A origem latina dos advérbios em

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A origem latina dos advérbios em -mente: um processo de gramaticalização
Júlia Langer de CAMPOS64
RESUMO: O presente artigo propõe uma análise da construção adjetivo + mente (ex: profunda mente) em textos
da língua latina a fim de buscar a origem do sufixo -mente, formador de advérbios na maioria das línguas
românicas, e demonstrar a trajetória de mudança do substantivo mente, categoria lexical, para o sufixo -mente,
categoria gramatical, caracterizando este processo como mudança por gramaticalização. (Hopper e Traugott:
2003; Traugott e Dasher: 2005; Heine e Kuteva: 2007). Ou seja, um sintagma de formação relativamente livre,
sofre univerbação passando um de seus elementos formadores a assumir uma função gramatical e uma vez
gramaticalizado, pode assumir funções ainda mais gramaticais. No caso da construção estudada, o sintagma
adjetivo + substantivo mente, ambos no caso ablativo, feminino, singular e com função adverbial, tornam-se um
único vocábulo e mente para de uma categoria lexical para uma categoria gramatical (sufixo). Com a pesquisa,
conseguimos chegar a algumas evidências da gramaticalização do item mente, como: o seu contexto inicial de
uso, a extensão para novos contextos, o aumento da frequência e a regularização da ordenação adjetivo + mente.
PALAVRA-CHAVE: Advérbio; Mudança; Gramaticalização.
Introdução
Este trabalho propõe uma análise da construção qualitativa na língua latina, formada por
um adjetivo mais o substantivo mente, ambos no caso ablativo, feminino, singular (tranquila
mente). Mais especificamente este trabalho busca a origem do sufixo -mente, formador de advérbios
na maioria das línguas românicas, a fim de detectar o conjunto de processos que caracterizam o
desenvolvimento dessa construção como uma mudança por gramaticalização.
Este estudo se justifica pelo fato de algumas gramáticas históricas apontarem para esta
estrutura como originária na língua latina, argumentando que esse mecanismo de derivar
advérbios de adjetivos surgiu em substituição aos processos formadores de advérbios no latim
clássico. Nesta fase do latim, os advérbios derivavam de adjetivos por meio das desinências -e
e -o para os adjetivos de tema em -u/-o e também pelo sufixo -ter para os adjetivos de tema
em -e. Porém, este trabalho irá mostrar que a construção estudada, adjetivo + mente, já se
encontra em textos do latim clássico, com uma significação ainda literal do substantivo mente,
mas já com traços semânticos de valor qualitativo, ou seja, um valor de advérbio de modo. A
freqüência desta construção se elevará nos textos de latim medieval, período posterior à
língua clássica.
De acordo com a lingüística funcionalista, esta estrutura parece estar ligada a alguns
pressupostos da teoria da Gramaticalização (Hopper e Traugott: 2003; Traugott e Dasher:
2005; Heine e Kuteva: 2007). Ou seja, um sintagma de formação relativamente livre, sofre
univerbação passando a assumir uma função gramatical e uma vez gramaticalizado, assume
funções mais gramaticais. No caso da construção estudada, o sintagma adjetivo + substantivo
mente, ambos no caso ablativo, feminino, singular e com função adverbial, tornam-se um
único vocábulo e -mente assume função sufixal, ou seja, uma função gramatical.
Corpus
O corpus deste trabalho é dividido em duas partes, uma referente ao período clássico
da língua latina, que vai do século I a.C. ao século I d.C., e a outra referente ao período do
64
UFRJ. Faculdade de Letras – Departamento de Linguística e Filologia. Rio de Janeiro – RJ – Brasil. Cep:
21941- 917 – e-mail: [email protected]
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latim medieval, que corresponde basicamente ao período da língua latina após a queda do
Império romano. Em ambos os períodos, o corpus é formado por textos de língua escrita.
