I SEM INÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIM ENTO SOCIAL Franca, 22 a 24 de setembro de 2014 Indústria de subsistência: política pública e catadores de materiais recicláveis Bárbara Oliveira Rosa ¹ Profa. Dra. Analúcia Bueno dos Reis Giometti ² Resumo: O artigo trata sobre a visão dos catadores de materiais recicláveis sobre a ação do poder público municipal. Relacionando as políticas públicas e as principais legislações vigentes para os catadores de materiais recicláveis e a visão destes sobre as mesmas. Para responder essa questão, estudamos livros e legislações sobre catadores e realizamos uma pesquisa de campo, com entrevistas semiestruturada com os catadores vinculados a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Franca e Região – COOPERFRAN. A pesquisa nos mostra a questão das políticas públicas no modelo neoliberal, se constituindo como políticas de um Estado mínimo e como essas questões refletem no trabalho dos catadores de materiais recicláveis. PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas. Catadores de materiais recicláveis. Trabalho. Abstract: The article discusses the vision of scavengers recyclable materials about of the municipal government. Linking public policy and legislations for waste pickers and the sight of these on them. To answer this question, we studied books and laws on waste pickers and conducted a field study, with semi structured interviews with collectors linked Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Franca e Região COOPERFRAN. Research shows us the question of public policy in the neoliberal model, as constituting a minimal state and how these issues reflect the work of waste pickers. KEYWORDS: Public Policy. Scavengers recyclable materials. Labor. Introdução O propósito principal dessa pesquisa é estudar as políticas públicas e legislações voltadas para os catadores de materiais recicláveis baseando-se numa perspectiva teórica crítica, tendo como lócus de pesquisa a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Franca e Região (COOPERFRAN), situada na região oeste de Franca. O método utilizado foi dialético a fim de chegar ao objetivo proposto. “Para a dialética não há nada de definitivo, de absoluto, de sagrado; apresenta a caducidade de todas as coisas e em todas as coisas e, para ela, nada existe além do processo ininterrupto do devir e do transitório” (ENGELS apud POLITZER, 1979, p. 202). Recorreremos a dois tipos de pesquisa: a bibliográfica e a de campo. A bibliográfica abordou legislações voltadas aos catadores de materiais recicláveis. Já a I SEM INÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIM ENTO SOCIAL Franca, 22 a 24 de setembro de 2014 pesquisa de campo se constitui em observações do cotidiano de trabalho dos catadores e uma entrevista semiestruturada com sete trabalhadores da Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Franca e Região, situada na cidade Franca no interior do estado de São Paulo. A pesquisa foi subdividida em duas partes. Na primeira, os dados obtidos com estas questões são frutos de uma pesquisa realizada, no ano de 2013, na Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Franca e Região (COOPERFRAN). A pesquisa se caracteriza como uma pesquisa-ação, tendo em vista que as construções e questões do artigo surgiram com questionamentos cotidianos. Dando continuidade aos trabalhos, a segunda parte da pesquisa visou um levantamento sobre políticas públicas e legislações que dizem respeito aos catadores materiais recicláveis acrescidas da visão dos trabalhadores da cooperativa de catadores sobre a ação do poder público. Políticas Públicas e os catadores de materiais recicláveis Este século vem sendo marcado por uma política neoliberal e por mudanças no mundo do trabalho, o que caracteriza privatização, focalização e flexibilização do trabalho. “Exemplo disso é o período que estamos vivendo, de retomada dos valores liberais, de responsabilização individual pela culpabilização da pobreza, o que justifica ideoculturalmente a focalização das políticas sociais” (BEHRING, BOSCHETTI, 2011, p. 45). Neste contexto, o trabalho se constrói como um paradoxo: de um lado sua dimensão ética, que produz autoestima, dignidade, e de outro uma realidade que elimina o trabalho assalariado. O fator que agrava ainda mais essa situação é a própria maneira como o modo de produção capitalista se constitui, sendo intrínseco do sistema capitalista o desemprego como regulador dos salários. “Assim, uma parte (sempre variável, maior ou menor) do proletariado aparece como sobrante em face das necessidades de acumulação; essa parcela supérflua (excedente) constitui o exército