4º Encontro do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Artes – GIPA 2º Encontro do Grupo de Estudos e Pesquisa em História da Educação Oitocentista – GEPHEO RAZÕES SENSÍVEIS DE UM CORPO PRESENTE Gisele Miyoko Onuki 26 Colegiado do Curso de Dança Faculdade de Artes do Paraná, Curitiba, PR. Área: Linguística, Letras e Artes. Subárea: Artes. Palavras-chave: Corpo, Contraditoriedade, Forma-Função. RESUMO Este breve ensaio visa refletir sobre algumas epistemes corporais na dita contemporaneidade, ao abarcar discussões que giram em torno do paradigma corporal do performer que atrela em sua formação artística diferentes formas (modalidade/técnica/linguagem) e funções (essência da forma), constituindo um corpo singular (híbrido), caracterizadas pela razão sensível (MAFFESOLI, 2001) e pela produção de presença (GUMBRECHT, 2001). INTRODUÇÃO A modernidade se funda sobre um princípio de objetificação que abstrai pelo conceito dos fenômenos, que entende o corpo como um meio que deve, necessariamente, ser superado pela atividade racional. Essa concepção de conhecimento se caracteriza, não obstante, por uma relação fechada entre um significante e um significado, operação que ao invés de materializar na representação o representado, o abstrai, tornando-o ausente e não, como se pressupõe, presente. 26 E-mail: [email protected]. 111 4º Encontro do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Artes – GIPA 2º Encontro do Grupo de Estudos e Pesquisa em História da Educação Oitocentista – GEPHEO Hans Ulrich Gumbrecht (2004), no livro Production os Presence – what meaning cannot convey, nos convida a esclarecer, genericamente, questões sobre os modos de abordagem da realidade e do mundo que se distinguiriam qualitativamente um do outro e que, de algum modo, constituiriam-se como espécies particulares de cultura: uma “cultura do sentido” e uma “cultura da presença”. Essas noções partem da questão sobre quais paradigmas epistemológicos formaram-se certos espaços temporais (históricos e culturais), que compreenderiam cada um a sua maneira, um dado modo de ser, de estar e pensar no e o mundo. Isso porque a maneira como o mundo é pensado implica uma particularidade de senti-lo – que de certa forma, se assemelhariam. Gumbrecht, por sua vez, esclarece estas questões ao levantar o processo que culminou no afastamento do indivíduo (da cultura ocidental) da dimensão da matéria, do corpo, isto é, da presença, da physis, em prol do conceito, da abstração. 112 Como um marco histórico, a modernidade desloca o homem do mundo e redefine sua posição na relação com o mesmo – o homem torna-se auto-referencial (GUMBRECHT, 1998), sujeito e objeto, ou seja,– pressupõe-se estar naquilo que observa, implicado. Para a reflexão gumbrechtiana sobre as Materialidades da Comunicação, a hermenêutica é parte integrante e necessária do estar-no-mundo, no entanto, observa-se “todos os fenômenos e condições que contribuem para a produção de sentido, sem serem, eles mesmos, sentido” (2004, p.28). Julio Bressane, em Cinemancia (2000), descreve: no momento da morte a alma chora por ter que se separar da maravilha que é o corpo. Bressane esclarece que é impossível dissociar a forma do conteúdo/função, por isso buscamos materializar (interpretar) conceitos/ideias/objetos abstratos e temos inata a percepção de associar a forma com uma determinada função. 4º Encontro do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Artes – GIPA 2º Encontro do Grupo de Estudos e Pesquisa em História da Educação Oitocentista – GEPHEO Segundo Lucien Sfez (2003), enquanto corpo/sujeito e corpo/objeto, passamos a vivenciar o “paradoxo”: Como precisa Yves Barel, toda forma, social ou biológica, natural ou artificial, pode dar lugar a duas visões, uma que utiliza o “ou isto ou aquilo”, e outra o “e...e”, isto e aquilo. (...) O paradoxo se torna uma tecnologia capaz de reinar com domínio absoluto, tão mais absoluto que um paradoxo não pode sofrer contradição. (...) e faz-nos entrever a verdadeira função e toda potencia dessa tecnologia do espírito: permitir-nos, apesar de tudo, preservar nossa identidade ameaçada, desintegrada a arcaica constituição do ego para substituí-la por uma nova identidade, difícil, frágil, paradoxal (p.116-119). E neste paradoxo do humano, observamos nas práticas corporais, em específico na dança, efetivas transposições do paradoxo “ou...ou”, construindo diversas possibilidades do “e...e”, na qual atribuir sentido E presença ao corpo passam a ser condição sine qua non para aquele que dança e para aquele que aprecia. Neste contexto, aos observarmos corpos que performam, em primeira instancia notificamos a modalidade/técnica – forma/sentido – e depois seu conteúdo/função/presença. Neste ensaio, a forma é entendida