J. Bras. Nefrol. 1999; 21(1): 13-21 13 Sobrevida de pacientes renais crônicos em diálise peritoneal e hemodiálise Ronaldo DÁvila, Enio Marcio Maia Guerra, Cibele Isaac Saad Rodrigues, Francisco Antonio Fernandes, Ricardo Augusto de Miranda Cadaval, Fernando Antonio de Almeida Analisamos 316 pacientes renais crônicos atendidos no Conjunto Hospitalar de Sorocaba, que iniciaram uma modalidade dialítica – hemodiálise (HD), diálise peritoneal ambulatorial contínua (CAPD) ou diálise peritoneal intermitente (DPI) – entre jan./91 e jun./96 e nela permaneceram por pelo menos 3 meses. A média de idade foi 47,8 ± 15 anos, 55% eram homens e 76% eram brancos. A etiologia mais freqüente foi a nefroesclerose hipertensiva (35,4%), seguida pelo diabetes mellitus (27,8%) e glomerulonefrites (16,5%). A sobrevida global aos 12 e 36 meses foi semelhante na HD e CAPD: 74% e 55,1% vs. 83,8% e 49,8%, respectivamente. Caracterizamos como fatores de risco: diabetes mellitus, idade avançada (> 60 anos) e a CAPD como procedência para os pacientes em HD. A sobrevida foi muito baixa na DPI (21,3% aos 18 meses) não sendo influenciada por esses fatores de risco. Disciplina de Nefrologia da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba PUC/SP Endereço para correspondência: Ronaldo DÁvila Rua Cláudio Manoel da Costa, 57 Diálise CEP 18030-210 Sorocaba, SP Tel.: (015) 232-5501 Fax: (015) 233-9022 E-mail: [email protected] Sobrevida, Diabéticos, Diálise, Mortalidade, Insuficiência Renal Crônica Survival, Diabetics, Dialysis, Mortality, Chronic Renal Failure Introdução Tanto a diálise peritoneal ambulatorial contínua (CAPD) quanto a hemodiálise (HD) são eficientes métodos substitutivos da função renal amplamente empregados. A escolha entre esses dois métodos, entretanto, não tem caráter imperativo uma vez que, excluindo-se as poucas contra-indicações absolutas, qualquer dessas formas de tratamento pode ser utilizada para os pacientes renais crônicos.1 Já a diálise peritoneal intermitente (DPI), associada a maior número de complicações, geralmente é utilizada apenas como alternativa para alguns pacientes impedidos de realizar outros métodos dialíticos. A sobrevida dos pacientes em diálise depende de vários fatores. Diversos estudos mostram que a sobrevida dos pacientes japoneses e europeus é maior que a de pacientes da América do Norte.2,3,4 É provável que fatores como a maior faixa etária e maior incidência de nefropatia diabética entre os pacientes americanos em diálise justifiquem essa diferença, mas variações no tempo semanal em diálise, qualidade e superfície dos dialisadores utilizados, também podem ser importantes.2,3,4 No Brasil, alguns serviços têm relatado a sobrevida dos seus pacientes renais crônicos.5,6,7 É preciso, entretanto, um maior número de publicações para que se possa esclarecer melhor a influência de fatores regionais, das características da população tratada ou 14 J. Bras. Nefrol. 