Um modelo gramatical para a linguística funcional

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PINHEIRO, D. Um modelo gramatical para a linguística funcional-cognitiva: da Gramática de
Construções para a Gramática de Construções Baseada no Uso. In: ALVARO, P. T..; FERRARI, L. (Orgs.).
Linguística Cognitiva: dos bastidores da cognição à linguagem. Campos: Brasil Multicultural, a sair.
Um modelo gramatical para a linguística funcional-cognitiva:
da Gramática de Construções para a Gramática de Construções Baseada no Uso
Diogo Pinheiro
Em poucas palavras, a Gramática de Construções (GC) é um modelo de representação
do conhecimento linguístico que emergiu na década de 1980, na Universidade da Califórnia
(Berkeley), a partir do trabalho seminal de nomes como Charles Fillmore, Paul Kay e George
Lakoff. Com sua crescente popularização nas décadas seguintes, a GC se fragmentou em uma
miríade de variantes: mesmo uma lista conservadora, que contenha apenas as abordagens mais
consolidadas, deve incluir, ao menos, a Gramática de Construções de Berkeley, a Gramática de
Construções Cognitiva, a Gramática de Construções Corporificada, a Gramática de
Construções Fluida, a Gramática de Construções Radical, a Gramática Cognitiva e a Gramática
de Construções Baseada-em-Signos1. Mas, afinal, o que todos esses modelos têm em comum?
E onde entra a tal “Gramática de Construções Baseada no Uso” que aparece no título deste
capítulo?
Responder a essas duas perguntas será o objetivo deste texto. Para isso, ele está dividido
em duas grandes seções. A primeira introduz o leitor àquilo que Croft (2005, p. 273) chama de
“vanilla construction gramar”. O termo espirituoso faz referência a um arquimodelo genérico,
idealizado a partir daquilo que todos os modelos particulares têm em comum2. Por sua vez, a
seção seguinte se ocupa, especificamente, da Gramática de Construções Baseada no Uso, a
vertente construcionista própria da linguística funcional-cognitiva.
Gramática de Construções: princípios fundamentais
Se é verdade que a GC é uma família de modelos teóricos mais ou menos afins, também
é verdade que todos esses modelos compartilham pelo menos três princípios fundamentais. O
objetivo desta seção é apresentar cada um deles.
1
Uma boa porta de entrada para cada um desses modelos é a Parte II do The Oxford Handbook of Construction
Grammar (HOFFMANN; TROUSDALE, 2013), além das referências lá citadas.
2
Ver também Pinheiro (2015).
Princípio 1: É tudo léxico! (Ou: Construções de cima abaixo)
O insight fundamental da GC pode ser enunciado de maneira direta: o conhecimento
linguístico do falante toma a forma de um grande inventário de construções gramaticais. Esta
é uma ideia simples (e poderosa), mas compreendê-la requer, naturalmente, alguma definição
prévia do conceito de “construção gramatical”. Então, é por aí que vamos começar.
Na literatura construcionista, a definição mais usual é a seguinte: uma construção
gramatical é um pareamento convencional entre informações de forma e informações de
significado. Note que essa formulação evoca uma imagem segundo a qual uma construção é
uma entidade de duas faces, mais ou menos como uma moeda ou uma folha de papel. Pense,
por exemplo, na palavra “árvore”. Em uma de suas faces, encontramos informações formais –
neste caso, a sequência fonológica /aRvoɾI/. Na outra, encontramos informações semânticas –
neste caso, nosso conceito mental de árvore3. Essa descrição pode ser representada assim4:
FORMA:
/aRvoɾI/
SIGNIFICADO: ÁRVORE
Figura 1: construção “árvore”
Outra maneira de expressar a mesma ideia é dizer que a palavra “árvore” é uma unidade
simbólica. Afinal, um símbolo é uma coisa que substitui ou sugere outra. No exemplo em pauta,
temos uma sequência fonológica (/aRvoɾI/) que sugere ou substitui um conceito (ÁRVORE) –
mais ou menos como uma caixa de fósforos pode substituir um avião numa brincadeira infantil.
Por consistir em um pareamento de forma e significado (e, portanto, desempenhar uma
função simbólica), a palavra “árvore” é um exemplo claro de construção gramatical. No entanto,
o conhecimento linguístico do falante vai muito além de uma lista de palavras. Um falante do
português, por exemplo, sabe que o artigo deve vir antes do substantivo, que a adposição deve
vir antes nome, e mais uma infinidade de outras regularidades sintáticas. Como podemos
descrever isso – a parte do nosso conhecimento linguístico formada por generalizações
sintáticas – munidos unicamente do conceito de construção gramatical?
3
Caracterizar esse conceito com precisão é uma tarefa insana (o que torna o campo da semântica lexical tão
fascinante quanto complexo), razão pela qual não tentarei realizá-la aqui. Então, para fins de exposição, digamos
que nosso conceito mental de árvore corresponda à definição que pode ser encontrada no dicionário Michaelis
online (michaelis.uol.com.br): vegetal lenhoso, em geral de porte alto, que apresenta um caule principal ereto, ou
tronco, fixado no solo com raízes, e que se ramifica em galhos carregados de folhas que se constituem em copa.