A parte referente ao latim clássico é composta dos seguintes textos: De Bello Gallico:
Constans, 1926; As Catilinárias: CICÉRON. Discours. Tome X: Catilinaires. Texte établi par
H. Bornecque et traduit par E. Bailly. Paris: Les Belles Lettres, 2007; O livro de Catulo:
Carmina. São Paulo: EDUSP, 1996 ; As Bucólicas: VIRGILE. Bucoliques. Texte établi et
traduit par Eugène de Saint-Denis. Paris: Les Belles Lettres, 2008; Amor: OVIDE. Les
Amours. Texte ét. et traduit par H. Bornecque. Paris: Les Belles Lettres, 2009; A Breve
História de Roma (livros I, II e III): EUTROPE. Abrégé d'histoire romaine. Texte établi et
traduit par J. Hellegouarch. Paris: Les Belles Lettres, 1978. São textos de características
diferentes, sendo o primeiro um relato de guerra, no formato de um diário; o segundo, um
discurso; As Bucólicas e Carmina são textos poéticos e o último é um texto historiográfico.
São textos que refletem a realidade da língua clássica, pois são representativos deste período.
Referentes ao latim medieval foram utilizados os textos: Anticlaudianus, Historia
Hierosolymitanae Expeditionis, De amore et dilectione Dei et proximi et aliarum rerum et de
forma vitae, De rebus Gestis Aelfredi, Nouus Esopus, Dantes Alagherii Epistolae, Declaratio
Arbroathis, Disticha Catonis, Explicit Líber Quintus, Gesta Roberti Wiscardi, Gesta
Frederici Imperatoris, Disciplina Clericalis, Líber ad honorem Augusti Sive de rebus Siculis,
Richeri Historiarum, Vita Caroli, Manus fortis e Historia rerum in partibus transmarinis
gestarum. São textos de cunho basicamente religioso e historiográfico, de diversos autores,
alguns conhecidos e renomados, outros não. São textos disponíveis na biblioteca de latim
medieval. Lembrando que consideramos importante para esta pesquisa a quantidade de textos,
tendo em vista a dificuldade para encontrar dados e lidar com eles.
Considerando o número de palavras de cada fase, verifica-se um total de 85.432
palavras para o latim clássico, constando 19 ocorrências do substantivo mente, sendo que 11
dessas ocorrências se deram na locução adverbial estudada. Por outro lado, o latim medieval
totaliza 188.024 palavras com 46 ocorrências do substantivo mente, sendo que 40 se deram
dentro da locução adverbial estudada. É relevante dizer que em dois textos do latim clássico,
As Bucólicas e A Breve História de Roma, não foi encontrada nenhuma ocorrência, tanto do
substantivo mente, quanto deste na construção analisada. Estas informações são importantes
para esta pesquisa, visto que foi feita uma análise quantitativa, então quanto maior fosse o
número de textos, significaria mais dados para a pesquisa.
Em relação ao número de palavras em cada fase é importante porque, muitas vezes, os
textos de latim clássico são maiores que os textos da fase medieval e isso poderia afetar nos
resultados da pesquisa, ou seja, na quantidade de dados encontrados em cada fase. Então
decidimos contar o número de palavras de todos os textos de cada fase. A quantidade de
palavras da fase medieval foi superior à fase clássica, mas não consideramos isso algo
prejudicial aos resultados, pois a diferença em termos de dados de acordo com a construção
estudada, a fase medieval foi notoriamente superior à fase clássica desde o início da análise de
dados. O que corrobora essa informação é o fato de em dois textos do latim clássico não
encontrarmos um dado com o substantivo mente.
Objetivos e hipóteses
Esta pesquisa tem como objetivos:
a) Confirmar a origem dos advérbios em -mente do português. Motivados pelo o que
dizem as gramáticas históricas, de que o sufixo -mente surgiu no latim, decidimos confirmar
cientificamente a origem latina deste sufixo.
b) Observar os tipos de sujeito que se relacionam com o verbo modificado pela
construção. Para esta pesquisa é de grande importância sabermos quais tipos de sujeito se
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relacionam à construção adj. + mente, pois partimos da hipótese de que inicialmente, o sujeito
tenderia a ser +humano, +individuado e +singular, comprovando o caráter ainda literal do
substantivo 2mente, como no exemplo:
“quam primum cernens ut laeta gaudia mente agnoscam, cum te reducem aetas
prospera sistet.” (Tradução) Porque eu, assim que te olhar, perceba alegremente o gáudio ao
te trazer de volta o tempo próspero. (Catulo 64). Este seria, portanto um exemplo prototípico
de sujeito com os traços +humano, +individuado e +singular.
