UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ECONOMIA A hipótese da instabilidade financeira no “Money Manager Capitalism”: Um estudo de conceitos proposto por Minsky. Profª. Drª. Ana Rosa Ribeiro de Mendonça Sarti Felipe Dalcin RA: 093710 AGRADECIMENTOS Agradeço à minha mãe, que traz o dom e magia de ser uma verdadeira „Maria‟ nos tempos adversos, possuindo a estranha mania de ter fé na vida; à minha irmã, que o destino me deu como companheira de caminho e aos meus amigos, que me ensinaram, apesar de todas as constantes dúvidas, que há força e luz no fogo. Agradeço às minhas duas orientadoras que me auxiliaram por todo esse processo acadêmico: Profª. Drª. Simone Silva de Deos, que iniciou minha orientação e me deu suporte na elaboração do projeto e Profª. Drª. Ana Rosa Ribeiro de Mendonça Sarti, que me ajudou na conclusão desse trabalho. 1 Resumo Esse trabalho é um estudo sobre a teoria de Hyman Minsky, abarcando o estudo sobre alguns conceitos da obra do autor. No primeiro capítulo a hipótese de instabilidade financeira é apresentada, além da construção histórica do período de sua realização, passando pelas transformações econômicas do período pós crise de 1929 até as inovações financeiras das décadas de 60, 70 e 80. O segundo capítulo traz a caracterização do período definido como Money Manager Capitalism pelo autor, além da construção teórica de sua ascensão e as transformações econômicas e financeiras após o período de sua formulação. Palavras chave: Hyman Minsky, Hipótese de instabilidade financeira, Money Manager Capitalism. Abstract This work is a study of Hyman Minsky‟s theory, covering the study of some concepts of the author's work. In the first chapter the hypothesis of financial instability is presented in addition to the historical construction of the period of its realization, analyzing the economic transformations from the post 1929 crisis to the financial innovations of the 60, 70 and 80. The second chapter covers the characterization of the period defined as Money Manager Capitalism by the author, besides the theoretical construction of its rise and the economic and financial changes after the period of its formulation. Key Words: Hyman Minsky, Financial Instability Hypothesis, Money Manager Capitalism. 2 Sumário 1-INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 4 2-A HIPÓTESE DE INSTABILIDADE FINANCEIRA. ............................................................................ 6 2.1- O Legado Keynesiano. ....................................................................................................... 6 2.2- A Hipótese de instabilidade financeira. ............................................................................. 8 2.3- Contexto histórico de sua formulação.............................................................................. 16 2.3.1- As inovações financeiras........................................................................................... 20 3- O MONEY MANAGER CAPITALISM. ......................................................................................... 27 3.1- O Money Manager e sua perspectiva histórica. ............................................................... 27 3.2- A trajetória do Money Manager Capitalism. ................................................................... 30 3.2.1- A ascensão do Money Manager Capitalism. ............................................................ 30 3.2.2- Money Manager Capitalism em perspectiva. ........................................................... 35 4- CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................... 40 5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. .............................................................................................. 42 3 1-INTRODUÇÃO A recente crise econômica e financeira a qual o mundo foi exposto a partir de 2008 fez com que uma série de questões muitas vezes ignoradas pela teoria mainstream voltasse ao centro das discussões no campo teórico. A questão da incerteza Keynesiana em que se mostra fundamental a preferência pela liquidez diante de um cenário de fragilidade econômica, do caráter inerentemente instável de economias capitalistas, além da teoria dos ciclos de natureza financeira puseram Hyman Minsky em voga. Entre suas contribuições, Minsky foi responsável por uma interpretação financeira e pela realização de críticas à interpretação convencional (dominante, mainstream) da Teoria Geral de Keynes, pela contribuição sobre a dinâmica institucional (vide estudo dos bancos e das inovações financeiras), pelo legado teórico relativo à reconstituição histórica e análise da crise de 29, além da construção da hipótese de instabilidade financeira, marco fundamental à teoria monetária e financeira da segunda metade do século XX (Lourenço, 2006). Dentro desse trabalho trataremos de duas contribuições fundamentais dentro da obra do autor: a hipótese de instabilidade financeira (HIF) e o estudo acerca da fase determinada como Money Manager Capitalism. Vale ressaltar que essas contribuições são independentes entre si, formuladas em períodos diferentes e que abarcam esferas teóricas diferenciadas. A HIF é uma teoria acerca das flutuações econômicas, inserida em ciclos ou períodos, sendo que suas concepções iniciais emergem dentro da fase do capitalismo paternalista norte americano. O Money Manager Capitalism abarca, por sua vez, uma conotação histórica, tratando de um estágio capitalista resultado de transformações econômicas e financeiras pós década de 70, observado e definido por Minsky. O objetivo desse trabalho é realizar um estudo sobre a teoria de Minsky, apresentando e discutindo alguns conceitos da obra do autor e, por meio desse instrumental, avançar e compreender as transformações econômicas e financeiras dentro de uma perspectiva histórica. A hipótese em que nos concentramos é: se dentro de um estudo de conceitos propostos pelo autor, a teoria da hipótese de instabilidade financeira ainda se mostra fidedigna para a atual fase capitalista e se os avanços econômicos e financeiros 4 inviabilizam a validade do conceito clássico do Money manager Capitalism para o atual plano capitalista. No primeiro capítulo os esforços se concentram em apresentar os elementos da hipótese de instabilidade financeira e traçar um panorama histórico das transformações ocorridas da época de sua formulação até as transformações econômica e financeiras do pós-guerra, com destaque para as inovações financeiras. O segundo capítulo traz a definição do Money Manager Capitalism e coloca esse período capitalista em perspectiva, avançando no sentido de entender sua ascensão e os avanços que se deram desde a sua formulação bem como a viabilidade de seu conceito pós-crise de 2008. 5 2-A HIPÓTESE DE INSTABILIDADE FINANCEIRA. 2.1- O Legado Keynesiano. Minsky (1985) aponta que muitas das ideias de Keynes foram esquecidas ao longo da interpretação de sua obra. Neste sentido, muitos aspectos negligenciados auxiliariam na resposta a duas perguntas básicas que cercam a literatura keynesiana acerca da economia capitalista: por que esta seria sujeita a flutuações e se seria possível chegar perto do pleno emprego ou mesmo no pleno emprego em si. Um importante método de apreensão do legado keynesiano se dá por meio da comparação de sua análise e de suas premissas econômicas com a economia ortodoxa. Para a primeira corrente de pensamento (baseada na teoria Walrasiana) as trocas determinam o sistema de alocação de preços e de recursos, a instabilidade não é explicada, apenas colocada como fruto de acontecimentos exógenos; dinheiro e instituições financeiras servem apenas como instrumentos e são neutros, dessa forma, mudanças na quantidade de moeda disponível afetam o nível de preço e de reanda no curto prazo, mas no longo prazo apenas o nível de preço é afetado. Keynes, por sua vez, apresenta uma teoria preocupada, para além da alocação de recursos. O autor se preocupava em montar um modelo teórico que tivesse condições de fazer frente ao modelo clássico, sendo este capaz de construir uma política econômica operacional, apontando suas fraquezas e traçando soluções macro. O autor sustenta a onipresença e a centralidade das condições monetárias e financeiras na interpretação do modo de operação da economia capitalista, criando assim uma economia monetária de produção em que dinheiro, preços de ativos e financiamento se auto relacionam. Para Keynes o processo de acumulação envolve, assim, a formação de preço dos bens de capital, o custo do investimento e as condições de financiamento. Conforme suscita Minsky: 6 To Keynes, the accumulation process under capitalist conditions revolved around pricing of capital goods, the cost of production of investment output, and financing conditions. Money and the operations of the institutions that deal in and create money (banking, generically speaking) affect the prices of capital assets, the production costs of outputs with significant gestation periods, and the payment commitments that are specified in financing arrangements (MINSKY, 1985, p. 4). A ligação entre o dinheiro e o financiamento se encontra no preço dos ativos. O Ativo compreende o conjunto de Bens e Direitos da organização (de uma entidade ou empresa), possuindo valores econômicos e podendo ser convertido em dinheiro. Seu valor é determinado por três elementos na teoria keynesiana: o lucro que ele gera, sua liquidez e seu custo de carregamento. A discussão keynesiana diz respeito à composição da carteira, ou seja, se foca no ativo e em sua precificação. Minsky, porém, avança no sentido de se preocupar com a forma de financiamento desses ativos, uma vez que o ato de financiar gera passivos (os quais correspondem ao saldo das obrigações devidas). Dessa forma, o financiamento dos ativos reais deve envolver necessariamente um prospecto de “cash flow”, capaz de arcar com as despesas do principal e de seus compromissos financeiros, nas palavras do próprio Minsky: the cash payment commitments for financing investments are determined by the price system of financial assets. With the carrying costs for capital assets determined, the minimum yelds that an investment project must be expected to generate are given (MINSKY, 1985, p. 5). A teoria keynesiana trazia assim consigo as premissas de uma economia inerentemente instável, a qual Minsky abarca dentro de sua obra. Nas palavras do próprio autor : Uncertainty about both the future income flows from capital-using goods (and, therefore, their demand prices) and the fluctuations in financial assets prices (and therefore, payment-flow commitments on new financing) may result in wide swings in investment demand and resource-utilizations levels. The capitalist system of making investment decisions is inherently destabilizing. Unlike orthodox theory, Keyne‟s explanation of fluctuations is integrated into the price-determination mechanism. (MINSKY, 1985, p.6). 