Para simplificar, eu irei representar esse conceito da seguinte forma: ÁRVORE.
4
Tanto o exemplo “árvore” quanto as metáforas da moeda e da folha de papel são referência explícitas ao
pensamento saussuriano (e, em particular, ao Curso de Linguística Geral). O objetivo aqui é iluminar a semelhança
entre a noção de construção gramatical e o conceito saussuriano de signo linguístico.
Certamente, a resposta passa por considerar que palavras não são o único tipo de
construção gramatical: padrões linguísticos abstratos também devem ser tratados como tais.
Para entender esse ponto, observe os exemplos abaixo:
(1) Rearrumar
(2) Refazer
(3) Reorganizar
Um falante que ouça as palavras (1) a (3) provavelmente chegará à conclusão de que o
português conta com um esquema morfológico geral (algo como
RE
+
BASE VERBAL)
especializado em expressar a ideia de repetição de um evento. Vale chamar a atenção para a
analogia com o caso de “árvore”: se /aRvoɾI/ é uma forma que evoca um significado (o conceito
ÁRVORE), RE + BASE VERBAL é
uma forma (caracterizada pela sequência /Re/ mais a categoria
sintática VERBO) empregada pelos falantes para evocar um significado específico (grosso modo,
a ideia de repetição). Em outras palavras, tanto “árvore” quanto RE + BASE VERBAL são unidades
simbólicas; portanto, ambos os itens se qualificam como construções gramaticais.
Esse salto permite dar conta do nosso conhecimento morfológico sob uma perspectiva
construcionista. Mas ainda podemos ir além, como mostram os exemplos abaixo:
(4) Que mané férias!
(5) Que mané viajar!
(6) Que mané ficar em casa lendo livro!
Não é difícil identificar regularidades formais e semânticas nas sentenças acima. Do
ponto de vista da forma, todas se iniciam pela sequência fonológica /kI manɛ/ e são seguidas
por um elemento nominal ou verbal – informalmente, podemos representar esse padrão por
meio da fórmula QUE MANÉ X5. Do ponto de vista do significado, as três sentenças expressam
rejeição enfática a uma posição previamente expressa por outro sujeito6. A conclusão é que o
padrão sintático semiabstrato
QUE MANÉ X
é, também ele, uma unidade simbólica (ou um
pareamento de forma e significado). Nesse sentido, ele se qualifica como construção gramatical,
assim como a palavra “árvore” e o esquema morfológico RE + BASE VERBAL.
Até aqui, porém, todas as construções mencionadas apresentam, em seu polo formal,
algum tipo de especificação fonológica. Isso, no entanto, está longe de ser obrigatório, como
mostram os dois grupos de exemplos abaixo:
(7) Diego chutou a bola.
5
A letras X é uma variável, usada aqui para indicar que diferentes (tipos de) sintagmas podem ocupar essa posição.
O português conta com outras construções gramaticais especializadas em funções semelhantes, como QUE X O
QUÊ. O leitor pode pensar por conta própria em outras construções funcionalmente relacionadas.
6
(8) Pedro beijará Maria.
(9) Marcos arrancou o adesivo.
(10) Você é brasileiro?
(11) A casa está arrumada?
(12) O João já chegou da rua?
Como nos exemplos anteriores, também em (7) a (9) conseguimos flagrar alguma
regularidade formal e semântica. Aqui, no entanto, a afinidade formal não implica coincidência
fonológica (nem mesmo parcial). Na verdade, trata-se de uma afinidade abstrata, baseada na
existência de um padrão sintático comum: o padrão
SUJEITO VERBO OBJETO
(ou
SVO,
para
simplificar). De maneira análoga, também a afinidade quanto ao significado é bastante abstrata:
embora as sentenças descrevam situações particulares bem diferentes, todas elas evocam uma
cena genérica na qual um agente atua diretamente sobre um paciente.
A situação é semelhante em (10) a (12) – com a diferença de que, neste caso, a afinidade
quanto à forma é prosódica (e não sintática) e a afinidade quanto ao significado é pragmática
(e não propriamente semântica). Especificamente, as três sentenças apresentam curva
entoacional ascendente (marcada na escrita pelo ponto de interrogação) e veiculam ato
ilocucionário de pergunta.
