A formacao dos professores e sua contribuicao

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A FORMAÇAO DOS PROFESSORES E SUA CONTRIBUIÇÃO
AOS ESTUDOS DA RESILIÊNCIA
Ana Lúcia Leal
Ferdinand Röhr
Nadja Acioly Regnier
Resumo
Este artigo representa uma proposta de estudar questões que envolvem o processo de
ensino-aprendizagem e a resiliência. A novidade que os estudos sobre resiliência
propõem-se a trazer é a ênfase na promoção de processos educativos que tornem as
pessoas mais resistentes e maduras para enfrentar as dificuldades que ocorrem na vida
de qualquer ser humano. O pedagogo deveria procurar fazer progredir, levar ao máximo
cada indivíduo que lhe é confiado, entendendo que o seu futuro não é estritamente
previsível através da categoria social de onde ele saiu, através da sua estrutura familiar
ou de seu nível cognitivo. Nesta concepção, existem sempre desafios a enfrentar e não
casos perdidos. O presente trabalho resulta de estudos que atualmente vêm sendo
desenvolvidos no curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Pernambuco – UFPE e no laboratório de Psicologia Santé
Individu et Société de l’Université Lyon 2.
Palavras-chave: formação profissional – formação humana – resiliência
Résumé
Cet article a comme objectif une étude des questions relatives au processus
d’enseignement-apprentissage et celui de la résilience. La nouveauté que la littérature
récente sur la résilience apporte dans ce domaine est un accent sur la proposition de
processus éducatifs qui puissent rendre les personnes plus résistantes et mûres pour se
confronter aux difficultés qui ont lieu dans la vie de tout être humain. Dans ce cadre,
l’éducateur devrait faire progresser au maximum chaque éduquant, dans une perspective
qui postule que l’avenir de chacun n’est pas prévisible et déterminé ni par sa catégorie
sociale, ni par sa structure familiale ou niveau cognitif. Ce travail est une partie de la
thèse de la première auteure, dans le cadre d’une co-direction entre le Programme de
Pós-Graduação en Education de l'Université Fédérale de Pernambuco et le laboratoire
Santé Individu et Société de l’Université Lyon 2.
Mots-clés: formation professionnelle - formation humaine – résilience
2
A FORMAÇAO DOS PROFESSORES E SUA CONTRIBUIÇÃO
AOS ESTUDOS DA RESILIÊNCIA
1 INTRODUÇÃO
No cotidiano escolar, a complexidade da sala de aula, caracterizada por sua
multidimensionalidade, simultaneidade de eventos, imprevisibilidade, imediaticidade e
unicidade de respostas às inúmeras situações práticas, constitui-se em sério desafio, que
exige certa capacidade de enfrentamento por parte do professor.
Como afirma Weisser (1998), todo professor digno deste nome tem como única
aspiração, a de se tornar finalmente útil a seus alunos. A formação de professores e os
saberes profissionais produzidos ali carregam a marca desta originalidade.
As práticas em sala de aula levam a crer que além do conhecimento dos temas a
que se destinam ensinar, a sensibilidade e a persistência parecem ser fundamentais para
que os professores possam ser encarados como bons profissionais.
Acioly-Régnier et Monin (2009, p.6) observaram na França algumas reações que
parecem reveladoras das dificuldades encontradas nas práticas pedagógicas dos
professores da educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental. De uma
maneira simplificada, essas autoras caracterizaram dois tipos de condutas prototípicas
não exclusivas. A primeira que parece consistir em uma postura defensiva de atribuição
da causa das dificuldades pedagógicas a características particulares dos alunos. A
segunda caracterizando-se por uma internalização do fracasso que se manifesta
freqüentemente em uma “tomada de consciência” de que eles não são capazes de
exercer essa profissão. Esses dois mecanismos podem coexistir e se alternar em função
de contextos específicos. Nos dois casos, dados empíricos construídos por observação e
por questionários conduzem-nos a reconhecer que o professor em formação se encontra
em uma situação de sofrimento
Ao observar os comentários que circulam no imaginário acadêmico é possível
perceber que os alunos deslocam muitas vezes a dificuldade de aprendizagem no
conteúdo das disciplinas para a figura do professor, que passa a ser visto como alguém
também “difícil”. Determinadas disciplinas já são, de antemão, consideradas como
desinteressantes e difíceis e esta impressão pode atrapalhar o processo de aprendizagem
3
dos conteúdos transmitidos, como se já fosse criada uma indisposição “gratuita”. Apesar
da dificuldade/resistência inicial, quando o professor estabelece uma postura de
humanidade, disponibilidade e simpatia, a aprendizagem se dá normalmente de modo
mais natural, prazeroso e efetivo.
