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ESCOLA E FAMÍLIA: UM DIÁLOGO POSSÍVEL... UMA INTERLOCUÇÃO
NECESSÁRIA
SCHOOL AND FAMILY: A DIALOGUE POSSIBLE... A INTERLOCUTION
REQUIRED
Alexandre Lopes Fonseca1
Laura Aparecida Gomes Oliveira2
Geraldo Tadeu Ribeiro Silva3
RESUMO
A base principal da vida social dos sujeitos é a educação, através dela se expande a cultura, amplia a
cidadania, constroem-se novos saberes. Mais do que isso, ela proporciona uma condição de
liberdade humana. A presente intervenção foi realizada na Escola Estadual Dr. João Alves, de
Montes Claros – MG, com o intuito de apresentar e co-relacionar a prática do Psicólogo no contexto
escolar. Para tanto, contou-se com a utilização de algumas etapas do processo de Consultoria
Colaborativa Escolar, dentre as quais: entrevista semiestruturada com responsável pelo aluno com
suspeita de Deficiência Intelectual (sujeito de pesquisa), observação do aluno em sala de aula e
ambiente escolar e trabalho com os professores responsáveis pelo mesmo. A análise dos dados
coletados deu-se por meio do método qualitativo. A importância de fornecer maior visibilidade à
Deficiência Intelectual, bem como, as formas de manejo e diagnóstico, justificam a realização do
presente estudo, pois pode viabilizar a criação de estratégias que visem minorar os impactos
decorrentes de tal deficiência aos sujeitos por ela acometidos.
PALAVRAS-CHAVE: DEFICIÊNCIA INTELECTUAL. CONSULTORIA COLABORATIVA.
PSICÓLOGO NO CONTEXTO ESCOLAR.
ABSTRACT
The main basis of social life of the subject is education, through it culture expands, extends
citizenship, build up new knowledge. More than that, it provides a condition of human freedom.
This intervention was carried out in the State School Dr. John Alves, Montes Claros - MG, in order
to present and correlate the psychologist practicing in the school context. Therefore counted with
the use of certain stages of Collaborative School Consulting, among which: semi structured
interviews with the student’s guardian suspected of Intellectual Disabilities (research subject),
1
Acadêmico do Curso de Graduação em Psicologia das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros – MG.
Acadêmica do Curso de Graduação em Psicologia das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros – MG.
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Acadêmico do Curso de Graduação em Psicologia das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros – MG.
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observation of the student in the classroom and school environment and work with the teachers
responsible for the same. The data analysis was performed by the qualitative method. The
importance of providing greater visibility to Intellectual Disabilities, as well as forms of
management and diagnosis justify the conduct of this study, it can facilitate the creation of
strategies to mitigate the impacts of such deficiency to the subjects affected by it.
KEY-WORDS: INTELLECTUAL DISABILITIES.
PSYCHOLOGIST IN THE SCHOOL CONTEXT.
COLLABORATIVE
CONSULTING.
INTRODUÇÃO
Por meio de uma proposta da disciplina de Psicologia Aplicada aos Portadores de
Necessidades Especiais, do Curso de Graduação em Psicologia das Faculdades Integradas
Pitágoras, desenvolveu-se na Escola Estadual Dr. João Alves, uma intervenção com um aluno com
suspeita de Deficiência Intelectual (aqui denominado LF, em respeito ao direito de sigilo e
preservação de identidade). Para tanto, tal intervenção utilizou como instrumento algumas etapas da
Consultoria Colaborativa, que segundo Mendes (2006) citado por Silva (2010) se configura como
uma relação de colaboração entre professor, pais e outros profissionais da escola que atuam juntos,
com o intuito de resolver os problemas e/ou dificuldades do aluno. É importante ressaltar que tal
técnica surge na perspectiva da inclusão escolar.
Assim, a presente elaboração pretende apresentar e co-relacionar a prática do Psicólogo no
contexto escolar, cujas observações na Escola Estadual Dr. João Alves servem de base para uma
conversação entre teoria e prática, fomentando uma discussão acerca de elementos que constituem o
processo de aprendizagem, dentre os quais: percepção da escola acerca das dificuldades
apresentadas pelo aluno e como a mesma se articula para a resolução de tais dificuldades;
participação da família no processo de desenvolvimento pessoal e de aprendizagem do aluno;
aspectos concernentes à socialização e influência da sociedade em tal processo.
