razões sensíveis de um corpo presente

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4º Encontro do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Artes – GIPA
2º Encontro do Grupo de Estudos e Pesquisa em História da Educação Oitocentista – GEPHEO
RAZÕES SENSÍVEIS DE UM CORPO PRESENTE
Gisele Miyoko Onuki
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Colegiado do Curso de Dança
Faculdade de Artes do Paraná, Curitiba, PR.
Área: Linguística, Letras e Artes.
Subárea: Artes.
Palavras-chave: Corpo, Contraditoriedade, Forma-Função.
RESUMO
Este breve ensaio visa refletir sobre algumas epistemes
corporais na dita contemporaneidade, ao abarcar discussões que giram
em torno do paradigma corporal do performer que atrela em sua
formação artística diferentes formas (modalidade/técnica/linguagem) e
funções (essência da forma), constituindo um corpo singular (híbrido),
caracterizadas pela razão sensível (MAFFESOLI, 2001) e pela produção
de presença (GUMBRECHT, 2001).
INTRODUÇÃO
A modernidade se funda sobre um princípio de objetificação que
abstrai pelo conceito dos fenômenos, que entende o corpo como um
meio que deve, necessariamente, ser superado pela atividade racional.
Essa concepção de conhecimento se caracteriza, não obstante, por uma
relação fechada entre um significante e um significado, operação que ao
invés de materializar na representação o representado, o abstrai,
tornando-o ausente e não, como se pressupõe, presente.
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E-mail: [email protected].
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Hans Ulrich Gumbrecht (2004), no livro Production os Presence
– what meaning cannot convey, nos convida a esclarecer,
genericamente, questões sobre os modos de abordagem da realidade e
do mundo que se distinguiriam qualitativamente um do outro e que, de
algum modo, constituiriam-se como espécies particulares de cultura:
uma “cultura do sentido” e uma “cultura da presença”.
Essas noções partem da questão sobre quais paradigmas
epistemológicos formaram-se certos espaços temporais (históricos e
culturais), que compreenderiam cada um a sua maneira, um dado modo
de ser, de estar e pensar no e o mundo. Isso porque a maneira como o
mundo é pensado implica uma particularidade de senti-lo – que de certa
forma, se assemelhariam. Gumbrecht, por sua vez, esclarece estas
questões ao levantar o processo que culminou no afastamento do
indivíduo (da cultura ocidental) da dimensão da matéria, do corpo, isto
é, da presença, da physis, em prol do conceito, da abstração.
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Como um marco histórico, a modernidade desloca o homem do
mundo e redefine sua posição na relação com o mesmo – o homem
torna-se auto-referencial (GUMBRECHT, 1998), sujeito e objeto, ou
seja,– pressupõe-se estar naquilo que observa, implicado. Para a
reflexão gumbrechtiana sobre as Materialidades da Comunicação, a
hermenêutica é parte integrante e necessária do estar-no-mundo, no
entanto, observa-se “todos os fenômenos e condições que contribuem
para a produção de sentido, sem serem, eles mesmos, sentido” (2004,
p.28).
Julio Bressane, em Cinemancia (2000), descreve: no momento
da morte a alma chora por ter que se separar da maravilha que é o
corpo. Bressane esclarece que é impossível dissociar a forma do
conteúdo/função, por isso buscamos materializar (interpretar)
conceitos/ideias/objetos abstratos e temos inata a percepção de
associar a forma com uma determinada função.
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Segundo Lucien Sfez (2003), enquanto corpo/sujeito e
corpo/objeto, passamos a vivenciar o “paradoxo”:
Como precisa Yves Barel, toda forma, social ou
biológica, natural ou artificial, pode dar lugar a duas
visões, uma que utiliza o “ou isto ou aquilo”, e outra
o “e...e”, isto e aquilo. (...) O paradoxo se torna uma
tecnologia capaz de reinar com domínio absoluto,
tão mais absoluto que um paradoxo não pode
sofrer contradição. (...) e faz-nos entrever a
verdadeira função e toda potencia dessa tecnologia
do espírito: permitir-nos, apesar de tudo, preservar
nossa identidade ameaçada, desintegrada a arcaica
constituição do ego para substituí-la por uma nova
identidade, difícil, frágil, paradoxal (p.116-119).
E neste paradoxo do humano, observamos nas práticas
corporais, em específico na dança, efetivas transposições do paradoxo
“ou...ou”, construindo diversas possibilidades do “e...e”, na qual atribuir
sentido E presença ao corpo passam a ser condição sine qua non para
aquele que dança e para aquele que aprecia.