Weisser (1998) considera que os saberes da prática educacional não são fruto de
uma transmissão, mas de uma apropriação e de uma produção. Eles estão ligados ao ator
profissional, mas também à sua pessoa. A formação destinada à profissão de professor
tomará não o aspecto de uma transferência de conhecimentos descontextualizados, mas
sim, de uma re-interpretação de um discurso pedagógico próprio a cada um.
O que faz com que alguns profissionais, sobretudo do ensino público, tenham
escolhido lecionar, enfrentar muitas vezes condições desfavoráveis de ensino, como por
exemplo: número excessivo de alunos em sala de aula, condições físicas de trabalho
inadequadas, elevada jornada de trabalho, má remuneração, e ainda conseguir
conquistar a admiração, carinho e respeito dos alunos, despertando o interesse pela
aprendizagem dos conteúdos?
O que faz com que esses mesmos professores consigam ajudar seus alunos a
superar possíveis dificuldades de aprendizagem mesmo quando estes estão inseridos em
situações precárias, adversas, tais como: doença, pobreza e desarmonia familiar,
favorecendo o aparecimento de uma postura de disponibilidade ao aprendizado
satisfatório e prazeroso dos assuntos?
A resposta pode estar em estudos desenvolvidos pela Psicologia. Há anos esta
ciência tem se interrogado sobre o fato de que certas pessoas têm a capacidade de
superar as piores situações, enquanto outras ficam aprisionadas na infelicidade e
angústia que se abatem sobre elas. A capacidade das pessoas manterem-se íntegras,
apesar das adversidades do caminho, chama-se resiliência.
Um professor resiliente não se abate facilmente, não culpa os outros pelos seus
fracassos. A resiliência sintetiza intervenções de apoio, de otimismo, de dedicação e de
amor que perpassam as relações intra e inter-humanas. Mas a resiliência não surge
magicamente. Ela advém de uma multiplicidade de fatores que decorrem da formação
humana de cada ser, acrescidas de, no caso do professor, de sua vivência profissional
Na perspectiva da resiliência, o objetivo da experiência formativa reside em despertar as
potências do humano que habitam em cada um de nós, mediado por uma visão integral
ou multidimensional.
4
A proposta do presente trabalho é refletir sobre a interferência da formação
profissional e humana do professor e suas contribuições aos estudos da resiliência.
Sendo compreendida enquanto atitude pró-ativa, pergunta-se se a resiliência não
contribuiria para que esses profissionais fossem não apenas eficientes, mas, sobretudo,
humanos, em sua inteireza.
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 Características gerais da resiliência
A palavra resiliência apresenta várias definições de acordo com a área em que se
emprega o termo. Tem origem no latim resílio que significa retornar a um estado
anterior (MONTEIRO, et al., 2001). A resiliência é um termo oriundo da física. Trata-se
da capacidade dos materiais de resistirem aos choques, sendo a propriedade que
possuem de voltar ao normal depois de submetidos à máxima tensão.
O conceito de resiliência vem evoluindo ao longo das décadas. Já foi entendido
como sinônimo de invulnerabilidade e como qualidades elásticas e flexíveis do ser
humano. O foco no indivíduo caracterizava as pesquisas pioneiras, que questionavam se
a resiliência seria possível por uma constituição singular do indivíduo ou pela interação
entre aquilo que é subjetivo e aquilo que o meio externo oferece como suporte ao sujeito
(ASSIS; PESCE; AVANCI, 2006).
