Depois das reformas: o lugar do empresariado

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XVII Encontro da Associação Nacional de
Pós-Graduação em Ciências Sociais
“Depois das reformas: o lugar do empresariado nacional
na nova ordem econômica latino-americana
Breve comparação entre os casos argentino, brasileiro e mexicano”
Wagner Iglecias
Departamento de Sociologia da USP
Caxambu, outubro de 2003
1
DEPOIS DAS REFORMAS: O LUGAR DO EMPRESARIADO NACIONAL NA NOVA ORDEM
ECONÔMICA LATINO-AMERICANA - BREVE COMPARAÇÃO ENTRE OS CASOS ARGENTINO,
BRASILEIRO E MEXICANO
WAGNER IGLECIAS1
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo mapear e analisar os novos padrões de
organização e ação coletiva do empresariado industrial latino-americano que têm sido
desenvolvidos nos últimos anos, especialmente após a implementação das reformas
econômicas orientadas para o mercado. Para tanto é utilizada uma perspectiva comparativa
entre Argentina, Brasil e México, as três mais importantes economias da América Latina,
nas quais desenvolveu-se, com maior êxito, o modelo nacional-desenvolvimentista, agora
suplantado pelas referidas reformas. A discussão, no presente contexto, acerca dos novos
padrões de organização do empresariado nacional enquanto ator coletivo e de seu
relacionamento com o Estado pauta-se pelos novos condicionantes e limitações trazidos à
baila pelo próprio ambiente econômico e institucional oriundo das reformas.
Palavras-chave: empresariado, Estado, período pós-reformas, novos padrões de ação
coletiva 2
Introdução
As reformas econômicas orientadas para o mercado, adotadas em vários países da
América Latina a partir dos anos 80 e caracterizadas por um receituário mais ou menos
comum, sustentado nas políticas de abertura econômica, desregulamentação e privatização,
têm produzido, como era de se esperar, diferentes efeitos nos diversos contextos nacionais
do continente. Da mesma forma, os novos arranjos institucionais criados a partir das
reformas, com a redefinição dos papéis do Estado e de suas diversas instâncias, do capital
estrangeiro e do empresariado nacional na dinâmica política e econômica, apontam para
tendências de mudanças, em maior ou menor grau, dependendo do país analisado, nos
tradicionais padrões de ação coletiva do empresariado e de suas formas de relacionamento
com o Estado típicos do período nacional-desenvolvimentista. O caso argentino, por conta
recente crise institucional sugere, até o momento, menor variação em relação ao antigo
cenário, enquanto os casos brasileiro e mexicano, cada qual em seu contexto, apontam para
a ocorrência de mudanças significativas nas formas de organização e atuação política do
empresariado.
1
Doutorando em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP).
Correio eletrônico: [email protected]
2
Agradeço a colaboração de Alicia Ortiz Rivera, Carlos Alba Vega e Cláudio Gonçalves Couto pela
cessão de textos e informações aqui utilizados.
2
Argentina, Brasil e México são exemplos de países de industrialização tardia, cujo
desenvolvimento econômico, durante a maior parte do século XX, teve como motor o
intervencionismo estatal no domínio da economia. Pela ação do Estado, tanto como indutor
do desenvolvimento quanto como agente econômico, construiu-se nesses países um sistema
capitalista moderno, industrial e corporativo, de base nacional. Também pela ação do
Estado foram constituídas as elites industriais, não apenas como agentes econômicos, mas
também como atores políticos. O esgotamento do nacional-desenvolvimentismo, que
vigorou nos três países entre o início dos anos 30 e meados da década de 70, desagou na
crise econômica dos anos 80 e na implementação de reformas orientadas para o mercado,
na década de 90, reformulando não apenas a estrutura do Estado e seu papel nos domínios
da política e da economia, mas também as suas formas de articulação com a sociedade. 3 De
fato, uma das principais conseqüências das reformas orientadas para o mercado é a
diminuição da capacidade de intervenção do Estado no domínio da economia, observável
nos três países abordados e tomada como eixo fundamental para a reflexão esboçada no
presente texto. Os impactos das reformas sobre a institucionalidade política apontam, no
entanto, para a manutenção, no caso brasileiro, do papel do Estado como potencial indutor
de um novo modelo de desenvolvimento. O mesmo não pode ser dito da Argentina, onde as
instituições foram quase totalmente desmanteladas por conta da crise econômica, política e
social dos últimos anos, encontrando-se nos dias atuais em processo de reconstrução. E
tampouco do México, onde o Estado se vê envolvido por uma contenda entre os poderes
Executivo e Legislativo e enfraquecido pelo aumento da dependência externa do país após
a adesão ao Tratado de Livre Comércio da América do Norte.
As três primeiras sessões do trabalho tratam de cada um dos países analisados. As
sessões sobre a Argentina e o México apresentam ao leitor de forma um pouco mais
pormenorizada a estrutura e a trajetória da ação coletiva do empresariado industrial nos
dois países e seu relacionamento com o aparato estatal ao longo das últimas décadas, para
depois abordar as principais características das reformas adotadas nos dois contextos e suas
conseqüências sobre o tecido produtivo, as instituições e as formas de organização e ação
coletiva do empresariado. Finalmente, abordam as características da atuação política do
empresariado no período pós-reformas. A sessão sobre o Brasil, por sua vez, trata de forma
3
Há distinções cronológicas entre os três países no que tange às reformas pró-mercado. Em
termos gerais pode-se dizer que a Argentina foi a primeira a adota-las, na segunda metade
dos anos 70, sob o regime militar. Os malogros econômicos colhidos à época fizeram com
que a alternativa neoliberal fosse interrompida durante o governo de Alfonsin para ser
finalmente retomada e aprofundada por Carlos Menem, a partir de 1989. No México a
efetiva mudança do modelo de desenvolvimento se deu após a crise financeira de 1982,
quando Miguel De la Madrid chegou à Presidência e iniciou a implementação das reformas,
as quais seriam radicalizadas a partir de 1988, com o início do governo de Carlos Salinas de
Gortari. No Brasil o reformismo neoliberal é iniciado efetivamente a partir do governo
Collor de Mello, em 1990, amaina durante o governo Itamar Franco e volta a ser retomado
de forma mais decidida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1995. A
despeito de tais distinções, é durante a década de 90 que se dá o conjunto mais importante
de reformas nos três países, alicerçado na abertura comercial, na desregulação da economia
e na privatização do patrimônio estatal, constituindo um novo modelo de desenvolvimento
no qual se atribuiu papel fundamental às forças de mercado.
3
mais sintética a história da representação dos interesses empresariais, logo partindo para a
discussão das conseqüências das reformas sobre o tecido produtivo, as instituições e os
tradicionais padrões de ação coletiva do empresariado, para finalmente discutir a temática
no momento contemporâneo. A quarta e última sessão, de caráter conclusivo, compõe-se da
análise comparativa entre os três casos propriamente dita.
ARGENTINA
O empresariado e seus padrões históricos de ação coletiva e relacionamento com o Estado
A representação dos interesses empresariais na Argentina foi historicamente
caracterizada por uma estrutura multifacetada, dividida e concorrencial, incapaz de unir-se
em entidades de cúpula e de formular um projeto político comum. A tradicional divisão da
economia argentina entre os setores exportadores e aqueles vinculados ao mercado
doméstico ensejou a competição entre as entidades de representação de interesses e
inviabilizou a construção de uma plataforma de pleitos coletivos. Os padrões de
relacionamento do empresariado com o Estado, dada a recorrente instabilidade política do
país desde o início do século XX, foram marcados pelo desenvolvimento de estratégias
defensivas, de curto prazo e voltadas ao atendimento imediato de demandas particulares.
Diante da debilidade das instituições, o grande empresariado buscou no acesso direto às
instâncias decisórias do Poder Executivo exercer influência sobre as políticas públicas,
obter benefícios e minimizar riscos, sobrevivendo às crises mais pela sua capacidade de
pressão sobre o Estado que pelo ajuste às cambiantes condições de funcionamento da
economia e da política. Segundo a argumentação de Schneider, o caso argentino
representaria um círculo vicioso nas relações entre empresariado e Estado, no qual não há a
participação das entidades empresariais nos principais processos decisórios relativos às
esferas da economia e da política, mas eventualmente de empresários tomados
individualmente. (Schneider, 2002; 2000a; 2000b).
Os primórdios da ação coletiva do empresariado argentino encontram-se nos anos
de 1860, quando as elites rurais iniciaram articulações para a criação de uma entidade para
a representação ampla de seus interesses. Data do ano de 1866 a fundação da primeira
grande organização política empresarial do país, a Sociedade Rural Argentina (SRA). Uma
década mais tarde, em 1875, surgiu o Clube Industrial Argentino, primeira iniciativa do
nascente empresariado industrial de organizar-se em uma entidade de representação
coletiva. A principal reivindicação da nova organização era a adoção, por parte do Estado,
de políticas protecionistas ao setor fabril, a fim de que as atividades industriais no país
pudessem ser efetivamente estruturadas. Baseando-se nas vantagens comparativas na
produção de grãos e carne, o país era à época um grande exportador de bens primários e um
importador de manufaturas, ao passo que as primeiras atividades fabris eram basicamente
concentradas no beneficiamento de itens agropecuários.4 Poucos meses após a criação do
Clube Industrial Argentino uma dissidência de empresários de orientação econômica liberal
rompeu com a entidade e fundou o Centro Industrial Argentino. Mesmo tendo em conta que
4
Nesse período são fundados, ainda como incipientes empresas industriais, alguns dos maiores
grupos econômicos da história do país, como Bunge y Born (1884), Alpargatas (1885), Quilmes
(1895), Pescarmona (1907) e B. Roggio (1908).
4
em 1887 as duas facções empresariais tenham se fundido para a criação da União Industrial
Argentina (UIA), aquela divergência ideológica e política seria a primeira de inúmeras
disputas travadas no interior do empresariado industrial argentino ao longo de décadas.
O grande impulso à industrialização do país ocorreu por meio da adoção da política
de substituição de importações, após a crise de 1929 e o fim do modelo agro-exportador. A
economia deixava de ser consideravelmente aberta para tornar-se relativamente fechada. O
Estado assumia um papel duplo, como produtor de insumos básicos para a atividade
econômica e como regulador do novo modelo. Entre o início dos anos 30 e meados dos
anos 40 surgiram alguns dos mais tradicionais segmentos da indústria do país, como têxteis,
alimentos, metalurgia, maquinaria, produtos elétricos e petróleo. 5 Até a década de 30 o
empresariado, tanto agro-exportador quanto industrial, havia tido importante participação
na política nacional, articulando-se sempre pela lógica da defesa de seus interesses mais
imediatos e paroquiais, como no apoio ao golpe contra o presidente Hipólito Yrigoien.
O período entre 1946 e 1958 corresponde à segunda etapa do modelo substitutivo. O
intervalo compreende a vitória nas urnas do Partido Justicialista e à eleição de Perón, sua
reeleição em 1951, sua deposição em 1955 por um golpe militar e o restabelecimento da
ordem democrática, com a eleição de Arturo Frondizi, da União Cívica Radical (UCR), em
1958. Nesse curto espaço de pouco mais de uma década se deu a implementação, pelo
Estado, de um amplo arco de políticas industriais, do desenvolvimento de novos segmentos
infra-estruturais, como comunicações, construção pesada, aço e energia e da consolidação
do mercado doméstico.6 Enquanto a indústria se desenvolvia e se diversificava, crescia
também o associativismo empresarial no país. Entre 1946 e 1951 multiplicou-se a
quantidade de entidades empresariais, sempre dentro do perfil neocorporativista inaugurado
por Perón. Nenhuma delas, porém, jamais se capacitaria como instituição representativa dos
interesses mais amplos do empresariado.
Perón, se tinha domínio sobre os sindicatos de trabalhadores, nunca conseguiu unir
o empresariado em uma estrutura corporativa controlada pelo Estado. Em seu governo teve
início o ciclo de intervenções diretas do Estado sobre as organizações empresariais, com a
dissolução da UIA, que agrupava empresários contrários a seu projeto político, e a criação
da Confederação Geral Econômica (CGE), que abrigava os setores empresariais surgidos
com o modelo nacional-desenvolvimentista. O êxito da representação empresarial no
âmbito da CGE se daria, exatamente, sob um regime nacional-desenvolvimentista, com a
forte presença do Estado na economia, a aliança com as classes trabalhadoras e a
preservação de setores estratégicos da atividade econômica para o capital nacional.
Derrubado Perón, a UIA era reativada pelos militares, enquanto a CGE era posta na
ilegalidade.
5
Nesse período são fundadas empresas como Peñaflor (bebidas, 1928), YPF (petróleo, 1929),
Masterllone (laticínios, 1929) e Sancor (laticínios, 1936).
6
Nesse período que são criadas empresas como Pérez Companc (energia e comunicações, 1946),
Arcor (alimentos, 1951), Techint (aço, construção pesada e comunicações, 1952) e Socma
(construção pesada e motores, 1956).
