temperos da vida

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Celebração da diferença:
algo possível e desejado
Izabel Cristina Feijó de Andrade
Mestre em educação, professora da
UNIVALE
O
objetivo deste trabalho de pesquisa é discutir o tema “diferença” como
algo possível e desejado quando relacionado ao processo de inclusão social.
O momento de transição paradigmática e complexa do contexto social
brasileiro em que se pretende, como em épocas anteriores, o asseguramento
de melhores condições de vida para todas as pessoas, entendendo-se
inclusão, inicialmente como a aceitação das diferenças individuais, a
valorização de cada pessoa, a convivência dentro da diversidade humana, a
aprendizagem por meio da cooperação, entre outros que são primordiais para
a celebração das diferenças.
Os depoimentos analisados neste trabalho de pesquisa foram colhidos
durante as aulas ministradas de avaliação escolar e currículo no curso de
pedagogia da UNIVALI nos anos de 2002 e 2003. Diante da coleta de dados,
considera-se que a formação docente necessita ser reestruturada no sentido
de proporcionar-lhes uma formação não fragmentada em que, como diz Rios
(2001, p 58) abriga-se a “uma percepção clara das diferenças e especificidades
dos saberes e práticas, no sentido de afastá-los uns dos outros ou de isolá-los,
mas de realizar um trabalho coletivo e interdisciplinar”.
O momento de transição paradigmática e complexa do contexto social
brasileiro em que se pretende, como em épocas anteriores, o asseguramento
de melhores condições de vida para todas as pessoas, considerando-se
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inclusão, inicialmente como a aceitação das diferenças individuais, a
valorização de cada pessoa, a convivência dentro da diversidade humana, a
aprendizagem por meio da cooperação, entre outros, que são primordiais para a
celebração das diferenças. Assim, este trabalho de pesquisa tem o propósito
de discutir o tema diferença como algo possível e desejado quando relacionado
ao processo de Inclusão Social.
Dessa consciência social, decorrem teorias e práticas que promovem
uma guinada substancial no reconhecimento dos direitos de todos os sujeitos,
principalmente no direito a educação e condições de vida mais condizentes às
suas peculiaridades. Desta forma, exige-se um outro olhar, uma mudança de
paradigma do próprio professor.
INCLUSÃO E DIFERENÇA: discutindo com os professores
Dessa forma, o paradigma da inclusão não se apresenta como solução
para os problemas vivenciados na complexa relação estabelecida entre a
sociedade e seus cidadãos excluídos. Pretende, sim, abarcar a sociedade como
um todo - seu projeto é o de uma sociedade para todos, admitindo e
respeitando a noção de que todos são seres peculiares. Embora não se
descarte todo o conhecimento alcançado graças às velhas práticas, chamandose a atenção para a urgência de um rompimento ideológico, ontológico e
epistemológico com as velhas orientações.
Desta forma, a inclusão social se torna um processo bilateral. Pessoas
até então excluídas, dentro do complexo processo social, buscam, em parceria,
equacionar problemas, assim como decidir sobre soluções, visando a
equiparação de oportunidades para todos.
Como incluir todas as pessoas?
Modificando a sociedade de modo que a mesma reconheça a necessidade de
promover alterações profundas e suficientes para atender às necessidades de
todos os seus membros.
Neste discurso, pensa-se em resgatar os depoimentos dos
professores da educação infantil, que ao interagirem com as crianças e ao
organizarem seus ambientes de trabalho, o fazem de acordo com as
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representações
e
expectativas
que
têm
sobre
as
mesmas.
Essas
representações são adquiridas em suas experiências de vida e em um meio
sócio-histórico específico, culturalmente estruturado e organizado, exercendo
forte poder significativo sobre os membros ali inseridos como aparece a seguir:
“Primeiro eu me apavorei porque antes de conhecê-lo já me
informaram tudo muito errôneo: falaram que ele era uma criança muito
agressiva, que não deixava nada no lugar, enfim, eu fiquei apavorada. Então,
eu já estava fazendo uma visão dele, totalmente errada. E quando ele chegou,
aquilo me emocionou... Primeiro eu achei que ele era grandão, porque ele tem 9
anos. E ele é todo meiguinho, todo amadinho, e a mãe dele é maravilhosa.
Então, o meu papel de imediato foi assim na parte afetiva... não foi de pena,
mas de aceitar, de aceitação... Para ter uma idéia ele ficou fazendo carinho e
me cheirando... Eu... Depois eu comecei a me questionar: o que eu vou fazer
com este menino?