Como se vê, portanto, as construções gramaticais podem vir em diferentes sabores:
algumas apresentam, no polo da forma, informações fonológicas segmentais (caso de “árvore”,
RE + BASE VERBAL
e QUE MANÉ X), ao passo que outras são inteiramente desprovidas desse tipo
de informação (caso de
SVO
e do padrão entoacional ascendente). Da mesma forma, algumas
construções exibem, no polo do significado, informações de natureza semântica (caso de
“árvore”, RE + BASE VERBAL, QUE MANÉ X e SVO), ao passo que outras apresentam especificações
pragmáticas (caso da entonação ascendente). Essa variedade pode ser vista no quadro abaixo:
TIPO DE CONSTRUÇÃO
EXEMPLO
Palavra
Árvore
Expressão fixa
bom dia; cada macaco no seu galho
Esquema morfológico
re + base verbal (ex: rearrumar, refazer)
Esquema sintático semipreenchido
que mané X; que X o quê
(ex: que mané férias; que férias o quê)
Esquema sintático aberto
SVO (ex: Réver cabeceou a bola)
Padrão entoacional
Ascendente
Figura 2: continuum de construções gramaticais
Como você pode notar, o quadro acima está organizado segundo o critério do grau de
preenchimento fonológico (segmental) das construções: assim, palavras (como “árvore”) e
expressões fixas (como “bom dia”) são construções inteiramente preenchidas, ao passo que
esquemas argumentais (como SVO) e padrões entoacionais (como o padrão ascendente) são
construções inteiramente abertas (ou abstratas, ou ainda esquemáticas). No meio do caminho,
por fim, encontramos as construções parcialmente preenchidas, como esquemas morfológicos
(do tipo RE + BASE VERBAL) e padrões sintáticos semifixos (como QUE MANÉ X)7.
É importante deixar claro, no entanto, que essas diferenças importam pouco: sob uma
ótica construcionista, o mais relevante é o fato de que todos esses elementos são, em última
instância, pareamentos de forma e significado. Dito de outra maneira, palavras, expressões
cristalizadas, esquemas morfológicos, estruturas sintáticas e padrões entoacionais não são
entidades qualitativamente distintas: embora elas possam se distinguir quanto ao grau de
preenchimento fonológico (e, portanto, quanto ao que conta como forma em cada caso:
fonologia segmental, morfossintaxe ou prosódia), todas são, em última instância, unidades
simbólicas – isto é, construções gramaticais. Para sublinhar a similaridade profunda entre esses
diferentes tipos de construções, vamos representar todos eles em um mesmo formato:
FORMA: /aRvoɾI/
FORMA: /boN dia/
SIGNIFICADO: ÁRVORE
SIGNIFICADO: Demonstração de polidez; ato de
fala diretivo apropriado para ser usado durante a
manhã e na primeira vez em que se vê o interlocutor.
Figura 3: construção “árvore”
Figura 4: construção “Bom dia”
FORMA: RE + BASE VERBAL
FORMA: QUE MANÉ X
SIGNIFICADO: Repetição
SIGNIFICADO: Rejeição enfática a uma sugestão
ou posição expressas previamente por outro sujeito
Figura 5: construção RE + BASE VERBAL
Figura 6: construção QUE MANÉ X
FORMA: SVO
FORMA: Curva entoacional ascendente
SIGNIFICADO: Agente atua
sobre paciente.
SIGNIFICADO: Pergunta
Figura 7: construção SVO
7
Figura 8: construção de curva entoacional ascendente
Esse quadro ilumina uma premissa teórica frequentemente associada à GC: a ideia de inseparabilidade entre
léxico e sintaxe. Com efeito, um item como “árvore” é tradicionalmente associado ao domínio do léxico, ao passo
que um padrão como SVO é normalmente vinculado ao domínio da sintaxe. Do ponto de vista da GC, porém, esses
dois tipos de elementos não são qualitativamente diferentes – uma sugestão que imediatamente borra as fronteiras
entre léxico e sintaxe.
O que as figuras acima sugerem é o seguinte: se definido de maneira suficientemente
ampla, o conceito de construção gramatical tem, de fato, potencial para descrever a totalidade
do conhecimento linguístico do falante. Afinal, ele é capaz de capturar tanto idiossincrasias
lexicais (como o fato, absolutamente peculiar, de que o conceito ÁRVORE é expresso por meio
da sequência formal /aRvoɾI/) quanto regularidades sintático-semânticas (como o fato de que
uma cena agentivo-transitiva é expressa por meio do padrão formal SVO) ou prosódicopragmáticas (como o fato de que um ato ilocucionário de pergunta é expresso por meio de uma
curva entoacional ascendente). E é aqui que reside, muito provavelmente, a diferença crucial
entre a abordagem construcionista e a concepção gerativista de conhecimento linguístico.
Explica-se. A tradição gerativa opera, desde os seus primeiros anos, com a noção de que
o conhecimento linguístico do falante é cindido em dois grandes componentes: léxico e
gramática. Nesse modelo, o componente lexical, formado por um conjunto de itens que devem
ser aprendidos e memorizados individualmente, é o domínio do conhecimento idiossincrático:
afinal, não há nenhuma generalização envolvida no fato de que o conceito ÁRVORE se expressa
como /aRvoɾI/. Por sua vez, o componente gramatical, formado por regras/derivações sintáticas
que devem ser aplicadas sobre itens lexicais, é o domínio das regularidades: é ali que são
expressas as generalizações gramaticais que o falante implicitamente domina (por exemplo, o
fato de que o determinante deve vir antes do nome).