Neste contexto, aos observarmos corpos que performam, em
primeira instancia notificamos a modalidade/técnica – forma/sentido – e
depois seu conteúdo/função/presença. Neste ensaio, a forma é
entendida como o movimento técnico, o desenho (estético) corporal e
espacial. A função ou o conteúdo é a essência da forma (presença).
Identificamos, por exemplo, a dança clássica pela forma como os
movimentos são executados (técnica) e pela função e presença que
exerce dentro de um determinado contexto. O mesmo pode ser
observado na dança contemporânea e outras modalidades/técnicas.
Assim sendo, partimos da hipótese de que a quebra desta
linearidade de se vivenciar, praticar, executar a dança, se encontrará na
“contraditoriedade” proposta por Michel Maffesoli (2001), ou seja, não
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na negação da forma ou da função do movimento, mas no movimento
que gere seu contrário. William Forsythe, em seu estudo Improvisation
Technologies, busca exatamente esta quebra da linearidade da dança
clássica. Sua técnica contemporânea não nega a técnica da dança
clássica, busca nesta linguagem a contraditoriedade técnica (forma) para
investigar novas funções para os movimentos clássicos.
As danças contemporâneas permitem, então, as “fraturas
estéticas” propostas por Algirdas Julien Greimas (2002). As “fraturas
estéticas” seriam as “escapatórias”, os momentos de prazer, a fuga
acidental ou intencionalmente propostas durante a investigação do
movimento, ou seja, permite a quebra de padrões, formas e funções que
por vezes técnicas estruturadas na razão abstrata (MAFFESOLI, 2001),
não permitem. Por razão abstrata, compreende-se todo conhecimento
fundamentado sob aspectos sólidos e rígidos, ou que pelo menos por
muito tempo assim foi interpretado.
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Por outro lado, para vivenciarmos as “fraturas estéticas”
encontradas na “contraditoriedade”, Maffesoli apresenta a razão
sensível como um campo mais semântico para as análises do real. A
razão sensível seria um outro tipo de razão, na qual “o intelectual deve
saber encontrar um modus operandi que permita passar do domínio da
abstração ao da imaginação e do sentimento ou, melhor ainda, de aliar o
inteligível ao sensível” (MAFFESOLI, 2011, p. 196).
Uma razão que
saiba abordar o real em sua complexidade íntegra, aceitando a
deontologia, ou seja, considerando a incerteza e o imprevisível, como
possibilidades que ampliam a investigação puramente racional.
E esta é também o ponto de reflexão/crítica que Gumbrecht
desenvolve ao nos convidar a buscar alternativas epistemológicas para a
auto-compreensão das humanidade como “saberes cuja tarefa exclusiva
é excluir ou atribuir sentido aos fenômenos que analisa” (GUMBRECHT,
2004, p. 8). Sua hipótese gira em torno da “produção de presença”, ou
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seja, presença se refere a “coisas [res extensae] que, estando à nossa
frente, ocupam espaço, são tangíveis aos nossos corpos e não são
apreensíveis, exclusiva e necessariamente, por uma relação de sentido”
(Idem, p. 9).
Neste sentido, as práticas formativas do performer da dança, na
relação forma-função, podem ter a finalidade de tornar perceptível, por
mais diferentes que a linguagens sejam: as semelhanças que guardam
entre si, seja no âmbito histórico, técnico ou performático.
Neste contexto, buscamos o discurso da pós-modernidade - de
hibridação. Híbrido no sentido de mescla, de incorporar duas ou mais
linguagens/discursos em uma só, na qual investigar o corpo é buscar o
contínuo repensar e questionar a apresentação e referencialidade do
corpo que atua e traga consigo códigos de diferentes linguagens e
estéticas. É possibilitar que o corpo discurse com diferentes formas e
funções.
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REFERÊNCIAS
BRESSANE, Júlio. Cinemancia. Rio de Janeiro: Imago, 2000.
GREIMAS, Algirdas Julien. Da imperfeição. Trad. Ana Claudia de
Oliveira. São Paulo: Hacker, 2002.
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Production of presence – what
meaning cannot convey. Stanford: Stanford University Press, 2004.
_____________. A modernização dos sentidos. Trad. Lawrence
Flores Pereira. São Paulo: Editora 34, 1998.
MAFFESOLI, Michel. Elogio da Razão Sensível. Petropólis, RJ:
Vozes, 2001.
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SANTIN, Silvino. Educação Física: Outros caminhos. Porto alegre:
Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana, 1990.
SFEZ, Lucien. As tecnologias do Espírito. IN: Martins, Francisco &
Silva, Juremir (orgs.). Para navegar no século XXi: Tencologias do
Imaginário e Cibercultura. 2. Ed. Porto Alegre: Sulina/Edipucrs, 2003, p.
111-127.
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