessidade
de que os membros do corpo de Cristo vivam em amor, para que a unidade do
corpo não seja ferida e os dons sejam usados adequadamente. "O capítulo 13
é admiravelmente apropriado neste contexto, porque o amor providencia a
balança pela qual outros dons podem ser testados e medidos7'(C. K. Barrett,
The First Epistle to the Corinthians, 297). Os dons não serão entendidos
apropriadamente a parte do amor. O amor é mencionado em Gl 5.22 como o
primeiro item no fi-uto do Espírito Santo. Em 1 Co 14.1 é distinguido dos dons
e se espera que todos os cristãos o tenham (Barrett, 297).
"O amor é o prisma que incessantemente reconcentra as diversas ma250
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
nifestações carismáticas em direção ao seu alvo unificado, o mútuo proveito
de todos. ... O caminho 'superior' das experiências espirituais para os indivíduos, insistentemente recomendado pelos coríntios, deve tornar-se o caminho
'humilde' de amor paciente a igreja e ao serviço no mundo" (Frederick D.
Bruner, Teologia do Espírito Santo, 234).
Cap. 13, w.1-3 -As "línguas dos homens" provavelmente se referem
as diversas linguagens usadas por diferentes grupos étnicos. As "línguas dos
anjos" parecem ser uma referência a uma linguagem normalmente ininteligível
aos homens (a menos que haja alguém com o doin de interpretação) (cf. Ap
14.2s). Sem o amor por detrás do uso destas línguas, elas não seriam mais do
que o barulho obtido de objetos inanimados quando golpeados.
Conforme Barret, a referência a "bronze" e "címbalo" tem a intenção de sugerir culto pagão, que se utilizava destes meios para invocar as
divindades e afastar os demônios. "Metaforicamente a palavra ('címbalo')
era usada para descrever um filosofar vazio. Assim Paulo alerta de que uma
Igreja que fala em línguas, mas que não pratica o amor, é um fenômeno sem
sentido; mais ainda, é mero paganismo" (Barrett, 300).
A próxima frase (versículo 2) mostra o que para Paulo são dons superiores ao falar em línguas (o texto parece, ao colocar três etapas, ir num
crescendo): profecia, conhecimento dos mistérios, fé. A proclamação da palavra de Deus por um mensageiro autorizado e capacitado pelo próprio Deus,
o conhecimento dos mistérios revelados no Evangelho, a confiança extraordinária em Deus em todos os momentos, são todos dons especiais e valiosos,
mas sem o amor não são producentes na Igreja de Deus.
Na frase seguinte (versículo 3) chega-se mais perto do que é o amor,
de como ele se manifesta, mas os atos aí descritos não são necessariamente
atos de amor. Paulo parece estar falando aí de um sacrifício pessoal extremo
em nome de uma causa, especialmente para o bem do próximo. Apesar de
reconhecer que tais atos têm o seu lugar (importante) na prática cristã, Paulo
mais uma vez mostra que o amor continua sendo o ingrediente que precisa
estar por detrás destas ações; de outra forma, nada servem aos propósitos de
Deus através de Seus filhos.
Cap.13, w. 4-7 - Paulo mostra o que o amor faz e o que não faz. É
"paciente" - não importa como os outros ajam, não perde a paciência e o
bom humor. "Benigno" - é a contrapartida positiva da paciência - faz o bem
para aqueles que fazem o mal. "Não arde em ciúmes" - provavelmente no
sentido de querer o outro para si, com um propósito mau, egoísta (cf. GI 4.17).
"Não se ufana" - muito apropriado para os cristãos de Corinto. Não faz
alarde sobre sua situação, isto é, não fica orgulhoso pelo que é. "Não se
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
25 1
ensoberbece" - não se coloca acima dos outros. Não se considera superior.
"Não se conduz inconvenientemente" - nunca trata alguém de forma desleal
("como seria o caso de um homem que provoca a paixão de uma garota, mas
recusa-se a casar com ela", Barrett, 303). "Não procura os seus interesses"
- não apenas não procura o que não é seu, mas até mesmo desiste do que é
seu em favor dos outros. "Não se exaspera" - não se deixa provocar a ira.
"Não se ressente do mal" - literalmente: não imputa (considera, atribui) o
mal. Não coloca o mal na conta de alguém. Toma o mal sobre si e não o deixa
ir adiante. "Não se alegra com a injustiça" - seja no sentido de censurar
quem está errado, seja no sentido de se colocar como superior ao que erra.
Não fica feliz de poder criticar quem está errando. O erro (injustiça) sempre
é mau; por isso, não pode haver alegria quando alguém comete a injustiça.
"Regozija-se com a verdade" - não procura se distinguir trazendo a tona o
que é mau nos outros, mas com alegria esconde sua própria identidade para
regozijar-se com os acertos dos outros. "Tudo sofre" - Barret oferece duas
possibilidades, sob a tradução "tudo suporta": 1) o amor suporta (sustenta) o
mundo (cf. o ditado de Simeão, o Justo: "Três coisas sustentam o mundo: a lei,
o serviço e os atos de benignidade"); 2) no sentido de 1 Pe 4.8 -esconde, não
expõe o mal. "Tudo crê" - nunca perde a fé. Sempre age pela fé. "Tudo
espera" - se caracteriza pela esperança. Não se desespera. "Tudo suporta"
- nada faz com que deixe de existir.
Olhando para esta lista, algumas conclusões são inevitáveis:
1. Somos falhos no que se refere ao agir do verdadeiro amor. Deixamos de fazer o que é próprio do amor; fazemos tão facilmente o que é contrário ao amor. As caracterizações que Paulo dá sobre o amor, longe de serem
instrumento para que se chegue ao objetivo, são palavras que chamam a
atenção para nossa incapacidade de modificarmos a nós próprios. Neste sentido, as palavras de Paulo aqui são lei (no seu uso mais próprio).
2. Apenas Cristo de fato amou e ama assim. "Deus é amor" (1 Jo 4.8).
O amor é a atitude própria de Deus. O amor é o modo de ser de Jesus. O
texto, por isso, pode muito bem servir para mostrar o amor de Cristo pelos
pecadores, manifesto, demonstrado, praticado no Seu sacrifício santo por todos os pecadores e na imputação deste sacrificio para o perdão dos pecadores. Neste sentido, o texto é Evangelho.
3. Paulo está anunciando estas palavras a Igreja. São palavras de Deus
para o Seu povo, aqueles que foram incorporados em Cristo pelo batismo.
Não tratam de uma pureza platônica, mas concreta. São uma possibilidade
para o homem, desde que unido a Cristo, pela fé. Se estas coisas acontecem
em Cristo, elas acontecem também naqueles que são de Cristo e estão em
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
Cristo. "Nós amamos porque Ele nos amou primeiro" (1 Jo 4.19). Neste
sentido, as palavras de Paulo são um incentivo e direção para uma vida
cristã prática.
Cap. 13, w. 8-13 - Este trecho traz de volta o contraste entre o amor e
os dons espirituais, mas agora em termos da qualidade duradoura do amor. "O
amor jamais acaba" - não depende do outro para existir. Se o relacionamento
com alguém deixa de existir por causa do erro do outro, então não é amor. "O
amor genuíno sempre persistirá. Esta afirmação só pode ser realmente dita
sobre Deus. Apenas Ele permanece no amor, sem variação; todavia é o Seu
amor que é refletido e reproduzido no amor, dom do Espírito" (Barrett, 305).
"O amor e uma manifestação do próprio Deus, procedendo de Deus mesmo
...Não é uma virtude, entre outras, que os homens precisam alcançar para si.
'Qualquer tentativa de entender o amor como uma virtude e uma obra inverte
o Evangelho de 1 Co 13 em lei' (Bornkamm). Ele significa, antes, apresença
de Cristo mesmo na Igreja" (Barrett, 3 10). Fé, esperança e amor - o homem
crê; Deus não crê; senão não seria Deus. O homem tem esperança; Deus
não tem esperança; senão não seria Deus. Mas Deus ama! Se não amasse,
não seria Deus.
Proposta homilética
Tema: O amor - caminho para a igreja trilhar:
I. Sem ele, os dons são mal empregados
11. Não faz parte da nossa natureza
111. É o caminho de Cristo -que nos amou e ama, e nos move a amarmos
IV. Com ele a unidade do corpo de Cristo é celebrada e os dons são
bem utilizados
Gerson Luis Linden
08 de fevereiro de 1998
1 Coríntios 14.12b-20
Contexto da perícope
Edificar a igreja ou exaltar o cristão? Eis a pergunta que Paulo coloca
diante dos destinatários de Primeira aos Coríntios através da perícope a ser
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
253
analisada. O "OU" na pergunta é excludente e, por isto, afirma uma coisa e
nega outra. Ou a igreja é edificada pela manifestação dos dons a ela concedidos, ou ela é prejudicada pelo emprego equivocado dos dons por parte de
quem os recebeu.
A busca de uma coisa exclui a outra. Os cristãos de Corinto não
haviam percebido esta verdade, razão por que não podia haver edificação
da igreja. A perícope concentra-se na questão que sempre tem despertado
a curiosidade de tanta gente, ou seja, o dom de Iínguas. O apóstolo não se
propõe a defendê-lo nem a atacá-lo pura e simplesmente, mas o analisa no
contexto da igreja, tomando como critério a sua utilidade ou não para edificar
a igreja.
O estudo da perícope conduz-nos, no mínimo, a duas conclusões interessantes e esclarecedoras sobre dons, sua validade e seu emprego. Primeira: não estimula a busca do dom de Iínguas, pois não o coloca na invejável posição de o dom sobre outros. Isto, a meu ver, põe de imediato água
fria sobre qualquer vontade nossa, aquecida sei lá por que combustível, de
perseguir o falar em línguas na busca, quem sabe, de algum comprovante
para uma pretensa espiritualidade superior. Segunda conclusão: esta não
tem aplicação somente ao falar em Iínguas, porém a todo e qualquer dom
presente na igreja. Mostra-nos que ele não está lá para promover a exaltação
de quem o possui, antes, pelo contrário, a edificação da igreja e a exaltação
daquele que distribui os dons, Deus, o Senhor. Creio que esta ênfase pode
receber destaque nas mensagens sobre a perícope, pois muitas vezes olhamos mais para o dom em si do que para a igreja, que deve ser a grande
favorecida pela presença e manifestação das dádivas com as quais seus
membros são agraciados.
Texto
V. 12b - Os dons espirituais não são problemas, pois dádivas divinas
não se constituem em problemas jamais. O desejo pelos dons espirituais não é
combatido pelo apóstolo. Sua intenção é apontar para o rumo certo a seguir
com os dons. Este é revelado com clareza: a edificação da igreja, a sua construção. Era o grande alvo do apóstolo no emprego dos seus dons. Na direção
deste mesmo alvo ele pretende conduzir os coríntios. C desejo por dons espirituais está presente. Paulo recomenda: zeteite ína perisseúnte, procurai,
empenhai-vos para exceder (progredir), procurai ser abundantes nos dons
espirituais. Eles são bênçãos, porém visam sempre a construção da igreja.
V. 13 - Paulo não combate o falar em língua. Seu propósito é outro
na perícope. Ele desrecomenda a prática do falar em língua sem a devida
254
IGREJA LUTERANA- NUMERO 2 - 1997
interpretação, pois será um procedimento inútil quando o alvo é a edificação
da igreja. A preocupação do apóstolo é com a igreja como um todo. Os dons
presentes nas individualidades que compõem o todo têm valor apenas se
beneficiam o todo. Isto fica claro quando Paulo ordena ao agraciado pelo
dom de Iíngua que ore para que possa também interpretar a Iíngua estranha.
Ela não lhe pertence somente como uma espécie de distinção ou troféu.
Interpretando-a, estará repartindo com o restante do corpo o significado das
palavras em Iíngua estranha, propiciando aos outros a oportunidade de participar na adoração ao Senhor.
V. 14 -A primeira vista, orar com o espírito parece ser o máximo que
ao cristão é dado atingir. Tal oração acontece pelo orar em Iíngua estranha.
É realmente uma oração, mas o entendimento fica sem fruto algum, pois
apesar de ser algo consciente, ou seja, a pessoa com este dom sabe quando
o está exercitando, "a mente fica infrutífera", porque ignora o significado
das palavras estranhas. Logo, não é exatamente o máximo a ser buscado, já
que não habilita o orador a passar adiante o conteúdo da oração, em razão
da incapacidade da mente de penetrar naquilo que se passa no espírito. Ora,
se a nossa mente não descobre o que acontece no nosso espírito, o que
diremos das mentes dos irmãos diante do nosso falar em Iíngua?
V.15 - O versículo inicia com uma pergunta retórica: "Que farei,
pois?" A pergunta ajuda a refletir sobre o tema da perícope, isto é, a validade ou não do falar em Iíngua para a edificação da igreja. Por ser retórica, a
pergunta do apóstolo não nos leva a imaginar que ele estivesse em dúvida
sobre o que fazer. Sabia muito bem como proceder e revela sua certeza
quanto ao modo de agir. Continuaria orando e cantando com o espírito, contudo oraria e cantaria também com a mente. Paulo tem em mira as ocasiões
em que a igreja se reúne para culto. Em tais momentos, o orar e cantar com
o entendimento deve predominar, pois tal adoração edifica. O apóstolo parece dar a entender que o dom de orar e cantar em Iíngua cabe melhor as
ocasiões em que o cristão se encontra sozinho e não em meio a congregação. Além do mais, e isto é conclusão minha particularmente, quando alguém exercita tal dom individualmente, foge da tentação de ostentá-lo na
presença dos irmãos como suposta manifestação de elevada espiritualidade.
V. 16 -Após usar a primeira pessoa do singular na pergunta retórica
do versículo anterior, o apóstolo emprega agora a segunda pessoa do singular, dando a entender que procura colocar o seu destinatário dentro de uma
situação concreta, a fim de que ele acompanhe melhor o desenvolvimento
da questão exposta na perícope. Dizer "Amém" depois da ação de graças
significa adesão total ao que foi dito. Não poderá haver adesão, todavia, se
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
255
as palavras empregadas na ação de graças não forem compreendidas no
seu significado.
Paulo destaca nesta perícope a participação corporativa da igreja nos
momentos de adoração pública. O orar apenas em espírito (por meio de
língua estranha) particulariza a adoração, o que não é propósito da ação
corporativa da igreja em culto. Pelo louvor conjunto também há edificação,
a qual ficará impedida de acontecer se houver busca por manifestações
estranhas e incompreensíveis ao restante do corpo.
V. 17 - Este versículo dá a causa ein detalhes para o que foi exposto no anterior. A ênfase está em "[nas o outro não é edificado".
Vv. I8 e 19- Encontrainos aqui duas verdades inconfundíveis. 1") Paulo não despreza o falar em outras línguas, pelo contrário, dá graças a Deus
pelo dom. Não está agradecendo de forma vaidosa por falar em outras Iíiigiias mais do que todos os coríntios. Não há vaidade no apóstolo. Há, isto sim,
reafirmação da posse de tal dom em rica medida e agradecimento a Deus por
tal dádiva. 2") Embora com tamanho dom, Paulo abre mão dele na presença
de outras pessoas e prefere usar um número muito menor de palavras fora do
exercício do dom, pois com elas poderá edificar através da instrução. Para o
apóstolo, portanto, não interessa destacar a sua pessoa por meio da prática de
um dom, mas se colocar a serviço da instrução e crescimento daqueles que a
ele se juntam na igreja. Que belo exemplo de humildade!
V.20 - Não ser meninos no juízo; na malícia, sim. Ser homens ainadurecidos no juízo. Agir como crianças no juízo é negativo, pois significa
incapacidade para raciocinar e julgar corretamente. A "criancice" no caso
dos coríntios consistia em considerar as línguas como evidência de
espiritualidade superior. Na malícia deveriam ser meninos, ou seja, tão novos e inexperientes ao ponto de nada conhecer sobre a prática de qualquer
espécie de maldade. A "criancice" no juízo pode levar a maturidade na
malícia, o que não convém ao filho de Deus. No caso dos coríntios, malícia
poderia ser discriminar irmãos por não possuírem o "dom superior", ou usálo com propósitos falsos, vaidade, por exemplo. Do cristão espera-se amadurecimento no juízo. Tal amadurecimento surge pela instrução recebida da
palavra de Deus. Os coríntios, portanto, iriam alcançá-lo se prestassem atenção a orientação apostólica e a ela se submetessem com confiança.
Proposta homilética
Tema: Maturidade no emprego dos dons.
I. Como empregar os dons?
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
1) A resposta encontra-se junto ao Doador.
a - Ele espera maturidade no emprego dos dons.
11. Coríntios demonstravam atitude infantil.
1) Não sabiam julgar corretamente o propósito dos dons na igreja.
a - Conseqüência: dons a serviço mais da destruição do que da
edificação da igreja.
111. A passagem da infância para a maturidade.
I ) Nossa "criancice" reflete nossa ignorância natural para com a
vontade de Deus. Leva-rios ao culto do EU.
2) Com misericórdia. Deus vem a nós para nos tirar da ignorância.
3) Abre os nossos olhos para a verdade e capacita-nos a aceitá-la e
praticá-la.
IV. Empregando os dons com maturidade.
1) Com propósito correto: edificar o corpo de Cristo, a Igreja.
2) Com sabedoria para pô-los em ação, por exemplo, vendo as melhores oportunidades para tanto.
Paulo Moisés Nerbas
15 de fevereiro de 1998
1 Coríntios 15.12,16-20
Contexto
Ao iniciar o capítulo 15 da sua primeira carta aos Coríntios, o apóstolo quer responder, ao que parece, a falsos profetas ou a congregados muito
ignorantes arrolados na congregação, pessoas que proclamavam não haver
ressurreição dos mortos. Por causa disso, esse capítulo é considerado "coroa gloriosa" da epístola, demonstração de confiança, certeza e fé na futura
ressurreição.
As dúvidas que o apóstolo combate aqui são aquelas que acompanharam o cristianismo na sua caminhada e que estão ligadas a confiança no
Evangelho. Numa gloriosa explosão de eloqüência, o paciente professor
Paulo ensina aos Coríntios a respeito das "primeiras coisas" e que desvenda
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
257
sempre de novo o enigma cristão: o Evangelho que vos anunciei (v.1).
O Evangelho, a boa nova da redenção da humanidade, levada a todo
mundo por todos apóstolos. Deste Evangelho, o apóstolo recorda o seguinte:
é o "Evangelho que recebestes, no qual perseverais e por ele também sois
).
são os passos na vida cristã: a fé é acesa no corasalvos" ( ~ v . 1 ~ 2Esses
ção, a boa nova do Evangelho é aceita; a fé continua no coração, o crente
coloca, dia a dia, toda sua esperança de salvação no Evangelho e, desta
maneira, os benefícios do Evangelho são contínuos e, também, progressivos. A salvação é completamente certa para o que crê.
O Evangelho é o meio para nossa salvação. É o começo, o meio e o
fim de nossa redenção eterna. Através dele nos é mostrada a graça de
Deus em Jesus Cristo.
Fé no Evangelho, crença na ressurreição de Jesus, sem dúvida, ainda
eram encontradas na congregação de Corinto. Do contrário, o apóstolo não
poderia construir seu grande argumento no fato histórico da ressurreição,
conforme ele lembra nos vv.5-8.
Texto
V. 12 -Os Coríntios precisavam admitir que, na doutrina da ressurreição de Cristo, bem como em todas as demais doutrinas cristãs, os apóstolos
ensinavam em perfeita harmonia. Talvez alguns gregos de Atenas que rejeitavam a idéia da ressurreição, ou alguns judeus sob influência dos saduceus,
colocavam no coração dos Coríntios dúvidas nesse sentido.
Vv. 16- 18 - Se Cristo não ressuscitou, a fé é algo inútil, vão, sem
resultados benéficos, uma desilusão. E, desde que a fé é essencialmente
confiança no perdão dos pecados tornado possível pela obra de Cristo, selado por sua ressurreição, segue-se que, do contrário, se permanece na seqüência, com as seqüelas do pecado: a expiação, a redenção seriam contos,
fantasias. Igualmente, também aqueles que adormeceram na fé em Cristo,
confiando na sua conlpleta redenção, morreram iludidos. Ao invés da abençoada "presença com o Senhor", para sempre, seu destino seria a perdição
eterna. Simplesmente pereceram e ponto final.
V. 19 - O apóstolo conjetura sobre a esperança cristã ser limitada por
esta vida, de não haver perdão dos pecados, de não haver esperança de
vida futura no céu. Conclui, por isso, que os cristãos, se fosse esse o caso,
"são os mais infelizes de todos os homens". Com essas conclusões, o apóstolo quer levar a cada um de seus ouvintes a concluir definitivamente que:
-minha fé não é algo, não é uma confiança fútil;
- a doutrina cristã não é baseada numa ilusão, num engano;
258
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
eu posso estar seguro do perdão dos meus pecados, conforme assegurado no Evangelho;
- os apóstolos são testemunhas verdadeiras e completamente
confiáveis;
- Cristo verdadeiramente ressuscitou dos mortos;
- haverá, portanto, ressurreição de todos os mortos, do meu corpo.
V.20 - Cristo é colocado adiante de nós como primícia, a primeira
oferta "dos que dormem". A primeira oferta da nova colheita (Lv 23.1 O),
sinal e certeza de que a ceifa toda é santificada para o Senhor. Assim, todos
que "adormeceram em Cristo?' na esperança da vida eterna, também ressuscitarão da morte.
-
Proposta homilética
Tema: A gloriosa certeza da ressurreição da morte
- É certeza e garantia recebida no Evangelho;
- É certeza e garantia histórica, testemunhada pelos apóstolos;
- Do contrário, "somos os mais infelizes de todos os honlens";
- Porém, graças a Deus, de fato Cristo ressuscitou e nós também
ressuscitaremos para a vida eterna.
Norberto E. Heine
A TRANSFIGURAÇÁO DO SENHOR
(Último Domingo após Epifania)
22 de fevereiro de 1998
2 Coríntios 4.3-6
Contexto litúrgico
A transfiguração de nosso Senhor se constitui o final glorioso do período de Epifania e, ao mesmo tempo, se torna um marco divisor entre a
Epifania e a Quaresma. O episódio da transfiguração é um dos eventos
teologicamente mais instrutivos registrado em o Novo Testamento. A transfiguração prova que Jesus é verdadeiro Deus e que estava consciente de
sua missão nesse mundo, como podenlos depreender de sua conversa com
Moisés e Elias (cf. Lc 9.30-31). Jesus subiu ao céu, mas não nos deixou
sem a Palavra e o Espírito. Ele não nos deixou sem a luz gloriosa de seu
Evangelho (cf. 2 Co 4.3-6). Ele é verdadeiro Deus, portanto, não desaniIGREJA LUTERANA - NÚMERO2 - 1997
259
memos, mesmo quando passamos por aflições e morte. As aflições se tornam leves quando pensamos na maravilhosa glória eterna que está por vir.
Contexto
Na sua segunda carta aos Coríntios, Paulo tem como propósito primário explicar e defender sua autoridade apostólica, na verdade, o seu ministério. O terceiro capítulo inicia falando de "cartas de recomendação",
como se Paulo necessitasse de uma apresentação formal de uma autoridade de Jerusalém para poder se dirigir a igreja de Corinto. Isso era comum
por parte dos mestres judaizantes e os mesmos, valendo-se desse detalhe,
queriam questionar o ministério de Paulo. Isso é um despropósito! Como
apresentar cartas de recomendação para uma igreja que Ele mesino fundara? A igreja em si, era a carta de Paulo, conhecida e lida por todos os
homens (v.2). Essa carta-igreja, produzida por intermédio do ministério desempenhado por Paulo (e seus colaboradores), foi escrita pelo Espírito Santo (v.3). Diante desse fato, o apóstolo humildemente reconhece que a suficiência do seu ministério vem única e exclusivamente de Deus (v.5).