c) Observar os tipos de adjetivos que modificam o substantivo mente nas construções
analisadas. Uma vez que os adjetivos fazem parte da construção analisada, devemos avaliar
quais tipos de adjetivos ela privilegia.
d) Analisar o grau de fixidez da construção através da observação da ordem dos seus
constituintes. A questão da ordenação é de grande importância nos estudos de
gramaticalização, principalmente neste caso em que se trata da trajetória de um substantivo
para um sufixo: tranqüila mente (adj. + mente) > tranqüilamente (adj. -mente), pois a medida
que o substantivo mente começa a se fixar logo após o adjetivo, verificamos uma das
características de um sufixo, logo, do processo de gramaticalização desta estrutura.
e) Observar o valor semântico da construção adverbial. Visto que inicialmente, o
sufixo -mente se tornou produtivo na formação de advérbios qualitativos, logo, queremos
verificar nesta pesquisa se o valor semântico desta construção adverbial também resultava em
um valor qualitativo ou em outros valores.
f) Observar os tipos de verbo que ocorrem na construção analisada. Uma vez que
estamos lidando com uma construção adverbial, devemos observar os tipos de verbo que
ocorrem nestes enunciados modificando a construção analisada.
A cada um desses objetivos estão associadas às hipóteses apresentadas abaixo:
a) A origem dos advérbios em -mente, que existem em quase todas as línguas
românicas, se encontra nas locuções adjetivo + mente, que começaram a sofrer o processo de
gramaticalização durante o latim medieval.
b) Os sujeitos relacionados à construção tenderiam, inicialmente, a ter os traços
+humano, +singular, + individuado, pois estaria compatível com o sentido original do
substantivo mente, uma vez que este também possui os traços +humano, +singular e
+individuado. Partimos da hipótese de que os sujeitos que se relacionam a esta construção
adverbial, apresentariam, a princípio, estes traços.
c) Os adjetivos avaliativos refletem uma visão mais subjetiva do falante, ou seja,
aquilo que depende da opinião individual de quem fala, o que também é compatível com o
sentido literal da palavra mente. Por isso acreditamos que a maioria dos adjetivos analisados
se enquadraria nesta classificação.
d) O substantivo mente tende a ser posposto ao adjetivo na maioria das construções,
visto que este se tornará um sufixo. A construção adjetivo + mente começa a se fixar nesta
posição a partir do latim medieval, em que o processo de gramaticalização começa a atuar
sobre estes elementos. A ordenação, neste caso, é um indício importante para o processo de
gramaticalização, pois uma vez que o substantivo mente se torna um item gramatical,
assumindo uma função sufixal, este precisa necessariamente ser posposto ao adjetivo que ele
modifica.
e) Espera-se que toda a construção resulte num valor semântico qualitativo, pois,
inicialmente, a formação de advérbios em -mente tornou-se produtiva para advérbios de valor
qualitativo. Hoje, com o resultado de algumas pesquisas recentes (Martelotta: 2006; Moraes
Pinto: 2008), sabemos que estes advérbios continuam se gramaticalizando, assumindo valores
não apenas modais, mas também aspectuais, oracionais, intensificadores e outros.
f) A maioria das construções com valor qualitativo se relaciona a verbos materiais,
pois estes dão conta do mundo sócio-cognitivo do falante.
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Variáveis analisadas
Analisamos as seguintes variáveis neste trabalho:
Associadas ao sujeito
As variáveis associadas ao sujeito relacionam-se com os traços semânticos que ele
pode apresentar, sendo relevantes os traços: ±humano; ±individuado e ±singular, por motivos
citados anteriormente neste trabalho no item 1.2, objetivos e hipóteses. Chamamos de sujeito
+humano todo sujeito que pertença à espécie humana e –humano um sujeito que não seja um
substantivo relativo espécie humana; o traço +individuado está relacionado à idéia de
indivíduo, no sentido de ser específico, de distinguir-se num grupo, individualizar-se. Quando
não há no sujeito essas características, recebe o traço –individuado. Receberá o traço
+singular quando não estiver flexionado quanto ao número, ou seja, não estiver no plural, no
sentido de “mais de um”, caso contrário, receberá o traço –singular.