industrial de reserva” (NETTO, BRAZ, 2011, p. 143). I SEM INÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIM ENTO SOCIAL Franca, 22 a 24 de setembro de 2014 O trabalho, neste contexto, em vez de se constituir como um aliado a favor da emancipação do homem, o escraviza, o aliena, o homem é separado do produto de seu trabalho, dos meios de produção e até mesmo da sua própria consciência. A exploração do homem pelo homem, o trabalho não pago ao trabalhador, gera várias expressões da questão social e do desemprego, a negação do trabalho é uma delas. O sujeito desempregado passa a ter que buscar soluções individuais para um problema de ordem estrutural, esses ficam responsáveis por inventar novas formas de sobreviver. Os catadores de materiais recicláveis são frutos dessa realidade, sem empregos formais, sem oportunidades, estes encontram nos materiais recicláveis uma forma de sustentar sua família e de recuperar sua identidade de trabalhador. Os catadores são frutos dessa sociedade desigual, no qual se produz altas quantidades de lixo, consumismo, desperdício e por outro lado há seres humanos que sobrevivem do lixo, que não tem o direito a trabalho, que não tem o direito ao consumo. Portanto, não podemos falar que o trabalho dos catadores de materiais recicláveis ou que as cooperativas/associações de catadores são alternativas, porque os sujeitos não tiveram outra escolha, outra alternativa a não ser esta. Deste modo, os catadores de materiais recicláveis não tem um trabalho formal/regular, porém encontra no trabalho com materiais recicláveis uma forma de garantir o seu sustento. “[...] o catador não pode ser considerado como excluído, ele é, na verdade, incluído, ainda que muito mal e marginalmente” (BURSZTYN, 2000, p. 249). Os catadores de materiais recicláveis constituem um segmento de trabalhadores em expansão. No Brasil, entre os anos de 1999 e 2004, seu número aumentou de 150 mil para 500 mil e, atualmente, estima-se que mais de um milhão de pessoas vive da catação, ou seja, do trabalho de catar, separar e comercializar materiais recicláveis. Esses trabalhadores realizam suas atividades nas ruas, no interior de galpões ou, ainda, em suas próprias casas (BORTOLI, 2013, p. 249). A luta dos catadores em busca de direitos se fortalece com a criação de cooperativas/associações, com o reconhecimento da profissão na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, mas principalmente com a criação do Movimento Nacional de I SEM INÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIM ENTO SOCIAL Franca, 22 a 24 de setembro de 2014 Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). “O MNCR atua a partir de princípios de autogestão, democracia e ação direta, independência e solidariedade de classe e com uma estrutura que comporta desde a participação e decisão das bases orgânicas até a representação nacional” (BORTOLI, 2013, p. 251). Após a Constituição Federal de 1988, na década de 1990, o Estado assume a responsabilidade da gestão dos resíduos sólidos e com isso passa a surgir legislações que contemplavam os catadores de materiais recicláveis. As leis federais que surgem para contribuir com os catadores são: a Política Nacional de Resíduos Sólidos, o decreto Pró-catador, a Redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre Recicláveis e as Diretrizes Nacionais para Saneamento Básico. A Lei nº 11.445, Diretrizes Nacionais para Saneamento Básico, foi à primeira lei a ser aprovada que contribuía com as cooperativas de catadores, regulamentando a contratação de associações ou cooperativas de catadores. Outra lei, que veio contribuir com os catadores de materiais recicláveis, foi a Lei de nº 12.375, que visa a Redução de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre Recicláveis, no qual incentiva a indústria comprar matéria prima diretamente das cooperativas de catadores, por meio da redução dos impostos. Em, 2010, institui o Programa Pró-catador, Decreto de nº 7.405, este denomina Comitê Interministerial para Inclusão Social e Econômica dos Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis e dispõe sobre sua organização e funcionamento. Este decreto substituiu o Comitê Interministerial de Inclusão Social dos Catadores de Lixo, de 2003. Também em 2010, cria-se a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei nº 12.305, esta altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. O principal princípio desta lei é a minimização dos resíduos por meio de incentivos às práticas ambientalmente adequadas de reutilização, reciclagem, redução e recuperação dos resíduos sólidos. Seus principais objetivos são: promover a inclusão social de catadores nos