Diante desse fato, Paulo faz um contraste entre o seu ministério e o
ministério desses judaizantes. Somos ministros de uma nova aliança, diz ele
(v.6). O ministério da antiga aliança teve o seu lugar, mas seu esplendor
desvaneceu, diante da luz da nova aliança do Espírito (w.6,8,9). É por essa
razão que Paulo e seus colaboradores podem agora ministrar com ousadia e
total abertura, o que não era possível para Moisés. Agora, por meio de Cristo,
é possível ver a glória de Deus, o que era impossível para os israelitas, que só
a viam refletida na face de Moisés. Por meio desse ministério, cristãos são
transformandos continuamente a semelhança da glória de Deus, que não é
transitória, como a que era refletida na face de Moisés. O ministério que
proclama essa glória de Deus revelada em Cristo, é também glorioso e deve
ser desempenhado com coragem, perseverança e honestidade (4.1e 2).
Texto
V.3 -Paulo admite que o Evangelho está velado para algumas pessoas. O problema, porém, não está no Evangelho, mas naqueles que falharam
em discernir a sua glória. O Evangelho revelado (descoberto), amplamente
proclamado, tem sido encoberto a eles porque está encoberto neles mesmos, o véu está sobre seus corações e mentes (cf. 3.14)e não sobre o
Evangelho.
V.4 - Os textos de Jo 12.3 1 e Ef 2.2 deixam claro que o deus deste
século é o próprio Satanás. Satanás deseja, embora em vão, se colocar
260
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
como deus, e pecadores, em sua rebelião contra o Deus verdadeiro, sujeitam-se (submetem-se) a ele que é o autor de sua rebelião. 0 s incrédulos
servem a Satanás como se ele fosse seu deus. A sua especialidade é cegar
a mente dos descrentes. O melhor comentário a este respeito é a parábola
do semeador. Ali se afirma que quando as pessoas ouvem o Evangelho o
diabo vem e arrebata-lhes do coração a palavra, para não suceder que,
crendo, sejam salvos (Lc 8.12). Paulo está falando da atividade de Satanás
quando o Evangelho é pregado. É justamente nesse momento que ele age,
cegando o entendimento dos incrédulos.
O Evangelho revela a glória de Cristo, e capacita os homens para
verem Seu esplendor essencial. Satanás não pode ferir o Evangellio em sua
essência, ou mesmo, roubar sua substância gloriosa ou, ainda, destruir sua
capacidade iluminadora. Tudo o que ele pode fazer é cegar os homens, de
forma que não creiam, impedindo, assim, que essa capacidade iluminadora
do Evangelho chegue a suas mentes e corações.
Assim como os discípulos viram a Deus no monte (cf. Evangelho do
dia - Lc 9.28-36), assim também nós vemos a Deus no Evangelho. Jesus
disse: "quem me vê a mim, vê o Pai." (Jo 14.9). Em Cristo, o Deus invisível
se toma visível. Como afirma João: "ninguém jamais viu a Deus: o Deus
unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou" (Jo 1.18). O Filho, de
forma exata, representa e reflete a Deus.
V.5 - Paulo sabe que se ele e seus colegas pregarem a eles mesmos,
seu ministério irá fracassar e certamente desfalecerão nesse mister (cf.
v. 1). O pregador jamais prega a si mesmo, de forma a receber algum benefício ou vantagem por meio de sua pregação. Aqui, o verbo ketyssomen é
digno de nota - ministros proclamam apenas a mensagem, e essa não Ihes
pertence. O advérbio ou, ao lado da conjunção alla, introduz enfaticamente
o que segue: Iesoun Christon Kyrion. É esse o conteúdo da pregação que
Paulo e seus colegas anunciam. Kyrios aqui é usado em seu sentido
soteriológico completo. Jesus, como Senhor, não é somente o centro, mas é
todo o círculo. Ele não é somente a doutrina central, mas a soma de todas as
doutrinas. Ele é aquele que redimiu, comprou e conquistou nossa salvação.
Somente aqui nessa epístola Paulo afirma que ele e seus colegas de
ministério são doulous humon, mas imediatamente ele explica a razão dessa
afirmação - dia Iesoun. Eles se consideram escravos/servos de seus ouvintes por causa de Jesus. Paulo é escravo dos coríntios porque, primeiro, ele é
escravo de Cristo, cuja glória ele deseja promover e proclamar. Coni certeza,
ao mencionar Jesus, Paulo quer tomar como referência o ministério de serviço de Jesus. O servo de Cristo é também servo de seu próximo, mas sempre
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
26 1
por causa dEle, o qual é o único Mestre. A grande tarefa do pregador, ao
servir, não é chamar atenção sobre si mesmo, mas sim, sobre Cristo.
V.6 - Com a conjunção hoti Paulo afirma qual a razão de se pregar
a Cristo Jesus como Senhor e a eles mesmos como servos. Porque o deus
deste século cega o entendimento dos incrédulos, mas o Evangelho de Cristo oferece luz. Citando o Antigo Testamento (Gn 1.3), Paulo lembra que o
Criador da luz física é o mesmo que cria a luz espiritual. Deus não permitiu
que as trevas dominassem no princípio. Quando o pecado entrou no mundo,
Deus não permitiu que Satanás e suas trevas tivessem domínio sobre os
homens. O Filho de Deus nos traz o conhecimento da glória de Deus, Ele é
"a verdadeira luz que, vinda ao mundo, ilumina a todo homemq'(cf. Jo 1.9).
Lenski afirma: "A glória de Deus foi somente refletida na face de
Moisés, o mediador da lei, a glória de Deus está encarnada em Jesus Cristo,
o Mediador do Evangelho. A primeira glória era da lei divina e de seu julgamento sobre o pecado e sobre os pecadores. A face de Moisés somente
pode refleti-la, porque ele havia estado com Deus por uns poucos dias. A
outra glória é a glória do Evangelho divino e da graça para os pecadores. A
face de Jesus Cristo irradia essa glória, porque ele mesmo é a sua encarnação.
Ele que veio de Deus, o Unigênito de Deus, e que a Ele retomou como
nosso Senhor e Salvador para sempre" (Interpretation of Second Corinthians,
pp.97 1-972).
A palavra doxa ocorre quatorze vezes em 2 Coríntios 3.7-4.17, a
maior freqüência do Novo Testamento. Paulo compara a glória da aliança
mosaica com a glória da nova aliança, o Evangelho. A palavra aparece duas
vezes em nosso texto e, em ambas ocasiões, significa Evangelho (w.4 e 6).
Um pouco mais adiante, Paulo menciona novamente o termo, agora se referindo a glória da vida eterna (v. 17). Não é sem razão que Paulo pode dizer
duas vezes ( w . 1 e 16): "Por isso não desanimamos".
Proposta homilética
A Transfiguração de nosso Senhor Jesus encerra de forma magnífica a quadra de Epifania. Apesar de ser o Último domingo desse período, o
pregador, com sabedoria, procurará relacionar o tema litúrgico com o tema
proposto no texto. Epifania significa manifestação, glória. No monte da transfiguração, Cristo foi revelado em uma glória maravilhosa, primeiramente
aos discípulos e depois a nós, por meio do Evangelho. O episódio da transfiguração confirma a verdade bíblica de que Deus só pode ser achado em
Cristo. O homem não tem participação nenhuma nesse evento, é o próprio
Deus quem prepara a cena e promove o encontro entre Seu Filho e os
262
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
homens, revelando assim o doce Evangelho. Ao se empregar a epístola
como texto do sermão, a idéia da revelação gloriosa certamente deveria
estar presente na mensagem desse domingo.
Tema: Evangelho - velado ou revelado?
I. Satanás tenta esconder Cristo de nossos olhos.
A. O Evangelho parece estar velado (v.3)
B. O véu está sobre os olhos dos incrédulos (v.4)
- A cegueira espiritual do homem ofusca o brilho do Evangelho
- O deus deste mundo cega entendimentos (v.4)
11. Deus nos revela Cristo no Evangelho.
A. Ministros do Evangelho anunciam o Cristo do Evangelho (v.5)
B. Cristo - Luz resplandecendo nas trevas (v.6)
- Deus criou a luz física (Gn 1.3)
- Deus gera a luz do Evangelho - Cristo (v.4)
- Deus ilumina nosso conhecimento replandecendo em nossos corações (v.6)
Ely Prieto
PRIMEIRO DOMINGO NA QUARESMA
1 de março de 1998
Romanos 10.8b-13
Contexto
1. Quando Paulo escreveu esta carta para a Comunidade de Roma,
ele ainda não a conhecia, mas tinha informações dela através de um casal
de amigos, Áquila e Priscila. Escreveu, então, preparando-se para visitá-la.
A preocupação do Apóstolo é esclarecer a respeito das falsas interpretações sobre a fé em Jesus Cristo. Paulo mostra que, tanto para judeus como
para gentios, o caminho a salvação eterna é o mesmo: crer na obra redentora de Cristo em favor de todos.
2. Relacionando o texto ao lema da IELB para 1998, poderíamos
destacar que "A verdadeira adoração do povo de Deus consiste em crer e
confessar que Jesus morreu e ressuscitou para a salvação de todos".
Texto
Vv. 8,9 -A ação do diabo no Jardim do Éden foi bem sucedida porIGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
263
que conseguiu desviar a atenção de Eva da Palavra, e a fixa sobre uma obra
(Gn 3.1).
O mesmo continua ocorrendo hoje: os que confiam em suas próprias
obras para alcançar justiça, esperam obter uma salvação tanto maior quanto
forem as suas obras; este é um sinal de que ainda são incrédulos, cheios de
orgulho, enaltecem a si próprios e desprezam a Palavra, pois seu único objetivo na vida é acumular certo número de obras. Com isto estão desprezando também o Autor da Palavra, o Verbo que se fez carne e habitou entre
nós; escondem Cristo por debaixo de suas obras mundanas e tornam-se
pedras de tropeço. E, portanto, necessário muito zelo, todas as nossas forças e, "de olhos fechados", porém, c0112 toda a prudência e sensatez, escutar o que diz a Palavra.
O que a Palavra nos diz, pareça insensato ou não para nós, grande ou
pequeno, isto é o que devemos fazer, "julgando a obra a base da Palavra,
porém jamais a Palavra a base da obra". Aliás, o Evangelho do dia, Lc 4.1 13, aponta para a Palavra como a força para vencer a tentação. Jesus
rebateu as artimanhas do diabo com a afirmação "Está escrito".
A diferença do não-cristão para o cristão é o seu "fazer que provoca
a admiração das massas." Basta perder a admiração das massas para perder também a vontade de fazer tais obras. Fica evidente que não tinha
interesse de buscar boas obras, nem tão pouco a Deus, mas a sua própria
vanglória.
O ensinamento (to pqpa - que é único fundamento da fé salvadora,
nos é dado por Deus através da Palavra, a qual anuncia a voz da justiça.
Está feito. A ação justificadora de Deus está aí, na Palavra, não precisa ser
inventada, é só crer. E a Palavra que exige fé e é o meio usado pelo Espírito
Santo para criar a fé.
Como a boca fala (opo3coyqaq~- confessa, reconhece publicamente)
do que está cheio o coração, a fé do coração é "codificada" pelos lábios,
através da confissão da fé. A Palavra é poder para a salvação . Crer nela
implica confessar Jesus como Senhor, crer com o coração que Deus o ressuscitou.
Reconhecendo Jesus (não a nós mesmos) como Senhor e crendo na
sua ressurreição, seremos salvos (aorrqaq - libertos, preservados da morte
etema e do julgamento, somos trazidos à salvação) por Deus. Pela fé, a
encamação e ressurreição de Jesus nos são dados. Ele está próximo de nós
e, de acordo com Paulo, "esta é a palavra da fé que pregamos".
V. 10 - ~apGiaRefere-se ao homem interior (espiritual), suas emoções
264
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
e sua vontade. O homem crê com o coração. O coração que crê é purificado
da culpa, cai sob o veredito da justificação que Deus pronunciou na morte e
-e
ressurreição de seu Filho, e a justiça lhe pertence. Confessa (opoAoy~~.tcl~
é salvo. Nenhum coração que tem o Senhor Jesus por seu Senhor permanece
em silêncio: antes confessa com palavras e ações diante de Deus e dos homens, e seu Senhor o confessará no juizo diante do Pai.
V. 10 a - "Com o coração se crê" - Não há obras nem sabedoria
humanas, nem esforços, nem riquezas ou honras que possam ajudar o homem a alcançar justiça diante de Deus. A verdadeira justiça é a que resulta
do crer nas palavras e promessas de Deus, a exemplo de Abraso, que "creu
em Deus, e isto lhe foi imputado para justiça" (Rm 4.3).
Aquele que cede a Deus o direito de tudo quanto possui, caminha
para a morte, reconhecendo nada ter direito e indigno de possuir bem algum,
quanto mais a justiça de Deus. Um homem tal sem dúvida alcançou satisfação e justiça diante de Deus, pois nada reteve para si mesmo, antes os
cedeu a Deus. Semelhante atitude tem origem na fé, em virtude da qual o
homem submete o seu pensar, sentir e agir a Palavra da Cruz, negando-se a
si mesmo, renunciando tudo, morto para as coisas deste mundo, vivendo
para Deus somente.
V.10 b - "Com a boca se confessa" - A confissão, no entender de
Lutero, é a principal obra da fé, ou seja, o homem nega-se a si mesmo e
confessa Deus. Ao confessar Deus e negar-se a si mesmo, o homem morre.
V. 1 1 - Na citação de 1s 28.16, a aplicação da palavra "Senhor" por
Paulo agora é feita a Jesus Cristo, apontando para a sua unidade com o Pai,
"o Senhor Deus da aliança".
Paulo aponta para a universalidade da salvação "a todo aquele que
crê". Esta universalidade é sugerida no original, mesmo que não expressa
explicitamente; pois, se o acesso ao Senhor e a salvação são obtidos pela fé,
então o Senhor é acessível a todos, também aos que estão "debaixo da lei ou
estão sem lei". Quem crê não será KataLaXuttqatrclL, "não será envergonhado, humilhado ou desapontado".
Vv. 12 e 13 - G~clatoAq"não há diferença, distinção". Todos pecaram (judeus e não-judeus) e carecem da glória de Deus, e, por consequência, assim como pela lei todos são condenados, mediante a fé todos são
justificados. O Senhor de ambos é o mesmo. O meio de salvação de ambos
também é o mesmo.
(rico, que provê em abundância) para com todos.
Deus é ~~Aoutov
Ele é rico na maneira como nos escuta, nós somos pobres na maneira como
o invocamos; Deus é poderoso na maneira como cumpre os nossos pedidos,
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
265
nós somos tímidos e fracos na maneira como pedimos.
A maneira como Deus escuta nossos pedidos ultrapassa nosso entendimento, ou seja, não é como nós imaginamos ou pensamos, não como
nós escolhemos, mas conforme o seu bem querer.
Fazendo referência a J12.32, "o grande e terrível dia do Senhor", diz
~ v o u ~ apelar, invoo apóstolo que "todo aquele que ~ ~ r ~ ~ c t h o u p(chamar,
car) o nome do Senhor, será salvo. Não há dúvidas de que o apóstolo está se
referindo a universalidade da obra da salvação. O sermão de Pedro no dia
de Pentecostes também aponta para esta universalidade. Paulo amplia ainda mais, referindo-se tanto a judeus como a gregos, todos os homens, enfim.
Se Israel não aceitou a forma que Deus propôs, em Cristo, para a
salvação, Israel é culpado.
Proposta homilética
Introdução: A variedade de credos no mundo inteiro nos leva a reflexão sobre o único caminho para a salvação e sobre a sua universalidade.
Tema: FÉ EM CRISTO - Crer com o coração e com a boca confessar.
I - Que Cristo é Senhor
I1 - Que Deus o ressuscitou dentre os mortos
I11 - Não há distinção de pessoas
Conclusüo: Quem crê não será confundido e todo aquele que invocar o nome do Senhor, será salvo.
Paulo Gerhard Pietzsch
SEGUNDO DOMINGO NA QUARESMA
8 de março de 1998
Filipenses 3.17-4.1
Contexto
Duane F. Watson, num artigo publicado na revista Novum Testamentum
de 1988, no qual faz uma análise retórica de Filipenses para tentar fundamentar a unidade da carta (contestada por exegetas da escola histórico-crítica,
que vêem em Filipenses um amálgama de até quatro mensagens diferentes
escritas aos filipenses), argumenta que a tese da carta, que os manuais de
retórica clássica latina denominam de propositio ou partitio, é Fp 1.27-30.
266
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
O restante da carta seria uma exposição dessa tese ou proposição. Em síntese, a tese é: Vivei por modo digno do evangelho de Cristo (Fp 1.27). Filipenses
3.1-21 pode, então, ser visto como um terceiro desenvolvimento da tese. De
fato, temas como a imitação do apóstolo e o contraste entre perdição e salvação são comuns a ambas as perícopes. Isto para não mencionar semelhanças
verbais (que somente são percebidas pela leitura do original), tais como o uso
tuo
ou "portar-se como cidadão") em 1.27 e ~ ~ o h ~ t e u p a
de ~ ~ o h ~ ("viver",
("pátria") em 3.20, e a ocorrência do verbo o t q ~ o("estar firme" e "pennanecer firme") tanto em 1.27 quanto em 4.1.
É interessante (e importante) ver a perícope deste domingo a luz do
contexto maior do capítulo três. Paulo adverte contra os falsos mestres (3.2),
mostra em que sentido difere deles (3.3-1 I), e insiste em dizer que a trilha da
fé é um caminho em que as vitórias de ontem não podem tomar o lugar das
batalhas de hoje (3.12- 16). Num contexto desses, o tema da imitação, a referência aos "adversários", a indicação do alvo da "fé evangélica" (1.27) que é
o corpo "igual ao corpo da sua glória" (3.21) se encaixam naturalmente.
Texto
V. 17 - O texto foi escrito para "irmãos". Pelo contexto, sabemos que
se trata dos "santos em Cristo Jesus que vivem em Filipos" (Fp 1.1). Paulo
estimula-os a que se tornem ou demonstrem que são "imitadores". O termo é
oupp~pqm~,
usado apenas aqui no Novo Testamento (a forma simples p ~ p q t a ~
é mais frequente). Se se quiser levar a sério a preposição ouv que entra na
composição, pode-se traduzir por "sede co-imitadores meus" (ficando subentendido que Paulo é modelo também no fato de imitar alguém outro, que por
certo é Cristo Jesus). Outra opção é: "todos juntos imitai-me".
Paulo, no entanto, não é o único modelo. Ele faz referência aos que
andam ( I T C ~ LéI"andar",
T ~ T ~no
~ sentido metafórico de "viver") segundo o
modelo que tendes em nós. Estes estão aí para serem " o b s e ~ a d o s "(o
verbo é U K O I Tusado
E ~ , seis vezes no Novo Testamento, uma das quais é
Rm 16.17, onde a recomendação é diferente: observar para evitar!). A quem
Paulo estaria se referindo aqui em Fp 3? Por que não pensar nos "bispos e
diáconos" mencionados em Fp 1.1?
A referência a imitação levanta uma interessante questão teológica.
Que tipo de imitação seria esta? Quando se fala em imitação, a primeira
idéia que vem a mente é "imitar o modo de vida". Em outras palavras,
imitação na área da santificação, mais especificamente, na luta contra vícios e pecados. Tal noção é estranha ao nosso contexto. Melhor é relacionar
essa imitação outra vez com Fp 1.27-30 e ampliar o foco para incluir o "lutar
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
267
juntos pela fé evangélica" (1.27). Imitação aqui tem a ver com doutrina,
postura teológica, e tudo que de prático daí decorre.
O v. 18 traz outra pergunta quanto ao referente: quem são os "muitos
que andam entre nós?" Duas opções se oferecem: pregadores "judaizantes"
que estão fora do círculo cristão, ou cristãos de índole libertina que, entre
outras coisas, "só se preocupam com as coisas terrenas" (v. 19). Os filipenses
por certo conheciam o referente. Para nós o texto parece irrernediavelmente vago. É uma questão histórica que não compromete a força do texto.
No v. 19 amplia-se a descrição dos inimigos da cruz de Cristo. Paulo
emprega a ironia dos contrastes. Usa termos que são caros ao vocabulário cristão - alvo (OcAoc), Deus (Oco<), glória (605a) - e relaciona com
cada um deles conceitos que nada têm a ver com a fé, a saber, destruição
(unqht~a),ventre (KOLALU)
e infâmia ou vergonha (a~axuvq).Quanto
ao que tem por deus o ventre, os gregos tinham uma palavra para tal
pessoa: K O L ~ L O ~ "devoto
C~L~W
doVventre".
,
Ventre inclui, entre outras
coisas, comida, bebida e sexo. Tudo isso, recebido com ação de graças, é
bom, mas pode facilmente virar ídolo.
Os vv.20 e 21 são, sem dúvida, o ponto alto desta perícope. Aqui
Paulo retoma o que esboçou em 3.10-1 1. Fala do importante assunto da
passagem deste mundo para o mundo vindouro (os textos de 1 Co 15.35-50
e 2 Co 4.16 - 5.5 são paralelos ao nosso texto e de certa forma resumem o
que o apóstolo Paulo tem a dizer sobre a questão). Estes versículos são
também, em parte, paralelos aos w. 19-20. O v. 17 apresenta, por assim
dizer, a tese. O v. 18, com o primeiro "pois" (yap), apresenta os que não
devem ser imitados. O v.20 traz o segundo "pois", que introduz o assunto do
nosso destino. Se existe paralelismo, por certo é antitético. Isto fica claro na
passagem do v. 19 ao v.20: "coisas terrenas" - "pátria nos céus".
Não será possível analisar todos os aspectos de um texto tão rico e
denso. Cabe um comentário sobre o termo "pátria". O termo grego é
noA~rcupa,ocorre apenas aqui no Novo Testamento, e tem algo a ver com
~ O A L S("cidade") e ~ o A ~ r v("cidadão").
<
"Pátria" parece ser uma boa
tradução. O contexto histórico ajuda a entender como os filipenses devem
ter ouvido esta palavra. A cidade de Filipos, construída junto a Via Egnatia,
uma estrada que ligava Roma ao Oriente, orgulhava-se do privilégio de ser
detentora do jus Italicum. Tal status lhe foi conferida em 42 a.C. Fazia de
Filipos uma miniatura de Roma. 0 s filipenses, entre eles grande número de
militares romanos reformados, viviam em Filipos, mas era como se vivessem em Roma. Eram uma colônia romana no estrangeiro, no Oriente. Atos
16.21 mostra o quanto se orgulhavam dessa situação. Paulo sabe explorar
268
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
muito bem o paralelismo teológico de tal situação.