As relações familiares, sobretudo na infância, devem ser ressaltadas enquanto
vetores fundamentais na formação dos indivíduos, gerando a capacidade deles
suportarem crises, bem como superá-las. Nesse contexto, a resiliência representa a
capacidade concreta das pessoas de não só retornarem ao estado natural de excelência,
superando situações críticas, mas também de utilizá-las em seus processos de
desenvolvimento pessoal, sem se deixarem afetar negativamente, capitalizando as forças
negativas de forma construtiva.
Para Vicente (1996), as características centrais encontradas nas pessoas
resilientes são: o reconhecimento da verdadeira dimensão do problema; o
reconhecimento das possibilidades de enfrentamento, e o estabelecimento de metas para
sua resolução. Os resilientes buscam no auto-conhecimento o equilíbrio necessário para
aprender a transformar emoções negativas em positivas. Mas não são todos os seres
humanos que conseguem ultrapassar os momentos de crise. O próprio sofrimento físico
5
e psicológico pode inibir e, de certa forma, alterar a resposta resiliente do sujeito. O ser
resiliente não significa alguém que consegue resistir a todas as pressões do meio1, isto é,
o indivíduo, por muito resiliente que seja, pode chegar a um ponto em que não tolere
mais a pressão externa.
A resiliência é considerada uma energia inerente aos seres humanos, que pode
ser nutrida ao longo de toda a existência. Um dos fatores mais necessários para o
fortalecimento da resiliência é o apoio e o acolhimento pelos membros de sua rede
pessoal e social. Essas pessoas atuam como “tutores de resiliencia” (CYRULNIK, 2004)
ou “figuras de apego” (BOLWBY, 2002).
A escola é um dos tutores de resiliência mais potentes que a sociedade pode
implementar. Ela possui funções que vão além da produção e reprodução do
conhecimento. Os exemplos e os incentivos são importantes para a formação
do indivíduo e, portanto, investir na escola como espaço que contribua
também para a promoção da saúde, a qualidade de vida e o bem-estar dos
indivíduos que dela fazem parte pode ser um caminho para a prevenção de
agravos à saúde (ASSIS, PESCE e AVANCI, 2006, p.117).
A capacidade de superação de adversidades, portanto, é uma qualidade que
existe e que pode ser incentivada em qualquer instituição ou grupo social. Assim, em
um mundo em que se influencia a formação dos outros e por eles se é cotidianamente
tocado, a satisfação de uma pessoa ou mesmo de um grupo não pode ser concebida sob
a égide da competitividade e do isolamento social.
Recentemente, o conceito de resiliência foi assimilado pelo campo da Saúde
Pública, ganhando uma conotação voltada para a promoção da saúde, do bem-estar e da
qualidade de vida.
A noção de resiliência vem complexificando-se sendo abordada como um
processo dinâmico que envolve a interação entre processos sociais e
intrapsíquicos de risco e proteção. O desenvolvimento do constructo enfatiza
a interação entre eventos adversos da vida e fatores de proteção internos e
externos ao indivíduo (ASSIS; PESCE; AVANCI, 2006, p.19).
À medida que se potencializa a resiliência, reduz-se a vulnerabilidade e viceversa. Alguns fatores agem como facilitadores da vulnerabilidade, enquanto outros
agem proativamente, funcionando como mecanismos de proteção. Eles podem ser
definidos
como a soma de todas as relações que um indivíduo percebe como
significativas ou define como diferenciadas da massa anônima da sociedade.
Essa rede corresponde ao nicho interpessoal da pessoa e contribui
substancialmente para seu próprio reconhecimento como indivíduo e para sua
auto-imagem (SLUZKI, 1997, p. 41-42).
1
A própria física explica que a resistência de um dado material tem limites.
6
O estudo sistemático da resiliência nas pessoas e nas organizações revelou que
ela não é uma qualidade única, característica intransferível de um grupo especial de
pessoas. Resulta, antes de tudo, de qualidades comuns que a maioria das pessoas já
possui, mas que precisam estar corretamente articuladas e suficientemente
desenvolvidas (COSTA, 1995).