5
No fim dos anos 50 teve início a terceira e última fase da política substitutiva, com a
criação dos complexos petroquímico e de motores. Entre as décadas de 60 e 70 a indústria
atingiu sua maior participação no PIB argentino, tornando-se o eixo ordenador da economia
do país. A construção, no entanto, de um complexo industrial quase que exclusivamente
voltado ao mercado doméstico, em crescente descompasso com as inovações tecnológicas
surgidas nos países desenvolvidos, conjugada à instabilidade política recorrente durante as
décadas de 60 a 80, teve efeitos profundamente deletérios à indústria argentina. Do golpe
militar de 1966, contra o presidente Arturo Illia, da UCR, à eleição de Raul Alfonsin,
também da UCR, em 1983, passando pelo regresso de Perón em 1973 e pelo novo período
militar iniciado em 1976, a Argentina conheceu diversos modelos de política industrial,
quase todos fracassados. .
O período mais prejudicial ao setor industrial do país se deu sob a ditadura
inaugurada em meados da década de 70. Além de reiterar o recorrente ciclo de instabilidade
política na história do país, a junta militar que assumiu o poder em 1976 decretou o fim do
modelo nacional-desenvolvimentista, quebrando.as bases e relações sociais, institucionais e
produtivas que haviam sustentado e em grande medida definido a economia argentina
durante quase todo o seu processo de industrialização (Nochteff, 1998). A abrupta e radical
abertura da economia pelos militares expôs a indústria à concorrência internacional dentro
de condições operacionais bastante desfavoráveis, com uma combinação explosiva entre
queda de barreiras de importação, aumento de taxas de juros e sobrevalorização do peso. O
mercado interno foi invadido por produtos estrangeiros, ao mesmo tempo em que a política
cambial inviabilizou as exportações. Os déficits comerciais sucederam-se, caíram os níveis
da produção industrial, do consumo doméstico, da renda e do emprego e o setor industrial
privado conheceu um nível de endividamento jamais visto. A indústria argentina
enveredava a partir daquele momento por um caminho de insolvência econômica e atraso
tecnológico do qual aparentemente jamais se livraria.
O longo intervalo compreendido entre a queda de Perón e a chegada ao poder de
Alfonsin foi marcado pelo acirramento da disputa ideológica no seio do empresariado. Os
segmentos que se opunham à CGE chamavam para si uma plataforma ideológica
conservadora. Pediam a diminuição do papel do Estado na economia e na sociedade e
defendiam a idéia de que as forças de mercado deveriam estar no centro do
desenvolvimento econômico, considerando o capital estrangeiro a peça fundamental do
processo. Desta forma, entre 1955 e 1983 entidades como a Ação Coordenadora das
Instituições Empresariais Livres (ACIEL) e a Assembléia Permanente de Entidades
Gremiais Empresárias (APEGE), representantes do grande capital nacional e estrangeiro,
lutaram contra o projeto peronista e defenderam governos autoritários, aos quais apoiaram
com suporte político e ideológico e o fornecimento de quadros para postos-chave na
estrutura burocrática estatal. Eram entidades multisetoriais, que englobavam não apenas a
UIA mas também as conservadoras Sociedade Rural Argentina e Câmara Argentina de
Comércio. Contrariamente à ACIEL e à APEGE, a CGE, por sua vez, defendia a
necessidade da criação de uma entidade de cúpula única voltada à elaboração de um projeto
nacional de desenvolvimento.
A CGE tinha por objetivo institucionalizar, dentro dos marcos neocorporativos do
peronismo, a participação de capital e trabalho no processo de tomadas de decisão do
6
Estado, ao passo que os membros da ACIEL e APEGE acreditavam na natureza transitória
de suas próprias entidades. De acordo com o discurso daqueles segmentos empresariais,
somente as forças de mercado poderiam ser responsáveis pela alocação ótima dos recursos,
sendo que as entidades representativas apenas distorciam aquele propósito. No entanto,
achando-se um mal necessário, viam como sua missão destruir entidades que defendiam a
politização do processo, como a CGE e os sindicatos de trabalhadores, a fim de que as
forças de mercado pudessem atuar livremente. (Acuña, 1998). Não por acaso a CGE seria
uma vez mais extinta por um governo militar, em 1976.
Os históricos conflitos no interior da comunidade empresarial, dos sindicatos
setoriais às entidades de cúpula, afetaram toda a representação dos empresários e geraram
um padrão de permanente tensão, tendo a dinâmica de resolução dos conflitos entre o
empresariado tornada dependente da solução mesma dos conflitos políticos nacionais.
Numa lógica de jogo de soma zero, tanto se podia conquistar o Ministério da Economia
como ser dissolvido pelo próximo governo de turno. (Acuña, 1995). Mas o último período
militar, entre 1976 e 1983, mudou a visão do empresariado sobre a democracia. Excluídas
das decisões tecnocráticas da política econômica, as elites econômicas do país passaram a
pesar mais detalhadamente os benefícios de seu apoio a regimes autoritários. Ainda que o
governo tenha promovido a socialização das dívidas dos maiores grupos econômicos do
país, a crescente concentração de poder nas mãos dos militares passou a ser vista como de
grande risco para os interesses do grande empresariado. Os elevados custos da instabilidade
política, conjugados com os resultados adversos da política econômica implementada pela
ditadura, fizeram com que amplos setores do empresariado passassem a apoiar, ainda no
final dos anos 70, o restabelecimento do regime democrático.
Reformas econômicas, reestruturação industrial e colapso institucional
Raul Alfonsin consumiu grande parte de seu mandato na consolidação das
instituições democráticas e no combate ao desequilíbrio macroeconômico herdado do
período militar, particularmente grave nas questões da inflação e da dívida externa. Após as
frustradas tentativas de planos de estabilização de natureza heterodoxa, acabou golpeado
pela hiperinflação, antecipando sua saída do poder e sendo sucedido, em 1989, por Carlos
Menem, então candidato eleito. Aglutinando um arco variado de apoios políticos, das
antigas fileiras do peronismo ao capital transnacional, dos grandes grupos econômicos
nacionais à classe média frustrada com a UCR, Menem promoveu um choque de ortodoxia
sobre a economia argentina, retomando e aprofundando a estratégia de inserção
internacional elaborada pelo último ciclo de governos militares. Lançou mão da queda de
barreiras à importação, de políticas monetárias restritivas e de políticas fiscais regressivas.
Desregulou inúmeros setores da atividade econômica, abriu o país aos fluxos internacionais
de bens e capital e deslocou definitivamente o eixo dinâmico da economia para o mercado,
através das privatizações de empresas estatais. Implantou ainda, por decreto, a Lei de
Convertibilidade, pela qual buscava derrotar definitivamente o processo hiperinflacionário,
atrelando a inflação argentina à norte-americana. Contou para tanto com o apoio de um
empresariado politicamente débil e ideologicamente afinado com suas medidas. Um rápido
balanço de seu governo mostra que durante os anos 90 ocorreu um processo de
concentração e centralização do capital, aumento da vulnerabilidade e da dependência ao
capital externo, hipertrofia do Poder Executivo, piora da distribuição de renda e
7
crescimento de forma assombrosa do desemprego e da exclusão social, resultando numa
crise institucional sem precedentes na história do país.
O protagonismo do Estado durante a implementação das reformas alijou do
processo decisório a maior parte da sociedade e apenas exacerbou a tendência de aumento
da competição, entre os atores sociais, pelo acesso direto às suas instâncias mais relevantes.
As privatizações, mecanismo fundamental, na ótica do governo, no combate aos
desequilíbrios macroeconômicos e na formulação de um novo modelo de crescimento,
supuseram uma crescente concentração de poder da tomada de decisões por parte do Poder
Executivo em detrimento do poder parlamentar.7 Isto se manifestou através de reiteradas
decisões tomadas por aquele, sob a forma de decretos e resoluções presidenciais, com a
conseguinte deterioração do quadro institucional. Elas implicaram também, em varias áreas
da economia, a substituição do monopólio estatal pelo privado, estabelecido,
paradoxalmente, como determinação estatal. Estes monopólios ou oligopólios, por seu
caráter, e pelas condições de controle às que foram submetidos, passaram a obter lucros
extraordinários, com baixo ou nulo risco empresarial. (Ferrer, 2003). Na maior parte dos
processos de privatização os grupos econômicos locais participaram como sócios
minoritários dos consórcios estrangeiros que arrematavam as empresas estatais. A maioria
deles, alguns anos depois, retirou-se paulatinamente dessas sociedades, mediante a venda
de suas participações a preços que lhes possibilitaram multiplicar várias vezes aquilo que
haviam investido na compra das estatais.. Pareciam mais interessados em negócios de curto
prazo do que em tomar parte de atividades que não podiam controlar Aproveitaram-se de
seus conhecimentos sobre o mercado local e atuaram como simples intermediários de
transações milionárias. (Schvarzer, 1997) Daí a intensificação da estratégia de focalização
no estabelecimento de relações diretas com as instâncias decisórias do Estado. Os grandes
grupos econômicos nacionais e suas entidades de representação não aderiram com
entusiasmo ao projeto menemista apenas por afinidades ideológicas, ou para assumir os
riscos da competição internacional os quais, ao cabo de dez anos de reformas, não puderam
suportar, mas para, por meio do estabelecimento de laços exclusivos de relacionamento
com a burocracia estatal, auferir benefícios em escala individual ou setorial. De
favorecimentos na realização de obras públicas a privilégios nos processos de privatização
de estatais, configurando a chamada “plata fácil” dos anos 90, os padrões de
relacionamento entre Estado e grande empresariado na década passada estiveram muito
distantes de qualquer concepção de um projeto coletivo para o país.
Como uma das mais drásticas conseqüências da política econômica adotada nos
anos 90 aparece a diminuição relativa do setor industrial na economia argentina. Alguns
dos elementos que caracterizaram o desempenho da indústria nos anos 90 são: diminuição
da participação relativa da indústria no nível de emprego, diminuição do número de
estabelecimentos, aumento do grau de abertura comercial (com ênfase nas importações),
aumento dos investimentos em equipamentos importados, aumento da concentração e
desnacionalização industrial, queda abrupta do coeficiente de valor agregado, declínio da
margem bruta real, abandono das políticas de desenvolvimento local de tecnologia para
produtos e processos, desverticalização da produção por conta das importações de insumos
7
Os principais setores privatizados durante o governo Menem foram telecomunicações,
eletricidade, gás, petróleo, aviação civil, bancos, estradas e ferrovias
8
e as dramáticas conseqüências do desemprego. (Kosacoff, 2001; 1999). Grande parte das
cadeias produtivas foi desarticulada, a participação do Estado na produção de bens foi
extremamente reduzida e a pequena e média indústria nacional passou por um severo
processo de ajuste às novas condições econômicas, sem jamais ter conseguido voltar a se
posicionar de maneira competitiva no novo cenário O processo de desindustrialização da
economia argentina deve-se, em grande medida, à consolidação da estrutura industrial em
torno de um reduzido conjunto de atividades que se sustentam na exploração de vantagens
comparativas naturais. Setores inteiros, como eletroeletrônicos, desapareceram, ou foram
reduzidas à mínima expressão, como bens de capital, enquanto só houve avanço nas
atividades ligadas ao processamento de bens primários como a indústria de alimentos
(Schor, 2002; Schvarzer, 1995). Durante o governo Menem, e após ele, a indústria voltou a
ter tanto peso na economia argentina como antes da implantação da política de substituição
de importações, nas primeiras décadas do século XX.
Quadro I - Participação do setor industrial no PIB Argentino
Período
%
1900-1909
15,35
1910-1919
16,54
1920-1929
18,05
1930-1939
21,06
1940-1949
24,22
1950-1959
24,80
1960-1969
28,18
1970-1979
27,23
1980-1990
23,60
1993-2000
17,19
2001
15,38
Fonte: Banco Central da República Argentina / Cepal
A análise da evolução do PIB e da produção industrial do país nas duas últimas
décadas mostra que o período mais longo de crescimento ocorreu entre 1991 e 1994, no
auge da convertibilidade. A ele seguiu-se a queda em 1995, como reflexo da crise mexicana
e a breve retomada, mais moderada, entre 1996 e 1998. A partir de então observa-se a
evolução negativa do PIB e via de regra um encolhimento ainda maior da atividade
industrial, reproduzindo um padrão observável desde pelo menos o início dos anos 80, cuja
razão se deve à participação decrescente do setor industrial na geração de riqueza no país.
Após três anos de queda do PIB, com o aumento do desemprego e da exclusão social, veio
a tona a crise de dezembro de 2001, colocando à prova a combalida institucionalidade
argentina. A instabilidade política do período, associada à débâcle do modelo adotado nos
anos 90, teve reflexos na economia, que diminuiu 10% em 2002.