7 2.2- A Hipótese de instabilidade financeira. Em sua formulação acerca da Hipótese de Instabilidade Financeira (HIF), Minsky aponta que esta lida com uma visão diferente da teoria mainstream (ortodoxa Walrasiana explicitada acima) da época do que seria o funcionamento normal das economias capitalistas; à época de sua escrita, as economias capitalistas não funcionavam como a teoria neoclássica previa, tendo o autor o objetivo de demonstrar que esse comportamento não se circunscrevia como uma anomalia, mas sim que essa instabilidade era uma característica inerente às economias capitalistas avançadas. Ainda nesse sentido, Minsky aponta: The financial instability hypothesis is an alternative to the neoclassical synthesis, i.e., to today‟s standard economy theory. It‟s designed to explain instability as a result of the normal functioning of capitalist economy.[…] so that financial instability is a normal functioning internally generated result of the behavior of a capitalist economy. (MINSKY, 1986, p.30). A instabilidade financeira então tratada pelo autor é uma característica inerente da economia capitalista, sendo gerada pelo próprio caráter comportamental dessa economia. Em se tratando das diferenças da teoria neoclássica e do avanço do autor em relação a uma nova perspectiva dos fenômenos econômicos, destaca-se como primeiro ponto da Hipótese Minskyana sua formulação com base no que se denomina o paradigma de “Wall Street”. Nas palavras de LOURENÇO, “tal paradigma sustenta a onipresença e a absoluta centralidade dos fenômenos monetários e financeiros no modus operandis das economias capitalistas qualificadas como financeiramente sofisticadas” (2006, p.446); essa perspectiva se encontra em franca oposição ao paradigma da troca real ou “feira livre”, em que a moeda seria apenas um instrumento de troca. O paradigma de “Wall Street” se baseia no caráter inerentemente dinâmico da economia, em que o dinheiro de hoje (o qual envolve um instrumento financeiro, um bem de capital existente) é trocado pelo chamado dinheiro do amanhã (relacionado, por sua vez, aos juros, dividendos e lucros advindos posteriormente ao uso do dinheiro atual). Nesse sentido, Minsky aponta a dinamicidade das decisões, principalmente relacionadas aos portfólios: as aquisições de bens de capital de ontem tem que ser 8 validadas pelo fluxo de caixa de hoje. Esse fluxo de caixa de hoje é determinado pelo investimento atual que será ou não validado pelo cash flow de amanhã (fluxo de caixa, marcando a diferença entre o dinheiro que entra e sai das empresas capitalistas). As decisões de portfólio para o autor aparecem como uma evolução do pensamento keynesiano expresso na Teoria Geral. Keynes entende que a carteira dos agentes (seu portfólio) como os conjuntos de ativos que detêm três atributos básicos: geram um retorno, têm um custo de manutenção e oferecem uma segurança, sobre a forma de um prêmio de liquidez. Os ativos, segundo a teoria keynesiana, então são subdivididos em três grupos: o capital instrumental, cujo retorno supera o custo de manutenção e sua liquidez é praticamente nula, estoques, cujo custo de manutenção é maior que o retorno e também oferecem liquidez equivalente a zero e, por fim, a moeda que apesar de ter custo de manutenção e retorno próximo de zero é plenamente liquida, sendo de extrema importância em uma teoria na qual a incerteza é fator fundamental e os agentes podem ter preferência pela liquidez. Minsky aprofunda e amplia as considerações de Keynes: primeiramente há um maior conjunto de ativos, englobando não somente os de caráter produtivo, como os de caráter financeiro, os quais tendem a ter um mercado secundário mais expressivo e retornos maiores e mais regulares e periódicos. O prêmio de liquidez passa a se relacionar à capacidade do ativo de ser transformado em moeda- “the ability to trade the asset for Money” (MINSKY, 1985, p.3). Outra concepção marcantemente diferente é que todo ativo carrega um custo de manutenção expressivo, trata-se do compromisso de pagamento, do passivo que a aquisição de qualquer ativo gera. A incorporação dos passivos nos portfólios se torna fundamental na construção da teoria, uma vez que o custo deste deve se compatibilizar com o retorno do ativo, a decisão de investir passa a se basear, a ser inerentemente ligada à outra decisão: a de como bancar o investimento. Outro ponto consonante em relação à obra de Keynes está na determinação do investimento para Minsky. Para o autor a análise de determinação relativa ao ato de investir não se faz somente com base nas taxas (no caso da Teoria Geral, Eficiência Marginal do Capital comparada à taxa de juros), mas sim também em comparação ao preço dos ativos, especificamente uma comparação entre o preço de demanda e de oferta dos Bens de capitais. Keynes utiliza-se da comparação de duas taxas, porque está preocupado com a função investimento, a qual faz parte da função de demanda 9 agregada- ponto central de sua obra-, prestando atenção primária à sua determinação e não aos rendimentos desse investimento e do seu processo de financiamento (e respectivas flutuações), pontos centrais da teoria Minskyana. Nas palavras de Minsky: A capitalização dos rendimentos prospectivos para gerar um preço de demanda para os ativos e capital é uma forma mais natural de abordar os problemas de flutuação do investimento do que a unção eficiência marginal do capital; um approach direto via rendimentos e o fator de capitalização específico é mais preciso que um approach por meio das eficiências marginais relativas. Primeiramente, os rendimentos não ficam submersos, como no approach alternativo; em segundo lugar, o fator de capitalização que pode ter uma taxa distinta relativamente à taxa de juros do mercado de empréstimos, em função dos diferentes valores atribuídos à liquidez, é explicitamente considerado” (MINSKY, 1975, p.100-101 apud DEOS, 2002, p.9). O modelo econômico estabelecido pelo autor seria então um modelo de dois preços, com determinantes e comportamentos amplamente diferenciados. Segundo Minsky: A capitalist economy, therefore, is characterized by two sets of relative prices, one of current output and the other of capital assets. Prices of capital assets depend upon current views of future profits (quasi-rent) flows and the current subjective value placed upon the insurance against uncertainty embodied in Money or quick cash[...] The prices of current output are based upon current views of near term demand conditions and current knowledge of Money wage rates. [...] They are based upon expectations over quite different time horizons: capital assets prices reflect long run expectations and current output prices reflect short run expectations. (MINSKY, 1984, p. 94-95). Como apontado por Deos (2002), o preço de demanda dos bens de capital (Pk ou capital assets prices) é determinado em forma de uma função positiva da quantidade de moeda em circulação, ou seja, da liquidez do sistema e da quase-renda esperada da utilização do ativo em questão. A quase-renda guarda estreita relação com a percepção atual do futuro, uma vez que se aproxima do conceito de lucro bruto após os impostos e contabiliza os compromissos de pagamento- não somente dos dividendos, como das dívidas financeiras- mudando assim conforme mudam as expectativas. Dessa forma, esse preço tem uma forte conotação subjetiva, delimitando um comportamento instável e suscetível ao caráter expectacional. 10 O preço de oferta (Pi ou current output prices), por sua vez, é formado com base em fatores objetivos como a taxa de juros, a taxa de salário e o Mark up , ele reflete as condições vigentes de demanda e do próprio mercado, tendo um comportamento muito mais estável. Como aponta Deos (2002), esses preços ainda agregam em sua formação, respectivamente, o risco do devedor e o risco do credor. O primeiro deles diz respeito ao aumento da parcela do investimento que é financiado ou de forma externa ou pela venda de ativos de maior liquidez possível, postura a qual reduz significantemente a margem de segurança do agente e consequentemente o preço de demanda, uma vez que o tomador de crédito tem ciência dos compromissos financeiros a serem cumpridos. O segundo dos riscos agrega de forma objetiva ao preço de oferta o resultado crescente do endividamento relacionado ao financiamento: maiores taxas de juros, diminuição dos prazos e elevação das exigências se traduzem em um incremento no custo de produção dos bens de capital. O investimento se concretizará assim, quando o preço de demanda dos bens de capital superar ou, no extremo, se iguala ao preço de oferta; posto de outra maneira, quando o retorno esperado dos ativos de capital for maior ou igual ao seu preço de oferta. A teoria minskyana então denota que todo investimento gera necessariamente uma posição passiva e, uma vez alocados os componentes de sua formulação, o autor explicita como o financiamento e consequentemente o endividamento bancário das firmas determinada estruturas financeiras. Essas estruturas devem ser analisadas para além dos portfólios das firmas em questão, levando–se em conta os fluxos de caixa e estruturando a composição de compromissos, formados a partir de cash-flow commitments e da renda esperada. Minsky aponta em seu texto: Any position (i.e., a set of owned assets) needs to be financed. The instruments used to finance positions set up cash cash flow commitments even as the assets “in position” yels cash flows. We can distinguish three types of financial postures: Hedge Finance, Speculative Finance and „Ponzi‟ Finance. (MINSKY, 1984, p.105). 11 A postura Hedge diz respeito à situação em que a quase renda esperada pela utilização do ativo financiado excede todos os compromissos financeiros e em todos os períodos em que esses compromissos devem ser atendidos. As unidades hedge geralmente podem ser caracterizadas com débitos de longo prazo e não há descolamento entre o montante de ativos e passivos. A estrutura financeira especulativa, por sua vez, se faz presente quando os compromissos financeiros são maiores que a quase-renda para algum período de tempo, sendo necessário a chamada “rolagem” ou refinanciamento da dívida , as unidades com essa característica possuem, em sua maioria, um descolamento de prazo de maturação dos ativos e dos passivos. A postura Ponzi relaciona-se à necessidade de um novo endividamento para cumprir os compromissos financeiros assumidos. A quase-renda é, nesse caso, insuficiente para fazer frente ao serviço da dívida, havendo um descompasso entre passivos e ativos em todos os períodos dentro de um horizonte de curto prazo. Se por um lado as firmas que detêm uma postura financeira hedge necessitam apenas do bom funcionamento do mercado de fatores para cumprir com seus compromissos financeiros, as estruturas especulativas e Ponzi têm em seu âmbito uma extrema necessidade do mercado financeiro, uma vez que é dentro dele em que há renegociação relativa de seus débitos. Como apontado por Deos (2002), essas firmas dependentes do refinanciamento se tornam extremamente frágeis dado três aspectos básicos: I- a elevação na taxa de juros também reduz a relação entre o retorno dos ativos e os compromissos assumidos, II- dada a natureza de longo prazo de maturação dos ativos, essa elevação na taxa de juros também encadearia um aumento no valor dos passivos e III- as avaliações a respeito do endividamento são validadas por