1999; 21(1): 13-21 R. DÁvila et al. - Sobrevida em diálise peritoneal e hemodiálise de diferenças metodológicas sobre a sobrevida dos pacientes. Nesse sentido estudamos, de maneira retrospectiva, a sobrevida dos pacientes renais crônicos que iniciaram tratamento dialítico entre janeiro de 1991 a junho de 1996, nas unidades de diálise do Conjunto Hospitalar de Sorocaba, em Sorocaba/SP, objetivando a comparação da sobrevida entre os diferentes métodos dialíticos e a influência de fatores como diagnóstico, idade, sexo, raça e ano de entrada no programa. Pacientes e Métodos Foram estudados 316 pacientes que iniciaram diálise ou mudaram de método dialítico, no período de janeiro de 1991 a junho de 1996. Destes, 299 pacientes (94,6%), eram novos em diálise. O critério de inclusão baseouse na permanência mínima de 3 meses em um dos programas dialíticos (HD, CAPD ou DPI). Esse critério permitiu, portanto, a análise do mesmo paciente mais de uma vez, na eventualidade de mudança da modalidade dialítica durante o período de observação. Foram excluídos os pacientes que iniciaram diálise antes de 1991 e que não mudaram de programa entre 1991 e 1996. Dos 316 pacientes, 175 (55,4%) eram do sexo masculino e 141 (44,6%) do sexo feminino. Em relação à etnia, 240 (76,0%) eram brancos, 63 (19,9%) negros/ mulatos e 13 (4,1%) amarelos. A média de idade foi 47,8±15,0 anos (DPM), variando entre 16 a 85 anos. O diagnóstico etiológico desses pacientes foi, na maioria das vezes, baseado apenas em dados clínicos e laboratoriais, sem confirmação anatomopatológica. Foram obtidos no total 383 registros entre admissões e mudanças de procedimentos dialíticos, e todo evento final morte, transplante ou perda de seguimento, ocorrido nos primeiros 3 meses após mudança na modalidade dialítica foi relacionado ao tratamento anterior. Nas diálises peritoneais ambulatoriais contínuas (CAPD) foram empregados sistemas de desconexão descartáveis Baxter, com 4 trocas diárias de 2,0-2,5 litros. As HD foram realizadas em três sessões semanais de 4 horas cada, empregando-se membranas de Cuprophan®, acetato de celulose ou polissulfona. As diálises peritoneais intermitentes foram realizadas em ambiente hospitalar, com 2 sessões semanais de 24 horas e volume de 40 litros/sessão, utilizando-se cateteres rígidos ou permanentes para acesso. As curvas de sobrevida foram construídas a partir do método de Kaplan-Meier,8 considerando-se a data limite de observação o dia 30 de setembro de 1996, utilizando-se programa computadorizado KMSURV. As análises estatísticas foram realizadas utilizando-se o programa GraphPad Instat v.2.00, sendo as variáveis categóricas comparadas com o teste do qui-quadrado e as variáveis contínuas com o teste t de Student para amostras independentes. Foram considerados estatisticamente significantes valores de p < 0,05. Resultados A relação dos diagnósticos destes 316 pacientes, a média de idade e o sexo, podem ser observados na Tabela 1. Do total de 88 diabéticos, 76 eram do tipo II e 12 do tipo I. A idade dos pacientes diabéticos, 54,5 ± 12,3 anos, foi significantemente maior que a idade da maioria dos pacientes portadores de outras doenças renais, independentemente desta comparação levar ou não em consideração o sexo dos pacientes. Apenas os grupos de portadores de doença policística ou com diagnóstico indeterminado tinham idade semelhante aos diabéticos. A distribuição dos diagnósticos etiológicos em cada modalidade dialítica é evidenciada na Tabela 2. Tanto em HD quanto em DPI, a patologia mais freqüente foi a nefroesclerose hipertensiva (38,33 e 36,14%, respectivamente) e em CAPD, o diabetes mellitus (38,33% p < 0,05 vs. HD e DPI). A admissão de novos pacientes nos anos de 91 a 96, independente do método dialítico inicial, pode ser vista na tabela 3. A partir de 1993 ocorreu significativo acréscimo nestes números, devido ao início das atividades do segundo centro de diálise, qual seja, o do Hospital