P PELO MUNDO DESENVOLVIMENTO Noel Joaquim Faiad O gigante chinês Fernanda Feil Formada em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre na mesma área pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Gerente de Estudos Econômicos da ABDE. N este terceiro artigo da série “Pelo Mundo”, coluna onde discutimos a atuação e relevância de diferentes instituições de fomento em diversos países ao redor do globo, falaremos sobre o Banco de Desenvolvimento da China (China Development Bank Corporation – CDB). O CDB foi fundado em 1994 e, no momento, é dono de 37 agências espalhadas pelo país, além de uma agência em Hong Kong, três escritórios de representação em outros países – no Brasil, no Egito e na Rússia, com planos para estabelecer um escritório na Venezuela – e cinco subsidiárias, o Village Bank, o Fundo de Desenvolvimento China-África, o CDB Leasing, o CDB Capital e o CDB Valores Mobiliários. Sua estrutura conta com mais de sete mil empregados. O banco é totalmente controlado pelo Estado chinês, vinculado diretamente ao governo central, e age como um instrumento de políticas públicas, contribuindo para o desenvolvimento da nação e seguindo as diretrizes dos planos quinquenais. Com o slogan “financiando o desenvolvimento”, o CDB é especializado em crédito de médio e longo prazo, com foco no financiamento à infraestrutura, especialmente em energia e transporte (totalizando aproximadamente 66% do total de suas operações de crédito neste segmento, em 2013), algumas indústrias chaves, projetos de interesse do Estado, agropecuária e projetos ambiental e socialmente responsáveis. Fomentador do desenvolvimento regional, com operações em todas as regiões da China, atuando como coordenador do desenvolvimento local e da urbanização, o banco opera juntamente com os governos para desenvolver e implantar projetos produtivos. Adicionalmente, a instituição tem o importante papel de promover a cooperação internacional, financiando os investimentos chineses fora de suas fronteiras e estimulando o fomento a países em desenvolvimento, de forma a impulsionar no exterior os interesses chineses. Resumidamente, o CDB age como um braço do Estado. Seu tamanho é incomparável: seus ativos, algo em torno de US$ 1,3 trilhão, ultrapassaram os 14% do gigantesco PIB chinês em 2013, e seu saldo de operações de crédito alcançaram 12,6% do PIB (ou US$ 1,1 trilhão). Seu expressivo desempenho operacional vem acompanhado de uma taxa de inadimplência de menos de 1%. Ainda, conta com a qualificação de grau de investimento, concedida tanto pela Moody’s quanto pela Standard & Poor’s. A criação do banco está intimamente ligada ao recente processo chinês de desenvolvimento. Deng Xiaoping, presidente que articulou e implantou tal processo no final da década de 70, decidiu que o país precisava crescer de forma planejada. O modelo de desenvolvimento tinha sua raiz num longo, gradual e incrementalista movimento de reforma das instituições. Dadas suas características naturais e políticas (população elevada, baixa produtividade, baixa disponibilidade de terra cultivável, entre outros), via-se como fundamental a necessidade de aumento da produtividade tanto no campo quanto na cidade. Para isso, era indispensável o aumento considerável do investimento, que seria feito através da participação tanto do governo central quanto dos regionais. Deng providenciou que o primeiro tivesse acesso ao financiamento de longo prazo sem, no entanto, fazer o mesmo com os segundos. O problema foi resolvido de uma forma nada ortodoxa: os governos locais conseguiam linhas de financiamento desenfreadamente através do déficit orçamentário ou da emissão de títulos de crédito. Em 1994 o governo central regulamentou as finanças dos governos locais, proibindo-os de vender títulos ou incorrer em déficits (o que dificultou sua capacidade de financiar o processo produtivo). Observe que no período ainda não havia fonte de financiamento de longo prazo na China que desse conta do processo de desenvolvimento pretendido pelo governo. Nesse cenário de reestruturação da economia e do sistema financeiro, nasce o CDB, juntamente com o Banco de Desenvolvimento Agrícola da China, que atua na política agrícola estadual, e o Export-Import Bank (Eximbank), banco de desenvolvimento que apoia as exportações. Ao estimular o mercado financeiro no financiamento ao desenvolvimento o governo prescindia de utilizar o orçamento público. RUMOS – 24 – Maio/Junho 2014 O CDB nasceu para minimizar o China agiu da mesma forma e usou a oporproblema do financiamento ao desentunidade para intensificar seu fortaleciAnalisar o estrondoso volvimento, especialmente o regional, e mento. Com o intuito de minimizar a crescimento chinês das passou a prover os governos locais com depressão que os efeitos da crise financeio capital para seus projetos (esses ra tiveram sobre a economia chinesa, o últimas governos locais podem agir como comgoverno anunciou, já no