bases subjetivas, dessa forma, uma queda na relação entre o retorno do investimento e os compromissos assumidos disseminaria uma ampla reavaliação das condições da dívida e de quais estruturas financeiras detém aceitabilidade. Destaca-se que para além de uma análise meramente microeconômica, a determinação da postura financeira das firmas relaciona-se ao período histórico e a condição das expectativas, como suscita MINSKY “The mix of hedge, speculative, and 12 Ponzi finance in existence at any time reflects the history of the economy and the effect of historical developments upon the state of long term expectations” (1984, p.106). Dentro dessa constatação em que o tempo histórico e o caráter expectacional relacionado às decisões de financiamento e ao cash-flow importam, Minsky (1984) destaca que quando a economia passa por um período de tranquilidade, há um declínio na margem de segurança e na exigência imposta pelos emprestadores. Nesse cenário, há um aumento no preço de demanda dos bens de capital e uma mudança no caráter do portfólio, de modo que uma maior participação de finanças especulativas e Ponzi seja ensejada pelos negócios e aceitas pelos banqueiros. Posto de outra maneira, na fase em que as expectativas se encontram favoráveis e há uma ampla ascensão econômica, as posturas financeiras especulativas são favorecidas e aceitas, porque cai tanto o risco do credor quando do devedor. Dessa forma, a parcela do investimento financiada de forma externa vai crescentemente se baseando em recursos de curto prazo, sendo que os lucros aumentam, realimentando os investimentos e os débitos concomitantemente. Esta fase está relacionada, em um primeiro momento, a taxas de juros estáveis e baixas, permitindo a tomada de posturas cada vez mais arriscadas. Porém vale destaque o apontamento de Minsky (1984): com a predominância das estruturas ponzi e especulativa, a economia aumenta seu grau de fragilidade, uma vez que há essas unidades detém uma demanda virtualmente inelástica por recursos, sendo sua viabilidade extremamente suscetível à elevação da taxa de juros: As the ratio of speculative and Ponzi finance units increases in the total financial structure of an economy, the economy becomes increasingly sensitive to interest rate variations. In both speculative and Ponzi finance units the expected cash flows that make the financial structure viable come later in time than the payment commitments on outstanding debt. (MINSKY, 1984, p.106). Dessa forma, se por um lado as firmas com postura financeira hedge só podem ter sua posição deteriorada em função de uma crise no mercado de bens, uma vez que são financeiramente imunes à fragilidade; por outro, as que assumem posturas especulativa e Ponzi se tornam extremamente vulneráveis ao mercado financeiro e 13 principalmente, como suscitado acima, às taxas de juros. Uma empresa especulativa pode, tudo mais constante, se transformar em Ponzi dado um refinanciamento de seu débito com taxas elevadas e crescentes. Vale ressaltar que o sancionamento do financiamento adicional que caracteriza as unidades especulativas e Ponzi ocorre por parte das decisões de portfólio dos banqueiros do sistema, os quais sob a perspectiva de valorização do seu capital e encorajados pelo ambiente de tranquilidade e de expectativas positivas acabam por aceitar níveis de endividamento crescentes, expandindo seus próprios balanços. Frente a esse posicionamento bancário ocorre uma ampla diversificação e aprimoramento dos instrumentos financeiros, como afirma Deos: A inovação financeira é uma características das fases expansionistas das economias capitalistas, pois permite que uma determinada base monetária dê suporte a um volume maior de gastos (DEOS, 1998, p.32) Como apóia Deos, dentro do modelo Minskyano, a oferta de crédito não ocorre, porém, sem reavaliações diárias do nível de insegurança. Dessa forma, os agentes bancários não sancionam de forma indiscriminada e livre o oferecimento de linhas de endividamento. Conforme há um incremento no nível de endividamento, os banqueiros acabam por aumentar as taxas de juros como uma forma de instrumento compensador do risco crescente, incorrendo em uma situação, como já suscitada acima, de estruturas com postura financeira especulativa se transformando continuamente em estruturas Ponzi, incapazes de arcar com seus compromissos financeiros. A elevação de forma endógena da taxa de juros precipitará, dessa maneira, a crise em uma estrutura financeira com um elevado índice de fragilidade. Esse desdobramento no mercado financeiro faz com que o quadro macroeconômico seja dominado por uma crescente fragilidade: a elevação da taxa de juros aumenta o risco do credor e tem efeitos opostos sobre a os preços de demanda e de oferta dos bens de capital, passando a diminuir a diferença entre eles e incorrendo, na extremidade, na queda intensa do investimento. Com a diminuição do ato de investir, há uma derrocada dos lucros, trazendo dificuldade em saldar as dívidas anteriores e fragilizando financeiramente as firmas e os 14 agente de forma geral; para fazer frente aos compromissos assumidos há necessidade de venda dos ativos, os quais entram em uma trajetória descendente de preços. Forma-se, então, uma espiral que se traduz em tendência baixista dos preços de ativos, dos lucros e, consequentemente, dos investimentos. Como resultando inevitável a economia entra em uma crise financeira e econômica de ampla proporção. Minsky apresenta de forma resumida sua hipótese e a situação inerente de instabilidade econômica capitalista: The essence of financial instability hypothesis is that financial traumas, even onto debt deflation interactions, occur as a normal functioning result in a capitalist economy. […] The normal functioning of an economy with a robust financial situation is both tranquil and, on the whole, successful. Tranquility and success are not self-sustaining states; they include increases in capital asset prices relative to current output prices and a rise in acceptable debts for any prospective income flow, investment and profits. These concurrent increases lead to a transformation over time of an initially robust financial structure into a fragile structure. Once a financial structure includes a sufficiently large weight of speculative and „quasi-Ponzi‟ finance a run-up of short-term interest rates, as the demand for short-term financing increases rapidly, can occur. This will lead to „present value reversals‟, especially if it is accompanied by a rise in the value of liquidity as some units fail to meet financial obligations. As the cost of investment output becomes greater than the value of capital assets being produced, take-out financing will not be forthcoming. This leads to a „collapse‟ of assets value, even further below the supply prices of investment output, which further decreases investment. (MINSKY, 1984, p. 111). A hipótese de instabilidade financeira de Minsky desponta para além de sua importância na análise e conclusão do caráter inerentemente instável da economia capitalista, ela também se mostra fundamental ao analisar os componentes do panorama econômico de uma forma mais realista, em franca oposição à teoria convencional. Ainda nesse sentido, a HIF se mostra extremamente rica ao explicar os ciclos de negócio e abrir novos horizontes para a postura fiscal e monetária do governo. Uma vez determinada o caráter inerentemente instável da economia capitalista, vale ressaltar algumas posturas fundamentais a serem adotadas pela política monetária e pelo Estado a fim de „amenizar‟ a instabilidade sistêmica: entre as proposições Minskyanas para a diminuição das flutuações e das incertezas se mostram como fatores fundamentais a atuação de um Big Bank e de um Big Government. 15 Wray (2011) define o Big Bank como um Banco Central dotado de diferentes funções: “the ‘big bank’—the Fed. The Fed plays a number of roles: it sets interest rates, it regulates and supervises banks, and it acts as lender of last resort. Generally, it moves interest rates in a procyclical manner (raising them in expansion and lowering them in recession), which is believed to be stabilizing”. (WRAY, 2011, pg. 5). As autoridades monetárias devem intervir como emprestador de última instância do sistema financeiro, impedindo a deflação de preço dos ativos e como regulador do sistema, numa ação preventiva de impedimento da supremacia das posturas financeiras ponzi e especulativas, tentando, consequentemente, impedir crises sistêmicas. O Big government, por sua vez, é definido por uma maior presença do Estado dentro da economia, principalmente na função de promover gastos públicos como forma de estabilizar a demanda agregada. Os déficits incorridos pelo governo estabelecem um piso para o nível de renda e lucro, além de aumentar nível de emprego, assegurando, na media do possível, uma maior segurança e liquidez. 2.3- Contexto histórico de sua formulação. Conforme explicitado por Cintra (1997), Keynes era um adepto da teoria da “observação vigilante”, que postulava a construção teórica como fruto de uma representação estilizada advinda da observação dos fatos relevantes e dominantes num espaço de tempo. Nesse sentido, a construção e as mudanças teóricas da hipótese de instabilidade financeira de Minsky ao longo de sua obra podem ser entendidas seguindo o funcionamento da economia internacional, sobretudo a norte americana. Como é reconhecido pelo próprio autor: Uma teoria econômica séria não pode ser tão abstrata a ponto de ignorar características institucionais, especialmente quando processos dependentes do tempo geram endogenamente um impulso para a coerência e a rigidez institucional e as intervenções restringem o sistema a um arremedo de coerência (MINSKY, 1982, p.393, apud LOURENÇO, 2006). 