Caro Aluno:

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Oralidade e escrita / Maria Irma Hadler Coudry
Caro Aluno:
Essa atividade pós-exibição é a terceira, de um conjunto de 7 propostas,
que têm por base o segundo episódio do programa de vídeo Viagem ao
cérebro. As atividades pós-exibição são compostas por textos que
retomam os programas e encaminham sugestões de atividades a serem
realizadas por vocês. Recomendamos que elas sejam feitas após a
exibição em sala de aula desse episódio. No Portal do Professor você
encontrará um jogo interativo correspondente a esse mesmo episódio e
que trata dos mesmos temas das atividades.
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Oralidade e escrita / Maria Irma Hadler Coudry
Atividade
Oralidade e Escrita
Episódio
Disléxico? Eu não!
Programa
Viagem ao cérebro
A fala na escrita e vice-versa
A fala aconteceu antes da escrita na história da humanidade e, em geral, as crianças do
mundo todo, até os 3 anos de idade, têm o domínio da língua materna. Diversas
necessidades do homem ao longo de sua história de vida o levaram a falar com o outro que também fala com ele - para partilhar trabalho, medo, afeto, humor, alegria,
organização social, cultura, entre outras coisas, o que modificou sua dinâmica cerebral,
estruturas e funções. Exemplo disso é a assimetria entre os dois hemisférios cerebrais
produzida pela predominância do hemisfério esquerdo para a linguagem (Para Saber Mais
veja o quadro Especialização Hemisférica, no final desta atividade).
A linguagem promoveu um salto qualitativo em nosso cérebro, caracterizado por Luria
(1979) como o que diferenciou o homem dos animais. Foi, portanto, o homem que
elaborou a linguagem tal como se conhece hoje, com tantas línguas faladas e escritas no
mundo. A escrita, como vimos no Tema Pontuação, se aprende em geral na escola, no
que diz respeito principalmente a aspectos formais. Esse é um dos principais papéis da
escola.
Quando iniciamos esse aprendizado, e fazendo parte de uma sociedade letrada, todos
nos baseamos para escrever na nossa própria fala, depois vamos estabelecendo uma
relação particular com as normas e recursos da escrita/leitura que se mostram em
diferentes momentos e vivências. Por que iniciantes de escrita/leitura fazem erros de
ortografia/pronúncia tão parecidos? Na escrita, usar u no lugar de o (no final de sílaba),
usar dois ss no lugar de c ou ç, x no lugar de ch, dentre outros, é previsível porque - no
sistema alfabético que usamos para escrever - a relação entre som e letra não é única.
Pode-se ter um mesmo som representado por várias letras como é o caso do som da letra
s que pode ser escrito com ss, sc, c, e ç. Dada a heterogeneidade entre som e letra,
mediada pelas leis da ortografia que vigoram em uma determinada época, é que na
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Oralidade e escrita / Maria Irma Hadler Coudry
escrita de Pedro, feita rapidamente, observamos construção com dois Esses, seta com Ce
e nem por isso se trata de patologia.
É importante ressaltar que tanto a fala quanto a escrita e a leitura são guiadas pelo
sentido. É o sentido que conhecemos pela fala e que exercemos na família, no bairro, na
igreja, na escola, por exemplo, que reconhecemos nos textos que lemos e escrevemos.
Quando lemos palavras que nunca escutamos, para saber o que significam temos que
procurar no dicionário ou perguntar para alguém ou ainda tentar inferir seu sentido pelo
contexto. Quando uma leitura é silabada ou apresenta problemas de reconhecimento das
letras, fica difícil, às vezes, descobrir de qual palavra/sentido se trata. Há um
estranhamento que se reflete no modo de ler a palavra.
A palavra na fala tem um ritmo e um tempo diferente da escrita e da leitura. A leitura
silabada da palavra janela, por exemplo, faz com que a criança altere sua sílaba tônica
[ja-nê-la], a ponto de não reconhecer de imediato a palavra [janela]. A relação entre
fala, leitura e escrita se mantém por toda a vida, sendo mais forte nos momentos em
que o sentido não se realiza de pronto e em que falar em voz alta e/ou escrever ajuda
no seu reconhecimento. Talvez a mais íntima relação entre letra e fala aconteça na
soletração (Para Saber Mais veja o quadro Soletração ao final desta atividade): dizer o
nome da letra selecionada, colocá-la sob as regras da escrita, combinando-a numa
determinada sequência para formar uma palavra da língua, ao mesmo tempo em que é
preciso apagar certos elementos que compõem o nome da letra para poder escrever a
letra (não se escreve agá, mas H; nem eme, mas M).