Exemplos:
(1)
+humano: Latim: “sede o diuinius ipsa sompniat archana rerum celique profunda mente
Plato, sensumque Dei perquirere templat.” (Anticlaudianus)
Tradução: mas Platão imagina as próprias coisas celestes com a mente mais profunda que ele
(Aristóteles), e tenta procurar o sentimento de Deus.
(2)
-humano: Latim: “Haec autem apostolicus mente voluntária et intenta ut accepit, in
omnibus se promisit mandatis parere sanctorum precibus.” (Historia Hierosolymitanae
Expeditionis)
Tradução: Assim, visto que o ato apostólico retomou estas coisas voluntária e atentamente, e
prometeu que estaria presente nos mandamentos de todos os santos.
(3)
+individuado: Latim: “terrarum motus, ogitum fulminis, iras occeani, uentorum mente
fideli conspicit et certa solers indagine claudit temporis excursus” (Anticlaudianus)
Tradução: Ele observa a movimentação das terras, o barulho do raio, a ira do oceano e a luta
dos ventos com a mente fiel.
(4)
-individuado: Latim: Procedunt portis Siculi, non star eferentes, Egressique foras
audaci mente repugnant” (Gesta Roberti Wiscardi)
Tradução: Os Siculos saem pelas portas, postos para fora e recriminam audaciosamente.
(5)
+singular: Latim: “Mente tibi laeta studuit parere poeta.” (Explicit Líber Quintus)
Tradução: O poeta aplicou-se em obedecer-te com a mente alegre.
(6)
-singular: Latim: ”Quam etiam reges sereníssima mente excipientes, papae et
episcoporum mandatis in nullo tunc refragati sunt” (Richeri Historiarum)
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Tradução: Os reis que vieram depois se opuseram com a mente sereníssima aos pedidos dos
papas e dos bispos.
Associadas à posição do substantivo mente na construção
Foram consideradas as seguintes posições dos adjetivos e do substantivo mente a fim
de observar a ordenação dos elementos e grau de fixidez destes na construção. A ordenação
destes elementos é um fator importante nesta pesquisa, visto que este se tornará um sufixo
formador de advérbios. Dividimos este posicionamento entre estruturas simples e estrutura
composta. A estrutura simples que se caracteriza apenas pela presença do adjetivo e do
vocábulo mente, exemplificado abaixo nas letras a e b, enquanto que a composta apresenta
estruturas mais complexas do que a simples ocorrência do adjetivo e do substantivo mente,
podendo, inclusive, aparecer um elemento “x” entre o adjetivo e o substantivo. Consideramos
este elemento “x” qualquer classe de palavra que não seja a conjunção e, em latim et, visto
que esta conjunção é aceita no processo de formação de advérbios em -mente. Vejamos.
Exemplos:
a) mente + adjetivo:
(7) Latim “In celo mente beata viuat et in terris peregrinet corpore solo”.
Tradução: Depositado na terra, que viva no céu com a mente feliz e que só o corpo
peregrine nas terras
b) adjetivo + mente:
(8) Latim: “Hec autem Sanctissimi Patres et Predecessores vestri sollicita mente pensantes
ipsum Regnum et populum”
Tradução: Desse modo os Santíssimos padres e seus predecessores que examinam com a
mente solicita o próprio reino e o povo.
c) mente + X + adjetivo:
(9) Latim: “Mente tibi laeta studuit parere poeta.”
Tradução: O poeta aplicou-se em obedecer-te com a mente alegre.
d) adjetivo + X + mente:
(10) Latim: “Quale sid id, quod amas, celeri circumpisce mente”. (Historia Hierosolymitanae
Expeditions)
Tradução: Que seja assim, observa aquilo que tu amas com a mente pronta.
e) mente + adjetivo + adjetivo:
(11) Latim: “Haec autem apostolicus mente voluntaria et intenta ut accepit”. (Historia
Hierosolymitanae Expeditionis)
Tradução: Assim, visto que o ato apostólico retomou estas coisas com a mente voluntária e
atenta.
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f) adjetivo + mente+ adjetivo:
(12) Latim: “et eum in caelo et in terra regnantem recta mente et fide credidossent” (Gesta
Francorum)
Tradução: se eles acreditassem que ele reina no céu e na terra com a mente reta e fiel.