O Psicólogo pode realizar no contexto escolar um trabalho de aproximação, colaborativo
entre todas as partes que compõem o processo de ensino, não utilizando-se de um modelo
confrontativo, mas ampliando a visão de causalidade linear da realidade e trazendo a família, a
escola e a comunidade como partes indissociáveis do processo de desenvolvimento da
aprendizagem e do próprio aluno enquanto sujeito socialmente construído.
A Consultoria Colaborativa Escolar pode proporcionar vários benefícios diretos ou indiretos
a todos os envolvidos, dentre os quais: o estabelecimento de uma relação mais próxima entre os
envolvidos; a possibilidade de ampliar o olhar direcionado a determinado assunto, compreendendo
o aluno em sua totalidade, com todas as influencias advindas do contexto em que ele encontra
circunscrito; expandir seu leque de conhecimento de diversas áreas aprendendo, sensação de
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segurança por parte dos envolvidos, que acreditam que podem contar com o apoio de um
profissional capacitado; melhora na qualidade do ensino passado para os alunos. Em relação à
família, podem surgir novas maneiras de disciplinar seus filhos; de compreender o processo
realizado na escola e contribuir para que a melhora seja cada vez mais significativa; pode
proporcionar também uma maior aproximação dos familiares na vida acadêmica do filho, podendo
ajudar na relação família- escola, de modo que ambas assumiriam a responsabilidade por um
desenvolvimento mais efetivo da criança (KAMPWIRTH, 2003 apud SILVA, 2010).
Traçando um breve percurso histórico, o início da educação de pessoas com deficiência data
do século XVI, quando pensou-se em educar os até então considerados ineducáveis. Contudo, este
movimento se inicia em ambientes segregados e tutoriados. Somente no século XX, em resposta às
lutas sociais de correntes minoritárias e, atendendo também os interesses políticos, que visavam a
diminuição dos custos advindos das escolas especializadas, surgiu a perspectiva de integração de
pessoas com deficiências em escolas comuns (JANNUZZI, 1992; 2004; MENDES, 2006 apud
PEREIRA, 2009).
Mendes (2006) citado por Pereira (2009) acrescenta que no cenário Norte-Americano, por
volta de 1990, novas iniciativas começam a surgir e influenciar o contexto mundial, levando à
substituição do termo integração para inclusão. Neste período os alunos que apresentavam algum
tipo de deficiência passam a ser incluídos no ensino regular.
Segundo Brasil (1994), na Declaração de Salamanca encontra-se um guia para
direcionamento sobre a educação inclusiva, que nos diz que, todas as crianças, de ambos os sexos,
tem o direito essencial de adquirir e se manter em um nível favorável de conhecimento. Os sistemas
educativos devem ser organizados de modo a abranger todas as diferenças que possivelmente a
escola receberá, e ainda coloca que a escola deve ser o caminho mais acessível de combater atitudes
discriminatórias; assim, é papel da escola oferecer educação para todos.
Marcolino (2001) citando a Constituição Federal de 1988, destaca que o acesso à educação
deve-se se dar com direito e igualdade para todos. Nesta constituição encontra-se o artigo 205, no
capítulo II, dizendo que é objetivo da escola é atender a todas as pessoas com a meta de prepará-los
para a cidadania, qualificação profissional e pleno desenvolvimento humano.
Conforme Pereira (2009), no contexto educacional, ao analisar a escola como instituição
fundamental no processo de desenvolvimento humano, refletir sobre processos inclusivos envolve o
planejamento de estratégias para que, de fato, a inclusão possa assegurar tanto a aprendizagem
social quanto acadêmica.
A base principal da vida social dos sujeitos é a educação, através dela se expande a cultura,
amplia a cidadania, constrói novos saberes. Mais do que isso, ela proporciona uma condição de
liberdade humana. (BRASIL, 2001)
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Por essa razão, falar do ensino inclusivo tem se tornado uma tarefa muito freqüente e
importante, uma vez que, é necessário que os sujeitos tenham a oportunidade de participar e
absorver experiências dentro de uma comunidade e através dessas, para que através dessas aconteça
uma reorganização e modelagem de identidade. Segundo STAINBACK (1999), o ensino inclusivo
deve beneficiar todos os sujeitos, independente de sua cor, raça, crença, condição social, sexo e/ou
deficiência.
A inclusão nos impulsiona para uma sociedade onde todos participam de um
processo de aprendizagem resultante de interações, onde se possa compreender a riqueza do outro,
conhecer a limitação de cada um e reconhecer que fazemos parte de uma comunidade aberta às
diferenças. Por isso, para que esse processo de fato aconteça, é necessário analisar as dificuldades
de cada sujeito nele envolvido.