Gráfico I – Argentina – Evolução do PIB e da Produção Industrial – 1981-2002 (em %)
9
Argentina - Evolução do PIB e da Produção Industrial - 1981-2002 (em %)
15,00
10,00
5,00
0,00
-5,00
-10,00
-15,00
81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02
PIB
Prod. Ind.
Fonte: Cepal
Após a fase mais aguda da crise, já no governo Duhalde e em meio à disputa surda
entre diversos segmentos do empresariado, deu-se, com o fim do regime de
convertibilidade, o alento para uma provável recuperação do setor industrial. Seus
defensores argumentavam que a desvalorização do peso estimularia tanto as exportações
como um novo processo de substituição de importações. O desmantelamento do sistema
industrial argentino, no entanto, não parece apontar para aumento de exportações de
produtos de baixo valor agregado, e sequer para uma reconstrução rápida das cadeias
produtivas a fim de substituir a entrada de insumos e produtos estrangeiros no país.
Os dias atuais: novas entidades, velhos vícios?
Dado o novo contexto econômico, as antigas divergências entre os industriais
perfilados na UIA e na CGE desapareceram, assim como também amainou-se o conflito das
associações com os sindicatos de trabalhadores, profundamente enfraquecidos durante os
anos 90. Mas as transformações pelas quais o país passou nas duas últimas décadas, tanto
em relação à redemocratização da vida política quanto no tocante às reformas econômicas
orientadas para o mercado, parecem não ter modificado, em essência, as formas de
organização e ação coletivas do empresariado..O capital nacional argentino se mantém
sendo pródigo em criar novas entidades de representação de interesses e em manter-se
dividido entre elas, e parece continuar a buscar no acesso direto e privilegiado às instâncias
decisórias do aparato estatal vantagens individuais ou setoriais, mantendo-se incapaz de
estruturar-se como ator coletivo, de estabelecer alianças com outros segmentos da
sociedade e de propor qualquer projeto mais amplo para o futuro do país. A dinâmica da
atuação política do empresariado e de seu relacionamento com o Estado, porém, pode vir a
ser alterada por ocasião da reconstrução das instituições e da tentativa de reconquista da
estabilidade econômica nestes primeiros meses do governo de Nestor Kirchner.
Em maio de 2002, a partir da fusão de duas pequenas e influentes organizações
conservadoras, o Conselho Empresarial Argentino e a Fundação Invertir, foi criada a
Associação Empresária Argentina (AEA), composta por corporações estrangeiras e
10
nacionais com o objetivo de “promover o desenvolvimento econômico e social da
Argentina desde a perspectiva do empresariado privado, com especial ênfase no
fortalecimento das instituições necessárias para aquela finalidade”. Contando como
membros, à semelhança do Conselho Mexicano de Homens de Negócios, com algumas
dezenas dos mais importantes empresários do país, o objetivo mais amplo da AEA é influir
sobre as grandes questões nacionais, desde a implementação de novos planos econômicos
até a sucessão presidencial, além de eventualmente ocupar o vazio de poder originado das
crises institucionais como a que o país viveu após a renúncia de Fernando De la Rúa. Como
objetivo mais imediato, a AEA parece constituir-se como um inédito e poderoso lobby,
formado pelos mais diversos segmentos empresariais (majoritariamente do setor industrial,
mas também dos setores comerciais, financeiros e de serviços), destinado a resolver a
questão da dívida de seus membros junto a credores internacionais, agravada após o fim do
regime de convertibilidade. Como primeiro presidente da instituição foi proclamado um
alto executivo do grupo Perez Companc, defensor confesso da criação de mecanismos de
compensação estatal aos prejuízos auferidos pelo empresariado argentino por conta da
desvalorização do peso, como a redolarização dos depósitos bancários feitos por suas
empresas no país e a elevação das tarifas dos serviços públicos como mecanismo de
compensação dos custos da mudança do regime cambial.
No primeiro semestre de 2003, em pleno período eleitoral, quando a Argentina
preparava-se para ir às urnas em primeiro turno escolher os dois principais postulantes à
Presidência da República, a União Industrial Argentina vivia o seu próprio processo
sucessório. A entidade foi às urnas pela primeira vez depois de uma década. Acabara o
pacto entre o Movimento Industrial Argentino (MIA) e o Movimento Industrial Nacional
(MIN), os dois grupos políticos que tradicionalmente se alternaram na condução da
associação a partir de um acordo para o rodízio de poder selado nos anos 80, quando
impôs-se, entre o grande empresariado do país, o consenso da necessidade de combate à
hiperinflação e da adoção das reformas neoliberais. Alberto Alvarez Gaiani, representante
da indústria alimentícia, ex-presidente da entidade durante grande parte da década de 90 e
líder empresarial intimamente ligado ao governo Menem, apresentou a lista de candidatos à
UIA por ele encabeçada sem levar em conta nomes apoiados pela Techint, o maior
conglomerado industrial do país, ligado ao setor siderúrgico. Paulo Rocca, nome maior da
Techint, formou a chapa opositora entre os afiliados do MIN e escolheu Guillermo Gotelli,
ex-executivo da Alpargatas e empresário de porte médio do segmento metalúrgico, como
candidato a presidente da entidade. Eduardo Duhalde e Carlos Menem apoiaram,
respectivamente, Gotelli e Gaiani. O velho confronto entre “aceros” e “caramelos” voltava
à tona na principal associação empresarial argentina. Enquanto a chapa de Gaiani defendia
a formação de uma diretoria de pesos pesados da indústria, conectados aos circuitos
internacionais do capital, a fim de exercer maior pressão sobre as decisões governamentais,
Gotelli tinha como plataforma fortalecer a representatividade, na associação, dos pequenos
e médios empresários, muitos dos quais vitimados pela política econômica adotada durante
os anos 90. Por trás das plataformas eleitorais e das divergências estavam as questões mais
prementes não apenas do passado próximo do país, mas de seu futuro no curto e médio
prazos, como o fim do regime de convertibilidade cambial, as alternativas para a retomada
do crescimento, a revitalização do mercado interno e a escolha entre a participação da
Argentina num bloco econômico sul-americano ou a adesão do país à Área de Livre
Comércio das Américas (ALCA). Em outros termos, uma disputa entre neoliberais e
11
desenvolvimentistas. O resultado final do pleito, realizado em 22 de abril, foi uma tranqüila
vitória da chapa de Gaiani, próxima ao MIA. Na proporção de dois votos para um, a
entidade, desgastada por sua excessiva proximidade com o Estado durante os anos Menem,
seria uma vez mais comandada pelo grupo que mais contribuiu para seu desprestígio. A
vitória de Nestor Kirchner nas eleições presidenciais esvaziou ainda mais a UIA, visto que
suas principais lideranças, quando não apoiaram Menem no pleito, estiveram com Ricardo
Lopez Murphy, ex-ministro da Economia de postura ideológica ultraliberal. A chegada de
Kirchner ao poder soaria, nos meios empresariais, como uma espécie de vingança dos
desenvolvimentistas, da Techint e de sua chapa derrotada nas eleições da UIA. A incômoda
situação em que fica a UIA após a derrota de seus candidatos preferidos é mesma da de
outras entidades empresariais fortemente ligadas ao menemismo, como a Câmara Argentina
de Comércio e a Associação de Bancos Argentinos. Tampouco teve êxito a tentativa de
criação da Mesa do Empresariado Nacional, entidade que seria formada por oito grandes
associações empresariais com o objetivo de reeditar o Grupo dos Oito dos anos 90 e
aumentar o poder de pressão sobre o novo governo.8
Ao mesmo tempo em que os grandes grupos econômicos se dividem entre a viuvez
do menemismo e as novas modalidades de pressão coletiva sobre o governo, o pequeno e
médio empresariado tenta ressurgir não apenas como ente econômico, mas também como
ator político, e parece desejar apoiar Kirchner em seu projeto de reconstrução da economia
argentina. Entre essas organizações encontram-se a Coordenadoria Interempresarial
Argentina (Coinar), que reúne pequenos e médios empresários dos setores de calçados,
vestuário, brinquedos, gráficos e agricultura, e a Intercâmaras de Argentina, fundada em
2002 também por pequenos e médios empresários dentro do espírito do “que se vayan
todos”, estendido, nesse caso específico, às lideranças das grandes associações
empresariais do país. Enquanto Kirchner tenta se equilibrar entre demandas tão distintas
que surgem entre os empresários e acena para eles, dentro dos estreitos limites do
combalido Estado argentino, com licitações para obras públicas, política cambial favorável
às exportações e medidas protecionistas no âmbito do Mercosul, ainda não há evidências de
que a criação de novas entidades de representação dos interesses empresariais não tenham
como única motivação o atendimento às necessidades mais imediatas e particulares de seus
membros.
BRASIL
O empresariado e seus padrões históricos de ação coletiva e relacionamento com o Estado
A representação dos interesses empresariais no Brasil foi caracterizada, ao longo do
século XX, pela progressiva coexistência da estrutura oficial de sindicatos divididos
regional e setorialmente e agrupados em uma estrutura piramidal, e associações setoriais
8
Refundariam o antigo agrupamento empresarial a União Industrial Argentina, Associação de
Bancos Argentinos, Bolsa de Comércio de Buenos Aires, Câmara Argentina da Construção,
Câmara Argentina de Comércio, Sociedade Rural, Confederações Rurais Argentinas e Bolsa de
Cereais, entidades reunidas durante os anos 90 no apoio à política econômica do governo Menem.
12
autônomas, com grande capacidade de adaptação às mudanças institucionais ocorridas ao
longo de diversas conjunturas políticas e econômicas. O elevado grau de especialização das
entidades empresariais e de fragmentação da estrutura de representação de interesses
inviabilizaram, historicamente, a formação de uma organização de cúpula suficientemente
abrangente e articulada para sobrepor-se às clivagens setoriais e formular uma plataforma
consensual entre os diversos segmentos do empresariado.
O associativismo empresarial brasileiro, surgido no início do século XX,
desenvolveu-se, efetivamente, sob o modelo nacional-desenvolvimentista, a partir da
centralidade do Estado como indutor do crescimento econômico e da organização política
das classes sociais. A crise e a superação do modelo colocaram em xeque, no entanto, as
formas de organização coletiva do empresariado e de sua articulação com o Estado.
Reformas econômicas e reestruturação da propriedade do capital
Durante os anos 80 não se formou, no Brasil, um consenso sobre como enfrentar o
esgotamento da política econômica inaugurada na década de 30 e estabelecer uma nova
estratégia de desenvolvimento. Em meio a democratização, coabitaram o Estado distintas
visões sobre o grau de participação do setor público na esfera econômica, o papel do capital
estrangeiro, o lugar do capital nacional, a abertura comercial e a desregulação da economia.
Nem mesmo em relação aos programas de estabilização monetária houve consenso, dada a
oscilação da burocracia estatal entre as saídas ortodoxas e heterodoxas para a crise
econômica que o país atravessava à época. (Sallum, 2000; Diniz, 1994). O auge e o declínio
da política econômica adotada durante os anos 80 prepararam, porém, as condições para a
implementação das reformas pró-mercado e a conseqüente redefinição do papel do Estado e
das relações entre ele e a sociedade. De fato, após o impeachment de Collor e o breve
governo de Itamar, formou-se finalmente a coalizão hegemônica para a implementação no
Brasil das reformas, de resultados já conhecidos. Implementadas tardiamente no Brasil,
quando comparadas a outros países latino-americanos, as reformas ocorreram num período
de tempo relativamente curto, no intervalo de menos de uma década. A crença exacerbada
nas virtudes do mercado, aliadas às escolhas de política econômica feitas pela corrente
dominante dentro do aparelho estatal provocaram uma profunda reorganização do
capitalismo brasileiro. Cadeias produtivas foram desestruturadas parcial ou integralmente a
partir da maior exposição à competição internacional. Amplos setores da atividade
econômica foram desnacionalizados. Empresas nacionais de longa trajetória e ícones da
industrialização brasileira encerraram suas atividades ou foram absorvidos por grupos mais
poderosos, tanto do país quanto e principalmente do exterior. A desarticulação da estrutura
econômica preexistente provocou sérios impactos sobre a ação coletiva do empresariado
brasileiro, com a divisão das suas entidades de representação entre o apoio ao governo e a
paralisia diante das conseqüências das medidas adotadas. Lideranças empresariais do
passado recente se retiraram tanto da atividade empresarial quanto da vida associativa.
Antigos barões da indústria brasileira saíram de cena, como José Mindlin, Abraham
Kasinski, Celso Varga, Felipe Arno, Hugo Etchenique, Cláudio Bardella, Sérgio
Prosdócimo, Paulo Villares etc. (Diniz, 2000). A reorganização da economia brasileira
atingiu inclusive o setor financeiro, onde transferiram suas instituições para controladores
estrangeiros banqueiros como Jorge Paulo Lehman (Banco Garantia), Léo Wallace
13
Cochrane (Banco Noroeste), Ezequiel Nasser (Banco Excel) e Aloísio Faria (Banco Real),
entre outros.