Santa Lucinda. Na tabela 4 podemos observar os diferentes diagnósticos etiológicos e sua distribuição percentual nos 6 anos avaliados. Entre os mais incidentes, a nefroesclerose (hipertensão arterial), apresentou incremento desde 95. O diagnóstico de diabetes mellitus mostrou progressiva tendência à redução percentual, embora continue como segunda mais freqüente etiologia de insuficiência renal crônica. As características da população submetida aos diferentes métodos dialíticos em análise, no que diz J. Bras. Nefrol. 1999; 21(1): 13-21 15 R. DÁvila et al. - Sobrevida em diálise peritoneal e hemodiálise Tabela 1 Distribuição dos pacientes em função do sexo, diagnóstico e idade Diagnóstico Nefroesc. Hipert. Diabetes mellitus GN Crônica PNC D. Policística Indeterminado Outros Total / Média n % 112 88 52 16 6 15 27 316 35,4 27,8 16,5 5,1 1,9 4,7 8,6 100 Masculino n (%) Média de Idade (anos) 64 47 29 9 2 8 16 (57,1) (53,4) (55,8) (56,2) (33,3) (53,3) (59,3) 175 51,4±12,4 55,3±12,6 33,4±13,4 47,4±22,4 51,0±12,7 42,2±14,5 48,3±15,4 48,5±15,2 Feminino n (%) Média de Idade (anos) 48 41 23 7 4 7 11 (42,9) (46,6) (44,2) (43,7) (66,6) (46,6) (40,7) 141 Geral Média de Idade (anos) 47,2±12,9 53,6±12,1 31,6±12,9 39,9±16,2 46,3±14,3 54,9±18,4 47,2±15,3 46,5±15,1 49,6±12,7* 54,5±12,3 32,7±13,1* 44,1±11,7* 47,8±12,7 48,1±17,1 47,8±15,0* 47,6±15,2 GN Crônica=Glomerulonefrite crônica; PNC=Pielonefrite crônica; D. Policística=Doença renal policística * p < 0,05 em relação aos pacientes diabéticos Tabela 2 Distribuição dos diagnósticos entre os três métodos dialíticos HD Diagnóstico Nefroesc. Hipert. Diabetes mellitus GN Crônica PNC D. Policística Indeterminado Outros Total de Registros DPI CAPD n % n % n % 69 41 35 9 4 10 12 180 38,33 22,78 19,44 5,00 2,22 5,56 6,67 30 24 10 5 2 5 7 83 36,14 28,92 12,10 6,02 2,41 6,02 8,43 32 46 22 6 1 1 12 120 26,67 38,33 18,33 5,00 0,83 0,83 10,00 GN Crônica=Glomerulonefrite crônica; PNC=Pielonefrite crônica; D. Policística=Doença renal policística Tabela 3 Entrada anual de novos pacientes entre 1991 e 1996 (até 01/07/96) Ano 1991 1992 1993 1994 1995 (Jan. a jun.) 1996 Total/média Pac. Novos (n) Pac. / Mês 30 33 74 60 66 36 299 2,50 2,75 6,20 5,00 5,50 6,00 4,66 respeito à presença ou não de diabetes mellitus e a idade dos pacientes, podem ser observadas na tabela 5. O número de registros é superior ao número de pacientes, porque um mesmo paciente pode estar incluído em mais de um método. Como pode-se observar, houve persistência do mesmo padrão de diferença de idade entre os diabéticos e os nãodiabéticos nos diferentes métodos dialíticos. A população em CAPD apresentou maior prevalência de diabetes mellitus que a HD e a DPI. O estudo da sobrevida geral, independentemente do diagnóstico, nas três modalidades dialíticas (Figura 1), demonstrou aos 12, 24 e 36 meses de acompanhamento, sobrevidas semelhantes de 74%, 64,9% e 55,1% para a HD e 83,8%, 60,6% e 49,8% para a CAPD, respectivamente. A sobrevida da DPI, significantemente inferior à das outras modalidades, situou-se em 86,6%, 35,4% e 21,3% aos 6, 12 e 18 meses de acompanhamento. Não houve influência do sexo sobre a sobrevida em nenhum dos métodos dialíticos estudados: homens aos 36 meses HD: 57,3% e CAPD: 48,2%; mulheres aos 36 meses HD: 52,1% e CAPD: 53,3%. Na DPI, aos 12 meses homens: 36,3%; mulheres: 32,8%. 16 J. Bras. Nefrol. 