Comecei a trabalhar num todo e não deu certo... Eu pedi,
então, para a mãe mandar alguém especializado para falar comigo e quando
veio a moça quase não me disse nada porque não era da sua área. Ela não
tinha nada... Ela me disse que ele não estava apto para o Braille e eu não
concordei muito... porque eu acho que ele tem interesse por outras coisas. A
mãe dele também me trouxe uma apostila, mas eu não entendo nada. Eu não
tenho tempo de estudar.”
Muitas destas representações sociais são estruturadas tendo como
base padrões bem definidos e estáticos de tal modo que a extrapolação dos
parâmetros estabelecidos produz, não raro, falácias conhecidas no contexto
popular (Freire,1995). Não há limites para os rótulos: o defeituoso, o louco, o
velho, o deficiente, o retardado, o doente mental, etc.
À medida que alguns
sujeitos se afastam dos parâmetros legitimados pela sociedade, eles passam a
ser considerados como uma espécie de ameaça à ordem estabelecida, tal
como o grupo de pessoas excluídas pelas diferenças. Segundo Omote (1994,
p.66),
“as diferenças individuais são características apresentadas por pessoas
específicas, na medida em que delas se destacam e lhe são atribuídas
significações de desvantagem e de descrédito social, essas diferenças não
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podem mais ser vistas tão somente como variações nas características
inerentes a algumas pessoas.
A diferença é criada pela sociedade e, se uma pessoa é assim
considerada é porque o rótulo a ela sobreposto teve êxito. Um exemplo está no
depoimento de uma outra professora que salienta o rótulo como definidor da
capacidade da criança: “Elas aprendem mais lentamente, até porque tem a
deficiência. A própria palavra já diz tudo: deficiente”.
Assim, pode-se entender, então, que a deficiência não é uma
característica que pode ser encontrada no sujeito, mas sim um veredicto
enunciado acerca desse sujeito por um grupo social. Por este motivo, acabam
sendo estigmatizados.
Burbules (apud SILVA (2000, p.173), enfatiza que a
diferença não é
“simplesmente uma questão de pertencimento sociológico a um grupo,
mas também da visão de mundo e de subjetividade construída pelas pessoas
que entram numa relação de diálogo; assim, a diferença (ou a sua ausência)
não pode ser entendida ou suposta a partir do exterior.”
Ser diferente significa “a priori” possuir uma marca, um carimbo que
limita as expectativas de crescimento e torna aquele ser humano um prisioneiro
e, a partir daí, não lhe resta outra alternativa a não ser a de aderir à ordem préfixada e ter sua vida organizada por outras pessoas como aparece em outros
depoimentos: “As crianças portadoras de deficiência não aprendem igual e sim
diferente das outras crianças, só que não sei como...”.
Como este processo acontece nas escolas? A escola, funciona como
termômetro quando separa os fortes dos fracos, os viáveis dos não viáveis, os
deficientes dos normais.
Logo nos primeiros meses, os professores da
educação infantil com suas expectativas já identificam quais as crianças que
fracassarão e quais obterão sucesso.
dificuldade,
sem
qualquer
indício
de
Se ela não apresentar nenhuma
anormalidade,
prosseguirá
sua
escolarização. Se demostrar que sua bagagem cultural, seu desenvolvimento
intelectual e motor estão aquém da norma estabelecida pela escola, começará,
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neste momento, um processo de legitimação da suposta deficiência que só
terminará quando for diagnosticado como deficiente.
Existem fortes razões para valorizar a diversidade dos sujeitos, para
não imaginar a homogeneidade quando ela não existe e para evitar práticas
sociais e educacionais que excluam de forma implícita ou explícita aqueles que
não participarem dos modos dominantes de pensamento e ação.
Sendo
coerente com este enfoque, entende-se que formação docente necessita ser
projetada para atender a diversidade dos sujeitos que atende e com isso
celebrar as diferenças como algo possível e desejado.
No entanto, é pertinente, levar em conta, nesta formação docente os
elementos da diferença que podem afetar as possibilidades comunicativas no
ambiente educacional do ponto de vista dos sujeitos envolvidos. Inclusive, é
inevitável expressar e respeitar suas auto-identificações e admitir para os
próprios limites de competência docente para identificarem-se com a
subjetividade dos outros e de fazerem inferências sobre ela, sem exclui-las.