Ao fim e ao cabo das reformas levadas a efeito no decorrer dos anos 90, em que
pese o sucesso relativo do estancamento do processo inflacionário e do fracasso relativo no
alcance da meta de equilíbrio das contas públicas, o que se percebe é um reordenamento do
arranjo de forças entre Estado, capital nacional e capital estrangeiro, com o aumento da
participação relativa deste na estrutura econômica brasileira. O capital estrangeiro
respondia por 36% do faturamento dos 350 maiores grupos empresariais do país em 1991.
No final de 1999 essa participação chegava a 53,5%, representando 146% de crescimento A
participação das empresas estrangeiras nas exportações dos 500 maiores grupos do país
caiu de 53,2% em 1997 para 47,6% em 2000, enquanto no caso das importações o salto foi
de 63,1% para 64,9%. Em 1992 esse índice era de apenas 53,8%. A manutenção da
ortodoxia cambial entre 1995 e 1999 proporcionou às empresas de capital estrangeiro em
atividade no país a verticalização, desde seu país de origem, de toda a cadeia de
suprimentos, provocando não apenas impactos negativos na Balança Comercial como
comprometendo a indústria nacional. 9 Conseqüências negativas também se deram na
Balança de Serviços por conta do crescente volume de remessas de lucros e royalties ao
exterior. Some-se a esses fatos a concentração progressiva da propriedade dos maiores
grupos empresariais em atividade no país durante a última década. Se entre 1991 e 1996 o
país recebeu IED atraído pela privatização de empresas estatais, após 1996 os
investimentos estrangeiros foram para fusões e aquisições de empresas privadas. Empresas
nacionais públicas e privadas, de todos os setores da atividade econômica, trocaram de
mãos durante os anos 90. Entre 1994 e 2001 realizaram-se no Brasil 2440 transações, entre
privatizações, fusões e aquisições, movimentando, apenas nos leilões de privatização, R$
103 bilhões, de acordo com levantamento da consultoria KPMG.10 A progressiva
concentração da propriedade do capital tem se dado inequivocamente em direção à
primazia do capital externo. Em 2002 as empresas de capital estrangeiro, somadas às
estatais privatizadas durante os anos 90 e atualmente em sua maioria sob o controle de
investidores externos, foram responsáveis pela maior parte do faturamento dos grandes
grupos econômicos em atividade no país.
Grático 2 – As 50 Maiores Empresas em Atividade no Brasil, por origem
do capital e receita de vendas (em US$ milhões) - 2002
9
Cito trecho da entrevista de Ivoncy Ioschpe sobre como avalia a passagem de Gustavo Franco à frente do
Banco Central e sua insistência na manutenção da sobrevalorização cambial: “Ele foi um enorme
irresponsável. O Brasil está pagando a conta que ele deixou. Na lógica da estabilização, essa abertura até fazia
sentido, por um ano talvez. Mas com a estabilidade consolidada, ele deveria ter se preocupado em como pagar
esse processo. Não fez nada disso. Nós importávamos qualquer quinquilharia.” – ISTOÉ DINHEIRO –
Entrevista com Ivoncy Ioschpe – 13/03/02
10
Folha de São Paulo, 10/02/02, em reportagem publicada a partir de estudos do Grupo Indústria e
Competitividade, do Instituto de Economia da UFRJ e do Núcleo de Economia da Indústria e da Tecnologia
da Unicamp.
14
70000
60000
50000
40000
30000
20000
10000
0
Estatais
Capital Nacional
Capital Estrangeiro
Estatais
Privatizadas
Fonte: América Economia
A ação coletiva do empresariado sob a nova institucionalidade
Os anos 80 e 90 foram caracterizados pela aparição de novas modalidades de ação
coletiva do empresariado brasileiro. Após quase duas décadas de números modestos em
relação ao ritmo de surgimento de associações autônomas, ocorreu um novo boom de
criação destas entidades, tornando-se mais ampla e complexa a estrutura de representação
de interesses das classes empresariais. Como desdobramento e evolução desse processo de
fortalecimento das associações autônomas de representação surgiram entidades
multisetoriais, destinadas a coordenar o pensamento e a ação coletiva do empresariado
nacional. Nas principais cidades do país foram fundados, a partir de 1983, os institutos
liberais, cuja principal função era difundir, através de grupos de discussão e publicações, os
valores da iniciativa privada e a primazia do livre-mercado sobre a ação estatal. Em 1987
foi fundado o Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), iniciativa de
lideranças empresariais de diversos setores da economia para aumentar o grau de influência
da classe sobre o governo sem prender-se ao corporativismo das estruturas oficiais de
representação nem tampouco aos particularismos das associações setoriais. Em 1989 alguns
dos maiores empresários do país fundaram o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento
Industrial (IEDI), espécie de think thank alheio à órbita da CNI e da Fiesp e voltado à
discussão e à formulação de propostas de política industrial. São todas entidades que
irrompem no cenário da ação coletiva empresarial num momento de indefinição quanto aos
rumos do modelo de desenvolvimento brasileiro.
Com o governo FHC finalmente formou-se o consenso, entre o grupo político no
poder, o grande empresariado nacional e o capital estrangeiro em atividade no país, sobre a
necessidade de adoção das reformas. Mas no governo havia pelo menos duas visões
distintas sobre a natureza e o grau de profundidade delas. Uma, mais doutrinária e
fundamentalista, o neoliberalismo, e outra, que absorveu parte do modelo anterior, o
liberal-desenvolvimentismo (Sallum 2000). Ainda que distintas, foram, no entanto, duas
correntes que travaram, ao longo dos dois mandatos de FHC, uma disputa política e
ideológica dentro dos marcos do liberalismo. A preponderância, no núcleo duro do Estado,
da primeira corrente sobre a segunda, entretanto, teve conseqüências extremamente
relevantes para o tecido produtivo brasileiro, e, por extensão, para o capital privado
15
nacional e suas formas de organização coletiva.11 Tendo como norte mobilizador de sua
ação política e gerencial a estabilização monetária, a corrente neoliberal implementou,
especialmente durante o primeiro mandato de FHC, uma combinação de instrumentos de
política econômica profundamente deletérios à indústria brasileira, como a
sobrevalorização cambial, a manutenção de altas taxas de juros, a recuperação e o aumento
da carga tributária e o desestímulo às políticas industriais setoriais ou a qualquer projeto
mais amplo de política industrial. 12 Na concepção dessa corrente cabia ao Estado buscar a
todo custo o equilíbrio das contas públicas externas e internas e atuar como promotor,
regulador e fiscalizador da concorrência inter-empresas, dentro dos moldes e dos limites da
economia de mercado.13 Ainda de acordo com essa lógica, mesmo iniciativas neocorporativistas de concertação entre governo, empresários e trabalhadores, como as
câmaras setoriais, eram vistas como uma perturbação de ordem política nos mecanismos de
mercado.14
11
Segundo Tápia e Sarti (2002) pode-se entender por núcleo duro do Estado durante o governo FHC alguns
postos chave ocupados por representantes da corrente mais afeita à ortodoxia liberal, como o Ministério da
Fazenda, a Presidência do Banco Central e a Secretaria da Receita Federal, os quais, na luta interna travada
com a corrente adversária submeteram às prioridades da economia todas as demais formas de políticas
públicas e concentraram nesses órgãos o processo decisório.
12
Cito a seguir trechos de entrevista concedida por Alcides Tápias, ex-ministro do Desenvolvimento do
governo FHC, à revista Istoé Dinheiro. Sobre a rejeição da corrente neoliberal do governo às iniciativas de
política industrial, declara: “Dava uma celeuma muito grande. Diziam que nós estávamos escolhendo
vencedores, oferecendo vantagens e benefícios indevidos. Mas por que vencedores? Não estávamos
defendendo uma ou outra empresa, mas um setor inteiro. As regras valeriam para empresas nacionais ou
estrangeiras. Para aquelas que já estivessem aqui ou quisessem se instalar no Brasil. Era tudo horizontal e
transparente.” Em relação ao papel de FHC como árbitro do conflito entre neoliberais e liberaldesenvolvimentistas, declara: “Ele acompanhava a maioria. Como eu vi que minhas posições foram ficando
isoladas, por maior que se tenha espírito público, é muito difícil não perder o ânimo e o combustível. Por isso,
achei melhor ceder o lugar a uma outra pessoa com novas idéias. Mas eu sempre achei que é possível
conciliar a estabilidade da moeda e o equilíbrio fiscal com o desenvolvimento. Até porque o Brasil precisa de
mais crescimento não só para atacar seus problemas sociais, mas também gerar recursos para honrar suas
dívidas interna e externa.” – ISTOÉ DINHEIRO – Entrevista com Alcides Tápias – 20/12/01
13
Cito a seguir trechos de entrevista concedida por Ivoncy Ioschpe, atual presidente do Iedi, à revista Istoé
Dinheiro. Questionado sobre se os anos 90 teriam sido uma nova década perdida para o Brasil, declara: ´Pelo
aspecto de desenvolvimento industrial, sim. O governo Fernando Henrique teve coisas boas, como a
estabilização e a postura diplomática internacional, mas não se pode esquecer que a média de crescimento foi
muito baixa, perto de 1,5%. Tirando o crescimento populacional, não houve expansão da renda nem do
mercado de consumo. Não dá para dizer que foi bom. E o que é mais grave: o Brasil perdeu oportunidades no
período em que o mundo mais cresceu.” Perguntado se nutria alguma expectativa de convencer o Ministro da
Fazenda, Pedro Malan, da necessidade de adoção de algumas medidas de política industrial preconizadas pela
entidade, declara: “Não, jamais. O Malan tem outra religião, e fé é uma coisa que a gente não discute.” ISTOÉ DINHEIRO – Entrevista com Ivoncy Ioschpe – 13/03/02
14
Por absoluta falta de espaço não tratarei, neste texto, de pormenorizar a experiência das câmaras setoriais
ocorrida na primeira metade dos anos 90 no Brasil. Ressalto apenas que os acordos automotivos acertados a
partir da negociação tripartite entre governo, empresários e trabalhadores, envolvendo a indústria
automobilística e o setor de autopeças, são considerados experiências extremamente bem sucedidas. Seus
principais êxitos se deram tanto em relação ao estabelecimento de um tipo inovador de relação política das
partes envolvidas quanto em termos propriamente econômicos, expressos na manutenção das taxas de
lucratividade das empresas, na manutenção dos níveis de emprego e salários dos trabalhadores, na queda dos
preços praticados ao consumidor final e no aumento da demanda por automóveis. Para maiores informações
consultar Diniz (1993) e Arbix (1996).
16
É relativamente recente a enxurrada de críticas do empresariado nacional ao modelo
econômico adotado no país nos anos 90. Mesmo sofrendo os impactos das quedas de
barreiras comerciais, ainda sob a gestão de Itamar Franco, da sobrevalorização do real e da
elevação contínua das taxas de juros, já sob FHC, grande parte dos empresários não
faltaram com o apoio ao governo. Em meados da década, quando FHC atuava de maneira
entusiástica para aprovar no Congresso Nacional a emenda da reeleição, a posição da
grande maioria das lideranças empresariais era de apoio a seu governo e a suas realizações
no campo da economia. 15 A postura mais combativa do Iedi a partir do lançamento, em
1998, do documento “Agenda para um Projeto de Desenvolvimento Industrial” e a eleição,
no mesmo ano, de Horácio Lafer Piva para a presidência da Fiesp, vão representar
momentos de inflexão no apoio quase unânime que FHC deteve junto às elites empresariais
brasileiras. Mesmo assim, pôde contar, especialmente na primeira metade de seu segundo
mandato, com as fissuras internas do empresariado e o acirramento de suas divergências, à
medida que a nova face da economia brasileira se tornava mais nítida. 16
A questão do largo apoio do empresariado nacional ao receituário de reformas
implementado no país é relativamente recente e talvez não totalmente explorada pela
literatura. É provável que o empresariado brasileiro, visto sob a perspectiva tanto do ator
político quanto do empresário tomado individualmente, não tenha ficado imune à onda
neoliberal que varria o mundo desde fins dos anos 70 e que chegou entre nós sobretudo no
final dos 80. A crença nas virtudes do mercado (e em contrapartida, nas deficiências do
Estado) levou diversos setores da elite econômica brasileira a apostar na adoção de medidas
que lhes eram, no fim das contas, desfavoráveis, tanto enquanto classe como enquanto
empreendedores. Possivelmente os segmentos a serem prejudicados pudessem até ter
clareza do preço a ser pago, mas talvez não se imaginassem assim tão prejudicados, dada a
15
Pesquisa realizada pela Fiesp em setembro de 1996 com 191 de um total de 287 diretores da Federação e do
Ciesp mostrava que 80% desejavam que FHC tivesse direito à reeleição. Aqueles que opinaram a favor da
possibilidade de reeleição ao Presidente da República tinham como principal justificativa o fato de que
“apenas FHC poderia comprometer-se com a estabilidade alcançada com o Plano Real e realizar as reformas
necessárias ao país”. Líderes empresariais de outras entidades à época, como Eduardo Eugênio Gouvêia
Vieira, presidente da Firjan, e Guilherme Afif Domingos, na ocasião presidente da Confederação das
Associações Comerciais do Brasil, também manifestaram-se apoiando a idéia - O Estado de São Paulo –
“Reeleição de FHC tem 80% de apoio na Fiesp” – 23/09/96
16
A esse respeito é interessante observar as discussões travadas por lideranças empresariais mais ou menos
afeitas às medidas de política econômica adotadas pelo governo FHC. Sobre os reclamos feitos pelo Iedi e
pela Fiesp de adoção pelo governo de instrumentos de política industrial, declara Eduardo Eugênio Gouvêia
Vieira: “Vamos tomar cuidado com essa história. O que muitos deles querem é o fechamento da economia.