A resiliência, portanto, é um fenômeno que pode ser fortalecido. Para tanto, é
importante conhecer a história do indivíduo, procurar analisá-lo em seu contexto, para
então intervir de maneira apropriada, buscando as razões capazes de motivá-lo e
fortificá-lo. A resiliência funda-se numa interação entre a pessoa, enquanto ser humano
e o seu eu, enquanto produto de desenvolvimento, situada num contexto ambiental que
ela influencia e que por ela é também influenciada. Para compreender a resiliência como
uma capacidade universal, para que ela se desenvolva é necessário utilizar os próprios
recursos e trabalhá-los em estreita ligação com o seu meio social e cultural.
A busca pelo autoconhecimento e fortalecimento dos valores do ser humano,
como base para o desenvolvimento de sua força interior, é capaz de habilitar o homem a
superar as dificuldades que a vida apresenta. Essa força, resiliência, não tem uma
fórmula definida, uma receita, mas traz, em sua essência, a introspecção, a harmonia
entre razão e emoção, a harmonia entre corpo e imaginação.
2.2 A experiência formativa (profissional e humana) e sua interferência nos
estudos sobre resiliência
O conceito geral de educação, em nossa cultura, permanece associado a um
privilégio da cognição e a uma ilusão de que a racionalidade esgota por si mesma todas
as facetas do fenômeno humano. Essa forma de pensar e organizar os processos
educacionais tem levado os professores e alunos a lidarem com a realidade também de
forma descontextualizada, com repercussões diretas na maneira como compreendem e
lidam com as experiências de suas próprias vidas.
O professor, muitas vezes, necessita de uma habilidade em aprender a lidar com
determinadas situações problemáticas, ou se desvencilhar das tensões nelas produzidas,
em controlar possíveis sinais de angústia ou frustração nela geradas e, para isto, é
preciso ativar certas estruturas psicológicas que têm sido denominadas como formas de
resiliência (CASTRO, 2001).
7
Na perspectiva da resiliência a experiência formativa tem como objetivo
despertar as potências do humano que habitam no ser, através de uma visão integral ou
multidimensional. Através desta visão formativa, se é instigado a experienciar
condições insuspeitadas de crescimento e realização. Infelizmente o sistema educacional
ainda não dispõe de uma capacidade de reação para atender a tantas demandas,
especialmente as sociais.
É bem possível que quanto maior e mais rica for a história pessoal e profissional
do professor, maiores serão as possibilidades de ele desempenhar uma prática
educacional consistente, voltada não apenas ao desenvolvimento cognitivo do aluno,
mas favorecendo o desabrochar de todas as potencialidades do humano. Neste sentido,
concorda-se com Cavallet (2006), quando considera que os recursos que ambas as
pontas da inter-relação professor-aluno sofrem interferências das histórias de vida, das
crenças sustentadas, da percepção de si e da situação.
Röhr (2004) aponta que
alguém que não conquistou para si essa sensibilidade não poderá prestar
ajuda educacional.[..] Somente uma pessoa que conhece na sua própria
trajetória os agentes que desviam do auto-conhecimento e, portanto, impedem
uma apropriação legítima daquilo que nos é estranho, é capacitada a
reconhecer quando os mesmos agentes apontam no educando, alertando-o e o
ajudando a criar seus próprios antídotos (p. 9)
A educação, ao mesmo tempo em que influencia, é influenciada pelas
motivações de seus agentes. Na interação há uma seqüência de ações, em que uma ação
está relacionada com outras ações (ou ação) que a precederam. Há uma teia de ações
que, mutáveis, solicitam uma adaptação e readaptação freqüentes às novas demandas
que se apresentam. Nesta perspectiva, tem-se o produtor e o receptor do ato de
linguagem envolvidos em uma atividade complexa composta por fenômenos
lingüísticos, antropológicos e sociais, relevantes para a articulação com a realidade.