A família é a formadora de nossa primeira identidade social, pois cumpre papel de
“mediadora entre o individuo e a sociedade, ou seja, a criança já é vista como ser social que traz
introjetada em si uma bagagem subjetiva própria que diz respeito de suas vivências e experiências
sociais familiares (REIS, 2001). Entretanto, de maneira complementar, Miranda (2001) ressalta que
cabe a escola dar continuidade a esse processo de socialização.
Para uma melhor compreensão e consideração do sistema familiar no contexto escolar, Reis
(2001) define a família como um processo sociocultural, ou seja, ao decorrer do tempo ela sofre
modificações estruturais, assumindo formas mutáveis e não-naturais. Diferentemente do modelo
rígido e estruturado de famílias aristocráticas, camponesas e burguesas, o modelo de família
contemporânea, mais flexível e maleável socialmente, não apresenta papeis fixos.
METODOLOGIA
Tipo de Estudo
Trabalhou-se com o método qualitativo, que segundo IBGE (1976); Parga Nina et al. (1985)
apud Minayo (2006) se aplica ao estudo da história, das relações, representações, crenças,
percepções e opiniões, produtos das interpretações que os sujeitos fazem a respeito de como vivem,
constroem seus artefatos e a si mesmos. Esse tipo de método, que tem fundamento teórico permite o
desvelamento de processos sociais ainda pouco conhecidos referentes a grupos particulares,
propicia a construção de novas abordagens, a revisão e formulação de novos conceitos e categorias
durante a investigação. Caracteriza-se pela empiria e sistematização progressiva de conhecimento
até a compreensão da lógica interna do grupo ou do processo em estudo. (MINAYO, 2006)
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Cenário do Estudo
A presente pesquisa foi desenvolvida na cidade de Montes Claros - MG, numa escola
pública da rede municipal, Escola Estadual Doutor João Alves.
Sujeitos estudados
Por se tratar de uma investigação que envolve um trabalho com seres humanos, em respeito
aos aspectos éticos o presente estudo ocorreu mediante apresentação e assinatura do Termo de
Consentimento /livre e Esclarecido, que, dentre outros princípios garante a confidencialidade e
privacidade do sujeito em pesquisa (MELO e LIMA, 2004). Deste modo, em respeito ao direito de
confidencialidade das informações, todo o conteúdo resultante das análises de dados fornecidos
pelos sujeitos estudados foi referenciado de modo a manter o sigilo quanto à identificação dos
mesmos. O trabalho contou com o estabelecimento do vínculo com a instituição de ensino e
responsável pelo aluno acompanhado.
Instrumentos de Coleta de Dados
Foram realizadas observações em sala de aula, com vistas a acompanhar o aluno em sua
realidade escolar e as interações estabelecidas neste contexto. Além disso, a professora regular de
ensino, a responsável pelo aluno e a psicopedagoga da instituição foram submetidas a entrevistas
semi-estruturadas, que de acordo com Triviños (1994), ao mesmo tempo em que valoriza a presença
do investigador, oferece condições para que o informante adquira liberdade e espontaneidade
necessárias. O entrevistado, ao seguir sua linha de pensamento e experiência, enriquece a
investigação colaborando para a elaboração dos conteúdos da pesquisa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O ser humano é constituído através de várias relações que são estabelecidas em uma
determinada sociedade, por isso, o seu processo de socialização está diretamente ligado ao processo
de inclusão social. A inclusão social é a condição para a humanidade desenvolver-se, sem a
inclusão social, é impossível existir a humanização (RAPOSO, 2010).
De acordo com o relato da mãe, a família do aluno em questão é fundamentalmente
matriarcal, já que é mantida economicamente pela mãe, sem a presença do pai para os cinco filhos.
E apesar de todas essas dificuldades a mãe se mostra presente e interessada pela resolução dos
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conflitos do filho, incentivando-o nos estudos e buscando medidas junto à escola, que resolvam ou
minimizem as dificuldades vivenciadas pelo filho.
As interações do ser humano com o contexto social é um processo no qual as relações
estabelecidas são a síntese da formação do próprio ser humano. Ainda que o processo de interação
social se estabeleça na instituição familiar, na escola e na comunidade, é a escola, a encarregada da
transmissão do saber, que permite a construção e ampliação da consciência do ser humano, a partir
da modificação das interações existentes na escola e desta com as organizações políticas, sociais e
econômicas (REIS, 1985).
