Economistas ligados a Lula debatem plano emergencial

Propaganda
Valor Econômico, 20 de março de 2017
Economistas ligados a Lula debatem plano
emergencial
Por: Cristiane Agostine, Fernando Taquari e César Felício
Todo mês, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem se reunido
com um grupo entre 10 e 15 economistas, a maioria ligados à Unicamp, para
articular propostas voltadas à retomada do crescimento econômico e ao
combate do desemprego. Os encontros no Instituto Lula, que no ano passado
eram voltados à discussão da conjuntura, são destinados agora à construção
de um chamado "plano emergencial" para o país.
As divergências dentro do grupo sobre as melhores propostas para o país
sair da crise não são poucas. Mas, segundo relatos, há convergências em torno
de medidas para alongar a dívida do setor privado e, ao mesmo tempo,
promover políticas de estímulo de retomada da renda.
Segundo relato do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos
participantes, as reuniões são divididas em duas partes: uma é a da discussão
livre de medidas de curto prazo e a outra de mudanças estruturais, "para as
reformas de fundo que precisam ser feitas para redimensionar a relação entre o
setor privado e o estatal", em suas palavras. As ideias são colocadas, mas a
intensidade do debate dentro do grupo faz com que o conjunto de discussões
esteja longe do esboço de um plano de governo. "Há algumas premissas gerais,
como a preocupação de todos em formular medidas que, caso aplicadas,
poderiam reaquecer a economia", diz Belluzzo.
Da ala da Unicamp estão além de Belluzzo, Luciano Coutinho, Jorge
Mattoso, Ricardo Carneiro, Marcio Pochmann,
André Biancarelli, Pedro Rossi e Guilherme Melo. Da Fundação Getulio
Vargas (FGV) estão os ex-ministros da Fazenda Nelson Barbosa e Guido
Mantega, que participou de um encontro. Mantega é investigado pela
Operação Lava-Jato e foi citado na megadelação dos executivos da
Odebrecht, de acordo com relatos de investigadores.
Ainda estão no grupo Laura Carvalho, da Universidade de São Paulo
(USP), e Esther Dweck, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), ex-integrante da Secretaria de Orçamento de Finanças e uma das
responsáveis por assessorar a ex-presidente Dilma Rousseff no processo de
impeachment.
No comando do grupo está o ex-secretário especial da Presidência
Marco Aurélio Garcia, professor aposentado do departamento de História
da Unicamp. Participam também, em alguns encontros, os ex-ministros Luiz
Dulci e Paulo Vannuchi, dirigentes do Instituto Lula.
As reuniões começaram em outubro e nos dois últimos encontros as
discussões foram em torno de ações que poderiam ser tomadas
emergencialmente com efeito a curto prazo na economia. "Cada um opina de
acordo com suas convicções. É um grupo de discussão, não de militância. Não
se trata de um programa de governo para Lula", diz Mattoso, que foi presidente
da Caixa Econômica Federal no primeiro mandato do ex-presidente.
O alongamento da dívida privada, uma das hipóteses discutidas no
encontro, poderia ser conseguida com a diminuição do empréstimo
compulsório aos bancos, segundo Belluzzo. Para fomentar o consumo, uma
das medidas em debate é o de subsidiar o crédito de instituições financeiras
oficiais, como BNDES, Banco do Brasil e Caixa, que ainda teriam margem
em sua capacidade de alavancagem. "Quem comanda o ciclo de crédito são os
bancos públicos", opina Belluzzo, para quem "com as atuais taxas de juros
cobradas é impossível tocar um amplo programa de concessão".
Professor da Unicamp, Ricardo Carneiro diz que o tema central do
debate no Instituto Lula é a "retomada do emprego".
Como prioridade, está a renegociação das dívidas, de famílias e empresas. "É
preciso renegociar as dívidas das famílias. Se houver o aumento da renda, as
pessoas não podem usar tudo para pagar essas dívidas", afirma.