16 De acordo com Rosa (2012), seguida à grande depressão e à crise bancária de 1933, a remodulação do sistema financeiro dos EUA começou a se dar no início da década de 30 durante o governo Roosevelt, consolidando-se a intervenção do Estado no segmento bancário e no mercado de capitais. As primeiras medidas foram no sentido de ampliar a administração da liquidez por meio da abolição do padrão ouro e das medidas do Emergency Banking Acts (1933 e 1935). Ainda em 1933, estabeleceu-se o marco regulatório do sistema financeiro americano a partir do Glass-Steagal Act, responsável por separar os bancos comerciais dos bancos de investimento, delimitando nichos de atuação para cada um deles: os bancos comerciais eram autorizados a trabalhar com depósitos à vista e seu portfólio de atividades deveria ser compatível com seus passivos de curto prazo, os bancos de investimento, por sua vez, passariam a operar com depósitos a prazo e com emissão de seus próprios títulos, enquanto os bancos e sociedade de poupança estariam restritos a captar depósitos de poupança. De acordo com Rosa (2014), essa medida, que visava limitar o caráter especulativo das ações das instituições bancárias e evitar o conflito de interesses na concessão de crédito e na aplicação desses mesmos recursos pela entidade financeira, acabou por extinguir os bancos universais, que durante a década de 20 haviam operado em diversos segmentos do mercado financeiro. Ainda no sentido de restringir a competição interbancária, não somente instituiuse a Regulação Q, por meio da qual o Federal Reserve proibiu o pagamento de juros sobre os depósitos à vista e estabeleceu tetos de taxa de juros para os depósitos a prazo, como também se ampliou a restrição de construção de filiais bancárias em diversos estados simultaneamente, trazendo como consequência a expansão dos pequenos bancos. Segundo Cintra (1997), a medida que se conformou como “o sistema de proteção mais importante”, além de ser responsável pela restauração da confiança no mercado financeiro após a disputa interbancária de 31 e 33, foi a introdução do seguro de depósito. Em uma primeira instância, esse seguro se deu por meio da Federal Deposit Insurance Corporation, capaz de prevenir a competição entre bancos em momentos de incerteza ao assegurar os recursos dos depositantes em caso de crise bancária. Em um segundo momento, a medida de segurança se deu por meio da criação da Federal 17 Savings Insurance Corporation, responsável por assegurar os depósitos em bancos de poupança e sociedades de crédito. Esse conjunto de medidas fez o Federal Reserve tornar-se símbolo do chamado Big Bank da teoria Minskyana. Entre suas funções podemos destacar o caráter de emprestador de última instância. As operações de redesconto, antes delimitadas ao caráter emergencial, tiveram sua abrangência ampliada, tendo seus critérios de concessão facilitados. O FED, ao controlar tais concessões, passou a ter um maior poder relativo à manutenção da liquidez e controlar os impactos por nicho de mercado e de instituição financeira, de acordo com Cintra (1997). Além do rigor no setor bancário, a nova legislação passou a fiscalizar o mercado de capitais. O Securitiry Exchange Act e a Security and Exchange Comission determinaram que os acionistas teriam preponderância na gestão dos mercados financeiros e das empresas, instituindo-se a necessidade de uma doutrina de transparência na gestão das companhias. Segundo Cintra: O principio da transparência determina que informações confiáveis- sobre as condições financeiras das corporações e dos agentes financeiros que operam nos mercados de capitais-, sejam de domínio publico. Segundo Minsky (1994b, 8): “o principio da transparência é necessário à operacionalização de um sistema financeiro fundado no mercado (a Market-rather than an institution-based financial system”, uma vez que a confiança num mercado de dívidas e de ações requer alguma visibilidade sobra a gestão das corporações e dos mercados financeiros. (CINTRA, 1997, p. 19). Essa estrutura institucional financeira tornou-se uma das principais responsáveis pelo franco crescimento econômico das décadas de 50 e 60: os títulos públicos ainda advindos dos esforços de guerra e determinados pela taxa de juros fixada pelo FED eram extremamente líquidos e de baixo risco, determinando um elevado nível de liquidez do próprio sistema financeiro. A disponibilização de empréstimos também passou a crescer no período pós-guerra: não somente a manutenção de baixas taxas de juros beneficiava os devedores e a expansão de ativos dos bancos comerciais, como se criou um mercado de título dinâmico. Nesse sentido, o sistema financeiro norte americano se configurou como o motor para o forte crescimento econômico supracitado, 18 capacitado nas negociações de títulos de dívidas privadas e publicas e nas operações de empréstimo. As taxas de juros se mantiveram em níveis baixos e estáveis graças ao arcabouço criado a partir da década de 30: seguro de depósitos, baixo nível de endividamento privado e liquidez das instituições financeiras. Uma das características desse período foi a concessão de empréstimos de longo prazo e a taxa fixa de juros, motivada pela queda da incerteza relativa ao custo no processo de captação. Como destaca Guttmann (1994), a economia norte-americana passou a se caracterizar como uma Debt Economy, estimulando o financiamento público, o financiamento dos investimentos das empresas e a ampliação do poder de compra e endividamento das famílias; nesse espectro o próprio endividamento passa a ser parte fundamental do estímulo à demanda agregada. Sob essa égide financeira, a economia norte americana passou por um longo período de crescimento econômico. Porém, segundo Cintra (1997), esse ciclo de crescimento fez com que, sob novas condições, o próprio arranjo institucional que permitira a estabilidade se transformasse em fator de obstáculo: a importância relativa dos títulos públicos nos portfólios das instituições bancárias e financeiras caiu, devido ao aumento das dívidas privadas. Ademais, já na década de 60, inflação e taxa de juros tomam um rumo de crescimento, enfraquecendo alguns pilares estruturais do sistema. Em palavras do próprio Minsky esse mesmo período é caracterizado por: Depois de 20 anos do tranquilo progresso que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, no final dos anos 1960 a ordem do dia passou a ser a turbulência, tanto doméstica quanto internacional. Surtos de inflação em pleno processo de aceleração; desemprego em índices cada vez mais altos e ocorrendo sempre em movimentos cíclicos; falências; massacrantes taxas de juros; crises no setor energético, bancário, de transporte, de abastecimento, da previdência e das cidades. Esses períodos foram mesclados com outro- de atribulada expansão. A combinação de políticas econômicas que nos foi tão benéfica, após a Segunda Guerra, entrou em colapso na metade na metade dos anos 1960 (Minsky, 1986, p. 46). A crise do período determinado como Golden Age abriu questionamentos em todos os espectros do arcabouço econômico e financeiro antes estruturado. Como aponta Rosa (2012), a também queda do crescimento da indústria nacional, que perdia espaço concorrencial frente ao parque industrial de países como Japão e Alemanha fez com que 19 os salários e os rendimentos do cidadão norte americano decaíssem. No que toca o âmbito monetário e financeiro, a credibilidade do padrão dólar-ouro foi diminuindo e a inflação teve um aumento brusco, levando empresas a procurar novos centros de captação off-shore (o euromercado como maior exemplo). De acordo com Rosa (2012), ainda no âmbito financeiro, os mecanismos de restrições à concorrência, antes com resultados de sucesso, passaram a se traduzir em obstáculos às instituições de depósito: com o aumento da taxa de juros, os tetos colocados para essas instituições aumentavam as dificuldades financeiras e a instabilidade, resultando num processo de desintermediação financeira- a transferência de recursos para mercados monetários, onde os ganhos se mostrariam maiores. Como explicitado por Cintra (1997), as décadas de 60 e 70 assistiram assim a um amplo aumento nas inovações tecnológicas e financeiras, que por sua vez, incorriam numa expansão do processo de desintermediação: num primeiro momento criaram-se os certificados de depósito (CDs) negociáveis no euro mercado, alternativa de maior rentabilidade oferecida por bancos estadunidenses localizados no exterior. Em um segundo período, notou-se o desenvolvimento dos fundos mútuos de do mercado monetário, o qual também oferecia uma maior taxa de retorno a seus sócios, que tinha seus depósitos investidos em instrumentos do mercado monetário. De acordo com Rosa (2012) ainda na década de 70, os preços-chaves da economia norte americana passaram a ser flexíveis: em 1971 houve o fim da paridade dólar-ouro; a partir de 73 as taxas de câmbio se tornaram flutuantes e as taxas de juros, que desde os meados da década já se encontravam em caminho de volatilidade, sofreram em 1979 com o choque da taxa de juros, fazendo dos Estados Unidos o principal destino de capitais. 2.3.1- As inovações financeiras Como aponta Cintra (1997), dentro desse cenário, estimulada pela volatilidade dos preços, pelo aumento da incerteza e pela progressiva integração financeira global (impactada pelo desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação), a criação de inovações financeiras se tornou expediente fundamental de adaptação e 20 competitividade para as instituições bancárias e não bancárias. Além do surgimento de novos atores nesse espectro, como os investidores institucionais, notamos nesse período a volta do movimento de universalização bancária, além do surgimento da securitização e do mercado de derivativos. Segundo Mendonça (1994), apesar de responderem às motivações dos agentes financeiros, sejam esses intermediários, investidores ou tomadores de recursos, as inovações são implementadas pela ação das próprias instituições financeiras, buscando dentre outros resultados, o aumento da liquidez, a redução dos riscos e das incertezas econômicas contextuais e a tentativa de aumentar a rentabilidade. As inovações financeiras com objetivo central de ampliar a rentabilidade (lucro) e como consequência ampliar a liquidez podem ser subdivididas entre aquelas que procuravam contornar restrições legais e as que visavam a interligação dos mercados nacionais. No tocante à primeira categoria, podemos suscitar que as restrições legais correspondem à regulação praticada pelas autoridades governamentais de cada país, especialmente a autoridade monetária. Desse modo, “os agentes do mercado atuam no sentido de buscar formas e instrumentos alternativos de funcionamento que possibilitem a atenuação ou mesmo neutralização de restrições resultantes da regulação do sistema financeiro” (MENDONÇA, 1994, p. 12). Em relação à segunda categoria, vale destacar o amplo movimento de internacionalização dos mercados financeiros que estimulou as operações entre agentes nacionais e internacionais, estimulando, por exemplo, a busca por recursos de financiamentos empresariais em outros cenários e melhores destinos para investimento; a expansão desse tipo de operação acentuou os riscos de flutuações cambiais, uma vez que os contratos continuavam a serem feitos com as moedas nacionais, nesse sentido, as inovações financeiras de troca de variação de moedas passaram a ser estimuladas como um dos instrumentos de amenização dos riscos envolvidos. Como aponta Mendonça (1994), as mudanças de um cenário econômico no qual imperavam taxas de juros estáveis e de câmbio fixas para outro no qual se observa a volatilidade dessas mesmas taxas e do nível de preço em geral, fez com que o risco aumentasse consideravelmente paras as operações financeiras, principalmente as de longo prazo. Nesse sentido, os agentes econômicos passaram a buscar inovações que 21 “cobrissem” esse novos riscos, por meio de processos como a securitização das dívidas e os o desenvolvimento dos contratos derivativos. As discutidas inovações financeiras tinham por objetivo aumentar a rentabilidade das operações e permitiram, para além dos avanços supracitados, a redução da necessidade de alocação de capital por parte dos especuladores financeiros. Essa situação é criada por meio do aumento da importância desses especuladores, que apesar de não possuírem capital para a cobertura do valor total dos contratos, podem, por meio do mecanismo de derivativos, atuar na troca de taxas de juros ou de câmbio e na diminuição da incidência