serviços de coleta seletiva e fomentar a implantação do sistema de coleta seletiva nos I SEM INÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIM ENTO SOCIAL Franca, 22 a 24 de setembro de 2014 municípios brasileiros. Assim, a política nacional tem contribuído com a reciclagem e com os catadores, como vemos na própria Lei: “incentivar a criação e o desenvolvimento de cooperativas e associações de catadores de materiais recicláveis que realizam a coleta e a separação, o beneficiamento e o reaproveitamento de resíduos sólidos reutilizáveis ou recicláveis” (Brasil, online, 2010). E complementa dizendo que o Estado deve: “fomentar parcerias das indústrias recicladoras com o Poder Público e a iniciativa privada nos programas de coleta seletiva e no apoio à implantação e desenvolvimento de associações ou cooperativas de catadores” (Brasil, online, 2010). Vemos que as legislações tem garantido o reconhecimento do catador de material reciclável como profissão. Além disto, esta tem incentivado a reciclagem, a inclusão dos catadores e contribuído com a criação de cooperativas/associações. Porém, as políticas públicas se constituem de maneira contraditória como vemos com nosso lócus de pesquisa, a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis – COOPERFRAN. Ao mesmo tempo em que a cooperativa de catadores é uma forma de gerar empregos, é também uma forma de exploração, visto que os catadores fazem um trabalho de responsabilidade pública, sem direitos trabalhistas, expostos a doenças, com baixos salários. Atendendo mais o interesse público que o interesse do coletivo. Por isso, segundo Barbosa (2007) ao mesmo tempo em que a política pública contribui para o fortalecimento político, na garantia de direitos para os catadores, esta regulariza o trabalho informal, conformando com uma política neoliberal. Outra legislação, que também se constrói dentro desse paradoxo, é a Lei de nº 5.764, de 1971, que regulamenta o Cooperativismo, visto que os catadores tem se organizado em empreendimentos coletivos, como forma de fortalecimento político, econômico e social. Assim, as cooperativas se diferenciam das empresas convencionais, o trabalhador deixa de ser empregado e passa a ser cooperado, este não tem salário tem retirada e as decisões são tomadas coletivamente em assembleias. Outra peculiaridade das cooperativas são “as sobras” que é o dinheiro não gasto com as retiradas dos trabalhadores e nem com a manutenção do empreendimento, este I SEM INÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIM ENTO SOCIAL Franca, 22 a 24 de setembro de 2014 dinheiro compõe o Fundo Único da Cooperativa. Por não serem empregados e sim cooperados, estes tem que pagar a “Cota Parte”, que seria um investimento, uma quantia em dinheiro que cada trabalhador contribuiu para entrar na cooperativa como “sócio”. O que regulamenta essas questões é o Estatuto Social, uma lei que organiza a cooperativa, explica sobre as eleições, os cargos da diretoria, como vão ser as retiradas. Outro documento importante é o Regimento Interno este vai regulamentar o funcionamento da cooperativa, o horário de entrada e de saída dos cooperados e outras questões. Um problema que percebemos na Cooperativa COOPERFRAN é que há uma distorção entre o “Estatuto Social” e a “Cooperativa Real”. No estatuto o Fundo Único tem valores altíssimos, que seria uma alta quantia de dinheiro que ficaria guardada para emergências, porém a cooperativa não consegue regularizar o Fundo Único, visto que não consegue guardar esses valores. Outro ponto é a Cota Parte, um trabalhador que começa a trabalhar na cooperativa, normalmente se encontra desempregado, assim, este não tem o dinheiro inicial da Cota Parte, por isso, esta acaba sendo parcelada e paga com o decorrer do trabalho. Outro problema, é que os catadores ficam expostos a doenças, sem direitos trabalhistas (porque é uma cooperativa), além de terem que contribuir por conta própria com o INSS, fato que não acontece na cooperativa. O ponto positivo da cooperativa é que todas as decisões são tomadas no coletivo decidido em assembleias, além de todos terem direito ao voto, e escolherem o representante da mesma, tornando esta um espaço democrático. O lucro e as despesas são divididos igualmente, por isso a cooperativa se caracteriza pela produção justa e igualitária, além do que a cooperativa favorece o trabalho em grupo e acaba sendo um espaço que aceita pessoas que foram excluídas do mercado de trabalho. Catadores de materiais recicláveis e a visão do poder público I SEM INÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIM ENTO SOCIAL Franca, 22 a 24 de setembro de 2014 A pesquisa de campo