Assumindo a idéia de que os sujeitos são diferentes, fica claro
perceber também, que eles têm sido construídos e tratados como desiguais. E
aqui talvez seja fundamental perceber que a diferença não é o mesmo que
desigualdade.
Como argumenta Scott (1988), a noção de desigualdade é
política e pressupõe a diferença, uma vez que não teria sentido buscar ou
reivindicar igualdade para sujeitos que são idênticos, ou que são os mesmos. O
igualitarismo, diz ela, “implica um acordo social para considerar pessoas
obviamente diferentes como equivalentes (não como idênticas) em relação a
um dado propósito” (46).
Sem dúvida, se a construção das diferenças é um processo social e
histórico, isso supõe que ela esteja em constante transformação.
Assim,
muitas das práticas reprodutoras de desigualdades estão sendo hoje
modificadas como é o caso do processo de integração que propõe
transformações que não se consolidaram na prática docente, pois a
discriminação, o preconceito e a segregação ainda aparecem visivelmente nos
depoimentos dos professores da educação infantil: “Eu tenho que respeitar o
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limite da criança. Se ela não aprende desta vez, aprenderá depois. Mas eu
não posso impor que ela aprenda ou que tenha que aprender igual aos outros”.
O ponto fundamental é trabalhar em parceria com os professores da
educação infantil, como enfatiza White (1994, p. 91),
“acreditamos que a chave para a reforma sustentável está mas mãos
das pessoas desafiadoras que trabalham para construir e reforçar parcerias,
respeitando os professores da educação infantil profissionalmente.
Se
desejamos ampliar (mudar) os objetivos da Educação Especial temos que
considerar os professores da educação infantil como força de trabalho da
mudança”.
Além disso, compreender seus desejos é fundamental.
O seguinte
depoimento expressa o que os professores da educação infantil estão
reivindicando: “Ele precisa ter a prática daquilo ali e não teoria de como
trabalhar aquela criança. Tem que ter alguém que o oriente, que tenha mais
entendimento sobre o assunto. E ter cursos, tanto na teoria como na prática e
saber como trabalhar com as crianças e não encher o professor de teoria de
dizer: pronto, agora vai e faz! Porque não tem receita. Mas se precisa que... de
algo a mais para nos ajudar em sala de aula porque ele (professor) fica tão
apavorado”.
Esta angústia denunciada é reflexo da formação docente que pautada
em conteúdos fragmentados, revelam uma práxis frágil, padrão, certa e
verdadeira, onde se padroniza o fazer, o pensar, o ser e o ter. Desta forma,
quando os professores da educação infantil se deparam com uma sala de aula
heterogênea as dúvidas se confirmam. E o que lhes adiantou tanta teoria sem
conexão com a prática?
O que se percebe é a cristalização de desculpas
preconceituosas e acomodadas sobre as diferenças.
É como diz Heller
(2000, p. 48): “Crer em preconceitos é cômodo porque nos protege de conflitos
e confirma nossas ações anteriores”.
Diante dessas análises, é fundamental pensar a formação docente
dentro de uma perspectiva inclusiva em que a celebração da diferenças seja
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algo possível e desejado. Esta formação é primordial ao abrigar a necessidade
de ter uma percepção clara das diferenças e especificidades de saberes e
práticas na direção de uma trabalho pedagógico pautado em parcerias que
contribuam para coletividade.
Referências bibliográficas:
Freire, I.M. Um olhar sobre a criança: estudo exploratório sobre as experiências da criança
vidente e não-vidente de dois anos de idade. São Paulo, IPUSP.(Tese) (1995).
Heller, A. O cotidiano e a história. São Paulo: Paz e terra, 2000
Pesquisa,n.77,p.69-80, maio.
Scott, Joan. Deconstructing equality-versus-difference: or, the uses of poststrutundist theory for
feminism. Feminist Studies. Vol. 14(1). (1988).
Rios, T. Compreender e Ensinar: por uma docência da melhor qualidade. São Paulo: Cortez,
2001.
Silva, T.T. Org. Teoria Educacional crítica em tempos pós-modernos. Porto Alegre: Artmed,
2000.
White, V. (1994). Parcerias para repensar as escolas: sistemas, sindicatos, escolas e suas
comunidades em direção de uma sociedade justa. In: Pedagogia de Exclusão: Crítica ao
Neoliberalismo em Educação (org.) Pablo Gentili. Rio de Janeiro: Vozes.
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