de impostos, através da criação de instrumentos financeiros, que atuem fora da zona tributária, ou de operações fora dos mercados nacionais, os chamados centros off-shore. Para entendermos as inovações financeiras também dentro de uma perspectiva histórica, utilizaremos a periodização presente no trabalho de Mendonça (1994), como suscitado em sua dissertação: O movimento de criação de mecanismos financeiros observado na economia norte-americana a partir da década de sessenta atuou no sentido de alterar as formas de intermediação dos recursos. Este movimento pode ser aberto em três momentos diferentes. (MENDONÇA, 1994, pg.21). A primeira onda de inovações comporta o período de 1960 a 1972. Esse primeiro momento caracteriza-se pela tentativa de contorno de restrições impostas pela regulamentação vindoura da década de 30 e visava a elevação dos níveis de liquidez, destacando-se entre essas o os fundos federais, os certificados de depósitos negociáveis, o euromercado de dólares e os Money Market mutual funds. Os Fundos Federais de Trocas de Reservas compreendiam um fórum de troca de reservas interbancárias, sem a necessidade de intervenção do Ferderal Reserve , funcionando como empréstimos de um dia não segurados. As instituições superavitárias passaram a receber juros, enquanto os bancos deficitários a ter alternativas de captação para além da venda de ativos ou empréstimos junto à unidade monetária. Os Certificados de Depósitos Bancários surgiram, por sua vez, como resposta a diminuição dos níveis de liquidez do período retratado. Os certificados de depósitos 22 bancários (CDs) eram depósitos a prazo que pagavam juros e negociáveis, tornando-os atrativos para bancos -forma alternativa de captação- e para os aplicadores, que passaram a receber rendimentos a partir de recursos para transações. O Euromercado surgiu como um mercado financeiro internacional situado originalmente na Europa no qual são realizadas transações financeiras por arte de instituições financeiras (a exemplo de moedas, aplicações, empréstimos, emissão de títulos e outros) em moedas negociadas fora do seu país de origem. Em um primeiro momento operações de captação ou aplicação de dólar em outra moeda. Essa inovação mostrou-se de fundamental importância uma vez que estimulava os agentes de empresas produtivas ou financeiras a buscarem financiamento externo no Euromercado. Por fim, os fundos mútuos no mercado de dinheiro (Money Market Mutual Funds) surgiram como um instrumento de pool de captação de recursos para investimento carteiras diversificada de securities. Os investidores, frente a um cenário de crescentes taxas inflacionárias e de juros, forjaram nos fundos mútuos um instrumento de proteção aso recursos de curtíssimo prazo, uma vez que esses tinham por objetivo oferecer liquidez, altos retornos e segurança. O segundo período de inovações financeiras compreende o período de 1972 a 1980 e mostrou-se como um movimento para suportar a maior volatilidade do mercado após a supracitada flexibilização dos preços-chave da economia norte americana. Entre as principais inovações se encontravam o processo de securitização e o desenvolvimento do mercado de derivativos, este último acompanhado pelo também desenvolvimento dos Mercados organizados de contratos Futuros e de Opções e os Mercados de Balcão. A securitização ocupa um lugar fundamental dentro da evolução dos instrumentos financeiros. Esse processo divide-se em dois movimentos ou em duas categorias muito importantes. Num primeiro movimento, a mutação das obrigações de crédito em instrumentos negociáveis (cujo resultado seria um aumento da liquidez dos ativos bancários emprestados) e em um segundo momento, o lançamento de securities por parte das próprias empresas tomadoras, por meio do lançamento de um título de emissão própria por parte dessas empresas. 23 Esse movimento pode também ser identificado como o processo de securitização primária e secundária, como resume Rosa (2012), a securitização primária surgiu como alternativa menos custosa de captação de recursos para as empresas, que preferiram lançar títulos de dívidas (commercial papers) a tomar empréstimos bancários cada vez mais caros, dado o desenvolvimento do mercado de títulos e a crise bancária do período em questão. A securitização secundária, por sua vez, surge quando os bancos comerciais, pressionados pela volta da concorrência e pela corrida de remuneração, passam a securitizar os créditos relativos às instituições envolvidas no mercado de títulos, aumentando a incidência e o poder das chamadas operações off –balance, que se tornaram prática de agentes para além dos bancos comerciais, como companhia de seguros e financiadoras de crédito, as quais desejavam se tornar mais competitivas. Os resultados do processo de securitização são demasiadamente amplos, mas suscitaremos os seis principais indicados por Mendonça (1994): i. ao transformar os ativos financeiros em instrumentos negociáveis, a securitização atenua a crescente instabilidade e os riscos de crédito associados a ativos de prazos mais longos. ii. ao elevar a liquidez das carteiras e ativos dos bancos, diminui os riscos totais em que estes incorrem. iii. ao possibilitar a transferência de ativos de pior qualidade para instituições não bancárias, atenua o risco total do sistema bancário. iv. ao estimular o desenvolvimento de mercados secundários, ocasiona diminuição da qualidade média das carteiras bancárias. Isto por que os créditos classificados com "triple A" tornam-se raros, levando as instituições bancárias a atuarem em mercados de riscos elevados, como os mercados imobiliários, de crédito ao consumidor, enquanto especuladores. v. ao ocasionar um descolamento entre as relações dos agentes tomadores de crédito e emprestadores, problematiza o acompanhamento da evolução dos empréstimos, o que promove estímulos à elevação da instabilidade. vi. As decisões de investimento passam a ser pensadas a partir de um horizonte temporal de curto prazo, uma vez que as formas de financiamento existentes passam a vigorar de acordo com tal ótica. O foco da análise deixa de ser os problemas potenciais de longo prazo para os fundos emprestados, passando a ser os rendimentos correntes oferecidos por estes. Além disto, devido a esta diminuição dos prazos, os tomadores de recursos acabam endividando-se por meio de mecanismos de curto prazo por longos períodos. (MENDONÇA, 1994, p. 47-48). 24 Se de um lado o processo de securitização tende a minimizar os riscos relacionados ao crédito, os contratos derivativos, por sua vez, buscam a redução dos riscos no tocante às variações de preço. Os derivativos ganham importância com o aumento da volatilidade dos preços chaves e da inflação e derivam da negociação da parcela variável dos contratos financeiros (câmbio, taxa de juros, commodity e ações), não implicando na troca do principal. Os contratos derivativos, cuja característica marcante era de tornar possível a decomposição e negociação de ativos, passaram a garantir um aumento incomensurável dos riscos assumidos, tanto individualmente, quanto sistêmicos e passaram a ser oferecidos para negociação em dois ambientes diferentes: os mercados organizados de contrato futuro e de opções – ambiente nos quais são negociados contratos referenciados em um ativo real (ex.: mercadoria) ou financeiro (ex.: índices, indicadores, taxas e moedas), com vencimento e liquidação, financeira e física, estabelecidos para uma data futura por um preço determinado em local físico definido, com sistema de negociação e regras adequadas à realização de operações de compra e venda de títulos e valores mobiliários, bem como à divulgação das informações relativas àquelas operações –, ou nos mercados de balcão - ambiente de negociação passível de acesso por amplo número de instituições integrantes do sistema de intermediação, administrado por instituições auto reguladoras, que mantêm sistema de negociação e registro de operações, regido por regras adequadas à realização de operações de compra e venda de títulos, bem como à divulgação de informações relativas àquelas operações. A terceira onda de inovações financeiras iniciou-se a na década de 80 e relaciona-se ao amplo movimento de internacionalização dos mercados financeiros, destacando-se dentre os instrumentos criados os hedge funds. Esses se definem como veículos de investimento e estrutura de negócio que captam recursos e o transforma em um pool a partir de um número de investidores, aplicando em valores mobiliários e outros instrumentos. Em geral são administrados por uma empresa de gestão profissional , e muitas vezes estruturados como sociedade limitada , sociedade de responsabilidade limitada , ou veículo semelhante. Nesse período os hedge funds passaram a compor amplos fundos com grande variedade de instrumentos tanto de mercados financeiros nacionais, como dos ambientes off-shores, consolidando-se como importante estrutura do mercado financeiros que estava se delineando. 25 Como destacado por Rosa (2012), vale ressaltar que todo esse movimento de inovação e complexificação financeira somente foi possível com a ascensão de um novo player dentro do cenário de finanças globais: os investidores institucionais. Esses agentes financeiros concentraram e centralizaram recursos dentro de sociedades para aplicações financeiras, participando de mercados e na negociação de ativos de grande valor inacessíveis ao investidor individual. Diante desse conjunto de mudanças, transformações e inovações que representaram o fim do arcabouço financeiro e de regulação do pós guerra no mercado financeiro e monetário norte americano e consequentemente mundial foram fundamentais na construção e determinação de um novo período na teoria Minskyana: o chamado “Money Manager Capitalism”. 26 3- O MONEY MANAGER CAPITALISM. 3.1- O Money Manager e sua perspectiva histórica. Segundo Minsky (1996), o capitalismo norte americano é um sistema dinâmico e em constante evolução que se mostra em uma forma ou em formas coexistentes. Depois da segunda guerra mundial, como suscitado no primeiro capítulo, pela primeira vez na história financeira dos Estados Unidos um amplo conjunto de acionistas possuíam ativos financeiros, principalmente sob a forma de dívida pública ou de juros em apólices de seguros e de depósitos bancários, que por sua vez foram em grande parte compensados pela dívida pública. O endividamento privado era mínimo e muitas das grandes corporações detinham grandes posições líquidas em dívidas do governo. Nesse contexto, surgiu em seu momento inicial o estágio denominado como “Money Manager Capitalism”, dotado de seis traços fundamentais: 1. Almost all business is organized through corporations. 2. Dominant proportions of liabilities of corporations are held either by financial institutions, such as Banks and insurance companies, or by mutual and pension funds. 3. This involves the intrusion of a new layer of intermediation, by pension and mutual funds, into the financial structure. 4. Pension and mutual funds are bound only by contract as to what assets they can own and what activities they can engage in. 5. The stated aim of funds managers is to maximize the value of the investments of the holders of liabilities. 