1999; 21(1): 13-21 R. DÁvila et al. - Sobrevida em diálise peritoneal e hemodiálise Tabela 4 Distribuição dos diagnósticos etiológicos por período anual 91 Outro (25) Indet (15) GNC (52) PNC (16) HA (112) DM (88) Policist (8) TOTAL (316) 92 93 n % n % 3 1 3 4 12 14 1 38 7,9 2,6 7,9 10,5 31,6 36,8 2,6 4 2 6 2 9 11 2 36 11,1 5,6 16,7 5,6 25,0 30,6 5,6 n 94 % 5 6,6 4 5,3 1 8 23,7 2 2,6 2 4 31,6 2 1 27,6 2 2,6 76 95 n % 3 2 11 7 20 18 2 63 4,8 3,2 17,5 11,1 31,8 28,6 3,2 n 96 % 3 4,5 3 4,5 1 1 16,4 1 1,5 3 2 47,8 1 7 25,4 67 n % 7 3 3 15 7 1 36 19,4 8,3 8,3 41,7 19,4 2,8 Indet=Indeterminado; GNC=Glomerulonefrite crônica; PNC=Pielonefrite crônica; HA=Nefroesclerose-Hipertensão arterial, DM=Diabetes mellitus Tabela 5 Análise dos registros de pacientes diabéticos em função do método dialítico Método dialítico n (registros) HD CAPD DPI Total / Média n (%) 180 120 83 383 DM Média Idade (anos) 41 (22,8) 46 (38,3) 24 (28,9) 111 % DE SOBREVIDA Em relação ao grupo étnico, observamos uma sobrevida discretamente melhor, mas não significante (p = 0,07), para os pacientes da raça negra, aos 36 meses: 77,6 e 72,7, respectivamente, para HD e CAPD, em relação aos brancos: 46,1% e 47,7%, respectivamente. 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 HEMO CAPD * DPI * 0 6 12 18 24 30 36 MESES Figura 1. Sobrevida geral nos diferentes métodos dialíticos. 54,6±12,1 56,2±12,3 52,8±11,9 54,9±12,1 Não-DM n (%) Média Idade (anos) 139 (77,2) 74 (61,7) 59 (71,1) 272 41,9±13,7 46,1±17,8 50,2±13,4 44,9±15,2 O ano de entrada não influenciou a sobrevida dos pacientes nos 12 primeiros meses de observação: 87,8%, 81,9%, 81,9% e 77,5%, para os pacientes dialisados por HD ou CAPD, em 1991, 1922, 1993 e 1994, respectivamente. A comparação da sobrevida de pacientes diabéticos e não-diabéticos em diálise pode ser observada na figura 2. A sobrevida em diálise dos pacientes diabéticos, 66,5%, 44,4% e 25,5%, foi significantemente menor que a dos não-diabéticos, 76,9%, 65% e 63,5% aos 12, 24 e 36 meses, respectivamente. A figura 3 demonstra a sobrevida de pacientes diabéticos e não-diabéticos nos diferentes métodos dialíticos. Em ambos os grupos não houve diferenças significantes entre HD e CAPD, mas a sobrevida nestes métodos foi significantemente maior que na DPI. Quando a sobrevida em cada método dialítico foi correlacionada à faixa etária dos pacientes, observouse, como pode ser visto na figura 4, resultados semelhantes na HD e na CAPD, sendo a mortalidade maior nos pacientes mais idosos em ambos os métodos. Na DPI esse fator de risco não influenciou a sobrevida. J. Bras. Nefrol. 1999; 21(1): 13-21 17 % DE SOBREVIDA R. DÁvila et al. - Sobrevida em diálise peritoneal e hemodiálise 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Não-DM * * * DM * * 0 6 12 18 24 30 36 MESES Figura 2. Comparação da sobrevida de pacientes diabéticos e nãodiabéticos, independentemente do método dialítico. % DE SOBREVIDA DIABÉTICOS 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 HEMO CAPD DPI * 0 6 12 18 24 30 36 MESES A influência do método anterior de diálise sobre a mortalidade também foi estudada. Dos 180 registros de hemodiálise, 115 (63,9%) correspondiam a pacientes novos, portanto, sem tratamento substitutivo da função renal anterior e 23 (12,8%), 37 (20,6%) e 5 (2,8%) procediam respectivamente da CAPD, DPI e de perdas de enxerto renais. Dos 120 registros em CAPD, 103 (85,8%) correspondiam a pacientes novos, 11 (9,2%), 4 (3,3%) e 2 (1,7%) vinham da HD, DPI e do transplante