Esse é um filme que já vimos muito e que já sabemos o final. O resultado é que as ineficiências acabam sendo
repassadas para a sociedade e ela que pague a conta. O Iedi é historicamente nacionalista, que uma volta ao
passado. Gosto do Paulo Cunha e do Eugênio Staub, mas o que eles querem é isso. Não podemos voltar a ser
uma ilha, como querem essas entidades.” – ISTOÉ DINHEIRO – Entrevista com Eduardo Eugênio Gouvêia
Vieira – 10/08/01. Em resposta às declarações de seu oponente, segue Eugênio Staub: “Esse tipo de crítica é
por ignorância, preguiça (não leu as propostas e não gostou), má-fé ou puxa-saquismo. Nessa última categoria
tem um número grande nas entidades e no empresariado. Eles concordam com quem está no poder. Quem está
na oposição eles criticam. O Eduardo Eugênio (Vieira Gouvêa, presidente da Fierj), um quase xará meu, falou
sobre isso. Bem, há críticos que se encaixam em mais de uma categoria... (...) O presidente Fernando
Henrique Cardoso também nos criticou dizendo que somos a aliança do arcaico. Ele disse que o PT, o Iedi e a
Fiesp têm uma proposta comum, de levantar barreiras contra a importação e proteger certos setores. Disse que
somos a aliança do arcaico. Tenha paciência... Isso não é verdade. Essa história de que o Iedi quer o
fechamento é tolice.” – Istoé Dinheiro – Entrevista com Eugênio Staub – 31/08/01
17
crença mesma nas virtudes e nos frutos vindouros do modelo que se inaugurava.
(Kingstone, 1999). Sustento a hipótese de que três grandes motivações levaram o
empresariado nacional, ou sua fração mais destacada, a apoiar as reformas. Em primeiro
lugar, a já comentada convicção ideológica, traduzida na percepção de que as mudanças
eram necessárias..17 18 Em segundo, a certeza de que o novo modelo enterraria as aspirações
políticas e econômicas das classes trabalhadoras, numa espécie de “revanche” em relação à
derrota sofrida pelas elites empresariais na Constituinte de 1986-1988.19 E em terceiro, a
fragilidade política e econômica crônica do empresariado diante do Estado, representada
pela ausência de uma articulação ampla dos interesses empresariais envolvidos e traduzida,
muitas vezes, em pragmatismo e adesismo. 20 Uma quarta hipótese, aventada por Peter
Kingstone, diz respeito ao fato de que as reformas, e em especial a abertura da economia,
não produziram grande efeito redistributivo entre os capitalistas brasileiros, não tendo se
configurado, no país, um cenário de vencedores e perdedores. (Kingstone, 2001). De fato,
conforme vimos acima, o dado mais relevante do período em relação ao assunto foi o
aumento da participação relativa do capital estrangeiro sobre a riqueza nacional. Se as
reformas orientadas para o mercado produziram perdedores entre a classe empresarial, estes
provavelmente não tenham sido os grandes grupos econômicos, mas o empresariado de
médio e pequeno porte. (Botelho; Mendonça, 2002).
Ainda durante o ciclo das reformas pró-mercado implementadas por FHC as
associações empresariais foram colhidas por uma crise “existencial”, caracterizada pelo
esvaziamento de suas funções políticas diante da magnitude das mudanças na estrutura
produtiva do país, da qual apenas recentemente parecem estar se recuperando.
Diferentemente do que ocorreu no México, tanto a tradicional estrutura de representação de
interesses do empresariado quanto suas novas modalidades de ação coletiva não
encontraram no Estado brasileiro a mesma contrapartida obtida pelas organizações
17
Convicção que se esvai à medida que a perseguição da meta da estabilidade parece tornar-se um fim em si
mesmo. No decorrer do governo FHC o entusiasmo inicial do empresariado com as reformas vai sendo
substituído, ao longo do tempo, pela elevação do tom das críticas. Horácio Lafer Piva, em discurso de posse
na presidência da Fiesp, em 1998, fazia um duro discurso contra a priorização, pelo governo, das questões
financeiras. Repetiria três anos mais tarde, por ocasião da assunção de seu segundo mandato na entidade, que
“queremos recalibrar a relação setor público / setor privado, governo e mercado. Queremos menos mitos,
menos ilusionismo, mais sensatez.”
18
Cabe ressaltar a lembrança de Velasco Cruz, para quem a concepção de um projeto liberalizante por parte
do empresariado brasileiro tem raízes antigas, situando-se antes mesmo da crise política entre governo militar
e empresariado por conta da campanha anti-estatização, nos anos 70. (Cruz, 1995). É provável que o apoio
entusiasmado das classes empresariais à chegada do receituário neoliberal no Brasil se deva ao fato de que os
empresários imaginassem que a partir de então superariam a condição histórica de subalternidade em relação
ao Estado e se constituiriam, em parceria com o capital estrangeiro, nos protagonistas do novo modelo de
desenvolvimento.
19
Temos discutido até aqui as perdas impostas pela reconversão do modelo de desenvolvimento ao
empresariado nacional. Não é o foco deste texto, mas há de se supor que os prejuízos auferidos pelas classes
trabalhadoras e seus sindicatos tenham sido muito maiores, expressos sobretudo no aumento significativo dos
níveis de desemprego e subemprego, na crescente informalização da mão-de-obra e na diminuição da
participação dos salários na renda nacional no decorrer dos anos 90.
20
Talvez não se possa conceituar como adesismo, mas o próprio PNBE esvaziou-se enquanto projeto político
quando FHC e o PSDB foram ao poder em âmbito federal e em alguns estados em 1994, na medida em que
várias de suas lideranças passaram a ocupar cargos nos novos governos, liquidando a independência da
entidade em relação ao Estado.
18
empresariais no caso daquele país durante os governos De la Madrid e Salinas. Com Collor,
e principalmente sob o governo FHC, foram desmantelados diversos canais de interlocução
entre Estado e empresariado, reduzindo-se a participação empresarial a conselhos estatais
de pequena importância, externos às instâncias nas quais se tomavam as decisões
estratégicas responsáveis pela definição das linhas mestras da política governamental.
(Diniz, 2000). O novo desenho do Estado, originário das reformas proporcionou nos
últimos anos, contudo, um maior acesso do empresariado industrial às instâncias
regulatórias criadas para coordenar e fiscalizar o funcionamento dos mais diversos setores
da atividade econômica. Diante de um novo arcabouço institucional que redefiniu as
relações entre os poderes e redesenhou a estrutura do Estado, têm sido criadas novas formas
de articulação dos pleitos empresariais, como nos casos das entidades multisetoriais que
reúnem empresas de uma mesma cadeia produtiva ou as iniciativas de coordenação dos
diversos interesses empresariais em relação a temas específicos da agenda legislativa, como
as reformas tributária e trabalhista.21 Ao mesmo tempo, os sindicatos oficiais e as
associações independentes passam a conjugar a prática de lobbying no Congresso Nacional
à profissionalização de suas estruturas internas, ao aumento da gama de serviços oferecidos
aos associados e à intensificação de suas relações com instituições representativas de outros
segmentos da sociedade para a discussão de assuntos comuns. A expectativa a partir do
início do governo Lula é que, uma vez superada a fase de aplicação de instrumentos
ortodoxos de política econômica, seja intensificado o diálogo entre Estado, empresariado e
trabalhadores, no intuito da implementação de políticas ativas de desenvolvimento
econômico.
MÉXICO
O empresariado e seus padrões históricos de ação coletiva e relacionamento com o Estado
A representação dos interesses empresariais no México foi caracterizada, ao longo
do século XX, pela criação e o fortalecimento de uma estrutura piramidal, multifacetada em
termos regionais e setoriais mas coordenada hierarquicamente por associações de
abrangência crescente unidas por organizações de cúpula. A existência de um Estado forte,
de tipo centralizador e com efetivo controle sobre os atores sociais impôs ao empresariado a
necessidade de institucionalizar progressivamente sua atuação política, estimulando tanto
sua ação coletiva quanto a elaboração de plataformas comuns de interesses (Vide Anexo I).
De acordo com a argumentação de Schneider, o caso mexicano apresenta um círculo
virtuoso nas relações entre empresariado e Estado, no qual organizações empresariais
fortes, abrangentes, de filiação voluntária, não competitivas entre si e ordenadas por órgãos
de cúpula participariam de processos oficiais de negociação com o governo para a
implementação de reformas econômicas e políticas. (Schneider, 2002; 2000a; 2000b)
21
Refiro-me aqui a iniciativas como a criação da Agenda Legislativa da Indústria, no âmbito da CNI, da Ação
Empresarial e da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (ONIP). Somam-se a esse grupo entidades de
outras naturezas que têm surgido no país, como a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais
de Energia (ABRACE), reunindo empresas de diversos setores da economia através do vínculo de
consumidores de serviços e produtos fornecidos por empresas privatizadas que atuam sob a órbita das
agências regulatórias.
19
O associativismo empresarial no México tem seus primeiros traços ainda no século
XIX, durante o porfiriato, com a mobilização política de um pequeno e poderoso conjunto
de empresas familiares do estado Nuevo Leon (norte do país), conhecido como “Grupo
Monterrey”. A ação coletiva mais significativa do empresariado mexicano, porém, foi
impulsionada pelo governo revolucionário, com a criação da estrutura oficial de
representação de sindicatos e federações setoriais e regionais, lideradas pela Confederação
de Câmaras Industriais dos Estados Unidos Mexicanos (Concamin) e pela Confederação de
Câmaras Nacionais de Comércio (Concanaco). A aliança de poder que deu sustentação ao
novo regime não contemplava, oficialmente, a participação do empresariado. A separação
formal entre poder político e poder econômico impediu a participação empresarial no
partido hegemônico, mas não impediu que os empresários fossem interlocutores freqüentes
do Estado nos assuntos mais importantes da nação.
No final dos anos 20 inaugurou-se uma era de convivência entre a estrutura oficial e
a estrutura autônoma de representação de interesses do capital mexicano. Lideranças
empresariais ideologicamente conservadoras criaram, em 1929, a primeira entidade
autônoma de representação empresarial. A Confederação Patronal da República Mexicana
(Coparmex), fundada em Monterrey, surgiu com o claro propósito de defender os interesses
empresariais em oposição a implementação pelo Estado de políticas sociais voltadas às
massas rurais e urbanas. Outras entidades de caráter autônomo e de filiação voluntária
foram criadas nas décadas posteriores, a partir de recortes regionais, setoriais e de tamanho
da empresa. À semelhança da institucionalização, pelo Estado, de toda a sociedade
mexicana, a dinâmica de verticalização da representação dos interesses empresariais,
contudo, era presidida pela lógica da centralização política nas grandes câmaras,
contemplando a heterogeneidade do empresariado numa estrutura coordenada por uma ação
efetivamente coletiva, na qual puderam coexistir ao longo dos anos demandas e projetos
variados.22
Entre 1940, com a ascensão de Lázaro Cárdenas ao poder, e o início dos anos 70 o
México viveu o Desarrollo Estabilizador, período de apogeu do modelo nacionaldesenvolvimentista, registrando altas taxas de crescimento econômico, desenvolvimento
industrial e estabilidade política. O crescimento da economia e a formação de grandes
grupos empresariais motivaram a criação, em 1962, do Conselho Mexicano de Homens de
Negócios (CMHN), entidade sem estrutura formal congregando cerca de 40 dos maiores
empresários do país, presentes nos mais importantes setores da economia e cujo objetivo
principal era estabelecer um canal direto de acesso ao núcleo do poder estatal (Ortiz, 1998).