como o movimento técnico, o desenho (estético) corporal e espacial. A função ou o conteúdo é a essência da forma (presença). Identificamos, por exemplo, a dança clássica pela forma como os movimentos são executados (técnica) e pela função e presença que exerce dentro de um determinado contexto. O mesmo pode ser observado na dança contemporânea e outras modalidades/técnicas. Assim sendo, partimos da hipótese de que a quebra desta linearidade de se vivenciar, praticar, executar a dança, se encontrará na “contraditoriedade” proposta por Michel Maffesoli (2001), ou seja, não 113 4º Encontro do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Artes – GIPA 2º Encontro do Grupo de Estudos e Pesquisa em História da Educação Oitocentista – GEPHEO na negação da forma ou da função do movimento, mas no movimento que gere seu contrário. William Forsythe, em seu estudo Improvisation Technologies, busca exatamente esta quebra da linearidade da dança clássica. Sua técnica contemporânea não nega a técnica da dança clássica, busca nesta linguagem a contraditoriedade técnica (forma) para investigar novas funções para os movimentos clássicos. As danças contemporâneas permitem, então, as “fraturas estéticas” propostas por Algirdas Julien Greimas (2002). As “fraturas estéticas” seriam as “escapatórias”, os momentos de prazer, a fuga acidental ou intencionalmente propostas durante a investigação do movimento, ou seja, permite a quebra de padrões, formas e funções que por vezes técnicas estruturadas na razão abstrata (MAFFESOLI, 2001), não permitem. Por razão abstrata, compreende-se todo conhecimento fundamentado sob aspectos sólidos e rígidos, ou que pelo menos por muito tempo assim foi interpretado. 114 Por outro lado, para vivenciarmos as “fraturas estéticas” encontradas na “contraditoriedade”, Maffesoli apresenta a razão sensível como um campo mais semântico para as análises do real. A razão sensível seria um outro tipo de razão, na qual “o intelectual deve saber encontrar um modus operandi que permita passar do domínio da abstração ao da imaginação e do sentimento ou, melhor ainda, de aliar o inteligível ao sensível” (MAFFESOLI, 2011, p. 196). Uma razão que saiba abordar o real em sua complexidade íntegra, aceitando a deontologia, ou seja, considerando a incerteza e o imprevisível, como possibilidades que ampliam a investigação puramente racional. E esta é também o ponto de reflexão/crítica que Gumbrecht desenvolve ao nos convidar a buscar alternativas epistemológicas para a auto-compreensão das humanidade como “saberes cuja tarefa exclusiva é excluir ou atribuir sentido aos fenômenos que analisa” (GUMBRECHT, 2004, p. 8). Sua hipótese gira em torno da “produção de presença”, ou 4º Encontro do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Artes – GIPA 2º Encontro do Grupo de Estudos e Pesquisa em História da Educação Oitocentista – GEPHEO seja, presença se refere a “coisas [res extensae] que, estando à nossa frente, ocupam espaço, são tangíveis aos nossos corpos e não são apreensíveis, exclusiva e necessariamente, por uma relação de sentido” (Idem, p. 9). Neste sentido, as práticas formativas do performer da dança, na relação forma-função, podem ter a finalidade de tornar perceptível, por mais diferentes que a linguagens sejam: as semelhanças que guardam entre si, seja no âmbito histórico, técnico ou performático. Neste contexto, buscamos o discurso da pós-modernidade - de hibridação. Híbrido no sentido de mescla, de incorporar duas ou mais linguagens/discursos em uma só, na qual investigar o corpo é buscar o contínuo repensar e questionar a apresentação e referencialidade do corpo que atua e traga consigo códigos de diferentes linguagens e estéticas. É possibilitar que o corpo discurse com diferentes formas e funções. 115 4º Encontro do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Artes – GIPA 2º Encontro do Grupo de Estudos e Pesquisa em História da Educação Oitocentista – GEPHEO REFERÊNCIAS BRESSANE, Júlio. Cinemancia. Rio de Janeiro: Imago, 2000. GREIMAS, Algirdas Julien. Da imperfeição. Trad. Ana Claudia de Oliveira. São Paulo: Hacker, 2002. GUMBRECHT, Hans Ulrich. Production of presence – what meaning cannot convey. Stanford: Stanford University Press, 2004. _____________. A modernização dos sentidos. Trad. Lawrence Flores Pereira. São Paulo: Editora 34, 1998. MAFFESOLI, Michel. Elogio da Razão Sensível. Petropólis, RJ: Vozes, 2001. 116 SANTIN, Silvino. Educação Física: Outros caminhos. Porto alegre: Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana, 1990. SFEZ, Lucien. As tecnologias do Espírito. IN: Martins, Francisco & Silva, Juremir (orgs.). Para navegar no século XXi: Tencologias do Imaginário e Cibercultura. 2. Ed. Porto Alegre: Sulina/Edipucrs, 2003, p. 111-127.