Para Cavallet (2006),
o dia-a-dia das escolas, que deveria propiciar o tempo necessário para as
elaborações, está repleto de sinais que dizem da sociedade dos resultados
rápidos, do espetáculo e da imagem, da falta de tempo para as conversas e
para leituras mais profundas e significativas. Nas lacunas da alienação, onde
não se reconhece o próprio desejo, colocam-se objetos, consomem-se mais e
mais objetos e informações. Vela-se a angústia, cultiva-se a reprodução e o
silêncio (p.136).
Röhr (2004) considera que o ato de educar caracteriza-se como uma atitude de
respeito diante da liberdade do educando no momento da apropriação do saber. Mas
lamentavelmente o saber, na maioria das vezes, conduz a evitação da exposição e da
8
partilha. Há esquiva do caminho que liberta, porém responsabiliza. Este caminho
implica em poder escutar a si próprio e ao outro, a desatar os nós das estereotipias que já
não servem mais, mas sustentam. Uma postura assim implica em poder estar próximo,
olhar de frente e se entregar àquilo que é realmente importante. Poder pensar no
improvável, antes de se opor ou concordar sem se implicar. Poder colocar a incerteza
em perspectiva. Como diria Cavallet (2006), aprender com o processo.
Os defensores da chamada educação holística ou integral têm como objetivo
comum à re-configuração do ser, ou seja, a formação do humano em sua inteireza. Para
que isto seja possível, o ato de ensinar deve ser concebido como uma atividade
intelectual que depende da interpretação, resolução de problemas e reflexão. Mais do
que de um repertório de capacidades de ensino, a formação de professores necessita ser
permeada por uma dimensão de pessoalidade que, embora assente na identificação das
circunstâncias práticas cotidianas, transcende esta restrição contextual e assume modos
de compreensão metacognitiva ao nível das diversas esferas da competência (SIMÕES,
1996).
Lamentavelmente, na modernidade, o campo do ensino tem se apresentado,
comumente, de forma fragmentada, muitas vezes restrito a um mero treinamento,
associando certos comportamentos a resultados desejáveis. Acredita-se que uma
mudança de um paradigma reducionista, centrado sobre aspectos unidimensionais, para
um paradigma global, ecológico e organizacional é necessária. Apenas uma abordagem
pluridisciplinar poderá dar conta da complexidade da problemática inter e intrapessoal,
nomeadamente no que concerne ao estudo do humano. Neste sentido, a noção de
integralidade se apresenta como um novo referencial a partir do qual pode emergir um
caminho de superação dos problemas da educação na contemporaneidade.
Partindo-se do pressuposto de que o humano se expressa na íntegra de suas
possibilidades, a educação teria como meta a busca da integralidade desses aspectos, no
que tem de mais humano. Neste sentido, as reflexões de Röhr (1999, 2004, 2006a,
2006b) apresentam contribuições fundamentais para pensar a formação do educador.
Para ele, perpassa as reflexões pedagógicas a idéia da integralidade da pessoa humana
enquanto fim último da educação.
Para Röhr (2004, p. 13), “quanto mais conhecimentos seguros o educador
adquire na sua conceituação da integralidade do ser humano, mais orientações ele
dispõe para nortear a sua prática pedagógica”. O autor (2006a) acrescenta que tratar
pessoas em situação desigual de forma igual é tão injusto como tratar pessoas em
9
situação igual de forma desigual. Mas não se pode esperar nada de um educador, em
termos de formação humana integral, que permaneça preso ainda nos próprios conflitos
emocionais ou interesses egocêntricos na Educação.
A idéia de integralidade do processo educativo exigiria, portanto, orientar a ação
pedagógica no desenvolvimento proporcional e articulado de todos esses aspectos, sem
que haja supremacia ou subestimação de um dos mesmos. Abrir mão da integralidade
significa fragmentar o pedagógico, criando uma ilusão de possível sucesso e qualidade.
A multidimensionalidade do pedagógico é o ponto de partida para qualquer reflexão
sobre a formação do educador, também na sua multidimensionalidade (RÖHR, 1999).