Com o esgotamento do modelo de substituição de importações, nos anos 70, surgiram as
primeiras grandes divergências entre empresários e Estado, motivando a criação do
Conselho Coordenador Empresarial (CCE), entidade de cúpula do empresariado mexicano
que tinha por objetivo contrapor-se à retomada do intervencionismo estatal na esfera
econômica, como tentou à época o então presidente Luís Echverría. A crise econômica de
1982 só viria a agravar a tensão entre ambos os lados. Com a declaração, pelo governo
mexicano, da moratória de sua dívida externa e a estatização do sistema financeiro,
22
A respeito do grau de proximidade política das entidades com o projeto nacional-desenvolvimentista
mexicano ver anexo 1.
20
rompeu-se definitivamente o antigo pacto político que havia presidido as relações entre
empresariado e Estado desde os anos 20.
O fim do modelo nacional-desenvolvimentista fez com que a estratégia de
contenção da sociedade civil entrasse em crise – se não no caso dos trabalhadores,
fortemente controlados pelo PRI e progressivamente enfraquecidos com a crise econômica
e as reformas subseqüentes a ela, ao menos no caso do empresariado, que passava a
enxergar-se, ele mesmo, como um ator político independente. Ainda nos primeiros meses
do governo De la Madrid iniciava-se um processo de reaproximação entre setores das elites
econômicas e políticas. Amplos setores do empresariado, notadamente os mais ligados ao
PRI e mais voltados ao mercado doméstico, optavam por reatar as ligações com o Estado,
redefinindo, porém, a estratégia para a recomposição do pacto, através da aliança com a
tecnocracia neoliberal que chegava ao poder com o novo presidente. Outros segmentos,
entretanto, historicamente mais críticos do modelo nacional-desenvolvimentista e mais
voltados ao mercado externo, passavam a pesar os custos da manutenção de um regime
político autoritário e centralizado. Embora Estado e empresariado voltassem aos poucos a
compartilhar visões semelhantes sobre o futuro do país, havia sido detonada uma nova
forma de ação coletiva entre setores do empresariado, que passavam a apostar na via
político-partidária uma possibilidade de constituir-se como alternativa de poder.23
No governo De la Madrid implementaram-se, sob a chancela do Fundo Monetário
Internacional, as primeiras reformas econômicas, voltadas não apenas a solucionar os
constrangimentos macroeconômicos mais imediatos, como a questão da dívida externa, mas
também a edificar um novo modelo de desenvolvimento. O novo presidente substituiu
progressivamente a velha burocracia do PRI, há décadas incrustada no aparelho do Estado,
por uma tecnocracia jovem e sintonizada com os ventos neoliberais que sopravam desde o
Reino Unido sob Thatcher e os EUA sob Reagan. Com ela o México deixava para trás as
práticas protecionistas e preparava-se para o modelo exportador. O grande empresariado
apoiou, em sua maioria, a reconversão da economia mexicana, e com De la Madrid iniciouse um período de convergência entre as demandas históricas dos homens de negócios e as
novas diretrizes do Estado. (Luna, Tirado e Valdés, 1987). A reaproximação, entretanto,
não foi suficiente para impedir o lançamento da candidatura presidencial, pelo PAN, de um
líder empresarial em 1988, e muito menos para afastar a possibilidade concreta de que
Cuauhtémoc Cárdenas, do PRD, quase vencesse as eleições.24 A apertada (e contestada)
vitória do candidato oficial Carlos Salinas obrigou empresários e Estado a articularem uma
providencial recomposição ainda antes da posse do novo presidente. Para tanto Salinas
23
Os estratos empresariais que optam pela via eleitoral são em geral os do norte do país,
historicamente menos submetidos à tutela estatal e mais integrados ao mercado norte-americano. Constituíamse também de grupos de jovens empresários que não haviam presenciado a fase aúrea do protecionismo
econômico.
24
Entre 1982 e 1988 ocorre o auge da participação político-partidária do empresariado, com o aumento da
militância no PAN e mesmo no PRI. Inúmeros empresários filiaram-se e concorreram a prefeituras, governos
estaduais e cargos no legislativo federal, movimento que culminou na candidatura presidencial de Clouthier
em 1988 pelo PAN, a qual simbolizava o desejo de diversos segmentos do empresariado mexicano de
apresentarem-se à sociedade como uma alternativa liberal-democrática ao PRI. A massa de empresários de
porte médio adere, em grande medida, ao projeto panista, conjugando liberalismo econômico e
conservadorismo moral numa mesma agremiação partidária.
21
aprofundou, a partir de 1989, as reformas de caráter liberalizante, com destaque para as
privatizações, a desregulação da economia e a aceleração das negociações para a adesão do
México ao Nafta.
Reformas econômicas e reorganização do capital
O governo de Salinas de Gortari foi caracterizado pela consolidação do modelo
exportador. Aceitando a premissa de que o mundo vivia um inexorável processo de
globalização, o novo presidente submeteu a economia mexicana a um choque de
competitividade, colocando o Estado ao lado dos mais aptos a sobreviver nos novos
tempos. As privatizações de empresas estatais, iniciadas no mandato de seu antecessor,
foram aprofundadas. Empresas dos setores financeiro, de telefonia, siderurgia, transporte
aéreo, mineração, comunicação etc. foram vendidas a investidores privados nacionais e
estrangeiros. Uma nova geração de empresários foi formada a partir dos processos de
transferência das empresas públicas para mãos privadas. A legislação sobre investimento
externo foi abrandada, expondo o país a novos fluxos de investimento externo e novas
oportunidades de negócios. A abertura comercial foi radicalizada, com quedas abruptas de
tarifas e barreiras. A legislação fundiária também foi modificada de modo a permitir uma
utilização mais empresarial da terra, ao mesmo tempo em que foram encorajados a
flexibilização das relações trabalhistas e o enfraquecimento das negociações coletivas. O
Banco de México ganhou maior autonomia para definir os rumos da política econômica
sem interferências do Executivo e negociou-se os termos e condições da entrada do México
no Nafta. (Tirado, 1998).
A adoção das reformas neoliberais no México não pressupôs, como em outros
países, o desmonte da antiga estrutura de representação de interesses e a redefinição das
formas de articulação entre Estado e sociedade, especialmente quando se pensa no caso do
empresariado. Ainda que o núcleo do poder estatal preferisse manter e encorajar um padrão
de relacionamento com as lideranças empresariais que transpunha qualquer oficialidade nas
ligações entre Estado e elites econômicas, as principais associações empresariais
envolviam-se em uma renhida disputa para definir quem lideraria o grande empresariado
nas negociações com o governo. Se no processo de privatizações foram favorecidos alguns
grupos econômicos que mantinham excessiva proximidade com o referido núcleo de poder,
relações menos nebulosas entre empresariado e Estado se deram nas tratativas para a
integração do país ao Nafta. Por iniciativa do CCE foi criada, no início dos anos 90, a bem
sucedida Coordenadoria de Organismos Empresariais de Comercio Exterior (COECE), com
o objetivo de representar os interesses dos diversos segmentos empresariais do país nas
negociações para a adesão ao tratado.
A passagem do regime de substituição de importações para o regime exportador
deslocou o eixo da economia do setor interno para o setor externo. Após a integração ao
Nafta a economia mexicana teve grande parte de suas cadeias produtivas desmanteladas, ao
mesmo tempo em que algumas grandes empresas nacionais passaram a aventurar-se no
mercado externo, a fim de se manterem competitivas dentro do próprio mercado doméstico,
crescentemente internacionalizado. A adoção das políticas pró-mercado ensejou o
fortalecimento de alguns grandes grupos empresariais, com atuação em diversos setores da
22
economia, progressivamente internacionalizados por conta de alianças estratégicas com
empresas de capital estrangeiro. (Teichman, 1995).
Com a integração ao espaço econômico norte-americano o México tornou-se, em
larga medida, uma plataforma de exportação de produtos industrializados para os EUA.
Poucos anos após a entrada no Nafta a pauta de exportações do país deixou de estar
concentrada em produtos agrícolas e petróleo, como ocorria nos anos 70 e 80, e passou a ter
nas manufaturas a sua quase totalidade. Em uma década e meia o país quase dobrou sua
participação no comércio mundial, passando de 1,26% em 1980 para 2,09% em 1995. As
exportações, que cresceram, em dólares, 39,6% entre 1980 e 1985, e 23,8% entre 1985 e
1990, quase triplicaram entre 1990 e 1995, ano seguinte a entrada em vigor do acordo, e
experimentaram um aumento de 47,7% ate 1998. (Alba, 2001). O México é na atualidade
responsável por 2/3 de todo o volume exportado pelos maiores grupos empresariais em
atividade na América Latina.
Quadro 2 – As 100 maiores empresas exportadoras da América Latina 2002
País
Número de
empresas
México
63
Venezuela
2
Brasil
17
Chile
5
Colômbia
5
Argentina
4
Peru
3
Equador
1
Total
100
Fonte: América Economia
Volume exportado
(em US$ milhões)
137790,10
43281,00
15862,30
4675,70
3797,60
2546,60
1810,10
1202,30
210965,70
%
do total
65,31%
20,52%
7,52%
2,22%
1,80%
1,21%
0,86%
0,57%
100,00%
A entrada do país no bloco comercial norte-americano, a um só tempo representou
um enorme incremento no volume de seu comércio exterior e estreitou, por este mesmo
motivo, os laços comerciais com os EUA. A estratégia provavelmente condicionou o
destino do México nas próximas décadas ao desempenho da economia norte-americana,
tendo em vista que as exportações mexicanas têm progressivamente sido direcionadas na
sua quase totalidade para o vizinho do Norte.
Quadro 3 – Destino geográfico das exportações do México – 1980-1998
1980
1985
1990
EUA
62,50
60,90
68,80
Canadá
1,10
1,80
1,70
Europa
14,00
19,20
14,30
América Latina
5,50
4,60
4,90
Ásia
4,20
11,20
6,90
Outros
12,70
2,30
3,50
23
1995
83,30
2,50
5,00
4,90
2,60
1,70
1998
87,80
1,30
3,70
4,00
1,90
1,30
Total
100,00
100,00
100,10
100,00
100,00
Volume (US $ milhões)
15512
21664
26838
79542
117500
Fonte: Sumario Estadistico de Comercio Exterior / Instituto Nacional de Estadistica,
Geografia y Informatica – SHCP – Banco de México
Enquanto nos anos 70 as maiores empresas do país estavam sob controle do Estado
ou pertenciam ao grande capital nacional, na atualidade entre os maiores grupos
econômicos em atividade no país estão o conglomerado estatal do petróleo (Pemex), a
empresa de telefonia privatizada durante o governo Salinas (Telmex), a multinacional
mexicana do cimento (Cemex) e um punhado de corporações norte-americanas e asiáticas
dos setores automotivo, de autopeças, eletroeletrônico e informática, que vem instalando
plantas em território mexicano desde o início dos anos 80 e têm parcela majoritária de seu
faturamento obtida com as exportações.25
Quadro 4 – 20 Maiores Grupos Exportadores do México - 2002
Empresa
Setor de
Atividade
Petróleos Mexicanos
Petróleo / Gás
Pemex Explotación y Producción Petróleo / Gás
General Motors Mexico
Automotivo
Daimler Chrysler México
Automotivo
Delphi Corporation
Autopeças
Volkswagen México
Automotivo
Cemex
Cimento
Samsung México
Eletroeletrônicos
US Commercial
Varejo
Delphi Paccard Electric Systems
Autopeças
Sony de México
Eletroeletrônicos
IBM México
Informática
Hewllet Packard México
Informática
Lear Holding
Autopeças
Nissan México
Automotivo
Ford México
Automotivo
Grupo Alfa
Holding
General Electric
Eletroeletrônicos
Visteon
Autopeças
America Movil
Telecomunicaçõe
25
Propriedade Exportações % no total
do capital (US$ milhões) de vendas
Estatal
14408,30
28,70
Estatal
13109,00
46,00
Estrangeira
9095,30
79,50
Estrangeira
6744,70
78,10
Estrangeira
6006,00
80,00
Estrangeira
4274,00
62,80
Nacional
4060,00
62,10
Estrangeira
3950,00
87,80
Estrangeira
3859,30
100,00
Estrangeira
3414,40
80,00
Estrangeira
3033,00
65,20
Estrangeira
2998,00
75,10
Estrangeira
2456,00
59,80
Estrangeira
2444,90
63,20
Estrangeira
2061,50
41,30
Estrangeira
1995,30
44,90
Nacional
1841,00
35,60
Estrangeira
1838,60
48,00
Estrangeira
1804,00
80,00
Nacional
1711,30
30,70
Exceção feita ao setor automotivo, em sua maioria essas plantas estrangeiras instaladas em território
mexicano atuam sob o modelo das maquilas, reduzindo-se às etapas finais do processo produtivo, como a
montagem de componentes desenvolvidos e produzidos em outras regiões do mundo. Restrita, originalmente,
às regiões fronteiriças do norte do país, as maquiladoras difundiram-se, nos últimos anos, por todo o México,
instalando-se inclusive no sul desindustrializado. Atualmente, porém, o país vive um processo de progressivo
esvaziamento dessa indústria, por ocasião da transferência de suas plantas para a Ásia, onde os custos de
produção são ainda menores que no México.