Assim, a inclusão na visão educacional, propõe uma mudança na estrutura educacional, para
que todos possam ter acesso a essa escola que esta sendo reavaliada atualmente. Com isso, para que
se possa entender o nosso lugar na comunidade, é preciso revelar com sabedoria as diferenças
sociais, culturais, éticas, de gênero, ou seja, as diversidades apresentadas pelo homem, sendo esta,
uma tarefa importantíssima para que se entenda a sociedade a qual faz parte. (MANTOAN, 2003)
A proposta da Inclusão escolar esta diretamente ligada a uma mudança no atual sistema de
ensino, fazendo adaptações físicas, metodológicas, tecnológicas, com investimentos contínuos para
os professores, alunos, pais e demais funcionários da escola. Essa nova proposta escolar deve
oferecer suportes aos alunos com necessidades especiais, juntamente com os professores para que a
comunidade escolar seja capaz de responder as várias diferenças apresentadas pelos seus alunos,
numa perspectiva de entendimento sobre a diversidade humana. Neste sentido, a visão da educação
inclusiva é baseada na proposta de uma alteração na sua estrutura e com isso, a acessibilidades aos
prédios sejam facilitadas, mudança nos currículos e também uma adequação na área das
comunicações orais e escritas. É preciso que todos os modelos de escola comum sejam revisados.
(SASSAKI, 2002.)
Apesar das dificuldades acadêmicas, a família do aluno o estimula em sua socialização e
autonomia, mantendo habilidades como auto-cuidado, comunicação e socialização preservados. A
mãe relata que o filho é
(...) bem independente em relação a alimentação, ele come sozinho, toma banho e se veste,
tem noção de perigo e circula normalmente pelo bairro, vai sozinho pra escolinha de futebol
e pra casa da avó dele, que tem até que pegar um ônibus, a única coisa que ele não
desenvolve mesmo é na leitura e não aprende a fazer conta também, mas o resto ele faz
tudo só.(sic)
Diante do apresentado, percebe-se que a postura da família possibilita um maior e melhor
desenvolvimento das habilidades adaptativas da criança, e, consequentemente influencia
positivamente a melhoria das habilidades acadêmicas, já que o aluno demonstra profundo interesse
em aprender, sendo intermediador das informações enviadas pela escola à família, além de persistir
(tal como relatado pela mãe) na consecução do desejo de aprender. A mãe afirma que
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(...) eu fico com dó porque ele tenta aprender, mas não sei o que acontece que ele não
consegue, aí ele acaba ficando muito nervoso e agressivo, mas ele sempre faz de tudo pra
conseguir. Eu queria entender o que acontece que não deixa ele aprender, a escola até
mandou eu procurar um médico, mas eu ainda não tive como. (...) Eu ajudo ele quando eu
estou em casa, mas quem ensina ele nas tarefas é mais a irmã e o irmão, aí ele consegue
fazer.
Por outro lado a professora regular do mesmo afirma que
(...) ele é muito atento, educado e muito esforçado, sempre que passo uma atividade ele vai
lá e tenta fazer, mas não faz certo, mas vejo que ele tenta mesmo, o problema é que ele
ainda está na fase pré-silábica e no ano que vem já vai para o 6º ano, com um professor por
disciplina, o que vai ficar mais complicado porque ele não vai ter muita assistência.” A
professora de Educação Física nos acrescenta que “(...) se eu não soubesse que ele não
aprende as coisas repassadas em sala de aula diria que não há problema algum com ele
porque ele é um ótimo aluno, compreende as orientações, participa das aulas, se relaciona
bem com todos os colegas, eu acho ele muito inteligente.
As assertivas da mãe e das professoras demonstram que ainda que a criança se encontre em
uma situação de inconsistência em relação ao apreender os conteúdos acadêmicos, o mesmo possui
grande motivação e interesse pelo desenvolvimento das habilidades acadêmicas e outros tipos de
habilidades preservados e em constante desenvolvimento.
Quando indagada acerca de como se dá a aquisição de novos conhecimentos, a docente nos
relata que “LF aprende, eu ensino aí pergunto e ele aprendeu, quando chega no outro dia que
pergunto de novo ele já esqueceu e não sabe mais.” Diante do que a professora nos expõe, passamos
a nos questionar se os conteúdos repassados, assim como as formas com que se repassa tais
informações, são articuladas de modo a propor um significado ao aprendiz, de modo que o
impulsione, colocando-o em um movimento de elaboração do conteúdo indicado ao seu repertório
vivencial. Tal dúvida emerge quando passamos a refletir a importância de se conhecer o por quê de
tal aprendizado e o que isso pode operar em um sujeito enquanto aprendiz, já que quando
compreende-se o sentido da informação, o interesse pela mesma se apresenta de modo diferenciado.