No mundo, mas a pátria verdadeira está nos céus. De lá, e não de
forças ou processos deste mundo, aguardamos o Salvador. (Não existe salvação sem Salvador!) Ele vem para transformar o nosso corpo. De humilhação para a glória. Fp 2.6-1 1 logo vem a mente. Só que agora temos o
processo inverso. Não existe mais uma humilhação, como tivemos em 2.8,
mas simplesmente uma glorificação. Se isto nos parece incrível e impossível, Paulo arremata dizendo que ele o fará com a força (o termo é ~ v e p y c ~ a ,
usado no Novo Testamento apenas em referência a poder sobrenatural)
que o torna capaz também de submeter a si todas as coisas. A exaltação e
ascensão de Cristo garantem nossa glorificação.
Proposta homilética
Como pregar este texto no tempo da Quaresma? Já vimos que o
enfoque de santificação é apenas aparente, pois imitação, neste contexto,
tem em vista algo bem mais amplo. Existe a referência aos inimigos da cruz
de Cristo, a preocupação e o destino deles. Isto atinge, como lei, também a
nós. Como nosso compromisso é, de uma ou de outra forma, pregar o evangelho, sugiro que se explore preferencialmente os w.20-2 1. Estes falam dos
efeitos ou do resultado da humilhação de Cristo - por e a favor de nós. E
isto é evangelho. Isto é conhecer a Cristo: conhecer os seus benefícios. Ele
se humilhou (Fp 2) e foi exaltado para que nós pudéssemos ser exaltados.
Ele se fez homem, para que nós nos tornássemos "co-participantes da natureza divina" (2 Pe 1.4), um tema que é caro a teologia da igreja oriental mas
que nos faria bem relembrar, por ser bíblico, mas acima de tudo por ser
evangélico. E não custa ser evangélico na Quaresma.
Vilson Scholz
St. Louis, USA
TERCEIRO DOMINGO NA QUARESMA
15 de março de 1998
1 Coríntios 10.1-13
Contexto
O texto da perícope está inserido num contexto (8.1-1 1 . l ) no qual o
apóstolo Paulo trata de coisas sacrificadas a ídolos. Tomar refeições num
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
269
templo, ou em algum lugar associado a um ídolo, por exemplo, era uma
prática social aceita em Corinto. Paulo concorda que, por si, um ídolo nada
é e comer comida a ele sacrificada não é um problema. Contudo, essa
atitude pode trazer problemas de consciência para o "irmão fraco" (8.1 I).
Apesar da liberdade que o cristão possui, conclui Paulo, é melhor abster-se
da prática para se tronar "fraco para com os fracos" (9.22).
Texto
No texto, o apóstolo faz referência a história e, a partir dela, mostra
que a idolatria é danosa. Portanto, os exemplos da história são lições a
serem aprendidas.
-"pais.'; "nuvem"; "mar"; "manjar" ... (w.1-5): Paulo faz referência
a acontecimentos relacionados ao Êxodo. Os israelitas tinham experimentado a redenção e o amparo de Deus. Contudo, por causa da sua rebeldia, a
maioria deles morreu no deserto.
- "batizados" (v.2): o uso deste termo, neste contexto, tem causado
dificuldades de interpretação. O fato de os israelitas terem passado pelo
mar significa que eles realmente foram "batizados" - e, "com respeito a
Moisés"? Que tipo de "batismo" é esse?! A interpretação mais aceita é
que Paulo usa a experiência da "água" para demonstrar a identrficação,
união entre o povo e Moisés. Moisés é visto como um tipo de Cristo, pois,
na posição de escolhido de Deus para liderar o povo, era, digamos, o "mediador". Embora Paulo pudesse estar pensando no batismo cristão, essa identificação não pode ser vista como uma analogia direta ao batismo em Cristo,
como julgam alguns comentaristas bíblicos, e nem é o ponto central. O ponto chave de conexão é a graça de Deus, pois este é o ponto de partida do
argumento de Paulo. Deus amparou o povo. Deus abençoou seu povo. Enfim, todos, os israelitas e Moisés, estavam sob a graça de Deus.
- "manjar espiritual" (v.3): nova dificuldade. É certo que Paulo não
nega a realidade física do maná. Também não se pode aceitar certas interpretações que dizem que o manjar espiritual é uma analogia direta a santa
ceia, embora Paulo pudesse estar pensando nela. O "espiritual" mostra a
origem divina do alimento e aponta, dentro da linha de raciocínio de Pa~ilo,
para a graça de Deus.
- "fonte espiritual"; "pedra espiritual"; "Cristo" (v.4): é mais uma
dificuldade! Moisés feriu a rocha e, milagrosamente, o povo tinha água para
beber (Êx 17.6). Novamente o povo foi abençoado por Deus. Paulo - ao
que parece, usando a lenda judaica da pedra de água que seguia o povo no
deserto - mostra que, na verdade, o que acompanhou o povo era o gracioso
270
IGREJA LUTERANA - NÚMERO2 - 1997
Deus. Aqui, sim, Paulo introduz Cristo (Deus) e mostra que ele foi a fonte
de todas as bênçãos que os israelitas receberam, de acordo com o ensino do
Novo Testamento de que Cristo é a fonte de água viva.
- "Entretanto" (v.5): apesar de todas estas bênçãos de Deus, a maioria dos israelitas deixou de entrar na Terra Prometida. Deus castigou os
rebeldes.
- "idólatras" (v.7); "imoralidade" (v.9); colocar o "Senhor a prova"
(v.9); "murmureis" (v. 10): Paulo agora aponta para motivos por que "Deus
não se agradou da maioria deles" e por que ''ficaram prostrados no deserto".
"exemplos"; "advertência" (v. 1 1 ): tudo isso - as bênçãos de Deus
e os pecados dos israelitas - estão aí como lições.
- "em pé"; "ve-ia que não caia" (v. 12): a "segiirança" dos coríntios é
perigosa a luz do que aconteceu com os israelitas.
-
Proposta homilética
O texto fornece diversas possibilidades para o sermão. Contudo, o
versículo 12 contém elementos que sintetizam a argumentação de Paulo na
perícope.
Pela sua dificuldade de interpretação, é aconselhável deixar de lado
os simbolismos dos versículos 2 a 4 e utilizar somente os fatos históricos.
O objetivo proposto para o sermão é que os ouvintes tomem cuidado
para não cair da fé.
Tema: Cuidado para não cair
Introdução
É fácil cair: de uma árvore, após um escorregão, por causa de um
tropeção. São quedas físicas.
Elas são, na maioria das vezes, resultado de autoconfiança exagerada e descuido.
Elas sempre são perigosas, pois - além de luxações e destroncamentos
- podem levar a morte.
Objetivo
Nós, cristãos, corremos um outro risco: as quedas espirituais. É o
afastamento de Deus e, conseqüentemente, da salvação e da vida eterna.
No texto, o apóstolo Paulo nos adverte para esse perigo, dizendo:
"Aquele, pois, que pensa estar em pé, veja que não caia". O desafio é que
cuidemos para não cair.
Lei
É possível cair. Conhecemos vários exemplos de pessoas conheciIGREJA LUTERANA- NUMERO 2 - 1997
271
das. Também o exemplo dos israelitas.
Caímos porquelquando (aponte para uma série de exemplos próximos da vida dos ouvintes)
Cair é perigoso, até mortal. Novamente, o exemplo dos israelitas.
Evangelho
Caímos, mas é possível se levantar.
A fidelidade de Deus é nossa confiança (v. 12).
A fé em Jesus Cristo é o que nos coloca em pé e nos fortalece em
nossa caminhada a vida eterna.
Co?lclzlsUo
É preciso cuidar para não cair. A nossa salvação está em jogo.
Se você cair, volte-se para Deus imediatamente.
Ande nos caminhos de Deus, fortaleça sua fé e esteja pronto para as
tentações que podem levar a queda.
Dieter Joel Jagnow
Porto Alegre, RS
QUARTO DOMINGO NA QUARESMA
22 de março de 1998
1 Coríntios 1.1 8,22-25
Contexto
Corinto foi muito agraciada com a palavra de Deus, pois recebeu a
pregação através de homens importantes. Cedo, porém, começou a haver
partidos, facções, divisões, brigas e contendas. É que as pessoas começaram a se devotar mais aos pregadores e não a palavra. E a divisão chegou
a tal ponto de alguns dizerem que eram de Cristo, enquanto outros diziam
ser seguidores de Paulo, Apolo ou Cefas (1.12). Com isto a mensagem e
sacrifício de Cristo estavam sendo colocados ao lado da mensagem de seus
seguidores. O contexto expressa claramente a direção do texto em favor da
unidade da fé. A formação de grupos está nítida. Mas estas facções não
são saudáveis para a igreja de Cristo, pelo contrário, são veneno. Os pregadores modernos e pseudopastores até gostam quando os "fiéis" dizem: "Eu
sou da igreja do Pastor Tal". Paulo, entretanto, não gostou disto e centralizou a pregação em "Cristo crucificado", e não nas pessoas dos pregadores.
272
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
Os ouvintes deviam gostar mais da mensagem do que da pessoa do pregador. Eis a pregação do sábio: "Cristo crucificado" (v.23).
Texto
O v. 18 aponta para grupos. Mas são apenas dois grupos, "os que se
perdem" e "os que somos salvos". Quando Paulo se coloca junto no segundo grupo, ele não está apenas afirmando a sua convicção, mas também está
dizendo que os que não seguem este ensino que ele está trazendo, estão
perdidos. A formação de dois grupos apenas está de acordo com o ensino
de Cristo (ex.: caminho estreito e largo, luz e trevas, os da direita e os da
esquerda, céu ou inferno, quem não é por mim é contra mim, etc.).
No v.22 vemos uma subdivisão dos perdidos: judeus e gregos. Isto
não quer dizer que todos os judeus e gregos estão perdidos. Mas este binômio
resume duas doutrinas erradas reinantes na época. Os judeus não podiam
aceitar que este Jesus, que deixou-se matar de uma forma tão vil, seja Deus
e Salvador. Queriam então um sinal forte de que Jesus é de fato Deus. Falar
de "Cristo crucificado" era-lhes uma afronta pessoal, pois foram eles que o
crucificaram. Então eles pedem um sinal, para não serem afrontados com
seus pecados na cruz de Cristo.
Os gregos julgavam ter a "sabedoria de palavra" ( 1.17). Em assunto
de discurso e literatura eles julgavam-se o máximo. Quem sabe este assunto pudesse produzir uma bonita peça literária. Queriam enriquecer sua sabedoria. Mas a própria pregação não parecia sábia para trazer mais sabedoria. Antes, parecia uma loucura, um absurdo.
"Mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus,
loucura para os gentios" (v.23). Esta é a pregação que une. É a essência da
mensagem cristã. Paulo não veio fazer algum sinal espetacular, nem fazer
algum discurso bonito, para satisfazer os desejos carnais das pessoas, mas
veio trazer a mensagem da salvação. Este "mas" confronta a pregação de
Paulo com tudo o que é terreno. É dirigido aos judeus e gregos. É o mesmo
que dizer: a nossa pregação do "Cristo crucificado" é mais importante do
que um sinal ou do que as vossas peças literárias (sabedoria). Pregar o
"Cristo crucificado" é a função principal da igreja. A grande mensagem e a
verdadeira sabedoria é o Cristo crucificado.
O v.24 mostra que nem todos os judeus e gregos estão perdidos.
Alguns "foram chamados". Estes que foram chamados têm na pregação de
Cristo o verdadeiro poder e sabedoria divinos, enquanto que os não chamados vêem nesta pregação somente fraqueza e loucura (v.25). Com isto Paulo não apenas os chama de fracos e loucos, mas também llies mostra onde
está o poder e a sabedoria, a saber, em Deus revelado na pregação do
Cristo crucificado.
Proposta homilética
Introdução: "Pastor, queremos ver a Jesus". Este foi o conteúdo de
um bilhete que o pastor encontrou no púlpito, quando foi pregar o seu sermão. Os ouvintes daquela congregação estavam fartos de discursos sobre
política, economia, filosofia e literatura. Desejavam ouvir a mensagem do
Salvador Jesus. Existem muitas coisas interessantes no mundo, mas o mais
importante para a vida é o Cristo crucificado. Algumas pessoas vêm a
igreja esperando um sinal espetacular, outros vêm para ver alguma coisa
interessante e bonita. Mostremos, acima de tudo, o Cristo crucificado. Por
isso o tema: "Mas nós pregamos a Cristo cruczficado ".
I. A igreja de Corinjo e a nossa
Na comunidade de Corinto havia problemas de facções por este ou
aquele pregador. Isto também pode estar existindo dentro da nossa IELB, e
em alguns Distritos. Os pseudopastores até gostam disto e as falsas lideranças também (Eu sou da Igreja do Pastor "Simpático").
(Ilustração: Dois religiosos discutiam acaloradamente, e cada qual
queria ser mais sábio. Nenhum se dispunha a ouvir o outro. Era aquela
gritaria - Ouça-me! - Ouça-me! Nisto chegou um terceiro e, colocando as
mãos sobre os ombros dos dois, disse: -Ambos estão errados. Vocês devem ouvir Jesus falar).
I1 A pregação do apóstolo para os corintios e para nós
O que podemos fazer quando tantos anunciam, pregam sabedoria e
conhecimento próprio, e encontram prazer apenas nos elogios de uma bonita apresentação, menosprezando o conteúdo, e anunciam assim um falso
Cristo? Vamos fazer como Paulo que: "Mas nós pregamos a Cristo crucificado". Vamos anunciar a palavra de Deus e deixar que Ele fale. Vamos
anunciar a palavra do Senhor e pronto. Reflexão: Será que estamos agindo
assim?
(Ilustração: Um pastor ficou doente. O presidente paroquial tinha que
oficiar o culto. Foi lá na pilha de sermões do pastor e puxou um do meio,
preparou-o bem e apresentou na entonação mais apropriada ao assunto. Os
membros da congregação não sabiam que fora o pastor que escrevera aquelas coisas que ele deu. Resultado: acharam tudo tão correto que logo, já na
porta da igreja, o convidaram para ser presidente do Sindicato Rural ... Mas
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IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
ninguém disse que de fato ia seguir a Cristo. Qual teria sido o assunto da
mensagem? Foi Jesus Cristo, o crucificado?).
1II. A rejeição e a aceitação da mensagem -fraqueza e poder
Quando o apóstolo falou no Cristo crucificado, aí eles sentiram coceira nos ouvidos, porque foram eles que pregaram Cristo na cruz. Acharam
então que esta pregação era um escândalo e uma afronta a dignidade pessoal. Preferiram pedir algum sinal diferente, para não verem seus pecados na
cruz de Cristo. Mas os judeus precisavam ouvir isso. E nós também, que os
nossos pecados cravaram Cristo na cruz. Paulo está mostrando os pecados e
chamando ao arrependimento. Apesar de muitos não aceitarem qiie são pecadores, e outros não aceitarem o sacrifício expiatório de Cristo, Paulo mostra
que alguns o aceitam. Estes são os que "foram chamados", são sábios e têm
poder. O poder da fé operado pelo Espírito Santo. Poder divino.
Conclusão: Para nós, os que sabemos que os nossos pecados pregaram Cristo na cruz, os "que somos salvos", os que "foram chamados", o
Cristo crucificado é a nossa sabedoria, força e poder para a salvação. Por
isso nós, unidos, adoramos como filhos de Deus.
Dari Trisch Knevirz
Pelotas, RS
QUINTO DOMINGO NA QUARESMA
29 de março de 1998
Filipenses 3.8-14
A primeira congregação cristã na Europa foi fundada pelo apóstolo
Paulo, na cidade de Filipos (Macedônia - Grécia), no ano 52 d.C. (At 16).
Desde o início ela se destacou pela "cooperação no evangelho" e na luta
pela "fé evangélica" (Fp 1.5 e 27). Mas na medida em que a congregação
aumentava numericamente, infiltraram-se idéias e conceitos incompatíveis
com a fé cristã. Algumas pessoas de origem judaica insistiam pelas práticas
das tradições cúlticas do Antigo Testamento. Outras, de origem gentílica,
por sua vez, queriam transformar o cristianismo num sistema filosóficoreligioso, de cunho esotérico, segundo o qual o homem pelo seu "conhecimento" (gnose) chegaria a perfeição. Para eles, Cristo era um mero
comunicador deste "conhecimento". Negavam assim a obra vicária do
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
275
Messias. No presente texto, Paulo contesta estas duas correntes, e pelo seu
testemunho pessoal expõe a correta doutrina cristã.
Paulo inicia a sua explanação afirmando: "Sim, deveras considero
tudo como perda ..." (v.8). No nosso dia-a-dia, ninguém gosta de perder.
Perder é derrota. Frustração. Paulo, estranhamente, chega a se alegrar
com esta sua "perda". Tudo o que ele através dos anos havia conquistado,
agora, repentinamente, era para ele refugo (v.8). Era Paulo um irresponsável? Afinal, o que Paulo perdeu?
Vejamos quem era o apóstolo Paulo. Era um judeu, descendente da
tribo de Benjainiin. Ao ser circuncidado no oitavo dia, seus pais lhe deram o
nome hebraico de Saulo. Teve o privilégio de estudar em Jerusalém, tendo
como preceptor Gamaliel, um dos mais renomados mestres de Israel.
Aprofundou-se no estudo da lei inosaica, e este seu zelo fê-lo filiar-se ao
seleto grupo dos fariseus. Seu exacerbado fanatismo pelas tradições da lei
judaica levou-o a combater o cristianismo. Assim liderou a primeira perseguição aos cristãos em Jerusalém, e foi também o responsável pela morte
por apedrejamento de Estêvão, o primeiro mártir cristão. Não satisfeito com
a expulsão dos cristãos de Jerusalém, intentou também erradicar o cristianismo em Damasco. Já perto da cidade, aconteceu aquilo que iria transformar completamente a sua vida: "subitamente uma luz do céu brilhou ao seu
redor, e, caindo por terra ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que
me persegues? Ele perguntou: Quem és tu Senhor? E a resposta foi: Eu sou
Jesus, a quem tu persegues" (At 9.3-5). Três dias depois Saulo foi batizado.
Imediatamente passou a testemunhar sua fé, pregando destemidamente na
sinagoga de Damasco, como também em Jerusalém (At 9.20,22,28,29).
Assim, quando Paulo agora afirma: "Sim, deveras considero tudo como
perda ... e as considero refugo ..." (v.8), refere-se a esta vida pregressa no
judaísmo. Seu "status" de fariseu, seu prestígio social, sua vida palaciana, o
aplauso das massas, sua segurança econômica, seu zelo no cun~primento
das tradições, tudo isso agora para Paulo não fazia mais sentido, perdeu seu
valor (Fp 3.4-6). O que ele ganhou em troca é incomparavelmente maior,
infinitamente superior, isto é, a "sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus meu Salvador" (v.8). No judaísmo o seu senhor era a lei mosaica; agora,
como cristão, seu Senhor é Jesus. Qual a diferença?
Saulo, tendo por senhor a lei mosaica, advogava uma auto-redenção.
Os fariseus e Saulo pertenciam a esta seita, orgulhavam-se de serem fiéis e
intransigentes cumpridores desta lei, bem como de todas as tradições cúlticas
do judaísmo. Julgavam-se perfeitos, pois, segundo eles, até excediam em
muito os preceitos da lei, isto é, cumpriam leis além das ordenadas por Deus.
276
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
Um bom exemplo desta corrente sectária encontramos em Lucas 18.9-14.
Este gabar-se em suas orações fazia de Deus um devedor em Ihes outorgar
a salvação. Esta é a "justiça própria, que procede da lei" (v.9), que Paulo,
agora como convertido, considera sem valor, refugo (v.9). Por que refugo?
Se a lei de Deus é fundamental, pois foi dada por Deus para ser cumprida
pelo homem (Js 1.8; Dt 6.4-9; SI 119.1-4), por que Paulo então a considera
refugo? Paulo não despreza a lei de Deus, pois bem sabe o que a palavra de
Deus afirma da lei (SI 1.1-4; 19.7-10; Pv 29.18). Acontece que a "justiça
que procede da lei" prova que o homem é pecador, "pela lei vem o pleno
conhecimento do pecado" (Rin 3.20); a "justiça que procede da lei" prova
que o homem é irreparavelinente condenado a morte eterna (G1 3.10; Hb
7.19; Tg 2.1 O), "visto que ninguém será justificado diante dele por obras da
lei" (Rm 3.19). Assim no que diz respeito a salvação do homem, a lei é
inoperante, incapaz. Nesta lei Saulo depositara toda sua esperança de salvação. Mas agora, uma vez convertido, compreendeu que no que tange a
salvação, a lei não auxilia, não favorece. Assim todo seu esforço pessoal
anterior ele considera refugo, descartável. Agora não mais a lei, mas Cristo
passa a ser seu Senhor (v.8), e a "justiça que procede de Deus, baseada na
fé" (v.9), o "ser achado nele", o "poder da ressurreição" é para Paulo "o
mais sublime dos conhecimentos" (v.8).
Paulo, no ato do seu batismo, recobrou a visão. O texto afirma que
"lhe caíram dos olhos como que umas escamas, e tomou a ver " (At 9.1718). É a nova visão do convertido, do cristão (2 Co 5.17). Agora, tendo por
base a fé (v.9), Paulo compreendeu pela primeira vez as profecias
messiânicas do Antigo Testamento e viu em Jesus o Cordeiro de Deus (1s
53.7; cf. 1 Co 5.7). Não ele, Paulo, pelas obras da lei, mas sim, Cristo, como
Cordeiro de Deus, lhe adquiriu a justiça da salvação. Em que consiste esta
justiça? No fato de Cristo, como verdadeiro homem, como substituto de
todos os homens, ter cumprido a lei, que aos homens cabia cumprir, mas
era-lhes impossível. E como verdadeiro Deus, expiar a ira de Deus (satisfazer as exigências de Deus em relação a salvação) e pela sua ressurreição
libertar o homem da condenação eterna. Sendo que esta justiça de Cristo é
atribuída, imputada, a todo o que nele crê - e não mediante qualquer obra
pessoal - unicamente pela fé! Nenhum outro "conhecimento" ou "saber"
pode igualar-se ou superar esta fé cristã! (1 Co 3.11; At 4.12). A obra da
salvação do homem é mérito exclusivo do amor de Deus em Cristo Jesus!
É neste conhecimento que Paulo quer sempre "ser achado" (v.9),
para assim cada vez melhor conhecer o seu Salvador (v. 10). Ele quer continuar a cumprir a lei, mas agora não para merecer a salvação, pois esta
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
277
Cristo já lhe conferiu, mas como fruto da fé! (G15.22-25). A exemplo de um
Enoque, que andou com Deus (Gn 5.22,24); de um Abraão, que era amigo
de Deus (Tg 2.23); de um Moisés, com quem Deus falava face a face (Êx
33.1 I), também Paulo doravante quer andar no convívio de Cristo, seu Senhor. Sabe que este convívio não é livre de sofrimento (At 14.22). Assim,
nos sofrimentos de Cristo (v.10) seu Senhor, quer aprender a suportar e
enfrentar os seus sofrimentos (2 Co 11.23-28). Bem sabe que "através de
muitas tribulações nos importa entrar no reino de Deus" (At 14.22), uma
vez que os "sofrimentos do tempo presente não são para comparar com a
glória por vir a ser revelada em nós" (Rin 8.18). Glória que se revelará com
a ressurreição dos mortos (v.1 I). Esta espera alegre e feliz pela ressurreição, mediante a fé em Cristo Jesus, é a força motriz que doravante conduz
a vida e trabalho do apóstolo. E o faz continuamente avançar ao "prêmio da
soberana vocação de Deus em Cristo Jesus", isto é, a ressurreição para a
vida etema.