Tipos de adjetivos
Consideramos relevante para a pesquisa observar os tipos de adjetivos avaliativos e
descritivos, a fim de avaliar o nível de subjetividade do falante. Os adjetivos avaliativos são
mais subjetivos, ou seja, dependem da opinião do falante, enquanto que os descritivos são
menos subjetivos pois descrevem as características dos substantivos a que se referem e por
isso não dependem da opinião de quem fala.
Exemplos:
a) Adjetivo avaliativo
(13) Latim: “Theseu, toto animo, tota pendebat perdita mente.” (Catulo 64)
Tradução: Teseu pensava em ti com a mente perdida, com o peito inteiro, a alma inteira.
b) Adjetivo descritivo
(14) Latim: “Cum ergo uterque exercitus dúbio esset statu, et de Victoria altrinsecus tota
mente quaereretur” (Richeri Historiarum)
Tradução: Algum exército que fosse não apenas perigoso e determinado, mas também que
tivesse buscado a vitória completamente.
Tipos de advérbios
Procuramos observar o valor semântico da construção adverbial estudada, podendo
resultar em valores como de modo, tempo, intensidade, lugar e outros. Porém, o mais
esperado seria o valor qualitativo, o que foi correspondido pelos dados da pesquisa. No
entanto, encontramos alguns dados cujo valor semântico é aspectual, ou seja, abarca ao
mesmo tempo traços qualitativos e traços temporais.
Exemplos:
a) Qualitativo
(15) Latim: “mora tarda mente cedat: simul ite, sequimini
Phrygiam ad domum Cybeles”
Tradução: Não tarde com a mente lenta, segui-me à frigia casa de Cibele. (Catulo63)
(16) Latim: “Expediunt dubia mente laboris iter”
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Tradução: Eles desimpediram o caminho do trabalho com a mente arriscada . (Líber ad
honorem Augusti Sive de rebus Siculis)
b) Aspectual
(17) Latim: “haec mandata prius constanti mente tenentem
Thesea céu pulsae uentorum flâmine nubes
Aereum niuei montis liquere cacumen”
Tradução: Teseu, assim, disseminada a nuvem negra na mente, demitiu as ordens do peito
imêmore, às quais constantemente seguira. (Catulo 64)
(18) Latim: “Nam decem numero juvenes quibus constanti mente fixum erat omne
periculum subire”
Tradução: Com efeito, sustentar um número de dez jovens que constantemente tinha fincado
todo o perigo. (Richeri Historiarum)
Tipos de verbos
Procuramos observar os tipos de verbos a que compõem a construção. Nesse sentido,
utilizamos a classificação de verbos apresentada em Scheibman (2001). A autora, tomando
como base classificações propostas em Halliday (1994) e Dixon (1991), apresenta uma lista
de dez classes semânticas de verbos. Vejamos os tipos de verbos propostos por Scheibman
(2001), ilustrados com exemplos do corpus desta pesquisa:
a) Verbos de cognição- indicam atividade cognitiva (saber, pensar, lembrar, etc.).
(19) Latim: “sede o diuinius ipsa sompniat archana rerum celique profunda mente Plato”
Tradução: Platão imagina as mesmas arquiteturas do céu mais profundamente.
(Anticlaudianus)
b) Verbos de sentimento- indicam emoção e desejo (gostar, querer, amar, sentir, precisar,
etc.).
(20) Latim: “Diliges dominum deum tuum ex toto corde tuo, et ex totamente tua, et ex tota
anima tua”
Tradução: Ama teu Deus de todo teu coração, de toda sua mente e de toda sua alma. (De
amore et dilectione Dei et proximi et aliarum rerum et de forma vitae)
c) Verbos materiais- indicam ocorrência e ações concretas e abstratas (fazer, ir, ensinar,
trabalhar, usar, brincar, etc.)
(21) Latim: “campisque ducentos agricolas captos furibunda mente trucidat.”
Tradução: Trucida duzentos escravos agrícolas nos campos com a mente furiosa. (Gesta
Roberti Wiscardi)
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d) Verbos de percepção- indicam sensações, atenção (olhar, ver, escutar, encontrar, notar,
etc.).