Naturalmente, a GC também precisa dar conta desses dois tipos de conhecimento: o
específico/idiossincrático e o geral/regular (muito simplesmente porque qualquer falante
domina informações linguísticas de ambos os tipos). No entanto, ela não assume que, para fazer
isso, seja necessário postular dois tipos de objetos linguísticos: de um lado, itens primitivos; de
outro, operações derivacionais. Em vez disso, opta-se por representar tanto as idiossincrasias
quanto as generalizações em um formato único – uma unidade simbólica que associa
diretamente informações de forma (fonologia segmental, morfossintaxe, prosódia) a
informações de significado (semântica, pragmática).
No fim das contas, o resultado prático dessa opção é o fato de que a GC abre mão do
componente da gramática (entendida como um conjunto de operações recursivas) e preserva
apenas o componente do léxico. Dessa maneira, o conhecimento linguístico será concebido
como uma espécie de léxico ampliado e enriquecido, contendo milhares de unidades simbólicas
(isto é, construções gramaticais) de todos os tipos: de palavras a padrões entoacionais, passando
por esquemas morfológicos, estruturas sintáticas semipreenchidas e padrões sintáticos
inteiramente abertos. Para fazer referência a esse léxico enriquecido, normalmente se emprega
o termo constructicon – uma mescla vocabular bastante útil que resulta da fusão das palavras
inglesas “construction” (construção) e “lexicon” (léxico).
Neste ponto, já deve estar claro por que o título desta seção foi formulado assim: É tudo
léxico! (ou Construções de cima abaixo). A formulação “É tudo léxico” marca o fato de que a
GC é uma abordagem não-derivacional, na medida em que dispensa o componente das
derivações sintáticas. O slogan “Construções de cima abaixo”, tradução de Constructions all
the way down (GOLDBERG, 2006), captura o insight de que o conhecimento linguístico pode
ser inteiramente descrito de maneira uniforme (apenas por meio de construções gramaticais),
sem a necessidade de um design bipartido (itens mais derivações).
Princípio 2: O constructicon tem formato de rede
Estudos sobre representação mental do conhecimento lexical mostram que as palavras
formam uma grande teia, associando-se umas às outras de maneiras complexas e por meio de
diferentes tipos de relações. Uma ilustração desse tipo de rede lexical pode ser vista na figura
abaixo (traduzida e adaptada de Diessel (2015)):
luz
negro
dia
escuro
noite
Figura 9: exemplo de rede lexical
Ora, se as palavras que compõem nosso léxico mental se organizam em rede, e se o
conhecimento linguístico do falante é um grande léxico de construções, é razoável supor que
as construções gramaticais formam uma teia de unidades inter-relacionadas. Com efeito, todas
as variantes da GC concordam em relação a isto: nosso conhecimento linguístico não é
meramente um repositório de construções, mas um repositório estruturado de construções.
Mais do que isso, todas as variantes da GC reconhecem, de alguma maneira, a existência
de relações taxonômicas entre as construções – isto é, relações de associação entre construções
mais gerais/abstratas e construções mais específicas/concretas. Por exemplo, mesmo que nós
postulemos a construção semipreenchida
PINTAR
+
OBJETO,
devemos postular também a
construção mais concreta “pintar o sete”8. Ninguém supõe, contudo, que essas duas construções
estejam simplesmente listadas no nosso léxico mental, como em uma lista de supermercado.
Pelo contrário: todos os modelos construcionistas irão representá-las como construções
Isso é necessário porque o significado de “pintar o sete” não é composicional. Voltarei a esse ponto na próxima
seção.
8
interconectadas, sob a forma de uma relação taxonômica em que a construção “pintar o sete”
(mais concreta) se apresenta como uma especificação de PINTAR + OBJETO (mais abstrata).
Princípio 3: as construções gramaticais devem ser combinadas entre si
Até aqui, estamos assim: o conhecimento linguístico do falante é um grande repositório
de unidades simbólicas (construções gramaticais), que estão interligadas formando uma rede na
qual se verificam, pelo menos, relações taxonômicas. Esse repositório inclui, por exemplo, a
construção “árvore”, a construção SVO e a construção de entonação ascendente. Mas ele
certamente não inclui uma sentença como “Meu vizinho viu a árvore?”. Então, como o falante
é capaz de produzi-la (e compreendê-la)?
A resposta é simples: o falante precisa integrar, ou combinar, diferentes construções
gramaticais. No exemplo acima, como se trata de descrever uma cena transitivo-agentiva, ele
deverá recorrer à construção
SVO.