E como para contestar aqueles que na congregação de Filipos propagavam a idéia de uma perfeição espiritual já nesta vida, ele mesmo se
declara um cristão imperfeito (v. 12). Em outro texto Paulo até se considera
o principal pecador (I Tm 1.15). Mas se a perfeição é utópica, o cristão,
tendo Cristo como seu Senhor, procura, mediante a fé, andar no caminho de
Deus, e procura, através dos meios da graça, santificar a sua vida. Sempre
prosseguindo para o alvo, "esquecendo-me das cousas que para trás ficam
(o seu passado de fariseu) e avançando para as que diante de mim estão"
(v. 13), "para de algum modo alcançar a ressurreição dentre os mortos" - o
grande alvo de todo aquele que em Cristo tem o seu Senhor! A ressurreição
para a vida etema é a soberana vocação, o prêmio da vitória que Cristo
legou a todo aquele que nele crê.
Como ganhar a Cristo e ser achado nEle:
1. O caminho da perda: pela justiça própria que procede da lei.
2. O caminho do lucro: pelajustiça que procede de Deus mediante a fé.
O mais sublime dos conhecimentos:
1. A justiça que procede de Deus - baseada na fé.
2. O ser achado nele - o conhecer.
3. O poder da sua ressurreição - o prêmio da soberana vocação.
Walter O. Steyer
São Leopoldo, RS
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IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
SEXTO DOMINGO NA QUARESMA
DOMINGO DE RAMOS
5 de abril de 1998
Filipenses 2.5-1 1
O Domingo de Ramos
"Os reis da terra se levantam, os príncipes conspiram contra o SENHOR e contra o seu Ungido" (SI 2.2). Ein ilossos dias, como no tempo em
que Davi escreveu este salmo, são riuinerosos os povos amotinados e que
conspiram contra o SENHOR e contra o seu Ungido.
Mesmo Jerusaleln, que naquela significativa manhã de Domingo de
Ramos erguia o seu clamor, era uma cidade amotinada. Não nos ençanem
as aclamações, ramos de palmeiras espalhados pelas ruas e os vivas a Jesus. O motim estava organizado. A sentença de morte tinha sido pronunciada. A data da execução estava determinada.
Por isso, estas passeatas pelas ruas em homenagem a Jesus, vivas e
palmas a Cristo em praça pública dizem muito pouco (aquela mesma multidão que aclamava Jesus no Domingo de Ramos, cinco dias após lá estava
diante do palácio de Pilatos clamando: Crucifica-o! Crucifica-o!).
Não é assim que somos servos de Jesus!
Não é assim que cumprimos nosso dever!
Não foi assim que o Cristianismo se propagou, vencendo e banindo
impérios temíveis por todos. O Cristianismo cresceu, propagou-se nas
catacumbas ... nas perseguições.
Contexto
Filipos, hoje parte da Grécia, foi a cidade em que Paulo fundou a
primeira igreja na Europa, iniciando o trabalho com mulheres, lembrando
Lídia, a vendedora de roupas finas. O local do primeiro contato foi a beira
do rio; talvez não havia sinagoga dos judeus nesta cidade, e sim, gentios
predominantemente. Anos após, da prisão de Roma, Paulo escreve a carta.
A carta mostra o respeito e o carinho que o apóstolo tinha pelos
filipenses. Lembra de Filipos como o local da primeira igreja fundada na
Europa, com seus líderes Lídia e Epafrodito, fiéis cooperadores na difusão
do evangelho. Lembra também da generosidade dos filipenses por enviarem recursos materiais e assisti-lo na prisão por um de seus membros,
Epafrodito, que colocou sua vida em perigo. Paulo está alegre e agradece a
generosidade dos irmãos encorajando a todos ao crescimento na fé com
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
279
SEXTO DOMINGO NA QUARESMA
DOMINGO DE RAMOS
5 de abril de 1998
Filipenses 2.5-1 1
O Domingo de Ramos
"Os reis da terra se levantam, os príncipes conspiram contra o SENHOR e contra o seu Ungido" (SI 2.2). Em nossos dias, como no tempo ein
que Davi escreveu este salmo, são numerosos os povos amotinados e que
conspiram contra o SENHOR e contra o seu Ungido.
Mesmo Jerusalém, que naquela signiiicativa manhã de Domingo de
Ramos erguia o seu clamor, era uma cidade amotinada. Não nos enganem
as aclamações, ramos de palmeiras espalhados pelas ruas e os vivas a Jesus. O motim estava orçanizado. A sentença de morte tinha sido pronunciada. A data da execução estava determinada.
Por isso, estas passeatas pelas ruas em homenagem a Jesus, vivas e
palmas a Cristo em praça publica dizem muito pouco (aquela mesma multidão que aclamava Jesus no Domingo de Ramos, cinco dias após lá estava
diante do palácio de Pilatos clamando: Crucifica-o! Crucifica-o!).
Não é assim que somos servos de Jesus!
Não é assim que cumprimos nosso dever!
Não foi assim que o Cristianismo se propagou, vencendo e banindo
impérios temíveis por todos. O Cristianismo cresceu, propagou-se nas
catacumbas ... nas perseguições.
Contexto
Filipos, hoje parte da Grécia, foi a cidade em que Paulo fundou a
primeira igreja na Europa, iniciando o trabalho com mulheres, lembrando
Lídia, a vendedora de roupas finas. O local do primeiro contato foi a beira
do rio; talvez não havia sinagoga dos judeus nesta cidade, e sim, gentios
predominantemente. Anos após, da prisão de Roma, Paulo escreve a carta.
A carta mostra o respeito e o carinho que o apóstolo tinha pelos
filipenses. Lembra de Filipos como o local da primeira igreja fundada na
Europa, com seus líderes Lídia e Epafrodito, fiéis cooperadores na difusão
do evangelho. Lembra também da generosidade dos filipenses por enviarem recursos materiais e assisti-lo na prisão por um de seus membros,
Epafrodito, que colocou sua vida em perigo. Paulo está alegre e agradece a
generosidade dos irmãos encorajando a todos ao crescimento na fé com
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
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persistência e alerta do perigo de falsas doutrinas.
Recebe destaque o ensino sobre a pessoa e obra de Cristo, destacando a humilhação até a morte e depois a exaltação. A conduta do crente
como servo tem sua motivação na pessoa de Cristo, sua obra em favor dos
filipenses e o fato de Deus os haver resgatado para a vida eterna em Cristo.
Texto
V.5 - Cristo deve ser em tudo modelo em vós, entre vós, na vossa
congregação, onde vivem pessoas de fé e de amor, na vida comum e diária.
Os sentimentos de Cristo, a sua forma de ser, humilde, devem estar em nós.
V.6- emforma de Dezts -aparência da natureza divina ou da divindade que sempre existia ein Cristo. Jesus não usou o ser igzwl a Deus para
adquirir poder, glória. Jesus não zaztrpou, não despojou, não ganhozr em
luta; é dele desde a eternidade. Ele não considerou o ser ou o continuar
sendo igual a Deus como uma usurpação, roubo, furto.
V.7 - se e.svaziou da manifestação da divindade e não da divindade
em si, recusou usar o que era seu para benefício próprio, mas usou em
benefício dos outros, por nós. Teve forma de servo e isto foi possível porque assumiu a natureza humana.
V.8 - Foi obediente até a morte, a ponto de morrer. Não foi uma
simples morte, mas morte com sofrimento, vergonhosa e amaldiçoada. Morte
de cruz - forma de punição para escravos ou piores criminosos.
V.9 - Portanto, por isso, conseqüentemente, em conseqüência da
humilhação voluntária. Deus, o Pai, o exaltou muito, sobremaneira, em plano absoluto. É o reconhecimento do Pai pela salvação completa e absoluta
para todos os homens (1 Pe 5.6).Assim deveria acontecer (Jo 16.15).Tudo
que o Pai tem e do Filho (Lc 24.16;Jo 10.17).
V.1 O - Indistintamente, todos deverão reconhecer que Jesus é o Senhor - Rei - e a ele devem dobrar-se todos os joelhos. Jesus tem domínio
sobre todas as forças, especialmente sobre os demônios que são obrigados
a reconhecer Jesus como Senhor. Todos devem submeter-se e prostrar-se
aos pés do Rei Jesus (Ef 4.8,9; Ap 5.13).
V.1 1 - Quem aqui adora e confessa a Jesus, também lá, no Reino
eterno continuará a fazê-lo por toda eternidade. O Senhor Jesus será adorado e aclamado Rei para sempre!
Esboço
Introdução: É verdade que nós cristãos temos duas nacionalidades.
Somos cidadãos do país em que nascemos, vivemos, trabalhamos, mas so280
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
mos cidadãos do Reino de Cristo (v. 10) - um reino que não tem fronteiras
porque o seu limite não é o mundo criado, um reino que não tem organização
política como as demais nações. Um reino em que todos são iguais, cada um
fala a língua que prefere. Um reino de justiça, de paz e de amor.
É preciso que todos os cidadãos deste reino, que são emissários, atinjam a todos os moradores da terra. Nesta obra os cristãos já estão empenhados há quase dois mil anos. Muito já se realizou, muito nos resta fazer!
Convém que o Filho de Deus entre triunfalmente em todas as cidades do
mundo e seja aclamado rei. Hoje, Domingo de Ramos:
Tema
Aclama~?zosJesus, Rei!
(Falar do Domingo de Ramos).
A) Onde está o poder de Jesus?
Por mais organizado que seja o motim contra Jesus, a vitória está
com ele. Como? Em que consiste a força de Jesus e de seu império?
- Os judeus pensavam que a força de Cristo estava nos milagres
("Jesus deve ser morto e toda esta agitação terá fim", pensavam).
- As autoridades romanas julgavam que a força do Cristianismo era
devido ao fanatismo dos propagadores. Se matassem os mais influentes, a
organização se desfaria.
Uns como os outros estavam enganados. Condenar Jesus a morte foi
o maior erro que puderam cometer.
O poder do Reino de Jesus está na sua morte!
1. A morte de Jesus foi a vida da igreja.
2. A morte de Jesus venceu rebeldes.
* Um dos rebeldes tinha sido crucificado ao lado dele. No começo,
este réprobo dizia palavras injuriosas ao Filho de Deus agonizante. Ouvindo,
contudo, o que dizia aos que estavam ao pé da cruz, e vendo os seus sofrimentos, rendeu-se a Cristo e reconheceu-lhe a divindade. Um criminoso foi
a primeira alma ganha pela morte de Jesus. Recebeu a promessa do Reino.
* Um amotinado também era aquele soldado romano, encarregado
de executar a sentença proferida pelo governador. No momento em que
Jesus rendeu o espírito, ele rendeu-se a Cristo. Disse: "Verdadeiramente
este era justo e Filho de Deus".
3. A morte de Jesus abriu os túmulos daqueles crentes que foram
vistos em Jerusalém.
4. A morte de Jesus teve reflexos no mundo inteiro. Afetou o sol, a
lua e as estrelas no momento em que houve trevas sobre toda a face da terra.
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 .. 1997
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5. A morte de Jesus é o argumento central das pregações dos discípulos. Escreve Paulo: "Porque decidi nada saber entre vós, senão Jesus
Cristo e este crucificado".
B) Como proclamar o poder?
Os judeus quiseram certa vez proclamar Jesus rei, porque tinha saciado a fome de quase cinco mil.
Nós temos muito mais razão para proclamá-lo. Nós o proclamamos
Rei porque ele saciou os que têm fome e sede de justiça.
Tem recursos para saciar a fome e sede da humanidade inteira - a
Palavra de Detrs (v. 1 I).
Jesus é Rei! Somos servos de seu reino! Servos dedicados que: servem; trabalham; oram; ofertam!
Jesus é o Rei, Ungido por Deus, sobre o santo monte de Sião, cujo
império não tem fim!
Aclamemos Jesus - Rei!
Milton Klagenberg
Canoas, RS
SEXTA-FEIRA DA PAIXÁO
10 de abril de 1998
Hebreus 4.14-1 6;5.7-9
Contexto
Por ocasião da morte de Jesus, rasgou-se pelo meio o véu do Santuário. Era o véu que fazia separação entre o Santo Lugar e o Santo dos
Santos (Êx 26.31). No Santo dos Santos apenas o sumo sacerdote tinha
acesso. Os adoradores permaneciam no átrio exterior. Agora temos Jesus
como nosso Sumo Sacerdote. Com ele podemos chegar até o Santo dos
Santos da presença de Deus.
O autor de Hebreus faz uso da antiga ordem sacerdotal para mostrar
a superioridade da nova ordem. Revela a excelência do Sumo Sacerdote
Jesus como superior aqueles da antiga. A ordem antiga era provisória e
imperfeita, apenas uma figura do verdadeiro ou sombra dos bens vindouros.
Em Cristo está a ordem perfeita, real e eterna. Ele tornou-se o autor
da salvação eterna. Salvação consumada na cruz na Sexta-Feira da Paixão.
282
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
O autor quer revelar esta salvação dada por Deus aos homens. Para a obra
redentora não foi utilizado o sacrifício de animais, como na antiga ordem, mas
o próprio Jesus foi sacrificado no altar da cruz. Isto faz dele o grande Sumo
Sacerdote. Podemos traçar alguns paralelos que revelam esta verdade.
1. Ele, Jesus, ofereceu o verdadeiro sacrifício, sua vida. Os outros
ofereciam sacrifícios simbólicos, animais.
2. O sacrifício de Cristo foi derradeiro e eterno. Os outros eram sacrifícios passageiros, uma sombra dos bens vindouros.
3. Ele é Sumo Sacerdote Maior, pois é o próprio Filho de Deus.
4. Ele penetrou os céus para sempre. Os sumos sacerdotes da ordem
antiga penetravam apenas o Santo dos Santos.
5. Seu sacrifício é melhor porque é o fim de todos os outros. Em
Cristo temos acesso a Deus Pai e podemos a Ele chegar confiadamente.
Texto
V. 14 - "Jesus, o Filho de Deus". Aqui identificamos o Grande Sumo
Sacerdote. Ele é Jesus que foi prometido e profetizado. O anjo anunciou a
José: "E lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos
pecados deles" (Mt 1.21). Jesus é Salvador e foi na sua morte que ele
trouxe a salvação. Com o "está consumado" da Sexta-Feira da Paixão a
obra redentora foi concluída e em Cristo temos a salvação.
O Filho de Deus. Não é um Filho de Deus, mas o Filho. Ele é o
Unigênito que Deus, em seu amor, nos presenteou. Este título destaca a
Majestade de Cristo como Sumo Sacerdote. Combina a natureza humana e
divina com qualificações perfeitas para o sumo sacerdócio. Ele é superior a
anjos, Moisés, Arão, Melquisedeque, porque é o Filho de Deus. Apesar de
ser o Filho de Deus, se humilhou a fim de cumprir sua missão terrena.
"Ele é o grande Sumo Sacerdote". Grande não apenas porque é o
maior, mas porque é o último. Não há mais necessidade de sumos sacerdotes, como na antiga ordem, após Cristo. Jesus foi o cumprimento das sucessões. Nele o conceito sumo sacerdotal acha plena concretização. Ele é
grande não somente quanto ao seu caráter, mas também quanto a sua obra.
Ele "penetrou os céus". Chegou até a presença do próprio Deus, onde está
à direita do Todo-Poderoso. Intercede por nós.
"Conservemos firmes a nossa confissão". Firmemo-nos na confissão
de fé e desfmtemos dos benefícios de sua obra sacerdotal. Ele, com seu
sacrifício, derrubou por terra a barreira final entre Deus e os homens. O véu
rasgou-se e temos livre acesso. É importante e vital conservar firme esta
confissão.
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
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V. 15 - "Um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas". Jesus é o Filho de Deus, mas ele também se identificou
conosco, sofrendo tudo que sofremos. O compadecer tem o sentido de simpatizar. Ele simpatiza com nossos problemas, fraquezas e conflitos. Ele sente e compreende estas fraquezas. Ele sabe o que sofremos e sob que condições vivemos. O objeto da simpatia são nossas fraquezas. "Há simpatia
para com os necessitados, mas não para os auto-suficientes".
"Em tudo foi tentado, mas sem pecado". Ele aprendeu a usar o poder
do Espírito, que está a disposição de todos os cristãos. Ele foi tentado em
sua natureza humana, mas sem pecado. Agora ele pode ajudar em nossas
tentações. A tentação de Jesus se equipara a nossa e ele não pecou. Isto é
fonte de consolo e encorajamento.
O "sem pecado" de Cristo qualifica-o para o sumo sacerdócio. Ele
não precisa oferecer sacrifício por si mesmo. Todo seu sacrifício pode ser
devotado aos homens. Mediante o sacrifício de si mesmo ele eliminou o
pecado para sempre, e, agora, temos acesso a Deus Pai.
Portanto
V. 16 - "Acheguemo-nos confiadamente". Temos acesso livre junto
a Deus. O que o homem pecador temeria em fazer - aproximar-se do Deus
Santo e Justo -agora, em Cristo, pode fazer com confiança.
"O trono da graça". A obra de Cristo fez do trono de Deus um trono
de graça e misericórdia. E Cristo, como nosso Grande Sumo Sacerdote,
está ao lado do trono assegurando-nos suas bênçãos misericordiosas. O
trono lembra poder. Ele é poderoso para ajudar, salvar e dar-nos a vitória.
Mas é preciso que cheguemos e cheguemos com confiança. Cristo tornou
possível estas bênçãos para nós. Podemos vir a este trono e pedir aquilo de
que precisamos. Talvez aí fracassamos. Na pouca vontade de vir, proveniente da indiferença e preguiça espiritual.
"A fim de recebermos misericórdia e graça em ocasião oportuna".
Esta misericórdia nos dá a esperança de recebermos muitos benefícios espirituais e materiais. São favores especiais dispensados a partir do trono, e
que estão disponíveis em qualquer ocasião.
Hb 5.7 - O autor faz uso do nome Jesus para salientar sua missão
terrena quando se coloca junto de nós. O nome Jesus também lembra esta
comunhão dele conosco. "Nos dias de sua carne". Quando assumiu a natureza humana. Sua agonia no Getsêmani, culminando na cruz do calvário.
"Com forte clamor e lágrimas". Mostra-nos a real agonia humana.
O autor chama a atenção para as orações e súplicas de Jesus. A
284
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
oração é seu constante falar com o Pai e súplica já está mais voltado para o
apelo. Suas orações e súplicas revelam que ele está identificado com seu
povo.
V.8,9 - Jesus é Filho. Vemos nisto sua divindade. Apesar de sua
divindade, Ele aprendeu a obediência. Ele se humilhou até a morte. Sua
divindade não impediu que, como homem, sofresse e aprendesse a obediência. Nós também podemos aprender. Até mesmo na cruz e principalmente na cruz. Confiar em Deus quando tudo vai bem é fácil. Fica mais difícil
quando chega a adversidade. Mas o sofrimento nos confere desenvolvimento espiritual. Jesus aprendeu a obediência por meio do que sofreu. Este
sofrer não se limita apenas a cruz, mas a todo o sofrer em sua natureza
humana. Este foi o seu preparo para o sumo sacerdócio. Ele passou pelo
caminho que devemos trilhar e alcançou vitória. Esta vitória também é nossa. Não estamos isentos de sofrimentos, mas as aflições são instrutivas,
pois por elas somos aperfeiçoados. Pelo sofrer aprendemos também a obediência.
"Tendo sido aperfeiçoado" - Jesus, em todo o tempo, foi um varão
perfeito. Em todo seu sofrer foi submetido a testes e permaneceu imaculado.
E assim ele é visto como a base de nossa salvação. Ele tornou-se o Autor
da Salvação eterna. Ele é o Autor da única salvação. Aquilo que não vem
através de Jesus não é nenhuma salvação verdadeira. E esta salvação em
Cristo é duradoura, é eterna. Ela pode ser usufi-uída por todos aqueles que
lhe obedecem. Não há distinção de pessoas e raças. Jesus é o Autor da
Salvação Eterna, quem nele crer e for batizado será salvo.
Sugestão de temas
1. Jesus, nosso grande Sumo Sacerdote.
2. Através do altar da cruz ao trono da graça.
3. Jesus se compadece das nossas fraquezas.
4. O achegar-se ao trono da graça.
5. Jesus, o autor da salvação eterna.
Elias Renato Eidam
Santo Ângelo, RS
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
285
PRIMEIRO DOMINGO DE PÁSCOA
A RESSURREIÇÁO DO SENHOR
12 de abril de 1998
1 Coríntios 15.1-1 1
I ntroduçao
Em nosso país a saudação pascoal não contém uma referência a
ressurreição de Jesus Cristo. No mundo de fala grega desde o primeiro
século a saudação era: "Cristo ressuscitou" a que se respondia: "Ele verdadeiramente ressuscitou". Na igreja de fala latina dizia-se: "Ele vive" e a
resposta era: "Ele vive realmente". Nos países hispânicos ainda se costuma
dizer: "Cristo vive". Na Alemanha e na Rússia os cristãos também ainda se
saúdam com semelhantes palavras expressas em seus respectivos idiomas.
Todas essas expressões têm apenas um propósito: glorificar o Salvador ressuscitado e expressar a fé na ressurreição com plena convicção.
Essa convicção da fé na ressurreição e a glorificação do Salvador
ressuscitado são expressas com admirável ênfase em nosso texto e contexto pelo apóstolo Paulo em 1 Co 15. Nos w . 1-1 1 ele coloca a base da ressurreição, nos w.12-34 ele afirma que todos os mortos ressuscitarão; nos w.3553 ele mostra como ressuscitarão e conclui o capítulo (w.54-58) com uma
explosão de triunfo e com uma admoestação.
Paulo está lutando contra duas heresias que se alastravam na cidade
de Corinto e que ameaçavam a fé dos membros de sua congregação. Dum
lado houve aqueles que de acordo com um ramo da filosofia grega afirmavam
a sobrevivência da alma liberta do corpo que nesta vida lhe servia de prisão ou
algema. Do outro lado havia aqueles que professavam uma filosofia
crassamente materialista, que consideravam a morte o ponto final da existência humana. Era, pois, necessário, defender com todo o vigor a doutrina da
ressurreição que alguns membros da própria congregação negavam, de acordo com o v. 12. A base da ressurreição geral dos mortos é a ressurreição de
Cristo. Essa base o apóstolo estabelece com argumentos convincentes nos
w. 1-11 que formam a espístola do nosso primeiro domingo de Páscoa.
Texto
V. 1 -Paulo lembra os coríntios do evangelho que Ihes tinha anunciado em que tinham crido e no qual ainda estavam perseverando.
V.2 - Por meio desse evangelho seriam salvos, mas com a condição
de que o retivessem na palavra tal qual lhos tinha pregado, isto é, de acordo
286
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
com o conteúdo em que o tinha feito. Se acaso pervertessem esse conteúdo
correriam o perigo de terem crido em vão.
Vv.3 e 4 N o seu evangelho anunciado a eles o apóstolo Ihes entregou
o que também recebeu, a saber, a verdade dos fatos principais e seu significado da história da redenção de Jesus: sua morte, sepultamento e ressurreição.
É importante a afirmação que ele morreu por nossos pecados, que indica
claramente o poder expiatório da morte de Cristo pela simples expressão hyper
ton hanzartion henzon como em GI 1.4. Por meio de sua morte Jesus pagou
a plena dívida de nossos pecados. O seu sepultamento atesta a realidade de
sua morte, e sua ressurreição ao terceiro dia comprova que sua obra da redenção foi coinpleta e que Deus Pai aceitou o sacrifício de seu Filho em nosso
favor. Notemos que os verbos que se referem a morte e ao sepultamento
estão no aoristo, indicando a historicidade dos fatos e que aquele que se refere
a ressurreição está no perfeito, indicando um fato histórico no passado mas
cujas conseqüências perduram no presente e no futuro.