Acredita-se que o educar, portanto, é um agir. Educando, visa-se também
proporcionar um agir ético no próprio educando. Se faltar, por parte do educador, o
respeito diante da possibilidade do educando de se comprometer com sua aproximação
ao ético, ele nesse ato abandona o propriamente pedagógico, negando a liberdade de seu
educando. O respeito diante da liberdade do educando revela-se como cerne da
dimensão ética do pedagógico (RÖHR, 2006a).
Para Durand, Saury e Veyrunes (2005), a ação humana é concebida como a
expressão de uma autonomia. Lucidez e autonomia têm uma contrapartida: a
responsabilidade. Afirmar-se como senhor de suas atividades e justificá-las, no sentido
de que os atores podem, ao mesmo tempo, dizer o que fazem e assumir o custo (social,
pessoal) de seus atos.
O conhecimento técnico e prático vai se construindo a partir das várias
experiências que tais profissionais vivenciam e acumulam ao longo de suas vidas, na
instituição de ensino e fora dela. São esses conhecimentos, portanto, relevantes e úteis
em suas atividades de ensino, por colaborarem na construção de saberes específicos,
pois
os próprios professores, no exercício de suas funções e na prática de sua
profissão, desenvolvem saberes específicos, baseados em seu trabalho
cotidiano e no conhecimento de seu meio. Esses saberes brotam da
experiência e são por ela validados (TARDIF, 2002, p.38-39).
Chartier (2007) considera que “a eficácia de uma formação estaria relacionada não aos
saberes nela difundidos, mas ao lugar assumido pela reflexão sobre as práticas” (p.189). Cada
um reformula fragmentos de discursos pedagógicos que experimenta e dos procedimentos de
trabalho que põe em uso. Ela também destaca a importância do conhecimento prático na
construção do saber docente, afirmando que o modelo que trata da pesquisa-ação (o segundo
modelo) “toma emprestado muitos de seus conceitos do mundo do trabalho, da formação dos
10
adultos nas empresas. Ele legitima o ponto de vista dos atores em campo, idealizadores,
inventores e não somente executores” (p.188).
Albuquerque (2007) comenta que na perspectiva dos “saberes em ação”, o
pensamento, ao mesmo tempo em que antecede a ação, a acompanha.
Se, nessa perspectiva, os práticos refletem durante a ação, principalmente
quando vivenciam situações de incerteza, instabilidade, singularidade e
conflito, eles refletem também sobre seus saberes profissionais, o que os
constitui como pesquisadores reflexivos (p.4)
Através da experiência cotidiana, da reflexão dos erros, das mudanças de novas
formas de ação e intervenção na realidade, provendo-se cada vez mais de competências
ligadas ao processo de desenvolvimento pessoal, amplia-se a possibilidade de tornar o
professor um profissional mais resiliente às adversidades presentes nos domínios da
prática formativa.
Para Weisser (1998) na sala as escolhas são feitas em tempo real. É impossível
esperar, construir com experiência para testar uma outra solução; nossos atos são
irreversíveis. Por conseguinte, não é surpreendente perceber que cada professor se dá o
direito de modificar, de arrumar, até mesmo de contornar o que foi estabelecido
cientificamente, para formar, progressivamente, um repertório de gestos profissionais
oriundos de múltiplas influências, nenhuma tratando sozinha a complexidade do
individuo – aluno (sem falar da complexidade do grupo – sala de aula em seu conjunto).
Durand, Saury e Veyrunes (2005) consideram que o ensino não se reduz a uma
prescrição, a formação não é somente a transmissão de soluções de ensino.
O professor não é um científico, mas sim aquele aposta no mais provável.
Instaura-se, então, na sala de aula, um jogo pedagógico, sinal da liberdade dos atores do
processo de aprendizagem. E os alunos não são inocentes. Eles são também cúmplices
das tentativas do professor para pesar sobre a situação, para pressionar a decisão.