6. The performance of a fund and of fund manager is measured by the total return of assets, which is given by the combination of dividends and interest received and the appreciation in per share value. (MINSKY, 1996, p.363) “O Money Manager Capitalism” é então definida por uma fase que pode ser caracterizada por esses traços essenciais: a grande maioria dos negócios está organizada dentro das corporações, a proporção dominante das ações (dos passivos) das corporações se encontra na mão dos investidores institucionais; essa posse incorpora uma novo tipo relação de intermediação nas estruturas financeiras; o objetivo declarado 27 dos gerentes dos fundos de pensão ou dos fundos mútuos é maximizar o valor de suas ações e a performance desse fundo que representa a força dos investidores institucionais é medida pelo total do retorno dos ativos, o qual é dado pela parcela de dividendos e lucros recebidos. O ponto central dessa nova fase do capitalismo norte americano é a transformação dos players (de investidores individuais para investidores institucionais) e também das formas atreladas à utilização do capital, buscando, como em todos os momentos capitalistas, a contínua valorização dos seus ativos por meio de novos instrumentos financeiros. Minsky (1988) ainda denota essa nova caracterização da economia norte americana da seguinte maneira: A particular attribute of today‟s capitalisms is the use of other‟s people money has now become much more widespread and has taken new dimensions. Whereas in earlier days the investor in shares and bonds commonly invested his own money now, to an ever greater extent, the proximate investor is a pension or a mutual fund or some bank trust department. The proximate investor is placing pension or mutual fund moneys that are in trust for some designated body of beneficiaries. Bothe the manager of the enterprise and the proximate investor are playing with other‟s people money, but the liabilities of the trust are not enhanced by equity supplied by the money manager. This new stage of capitalist evolution can be labeled managed money capitalism, and it is the trading activities of the money managers that have given rise to the exotic instruments and activities such as program trading and portfolio insurance. (MINSKY, 1988, p.8-9). Para além da caracterização da chamada fase Money Manager Capitalism, é importante entendermos sua ascensão dentro de uma perspectiva histórica. De acordo com o Minsky (1996), a economia norte americana passou por uma série de evoluções financeiras e monetárias, mas de maneira geral podemos dividir os estágios financeiros dessa economia em cinco: o capitalismo comercial; o capitalismo industrial com financiamento Wild-cat; capitalismo financeiro com financiamento estatal; capitalismo de wellfare state de caráter paternalista e, por fim, o estágio denominado “Money Manager Capitalism”. Whalen (2010) defende que de uma maneira simplificada, a obra Minskyana denota que a economia norte americana evoluiu por meio de quatro estágios capitalistas: comercial, financeiro, gerencial e gerencial do dinheiro (o Money Manager). A 28 discussão acerca de cada etapa fundamentava-se em três questões fundamentais: O que está sendo financiado? Qual a fonte fundamental de financiamento? Qual o equilíbrio de poder econômico entre bancos e empresas? O autor defende que o primeiro dos estágios, o de capitalismo comercial, envolveu o financiamento de bens, estando eles em produção, armazenados (estoques) ou em transito. Os bancos comerciais eram os responsáveis pelo financiamento, enquanto os proprietários dos negócios utilizavam geralmente seus próprios fundos para adquirir bens de capital, nesse cenário o poder econômico era fragmentado e disperso. Ainda segundo Whalen (2010), o estagio financeiro surgiu para apoiar o estabelecimento e expansão das ferrovias, usinas, fábricas e demais setores industriais, esse período operou um grande desenvolvimento dos bancos de investimento e das grandes corporações, sendo que o poder acabou por se concentrar nas mãos dos investment bankers, enquanto que o capitalismo gerencial apareceu como resposta à Grande depressão, que redirecionou o foco financeiro para a revitalização macroeconômica. O New Deal e a segunda guerra mundial resultaram numa mudança do paradigma de financiamento: do setor privado para o setor público, este detendo então, através das políticas fiscais e monetárias, a responsabilidade pelo crescimento e pela estabilidade econômica. O balanço econômico ao final do embate militar favoreceu os corporate managers no lugar dos investment bankers. Como defende Whalen (2010), o Money Manager Capitalism surgiu como um dos resultados do sucesso do capitalismo gerencial. Na era de estabilidade da era gerencial, os empregadores ofereciam cada vez mais previdência para seus trabalhadores. Ao mesmo tempo as instituições financeiras se tornaram cada vez mais agressiva na gestão desses fundos de aposentadoria e dos outros ativos de indivíduos e organizações, especialmente em resposta à inflação que foi um subproduto dos esforços do governo para evitar uma recessão profunda. O amadurecimento do capitalismo gerencial foi acompanhado não só pela evolução de um sistema financeiro cada vez mais frágil (através das crescentes inovações financeiras já tratadas anteriormente), mas também pelo crescimento dos fundos de pensão, dos fundos mútuos, dos fundos fiduciários bancários, e outros fundos de dinheiro gerenciado. Durante a longa expansão que começou em 1982, tornou-se cada vez mais claro que o dinheiro dos gestores institucionais se tornavam os novos senhores da economia e os seus fundos, a nova 29 fonte crucial de financiamento. O objetivo dos gestores de dinheiro, e o único critério pelo qual eles são julgados, é a maximização do valor dos recursos que lhes são confiadas. Como resultado, líderes de negócios tornaram-se cada vez mais sensíveis aos lucros de curto prazo, ao mercado de ações e à valorização de suas empresas. Wray (2010) aponta que o a ascensão do Money Manager Capistalism representava o retorno do capital financeiro: In some important respects, the Money manager form of capitalism represents a return of „finance capital‟ to its position of dominance- a position it had lost in New Deal resolution of our last great depression. (WRAY, 2010, p. 809). 3.2- A trajetória do Money Manager Capitalism. 3.2.1- A ascensão do Money Manager Capitalism. Investigaremos a partir de então a forma que se deu o retorno dessa nova fase do capital financeiro: Hilferding (1981) aponta que já no começo do século XX notava-se o início de uma economia baseada no capital financeiro, cujo traço fundamental seria o aumento da concentração, seja ela produtiva (por meio da formação de cartéis e trusts) ou financeira, uma vez que o capital industrial e bancário se uniriam em relações cada vez mais congênitas, como aponta Wray (2010). Wray (2010) suscita que para Minsky o capitalismo financeiro foi precedido pelo capitalismo comercial, porém a certo ponto de desenvolvimento, os bens de capitais se tornaram tão custosos que a forma de captação (no estágio anterior via bancos comerciais) teve que se basear no financiamento externo de investimentos. Nesse sentido, ampliou-se a possibilidade de inadimplência e falência- uma das preocupações do trabalho de Minsky dentro da hipótese de instabilidade financeiracomo também possibilitou a separação entre propriedade e controle financeiro, aumentando em definitivo o caráter instável da economia: “the rise of finance capitalism, access to external finance of position in assets was necessary. This 30 fundamentally changed the nature of capitalism in a manner that made much more unstable” (WRAY, 2010, p. 811). De acordo com o trabalho de Wray (2010), na abordagem de Minsky, o estágio de capitalismo financeiro requer bens de capital caros e de longa duração, que por sua vez necessitam de financiamento, ou seja, esse novo estágio determina também a necessidade de uma estrutura financeira capaz de deter poder de mercado suficiente para se financiar os capitalistas. Nesse sentido, é a relação entre finanças e investimento que gera a instabilidade das economias capitalistas financeiras. A grande depressão acabou, porém, esse primeiro estágio do capitalismo financeiro e levou a economia norte americana para uma fase paternalista. Esse nova fase (a partir da década de 30) se mostrou caracterizada por um grande governo (Big Governemnt - cujos gastos foram um quinto do PIB), por um orçamento que oscilava em movimento contra cíclico para estabilizar o rendimento, os fluxos de emprego e de lucro, por um grande banco central (Big Bank- Fed manteve taxas de juros baixas e interveio como emprestador de última instância), por uma ampla variedade de garantias do governo (seguro de depósito, apoio implícito do governo da maioria hipotecas), além de programas de assistência social e também fundamentalmente por estreita supervisão e regulamentação financeira. Nesse sentido, como já comentado no capítulo anterior, Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial contribuíram diretamente para a criação de um ambiente propício para a estabilidade financeira e o capital financeiro passou a ter um papel de pequena importância. Porém, a partir da década de 70, com o turning point dada pelas inovações financeiras e pelo fim do arcabouço institucional do capitalismo paternalista, o Money Manager ascende como nova forma do capitalismo financeiro: Robust growth returned, now fuelled by private deficit spending, not by growth of government spending and private income. All of this led to what Minsky called money manager capitalism. (WRAY, 2010; p.814). Wray (2010) defende que a partir da década de 70 o aparelho de Estado foi cooptado pelos interesses dos gestores de dinheiro por meio dos neoconservadores (os também chamados neoliberais). Isso teria estimulado a transformação da economia de "capitalismo paternalista” para uma forma de capitalismo financeiro que Minsky chamou Money Manager. A partir da deterioração das condições econômicas observada 31 nos anos 70, os defensores da tese neoliberal advogavam que o 'livre mercado' iria fornecer um antídoto para o "planejamento". A culpa dos percalços passados no cenário econômico seria resultado da posição do estado paternalista até então em voga e o neoliberalismo veio propor uma mudança ao papel do Estado: sustentando que o mercado deveria substituir a política, o monetarismo substituiria o Keynesianismo, e portanto o Estado mínimo deveria suceder o Estado de Bem Estar. Esta proposta devolve ao indivíduo, segundo os neoliberais, o poder de decisão econômica e social, garantindo a eficácia das instituições econômicas. Como defende Wray (2010) todas as economias são sempre e em toda parteplanejada, pela simples razão que o planejamento é a utilização de recursos de hoje para atender às necessidades de amanhã, por isso a única questão é quem vai fazer o planejamento? Usando a proposta do laissez-faire, os neoconservadores mudaram o aparato constitucional, deixando o planejamento na mão dos donos da riqueza