renal, respectivamente. Já para os 83 registros da DPI, 82 (98,8%) eram novos e apenas 1 (1,2%) era proveniente da HD. A tabela 6 mostra a sobrevida percentual na CAPD e na HD em relação à procedência dos pacientes. Como pode ser observado, a sobrevida em HD dos pacientes que vieram da CAPD foi significantemente menor que a dos pacientes novos, dos 6 até os 30 meses. O tempo médio em CAPD antes da transferência para HD foi semelhante entre os pacientes que foram a óbito ou não: 17,6 ± 13,2 vs. 15,7 ± 14,3 meses. Na CAPD a sobrevida dos pacientes não sofreu influência da procedência. As infecções e as causas cardiovasculares foram responsáveis, respectivamente, por 40% e 33,3% das causas de mortalidade total (Tabela 7). A mortalidade decorrente de causas infecciosas foi significantemente maior em DPI que em HD e CAPD (53,9% vs. 32,7% e 41%, respectivamente). A HD apresentou número significantemente maior de óbitos por causa desconhecida comparativamente a DPI e CAPD (23,6 vs. 11,5 e 12,8, respectivamente). Discussão % DE SOBREVIDA NÃO-DIABÉTICOS 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 HEMO CAPD * DPI * 0 6 12 18 24 30 36 MESES Figura 3. Sobrevida nos diferentes métodos dialíticos de pacientes diabéticos e não-diabéticos. Apresentamos um estudo abrangendo pacientes renais crônicos adultos que entraram em diálise ou mudaram seu método dialítico entre janeiro de 1991 e junho de 1996, em dois serviços interligados de diálise em Sorocaba-SP, onde analisamos as características da população, a mortalidade em diálise e sua correlação com os diferentes métodos dialíticos, etiologia da insuficiência renal crônica e faixa etária dos pacientes. As principais causas etiológicas observadas na população estudada foram a hipertensão arterial, o diabetes mellitus e as glomerulonefrites crônicas (35,4%, 27,8% e 16,5%, respectivamente). Essa distribuição é diferente daquela apresentada por outros centros nacionais,5,6,9 mas a interpretação desses dados tornase difícil, principalmente porque nosso perfil diagnós- 18 J. Bras. Nefrol. 1999; 21(1): 13-21 R. DÁvila et al. - Sobrevida em diálise peritoneal e hemodiálise tico não foi confirmado por estudos anatomopatológicos. É muito provável que tenhamos superestimado a importância de algumas patologias já que observamos uma baixa incidência de causas indeterminadas de % MORTALIDADE HEMODIÁLISE 110 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 15-29 30-44 * * 45-59 * >60 0 * p < 0,05 entre as faixas etárias > 60 e 30-34 anos 6 12 18 24 30 36 MESES % MORTALIDADE DPI 110 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 15-29 30-44 45-59 >60 0 6 12 18 24 30 36 MESES % MORTALIDADE CAPD 110 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 * * * 15-29 30-44 45-59 >60 0 6 12 18 24 30 36 * p < 0,05 entre as faixas etárias > 60 e 15-29 anos MESES Figura 4. Sobrevida nos diferentes métodos por faixas etárias. insuficiência renal (4,7%). A distribuição dos diagnósticos por método dialítico foi uniforme, à exceção da maior presença do diabetes mellitus na CAPD e da hipertensão arterial na HD. O número constante de pacientes iniciando programa dialítico em 1991 e 1992 sofreu significativo incremento a partir de 1993, época que instalamos um segundo centro interligado de diálise, que recebeu 32 pacientes procedentes de uma outra unidade desativada nessa ocasião. Por conseguinte, o aumento do número de pacientes registrados a partir deste ano