Muito importante também é o duplo registro: segundo as Escrituras.
Os fatos de sua morte, sepultamento e ressurreição já foram profetizados
no AT (pois só este existia com o nome de Escrituras no tempo de Paulo) a
que também o próprio Jesus se referiu quando apareceu aos dois discípulos
de Emaús conforme ouvimos na leitura do evangelho deste domingo (Lc
24.25-27). O testemunho do AI' é, portanto, o primeiro argumento convincente a favor da ressurreição de Jesus (cf. S1 16.8-11; 1s 53.5-6,ll).
Vv.5-8 O segundo argumento convincente são as aparições do Cristo
ressuscitado a testemunhas oculares. São mencionadas aqui seis aparições.
Os Evangelhos mencionam mais. Não interessa dar um catálogo completo
mas apenas algumas cuidadosamente selecionadas. A primeira mencionada é a aparição a Cefas ou Pedro, mencionada em Lc 24.34. A aparição
aos 12 é mencionada diversas vezes nos Evangelhos e deve ter sido aquela
que acontece na noite do domingo da Páscoa (Lc 24.36s.; Jo 20.19s.).
Embora em algumas passagens dos Evangelhos sejam mencionados apenas
11, por causa da defecção de Judas, o número 12 é usado como um termo
padrão como também em Jo 20.24. A aparição a mais de 500 irmãos de
uma só vez não é mencionada nos Evangelhos, mas aconteceu provavelmente na Galiléia onde havia o maior número de crentes e porque para lá
Jesus ordenara que seus irmãos se dirigissem (Mt 28.10; Mc 16.7). Paulo
faz questão de mencionar um tão grande número porque na legislação judaica bastavam duas ou três testemunhas para confirmar um fato. Quanto
mais testemunhas tanto melhor a confirmação. E a maioria delas ainda estava viva, havendo assim a chance de os coríntios poderem entrar em contacto
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
pessoal com elas. O verbo koimaomai é usado predominantemente por
Paulo para designar o sentido figurado de morrer com a possível intenção
de ressaltar a esperança cristã da ressurreição.
Como tudo indica, o Tiago a quem Jesus apareceu é certamente Tiago,
o irmão do Senhor (G1 1.19), o que também é confirmado pelo mais antigo
historiador da igreja de quem temos notícia, Eusébio. "A todos os apóstolos"
pode-se referir à última aparição de Jesus por ocasião de sua ascensão (At
1.2-1 1).
Por último Paulo cita a si mesmo a quem Cristo apareceu (At 9.1-9),
como a uin abortivo. O termo ektroma, empregado só aqui em o NT, é dado
pela maioria das traduções como "um nascido fora de tempo". Seu sentido
preciso, porém, é feto morto, aborto, que calha bem no contexto. Paulo
considera-se indigno de ser chamado apóstolo assim como um afeto abortivo
não pode ser considerado um ser humano vivo. O tertio está na completa
indignidade e incompetência para tão elevado cargo. Essa interpretação
encaixa-se bem nos w . 9 e 10.
Vv.9-10 - Paulo chama-se o menor dos apóstolos não porque foi
feito apóstolo longo tempo depois dos outros, mas por causa de seu passado
indigno como perseguidor da igreja de Deus. Sua objeta baixeza, porém,
coloca agora em contraste com a suprema grandeza da graça de Deus. Seu
honrado apostolado com que foi distinguido imerecidamente atribui somente
a graça de Deus. E essa graça ainda fez muito mais do que apenas convertê10 em apóstolo. Fê-lo trabalhar copiosamente muito mais que os outros apóstolos em conjunto e coroou seu labor de superabundante êxito. Não existe
nenhuma autoglorificação nessa afirmativa, pois atribui o total êxito a graça
de Deus que trabalhou com ele.
V. 11 - Após a digressão feita em relação a sua pessoa, o apóstolo
novamente volta a pregação da ressurreição. Não importa quem a pregue,
seja ele ou os outros, por meio de sua pregação os coríntios creram. Com
isso atribui o êxito da mensagem também a graça de Deus e não ao mérito
humano e mostra que há uma completa harmonia entre ele e os outros
apóstolos no tocante a pregação do evangelho.
Proposta homilética
Tema: Cristo verdadeiramente ressuscitou.
1. É uma mensagem solidamente fundamentada
1.1 Nas promessas do AT
1.2 Nas aparições do Cristo ressuscitado a testemunhas oculares
288
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
2. É uma mensagem extremamente confortadora
2.1 Porque contém o evangelho que salva
2.2 Porque coloca aquele que crê na esfera da graça.
Paulo I? Flor
São Paulo, SP
19 de abril de 1998
Apocalipse 1.4-18
Leituras do dia
"Jesus ressuscitou!" é a grande notícia celebrada no domingo passado em todas as igrejas cristãs do mundo. A ressurreição de Jesus, e conseqüentemente a nossa ressurreição, é tema básico, doutrina vital, sem o que
o "Cristianismo permanece ou cai". Essa verdade tantas vezes fica ofüscada pelas sombras da morte que nos perseguem. Os textos bíblicos desse
segundo Domingo de Páscoa dissolvem essas nuvens e permitem continuarmos celebrando a vitória de nosso Salvador.
O Salmo 100 convoca o povo de Deus ao louvor "porque o Senhor
é bom, a sua misericórdia dura para sempre".
Atos 5.12,17-32 mostra a coragem dos discípulos em testemunhar a
ressurreição de Jesus por ocasião da primeira perseguição que enfrentaram. É impressionante esta mudança: no Domingo da Páscoa estes discípulos estavam escondidos de medo; agora desafiam as autoridades: "Antes
importa obedecer a Deus do que aos homens. O Deus de nossos pais
ressuscitou a Jesus".
O Evangelho do dia (João 20.19-3 1) mostra a presença do Ressuscitado no meio de seus medrosos discípulos, substituindo seus medos, tristeza e incredulidade por paz, alegria e firmeza de fé.
Contexto
A Série de Leituras da Trienal C, nos domingos de Páscoa, substitui
as epístolas por alguns textos bíblicos do Apocalipse que mostram a presença viva do Senhor Ressuscitado na igreja, entre os seus, animando-os e
amparando-os com sua vitória, como havia prometido: "Eis que estou
IGREJA LUTERANA- NÚMERO 2 - 1997
289
convosco todos os dias até a consumação dos séculos".
Os versículos 9 e 10 fotografam o contexto desse último livro da
Bíblia. João, o único dos apóstolos que não teve morte de mártir, foi no
entanto perseguido e banido para a ilha de Patmos, no mar Egeu, por ocasião da perseguição do imperador Domiciano (81-96), "um dos mais famosos defensores da idéia do culto aos césares" (Comentários Bíblicos de
Vem, Senhor Jesus). Esse discípulo amado do Mestre, num Domingo
(Syriakê heméra = o dia pertencente ao Senhor), sofrendo por estar longe
de seus irmãos na fé e preocupado com os rumos da Igreja, recebe a revelação do "Alfa e o Ômega, o Senhor Deus, aquele que era e que há de vir, o
Todo-Poderoso" (v. 8). Antes de mais nada, o Senhor está confortando o
seu servo João. A Igreja é obra de Deus e "as portas do inferno não prevalecerão contra ela". A caminhada da igreja neste mundo é uma peregrinação de lutas e perseguições, mas Aquele que recebeu toda autoridade no
céu e na terra está entre os seus.
João é convocado a escrever a revelação (Apokalypsis) que lhe
será feita e remeter as sete igrejas para admoestação e consolo. Sendo
um livro profético, as simbologias não permitem a visualização das visões, mas precisam ser analisadas em seus significados. A tentativa de
visualizar, por exemplo, os versículos 13-16 transforma o Salvador Jesus
numa monstruosidade em cujos lábios não soariam bem as palavras: "Não
temas" (v. 17).
Texto
Neste texto bíblico há muita riqueza de conteúdo para ser analisada e
desenvolvida numa mensagem de Páscoa. Os comentários feitos pelo prof.
Rottmann no seu Comentário Bíblico Vem, Senhor Jesus proporcionam bons
subsídios. Destaco, a seguir, algumas idéias que podem ser desenvolvidas.
a. Os w . 4-6 apresentam a dedicatória (vv. 4-5a) e a doxologia ( w .
5b-6). João faz sua dedicatória inicial da parte "daquele que é, que era e que
há de vir". Esta expressão, derivada daquela usada no Antigo Testamento
quando Deus apareceu a Moisés (Êx 3.14), fala da imutabilidade e da eternidade de Deus. Os "Sete Espíritos" é uma expressão oriunda do AT que
se refere a totalidade de Deus (Pv 9.1; Zc 3.9). "E da parte de Jesus Cristo" - Jesus de Nazaré, o homem-Deus, e apresentado com três características especiais: 1) a testemunha fiel; 2) o primogênito dos mortos; 3) o soberano dos reis da terra. Cabe aos que foram feitos reino e sacerdotes render-lhe glória pelos séculos dos séculos.
b. Os vv. 7-8 falam do verdadeiro autor do Apocalipse. O "Alfa e o
290
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
0megaM,primeiro e último, designam que Cristo, que esteve presente na
primeira revelação de Deus, a criação (C1 1.15s~)também estará na última. "Eis que vem ...e todo olho o verá." O encontro final, no dia do juízo,
será inevitável.
c. Os vv. 9-1 8 relatam a primeira das visões proféticas reveladas
ao discípulo João. Esse discípulo se apresenta como o "irmão vosso e
companheiro (synkoinós = co-participante) na tribulação, no reino e na
perseverança (hypomonê hypo: debaixo e meno: ficar = ficar de baixo,
ou seja carregar a responsabilidade, a cruz de ser seguidor de Cristo)".
"As sete igrejas" nominadas ficavam em cidades da estrada imperial onde
era significativo o incentivo do culto ao imperador. São representativas de
todas as igrejas locais. Os "sete candeeiros de ouro" representam as
igrejas e, no seu conjunto de sete, a Igreja de Cristo aqui na terra (v.20).
O essencial dessa visão é quem aparece no meio dos candeeiros: "um
semelhante a filho de homem". João está diante do Filho de Deus glorificado, descrito de forma tal que não é possível uma visualização. "Brancos
como alva lã" é uma figura que representa pureza e santidade; "olhos
como chama de fogo" indicam poder penetrante de quem nada se esconde; "pés semelhante ao bronze polido" fala do poder de subjugar inimigos;
"voz como de muitas águas" é voz que não pode ser silenciada.
É comovente o gesto desse Ser Divino que João vê: "Porém, ele pôs
sobre mim a sua mão direita, dizendo: não temas". As palavras foram as
mesmas que João ouviu no Domingo da Ressurreição. O "primeiro e o último" foi morto, mas agora estava vivo pelos séculos dos séculos. Ele pode
tirar o medo dos seus discípulos a quem tanto ama.
-
Proposta homilética
a. Adoremos o Filho de Deus
1. Ele é testemunha fiel
2. Ele é o primogênito dos mortos
3. Ele é o soberano dos reis da terra
b. Adoremos aquele que nos ama
1 . Ele nos libertou dos pecados com o seu sangue
2. Ele nos constituiu reino e sacerdotes
3. Ele vem e todo olho o verá.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
291
c. Adoremos o Ressuscitado
1. Ele é o primeiro e o último
2. Ele esteve morto mas está vivo
3. Ele nos reergue com sua mão e afasta de nós o medo.
Edgar Lemke
Porto Alegre, RS
26 de abril de 1998
Apocalipse 5.1 1-14
Contexto
O capítulo 5 ilustra, por meio de uma imagem impressionante, os artigos de fé "Subiu aos céus, está sentado a direita de Deus Pai Todo-Poderoso".
Uma cerimônia litúrgica - um culto celestial - cheio de reverência e
suspense está se desenrolando, tendo como pano de fundo a sala celeste do
trono de Deus. O culto é uma adoração e louvor a Jesus, o Cordeiro de Deus,
vencedor sobre o pecado, a morte, o diabo. Neste culto acontece a apresentação solene de um livro que contém o plano criador e salvífico de Deus.
O texto é uma constatação avassaladoramente trágica para quem
tenha pretensões de obter a salvação por seus méritos: nenhum ser criado nem anjo, nem homem, nem demônio - é capaz de tomar conhecimento do
plano oculto de Deus para o mundo e muito menos de realizá-lo; nenhuma
ciência, nenhum conhecimento por mais elevado que seja, nenhum empenho de boa vontade, por mais generoso que seja, é capaz de levar o mundo
ao seu alvo. Como disse Lutero: "Por minha própria razão ou força não
posso crer em Cristo, meu Senhor, nem vir a ele".
O destino de todos e de tudo repousa, até o fim, nas mãos de Jesus,
que declarou de si mesmo: "Tenho compaixão do povo" (Mc 8.1).
Apenas o Cordeiro de Deus, o Messias, o único que triunfou na história da humanidade - vencendo a Satanás - tem o poder para abrir o livro e
revelar-nos seu conteúdo. Em outras palavras, a salvação é obra total e
exclusiva de Deus, através de Cristo, e só pela revelação dele aos nossos
corações é que nos tornamos seu povo.
Cristo fez com que os homens fossem tirados de seu estado de aliena292
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
ção para com Deus e fossem transformados em sua propriedade e introduzidos no âmbito da sacralidade cultual divina como "reino de sacerdotes" (5.1O),
que cultuam a Deus segundo suas línguas, cultura e tradições raciais.
Texto
É uma visão do majestoso culto celestial, em que céus e terra unidos
louvam a Deus e a Cristo pela sua estupenda vitória sobre o mal.
V. 1 1 - Este culto já é realizado de modo perfeito, sublime e majestoso
pelos anjos no céu.
V.13 - Todas as demais criaturas se unem aos anjos neste canto
perfeito de louvor a Deus - que já é antecipado para dentro de nossa vida,
nossa história. A cada culto cristão aqui na terra, os céus ("os anjos, arcanjos e toda a companhia celeste") se juntam a nós - e nós a eles - para
louvar e magnificar o glorioso nome de Deus e de Jesus, de quem diz o
apóstolo Paulo: "Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está
acima de todo o nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos
céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é
Senhor, para a glória de Deus Pai" (Fp 2.9-1 1).
O Filho de Deus, nosso Redentor, veio ao mundo para redimir o mundo, "a fim de que todos honrem o Filho, do modo por que honram o Pai.
Quem não honra o Filho não honra o Pai, que o enviou" (Jo 5.23).
Proposta homilética
Tema: Céus e terra proclamam a glória (do amor) de Deus
1. Cristo é digno de todo louvor - pois é o único, capaz e suficiente
Salvador de todos nós.
2. Anjos e arcanjos e toda a companhia celeste (os santos) louvam
incessantemente a Deus e a Cristo por sua misericórdia.
3. Nós nos unimos a eles em adoração ao Redentor de nossas vidas.
4. A cada culto cristão esta cena do Apocalipse se repete: os anjos e
arcanjos e toda a companhia celeste vêm conosco cantar em louvor ao
bendito Redentor.
5. Assim, o culto cristão é um acontecimento especial - divino e
celestial, sublime e majestoso - de glorificação e proclamação de Cristo
para o mundo. Merece o melhor preparo, a mais alegre participação e minha constante presença. É um encontro com Deus, presente na Palavra e
nos Sacramentos, com seu perdão e sua paz. Eu sou o convidado para com
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
293
os anjos e arcanjos e toda a companhia celeste louvar e exaltar a glória do
amor de Deus para conosco - homens pecadores.
Sugestão de hinos
182 HL (melodia 11); 205 HL; 69 e 71 I'PL.
João Carlos Tomm
Süo Leopoldo, RS
3 de maio de 1998
Apocalipse 7.9-17
A perícope no calendário litúrgico
O texto em estudo possui estreita ligação com o período pascal, pois,
se na Páscoa recordamos a vitória do Senhor Jesus Cristo sobre a morte,
em Apocalipse 7.9-1 7 vemos retratada, de maneira maravilhosa, a gloriosa
vitória de todo verdadeiro crente sobre a morte eterna, mediante o sacrifício
do Cordeiro (Cristo), motivo de louvor e glória eterna a Deus.
Contexto
Todo o capítulo 7 de Apocalipse apresenta a Igreja de Deus, a Una
Sancta. Na primeira parte, capítulo 7.1-8 (especialmente vv. 4-8), é apresentada a Igreja Militante. É importante lembrar que o numero 144.000 (v.
4) é um símbolo que representa todos os eleitos de Deus. Na segunda parte
do capítulo (w. 9-17), temos o relato da visão daqueles que viverão nos
céus, na presença do Deus Altíssimo. A visão é da Igreja lriunfante.
Texto
V.9 João vê uma grande multidão, a Una Sancta, os eleitos perante
o trono de Deus. Os salvos não se resumem a um pequeno e insignificante
grupo, nem a determinado povo, mas os eleitos de Deus pertencem a todas
as nações, tribos, povos e línguas. Observamos aqui o caráter universal da
salvação em Cristo Jesus. A salvação e a vida eterna abrangem a todos os
que em Cristo confiam, independente de raça, cor ou sexo. É o "Cristo para
Todos".
"O povo está diante do trono e do Cordeiro com vestiduras brancas,
-
294
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
com palmas nas mãos". Alusão a Festa dos Tabernáculos (Levíticos 23.3344), onde o povo de Deus habitava em tendas. Agora, a Igreja Triunfante
celebra a jubilosa entrada na glória eterna, tendo como morada a tenda de
Deus (v. 15).
0 s ramos de palmeiras também nos fazem lembrar a entrada triunfal
de Cristo em Jerusalém (Mateus 21.1-1 1). Tanto naquele episódio, como
especialmente neste, o povo louva e adora o Rei dos reis.
Vv.10-12 - Nestes versículos, não apenas o povo eleito de Deus.
mas também os anjos, os anciãos e os quatro seres viventes, todos sem
exceção, reconhecem o poder e proclamam a glória de Deus. Comprova
isto a doxologia apresentada no v. 12, muito similar a apresentada em
Apocalipse 5.12. Porém, neste momento, ela inicia e conclui com o termo:
Amém. Sim, assim seja, todo o louvor a Deus.
V.13 - Dentro da visão, eis que surge uma pergunta fundamental e
que não pode ficar sem resposta. A pergunta é feita pelo Ancião e exatamente quer levar-nos a conhecer quem são e donde vieram os salvos. É
mais uma oportunidade de reconhecermos que a salvação vem ao homem
unicamente por Cristo Jesus.
V. 14 - O próprio Ancião responde a esta importante pergunta: "São
estes os que vêm da grande tribulação". O t e m o tll'pseos (tribulação) tem
levantado uma série de interpretações, porém, provavelmente, refere-se às
tribulações que os verdadeiros cristãos passam antes de entrar na glória dos
céus (Atos 14.22 e 1 Pedro 4.14,16).
"... lavaram suas vestiduras e as tornaram brancas no sangue do
Cordeiro". A causa de todos estes estarem na glória eterna repousa no
sacrifício de Cristo na cruz, em favor de toda a humanidade. "O sangue de
Jesus, seu filho, nos purifica de todo o pecado" (1 João 1.7).
Para que um dia estejamos na glória eterna, louvando a Deus, é fundamental que sejamos revestidos da justiça que provém de Cristo. Assim,
precisamos deixar de lado toda a "roupa suja" do pecado e, em Cristo Jesus,
revestirmo-nos do novo homem (Efesios 4.24). Lembrar: Catecisnio Menor - Quarta Parte - Da Significação do Batismo.
V.15 - "se acham diante do trono de Deus e o servem de dia e de
noite no seu santuário". O povo eleito louva incessantemente a Deus, o
povo eleito enche-se de júbilo por viver na santa presença de Deus, glorificando-o para todo o sempre. Mesmo aqui no mundo, a vida do cristão também pode e precisa ser uma vida de louvor e adoração, lembrando seus
maravilhosos feitos e bênçãos em favor dos homens.
Vv. 16 e 17 - Estes versículos sugerem que os sofrimentos, problemas,
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
295
dificuldades, sejam espirituais ou fisicos, que os santos passaram aqui na terra, não existirão mais. Ao contrário, nos céus, os salvos serão guiados pelo
próprio Cordeiro, que os apascentará e os guiará para as fontes da água da
vida. É a morada eterna e feliz com Deus nos céus. Isto nos dá a plena
certeza de que, mesmo enfrentando dificuldades e sofrimentos aqui neste
mundo, somos guiados pelo Senhor Jesus, em direção a vida eterna (João
4.14).
Proposta homilética
O texto tem caráter escatológico, portanto, é muito importante que cada
cristão esteja preparado para o grande e decisivo momento em que Cristo
chamará a todos aqueles que foram "lavados no sangue do Cordeiro", para
que vivam na glória eterna louvando e magnificando ao Triúno Deus.
Pode-se ressaltar na mensagem que o nosso louvor a Deus, aqui no
mundo, serve como prenúncio e preparação da grande e maravilhosa bênção que será louvar a Deus eternamente. Pode-se enfatizar, dentro do
nosso louvor diário a Deus, o destaque da IELB para 1998: "Adorando
como filhos de Deus".
Tema: O grande encontro com Deus nos céus!
I Parte: Está preparado para todos aqueles que foram lavados no
sangue do Cordeiro.
I1 Parte: Será de louvor e glória eterna a Deus.
Sérgio L uiz Marlow
Cariacica, ES
QUINTO DOMINGO DE PÁSCOA
10 de maio de 1998
Apocalipse 21 .1-5
Contexto
O assunto proposto nesta perícope de Ap 2 1.1-5 merece uma profunda análise e reflexão (sugerimos a leitura do livro Novos Céus e Nova
Terra, escrito pelo Rev. L. Heimann, Concórdia, 197 1, que enriquecerá em
muito o estudo e a apresentação desta meditação).
João teve inúmeras visões no Apocalipse, vendo a igreja passar por
296
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
inúmeras dificuldades e provações, e no final das adversidades ela se sente
vitoriosa no poder de Deus; livre dos sofrimentos e da dor "e Ihes enxugará
dos olhos toda lágrima ..." (v.4). Por sete oportunidades é relatado o fim do
mundo em Apocalipse, e o último destes é relatado em Ap 20.7- 15. Satanás
está derrotado (Ap 20.10). A primeira criação desapareceu (Ap 20.1 I), e
os maus foram entregues ao castigo (Ap 20.15).
Restou ainda ser mostrado a João o Reino de Deus em toda a sua
glória e esplendor, a visão do "novo céu e nova terra", a Jerusalém celeste.
Embora todas as esperanças escatológicas do Novo Testamento traduzam e culminem com a certeza de uma feliz sobrevivência na gloriosa e
bendita vida no além com Deus, temos quatro passagens bíblicas que falam
do retorno ao "eis que tudo era muito bom" de Deus. Estas são as passagens bíblicas: 1s 65.17; 1s 66.22; 2 Pe 3.13 e Ap 2 1.1.