enquanto não reduziam o governo. O Estado teria se transformado em um órgão predador, operando segundo os interesses dos gestores de dinheiro. Ainda sobre as transformações desse período e da mudança de polo das decisões econômicas Guttmann argumenta: Ever since we responded to the worldwide stagflation crisis of the 1970s and early 1980s by deregulating banks and letting them reshape the workings of our economy, we have lived in a system dominated by finance. Representing a new accumulation regime […], finance capitalism has spread its relentless logic of free-market regulation and shareholder value maximization across all corners of the world. (GUTTMANN, 2008, p.1). As mudanças desse período permitiram maiores índices de alavancagem, práticas mais arriscadas, maior opacidade, menos supervisão e regulação, além da consolidação da expressão para instituições financeiras de „demasiado grandes para falir‟. Na esfera internacional, teria ocorrido também um movimento em direção à "auto-regulação", uma tendência que foi consagrada nos acordos de Basileia II, como suscitado por Wray (2010). Assim como na primeira fase do capitalismo financeiro se deu a consolidação do poder financeiro, nas últimas décadas a nova era desse capitalismo de cunho financeiro teria assistido a considerável concentração de poder financeiro. Isto se explicaria pela eliminação de Glass-Steagall (que permitiu a formação de grandes conglomerados que 32 atuam em ampla gama de serviços financeiros) e em parte devido à doutrina "grande demais para falir" que incentiva fusões. Como resultado, observaram-se dois movimentos distintos: concentração de ativos nas maiores instituições bancária e aumento da participação de ativos financeiros detidos por instituições financeiras não regulamentas. A hipótese que então se confirmaria seria a de que a fase do capitalismo financeiro se caracterizaria por uma mudança de poder: o setor financeiro seria o grande detentor de capitais e poderio. Segundo Whalen (2002), a ascensão dessa nova fase do capitalismo financeiro se caracterizou pela consolidação dos Money Managers como maiores players da economia mundial. Segundo o autor, no período de 1950 a 1990 os „gestores de dinheiro‟ viram sua participação societária nas corporações dos Estados Unidos crescerem de oito para 60%; além disso, no mesmo período, os fundos de pensões aumentaram a sua quota de ações no total de negócios de menos de 1 por cento para quase 39 por cento. Os fundos mútuos também experimentaram um crescimento explosivo nesse contexto, do começo de 1998 para o final de 2001, o total de ativos desses fundos mútuos subiu de US$ 4,8 trilhões para US$ 6,9 trilhões. Ainda de acordo com Whalen (2002), Minsky argumentava que os gestores de dinheiro, obrigados a maximizar o valor de seus ativos em cada período curto, tenderiam a pressionar os gestores das empresas a tomar medidas que aumentassem os preços das ações. Os executivos de negócios, que dos primeiros anos do pós-guerra pós até o início dos anos 80 detinham considerável independência dos banqueiros e acionistas passaram a se adequar aos objetivos dos „gestores de dinheiro‟. Uma fonte de pressão institucional sobre uma companhia é óbvia: os gestores de fundos podem vender ações da empresa. Minsky argumentava como "block trading", desenvolvido para acomodar as compras e vendas de bilhões de fundos em dólares, poderia ter um profundo impacto não só sobre as empresas individuais, mas também em todo o mercado (exemplificado na crise de ações de 87). Os investidores institucionais também influenciam os preços das ações em outra maneira - alimentando aquisições e fusões. Os gestores de fundos teriam, enfim, um forte incentivo para apoiar quaisquer mudanças organizacionais com a promessa de aumentar o valor de curto prazo. Dessa forma, consolidação corporativa e reestruturação financeira das empresas continuam com a pressão exercida pelos Money Managers. 33 Como explicitado pelo próprio Minsky, „Managed Money had diminished the financial Independence of corporate management’ (1990, p.34) e é nesse sentido que Whalen (2002) defende que outra consequência direta do Money Manager Capitalism é o incentivo ao movimento de Downsizing, terceirização e reengenharia financeira e produtiva dos negócios. O autor, assim como Minsky, observa que as empresas rumam a uma quase crônica necessidade de reduzir e cortar custos trabalhistas no sentido de se adequarem aos ensejos dos „gestores e dinheiro‟ de valorização do capital. Os instrumentos para a maximização dos ganhos e a valorização do capital dos Money managers não se restringiram, porém, ao âmbito das transformações estruturais das companhias ou à propriedade acionária, mas também teriam evoluído e crescido no âmbito financeiro. Como aponta Wray (2010), o período mostrou um grande avanço na inovação e no uso de derivativos financeiros. Nesse novo regime de política, nenhuma instituição financeira se permite estar presa com de taxa de longo prazo fixas. Por isso, os bancos e instituições de poupança passaram a perseguir maior retorno e adotar atividades de maior risco, tendo sido uma consequência no longo prazo a mudança de ativos para fora do balanço dessas instituições, evitando o risco de taxa de juros por meio de, por exemplo, securitização e venda de ativos. A inovação financeira por meio dos derivativos foi gradualmente transformada para produzir uma homogeneização dos produtos financeiros comercializados a nível global, a fim de se adequar aos objetivos dos „gestores de dinheiro‟. Nas palavras do próprio Minsky (1990): Money managers are a large part of the market for securitized instruments. Sophisticated instruments can be created that mete out the cash flow from a corpus of assets with given cash flow properties to various claimants - the essence of securitization- in a way that is tailor made to suit the objectives of particular funds. Securitization is international. […]. As managed funds grow we should expect a world in which international portfolio diversification is much more prevalent that it has been to date. There is a symbiotic relation between the growth of securitization and of managed capitalism (MINSKY, 1990; p.3536). Como ainda apontado por Wray (2010), em suma, a natureza das finanças havia mudado de maneira fundamental, evoluindo em direção à fragilidade. O crescimento de 34 securitização levou a um grande aumento dos índices de alavancagem e à intensificação do caráter opaco das transações e dos instrumentos financeiros. Muitas das transformações ocorridas no âmbito econômico e financeiro após a ascensão da fase do Money Manager Capitalism não foram previstas por Minsky, assim como tantas outras implicações acerca dessa nova fase do capitalismo financeiro. Como apontado por Whalen (2010): Minsky may not have correctly anticipated all the economics implications of Money Manager Capitalism. He did, however, identify some of the essential developments of that shaped the US economy of the last two decadesdevelopments that continue to shape the economy today. Events and changes that he did not fully anticipate, meanwhile, are intriguing ones that warrant further research. Another topic deserving further attention is the question of how Money manager Capitalism relates to an increasingly global economy. Minsky fully expect that the Money Manager would extend beyond the United States. As a result he stressed the need for institutions to promote international stability (WHALEN, 2010, p.406) Dessa forma, vale o esforço de colocar o Money Manager Capitalism em perspectiva e denotar os avanços que se deram e a viabilidade de seu conceito pós-crise de 2008. 3.2.2- Money Manager Capitalism em perspectiva. Segundo Whalen (2002), Minsky acreditava que os investidores institucionais iram manter ações por curtos períodos ao invés de as segurarem por um longo prazo, a ênfase, segundo o autor, seria sobre a volta rápida do especulador, comparando a ação dos fundos a um jogo de apostas. No entanto na década de 1990 muitos fundos começaram a adotar outras estratégias quanto à posse acionária: o elemento comum dessas estratégias seria o de mudar a estrutura das corporações por dentro. Ao invés de descartar uma ação da corporação diante de um cenário econômico e financeiro de incerteza, os fundos vêm se caracterizando por compromisso de longo prazo e pela integração de propriedade e controle gerencial. Além disso, os novos instrumentos 35 financeiros permitem que a posse dessas ações seja de longo prazo ao repassarem os riscos por meio de contratos de futuro e dos derivativos. Ainda de acordo com Whalen (2002), uma das maiores preocupações acerca da ascensão do Money Manager Capitalism para Minsky era relacionada à restrição do investimento- intensificando a atenção corporativa no curto prazo. Os „gestores de dinheiro‟ forçariam manobras financeiras que deixariam muitas empresas altamente alavancadas para investir pesadamente no longo prazo. A preocupação era ainda maior para o investimento em novas tecnologias. Ao contrário do suscitado por Minsky, apesar das empresas ficarem cada vez mais alavancados, os Estados Unidos passaram por um boom de investimento impulsionado principalmente pelas novas tecnologias nas décadas de 90 e no começo dos anos 2000, especialmente computadores e telecomunicações: uma possível razão para este resultado não previsto pela teoria Minskyana seria a nova relação, mais estreita entre proprietários e Money managers, que ao reconhecerem interesses financeiros comuns permitiram investimentos (muitas vezes impulsionados pelo venture capital ) e a onda de avanço tecnológica. Como suscitado nos capítulos anteriores, a fase do Money Manager surgiu e se desenvolveu sob a égide de um sistema financeiro desregulado, denotado pelo avanço descontrolado das inovações financeiras e da consequente fragilização do sistema financeiro e econômico que levou a crise de 2008. Como apontado por Guttmann (2008): Finance has been profoundly transformed by a combination of deregulation, globalization, and computerization (Guttmann, 1996: Plihon, 2008). This triple push has changed our financial system from one that was tightly controlled, nationally organized, and centered on commercial banking (taking deposits, making loans) to one that is self-regulated, global in reach, and centered on investment banking (brokerage, dealing, and underwriting of securities). The preference for financial markets over indirect finance using commercial banks has been greatly facilitated by the emergence of funds – pension funds, mutual funds, more recently also hedge funds and privateequity funds – as key buyers in those markets. These structural changes of our credit system have been very much shaped by financial innovation on a massive scale. Key innovations, while making the overall credit system more flexible and responsive to the needs of both creditors and debtors, have also encouraged asset bubbles, underestimation of risks, and excessive leverage. Now that these destabilizing tendencies have combined into what may arguably be the most serious financial crisis since the Great Depression of the 1930s (GUTTMANN, 2008; p.6-7). 