não representou, necessariamente, aumento na admissão de novos pacientes em diálise em nossa região. Nos anos de 1994 e 1995, admitimos 60 e 66 pacientes novos, respectivamente. Dados colhidos junto ao Instituto de Hemodiálise de Sorocaba, exclusiva alternativa dialítica de nossa região, mostraram a entrada, nos mesmos anos, de 35 e 43 novos pacientes. Como a nossa área de abrangência é constituída por aproximadamente 1,7 milhão de habitantes, teríamos a admissão anual em programa dialítico, de 56 e 64 pacientes novos por milhão de habitantes, respectivamente nestes anos. Mesmo considerando-se que alguns pacientes, principalmente a população pediátrica, possam ter iniciado diálise em outras regiões do Estado, este número deve mesmo situar-se abaixo dos 133, 193, 100 e 96 pacientes novos por milhão de habitantes, descritos, respectivamente, para os Estados Unidos, Japão, Europa e cidade de São Paulo.10,3,4,9 A incidência relatada para Austrália e Nova Zelândia (61 e 69 por milhão de habitantes) é semelhante à nossa.11,12 Em nosso caso, essa menor incidência de insuficiência renal crônica terminal possivelmente reflete inadequação diagnóstica mas pode, também, indicar dificuldade de acesso aos locais de atendimento, uma vez que a área abrangida é muito grande, constituída por 42 municípios. Grande parte da população tem baixo nível socioeconômico e reside na zona rural, o que dificulta ainda mais o acesso aos serviços de saúde. O diabetes mellitus representou, nos anos de 1991 e 1992, a mais freqüente etiologia de insuficiência renal crônica em nosso meio. Essa freqüência foi mais elevada que a relatada em alguns estudos brasileiros 5,6,9,12 e europeus 4 , mas semelhante a observada em outros centros nacionais e nos EUA.4,13 A partir de 1993, entretanto, sua incidência vem apresentando progressiva redução, correlacionada ao aumento nos diagnósticos de nefroesclerose hipertensiva e outros. J. Bras. Nefrol. 1999; 21(1): 13-21 19 R. DÁvila et al. - Sobrevida em diálise peritoneal e hemodiálise Tabela 6 Sobrevida percentual em HD e CAPD em relação à procedência do paciente Método Procedência 6 meses 12 meses 18 meses 24 meses 30 meses 36 meses HD CAPD DPI 84,7 63,1 55,2 76,6* 53,6* 47,6* 47,6* 31,7* NOVO DPI 92,9 81,4 76,6 74,2 74,2 65,4 75,0 75,0 CAPD HD NOVO 81,8 81,8 68,2 51,1 51,1 51,1 92,8 85,1 76,3 60,8 55,1 47,5 * p < 0,05 vs. Novos Tabela 7 Causas de óbito e distribuição quanto à modalidade dialítica Óbitos Infecciosas Cardiovasculares Desconhecida Outras TOTAL HD DPI CAPD n % n % n % n % 48 40 21 11 120 40,0 33,3 17,5 5,8 18 20 13 4 55 32,7 36,4 23,6 # 5,4 14 7 3 2 26 53,9* 26,9 11,5 7,6 16 13 5 5 39 41,0 33,3 12,8 5,2 * p < 0,05 vs. HD # p < 0,05 vs. CAPD e DPI A nefroesclerose hipertensiva, em 1993, passou a representar o diagnóstico etiológico mais comum em nosso meio, com incremento significante a partir de 1995. A população do estudo constituiu-se apenas de pacientes adultos, sendo a idade dos diabéticos significantemente mais elevada que a dos nãodiabéticos, fato também observado em outros relatos.6,9 Entre os métodos dialíticos, a CAPD constituiu opção preferencial para os pacientes diabéticos. A sobrevida de nossos pacientes em diálise aos 12 e 36 meses foi 84% e 50% em CAPD e 74% e 55% em HD, respectivamente. A sobrevida na DPI foi de 87% aos 6 meses e de apenas 21% aos 18 meses. Vários fatores influenciam a sobrevida na diálise, entre eles a presença de