Texto
1. João vê "novo céu e nova terra". Esta referência bíblica é citada
no Antigo Testamento em 1s 65.17 e 66.22, onde Deus promete criar "novos
céus e nova terra" destinados exclusivamente ao povo que permaneceria
fiel a Deus eternamente. Temos uma nova referência a esta promessa em 2
Pe 3.13. E quanto ao desaparecimento da terra e céus que hoje existem
temos o relato em Mt 24.29 e 2 Pe 3.10. Conforme o relato de 1s 65.17 que
OS "novos céus e nova terra" serão resultados da força (poder) criadora de
Deus e serão semelhantes aos que agora existem, no entanto sem as marcas do pecado (desobediência, infidelidade ...) e reinará para sempre a justiça e a fidelidade (2 Pe 3.13). Lutero diz: o mundo se terá despido de sua
roupa de trabalho e virá trajado de sua roupa domingueira ou de gala, uma
roupa pascal (citado em Dogrnática Cristã,v. 2, p.140).
2. No povo fiel a Deus, a nova criação já começa com a regeneração
(mudança radical de vida, das trevas para a luz). A Bíblia Sagrada denomina de criação de Deus (Ef 2.10; 4.24), conseqüentemente os crentes serão
chamados de "novas criaturas" (2 Co 5.17; G1 6.15).
3. Na presente vida, embora os crentes experimentem a regeneração, não conseguem desfrutar a presença de Deus em sua plenitude. Usufruir a presença de Deus em todos os aspectos acontecerá no novo céu e na
nova terra (v.3). Este fato é expresso com a descida da nova Jerusalém, da
parte de Deus (v.2). "O tabernáculo de Deus com os homens" (v.2) é uma
expressão usada que ressalta a presença de Deus entre o seu povo no
Antigo Testamento, no tabernáculo (Êx 29.43-45; 40.34,35) e no templo (1
Rs 8.10,11; 2 Cr 5.13). No entanto, a apostasia do povo fez com que Deus
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
297
se retirasse de Israel, deixando-o sozinho. A destruição do templo foi o
resultado da infidelidade do povo (Mt 2 1.13; Lc 19.41-46). No tempo do
Novo Testamento Deus não possui mais um tabernáculo localizado em certo lugar físico, onde ele assinala visivelmente a sua presença (Jo 4.2 1).
4. João viu a nova Jerusalém descer do céu (v.2). A velha Jerusalém
não mais é santa, por causa da sua infidelidade. Somos convidados a olhar
para a nova Jerusalém, a Jerusalém celeste (C1 4.26; Hb 1 1.10;12.22). João
viu esta nova Jerusalém descer sobre os novos céus e nova terra. A cidade
é descrita a partir do v.10. João procura fazer uma descrição quase que
perfeita deste novo céu e nova terra, tendo uma linguagem ousada, siinbólica e grandiosa e com palavras humanamente inexplicáveis.
Isaías descreve este novo mundo como um lugar em que não mais
haverá pecado, enfermidade, sofrimento, choro e morte e que todos os remidos estarão na presença do Senhor, comungarão com o seu Deus, em
eternidade perfeita, transbordante de alegria e júbilo. A seguir alguns textos
bíblicos que bem ilustram a beleza eterna deste novo céu e nova terra: 1s
65.17-25;66.22,24; Mt 5.8; Jo 14.3;17.24.
5. As bênçãos no novo céu e nova terra são apresentadas figurativamente ou de forma negativa. O contraste entre a velha terra e o novo céu e
a nova terra é realçado. Deus enxugará as Iágrimas (v.4). Por que Iágrimas? Devido ao sofrimento e morte. Não haverá mais Iágrimas junto de
Deus. As Iágrimas, agora, são amargas; porém, na nova Jerusalém serão
doces.
6. No v.5, Jesus fala com autoridade do seu trono. Tudo será novo,
inclusive os nossos corpos e as nossas mentes. O nosso velho homem, que
tantos problemas nos tem causado, não mais existirá; o domínio será do
novo homem.
Os "inscritos no livro da vida do Cordeiro" não mais sofrerão qualquer necessidade, carência, privação. Tudo haverá em abundância e fartura. Não podemos precisar a data em que Cristo virá para aniquilar este
velho mundo e instalar os "novos céus e nova terra"; cabe-nos pensar na
admoestação: "Eis que venho sem demora" (Ap 22.7a).
7. As palavras da presente perícope têm sido consolo para os crentes
em Cristo de todos os tempos e o serão até a vinda deste "novo céu e nova
terra". E foi por isto que Jesus ordenou a João que estas palavras fossem
assim escritas (v.5). Pois elas são fiéis e verdadeiras e bem-aventurado é
quem nelas confia.
Neste "novo céu e nova terra" haverá uma comunhão perfeita, completa e eterna entre Deus e os remidos. Deus habitará com eles. Eles serão
298
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
povo de Deus e Deus mesmo estará com eles. Eu sou o Alfa e o Ômega, o
princípio e o fim. O vencedor herdará estas cousas, e eu lhe serei Deus e
ele me será filho e reinarão pelos séculos dos séculos (v.6,7).
Que Deus abençoe ricamente esta nossa meditação e que juntos possamos estar com os remidos deste "novo céu e nova terra", felizes, agradecidos e jubilosos "servindo e adorando como verdadeiros Filhos de
Deus" em espírito e em verdade. Em nome deste Cristo do qual somos
mensageiros e testemunhas, a Ele honra e glória pelos séculos dos séculos.
Amém, assim seja!
Proposta homilética
Tema: Deus faz novas todas as coisas
I. A nova criação inicia com a regeneração (mudança de vida).
11. A nova criação se consumará com o novo céu e a nova terra.
111. Como novas criaturas queremos servir e adorar a Deus.
Darci André Roehrs
Santa Cruz do Sul, RS
SEXTO DOMINGO DE PÁSCOA
17 de maio de 1998
Apocalipse 21.1 0-14,22-23
Contexto
Neste domingo encerram-se as leituras de Apocalipse lidas desde o
2"Domingo de Páscoa. São cinco domingos onde as mensagens baseadas
nas leituras da epístola têm como tema central a vitória do Cordeiro sobre a
morte e todos os agentes da morte. A palavra característica do capítulo 21
de Apocalipse é o termo "novo". Tudo será novo. Os capítulos finais do
livro de João nos conduzem ao clímax de todo o livro. Depois de serem
abordados a maldade do mundo, o quadro do conflito que tem uma escala
progressiva de aumento, a batalha decisiva, agora vem a paz. Depois que
todo o mal foi destruído para sempre, depois de desaparecerem os antigos
céus e terra e o juízo final é concretizado, e a morte e o inferno são aniquilados, Deus então cria novos céus e nova terra. A Nova Jerusalém nunca
conhecerá lágrimas, tristeza, choro ... Deus habitará com os homens em seu
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
299
trono. Os servos do Cordeiro serão marcados na fronte e verão Deus face
a face. E Deus brilhará sobre os salvos e estes reinarão para sempre.
Texto
Em contraste com Ap 17.3, onde João é conduzido em espírito ao
deserto e tem a visão da Cidade Prostituta, em nosso texto ele é levado a
uma montanha e vê a Cidade Santa. Não é o Monte Sião (14.1) pois a nova
Jerusalém não está fundamentada sobre montes terrenos. A indefinida "montanha grande e elevada" simboliza a elevação de espírito necessária para
alguém poder ter uma visão celestial (Ez 40.2). A visão da nova Jerusalém
é descrita "descendo do céu da parte de Deus". Isto indica a procedência
desta cidade que tem como arquiteto o próprio Deus (Hb 11.16). Em Ap
2 1.2 esta cidade é descrita como uma noiva enfeitada, pronta para o seu
noivo. A nova Jerusalém, a noiva, a igreja, é contrastada com a "grande
Babilônia". A beleza versus a feldade. A pureza versus o pecado, vícios,
vergonha e impiedade. Mas a nova Jerusalém também é contrastada com a
antiga Jerusalém. Esta visão de João faz lembrar três contos infantis: o
patinho feio que virou cisne, a moça pobre que virou cinderela, o sapo que
virou príncipe. A transformação da feldade para a beleza nestes contos de
certa forma exemplificam a visão de João quando este vê a pura e bela
noiva de Cristo descendo do céu, pronta para seu noivo. Esta noiva antes
era uma mulher má e horrível. Esta cidade antes era um lugar ruim e feio.
João vê uma nova mulher, uma nova cidade, muito diferente das antigas.
A antiga Jerusalém também era chamada de santa (1s 48.2; Mt 4.5),
isto devido a presença do Deus verdadeiro em seu meio simbolizada pelo
Templo de Jerusalém. A "esposa do Cordeiro" é também chamada de "noiva do Cordeiro" (Ap 2 1.9). A nova Jerusalém é um antítipo da antiga Jerusalém e da igreja cristã na terra. Isto quer dizer que a visão de João pode ser
um pouco antecipada (flash) neste mundo pela presença da noiva de Cristo
- a santa igreja cristã, enquanto esta não for desposada e a união com o
noivo não for devidamente concretizada. Desta forma, o processo de transformação da feldade para a beleza tem seu início antes mesmo do definitivo
"novos céus e nova terra".
A comparação com a pedra de jaspe cristalina é uma descrição bem
humana da glória de Deus. O brilho, o fulgor da "cidade santa" vai além de
toda a compreensão humana. Jaspe é uma pedra cristalina que reflete a luz.
A presença de Deus é refletida na cidade santa. É uma luz que tem sua
fonte em Deus (2 Co 4.6). A preciosidade descrita desta pedra caracteriza
o inestimável valor da Vida Eterna.
300
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
A descrição da cidade segue com "grande e alta muralha", simbolizando a separação definitiva da cidade santa com o lago de fogo e de enxofre. É
o abismo de Lucas 16.26. Os doze anjos representam a segurança desta
cidade. Suas doze portas ... "três portas se acham a leste, três ao norte, três ao
sul e três a oeste" apontam para a grande vontade de Deus de salvar a todos
- pessoas de todas as partes do mundo, dos quadrantes cardinais. As "doze
tribos" simbolizam os eleitos da Antiga Aliança e os "doze apóstolos" os eleitos da Nova Aliança. 0 s doze apóstolos são colocados como fundamentos
desta cidade porque são apóstolos do Cordeiro. O ensino dos apóstolos que
aponta Jesus como a pedra fundamental (Hb 1 1.10; 1 Pe 2.5) qualifica-os na
condição de fundamentos. A ausência de santuário nesta cidade santa (v.22)
é explicado pelo anjo: "o santuário é o Senhor, o Deus Todo-Poderoso e o
Cordeiro". A presença constante e plena de Deus desfaz a necessidade do
Tabernáculo, dos sacrifícios, das igrejas, dos cultos e orações. Enquanto nesta
vida terrena o pecado condiciona com a necessidade de "santuários", na cidade santa a completa perfeição dos eleitos desfará esta necessidade. O "sol da
justiça" (MI 4.2) desfaz inclusive a necessidade da luz do sol, da lua e qualquer claridade (v.23). Deus é a fonte da luz, Cristo é a luz do mundo (Jo 1.79). Antes uma luz indireta (2 Co 3.18). Agora, com a presença direta da fonte
da luz, outros luminares são desnecessários.
Leituras bíblicas do dia
Salmo 67: A bondade de Deus visivelmente manifestada através de
suas bênçãos em nossa vida faz com que as pessoas de todo o mundo
conheçam a vontade de Deus, que é a salvação de todos os povos.
Atos 14.8-18: A cura do aleijado em Listra manifestou também de
forma visível o poder e as bênçãos de Deus, mas a ignorância religiosa
roubou a glória de Deus transformando homens em deuses.
João 14.23-29: O Senhor Jesus, depois de falar sobre o céu, diz neste
texto que, diante de sua ausência enviará o Espírito Santo para ensiná-los a
respeito da Palavra. Os discípulos estavam confusos, especialmente em
relação ao caminho para o céu. Para que eles pudessem conhecer o "caminho, a verdade e a vida" Jesus lhes promete o Espírito Santo.
Estas três leituras bíblicas, dependendo da ênfase, podem ajudar na
condução do culto em torno do tema da mensagem baseada na epístola de
Apocalipse. No Salmo percebemos que, quando a vontade de Deus é conhecida, a bondade divina manifestada pelas bênção faz com que as pessoas
louvem o Deus verdadeiro. No entanto, na leitura de Atos vemos que quando
a vontade de Deus é ignorada, as pessoas transportam o louvor a deuses
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
301
falsos. Já o evangelho revela que somente o Espírito Santo pode ensinar a
vontade de Deus. E a grande vontade de Deus é que todas as pessoas o
adorem como o Deus único e verdadeiro e assim recebam a Vida Eterna.
Proposta homilética
Introdução: Quem não sonha em viver numa cidade perfeita? O
caos da vida urbana dificulta e atormenta a todos. A sujeira, o lixo, a poluição, os buracos nas ruas e calçadas, os engarrafamentos, a falta de iluminação pública, os blecautes de energia elétrica, os acidentes, o barulho, os
crimes, a insegurança, a agitação, a superpopulação, enfim, todos os problemas urbanos nos levam a sonhar com cidades perfeitas. Um sonho impossível de ser realizado. Os problemas podem ser amenizados mas nunca serão
completamente resolvidos.
A visão de João descrita no livro de Apocalipse, entretanto, nos fala de
um sonho impossível. João, como que entrando numa máquina do tempo, é
levado por Deus ao futuro e espantosamente vê uma cidade perfeita. Não é
sonho nem ficção. João vê uma cidade real onde todos nós, que cremos,
habitaremos.
Tema: Uma cidade perfeita espera por nós.
I. Como ela é?
a) ela é santa (v.10). O sangue do Cordeiro a limpou;
b) ela desce do céu (v. 10). Deus é o seu arquiteto e construtor;
c) ela tem a glória de Deus (v. 1 1). Deus habita nela e sua presença a
ilumina;
d) ela é preciosa (v. 11). Sua construção custou a vida do Cordeiro;
e) ela é segura (v.12). Sua grande e alta muralha com anjos nas
portas lhe dá segurança completa.
11. Para quem ela é?
a) seu arquiteto deseja que todos sejam moradores dela (v. 13). Suas
portas estão direcionadas para todas as pessoas.
b) ela de destina exclusivamente para os que têm os nomes inscritos no
livro da vida (o número dos que foram selados: 12 tribos x 12 apóstolos x 1000
= 144 mil). Somente para aqueles que têm o fundamento dos apóstolos (v. 14).
Conclusão: O sonho de um dia viver numa cidade perfeita deixa de
ser um sonho quando somos transportados até a grande e elevada montanha (v.10) da fé de onde o Espírito Santo nos faz olhar para o futuro e ver a
302
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
cidade santa. Nesta cidade não existirá santuário (v.22) porque Deus estará
presente com todo o seu poder. Não haverá escuridão porque Jesus será a
lâmpada constante (v.23). Por isto, enquanto estivermos ainda olhando para
o futuro, construímos santuários e igreja e nos reunimos nelas para mostrar
ao mundo que nós somos a morada de Deus (Jo 14.23) e que ele também
pode realizar este sonho. Amém.
Marcos Schmidt
Pelotas, RS
A ASCENSÁO DO SENHOR
21 de maio de 1998
Efésios 1 .I6-23
Contexto
A quem Paulo está escrevendo esta carta? A igreja em Éfeso? Como
a expressão "em Éfeso" é omitida em alguns dos mais antigos manuscritos,
pensam alguns que esta carta foi dirigida a várias igrejas. Seja como for,
Paulo, nesta carta endereçada a todos os santos e fiéis em Cristo Jesus,
expressa a graça, o amor, a misericórdia, o propósito de Deus - em Cristo
Jesus - para com os homens (vv.3ss.). Especialmente, também Paulo louva
a Deus pelo fato de os cristãos de Éfeso terem ouvido, crido e estarem na fé
verdadeira (v.13). O Cristo para Todos foi também anunciado em Éfeso,
na Galácia, em Filipos ... e ali ouvido e crido por muitos. Que fantásticos
resultados são operados pelo Espírito Santo quando o evangelho de Cristo é
testemunhado pela igreja de Deus!
O desejo das testemunhas de Deus é que os "santos e fiéis" continuem vivendo na fé ... "no Senhor Jesus e no amor para com todos" (v. 15) e
assim continuem adorando a Deus, como filhos amados. Este santo desejo
Paulo expressa agora nesta belíssima e profunda oração, em favor dos "santos
e fiéis" a quem escrevia, a fim de que habite Cristo sempre nos seus corações, pela fé (repete esta oração em Ef 3.14-2 l).
A ressurreição e a ascensão de Cristo aos céus - o estar Cristo a
direita de Deus nos céus (v.20) - é a garantia da ressurreição dos "santos ...
e fiéis em Cristo Jesus".
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
303
Texto
V.16 - O amor faz o cristão se lembrar sempre dos seus irmãos na
fé, ajudando-os em todas as suas necessidades, interessando-se por eles,
sacrificando-se por eles, orando por eles (Tg 5.16). O amor de Cristo "constrangia" Paulo a agir assim para com os "santos e fiéis em Cristo". Especialmente, a permanecerem e crescerem na "graça e conhecimento de Cristo". Paulo os tinha em sua lembrança, em sua memória (mneía). Eles estavam no coração de Paulo e eram sempre mencionados (poioúmenos) em
suas orações (como é importante sermos "lembrados" e mencionados nas
orações de nossos irmãos na fé!).
V. 17 - O desejo expresso de Paulo nesta oração - (dok) é que Deus
conceda sabedoria plena, conhecimento pleno (ES) para a permanência nEle
(Cristo). Precisamos do "espírito de sabedoria" de Deus, para que continuemos sábios para a salvação, para que continuemos reconhecendo a Cristo
Jesus como nosso único Senhor e Salvador.
V. 18 - Só com a luz do Espírito Santo, com o seu contínuo iluminar
Votízo), pode o nosso entendimento (mente, coração) absorver a profundidade do amor de Deus e nEle permanecer. Que clara compreensão dos
"mistérios de Deus", do chamamento de Deus há naqueles que têm os "olhos
do coração" assim iluminados! Este ato afeta profundamente a vida do cristão.
V.19 - Compreender a grandeza do poder de Deus ultrapassa
(iperballo) a razão humana. Quando só a razão humana vai entender, por
exemplo, o poder da ressurreição, a ascensão ...? Por isso precisamos do
Poder em ação, do Poder ativo, do Poder "força" de Deus (krátos), que
opera naqueles que crêem, para assim compreendermos a profundidade do
seu amor e poder.
V.20 - Paulo, utilizando dos três vocábulos (dinámeos, krátous, isríos),
enfatiza este poder que é de Deus, que é próprio dEle, mas que é colocado
a disposição dos homens. Este poder, "o qual exerceu Deus em Cristo", nós
o vemos efetivado, de um forma muito peculiar, na ressurreição e na ascensão de Cristo. Este poder é posto à nossa disposição, pois a vitória de Cristo
é nossa também (Ef 2.6).
V.21 - Este poder absoluto de Deus é aqui descrito por Paulo, no
domínio que Ele (Deus) tem sobre tudo e sobre todas as coisas. Tudo neste
mundo e no vindouro (mélonti) - está sob o poder do Cristo exaltado (Fp
2.9). Cristo é o nome que está acima (iperáno) de qualquer nome.
V.22 - As mesmas palavras usadas por Davi no SI 8.6, são aqui
mencionadas por Paulo (e novamente em 1 Co 15.27). Assim como Cristo
304
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
é Senhor sobre todas as coisas, também o é sobre a Igreja. Deus o deu
como cabeça (édoken - Cristo é aquele que tem domínio sobre todas as
coisas). É de Cristo (a cabeça) que a Igreja recebe luz e vida plena.
V.23 - Como Cristo é a Cabeça da Igreja, a Igreja, por sua vez, é o
complemento de Cristo (a cabeça). Por isso ela é esta plenitude de Cristo
(plerournénou). Ele (Cristo) a enche totalmente. Toda a igreja tem de estar
envolvida por Cristo. A Igreja se torna ativa - igreja viva - tomando Cristo
tudo para todos. Portanto, o Cristo que morreu, ressuscitou e subiu aos céus
é Aquele que tem todo o poder, é Aquele que a "tudo enche em todas as
coisas".
Proposta hornilética
Tenza: Quando temos o Espírito de Sabedoria e Revelação:
1. Conhecemos o Cristo Vivo (que ascendeu aos céus - Jo 14.2,3).
2. Estamos nEle (sua ressurreição e ascensão é também nossa).
3. Temos o Seu Poder (o poder da vitória de Cristo - w . 19,20).
José Eraldo Schulz
Rolante, RS
24 de maio de 1998
Apocalipse 22.12-17,20
Contexto
João havia descrito a visão do novo céu e da nova terra onde "não
mais haverá morte, nem tristeza, nem choro, nem dor" (21.4), quando "faço
novas todas as coisas", conforme palavras de Jesus (2 1.5). Igualmente havia descrito com detalhes a nova Jerusalém, onde "não vi nenhum templo"
(w.2 1,22) porque "agora a morada de Deus está entre os seres humanos"
(21.3). Agora, nas colocações finais do livro a ênfase é chamar a atenção
para que as pessoas estejam prontas para a vinda do Salvador e Senhor
Jesus. Nos w.6-12 temos as palavras do Anjo, que fala "para mostrar aos
seus servos o que logo vai acontecer", referindo-se a volta de Cristo. Lembra ainda que João não deve fazer segredo das palavras "deste livro", pois
o tempo de acontecerem essas coisas está bem perto.
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
305
Texto
O texto nos traz palavras do próprio Senhor e Salvador Jesus Cristo,
ouvidas por João e pela graça de Deus escritas e preservadas até o dia de
hoje. Lenski (em seu comentário sobre Apocalipse) coloca que aqui nos
vv. 1 2 s . o anjo continua falando, mas agora citando palavras de Jesus. Isto
faz sentido ao olharmos para o v. 16.
V.12 - "E eis que venho sem demora". Que significa esse "sem
demora?" O tempo voa e não devemos esquecer "que para o Senhor um dia
é como mil anos, e mil anos como um dia" (2 Pe 3.8). Sim, o mundo deve
tomar em consideração o que Pedro diz em advertência: "Não retarda o
Senhor a sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele
é longânimo para conosco, não querendo que nenhum pereça, senão que
todos cheguem ao arrependimento" (2 Pe 3.9). "Sem demora" quer dizer "a
qualquer momento". O que é advertência para o mundo, é gloriosa promessa para sua igreja. Em nossa passagem, é grande consolo para os que esperam a sua vinda" (Vem Senhor Jesus - Ap. de S. João, Johannes H.
Rottmann, Concórdia, p.3 13). "...e comigo está o galardão, que tenho para
retribuir a cada um segundo as suas obras". A BLH tem: "Vou trazer comigo as minhas recompensas, para dá-las de acordo com o que cada um tem
feito". A Bíblia de Jerusalém tem: "trago comigo o salário para retribuir a
cada um conforme o seu trabalho". Mistós, o termo grego usado, significa
pagamento por trabalho feito -ver Lc 10.7 e 1 Tm 5.18. Logo nos vem a
mente a narrativa do juízo final, em que Jesus falará as ovelhas, a sua direita: "Vinde, benditos de meu Pai! entrai na posse do reino ... porque tive fome
e me destes de comer... (Mt 25.34s.).
V. 13 -Aqui temos a identificação e descrição daquele que está para
vir. Esta mesma identificação se dá em outros momentos do Apocalipse
(1.8,17; 2.8 e 21.6). Em Lenski encontramos uma explicação destas identificações de Jesus:
"0 Alfa e o Ômega", ou seja, a revelação da primeira e a última
letra.
"O primeiro e o último", ou seja, toda a história do início ao fim.