Mas, como essa construção é inteiramente abstrata, ela
precisa ser instanciada por itens concretos (que, lembre-se, também são construções): a palavra
“meu”, a palavra “vizinho”, a palavra “árvore” e assim por diante. Ao mesmo tempo, como o
falante deseja realizar um ato ilocucionário de pergunta, é necessário que ele recorra ainda a
mais uma construção: a construção de curva entoacional ascendente.
Nesse sentido, qualquer modelo construcionista deverá incluir algum mecanismo capaz
de assegurar que a integração entre construções aconteça de forma adequada. Aqui, a ideia é a
de que duas construções só podem ser integradas quando há compatibilidade entre suas
propriedades gramaticais. Sob esse ponto de vista, uma sequência como *Meu vermelho carro
é mal-formada porque não há compatibilidade entre a semântica do adjetivo “vermelho” (que
expressa um atributo objetivo) e as exigências previstas no polo semântico da construção
ADJETIVO + NOME,
segundo as quais o adjetivo deve expressar uma propriedade subjetiva (por
exemplo, “bela paisagem”). Ou então: uma sentença como *Caminhar chutou a bola é malformada por causa da incompatibilidade entre uma especificação gramatical do item
“caminhar” (a saber, a informação de que se trata de um verbo) e uma especificação gramatical
do padrão SVO (a saber, a exigência de que o sujeito corresponda a um sintagma nominal).
Em resumo, um terceiro consenso construcionista diz respeito à existência de um
processo de integração entre construções, que é governado por uma exigência de
compatibilidade gramatical entre as construções a serem combinadas. É esse processo que, sob
uma ótica construcionista, assegura a boa-formação dos enunciados.
Gramática de Construções Baseada no Uso: princípios fundamentais
No início deste capítulo, eu observei que a GC pode ser encontrada em diferentes
versões: a Cognitiva, a Radical, a Baseada-em-Signos, e por aí vai. Por isso, só faz sentido falar
em “Gramática de Construções”, sem qualquer qualificação adicional, se aceitarmos que se
trata de uma idealização: um arquimodelo genérico caracterizado pela hipótese de que o
conhecimento linguístico tem o formato de uma rede de unidades simbólicas.
Para além desse consenso, contudo, a GC se revela como um paradigma cindido em dois
grandes caminhos. De um lado, a GC de Berkeley e a GC Baseada em Signos guardam
afinidades com a tradição formalista – aqui, irei empregar o termo Gramática de Construções
Unificacionista como forma de me referir genericamente a esse tipo de abordagem9. De outro
lado, modelos como a GC Cognitiva (associada ao nome de Adele Goldberg), a GC Radical
(capitaneada por William Croft) e a Gramática Cognitiva (desenvolvida por Ronald Langacker)
se alinham à tradição da linguística funcional-cognitiva. Aqui, vou recorrer ao rótulo Gramática
de Construções Baseada no Uso para fazer referência a essa vertente da GC.
Em resumo, o panorama teórico da GC pode ser representado assim:
Gramática de Construções
Gramática de Construções Unificacionista
GC de Berkeley
(P. Kay,
C. Fillmore)
GC Baseada-em-Signos
(P. Kay, I. Sag,
C. Fillmore)
Gramática de Construções Baseada no Uso
GC Cognitiva
(A. Goldberg)
GC Radical
(W. Croft)
Gramática
Cognitiva
(R. Langacker)
Figura 10: panorama teórico da GC
Como mostra a figura acima, tanto a Gramática de Construções Unificacionista quanto
a Gramática de Construções Baseada no Uso (em inglês, Usage-Based Construction Grammar)
constituem idealizações construídas a partir de modelos particulares. O segundo rótulo, no
entanto, tem ganhado terreno na seara construcionista (ver, por exemplo, Diessel (2015), Perek
(2015) e Bybee e Eddington (2006)), o que parece refletir um consenso em formação: o de que
as diferenças entre os diversos modelos baseados no uso importam bem menos que suas
semelhanças. Essa posição se justifica por pelo menos duas razões. Em primeiro lugar, porque
não existem entre esses modelos divergências epistemológicas: o que há são diferenças de
ênfase, interesses, percurso histórico e opções notacionais. Em segundo lugar, porque é
A expressão “Unification Construction Grammar” aparece em Goldberg (2006) para fazer referência,
especificamente, ao modelo que veio a ser conhecido, posteriormente, como “Berkeley Construction Grammar”
(neste capítulo, traduzido como Gramática de Construções de Berkeley). Naquele momento, ainda não havia sido
desenvolvida a GC Baseada em Signos, resultante do casamento entre a GC de Berkeley e a HPSG.
9
marcante o contraste teórico-epistemológico entre eles e as versões formalistas da GC. Por tudo
isso, parece fazer muito sentido tratá-los como manifestações particulares de um quadro teórico
mais geral: a tal Gramática de Construções Baseada no Uso (de agora em diante, GCBU).
Mas, afinal, que princípios teóricos caracterizam a GCBU? O primeiro deles reflete o
legado da tradição funcionalista norte-americana: trata-se da premissa de que a experiência
linguística do falante – em uma palavra, o uso – afeta o conhecimento linguístico subjacente.