24
s
Fonte: América Economia
A implementação das reformas econômicas e a conversão para o modelo exportador
tiveram impactos também sobre a estrutura da propriedade do capital no México. Na
primeira metade dos anos 90, por ocasião dos processos de privatização, o país tornou-se o
maior receptor de Investimento Externo Direto da América Latina. Entre 1990 e 1993 o
IED alcançou 3% do PIB, enquanto havia se mantido em apenas 1% durante os anos 80.
Num segundo momento o dinheiro estrangeiro aportou no país devido à onda de fusões e
aquisições de empresas dos mais diversos setores da economia, dando ensejo à
reorganização do tecido produtivo mexicano. A iniciativa do governo Salinas de alterar
substancialmente a legislação de investimentos estrangeiros permitiu o aporte de capital
externo em segmentos antes restritos ao Estado e ao capital nacional, como industria
química, telecomunicações, ferrovias, bancos e siderurgia.
Com a maior desregulamentação da legislação sobre investimento estrangeiro
algumas das mais tradicionais empresas privadas mexicanas passaram ao controle, total ou
parcial, do capital externo. De fato, a estrutura da propriedade do capital no México é hoje
predominantemente estatal ou estrangeira. Entre os 50 maiores grupos econômicos em
atividade no país em 2002, sete eram de controle majoritário do governo federal, vinte e
quatro eram empresas estrangeiras e dezenove eram empresas de capital majoritariamente
nacional. Naquele ano as empresas estatais foram responsáveis por um volume de vendas
de US$ 147.373,80 milhões em 2002, enquanto as corporações estrangeiras tiveram um
volume de US$ 109.157,00 milhões e as companhias de capital majoritariamente nacional
responderam por um volume de US$ 89.875,10 milhões, correspondendo, respectivamente,
a 42,54%, 31,51’% e 25,85% do faturamento total. Considerando que as empresas de
capital majoritariamente nacional adotaram, como estratégia de sobrevivência após a
abertura da economia mexicana, a política de alianças estratégicas com sócios estrangeiros
em variados graus de participação na propriedade de seu capital, e lembrando que a forte
participação do setor público no faturamento total dos 50 maiores grupos econômicos do
país se deve ao monopólio estatal do petróleo, conclui-se que hoje os setores mais
dinâmicos da economia mexicana encontram-se sobre controle de capitais externos.26
Constituem-se nos segmentos mais competitivos da indústrias do país e não pautam sua
produção para o mercado doméstico (Valdés Ugalde, 2002). A partir de um cenário de
progressiva internacionalização da economia, democratização da vida política e diminuição
da capacidade de atuação do Estado que a ação coletiva empresarial começa a ganhar novos
contornos.
Vicente Fox: os empresários no poder?
26
Como exemplo pode-se citar a Teléfonos de México, a maior empresa privatizada na história do
país. O mitológico empresário Carlos Slim, líder do consórcio que arrematou a companhia, controla
apenas 24% de seu capital. A empresa, que teve um volume total de vendas em 2002 de US $
10,9 bilhões, possui diversos controladores, como fundos de investimento norte-americanos e
concorrentes europeus como a France Telecom.
25
A vitória de Vicente Fox, do PAN, nas últimas eleições presidenciais constitui-se
não apenas como um fato inédito na história política mexicana, mas como uma saída à
direita para o esgotamento do modelo político de partido dominante que vigorou no país
por mais de setenta anos. Apoiado por alguns dos mais importantes grupos empresariais
nacionais, e beneficiado pela crescente rejeição social ao PRI, Fox chegou ao poder
simbolizando as esperanças de mudança de milhões de indivíduos (Chand, 2001). Alinhado
com o governo norte-americano pelo conservadorismo de seu partido e por suas relações
próximas com George W. Bush, Fox prometia obter concessões econômicas e políticas
junto ao vizinho do Norte. Seu pragmatismo de homem de negócios parecia a primeira vista
uma útil ferramenta, aos olhos de muitos segmentos da sociedade mexicana, para a
formação de consensos visando o combate às grandes mazelas nacionais. Fox quebrou
inclusive um dos mais antigos tabus da política mexicana, através da participação direta de
executivos de empresas privadas e lideranças empresariais em postos-chave no governo.27
Apesar de todas as novidades que sua figura pudessem representar na vida política do país,
três anos após sua posse, no entanto, o atual presidente conta com a frustração de amplos
setores do país, tendo seu governo associado à imagem de imobilismo e inexperiência
política. Somado a isso, está a frente de um governo incapaz de fazer frente à recessão
econômica, dado o elevado grau de dependência do país às oscilações da economia norteamericana.
As reformas fiscal, trabalhista e energética relativas, respectivamente, às questões
da tributação, dos salários e do funcionamento e da propriedade dos setores elétrico e
petroquímico, ainda majoritariamente em mãos estatais e de fundamental interesse do
empresariado, não avançam no Congresso Nacional. Sem maioria no parlamento, Fox
também não conseguiu implementar a reforma do Estado, voltada a reorganizar a
burocracia estatal, ainda dominada nacionalmente pelo PRI, e a criar novas estruturas
institucionais garantidoras da governabilidade e da consolidação da democracia.
Prejudicado pelas derrotas que a oposição lhe impõe no Congresso, pelas divergências com
seu próprio partido, pelas denúncias de contribuições ilegais a sua candidatura e pela queda
da atividade econômica, do nível de renda e de emprego, Fox foi derrotado nas recentes
eleições legislativas, onde seu partido obteve apenas 12% dos votos, e provavelmente
enfrentará dificuldades ainda maiores para aprovar suas metas quando a nova legislatura
assumir suas cadeiras na Câmara de Deputados.
Quadro 5 - México – Composição da Câmara dos Deputados
Partido
Atual legislatura
Próxima legislatura
27
Há muitos empresários no primeiro escalão do governo Fox, como o Ministro da Fazenda, executivo de
carreira do Grupo Imsa, do setor siderúrgico e ex-vice presidente da Concanaco; o Secretário de Finanças,
oriundo dos grupos Femsa (bebidas) e Somex (maquinaria); o Ministro da Energia, executivo de carreira da
Union Carbide e do Grupo Vitro (vidro); o Ministro do Trabalho e Previdência Social, ex-presidente da
Coparmex; o Ministro da Agricultura, empresário do setor de agribusiness; o Secretário de Governo,
executivo de carreira dos principais escritórios de advocacia do país; o Coordenador Geral de Opinião Pública
e Imagem, ex-diretor de marketing da Procter & Gamble e do Grupo Televisa; o Diretor Geral da Nacional
Financeira, ex-Diretor Corporativo do Grupo Visa; o Diretor Geral da Pemex, ex-presidente da DuPont
México. A estatal Pemex conta com um Conselho de Administração composto por doze membros, seis
nomeados pelo governo e seis pela iniciativa privada. Entre os nomeados pelo atual governo estão os
presidentes dos grupos Pulsar (alimentos), Cemex (cimento) e Telmex (telecomunicações).
26
PRI
221
PAN
207
PRD
50
Outros
22
Fonte: Instituto Federal Eleitoral
223
154
96
27
Desde a segunda metade dos anos 90 a tradicional estrutura de representação dos
interesses empresariais vem sendo impelida a adaptar-se a um novo cenário político e
econômico, marcado pelo avanço da democracia, pela diminuição do raio de ação do
Estado e pela reorganização do tecido produtivo. A transformação do ambiente em que
atuam as empresas tem ensejado o surgimento concomitante de novas tendências
clientelistas e pluralistas. De um lado, estão segmentos que tentam aumentar seu nível de
influência sobre as políticas públicas assumindo o comando de instâncias diversas do
aparato estatal. De certo modo, a contraparte do processo de intensa internacionalização da
economia mexicana em relação à ação coletiva do empresariado nacional tem se revelado
no recente esvaziamento da legitimidade de suas entidades representativas. 28 As próprias
entidades patronais reconhecem a perda de poder político e toleram aqueles que, embora
tenham interesse no resultado coletivo de sua ação, resistem em cooperar, preferindo adotar
outros mecanismos de interlocução com o Estado, num fenômeno típico dos obstáculos à
ação coletiva.(Olson, 1999). De outro lado,.há setores do empresariado que passam a
valorizar o Legislativo como uma instância fundamental para o pleito de seus interesses.29
Os novos mecanismos de ação coletiva são confrontados com o impasse institucional na
relação entre os poderes Executivo e Legislativo, e tem ainda de enfrentar a perda de
legitimidade junto ao pequeno e médio empresariado e aos setores voltados ao mercado
doméstico, fortemente atingidos não apenas pela abertura da economia como pelo aumento
da pobreza, do desemprego e pela retração do consumo interno.30 Perante tantos desafios e
a frustração em relação ao desempenho de Fox a frente do governo, as organizações têm
buscado intensificar suas ações de lobbying no Congresso Nacional, a partir da constatação
de que se está diante de um Executivo menos forte que o habitual, cuja sucessão passa a ser
absolutamente imprevisível num ambiente democrático. As novas formas de atuação
coletiva do empresariado no México, no entanto, são ainda muito recentes, e a adaptação de
28
A crise de legitimidade das principais entidades empresariais de representação de interesses se
deve, em grande medida, à super-representação dos grandes grupos empresariais, presentes nos
cargos de direção da quase totalidade das associações.
29
Cito trecho de entrevista de Gabriel Aguirre, diretor da Coordenação para Assuntos Legislativos da
Coparmex: “Em julho de 2003 se criou a área de assuntos legislativos na Coparmex, já que há algum tempo
percebemos que as principais decisões do país têm passado pelo Congresso Nacional. Em verdade as
organizações empresariais não tinham claro, até há pouco, qual a função do lobby legislativo e qual o seu
nível de influência sobre as grandes decisões. Para o empresariado era difícil ter uma relação com o
Congresso porque estávamos acostumados a uma forma de relação muito direta com o Governo Federal. Se
tínhamos um problema fazendário, íamos conversar diretamente com o Ministro da Fazenda. Atualmente
estamos desenvolvendo grupos temáticos de trabalho, que tratam de fazer lobby, de influir, a partir de
propostas tecnicamente sustentadas e politicamente viáveis.” – El Independiente, 30/07/2003..
30
Muito recentemente as grandes associações empresariais mexicanas passaram a oferecer um conjunto de
serviços a seus associados, a fim de garantir a manutenção e o aumento de seus quadros e melhorar a
percepção deles sobre a qualidade da função representativa por elas desempenhada. Passam, além disso, por
um processo de profissionalização, com a contratação de pessoal especializado e a adoção de parâmetros
modernos de gestão.
27
suas entidades de representação aos novos arranjos institucionais que aos poucos vão sendo
construídos provavelmente será lenta.31 32
Em meio à crise do governo Fox, à recessão econômica, ao desgaste das
organizações empresariais e ao desalento generalizado da sociedade mexicana com as
reformas políticas e econômicas levadas a cabo nas últimas décadas, Carlos Slim, o maior
empresário latino-americano, parece desencantado com o atual presidente, a quem apoiou
na última eleição, e também descrente na eficiência do lobby legislativo. A um só tempo
aproxima-se de outros mega-empresários latino-americanos e estabelece uma relação
política direta com Andrés Lopez Obrador, governador do Distrito Federal filiado ao PRD.
Cotado para ser ele próprio o próximo presidente da república, Slim prefere o papel de
grande eleitor, e faz de Obrador um forte candidato para as eleições de 2006, apostando
talvez no PRD como última alternativa institucional para a superação das recorrentes crises
mexicanas através da fundação de um novo modelo de desenvolvimento, de caráter social e
orientado para o mercado doméstico.
Conclusões
No presente texto buscamos identificar e analisar as novas formas de organização e
atuação do grande empresariado industrial latino-americano nos últimos anos, já sob os
impactos das reformas econômicas orientadas ao mercado e da consolidação das
instituições democráticas, tomando como objeto de reflexão os casos da Argentina, Brasil e
México. Sustentamos a hipótese de que as mudanças na economia, com a abertura
comercial, a reorganização da propriedade do capital e o deslocamento do eixo dinâmico da
geração de valor para as forças de mercado diminuíram, de maneira significativa, a margem
31
Cito a seguir trechos da entrevista de Juan Manuel Baltrán, diretor de análise política da Coparmex: “O
empresariado têm diversificado suas estratégias para influir na tomada de decisões do governo. As grandes
empresas continuam a financiar candidatos aos poderes legislativo e executivo, nos mais diversos níveis, e os
empresários em geral estão convencidos da necessidade de aumentar a prática dos lobbies, desde as
prefeituras até o Congresso Nacional. Mas não existem regras definidas para a atuação nesse processo de
transição e alternância política que estamos vivendo. Antes era fácil almoçar com um funcionário do Estado e
resolver um problema, agora é mais difícil, mais complexo (...) Um processo de maior democracia exige
maior participação social, estávamos acostumados a que viessem a nós, nos chamassem. Tem sido trabalhoso
adotar novas posturas, desenvolver novas regras, criar novos instrumentos, ocupar novos espaços. As
organizações empresariais estão em processo de redefinição, talvez em alguns anos surjam novas entidades, e
as que existem provavelmente terão mudado sua forma de ser, é algo que está se dando. Estamos trabalhando
com um pacote de regras antigas, que já não funcionam, e logo nos deparamos com uma zona de vazios aonde
não temos como trabalhar e como resolver os desafios que se apresentam. E isso tem provocado dificuldade
no relacionamento com o governo Fox, porque do lado do governo lhes tem custado muito trabalho clarificar
as regras para estabelecer novas relações com a sociedade civil.“– El Independiente, 06/08/2003.