Para escrever bola o sujeito tem que manter o b, apagar o e do nome da letra b,
combiná-lo com a letra o, apagar o e inicial e final do nome da letra ele, e, por fim,
juntar a letra a, caso contrário ficaria /beoelea/. Isso aconteceria se escrevêssemos
tudo o que falamos. Saber soletrar uma palavra e escrevê-la significa manter certas
letras e apagar outras, o que acaba se tornando automatizado - isso porque
cerebralmente tantas vezes os neurônios percorrem um mesmo caminho que ele é
facilmente recuperado, sem precisar pensar; é como andar, chutar bola, nadar, falar. É
importante destacar que soletrar é uma atividade metalinguística que incide sobre o
escrever e não sobre a própria escrita; isso porque não se escreve diretamente o que se
soletra, mas há uma correspondência entre o nome da letra e sua representação gráfica
que é aprendida na vida escolar.
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Oralidade e escrita / Maria Irma Hadler Coudry
Mas queremos chamar sua atenção para uma reflexão que ao final do Ensino Médio é
interessante de ser feita. Tem sido frequente na atualidade atribuir ao não domínio da
ortografia um dos sintomas de patologia, especialmente a dislexia, mas também o
transtorno do déficit de atenção, com e sem hiperatividade, sendo que isso será
discutido nos Temas Dislexia? e Déficit de Atenção? (ver neste episódio, as Atividades 5 e
6).
O modo como Pedro anota as informações que Carolina dita mostra a presença da fala na
escrita (veja também o Programa Causos e falas daqui e dali, episódio 1, Tema Falar e
Escrever: Oralidade e escrita; e o Programa Vozes da Cidade, episódio 2, Tema O
funcionamento diverso da oralidade e da escrita). Pedro não escreve qualquer coisa, há
uma lógica em suas decisões ao formular hipóteses para escrever que mostram seu
cérebro ativo e despreocupado com questões formais porque se trata de anotações feitas
só para si, escritas rapidamente para poderem ser recuperadas. Destacamos que
habitamos a linguagem de forma diferente, em determinadas situações estamos mais na
fala, em outras mais na escrita, mais na leitura e nunca as confundimos.
A escrita utilizada em sites de bate-papo, o internetês, tem sua razão de ser: a rapidez,
a economia, a relação entre o som da palavra, o nome da letra e sua forma gráfica, a
inserção de símbolos para representar emoções. Na escrita de Pedro algumas dessas
características estão presentes: destaque com Ka, ponto como pto, e é como eh. É
interessante observar que quem sabe abreviar sabe também escrever a palavra por
extenso, e, que cada um desses registros escritos tem seu lugar e hora para acontecer,
da mesma forma que ocorre com a fala, cujo registro também pode variar em função da
situação social, considerando quem fala e para quem se fala.
Leitores e escreventes que têm bastante familiaridade com a leitura e com a escrita
podem ter dúvida de como se escreve uma palavra, tendo em vista a relação entre som e
letra que se tem na convivência do cotidiano da língua em que predomina a fala. Tudo
isso mostra que a língua em funcionamento é aberta a múltiplos usos e sentidos,
tratando-se de fala ou de escrita/leitura (COUDRY e FREIRE, 2005).
Autores:
Maria Irma Hadler Coudry (coordenadora)
Sonia Maria Sellin Bordin
Michelli Alessandra Silva
Giovana Dragone Rosseto Antonio
Ana Laura Gonçalves Nakazoni
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Oralidade e escrita / Maria Irma Hadler Coudry
Exercício 1
A língua portuguesa tem passado por reformas (1911, 1971) e acordos ortográficos (1945,
1975, 1990) que alteram certas formas de escrever. Leia os textos abaixo e observe
como se escreve diferente das regras escritas atuais. Reescreva os textos nos moldes
atuais, considerando a recente reforma de 2009. Compare as mudanças e veja que o que
é considerado erro hoje – e até sintoma de patologia – já foi considerado correto.
No Almanaque Eu sei ler - leitura e scenas infantis – encontram-se várias palavras
escritas que se tomadas hoje seriam sintomas de patologia: scenas; creanças; creada;
jornaes; cahiram; sahiram; theatro; cousa; phantasmas, fazel-o; vel-o; impoz; poz.
Em espumas fluctuantes, de Castro Alves, edição de 1938, temos: céo; somnolento;
abysmos; espheras; sympathico; elle; vivêra; sepulchraes.
Num documento de 1725, transcrito em Tempos Lingüísticos (Ática, 1990), de Fernando
Tarallo, podem-se encontrar grafias como apartir; seachar; nemseatreve; oobrigaraõ;
etc. Vejam um trecho desse documento: Estes Frades Sr. Filhos do Reyno foraõ origem
com aalternativa, assim da desordem em q. seacha asua relligiaõ como das parcialidades
emque ardem os seculares desta terra interessados na ordem 3a.