foi realizada na Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Franca e Região – COOPERFRAN, situada na cidade de Franca, interior do estado de São Paulo. A cooperativa surge em 2000, fruto de uma pesquisa realizada pela Pastoral do Menor junto à Prefeitura Municipal de Franca (especificamente a Secretaria de Ação Social). Essa pesquisa averiguou mais de cem catadores de rua na cidade de Franca. Após esta constatação, a Prefeitura começou com um processo de capacitação dos catadores de materiais recicláveis oferecendo suporte para que estes formassem uma cooperativa. Organizaram o grupo de catadores e contribuíram com espaço físico, os equipamentos, maquinários, uniformes e equipamentos de segurança individual. Faz quatorze anos que a cooperativa existe e depois de sua formação ainda se manteve uma parceria com a Pastoral do Menor e da Família, sendo que atualmente 25% dos que a cooperativa recebe de lucro é destinado a Pastoral. O terreno é concedido pela prefeitura, e nele a cooperativa conta com um guincho, uma esteira, um caminhão (emprestado da prefeitura), com prensas pequenas e uma prensa grande (emprestada da Pastoral do Menor). Com relação aos questionamentos sobre a Prefeitura Municipal de Franca, podemos perceber a visão dos catadores sobre o poder público, por meio de suas respostas é possível chegar à conclusão que ora a prefeitura tem uma postura paternalista, ora de omissão. Quando questionamos: “O que você acha da parceria com a Prefeitura Municipal de Franca?” Dos sete entrevistados, um não quis responder a questão, respondendo “Ai agora não sei nada, isso ai não sei dá prefeitura não acho nada”, parecia receoso de responder a questão. Outro entrevistado que participa da cooperativa faz seis anos disse que seria boa a parceria, respondeu no futuro, como se não existisse tal parceria, “Uai seria muito bom com a prefeitura”. Os outros cinco integrantes responderam que era boa a parceria, apesar de responderem que a parceria era boa, percebemos como a construção e efetivação do público se contradiz “Eu acho que ela tem só ajudado, não tem atrapalhado (...)”. I SEM INÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIM ENTO SOCIAL Franca, 22 a 24 de setembro de 2014 Quando a cooperada fala que a Prefeitura “tem ajudado, não tem atrapalhado”, nos mostra que muitas vezes o descaso do poder público em relação às pessoas, as questões sociais é tanto, que se ele não atrapalha, já está ajudando. Com a pergunta: “Você acha que a Prefeitura Municipal de Franca dá o suporte necessário?”, dos sete entrevistados, dois respondem que sim, três que não, um diz que mais ou menos e outro diz não saber. Entrevistado: Não. Porque aqui falta muita coisa ainda, falta o caminhão, falta o maquinário, falta muita coisa. Entrevistado: Mais ou menos. Porque assim têm muitas pessoas que precisa do transporte, nessa base, nessa coisa, eles não tão ajudando muito. Então, a maioria que mais precisa ta tirando do bolso pra vir aqui, pra poder vir pra cá trabalha. Entrevistado: Não vou dizer para você que ela dá o super necessário, mas também eu não vo sabe te responder o porquê. Porque o tempo que eu to aqui ainda não deu pra mim ver. Não posso te falar isso. Entrevistado: Uai. Eu acho que dá, por que... mesmo né, mesmo que eles pode ajuda nós eles tão “bancano” ai ajudando nós. Porque se nós fosse banca tudo nós não aguentava, porque como nós ia tocar isso aqui, nós não ia dá conta. Com as resposta percebemos que os entrevistados deixam claro que a cooperativa não recebe o suporte necessário, sendo que outros dois entrevistados concordam com essa perspectiva de ausência da responsabilidade pública. Com a última resposta percebemos que a cooperativa não consegue se manter sozinha, precisa do suporte da prefeitura. Quando questionamos “O que a prefeitura faz especificamente?”, o cooperado responde: Ajuda no passe de ônibus né, do coletivo né. E ajuda assim no óleo das máquinas, muitas coisas aqui que eles ajuda, importante né. Se nós fosse paga nós não aguentava. A prefeitura adota uma política paternalista oferecendo passe de ônibus e auxiliando em coisas pontuais. A relação com a prefeitura é uma relação de dependência. Os cooperados vêm o que a prefeitura faz como um favor, uma ajuda, não como um direito, não pressionam a prefeitura por melhorias nas condições de trabalho. I SEM INÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIM ENTO SOCIAL Franca, 22 a 24 de setembro de 2014 Não percebe que eles fazem um trabalho de responsabilidade pública, simplesmente, agradecem por ter empregos. Você acha que a Prefeitura Municipal de Franca dá o suporte necessário? Eu acho que dá. Pela diferença