Em algum sentido trivial, isso tem que ser verdade: nem que seja (sob uma ótica chomskiana)
para permitir a marcação de parâmetros durante a aquisição, o input do ambiente precisa ter
algum papel na construção do conhecimento internalizado. A hipótese baseada no uso, contudo,
é bem mais radical. Para fins de clareza, vamos dividi-la em duas partes: (i) não existe nenhum
conteúdo sintático inato, de modo que a totalidade do conhecimento linguístico terá de ser
construída a partir do input, e (ii) a experiência com o input linguístico afeta continuamente o
conhecimento internalizado, moldando-o ao longo de toda a vida do falante.
A premissa de que o uso afeta o conhecimento subjacente produz uma consequência
teórica interessante: a de que a representação do conhecimento linguístico pode ser redundante.
Para entender esse ponto, vejamos os critérios estabelecidos por Goldberg (2006, p. 5) para
definir se um dado padrão linguístico se qualifica ou não como uma construção gramatical:
Qualquer padrão linguístico é reconhecido como uma construção desde que
algum aspecto da sua forma ou função não possa ser inteiramente previsto a
partir de suas partes componentes ou de outras construções já estabelecidas.
Adicionalmente, mesmo padrões inteiramente previsíveis podem ser
armazenados, desde que ocorram com frequência suficiente.
A melhor maneira de acompanhar esse raciocínio é aplicá-lo a exemplos concretos.
Vamos pensar, então, na sentença “O leão azul atacou um rato vermelho”. Certamente, você é
capaz de compreendê-la (e poderia também produzi-la, se a ocasião se apresentasse). Mas é
bastante improvável que essa exata sequência de palavras esteja armazenada na sua rede de
construções (mesmo porque esta deve ser a primeira vez que você se depara com ela). Sendo
assim, qual é o seu segredo para interpretá-la (ou produzi-la) adequadamente?
Simples: você recorre a diversas construções que estão armazenadas no seu
constructicon. Para o exemplo do leão, você vai precisar de pelo menos nove delas: o padrão
SVO,
que especifica o tipo de cena descrito pela sentença; uma construção de modificação
adjetival (do tipo
NOME
+
ADJETIVO),
que lhe permitirá entender que “azul” e “vermelho”
descrevem atributos do leão e do rato, respectivamente; e cada uma das sete construções lexicais
presentes na sentença ( “o”, “leão”, etc., cada qual com um significado associado)10.
Até este ponto, nós estamos na primeira parte da citação acima, segundo a qual um
padrão deve ser reconhecido como construção independente sempre que não for possível
explicá-lo a partir de outras construções já previstas no constructicon (isto é, sempre que o
padrão tiver algo que lhe seja único, idiossincrático). Como o exemplo do leão pode ser
explicado a partir da combinação de outras construções (isto é, não há nada de idiossincrático
nele), não é necessário supor que ele esteja diretamente representado na rede de construções.
Mas aqui há uma pegadinha: o que aconteceria se essa mesma sentença se tornasse
frequente na sua vida (digamos, porque você ficou vidrado em um jogo de videogame com
animais coloridos)? Provavelmente, ela seria armazenada diretamente na sua memória. Ou seja:
como resultado da exposição frequente, uma dada sequência de palavras acaba por receber
representação independente. Com isso, ela se torna uma nova unidade simbólica no seu
constructicon – uma nova construção gramatical.
É precisamente dessa possibilidade que trata a segunda parte da citação acima. Como
nós já vimos, a sentença “O leão azul atacou um rato vermelho” é inteiramente previsível
(considerando-se as demais construções do constructicon). Ainda assim, à luz da GCBU, é
teoricamente possível que ela seja representada como uma construção à parte – bastando, para
isso, que seja experienciada com frequência suficiente11.
Talvez essa possibilidade soe bizarra quando se pensa em leões e ratos coloridos, mas o
fato é que algumas sentenças perfeitamente previsíveis podem ter frequência bastante alta – por
exemplo, “Vem aqui” e “Que que aconteceu?”. Sob uma ótica baseada no uso, é provável que
muitos falantes armazenem essas sequências como construções independentes, simplesmente
pelo fato de terem sido expostos a elas repetidamente (se você gosta de expressões que soam
muito científicas, pode chamar isso de efeito de frequência – ou “frequency effect”, em inglês).
Um outro exemplo pode tornar esse ponto mais claro12. À luz da GC, é razoável pensar
que o falante do PB conta como uma construção geral de modificação verbal – algo como
VERBO
+ MODIFICADOR. Mas a verdade é que existem vários subpadrões que se conformam a
esse esquema geral: por exemplo, VERBO + ADVÉRBIO (como em “falar claramente”), VERBO +
10
Esta é uma descrição absolutamente simplificada e informal, cujo objetivo é tão-somente (começar a) ilustrar a
noção de construção gramatical própria da GCBU. A situação real é certamente mais complexa.