36 Guttmann (2008) denota a fase do capitalismo financeiro responsável pela crise de 2008 como o Finance-Led Capitalism (FLC), a qual, segundo o autor, espalhou sua lógica implacável do regulamento de livre mercado e maximização do valor para o acionista em todos os cantos do mundo. Ao longo do último quarto de século a sua propagação ajudou a integração dos mercados privados, financiou uma nova revolução tecnológica e fomentou, ao longo do processo, a globalização a um ritmo veloz. O Finance-Led Capitalism é um regime marcado pela direção da economia pelas finanças. Seu atributo central é um processo amplamente referido como financeirização, que Epstein definiu como „the increasing role of financial motives, financial markets, financial actors and financial institutions in the operations of the domestic and international economies' (EPSTEIN, 2005, p.3 apud GUTTMANN, 2008, p.2). Como aponta Guttmann (2008), o desenvolvimento do Finance-Led Capitalism ampliou o poder das finanças, levando o sistema financeiro internacional a grau crescente de instabilidade. O autor defende que o FLC sempre teve uma propensão a crises financeiras em momentos fundamentais de sua expansão, mas a crise atual, no entanto, se mostra diferente. Não apenas emanou do centro, em vez de bater em algum lugar na periferia, mas também revelou falhas estruturais profundas na arquitetura institucional de contratos, fundos e mercados que compunham o novo sistema, fruto da desregulamentação das finanças. Em outras palavras, uma crise sistêmica, de proporções épicas e efeitos duradouros. Como defendido por Wray (2010), à medida que memórias de a Grande Depressão desvaneceram-se, as instituições financeiras passaram a inovar: com a relativa estabilidade promovida pelo risk-taking, os formuladores de políticas vieram a confiar na auto regulação, e consequentemente a estrutura financeira da economia tornou-se mais frágil. Gestores de dinheiro reafirmaram seu superior poderio do controle financeiro quando comparado ao capital industrial/produtivo. A Globalização também desempenhou um papel de destaque, promovendo a desregulamentação como forma de manter a competitividade internacional. A alavancagem cresceu, a complexidade das relações financeiras se desenvolveu e os padrões de subscrições e regulações se desvaneceram. Como aponta Wray (2010), em janeiro de 2009 as instituições financeiras dos Estados Unidos declararam perda de 1 trilhão de dólares, fora a perda de cerca de 3 a 5 37 trilhões de dólares projetadas como não declaradas. O balanço de pagamento do Fed teve que se expandir em 2 trilhões de dólares ao emprestar e comprar ativos de bancos americanos e bancos centrais de outros países; o que se destaca, porém, nas palavras do próprio autor é que o colapso financeiro e econômico de 2008 se denota como uma crise do próprio sistema Money Manager: „the losses are not simply a matter of bad mortgage loans made to low income borrowers to buy unaffordable suburban mansions. Rather, this is a crisis of the Money Manager System.‟ (Wray, 2010; p.826, grifo meu). Wray (2010) defende que se Minsky argumentava que a Grande Depressão representou um fracasso do pequeno-governo, do modelo econômico laissez-faire, enquanto o New Deal foi o responsável por promover a eficiência do Big Government / Big Bank na fase capitalista „paternalista‟. A crise atual representa a falência do modelo neoconservador, do Estado predador que promove a desregulamentação, da reduzida supervisão, da supremacia da privatização e da consolidação do poder de mercado. O autor defende que a fase Money Manager está em apuros, apesar da simples observação da realidade econômica do pós-crise comprovar o contrário, uma vez que as antigas práticas do capitalismo „gestor de dinheiro‟ ainda se perpetuam: a alavancagem das instituições não diminuiu, as instituições financeiras ainda buscam inovações que possibilitem o aumento desenfreado de sua rentabilidade e os money managers ainda detém o controle dos rumos da economia. A solução frente a suposta crise do estágio Money mananger, visando a diminuição do caráter de instabilidade inerente das economias capitalistas seria retornar um modelo econômico e financeiro mais sensato, com supervisão aprimorada das instituições financeiras e com uma estrutura de finanças que promovesse a estabilidade em vez de especulação, a política monetária deveria se voltar em direção a um papel apropriado: estabilização das taxas de juros, controles de crédito diretos para evitar especulação e promoção da regulação. Guttmann (2008) também defende o aumento da regulação relativa às instituições bancárias, supervisão contínua sobre as instituições financeiras, regras sobre o grau de alavancagem e medidas ativas para a transparência das governanças corporativas: 38 A good case can be made that such extensions of protection should be accompanied by increased regulation of relevant financial institutions, especially as pertains to investment banks. […]but need to be extended to include rules about permissible degrees of leverage, stress-testing of new markets, in-house incentive structures, and corporate governance which reflect the special fiduciary responsibilities of financial institutions. Then there must be also a lot more ongoing and close supervision of those strategic actors by capable regulators, coupled with much greater transparency and information-disclosure standards. Such a regulatory mix, if carefully designed and meaningfully applied, need not diminish the vibrancy of Finance-Led. (GUTTMANN, 2008, p.27- 28). 39 4- CONSIDERAÇÕES FINAIS. A economia capitalista vem mostrando evidências ao longo do último século acerca de seu caráter inerentemente instável, o que se explica nas diversas crises pela qual o sistema passou, com destaque as de 1929 e a de 2008. Minsky por meio da hipótese de instabilidade financeira buscou respostas acerca das razões desse caráter de inerente instabilidade do sistema capitalista, montando um estudo complexo acerca do financiamento, das diferentes estruturas financeiras de uma corporação e dos avanços financeiros presentes na época de sua formulação, valendo-se sempre como defende Lourenço „como princípio organizador subjacente uma visão préanalítica marcante‟(2006, p.446), além de uma ampla capacidade de observação dos fenômenos históricos acerca do panorama econômico e financeiro. O capítulo 1 do presente trabalho mostrou para além da construção teórica da hipótese de instabilidade financeira, a recapitulação das transformações econômicas e financeiras dentro de um plano histórico desde sua formulação. O que observamos é que mesmo diante de tantas inovações financeiras e mudanças dentro do arcabouço institucional e da realidade da economia global, a hipótese de instabilidade financeira ainda traz consigo um aparato teórico e uma visão realista válida acerca do caráter inerentemente instável das economias capitalistas. Sua contribuição no entendimento de uma teoria acerca das flutuações econômicas ainda se mostra rica e capaz de explicitar os traços de instabilidade do capitalismo atual. Dentro ainda de uma perspectiva histórica, esse trabalho também se esforçou no sentido de caracterizar a fase que Minsky determinou como Money Manager Capitalism, o estágio capitalista financeiro que surge a partir da década de 80. O segundo capítulo colocou a chamada fase Money Manager sob perspectiva, definindo esse estágio capitalista, além de investigar os avanços desde sua formulação e sua validade no período pós-crise de 2008. Muitas das transformações ocorridas no âmbito econômico e financeiro após a ascensão da fase do Money Manager Capitalism não foram previstas por Minsky, assim como tantas outras implicações acerca dessa nova fase do capitalismo financeiro, apesar 40 disso, a concepção dessa nova fase do capitalismo financeiro ainda se mostra válida para nossa realidade econômica. Para alguns autores como Wray (2010), a crise de 2008 se mostraria como um turning point e marco inicial da crise da fase Money Manager, porém, a partir da observação da realidade econômica e financeira concluímos que as práticas da fase de poderio dos „gestores de dinheiro‟ ainda vigoram e o Money Manager se mostra mais do que nunca em vigência efetiva dentro do atual plano capitalista. 41 5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. CINTRA, M. A. M. As transformações na estrutura do sistema financeiro dos Estados Unidos: a montagem de um novo regime monetario-financeiro (19801995). Dissertação (Doutorado Economia)- IE/Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997. DEOS, S. A hipótese da instabilidade financeira de Minsky numa economia de mercado de capitais. Dissertação (Mestrado Economia). IEPE/UFGRS, Porto Alegre, 1997. DEOS, S. Instabilidade financeira numa economia de mercado de capitais. Ensaios FEE, Porto Alegre - RS, v. 19, p. 38-61, 1998, a. DEOS, S. A hipótese da instabilidade financeira de Minsky. A Economia em Revista, v. 2, p. 29-48, 1998,b. GUTTMANN, Robert. A Primer on Finance-Led Capitalism and Its Crisis. Revue de la régulation Capitalisme, Institutions, Pouvoirs, nº3/4, 2008. LOURENÇO, L. A. O pensamento de Hyman P. Minsky: alterações de percurso e atualidade. Campinas, Economia e Sociedade. Vol.15, nº3, 2006. MENDONÇA, A. R. R. Inovações Financeiras e o Papel da Autoridade Monetária Um Estudo a partir da Economia Norte-Americana. Dissertação (Mestrado Economia), IE/Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1994. MINSKY, H. P. The Legacy of Keynes. Hyman P. Minsky Archive. Paper.26. Janeiro, 1985 MINSKY, H. P. Can It happen again? Primeira Edição, Nova York, Ed. Mesharpe, 1986. MINSKY,H.P. Money Manager Capitalism, Fiscal Independence and International Monetary Reconstruction. Prepared for a round table conference: The relationship between International Economic Activity and International Monetary Reconstruction. Hungria, 1988. MINSKY, H.P. Schumpeter: Finance and evolution. Evolving technology and Market Structure: Studies in Schumpeterian Economics, editado por Arnold Heertje e Mark Perlman. Ann Arbor: the University of Michigan Press, 1990. MINSKY, H.P. Uncertainty and the institutional structure of Capitalist Economies. Journal of Economic issues, Vol. XXX, nº2, 1996 42 MINSKY, H. P. Estabilizando uma economia instável. Tradução de Sally Tielli. 1.ed. Osasco, SP: Novo Século Editora, 2009. Título original: Stabilizing na Unstable Economy ROSA, T. S. E. O papel macroeconômico das famílias e a geração de fragilidade financeira. Dissertação (Doutorado Economia), IE/Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012. WHALEN, C.J. Money manager capitalism: Still here, but not quite as expected, Journal of Economic Issues, vol. 36, no. 2. (2002) WHALEN, C.J. Money Manager Capitalism. Prepared as an entry in The Handbook of Critical Issues in Finance editado por Jan Toporowski and Jo Michell (Edward Elgar, forthcoming), Junho, 2010. WRAY, R.L. The rise and fall of Money manager capitalismo: a Minskyan approach. London. Cambridge Journal of Economics 33, Junho, 2010. WRAY, R.L. Minsky Crisis. Working Paper No. 659. Levy Economics Institute of Bard College. Março, 2011. 43