da cidade da onde a gente mora sabe. Porque lá não é que nem aqui. Como que é lá? Lá é péssimo, a prefeitura de lá não ajuda a gente. Aqui ela ajuda pelo menos dando trabalho pra gente. Pelo menos já é uma ajuda bastante né graças a deus. Além disso, outro cooperado complementa dizendo o modo como vê a Pastoral do Menor não como um parceiro, mas sim como um concorrente. Para melhorar eu acho que nos tínhamos que ter uma prensa, um prensa de fardo de 500kg, de material né. Cada fardo 500 Kg, ter uma prensa boa né. Para nos competir com a Pastoral lá me baixo. Porque do contrário a gente não dá conta aquelas “prensinhas” lá, não dá conta de fazer tudo o serviço. E outro entrevistado completa: E que tirasse esses vinte cinco por cento, porque nós vêm trabalhar aqui porque nós precisa, e tira vinte cinco por cento para dá. Eu acho que quem trabalha aqui é todo mundo, gente humilde né. Vamos se dizer pobre, não vou falar pra você, que a gente tem alguma coisa, tem gente ali que depende disso aqui pra comer (...) Assim, por meio dessas falas percebemos que os cooperados não gostam de depender da Pastoral, eles dependem da prensa grande e da venda do material. Também não concordam que seja tirado 25% do lucro para a Pastoral, demonstrando pela retiradas deles, pelo quanto cada um recebe, que esse dinheiro faz falta. A parceria com a Prefeitura Municipal de Franca e com a Pastoral do Menor deveria ajudar a emancipá-los economicamente, a cooperativa deveria ser responsável pela venda do material e deveria enxergar essas entidades como parceiras não como concorrentes. Como um desabafo, a entrevistada relata o que poderia ser feito, “mais ajuda da prefeitura. Eles estando aqui, dando mais apoio pra gente”. Mostrando que a prefeitura tem uma postura de omissão quanto à responsabilidade deles perante o lixo e perante os I SEM INÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIM ENTO SOCIAL Franca, 22 a 24 de setembro de 2014 cidadãos que vivem do lixo, mas não só, mostrando a questão da omissão do Estado no neoliberalismo. Conclusão A conclusão começa pela justificativa do título “Indústria de subsistência”. Nesta pesquisa, percebe-se que a cooperativa de reciclagem se torna uma “indústria de subsistência”, apesar de a reciclagem ser um trabalho do século XXI, um trabalho contemporâneo. Esta se torna arcaica nas condições precárias em que se desenvolve, expondo risco à saúde dos trabalhadores que se expõem ao contágio de doenças pela manipulação de materiais recicláveis. Sem direitos trabalhistas, o trabalho na cooperativa se torna análogo à escravidão, sem direito a férias, décimo terceiro e demais direitos. Os catadores fazem um serviço de utilidade pública, mas não conseguem com as suas retiradas nem prover uma vida digna para si e suas famílias. Outra limitante da cooperativa é o insuficiente apoio da prefeitura que não contribui para tornar a cooperativa independente não dando um apoio real, ora se omitindo, ora tendo um apoio de fechada. Assim, apesar da falsa ideia de neutralidade, o Estado reflete os interesses da classe detentora do poder econômico, garantindo a propriedade privada. “O executivo do Estado moderno é o comitê que gere os interesses comuns da burguesia” (PAULO NETTO, 2011, p. 22). Os empreendimentos solidários, as cooperativas, têm que ser um mecanismo que possibilite ao trabalhador ter acesso aos meios de produção e não ser mais um viés de exploração da classe trabalhadora. Neste cenário as políticas públicas dentro do capitalismo não conseguem acabar com a desigualdade social, visto que ela é intrínseca ao sistema. Estas são contraditórias, ao mesmo tempo em que contribuem com a efetivação de direitos, com o reconhecimento dos catadores de materiais recicláveis garantindo a estes melhores condições de trabalho. Por outro lado, conserva a estrutura de desigualdade social do capitalismo, regulariza a questão da informalidade do trabalho e conforma com a política neoliberal vigente, no qual o Estado se omite. I SEM INÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIM ENTO SOCIAL Franca, 22 a 24 de setembro de 2014 Referências BEHRING, E. R. BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2011. (Biblioteca Básica de Serviço Social, V.2) BORTOLI, M. A. Catadores de materiais recicláveis: a construção de novos sujeitos políticos. Revista Katálysis, Florianópolis: Edufsc, v. 12, n.1, p. 105-114, jan./jun. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rk/v12n1/13.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2012. BRASIL. Presidência da República. Decreto n. 5.940, de 25 de outubro de 2006. 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