11
Isso levanta um problema de pesquisa: o quão frequente deve ser uma sequência para que ela seja armazenada
como construção independente? Para uma discussão desse problema, ver Gurevich, Johnson e Goldberg (2010).
12
O exemplo que eu passo a apresentar é baseado na pesquisa de mestrado de Victor Virgínio (POSLING/UFRJ),
atualmente em andamento.
ADJETIVO ADVERBIAL
(como em “falar claro”) e
VERBO
+ SP (como em “falar com clareza”).
Nos moldes de uma rede construcional, esse conhecimento pode ser representado assim:
Construção de Modificação Verbal
(VERBO + MODIFICADOR)
Construção de Adv. Canônico
(VERBO + ADVÉRBIO)
Construção de Adj. Adverbial
(VERBO + ADJ. ADV.)
Construção de SP
(VERBO + SP)
Figura 11: rede de construções de modificação verbal (versão 1)
A rede acima é capaz de capturar boa parte dos enunciados com modificação verbal
possíveis em português, como “agredir intencionalmente”, “bater forte” e “atirar com precisão”.
Algumas possibilidades, contudo, apresentam idiossincrasias. Pense, por exemplo, na
expressão idiomática “Fala sério!”. O significado dessa expressão não é composicional: quando
alguém diz “Fala sério!”, está querendo manifestar seu desagrado em relação a uma ideia
estapafúrdia (e não solicitar que o interlocutor se expresse oralmente com seriedade). Isso
significa que essa expressão exibe especificidades pragmáticas (sem falar nas particularidades
prosódicas), o que nos impede de adivinhar seu significado/uso a partir do conhecimento das
palavras que a compõem e das construções de modificação verbal presentes no constructicon
do português. Por essa razão, é inevitável que a expressão “Fala sério!” seja postulada como
construção independente:
Construção de Modificação Verbal
(VERBO + MODIFICADOR)
Construção de Adj. Adverbial
(VERBO + ADJ. ADV.)
Construção de Adv. Canônico
(VERBO + ADVÉRBIO)
Construção de SP
(VERBO + SP)
“Fala sério”
Figura 12: rede de construções de modificação verbal (versão 2)
Mas, como nós vimos, a GCBU reconhece – e mesmo valoriza – a possibilidade de
representação redundante do conhecimento gramatical. Isso significa que outras combinações
de verbo + adjetivo adverbial podem ser especificadas na rede de construções mesmo que não
sejam idiomáticas. Boas candidatas a isso são sequências como “pensar rápido” e “jogar fácil”:
Construção de Modificação Verbal
(VERBO + MODIFICADOR)
Construção de Adv. Canônico
(VERBO + ADVÉRBIO)
“Fala sério!”
Construção de Adj. Adverbial
(VERBO + ADJ. ADV.)
Pensar rápido
Construção de SP
(VERBO + SP)
Jogar fácil
Figura 13: rede de construções de modificação verbal (versão 3)
A possibilidade de abrigar usos inteiramente regulares no constructicon revela um fato
interessante sobre a GCBU: refletindo o legado da Linguística Cognitiva (e em particular o
compromisso cognitivo de Lakoff (1991)), o compromisso do modelo é com a realidade
psicológica – e não com a parcimônia descritiva. Nesse ponto, a GCBU se coloca em franca
oposição às vertentes formalistas da GC, que se guiam pela busca de descrições maximamente
econômicas. Fillmore (2013, p. 126), por exemplo, sustenta que uma sequência como “She
loves me” não deve ser tratada como construção independente porque “tudo o que nós sabemos
sobre ela [...] pode ser explicado a partir do que nós sabemos sobre valência, [...] função
gramatical e caso dos pronomes pessoais, etc.” Em termos simples, o que Fillmore está dizendo
é que uma construção como “She loves me” não deve ser postulada por não ser necessária à
descrição gramatical. Aqui, portanto, o autor se guia pelo critério da Navalha de Occam: entre
duas descrições, escolha sempre a mais econômica.
A atitude de Fillmore é comum em ciências como a física e a química. Mas é possível
que ela seja inadequada quando se trata de organismos vivos: como estes são sabidamente
redundantes, eliminar a redundância da teoria pode produzir discrepâncias entre a descrição
teórica e a realidade empírica. É por isso que a economia descritiva não faz parte da agenda da
GCBU. Seu compromisso, afinal, é o de descrever o que de fato existe na mente do falante – e,
se isso significa incluir na descrição representações redundantes, então que assim seja13.
Para além da preocupação com a realidade psicológica, outra marca da tradição
cognitivista sobre a GCBU é o desejo de explicar a estrutura gramatical a partir de processos
cognitivos gerais. Aqui, a habilidade fundamental é a de categorização: a capacidade de
reconhecer afinidades entre entidades distintas e agrupá-las em uma classe única. Sob a
perspectiva da GCBU, esse processo é um dos responsáveis pela aquisição da linguagem.