Diante disso, passamos a relacionar a fala da professora com o que Reis (2001) apresenta
como sendo as três tarefas básicas da escola. A primeira dispõe que a escola deve atuar como
facilitadora na apropriação e valorização das características sócio-culturais próprias das classes
populares; a segunda tarefa postula a importância de se garantir a aprendizagem de certos conteúdos
essenciais da chamada cultura básica (leitura, escrita, operações matemáticas, noções fundamentais
de história, geografia, ciências, etc.); e a terceira tarefa básica vem propor a síntese entre os passos
anteriores, possibilitando a crítica dos conteúdos ideológicos propostos pela cultura dominante e a
reapropriação do saber que já foi alienado das classes populares pela dominação.
Tal discussão nos remete ainda ao que Freire (1987) denomina como concepção bancária da
educação como instrumento de opressão. Tal concepção considera que as relações desenvolvidas
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entre educadores-educandos são, fundamentalmente, narradoras e dissertadoras, pois a educação se
torna um ato de depositar, em que os educadores são os depositantes e os alunos meros depositários.
A narração de conteúdos tendem a petrificar-se ou a fazer-se algo quase morto, seja quando se trata
de valores ou até mesmo de dimensões concretas. Ao invés de comunicar-se o educador realiza
“comunicados” e depósitos que os alunos, enquanto incidências, recebem pacientemente,
memorizam e repetem. Neste sentido,
Falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem comportado, quando
não falar ou dissertar sobre algo completamente alheio à experiência existencial dos
educandos vem sendo, realmente, a suprema inquietação desta educação. A sua irrefreada
ânsia. Nela, o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja
tarefa indeclinável é “encher” os educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos que
são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão
ganhariam significação. A narração de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à
memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em
“vasilhas”, em recipiente a serem “enchidos” pelo educador. Quanto mais vai “enchendo”
os recipientes com seus “depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem
docilmente “encher”, tanto melhor educandos serão (FREIRE, 1987, p.33).
Neste contexto, o papel do professor também possui importância fundamental, pois é sua a
responsabilidade de proporcionar mediações relevantes ao aluno no contexto escolar que,
apropriadas, determinam novas relações com a realidade. A interação deve iniciar considerando a
assimetria existente e construindo novas relações com o conhecimento, de modo que, ao final do
processo, haja simetria: os alunos igualem ou até superem o professor. Para tanto, é fundamental o
exercício da autoridade do professor, sem cair no autoritarismo, construindo a cidadania e o seu
exercício com ética e compromisso político (DAVIS, 1989; KHOURP, 1989; MIRANDA, 1985
apud REIS, 1985).
Nas observações acerca das relações estabelecidas no espaço escolar e em sala de aula foi
possível observar que a relação estabelecida entre a professora para com os alunos, de modo geral,
se dá pela via didática, estritamente, não havendo uma relação afetiva (observável). Em relação ao
aluno foco do trabalho, a professora afirma que o mesmo recebe uma atenção diferenciada em
relação às atividades acadêmicas a serem executadas, mas que não pode estar sempre voltada a ele,
pois isso prejudicaria o desenvolvimento dos demais alunos. Quando questionada acerca das
impressões sobre o Processo de Inclusão da criança com Necessidade Educacional Especial na
escola regular, afirma com veemência que não é a favor do Processo de Inclusão, pois a escola não
está preparada para receber os alunos, pois para que isso acontecesse com efetividade a instituição
de ensino deveria contar com o apoio de Psicólogos no contexto escolar. Acrescenta, ainda: “se eu
tivesse um filho com deficiência não colocaria na escola regular porque ele iria acabar sofrendo
muito.” (sic.).
Galano 1995; Lane (1995); Machado (1995) apud Reis (2001) reforçam a ideia de que as
relações afetivas na interação professor-aluno são imprescindíveis para a aprendizagem, sendo
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essenciais para a expansão das atividades e do pensamento do ser humano, proporcionando
condições para a construção da consciência.