complicações clínicas concomitantes, como doenças cardiovasculares, cirrose, caquexia, doenças malignas e a presença de diabetes. Por essa razão, a comparação entre serviços deve ser feita levando-se em consideração a estratificação dos fatores de risco. Um recente estudo multicêntrico europeu demonstrou que a sobrevida em 2 anos pode variar de 60,2% a 85,3% conforme o centro estudado, e de 27,4% a 100%, conforme o grupo de risco.15 Detectamos em nosso estudo três fatores de risco para mortalidade em tratamento dialítico: o diabetes mellitus, a faixa etária e o método anterior de diálise. Outros fatores analisados, como sexo, ano de entrada em tratamento e grupo étnico, não influenciaram a sobrevida em diálise, embora tenhamos observado tendência a melhor sobrevida em pacientes negros e mulatos. A sobrevida dos pacientes diabéticos foi significantemente menor que a dos não-diabéticos. Registramos um risco de óbito em diálise aproximadamente 2,5 vezes maior para o grupo dos pacientes diabéticos (25,5 vs. 63,5) aos 36 meses, concorde com outros resultados da literatura.6,17 Quando comparamos a relação entre a mortalidade dos pacientes diabéticos e não-diabéticos, com o método dialítico, observamos que a sobrevida dos diabéticos é significantemente menor tanto na HD como 20 J. Bras. Nefrol. 1999; 21(1): 13-21 R. DÁvila et al. - Sobrevida em diálise peritoneal e hemodiálise na CAPD. Já na DPI, a sobrevida dos diabéticos foi semelhante à dos não-diabéticos, provavelmente porque a baixa sobrevida geral dos pacientes nesse método mascarou a importância dessa patologia como fator de risco. A sobrevida em HD e CAPD foi similar para os pacientes diabéticos, assim como para os nãodiabéticos, resultados similares a outros estudos.16,18 Quando comparamos a curva de sobrevida de nossos pacientes em HD e CAPD com a descrita na literatura, pudemos observar que é semelhante à dos renais crônicos em diálise nos EUA, Canadá e outros centros brasileiros,6,19,20 mas inferior à curva de sobrevida dos italianos e japoneses.2,3 Em relação à faixa etária, observamos para HD e CAPD maior sobrevida para os pacientes mais jovens. Esse mesmo padrão não foi observado para a DPI, provando realmente a ineficiência desse método como terapêutica de substituição da função renal a longo prazo. A permanência em DPI constitui per se importante fator de risco de mortalidade, uma vez que, nesse método, costumam permanecer os pacientes sem acesso vascular para HD e sem condições domiciliares para realização de CAPD. Como esperado, a maior causa de mortalidade nesse grupo foram as infecções, na maioria das vezes, de natureza hospitalar. Ao analisarmos em nossos pacientes o método anterior de diálise como fator de risco de mortalidade, observamos uma menor sobrevida em HD para os pacientes originários da CAPD, quando comparados aos pacientes novos. O método anterior de diálise como fator de risco tem sido pouco analisado mas, aparentemente, pode influenciar de maneira importante a sobrevida e, em nosso entender, deveria ser sempre considerado, mesmo após 3 meses da transferência. Entre as razões da menor sobrevida para os pacientes em HD egressos da CAPD, podemos citar a incidência significativamente maior de diabéticos (47,8% dos pacientes em HD provenientes da CAPD, contra 17,4% dos novos pacientes e 27% dos pacientes originários da DPI) e o maior número de infecções, uma vez que estas representam a principal causa