Resumidamente, a ideia aqui é a de que a “montagem” de uma rede construcional segue
um percurso ascendente. Assim, em um estágio inicial, a criança armazena (e repete)
combinações pré-fabricadas de palavras. Com o tempo, a percepção de similaridades entre essas
sequências permite a ela construir padrões progressivamente mais abstratos (como a Construção
de Adjetivo Adverbial, que pode ser inferida a partir de sequências do tipo “pensar rápido” e
13
Veja-se a esse respeito o que diz Chomsky (2004, p. 57) em avaliação da trajetória da linguística gerativa:
“Talvez seja um erro fundamental tentar tão intensamente eliminar as redundâncias ao desenvolver teorias
explicativas. [...] Até agora, parece-me que tem sido razoavelmente produtivo nós fingirmos que estamos fazendo
física de partículas elementares. No entanto, acho que temos que ter em mente que talvez nós estejamos
caminhando na direção errada, e que, cedo ou tarde, isso talvez apareça”.
“jogar fácil”). O mais interessante, porém, é que o falante não descarta o elemento mais
concreto uma vez que o padrão mais abstrato é construído. E, mais do que isso, é provável que,
durante boa parte da comunicação cotidiana, ele recorra aos níveis mais baixos da rede,
valendo-se dos esquemas mais abstratos apenas quando se trata de produzir ou compreender
enunciados inteiramente inéditos. É nesse sentido que, segundo Langacker (1991, p. 265), os
esquemas mais altos da rede construcional exibem mais uma “função organizacional” (eles
atribuem coerência à macrocategoria) do que uma “função computacional ativa”14.
A construção ascendente de uma rede construcional, no entanto, deixa evidente apenas
um tipo de relação entre construções: a relação vertical (ou taxonômica), que se estabelece entre
construções com níveis distintos de abstração (por exemplo, a Construções de Modificação
Verbal e a Construção de Adjetivo Adverbial). No entanto, há evidências experimentais de que
o falante também estabelece associações entre construções que se encontram em um mesmo
nível de abstração15. Isso, porém, não chega a ser uma surpresa. Afinal, no domínio das
palavras, é sabido que o falante associa itens semanticamente relacionados, mesmo que eles
não tenham semelhança formal (como “dia” e “noite”). Se é assim, não surpreende que o mesmo
aconteça com expressões fixas (como “pensar rápido” e “jogar fácil”) e mesmo padrões
abstratos (como a Construção de Advérbio Canônico e a Construção de Adjetivo Adverbial).
Em suma, a GCBU propõe que conhecimento linguístico pode ser descrito como uma
rede de unidades simbólicas inter-relacionadas, continuamente afetada pela experiência do
falante e construída graças a processos cognitivos gerais. Como consequência, o modelo admite
a representação redundantes de informações em diferentes níveis, o que evidencia seu
compromisso com a realidade psicológica (em detrimento da elegância descritiva).
Epílogo
A história da GC começou na década de 1980, motivada por uma reação ao tratamento
bipartido de conhecimento linguístico praticado pelos adeptos da linguística chomskiana (isto
é, sua cisão em itens e regras derivacionais). Ainda nesses primeiros anos, os desenvolvimentos
mais propriamente cognitivistas do modelo (liderados, sobretudo, por George Lakoff) já
enfatizavam a importância dos processos cognitivos gerais, como a metáfora e categorização
por protótipos, na organização do conhecimento linguístico. O resultado foi a emergência de
A ideia de que o conhecimento linguístico está repleto de idiossincrasias e regularidades parciais – incluindo
um vasto número de clichês lexicais – está na própria origem da GC. Essa perspectiva recoloca a repetição/imitação
em uma posição de destaque nos estudos linguísticos, anos depois de esses conceitos terem sido banidos como
hereges da teoria linguística em função da sua associação com o behaviorismo skinneriano.
15
Para algumas dessas evidências, ver Diessel (2015).
14
uma teoria não-derivacional – fundada no conceito de construção gramatical – que recusava a
separação teórica entre a cognição linguística e outras formas de cognição.
Um pouco antes disso, nos anos 1970, o Funcionalismo norte-americano também se
desenvolvia como uma forma de reação à gramática gerativa. Seu alvo, no entanto, era outro: a
separação estrita entre gramática e uso. Nesse momento, trabalhos de pesquisadores como Paul
Hopper e Talmy Givón demonstravam que a gramática deveria ser compreendida como o
resultado da convencionalização de padrões discursivos.
Hoje, a GCBU vem se firmando como o ponto de convergência entre essas duas
tradições: afinal, trata-se de um modelo não-derivacional em que o conhecimento linguístico –
entendido como rede de construções gramaticais – é continuamente afetado pelo uso e moldado
por processos cognitivos gerais. Por isso mesmo, trata-se um modelo gramatical perfeitamente
adaptado às necessidades da linguística funcional-cognitiva.
Referências
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