"O princípio e o fim", ou seja, toda a obra salvadora de Deus desde a
concepção até a consumação.
V.14 - "Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras,
para ..." Em Ap 7.14 nos é dito que estes bem-aventurados lavaram suas
roupas no sangue do Cordeiro e ficaram completamente limpas. Os que têm
direito a árvore da vida - a vida eterna - são os que foram lavados pelo
sangue do Cordeiro, derramado na cruz. Os que vêm, não com justiça pró306
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
pria, mas cobertos pelo manto da justiça de Cristo, entram nos portões da
cidade eterna (ver 2 1.12) para habitarem em comunhão com Deus.
V. 15 - "Fora" corresponde a "fora da cidade". Ap 20.15 nos diz
onde isto fica. "Os cães, os feiticeiros ... - Estes são os que não lavaram
suas vestes no sangue do Cordeiro, e por isso não puderam entrar".
V.16 -Agora Jesus mesmo testifica que tudo o que foi anunciado é a
verdade, pois, por sua ordem dada ao anjo, estas coisas foram ditas. "Estas
coisas" que em breve deverão acontecer, e que são anunciadas as igrejas
aos fiéis. "Eu sou a raiz e geração de D a v i " Jesus identifica-se como aquele
prometido - 1s 11.1 (ver tb. Rm 1.3). "A brilhante estrela da inanhã" (ver
Nm. 24.17) - A eseniplo da estrela que guiou os magos do Oriente, Jesus, a
brilhante estrela da inanhã, guiará os fiéis para a posse da vida eterna.
V. 17 - "A noiva, a igreja de Cristo na terra, está orando ao seu noivo,
seu Senhor. No fim, ela tem um só desejo, a saber, que seu noivo venha. É
o Espírito Santo que habita nos corações dos seus membros (1 Co 3.16;
6.19). É assim que Paulo escreve aos Gálatas: "Porque vós sois filhos, enviou Deus aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama Aba,
Pai!" GI 4.6. O Espírito Santo nos corações dos filhos de Deus urge que
eles peçam pelo retomo do seu Senhor, e todos os que ouvem essa oração
entrem no corpo dos que oram, dizendo também: "Vem!". É verdade, quem
não tem o Espírito Santo no seu coração, quem não pertence ao povo de
Deus, a Igreja de Cristo, não pode proferir essa palavra de oração. Por isso,
a segunda parte do versículo é um apelo missionário: "Aquele que tem sede,
venha, e quem quiser receba de graça a água da vida". É o evangelho,
pregado em todo o mundo, que assim chama. Quanto mais perto chegarnlos
ao fim do mundo, tanto mais fervorosa deve ser a pregação do evangelho.
Nós temos a promessa do próprio Jesus de que antes do fim, o evangelho
será pregado em todo o mundo. É uma mensagem doce e graciosa: "Ah!
todos vós que tendes sede, vinde as águas; e vós os que não tendes dinheiro,
vinde, comprai, e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço,
vinho e leite" (1s 55.1) (Vem Senhor Jesus, Ap. de S. João, Johannes H .
Rottmann, Concórdia, p.3 15).
V.20 - É o próprio Senhor Jesus que reafirma que Ele virá logo. E
nós, a sua igreja, oramos "que assim seja. Vem, Senhor Jesus!"
-
Proposta homilética
Tema: "Eu venho logo" - diz Jesus a sua Igreja.
1. Quem sou Eu (descrever Jesus, usando suas próprias palavras nos
vv. 13 e 16).
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
307
2. Trago recompensas para dá-las de acordo com o que cada um tem
feito (v.12 - Mostrar que a Vida Eterna não é algo isolado do que acontece
com a vida do presente. Na volta de Jesus as nossas obras serão valorizadas).
3. Quem levarei comigo para a habitação eterna (v. 14 - Os lavados
pelo sangue do Cordeiro. Há os que ficarão fora -v. 15).
Conclusão: A Igreja ora: "Vem, Senhor Jesus!"
Mário Sonntag
Curitiba. PR
O DIA DE PENTECOSTES
31 de maio de 1998
Atos 2.37-47
Contexto
Esta perícope é parte do primeiro sermão de Pentecostes proferido
por Pedro logo após o derramamento do Espírito Santo aos discípulos. Muito importante para esta perícope são os w.17-21,23,24, pois se relacionam
diretamente a reação dos ouvintes e a oferta do evangelho proferida por
Pedro. O centro da mensagem de Pedro é, sem dúvida, o Cristo morto e
ressuscitado (w.32,33), o Senhor e Cristo (ungido, prometido) da parte do
Pai (v.36). A promessa do Espírito Santo não foi anunciada a esmo aos
ouvintes (w.38,39), pois os próprios discípulos haviam sido ricamente ungidos com a doação do Espírito prometido por Cristo.
Texto
V.37 - a) katenúgesan ten kardian - Depois que eles ouviram a
Pedro, seu coração ficou compungido. O léxico traz também a tradução por
"ser apunhalado". A palavra do Senhor os atingiu em cheio. O aoristo passivo deixa transparecer que essa compunção foi algo que teve uma força
externa (passivo divino), e que foi algo que os feriu de fato e fundo. O
coração (kardia) foi o que se compungiu. O coração não descreve apenas
o sentimento humano, mas envolve todo o ser: sentimento, razão e vontade.
b) tipoiésornen - Essa foi a grande reação ocorrida nos ouvintes do
primeiro sermão dos apóstolos. A pergunta está formulada em um aoristo
subjuntivo. O subjuntivo acentua o caráter de incerteza, de insegurança nos
ouvintes de Pedro. Revela também a ansiedade que se instalou em seus
308
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
corações. Eles queriam fazer algo por si mesmos e em caráter de urgência
e, ainda, algo que pudesse Ihes dar completa segurança (aoristo). Eles não
cogitaram em fazer preparativos para sua conversão, ou para previamente
se prepararem para responder ao evangelho. Eles queriam algo para si naquele instante. Esta pergunta é também confissão de culpa, pois ao dizerem
"que faremos?", também estavam dizendo "que fizemos!".
V.38 - c) metanoésate, kai baptistéto - Se a pergunta dos ouvintes
foi um pedido cheio de urgência e incerteza, a resposta dos discípulos respeitou essa urgência (aoristo), mas cheia de certeza (imperativo). O caminho ordenado por Pedro foi: "definitivamente arrependei-vos e imediatamente sede batizados ... ". O arrependimento está ordenado na voz ativa,
enquanto que o batismo está na voz passiva. O arrependimento é um apelo
para algo mais do que confissão de culpa (coisa que havia acontecido). É um
chamamento para a mudança de mentalidade, de atitude, de postura diante de
Deus e do próximo, e que carrega sempre consigo o conceito hebraico de
arrependimento, que é o retorno a aliança do Senhor, a qual requer confiança
exclusiva, culto exclusivo e obediência diligente. Já o batismo, por estar descrito na voz passiva, não admite a participação da vontade humana no seu
agir. O batismo é obra exclusiva de Deus. A ele a pessoa se submete e com
isso se submete a Deus. Se os ouvintes de Pedro perguntaram "o que faremos", Pedro respondeu grandiosamente: busquem a Deus (arrependei-vos) e
se submetam a ele ("sede batizados"), pois só ele pode purificar-vos de vossos pecados. No arrependimento, Deus age pela palavra e a pessoa responde,
dispondo-se a mudar sua vida; no batismo Deus muda sua vida. Essa mudança deve ser buscada por nós diariamente, como diz Lutero na explicação do
batismo, pelo arrependimento diário, e Deus, por meio de Cristo, o purificará.
Por isso também disse Pedro: Cada um de vós (éhstos umon) seja batizado
em o nome de Jesus Cristo (epí to onómati lesou Xristou) para a remissão
dos pecados. Diferente do que normalmente se poderia esperar, Pedro diz epí
e não en to onómati..., talvez justamente para enfatizar o que ele assevera no
v.36 (Deus o fez Senhor...) e que eles agora deveriam submeter-se a este
Cristo que eles haviam rejeitado e matado.
d) kai lémpseste ten dorean tou agíou pneúmatos - Pedro fala
agora do dom de Espírito Santo. Dom é, aqui, diferente dos dons de que
Paulo fala. O apóstolo fala dos carismas (xárisma), que são qualidades
especiais concedidas pelo Espírito. Temos aqui um chamado genitivo objetivo, que identifica o dom como sendo o próprio Espírito. E continuando na
mesma linha de pensamento, Pedro usa um futuro indicativo. O indicativo é
usado para acentuar a certeza, ele é categórico, o futuro, nem tanto para
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
309
indicar futuridade, mas para assegurar de que esse dom será pleno, completo (o futuro tem aqui o mesmo sentido pontilear do aoristo).
V.39 - e) humin gár estin he epaggelía... - para vós e para vossos
filhos é a promessa. Num primeiro momento, Pedro está se referindo a promessa contida em Joel e repetida por ele mesmo em seu discurso (w.17-2 l).
É pela doação do Espírito Santo que se poderá invocar ao Senhor e ser salvo.
f) hósous an proskalésetai - "... a todos quanto o Senhor chamar".
Pedro descreve esta ação de Deus, no seu ponto de vista de servo, no
aoristo médio subjuntivo. Pedro deixa essa decisão ao livre arbítrio de Deus,
reforçada pela partícula án. "Se" Deus quiser chamar, a todos que chamar,
será conferida a promessa.
V.40 - g) dienrarttrrato, kai pnrekálei - agora Lucas deixa de lado
o diálogo direto entre Pedro e o povo e retoma sua narrativa. Ele usa uma
aoristo e um imperfeito. O primeiro para descrever o que estava acontecendo: Pedro testemunhava ao povo; e o segundo para descrever o que Pedro
dizia com insistência, de forma repetitiva (imperfeito).
h) sótete apó tes géneas tes skolias tautes - "salvai-vos desta geração perversa". O verbo está na voz passiva e no imperativo. Transparece
novamente o que foi dito do batismo acima: essa é uma obra exclusiva de
Deus, a qual a pessoa deve submeter-se. "Deixai serdes salvos dessa geração perversa" (pode ser boa tradução), a mesma geração que em todos os
tempos rejeitou o plano salvífico de Deus" (cf, ROTTMANN, J. H. Atos
no contexto do século X7r: p.96).
i) oi mén oún apodexámenoi ton lógon autou - "aqueles que receberam a palavra dele", ou seja, aqueles que não hesitaram mais em receber
a boa nova da salvação em Jesus Cristo. Temos aqui um particípio aoristo
médio. A voz média sempre tem uma relação muito íntima com o sujeito da
ação e poderia ser descrito como algo um tanto interesseiro: "receber por si
mesmo".
j) ebaptístesan, kai prosetétesan - são dois aoristos passivos. Eles
foram batizados e foram recebidos. A ênfase está na voz passiva ou o
passivo divino. Por detrás do batismo e do acréscimo ao número dos santos
está Deus. Embora o ser humano tenha sentimentos, razão, vontade, que
não são jamais desprezados, pois é por meio deles que o Espírito nos alcança, atinge e faz compreender seus caminhos, ainda assim o poder efetivo da
transformação e da salvação é obra de nosso Senhor e Deus.
Rui Staats
Fortaleza, CE
31O
IGREJA LUTERANA - NÚMERO2 - 1997
UM DIA A CASA CAI!
Mateus 7.21-29
Um dia a casa cai. A gente usa isso em sentido figurado, quando
existe uma situação ou até mesmo um relacionamento humano que não tem
um bom alicerce. Se planos econômicos são mantidos artificialmente, eles
vão até que um dia a casa cai. Se casamentos são de conveniência ou de
fachada, vão até que um dia a casa cai.
Um dia a casa cai. A gente usa isso em sentido figurado. Figurado
também é o uso que Jesus faz da imagem dos dois construtores, no texto de
hoje. Ele conta uma parábola. Como outras tantas, também esta foi tirada
do seu dia-a-dia. Mas, dirá alguém, que entende Jesus de alicerces e construções? Ele entende muito. Afinal, era, como diziam, carpinteiro (Mc 6.3).
Em outros momentos ele também fez uso de imagens tiradas do mundo da
construção. Um exemplo é Lucas 14.28-30, onde ele contou a parábola da
torre, ou (poderíamos dizer) a parábola do orçamento, para ilustrar os custos do discipulado.
Jesus sabe que tem casa que cai e que tem casa que não cai. Ele
pinta o quadro de dois construtores, um sábio e outro sem juízo. Os dois
constroem sua casa, ao que parece no vale. Estavam ao alcance das enchentes. Por fora eram em tudo iguais, o que não deixa de ser significativo!
Em muitos aspectos a vida do cristão é semelhante ou até idêntica a vida de
não-cristãos. São duas casas iguais. O cristão procura ser ético; da mesma
forma o não-cristão. O não-cristão promove campanhas do agasalho; o cristão também.
Até que veio a chuva, vieram as enchentes, o vento soprou com força contra a casa do homem sábio e contra a casa do homem sem juízo. E foi
então que se viu que as casas eram diferentes. A diferença não estava na
beleza ou no cuidado que se tinha dado a uma delas. A diferença estava
num ponto: no alicerce. A diferença estava por baixo, fora do alcance da
visão. Tudo depende do alicerce.
É claro que Jesus não está aqui querendo dar uma aula de arquitetura
ou construção civil. Ele fala da vida da gente. A chuva, a enchente e o vento
forte são momentos de crise, mas é antes de tudo uma referência a grande
Crise Final. Isto fica claro pelo contexto, pois Jesus diz: "Quando aquele Dia
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
31 1
(com d maiúsculo) chegar..." (v.22). E no versículo anterior ele fala de
"entrar no Reino do céu", o que, pelo contexto, é referência a entrar no
reino da glória.
1. Um dia a casa cai. Com certeza, se ela estiver sem alicerce. Tem
casa que não tem alicerce e na hora da Tromba D'água e da Grande Enchente não vai resistir. O que significa isto, em tennos de nossas vidas?
Para responder, vamos ter que olhar de perto o que Jesus diz.
a. Estar sem alicerce é ouvir a palavra de Jesus, mas apenas ouvir.
Jesus fala em ouvir sem pôr em prática. Ouço, mas não me afeta. Não
confio no evangelho, não vivo a vontade de Deus. Lutero, no Catecismo
Maior, ensina que, além daqueles que deixam de ouvir a palavra de Deus ou
vivem nas bodegas, embriagados e encharcados que nem porcos, também
transgride o terceiro mandamento "aquela outra multidão que ouve a palavra de Deus como se escuta uma nonada qualquer. Vão ao sermão apenas
por força do hábito, voltam a casa, e quando acaba o ano não sabem mais
do que no ano precedente" (Livro de Concórdia, p. 409-4 10).
b. Estar sem alicerce e sem poder resistir a Grande Enxurrada é
conhecer as palavras certas e dizê-las apenas da boca para fora. Jesus diz:
Nem todo o que me chama "Senhor, Senhor" entrará no Reino do céu. É
aqui que, na visão de muitos, aparece a falta de alicerce dos luteranos da
IELB, mais preocupados com credos e ortodoxia do que com obras e ortopraxia
(Jesus não está rejeitando a confissão "Senhor, Senhor!" Está apenas desmascarando a incoerência entre dizer e negar na prática). Fato é que essa
falta de alicerce, que pode ser caracterizada como hipocrisia, ameaça todos
aqueles que estão na igreja, qualquer que seja a denominação. Sob este aspecto, filiar-se a uma igreja tem lá seus riscos, ou seja, o risco de repetir a
liturgia ou cantar todos os "Kyrie-eleisons" e deixar por isso mesmo.
c. Se esse "Senhor, Senhor e fica-por-isso-mesmo" é, segundo muitos, a falta de alicerce dos luteranos, que dizer daqueles que têm feitos, e até
feitos aparentemente poderosos? Estes, sim, é que têm um alicerce sólido.
Será mesmo? Só que aqui Jesus nos surpreende (e daqui a pouco, querendo
ou não, vamos fazer coro com aquela multidão que, ao final do ensino de
Jesus, estava admirada com a autoridade divina com que ele ensinava). Ao
nosso modo de pensar Jesus contrapõe o "Eu, porém, vos digo!" Ele sentencia: "Quando aquele Dia chegar, muitos vão me dizer: Senhor, Senhor, em
seu nome anunciamos a mensagem de Deus e pelo seu nome expulsamos
muitos demônios e fizemos muitos milagres! Então eu responderei: Nunca
os conheci. Afastem-se de mim, vocês que só fazem o mal!" (w.22-23).
312
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
2. Um dia a casa cai. Se eu encerrasse aqui, por certo sairíamos com
a impressão de que alguém implodiu o nosso alicerce. Até agora tivemos
uma boa dose de lei. Será que existe esperança? Será que a casa sempre
cai? Não, nunca cairá, se ela estiver construída sobre a Rocha. Tudo depende do alicerce.
a. Este alicerce, é bom lembrar, é dado, é pressuposto. É uma rocha
que existe. O construtor não fez o alicerce. Nós não construímos o alicerce
de nossas vidas. Que alicerce seria este?
b. A resposta a essa pergunta parece simples: o alicerce é obedecer
ao que Jesus diz. Mas isso nos levaria ao legalismo, se é que já não é
legalismo. Penso que temos que dar uma resposta mais ampla, que leva em
conta tudo que Jesus diz neste texto. Jesus fala daquele que "ouve esses
meus ensinamentos" (v.26). Ouvir é importante. Ouvir é desistir de construir e deixar Deus fazer sua obra em nós. Ouvir é de vital importância
quando se trata do evangelho, que só nos pode vir de fora. Tem o alicerce
certo quem tem aquela pedra que o Senhor colocou em Sião, pedra preciosa
que Deus escolheu, para ser a pedra principal do alicerce, na qual está
escrito: Aquele que crê, não foge (1s 28.16). Quem tem este alicerce não
foge, mesmo face a Grande Enxurrada.
c. Jesus diz mais. Diz que construir sobre a Pedra passa pelo pôr em
prática aquilo que ele diz. Outra vez temos que pensar em termos de evangelho e lei. Pôr em prática o que ele diz é confiar na promessa do evangelho. Pôr em prática o que ele diz é fazer a vontade do Pai que está no céu.
Pôr em prática é muito mais do que ter apenas pensamentos corretos, práticas externas ou sentimentos íntimos. Pôr em prática envolve todo o meu
ser, em todos os momentos, ali onde estou, onde Deus me colocou para
confiar nele e amar ao próximo.
Quando Jesus acabou de falar, a grande multidão estava admirada.
Ele era diferente dos escribas. Ensinava com autoridade, uma autoridade de
quem identifica seu ensinamento (v.24) com a vontade do Pai (v.21). Hoje
ele deixou maravilhados também a nós, mostrando qual a casa que cai, e
qual a casa que não cai. Tudo depende do alicerce, da Pedra. Bendito alicerce!
Devoção proferida na capela do Seminário Concórdia
pelo DK Vilson Scholz no dia I 1 de junho de 1996.
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
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O VALOR E A AÇÁO DA PALAVRA DE
DEUS E M NOSSA VIDA
Tiago 1.1 6-21
Em nome de Jesus. Amém.
Somos teólogos, ou futuros teólogos! Somos treinados para estudar
as coisas de Deus e para falar sobre Deus. Cada um de nós, por certo, tem
áreas preferidas no estudo da teologia e, também, livros bíblicos que mais
aprecia. Confessamos que toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para
o ensino e para tanto mais; mas alguns de nós têm uma especial predileção
pelos Salmos, ou por Isaías, ou por Mateus, ou por Gálatas, enfim ... mas se
perguntados pelo livro bíblico preferido, alguns achariam pouco luterano responder "Tiago". No entanto, nesta carta temos as palavra de Deus por
intermédio de um pastor zeloso e preocupado com as ovelhas. Ao que tudo
indica, está escrevendo para cristãos de origem judaica, espalhados, por
causa de perseguições, vivendo dispersos fora da Judéia.
Há quem veja Tiago como um livro cuja ênfase é a prática das boas
obras, assunto sobre o qual ele realmente fala (assim como Paulo, João e
toda a Escritura). A tentação pode ser dedicar o sermão para a santificação.
Mas o texto de hoje nos acena com outro enfoque. É um texto "teológico" fala sobre Deus e Sua obra. E, na exortação que faz, não está determinando
uma ação que deve ser empreendida, mas fazendo um convite diante de
uma oferta de grande valor. Inegavelmente, o texto trata do valor e da ação
da Palavra de Deus em nossa vida. E, ao fazê-lo, traz duas verdades teológicas importantes.
Nos versículos 17 e 1 8 somos confrontados com uma linguagem que
nos dirige para a criação. Deus é o "Pai das luzes", aquele que criou os
luminares, conforme Gênesis 1 . E Ele nos gerou a nós, como a parte mais
importante de Sua criação. Mas o texto é mais rico do que isto. A linguagem
de Tiago no versículo 17 lembra fenômenos da astronomia. "Lá do alto"!
"Pai das luzes"! "Variação, sombra de mudança" eram termos usados na
astronomia para referirem-se ao movimento dos astros e a sombra causada
por alguns destes movimentos, particularmente no caso de um eclipse. Então Tiago diz: ao contrário dos astros celestes, criados por Deus, o Criador
não apresenta mudanças e nele não há sombras.
Isto precisa ser lido com o que foi dito logo antes de nosso texto,
quando Tiago tratava das provações e tentações. Lá ele insiste que Deus
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IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
não é o tentador. Sem negar a participação do diabo, Tiago insiste que é a
nossa própria cobiça que nos leva a tentação. Somos mutáveis, volúveis,
muito facilmente levados por ventos da moda. Em nós há sombras, causadas por mudanças da nossa inconstância. Então Tiago diz: não é assim em
Deus! Ele não muda. Este texto é uma crítica a nossa natureza inconstante.
Mas é uma afirmação da segurança que temos em Deus. Pelo fato de Ele
não mudar, Suas promessas são firmes e seguras. Podemos colocar nele
nossa confiança, pois não seremos enganados, nem fmstrados.
Nossa vaidade, nossa cobiça traz a tentação e o pecado. E o pecado
gera a morte, diz Tiago (1.15). Deus, em contraste, pela Sua imutável palavra,
gera vida! Ele nos "gerou pela Palavra da verdade". Usando uma linguagem
típica da criação, Tiago se refere ao nosso novo nascimento, pelo Batismo.
Nisto Tiago é bem neotestamentário. É comum no Novo Testamento referirse à nova vida em Cristo como uma nova criação. Em Cristo somos novas
criaturas, somos criados em Cristo Jesus para novidade de vida.
Tiago está nos convidando a, em meio as inúmeras mutações que
presenciamos no mundo e em nós mesmos e em meio a insegurança causada por mudanças, que reconheçamos que em nosso Pai celestial, o doador
de dádivas boas e preciosas, encontramos a doação mais cara: a vida, gerada pela Palavra.
Tiago alerta contra o irar-se e o muito falar. A ira do homem não
produz a justiça de Deus. Ao sermos tentados - e isto abrange o todo da
vida cristã, particularmente daqueles que se ocupam com a palavra de Deus
- de nada adianta reagirmos com imitação. É preciso, diz Tiago, receber a
palavra que Deus implanta pelo Seu Espírito. Esta palavra é poderosa para
salvar. É a palavra do Evangelho. É a palavra da promessa, de que em
Cristo Jesus nosso pecado foi perdoado, nossa condenação foi por Ele suportada e temos da parte de Deus vida e salvação.