Carneiro afirma que o ideal seria a criação de incentivos para o setor
empresarial renegociar suas dívidas. Somado a isso, deveria haver a
continuidade da redução da taxa básica de juros, "para não criar um subsídio
grande", diz.
Entre os temas debatidos no plano emergencial estão a retomada de
crédito, para aumentar a "bancarização". "É crédito para as camadas mais
baixas", afirma. Carneiro diz que "se a taxa de juros continuar caindo, haverá
espaço para aumentar o déficit primário.
A temática econômica esteve presente em diversas palestras e discursos
do ex-presidente, que lidera as pesquisas de intenção de voto para 2018, mas
responde a cinco ações penais em Curitiba e Brasília decorrentes da Operação
Lava-Jato e corre o risco de tornar-se inelegível caso haja condenação em
segunda instância.
Lula tem defendido nestes encontros a renegociação das dívidas de
empresas e de famílias, em moldes semelhantes aos mencionados pelos
economistas que participam das reuniões do instituto, o aumento do valor de
benefícios sociais como o salário mínimo e o Bolsa Família, a retomada de
investimentos maciços do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) e o fomento ao consumo, por meio de crédito subsidiado. O
fortalecimento do BNDES e o aumento do endividamento público também são
frequentemente mencionado pelo ex-presidente petista.
Mas o presidente também mencionou teses que são muito controversas
mesmo nos debates do grupo. No lançamento do 6º Congresso do PT, no fim
de janeiro, por exemplo, Lula defendeu o uso de reservas internacionais para
realização de investimentos em infraestrutura e o aumento do endividamento
público como medidas de estímulo à economia brasileira.
Em uma entrevista meses antes à rádio Itatiaia, em Belo Horizonte, Lula foi
mais explícito e mencionou uma cifra: "Pega US$ 100 bilhões e transforma
em obra de infraestrutura". Esta é uma tese vista com reservas por participantes
dos debates. Ricardo Carneiro fala em uso significativamente menor das
reservas, que ficaria entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões, como um modo de
financiar a infraestrutura sem impactar a dívida.
Mas no 6º Congresso Lula afirmou que "esse negócio de que não
pode aumentar [o endividamento] não existe. Se fizer endividamento para
construir ativos produtivos, você pode fazer", disse o petista, acrescentando
que países desenvolvidos também elevaram a dívida pública. Como
exemplo, citou Estados Unidos, Japão e Alemanha.
O ex-presidente disse que os bancos públicos, como Caixa Econômica
Federal e Banco do Brasil, não devem buscar a competição com as instituições
financeiras privadas. Além disso, defendeu a retomada da "reinclusão dos mais
pobres no Orçamento da União" e o crescimento por meio do consumo. "Se
quisermos resolver a economia, só tem uma saída: incluir as camadas mais
pobres no Orçamento da União".
"O BNDES tem que voltar a fazer investimento. Tem que usar o
compulsório para deixar o BNDES voltar a fazer desenvolvimento industrial
neste país. Nós não vamos querer que o Banco do Brasil e a Caixa
Econômica tenham prejuízo, mas não queremos que eles façam competição
com banco privado sobre lucratividade, usar parte das reservas para
investimento em infraestrutura e crescimento econômico, aumentar o
endividamento público", disse, no mesmo evento com militantes do PT.
Lula também tem feito com frequência críticas ao impacto econômico
da Operação Lava-Jato, que segundo o expresidente, está "quebrando"
grandes empresas brasileiras e, assim, deve beneficiar companhias
estrangeiras, sobretudo do setor da construção civil.
Para a retomada das obras de infraestrutura, muitas previstas dentro
do Programa de Aceleração do Crescimento, os economistas debateram a
renegociação dos contratos. Novas concessões não estão no horizonte de
curto prazo. Mesmo com o limite para gastos sociais, Lula tem defendido
mais investimentos em programas e benefícios sociais, como um abono para
o salário mínimo e o aumento do Bolsa Família.
Download