de saída de CAPD (45,5% dos pacientes em HD com origem em CAPD foram a óbito com diagnóstico de infecção, contra 28,6% dos paciente provenientes da DPI e 5,2% dos pacientes novos). Não obstante o registro no novo método dialítico ter sido efetivado após três meses da mudança de procedimento, torna-se difícil deixarmos de considerar as complicações ligadas ao método anterior como infecção e desnutrição, as quais podem acarretar uma maior taxa de mortalidade. A análise entre os pacientes em HD, provenientes da CAPD, mostrou que o tempo que o paciente permaneceu em CAPD não foi fator decisivo para a mortalidade. As causas mais freqüentes de óbito foram as infecções, as doenças cardiovasculares e as desconhecidas. Houve tendência a maior mortalidade por infecções nos métodos de diálise peritoneal (41% e 54%, respectivamente, na CAPD e DPI) e por doenças cardiovasculares (36,4%) e desconhecidas (23,6%) na HD. Seria tentador afirmar que entre as causas desconhecidas de óbito poderíamos encontrar um grande número de patologias cardiovasculares, o que tornaria essa causa ainda mais freqüente na HD. A maioria dos óbitos, entretanto, não foi comprovada por exame anatomopatológico. Em resumo, a avaliação criteriosa dos pacientes por nós dialisados nos últimos 5 anos permite concluir que a sobrevida em HD e CAPD foi semelhante nas análises globais dos pacientes. A estratificação por fatores de risco, nesses métodos, evidenciou sobrevidas inferiores para os pacientes diabéticos e mais idosos. Constatamos também um maior risco para os pacientes hemodialisados que tinham a CAPD como método anterior de diálise, mas isso pode ser parcialmente explicado pela maior incidência de diabéticos nessa população. Summary In this report we analyzed the risk factors which influenced the mortality of 316 patients who initiated dialysis from January/91 to June/96 at Conjunto Hospitalar de Sorocaba. Mean age was 47.8 ± 15.0 years, 55% were men and 75% caucasians. Hypertensive nephroesclerosis was the most frequent cause of chronic renal failure (35.4%); diabetes accounted for 27.8% and glomerulonephritis for 16.5%. Survival at 12 and 36 months in hemodialysis (HD) vs. continuous ambulatory peritoneal dialysis (CAPD) was respectively: 74.0% and 55.1% vs. 83.8% and 49.8%. We identificated three risk factors for mortality: diabetes, age (> 60 years) and CAPD as origin of patients treated by hemodialysis. Survival in intermittent peritoneal dialysis was very low (21.3% at 18 months) and not influenced by those risk factors. J. Bras. Nefrol. 1999; 21(1): 13-21 21 R. DÁvila et al. - Sobrevida em diálise peritoneal e hemodiálise Referências 1. Zawada Jr ET. Indicacões para diálise. In Daugirdas JT, Ing TSS eds. Manual de diálise. 2ª ed., Rio de Janeiro, RJ, Medsi Editora Médica e Científica, 1996, 3-9 2. Marcelli D, Stannard D, Conte F, Held PJ, Locatelli F, Port FK. ESRD patient mortality with adjustment for comorbid conditions in Lombardy (Italy) versus the United States. Kidney Int. 1996; 50: 1013-1018 3. Iseki K, Kawazoe N, Osawa A, Fukiyama K. Survival analysis of dialysis patients in Okinawa, Japan (1971-1990). Kidney Int. 1993; 43: 404-409 4. Brunner FP, Selwood NH. Profile of patients on RRT in Europe and death rates due to major causes of death groups. Kidney Int. 1992; 42: S-4/S-15 5. Rocha PPR, Xerez C, Liberato N, La Zeras E, Sampaio JC, Cruz VP. 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