Tiago está sendo "bem luterano", não é mesmo? Tiago valoriza a
Palavra. Nós também! E isto é especialmente significativo ao lembrarmos
que Tiago foi um daqueles que, a exemplo do apóstolo João, pôde dizer: "O
Verbo (a Palavra) se fez carne e habitou entre nós e vimos a Sua glória,
glória como do unigênito do Pai" (Jo 1.14). Tiago fala da Palavra que não
apenas é pronunciada por Deus. Mas a Palavra que é Cristo. Palavra que
temos a graça de usufruir, na proclamação, na absolvição, no santíssimo
sacramento.
Somos teólogos. Somos treinados para falar sobre Deus e as coisas
de Deus. As pessoas esperam que façamos isto! Tiago vem nos mostrar
hoje outro aspecto importante da teologia e do ministério pastoral, bem como
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
315
da vida cristã em geral: antes de pensarmos em falar sobre Deus, saibamos
que Ele tem muito a nos falar. É preciso aprender a falar de Deus, sim! Mas
-Tiago nos lembra - é preciso aprender, na escola do Espírito Santo, a ouvir
Deus nos falar. O Deus que não muda e que, por isso, é sempre confiável.
O Deus que nos traz em Sua palavra a vida, como o fez no Batismo, a vida
que está em Cristo Jesus, vida que é salvação. Amém.
Devoção proferida pelo Prof: Gerson L. Linden na capela
do Seminário Concórdia no dia 28 de abril de 1997.
O DEUS DA PROMESSA
1 Reis 3.1-15
A primeira reação a este texto talvez seja a de considerá-lo como um
exemplo ou modelo de oração. Sem dúvida o texto até permite tomarmos
essa direção. Entretanto, se tomarmos o texto como modelo de como fazer
oração podemos incorrer num erro. E o erro é que se não pedirmos a Deus
coisas egoístas ou bens materiais, podemos coagir Deus a nos dar o que
pedimos. Esta abordagem não tem base na Escritura e desvia-se do ponto
focal deste episódio na vida de oração de Salomão. Ao meu ver, nosso texto
revela bem mais do que um simples pedido por um coração sábio.
Acima de tudo, é preciso ter em mente que antes de formular esta
oração Salomão não era um sujeito ignorante, bobo. Ele tinha plena consciência de que herdara de Davi, seu pai, uma tarefa humanamente impossível. Sem o conselho e ajuda divinos, Salomão sabia que tudo terminaria em
grande confusão. Por isso ele vai a Gibeom para fazer sacrifícios e intercessão.
Domingo passado acompanhei minha mulher para uma palestra num
congresso
de senhoras no interior do Rio Grande do Sul. Durante o almoço
com 400 pessoas, sentamos a mesa na frente de uma senhora cujos
pais
.
.
tinham vindo da Alemanha e se estabelecido na Linha Riachuelo. Numa
mistura de alemão-português ela nos contou que nunca saíra dali. Por ser a
mais velha dos cinco filhos, teve que trabalhãr na roça para ajudar o pai a
sustentar os quatro outros filhos. Ela perdeu a chance de estudar. Casou-se
ali com um vizinho. Um dos seus grandes prazeres estava no fim de semana
quando podia vir ao culto na sede paroquial. Porque gostava, disse ela, de
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IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
ouvir as promessas de Deus. São mais ou menos dez quilômetros de estrada
de chão da sua casa até a igreja - ela leva duas horas a pé. Domingo
passado aquela senhora estava feliz porque só precisara andar 35 minutos.
O resto do caminho pôde vir de carona com o leiteiro.
O rei Salomão também teve de viajar mais ou menos dez quilômetros
até Gibeom. Mas certamente não a pé ou de carona. O Livro de Crônicas
nos diz que que todo o povo de Jerusalém foi com ele. Em Gibeom estava a
tenda da congregação, o santuário que Moisés fizera no deserto. E ali estava também o enorme altar de bronze que Bezaleel havia construído.
Salomão vai a Gibeom porque reconhece a majestosa dimensão de
Deus de um lado e a sua própria situação diminuta de outro. No texto,
Salomão declara-se uma criança. A LXX diz que Salomão era da idade de
12 anos quando começou a reinar. Josefo afirma que ele possuía 14 anos.
Certamente Salomão era jovem, mas essa frase tem mais a ver com atitude
do que com cronologia. Salomão sente-se uma criança diante da tarefa e
diante de Deus. Mas há algo mais importante neste episódio da oração.
Salomão reconhece Deus pelo que Deus é, ou seja, o Deus que é grande em
benevolência, grande em misericórdia. Este é o ponto focal. Salomão confia
no Deus que fora misericordioso para com seu pai. Salomão confia que
Deus podia demonstrar também a ele, atual rei de Israel, grande misericórdia. E nesta misericórdia de Deus Salomão deposita a sua confiança. O
Livro de Crônicas diz que Salomão ora assim: "Agora, ó Senhor Deus, cumpra-se a tua promessa feita a meu pai Davi". Salomão sabe que Deus ouve
a sua oração não por causa do que Salomão é, mas por causa do que Deus
é: um Deus de misericórdia e um Deus da promessa. O rei de Israel sabe o
que nós também sabemos: Não podemos coagir a Deus mas podemos persuadi-lo por causa das suas promessas.
De certa forma nós somos mais privilegiados que Salomão. Porque
aquele "que é maior do que Salomão", como diz o Evangelho - o Filho de
Davi - intervém na história como a Misericórdia de Deus encarnada para
se tornar o Rei dos reis e o Senhor dos senhores. Jesus Cristo fala de misericórdia em suas palavras e faz misericórdia através dos seus atos. E como
nosso Grande Sumo Sacerdote ele sacrificou-se para que a sua misericórdia se tornasse nossa para sempre. Por isso, como diz Lutero, podemos nos
aproximar carinhosamente de Deus e rogar-lhe sem temor e com toda a
confiança, sabendo que seremos ouvidos por causa de Jesus Cristo.
Na verdade, irmãos, este texto não trata tanto sobre a oração como
sobre o Deus que nos convida a oração. É um texto sobre Deus - um Deus
da graça, da misericórdia e da promessa. E, para que tenhamos coração
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
sábio, vale a pena buscar e anunciar esse Deus onde Ele está: no seu santuário, no seu altar - mesmo que tenhamos de andar quilômetros, horas, com
OU sem carona.
Devoção proferida pelo Prof Acir Raymann na capela
do Seminário Concórdia no dia 5 de maio de 1997.
ANDAR C O M DEUS
É GRANDE PRIVILÉGIO
Gênesis 5. 21-24
Genealogias são pouco atrativas e, na maioria das vezes, ninguém as
lê. Convido o leitor a deter-se por um momento na genealogia referida em
nosso texto. Alguns relatos dela nos impressionam. Como, por exemplo, a
longevidade destes patriarcas, cuja média de idade ultrapassava os 800 anos.
Este relato genealógico, como os demais, tem algo em comum. Marca a sina e a senda pecaminosa de toda humanidade. Esta terrível verdade
também se constata no texto, quando se refere a vida destes patriarcas,
dizendo: "Viveu, gerou, morreu". É como uma orquestra interpretando a
sinfonia da "Vida dos homens". Três são as notas básicas: "Viveu, gerou,
morreu ". Mas, reparem que o ritmo básico da música sofre uma mudança.
É como se todo o ritmo da grande orquestra da humanidade em sua geração
sofresse uma interrupção: é Enoque. Dele é dito: "Andou Enoque com
Deus "(v.22) .
É bom que rapidamente observemos em que contexto viveu este patriarca. Em Gn 4.17 o seu tocaio, filho de Caim, de nome Enoque, adquire
fama quando o pai lhe edifica uma cidade, chamando-a de "Cidade de
Enoque". O que se diz de Enoque, da descendência de Adão, de sua vida de
piedade, contrasta com a de Lameque da descendência de Caim (cf. Gn
4.23-24). O clima neste contexto era de crescente corrupção e violência.
Mas neste meio hostil a Deus, afastado de Deus, deste patriarca é dito:
"Andou Enoque com Deus" (v.22).
Isto tem algo a nos ensinar hoje. Vivemos, como filhos de Deus, em
meio a um contexto adverso a Deus. Igual a Enoque. Mas, é neste contexto
que nosso patriarca cumpre o seu papel de chefe de família e de profeta de
Deus. Da epístola de Judas w. 14-16 temos o testemunho das Escrituras:
IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1997
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"Quanto a estes foi que também profetizou Enoque, o sétimo depois
de Adão, dizendo: Eis que veio o Senhor entre suas santas miríades, para
exercer juízo contra todos e para fazer convictos todos os ímpios, acerca de
todas as obras ímpias que impiamente praticaram, e acerca de todas as
palavras insolentes que ímpios pecadores proferiram contra ele. Os tais são
murrnuradores, são descontentes, andando segundo as suas paixões. A sua
boca vive propalando grandes arrogâncias; são aduladores dos outros, por
motivos interesseiros."
As palavras de sua pregação eram a chamada de Deus ao arrependimento. A corrupção da raça humana foi tão violenta que Deus se arrepende de ter criado os homens. Isto leva o Criador a planejar num prazo de
120 anos destruir a toda a criatura impenitente. E é neste contexto que Noé,
bisneto de Enoque, é convocado para a missão de anunciar o juízo de Deus
sobre toda a humanidade corrupta e perdida. Deste patriarca, igualmente,
as escrituras testemunham: "Noé andava com Deus" ( Gn 6.9).
A expressão "andar com Deus" é aplicada somente a Enoque e Noé.
A mesma expressão é usada no profeta Malaquias 2.6 em referência a
comunhão única e íntima do sacerdote com Deus, como mensageiro dEle
aos homens.
"Andou Enoque com Deus" é significativo, portanto, repetido como
refrão no texto duas vezes. Andar com Deus está diretamente ligado a
confiança absoluta, a fé heróica. Só pode andar assim com Deus quem foi
tocado pela misericórdia de Deus. É possível aos(a) filhos(a) de Deus, em
meio a uma geração perversa e má, não se deixarem levar pela lei das
condicionantes: "Todo mundo vive e faz assim, por que eu não posso?"
Quando a palavra de Deus é a base do pensar, do fazer, do viver, o milagre
acontece. E um dos exemplos deste milagre está na vida de piedade e de
temor de Enoque. Por quê? Andou Enoque com Deus. E quando Deus
ganha o primeiro lugar no coração humano, tudo o mais torna-se secundário. O profeta Elias foi transladado por Deus, e também de Enoque diz o
texto: "E já não era, porque Deus o tomou para sin(Gn 5.24). Enoque e Elias
foram transladados por Deus ao céu. De Enoque temos o testemunho de
Hebreus 11.5,6:
"Pela fé Enoque foi transladado para não ver a morte; não foi achado
porque Deus o transladara. Pois, antes da sua transladação, obteve testemunho de haver agradado a Deus. De fato sem fé é impossível agradar a
Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia
que Ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam."
E este é outro detalhe que no texto e contexto quebram o ritmo: a
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1997
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média de vida ultrapassava então os 800 anos e este, que andava com Deus,
Deus o toma quando alcançou seus 365 anos. Deus toma Enoque de modo
inesperado e repentino. Os anos de vida de um que anda com Deus não são
mais caracterizados cronologicamente, no limite da vida terrena, mas se
caracterizam pela marca da bênção e da aventurança eterna. Enoque, o
portador da fé e da paz de Deus, não experimentou a morte, mas Deus o
tomou para si.
Enoque, o patriarca e profeta, que anuncia o juízo e a justiça de Deus,
é, para nós, o testemunho de Deus de que apesar da nossa morte temporal,
pela fé em Cristo, o Senhor, aguardamos e vivemos a esperança da vida
eterna. Encontrando nos Seus três ofícios - o profeta, sumo-sacerdote e rei
- fundamento para a salvação de todos os homens ainda em nossos dias.
Cristo foi o perfeito varão que andou segundo a vontade de Deus.
Cristo viveu, morreu, ressuscitou e foi levado aos céus para que todo
aquele que nele crer não morra, mas tenha a vida eterna. Se em Enoque
Deus quebra o ritmo de toda uma geração - pois Enoque viveu, gerou e foi
tomado - em Cristo e por Cristo Deus quebra o ritmo de toda uma humanidade, pois nele vivemos, nos movemos e existimos agora e para sempre.
Deus nos firme nesta fé. Amém.
Devoção proferida na Capela do Seminário Concórdia pelo
professor Orlando Nestor Ott no dia 12 de maio de 1997.
Amados, Jesus garante: "Bem-aventurados são os que ouvem a
Palavra de Deus e a guardam".
Nosso texto e nosso contexto apontam para uma riqueza de
ensinamentos importantes. Consideremos alguns:
No dia seguinte após o maravilhoso milagre da multiplicação dos
pães, a multidão voltou àquele mesmo lugar de gratíssimo prazer. Como não
encontraram Jesus, "tomaram os barcos e partiram para Cafarnaum à sua
procura7' (v.24). Ficaram espantados em encontrá-lo ali. Não o viram embarcar em barco algum. Não sabiam que Jesus havia atravessado o mar a
pé. Daí a pergunta ansiosa: "Mestre, quando chegaste aqui?" (v.25).
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Jesus - que "vê os corações" - ao invés de responder a pergunta
diretamente, aponta para o equívoco do conteúdo daquele questionamento.
Interesseiramente, as pessoas o procuraram porque Jesus havia-lhes saciado plenamente a fome do dia anterior com um lanche muito gostoso a base
de pão e peixes. Por isso, eles achavam "uma boa" seguir Jesus. A vantagem parecia ser grande.
Na verdade, ainda hoje isso acontece na igreja de Cristo. Muitos
procuram Jesus para simplesmente buscar e receber benefícios e vantagens terrenas (mantém nome no rol de membros com direitos conseqüentes: batizar, casar, usar cemitério, salão social, etc.).
E aqui eu abriria um breve parênteses para a gente se perguntar: Mas é errado, é equivocado eu pedir ajuda de Jesus para minhas necessidades do dia-a-dia, humanas, materiais, terrenas?
A resposta está no próprio agir normal e natural de Jesus. Na sua
caminhada por esse mundo curou um sem-número de sofredores, cegos,
paralíticos, leprosos (inclusive os tocava, chegava perto, interrompia viagens), comoveu-se e chorou com a morte do amigo Lázaro e do filho da
viúva de Naim, devolvendo os filhos ressuscitados aos queridos parentes.
Jesus "se liga" ao sofrimento das pessoas, acabara de saciar a fome de
seus interlocutores. Jesus penaliza-se com a miséria humana.
O mesmo acontece até hoje. Jesus se liga nos nossos sofrimentos,
tristezas, fraquezas, inseguranças, medos, em nossas dificuldades diárias:
- quem sabe, algum familiar doente ou necessitado em casa;
- quem sabe, algum parente desempregado ou com sua lavoura perdida;
- talvez alguma nota baixa que coloca o semestre em perigo;
-talvez um colega de estudos que é tão difícil de entender ou aturar;
- talvez o dinheiro que está curto;
- talvez aquela guria de quem tanto gostaria de me aproximar e está
faltando coragem;
- talvez os outros que não me compreendem;
- aquela dor que persiste ...
Amados: não tenhamos nenhuma dúvida de que Jesus realmente se
liga em nossas dores, dúvidas, angústias e medos. Ele se comove conosco.
Chora conosco. Nos leva a sério. Afinal, ele assumiu integralmente nossa
dimensão humana, "se fez carne e habitou entre nós". Jesus sabe o que é
peregrinar por esse mundo difícil e complicado. Ele sempre está disposto e
disponivel para ajudar.
Fechando o parênteses que havíamos aberto: o equívoco do povo, o
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equívoco do qual hoje ainda corremos risco é o de colocar aqui um ponto
final: o bem-estar humano, do dia-a-dia.
Os milagres, o "estar conosco todos os dias" nos ajudando e livrando
de toda a sorte de percalços humanos, na verdade, são sinais e provas de
que nosso Salvador e Senhor é Deus todo-poderoso que quer nos salvar
também espiritualmente nos oferecendo principalmente os bens e benefícios do reino de Deus e quer nos levar consigo para a vida eterna. É por isso
que Jesus exorta: "Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que
subsiste para a vida eterna" (v.27). E acrescenta: "Eu sou o pão que desce
do céu" (v.41) e inclui: "Ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou
não o trouxer" (v.44).
A partir daí, Jesus começa a enfatizar a respeito de si mesmo, da fé,
da fé salvadora: é, sim, o homem quem crê, quem se volta para Cristo de
coração e vontade. Mas é o próprio Deus que dá direção a vontade do
homem. Deus atrai, não força. E o faz pela Palavra, doutrina e sacramentos, como diz Jesus: "Está escrito nos profetas: e serão todos ensinados por
Deus. Portanto, todo aquele que da parte do Pai tem ouvido e aprendido,
esse vem a mim" (v.45). E Jesus repete e reforça sua exortação salvífica:
"Quem crê em mim, tem a vida eterna. Eu sou opão da vida. Eu sou o pão
vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente" (v.47,
48,5 1). "Eu sou o pão da vida ... Se alguém dele comer, viverá eternamente ... E o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne" (v.5 1).
Diante dessa afirmação dzfcil, os judeus retrucaram: "Como pode
esse dar-nos de comer a sua própria carne?" (v.52).
Amados, na realidade, Jesus decide não esclarecer esse "como? ".
O que ele fala a respeito de sua própria carne, como o alimento que fortalece e nutre para a vida eterna, é e permanecerá para a razão humana um
mistério. Jesus aponta mais para o porque é necessário e para que é útil
que se coma da sua carne.
Lutero, quando trata desse assunto, dá uma boa pista para compreensão ao apontar para o contexto, mais precisamente o versículo 35 do
mesmo capítulo 6: "Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou o pão da vida; o que
vem a mim, jamais terá fome; e o que crê em mim, jamais terá sede". Em
todo esse sermão de Jesus, em toda sua exortação, ele aponta insistentemente para o assunto fé. Onde o Senhor Jesus é pregado e ensinado, diz
Lutero, como tendo entregue seu corpo a morte por nosso pecado e, mais:
que o sangue de Jesus foi derramado em nosso benefício também, e eu, de
todo coração me apego, creio e confio firmemente nessa realidade, isso
signifca e é comer e beber o corpo e o sangue de Jesus. Comer quer dizer,
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nesse caso, crer Quem crê também come e bebe Cristo.
Amados, Davi confessa no Salmo 37: "Fui moço, e já, agora, sou
velho, porém jamais vi o justo desamparado, nem a sua descendência a
mendigar o pão" (v.25).
Jesus prometeu "estar conosco todos os dias, até a consumação dos
séculos" (Mt 28.20). Jesus está sempre ao nosso lado, nos leva a sério e
quer nos ajudar a resolver nossos problemas e impasses existenciais. Como
seres multifacetados, Jesus quer nosso bem-estar em todos os níveis: biológico, psicológico, social e espiritual.
Esta é a tensão enquanto estamos no mundo e ainda não no céu.
Todos os níveis do nosso ser inultifacetado são importantes diante de Jesus.
O destaque ao espiritual é por causa de sua dimensão eterna. Portanto, não
se trata de uma questão de importância, mas de uma questão de prioridade! Obrigado, Salvador e Senhor Jesus! Em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo. Amém.
Devoção proferida na Capela do Seminário Concórdia
pelo Rev. Norberto E. Heine em 3 de junho de 1997.
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LIVROS
VICEDOM, Georg F. A Missão como obra de
Deus - Introdução a uma teologia da missão.
Traduzido por Ilson Kayser e Vilmar Schneider
(Apêndice). São Leopoldo: Sinodal, 1996. 127 p.
Finalmente, depois de quase quarenta anos após sua edição original ter
sido publicada na Alemanha (Munique 1958), a famosa obra de Vicedom
está disponível em língua portuguesa.
Talvez Vicedom seja um ilustre desconhecido para muitos teólogos brasileiros, mas é bom frisar que o mesmo é um dos mais renomados missiólogos
do século 20. Georg Friedrich Vicedom (1903-1974) nasceu na Bavária,
Alemanha, numa região de forte influência luterana. Em 1922 entrou no
Seminário para Missão e Diáspora de Neuendettelsau (Baviera), e mais
tarde, após estudos complementares na Universidade de Hamburgo, foi
enviado pela Obra Missionária de Neuendettelsau para a Nova Guiné. Atuou
por dez anos nesse local, especialmente entre tribos que ainda não haviam
sido alcançadas por outros missionários. Mais tarde, voltou para Alemanha
como Professor de Teologia em seu Seminário de Neuendettelsau. Posteriormente se tomou o primeiro catedrático de Missiologia na Escola Superior
de Teologia da mesma localidade, além de tomar-se livre-docente na Universidade de Erlangen. Como uma das maiores autoridades em missiologia,
escreveu vários artigos e obras teológicas, cooperou em inúmeros grupos
de trabalho, congressos, sínodos e assembléias. Sua atuação não se restringiu somente ao círculo luterano, mas também colaborou na obra do Conselho Mundial de Igrejas. Nessa condição, visitou todos os continentes e esteve no Brasil em 1967.
A famosa obra de Vicedom, que está em nossas mãos, apresenta algumas vantagens em relação à obra original publicada em alemão em 1958 (e
mesmo em relação à tradução em inglês, publicada em 1965 pela Concordia
Publishing House). A edição portuguesa, além do texto original da obra,
traz uma breve biografia de Vicedom, comenta a importância de sua teologia e ainda oferece um apêndice, onde aparece um artigo do autor publicado
em 1952, sob o tema: a justificação como força conformadora da missão.
Também chama atenção as notas do editor, que oferecem informações
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úteis ao leitor pouco familiarizado com a história das conferências
missionárias.
Em A Missão como obra de Deus, Vicedom demonstra todo seu conhecimento e experiência no campo da missão, promovendo uma discussão
teológica profunda sobre a igreja e sua atuação no mundo. Para o autor,
cada atividade desenvolvida na igreja não terá sentido se a mesma não for
realizada numa perspectiva missionária. Ele observa que a falta de compreensão dessa simples verdade tem causado muitas dificuldades na igreja com
relação a sua consciência missionária.
Numa época em que a missão da igreja corre o risco de se evaporar em
meio a programas de mero cunho social, político e econômico, é salutar
ouvir o lembrete de Vicedom, de que sempre que a igreja se reúne na presença de Deus - em culto, ela continua cumprindo o seu papel de proclamadora
do Evangelho no mundo. No culto, Deus serve seu povo por meio da Palavra e Sacramentos; esse povo, agora fortalecido, sai ao mundo, sendo sal e
luz.
O autor percebe muito bem a dimensão da Escritura, com relação à
igreja. A igreja é um povo peregrino que, na sua caminhada até os confins
da terra, vai juntando os que são chamados para serem dEle. A igreja está
envolvida nessa missão, única e exclusivamente, porque essa missão é do
próprio Deus. Eis porque ela é chamada de Missio Dei.
Ely Prieto
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Diversos autores
Diferentes temas
Para dar inicio às comemorações
dos 95 anos de trabalho, o Seminário
Concórdia lançou este volume festivo
com textos de professores epastores
ligados a esta instituição.
São 15 artigos que refletem a grande
diversidade de dons e opiniões que
a IELB abripa.
., . e o Evan~elho.faculta.
,
u
Temas aue ~ermitemsituar. em arte:
o momento atual da igreja;
o seu crescimento teológico;
o seu amadurecimentopastoraC.
n
É um trabalho que mostra claramente que os dons
estão vivos e presentes na igreja,
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