fim de 2008, um décadas não é tarefa fácil; estímulo de quatro trilhões de yuans (algo panhias). O banco opera com emissão mas certamente esse de títulos próprios, de dívida e do em torno de US$ 585 bilhões ou 13% do Tesouro, com maturidade, normalmenPIB). O governo central financiou apenas crescimento foi te, de dez anos, podendo chegar a 50 30% desse valor, o restante foi provenienpropulsionado anos, comprados pelos bancos comerte dos bancos públicos, principalmente do pela atuação do Banco de CDB, via estímulo aos governos locais. A ciais chineses (o sistema financeiro na China é, essencialmente, público), espemaioria do investimento foi direcionada, Desenvolvimento Chinês, cialmente os quatro grandes bancos assim como na crise asiática, para projetos um instrumento de comerciais – Banco Comercial e de infraestrutura. Da mesma forma que os política pública que Industrial da China, Banco de bancos públicos ajudaram, na década de Construção da China, Banco da China e 90, o país a navegar com calma a maré turcanaliza o investimento Banco de Agricultura da China – e bulenta da crise asiática, eles ampararam e promove repassados, principalmente, aos governovamente o país nesse período conturbao desenvolvimento. nos locais e a empresas controladas do da economia mundial. pelo Estado. Ou seja, com o sistema A atuação do banco em resposta à cridesenvolvido, o gigante chinês vende se não se limitou apenas ao aumento de títulos aos bancos comerciais que os suas operações de crédito. Desde 2007 compram com recursos provenientes suas operações fora do território chinês da poupança da população, com risco zero e taxas de retorno se intensificaram. O CDB aumentou seus investimentos no atrativas. À medida que os bancos comerciais capitalizavam o mercado internacional, onde supervisionou mais projetos, CDB, sua capacidade de financiar os governos locais aumenprocurou novas demandas e mandou funcionários para acestava consideravelmente. sar os investimentos ou instalar escritórios de representação nesses lugares. Foi a partir de então que intensificou sua expansão nas operações no restante da Ásia, na América Crises – O Banco de Desenvolvimento da China, assim como Latina e África. Em 2011 os financiamentos em moedas a maioria de seus congêneres em outros países, tomou corpo estrangeiras totalizaram 20% da carteira do banco, apesar de em momentos de crises econômicas. Os agentes financeiros eles não contarem com investidores internacionais que privados atuam de forma pró-cíclica – nas crises há retração de adquirissem seus títulos. A partir de meados de 2012 essa reacrédito, em períodos de crescimento, há abundância, tornando lidade mudou e o CDB começou a vender seus títulos no mero sistema instável. Uma das funções das instituições públicas é cado internacional, marcando a capacidade de o governo chia de operarem de forma contracíclica. A crise financeira de nês comercializá-los em sua própria moeda com uma taxa de 1996-1997, iniciada na Tailândia e espalhada pelo restante do juros bastante reduzida. continente asiático, atingiu especialmente a China e contribuiu O banco, indutor do desenvolvimento regional, com seu para represar o crédito. O banco atuou como agente financeiro massivo investimento em infraestrutura é também essencial de desenvolvimento, aumentando suas operações e garantinpara o processo de urbanização chinês – processo que transfordo a oferta de crédito ao fomento do país – seu principal canal ma trabalhadores agrários de baixa produtividade em trabalhade financiamento foi o massivo investimento em infraestrutudores urbanos de alta produtividade. A urbanização produz efeira. Nesse período, os gastos no setor dobraram e até 2002 trito significativo no PIB, garantindo altas taxas de crescimento e plicaram. A instituição atuou nesse processo com os investipromovendo o desenvolvimento econômico e social. Em 2011 mentos iniciais, depois atraindo outros grandes investidores – a China se tornou uma nação predominantemente urbana. uma vez que um governo local conseguisse empréstimo do Analisar o estrondoso crescimento chinês das últimas CDB os outros quatro grandes bancos comerciais chineses décadas não é tarefa fácil, dada a velocidade do seu cresciinvestiam nas regiões também (a aprovação da linha de crédito mento, sua capacidade de adaptação e magnitude das grandepelo banco de desenvolvimento era considerada uma certificazas de seus dados. No entanto, esse crescimento foi, certação de solidez por parte do Estado chinês). Posteriormente, os mente, propulsionado pela atuação do Banco de outros bancos nacionais e locais também seguiram o moviDesenvolvimento Chinês que, ao agir como instrumento de mento, gerando, assim, um círculo virtuoso. política pública, canaliza o investimento e promove o desenQuase uma década mais tarde, durante a crise financeira volvimento. que se iniciou em 2007-2008, o Banco de Desenvolvimento da RUMOS – 25 – Maio/Junho 2014