De acordo com Kampwirth (2003) citado por Silva (2010) o principal objetivo da
Consultoria Colaborativa Escolar é criar propostas e estratégias que os consultantes sejam capazes
de implementar auxílio na elaboração das propostas e instrumentalizar os consultantes para que eles
se sintam capacitados e interessados em desenvolver as estratégias. Para tanto, é de fundamental
importância que os consultantes se envolvam verdadeiramente com a proposta e que exista o
desejo/motivação para a mudança.
A escola pode servir como produtora e reprodutora das diferenças sociais, seja
intencionalmente ou por falta de compreensão das relações estabelecidas entre a escola e a
sociedade. O processo de produção das diferenças, enquanto desigualdades no contexto escolar,
pode se manifestar na produção do fracasso escolar, seja através de profecias auto-realizadoras e/ou
da estigmatização e exclusão das diferenças. Diante disso, a professora regular entrevistada acaba
por sinalizar que o fracasso escolar possui influências de outros meios, que não necessariamente da
escola; “o problema é de raiz, é de antes da escola, isso é culpa da família, do que vem de casa e
vocês tem que investigar lá (sic)”. Nota-se que grande parte dos alunos que ingressam na escola
pública ainda não se apropriaram de determinados signos utilizados nesse espaço.
Esta realidade acaba sendo entendida pelos professores como uma incompetência individual.
Contudo, é importante que os profissionais da educação ampliem sua compreensão de tal fato, pois
a apropriação de tais signos é determinada pelas interações sociais que já foram propiciadas à
criança e o processo de socialização não se dá de modo desintegrado, pelo contrário, se firma no
contato da criança com a sociedade, a família e a escola de modo indissociável. Assim, a escola
deve proporcionar interações diferenciadas para crianças em diferentes níveis de desenvolvimento,
objetivando que todas tenham acesso aos elementos fundamentais para o desenvolvimento do
psiquismo (REIS, 2001).
Frente a esta realidade, falar do papel da Psicologia no contexto escolar não é uma tarefa
nada fácil, Vários fatores contribuem para essa dificuldade. Primeiramente pela incerteza da
presença do Psicólogo nas instituições de ensino, já que seu trabalho, apesar de importante, não é
marca obrigatória. Podemos pensar também na forma com que o referido profissional se fez
presente e como ele se posicionou no ambiente escolar: inicialmente permeando ideologias
corretivas dos alunos “não aptos” por meio de testes e justificando e confirmando visões
excludentes em que o fracasso escolar provinha das diferenças individuais e não das diferenças de
oportunidades. Tais ideias acabaram por provocar uma falência epistemológica da prática no
contexto escolar, uma vez que se mostrou pouco efetiva por desconsiderar a importância da escola,
família e Estado na produção do fracasso escolar (KUPFER, 1997).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos dizer que cabe a escola valorizar a cultura própria de cada sujeito, não
desconsiderando o caráter étnico, religião ou situação econômica, mas valorizando o saber que é
próprio do aluno. Além disso, a instituição de ensino deve promover o acesso igualitário do que é
ensinado, adaptando os conteúdos e atividades, quando necessário, tornando-os acessíveis ao nível
de desenvolvimento e capacidade de aquisição de conhecimento.
Observa-se que o desenvolvimento da criança depende, em grande parte, do que é oferecido
tanto pela instituição familiar, quanto pela escola e sociedade. Quando a escola estabelece um
diálogo com a família de forma parceira e colaborativa, amplia-se o olhar direcionado à criança, não
reduzindo sua dificuldade a um único contexto, mas atendendo-a em sua totalidade, considerando
tanto as habilidades acadêmicas (ainda que deficitárias), quanto sua dimensão biopsicossocial.
Ademais, percebe-se que para a efetividade de uma intervenção, necessita-se da implicação do
professor em tal processo, pois o engajamento do mesmo pode impactar na inclusão e/ou exclusão
do aluno, tanto favorecendo como prejudicando o desenvolvimento da aprendizagem do mesmo.
Nota-se, portanto, que não se pode dissociar uma ação que visa a minimização de prejuízos à
criança, pois é imprescindível um trabalho em conjunto, que possa contar com a participação da
tríade que compõe o processo ensino-aprendizagem: família, escola e sociedade.
Para que o processo de aprendizagem se dê de forma efetiva, cabe à escola dar um sentido
ao que é ensinado, aplicando a síntese entre as tarefas básicas da educação, de modo a tornar
possível um maior interesse no aprender, elaborando questões que traduzam a vida cotidiana e
fomentem no alunado uma elaboração crítico-reflexiva dos conteúdos.
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