32
Cito trecho do discurso de Yeidckol Polevnsky, presidente da Canacintra, despedindo-se dos deputados da
legislatura que se encerra em 2003: “Estamos indubitavelmente ante um divisor de águas na vida democrática,
política e social do México, e sentimos que vale a pena perguntarmos qual segue sendo nosso objetivo central
e prioritário. Com uma visão autocrítica, asseguraria que nosso objetivo prioritário é unir nossos pontos de
vista e nossas forças para construir, junto com os Poderes Legislativo e Executivo, os acordos que
necessitamos os industriais, os empresários, os trabalhadores e em geral, todos os mexicanos, para fazer valer
todos o potencial que temos como país. Os novos tempos não requerem dos grupos que busquem unicamente
gerar benefícios a setores privilegiados, mas que tenham uma visão de desenvolvimento integral para o
México ” – Cidade do México, agosto de 2003.
28
de atuação do Estado na formulação de políticas públicas em geral e da política econômica
em particular. Ao mesmo tempo, o avanço da democracia nos contextos brasileiro e
mexicano, provocou um rearranjo institucional no qual há uma nova relação de poder entre
Executivo e Legislativo, a qual ainda não pode ser avaliada no caso argentino por conta da
gravidade da crise institucional derivada da falência do modelo econômico adotado nos
anos 90. As transformações na atuação empresarial também aproximam os casos brasileiro
e mexicano, na medida em que nos dois países, embora em ritmos e intensidades diversos,
observa-se um processo crescente de profissionalização da gestão das associações
empresariais e a criação de novas modalidades de atuação, direcionadas a diferentes
instâncias do aparato estatal.
Apesar da diminuição, em maior ou menor grau, da margem de manobra do Estado
em relação ao desenvolvimento econômico, ele continua a exercer, por sua iniciativa ou
mesmo por sua ausência, o papel de indutor das formas de organização e ação coletiva do
empresariado enquanto ator coletivo. O caso brasileiro nos mostra que é pela iniciativa do
Estado, através da transformação institucional operada desde as reformas, que se enseja a
criação de novas modalidades de organização e ação coletiva por parte dos segmentos
empresariais, os quais se adaptam com relativa rapidez e criatividade ao novo cenário.
Diante de uma institucionalidade mais complexa e de um ambiente econômico mais
competitivo, a criação de novas entidades pauta-se por demandas em relação a temas
específicos e pelo estabelecimento de canais de articulação direcionados a instâncias
determinadas do aparato estatal, contribuindo para a maior fragmentação da representação
coletiva do empresariado e para as a reiteração das dificuldades no estabelecimento de
projetos coletivos.
No caso mexicano, as evidências até agora captadas pressupõem que, devido ao
avanço da democracia e devido à inação do Estado, e especialmente do Poder Executivo,
têm se conformado os novos padrões de ação política das classes empresariais. Não se pode
imaginar em relação ao grande empresariado daquele país, transformações rápidas nas
modalidades de organização da representação coletiva, ainda que o associativismo
empresarial viva uma crise de legitimidade interna. Por sua complexidade e abrangência, a
estrutura associativa mexicana não tem passado por modificações significativas. O que está
mudando são os padrões de ação empresarial enquanto ator coletivo, que apontam para
duas tendências opostas e contraditórias, representadas pela priorização da atuação junto ao
Poder Legislativo e pela intensificação da pressão sobre as instâncias decisórias do
Executivo, através da participação direta nas mesmas. Embora muito mais sólida que a
estrutura corporativa brasileira, a organização dos interesses empresariais no México
apenas muito recentemente tem adquirido alguma flexibilidade para lidar com os novos
arranjos institucionais que têm se configurado no país. A crise relativa enfrentada pelas
principais associações empresariais do país provavelmente será superada pela sua
capacidade de adaptação ao novo ambiente institucional, levando em conta os interesses
das classes empresariais em termos globais.
A análise do caso argentino, por sua vez, dada a especificidade de seu momento
histórico, enseja mais a formulação de novas indagações que de hipóteses explicativas. Por
um lado mantêm-se a tendência de surgimento de novas organizações de representação de
interesses do empresariado. Por outro, diante de instituições enfraquecidas pela crise
29
econômica e política, observa-se a reiteração da atitude das classes empresariais de buscar,
através de sua capacidade de pressão sobre o Estado, a superação de suas dificuldades
particulares. Dado, porém, o enfraquecimento dos próprios empresários não apenas como
atores políticos, mas principalmente como entes econômicos, há uma oportunidade de que a
ação coletiva do empresariado se torne, efetivamente, coletiva, sintonizada com a
necessidade da reconstrução das instituições e com os anseios dos demais segmentos da
sociedade. Tendo em vista o drama argentino, talvez a indagação mais instigante sobre o
país refira-se à opção histórica que se apresenta aos grandes empresários argentinos entre
apoiar um governo progressista na tentativa de reconstrução do país ou optar, uma vez
mais, pela maximização de benefícios particulares às expensas do restante da nação.
A comparação entre os três casos, em que pese a complexidade e a particularidade
de cada um deles, permite concluir que as novas modalidades de organização e atuação do
empresariado nacional são, em grande medida, respostas à ação do Estado. Numa época em
que o eixo dinâmico da economia é deslocado para o mercado, e em grande medida as
prioridades em relação às políticas são pautadas pela lógica do capital internacional, o
empresariado doméstico aparece como um ator de importância relativa no ambiente
econômico e no cenário político, tendo nas iniciativas do Estado as referências para sua
atuação. Assim como nos anos 90, quando pela iniciativa do Estado o empresariado
nacional, especialmente o de grande porte, pôde participar dos processos de tomadas de
decisões, reagir a eles ou simplesmente tentar tirar proveito deles, nos dias atuais
permanece o Estado jogando papel fundamental na sua relação com os atores sociais em
geral e com os empresários nacionais em particular. A qualidade da resposta que estes
darão à iniciativa dos governos dependerá de sua capacidade de adaptação às novas
condições políticas e econômicas de cada contexto.
30
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32
Periódicos
CLARÍN – Kirchner pedió en la Bolsa más inversión y menos especulación – 11/07/2003
CLARÍN – La UIA pedió que el dólar no baje de três pesos – 05/06/2003
CLARÍN – En medio a la crisis, crean una poderosa agrupación empresária – 29/05/2002
CLARÍN – Según la UIA, se necesita de una burguesia nacional – 26/05/2003
CLARÍN – Se unen 8 cámaras de la produción, el comércio y la banca – 07/05/2003
CLARÍN – Alvarez gañó en la UIA – 23/04/2003
CLARÍN – Los industriales van hoy a las urnas – 22/04/2003
CLARÍN – Disputa por el manejo de la UIA – 18/03/2003
EL INDEPENDIENTE – Entrevista com Gabriel Aguirre – 30/07/2003
EL INDEPENDIENTE – Entrevista com Juan Beltran – 06/08/2003
FOLHA DE SÃO PAULO – Gerdau teme aumento de impostos – 25/06/2003
FOLHA DE SÃO PAULO Gerdau elogia reforma, mas afirma que faltam pontos importantes –
21/04/2003
FOLHA DE SÃO PAULO - Empresário já não teme PT, mas apóia FHC - 22/10/2001
FORBES – “Slim Fest: Latin America´s Billionaires Talk Things Over” – 06/09/2003
FORBES – “Secret Meeting of Latin American Billionaires” – 23/05/2003
ISTOÉ DINHEIRO – Entrevista com Ivoncy Ioschpe – 13/03/2002
ISTOÉ DINHEIRO – Entrevista com Alcides Tápias – 20/12/2001
ISTOÉ DINHEIRO – Entrevista com Horácio Lafer Piva – 26/10/2001
ISTOÉ DINHEIRO – Entrevista com Eugênio Staub – 31/08/2001
ISTOÉ DINHEIRO – Entrevista com Eduardo Eugênio Gouvêia Vieira – 10/08/2001
LA JORNADA “Respalda el Consejo Mexicano de Hombres de Negócios las críticas de
Garza Medina al gobierno foxista” – 05/06/2003
LA JORNADA – “La participación de empresários en la política agudizará la corrupción” 22/04/2003
LA NACIÓN – La UIA se queda de no tener diálogo – 13/07/2003
LA NACIÓN – Se apresta a resurgir el Grupo de los Ocho – 03/05/2003
LA NACIÓN – Que quiere AEA del país – 12/04/2003
PAGINA 12 – Golpe al mentón al titular de la UIA – 06/06/2003
PAGINA 12 – Alvarez Gaiani, en otra sintonia – 05/06/2003
PAGINA 12 – Precaución y buenas ondas: primeras reacciones del establishment al gobierno
– 26/05/2003
PAGINA 12 – Ahora, barajar y dar de nuevo: se vienen reacomodamientos en el mundo
empresarial – 29/04/2003
PAGINA 12 – Precaución y buenas ondas: primeras reaciones del establishment al gobierno
– 26/04/2003
PAGINA 12 – No se fueron, pero vuelven – 23/04/2003
PAGINA 12 – “Ellos tienen una visión anticuada, no les preocupa generar riquezas” –
16/04/2003
PAGINA 12 – Libreto conocido y gastado: las grandes empresas proponen la agenda
económica – 03/04/2003
PAGINA 12 – La UIA, sin unidad, a las urnas – 22/03/2003
PAGINA 12 – Rebelión en la granja – 21/03/2003
PAGINA 12 – Un lobby empresário para los tiempos que corren – 28/05/2002
33
QUEHACER POLÍTICO – “Más influyente que los presidentes de la República: Slim, de
Telmex a Los Pinos” – 03/06/2003
Sites
Associação Empresária Argentina – http://www.aeanet.net
Confederação Nacional da Indústria – http://www.cni.org.br
Confederação Patronal da República Mexicana – http://www.coparmex.org.br
Conselho Coordenador Empresarial – http://www.cce.org.mx
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – http://www.fiesp.com.br
Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial – http://www.iedi.org.br
União Industrial Argentina – http://www.uia.org.ar
34
ANEXO I
Apoio
incondicional
CNPP
CNPC
Apoio
moderado
Canacintra
Posição
intermediária
Canaco Mex
CNG
AMIS
CMHN
Oposição
moderada
Concamin
CCE
Camco
Oposição
aberta
Coparmex
Concanaco
Fonte: Luna, Tirado e Valdés, 1987
CNPP – Confederação Nacional da Pequena Propriedade
CNPC – Confederação Nacional de Câmaras de Pequeno Comércio
Canacintra – Câmara Nacional da Indústria de Transformação
Canaco Mex – Câmara Nacional de Comércio da Cidade do México
CNG – Confederação Nacional Pecuária
AMIS – Associação Mexicana de Instituições de Seguro
CMHN – Conselho Mexicano de Homens de Negócios
Concamin – Confederação de Câmaras Industriais dos Estados Unidos Mexicanos
CCE – Conselho Coordenador Empresarial
Camco – Câmara Americana de Comércio
Coparmex – Confederação Patronal da República Mexicana
Concanaco – Confederação Nacional de Câmaras de Comércio
35
ANEXO II
Estado
Estrutura de
representação
Formas de ação
coletiva
Argentina
Enfraquecido pela
crise institucional e
econômica dos
últimos anos
Permanência da
tendência de criação
de novas entidades, a
partir de demandas
conjunturais e
pontuais; disputa de
hegemonia entre
UIA e AEA
Permanência do
padrão anterior de
acesso direto ao
núcleo do Executivo
Brasil
México
Redesenhado, ainda Momento de inação,
com raio de ação
estrutura burocrática
significativo, embora encabeçada por um
menor que no modelo partido político mas
anterior
controlada por outro;
diminuição da
capacidade de
intervenção por conta
da dependência ao
Nafta
Tornada mais
Permanência da
complexa e
estrutura atual, que
fragmentada, com
enfrenta crise de
novas modalidades legitimidade e busca
de organização;
adaptar suas formas
ausência de entidade
de atuação à nova
de cúpula
conjuntura política
do país
Valorização do lobby
Duas tendências
no Legislativo e
opostas: valorização
canalização das
do lobby no
demandas para
Legislativo e
instâncias específicas participação direta
do Executivo
em postos-chave no
Executivo
36
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