PARA SABER MAIS
Especialização Hemisférica
O cérebro é um sistema que apresenta uma hierarquia de estruturas e funções e isso significa
que há partes especializadas e partes mais gerais; Luria, em toda sua obra, se preocupa não
somente em delimitar a estrutura e a função das áreas do cérebro, mas, sobretudo, em
descobrir como se relacionam umas com as outras, o que constitui a natureza humana. A parte
mais externa de cada hemisfério cerebral é formada pelo córtex que é uma fina camada
composta de substância cinzenta que envolve os dois hemisférios cerebrais; o córtex apresenta
sulcos e giros que aumentam significativamente a quantidade de córtex sem aumentar o volume
craniano. Esse aumento, em particular das áreas de associação, implica em uma maior
capacidade perceptiva para reconhecer formas e sons, possibilidade de armazenar informações
de diferentes tipos, utilizar sistemas complexos de comunicação como a linguagem articulada,
a leitura e a escrita, além de sistemas numéricos, computacionais etc.; e para alcançar formas
elaboradas de conceitos fundamentais para a solução de problemas utilizando-se de sistemas
formais de pensamento. Tudo isso faz com que a conduta humana adquira uma dimensão
particular, ou seja, a qualitativa, em relação às espécies mais próximas.
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Oralidade e escrita / Maria Irma Hadler Coudry
Muitos neurologistas, a partir da década de 60 do século XX, estudando o cérebro humano
observaram que na maioria dos sujeitos destros e canhotos o hemisfério esquerdo é
especializado na linguagem, na realização de cálculos matemáticos, bem como no pensamento
lógico-analítico. Diferentemente, o hemisfério direito é especializado no processamento da
informação espacial, vísuo-perceptual, apreciação musical, imaginação e desenho. Veja como
os hemisférios cerebrais se comportam quando em atividades como:
Este é um exemplo das especificidades de cada hemisfério e do que as pessoas têm que fazer
para manter o foco da atenção (ação do Bloco I); inibir a leitura da palavra (ação do Bloco III
para planejar e executar) e selecionar o nome da cor (ação do Bloco II conjugado com o III).
Outra importante descoberta dos neurologistas foi a correlação entre dominância hemisférica e
preferência manual. Quanto ao canhoto, há os que apresentam a dominância do hemisfério
direito e os que têm a dominância do hemisfério esquerdo para a linguagem. Quanto aos
destros, 90% deles, que representam 90% da população, mostram uma dominância para
linguagem no hemisfério esquerdo. Os canhotos e ambidestros, que correspondem a 10% da
população, formam um grupo heterogêneo: tanto dominância esquerda, quanto dominância
direita e, ainda, nos dois hemisférios. Disso se tira como conhecimento a importância do
trabalho com as mãos para a dinâmica cerebral, e embora haja a preferência manual é
importante usar a mão não preferencial. Observe que várias atividades laborais ou artísticas
usam as duas mãos, o que deve fazer muito bem para o funcionamento do cérebro como um
todo.
O processo histórico por que passou o cérebro humano mostra que aprender o tornou uma
estrutura complexa, hierarquizada. Por exemplo, a aprendizagem da escrita alfabética envolve
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Oralidade e escrita / Maria Irma Hadler Coudry
mais o hemisfério esquerdo que se especializou, ao longo da história das línguas, em tarefas
que demandam relações temporais: seqüências, combinações, escolhas. Por outro lado, a
escrita ideográfica envolve mais o hemisfério direito por seu caráter espacial e de desenho.
Hemisfério Direito
Hemisfério Esquerdo
Soletração
Os dois hemisférios cerebrais trabalham integradamente na soletração. Quem escreve a palavra
soletrada escreve cada letra na ordem em que foi dita por seu interlocutor, tendo seu
hemisfério esquerdo ativado, além do direito, em função da espacialização da escrita.
Soletrar uma palavra para alguém implica em vários conhecimentos que vão se automatizando
com a vivência da escrita:
- conhecer a escrita da palavra (ativação do Bloco I e Bloco II)
-conhecer os nomes das letras que a compõe; (ativação do Bloco I, Bloco II, sobretudo
algumas partes dos lobos temporal, occipital e parietal)
-ordenar os nomes das letras oralmente - o que significa selecionar a letra desejada
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Oralidade e escrita / Maria Irma Hadler Coudry
segmentando e recompondo como unidade a palavra escrita, de forma a não perder a
seqüência, sendo esse processo repetido até que todos os nomes de todas as letras
tenham sido ditos comparando a todo tempo a memória auditiva ou visual-escrita da
palavra - (ativação do Bloco I, Bloco II e sobretudo Bloco III)
Há, para realizar essa ação, um intenso trânsito entre os Blocos II e III
Soletrar, apesar de parecer uma atividade mais oral do que escrita, implica necessariamente
em uma representação da letra ou mental ou escrita no papel; implica, ainda, conhecer o
traçado de cada letra que corresponde a cada nome da letra (Bloco I, Bloco II, sobretudo os
lobos occipital e parietal) e o conjunto de gestos articulatórios que representam o nome das
letras (Bloco I, Bloco II, Bloco III), cujas ações motoras são diferentes daquelas envolvidas na
produção dos sons que formam a palavra. Falar ENE-A-VE-I-O é diferente de falar NAVIO.
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