É necessário que o professor tenha uma grande flexibilidade, pois a
aprendizagem passa pela discussão, pela confrontação, por trocas de mensagens
significantes que dão sentido aos conhecimentos produzidos. Essa negociação visa
conciliar, por um lado, o que é socialmente reconhecido e, por outro lado, o que é
psicologicamente possível aqui e agora. Ele precisa ter em mente que o que funciona em
uma dada situação, pode ser questionado em outra. Sem dúvida é preferível a variedade
das respostas, mesmo com tons de hesitações, do que os automatismos de qualquer
forma (WEISSER, 1998).
11
Cada um de lê uma realidade (aqui uma prática pedagógica) à sua maneira e,
sobre um mesmo suporte observado, as opiniões divergem freqüentemente. Mas o
caminho de formação está na confrontação das práticas. Chartier (2007) considera que
muitas inovações pedagógicas são difundidas graças aos contatos entre colegas, muito
mais do que por alguma imposição institucional. Muito se perde quando o professor
deixa suas funções sem ter podido compartilhar não só suas descobertas, mas também
suas dúvidas. Nas divergências não se enxerga um problema, e sim a riqueza de uma
profissão que não rejeita o dialogo em prol de “receitas que funcionam”.
Durand, Saury e Veyrunes (2005) consideram que “o ato de compreender é algo
intersubjetivo que supõe um acordo e um compartilhamento do sentido” (p.58). A
situação resulta, pois, de um conjunto de interações sociais e contextualizadas. Quando
não há esse intercâmbio percebe-se a dificuldade em estabelecer uma ciência da
educação, daí também o reconhecimento da responsabilidade de cada professor.
Na perspectiva de Weisser (1998), os saberes da prática não são nem objetivos,
nem universais, nem mesmo unívocos. É no olhar do outro tido não como juiz, mas
como seu igual, que traz sua própria leitura e que lá ”coloca em jogo”, que faz pensar. É
no olhar do outro que eles têm acesso a certo grau de intersubjetividade. Assim, cabe a
cada professor refletir para adaptar seu Fazer à pessoa que ele tem em sua frente. Caso
contrário, a separação entre teoria e prática só poderá perdurar.
O fortalecimento da capacidade de resiliência, não deve estar ausente dos
processos de formação docente, trazendo um fortalecimento indiscutível à sua prática.
Para Castro (2001), é possível e razoável estimular nas pessoas e nas organizações,
especialmente as educativas, posturas mais resilientes para que possam responder mais
eficazmente aos desafios da sociedade em que vivem. Para tanto é necessário
interiorizar concepções e atitudes diferentes que conduzam as formas de agir
audaciosas, desafiadoras e adequadas às diferentes situações presentes na realidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acredita-se ser possível pensar em uma nova sociedade, melhor, mais humana,
se os parâmetros forem as relações vividas em um âmbito educativo pautado no respeito
mútuo. Não se trata exatamente de propor uma nova tendência educativa. A
problemática central consiste na discussão de modelos que tentam compreender a
experiência humana de ser-no-mundo, questionando o reducionismo do método
12
positivista de conhecimento, a crença no progresso material ilimitado fornecido pelo
desenvolvimento indefinido da ciência e da tecnologia e o predomínio dos valores
utilitaristas.
Se a resiliência é um fenômeno de fortalecimento psicossocial, o seu manejo
pedagógico transforma-se em uma ferramenta capaz de subsidiar a sociedade como um
todo. A formação de professores mais aptos a apoiar os estudantes que passam por
fortes adversidades deve ser incentivada e aperfeiçoada. Para tanto, sugere-se o estímulo
de valores que os apóiem nas tomadas de decisões; o desenvolvimento continuado de
formas de capacitação, mesmo fora do sistema educacional; estímulo à capacidade de
liderança e monitoramento, além da habilidade de assumir responsabilidades e resolver
problemas.
Inserido numa visão mais ampla e otimista da formação profissional e humana
do professor, este artigo buscou transcender os limites do tecnicismo, apostando na
inteireza do homem, que talvez possa dar vida a uma prática educacional voltada não
apenas ao aprendizado dos conteúdos, mas também à humanização de seus alunos,
interlocutores, ouvintes/falantes e, sobretudo, pensantes.
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