(22) Latim: “Terrarum motus, mugitumfulminis, iras occeani, uentorum mente fideli
conspicit”
Tradução: Observa a movimentação das terras, o barulho do raio, a ira do oceano, a luta dos
ventos com a mente fiel. (Anticlaudianus)
e) Verbos relacionais- indicam processo de ser (ser, tornar-se, parecer, etc.).
(23) Latim: “Si deus est animus, nobis ut carmina dicunt, hic tibi praecipue sit pura mente
colendus.”
Tradução: Se Deus é espírito, este deve ser cultuado primeiramente com a mente pura,
recitam poesias para nós. (Disticha Catonis)
f) Verbos de crença: eles expressam a crença do sujeito em relação a algo do mundo real.
(24) Latim: “eum in caelo et in terra regnantem recta mente et fide credidissent.”
Tradução: eles acreditassem reta e fielmente que ele reina no céu e na terra. (Gesta
Francorum)
Referencial teórico
Esta pesquisa tem como base alguns pressupostos da teoria da Gramaticalização
(Hopper e Traugott: 2003; Traugott e Dasher: 2005; Heine e Kuteva: 2007). Em linhas gerais,
esta teoria diz que um sintagma relativamente livre passa a assumir função gramatical dentro
de um determinado contexto e uma vez já gramatical, assume uma função ainda mais
gramatical. Para que se conceba melhor essa proposta, é necessária a compreensão do aspecto
não-estático da gramática, que está sempre se reestruturando. Levando em conta as diferentes
possibilidades de arranjos e criações na estrutura lingüística em diferentes eventos de fala,
pode-se concluir o caráter relativamente instável da gramática, o que permite uma constante
mudança nas línguas.
A chamada gramática centrada no uso (Barlow e Kemmer: 2000) acredita que o
discurso é organizado de acordo com intenções comunicativas dos usuários da língua, ou seja,
por fatores de ordem cognitiva e comunicativa. Devido a este fato, dizemos que a gramática é
feita no discurso, a depender das diferentes situações comunicativas. Segundo Givón (1979), a
sintaxe evoluiu do discurso e a linguagem humana se fez do modo pragmático para o
sintático, de maneira que as formas lingüísticas e sua estrutura sintática seriam um reflexo de
processos cognitivos e das intenções comunicativas que o falante organiza no momento da
interação discursiva. Quando um fenômeno lingüístico passa ter uma maior freqüência de uso,
ocorrendo de forma previsível e estável, podemos dizer que se regularizou como norma de
uma língua, ou seja, saiu do discurso e entrou para a gramática.
O processo de gramaticalização é um dentre outros processos de mudança lingüística,
que se associam a aspectos semântico-pragmáticos. Um determinado uso é estendido para
outros contextos numa trajetória unidirecional e regular. Esta trajetória pode se dar em dois
sentidos: de elementos lexicais para elementos gramaticais (ex: adjetivo mente > sufixo 116
mente), que é o caso da presente pesquisa, ou também entre elementos gramaticais para outros
mais gramaticais (ex: aí anafórico > aí conclusivo).
Esta pesquisa se enquadra na primeira forma, ou seja, um item lexical, substantivo,
migra para uma categoria gramatical, sufixo. O substantivo mente (ablativo, feminino,
singular) aumenta sua freqüência de uso num determinado contexto lingüístico, ocorrendo, na
maioria das vezes, logo após os adjetivos modificadores deste substantivo e indicando a noção
de modo, com isso seu uso torna-se regular e previsível, os itens lexicais sofrem univerbação
naquele contexto, resultando num mecanismo de formação de advérbios a partir de adjetivos
(processo gramatical). Sendo assim, podemos dizer que esta estrutura se gramaticalizou.
A mudança por gramaticalização implica alguns parâmetros (Heine e Kuteva: 2007).
O primeiro deles é o da extensão ou generalização de contextos. Isto acontece quando uma
construção linguística é usada em um contexto restrito e determinado, e tem seu uso estendido
a novos contextos. Isso acontece por fatores de ordem cognitiva e pela necessidade
comunicativa dos usuários de uma língua, que se utilizam de processos criativos para dar
conta dessas necessidades. Nesta pesquisa podemos observar a atuação deste parâmetro
quando pensamos na palavra mente como um substantivo e na restrição de seu uso em
contextos específicos e determinados, em que o falante refere-se a alguma atividade psíquica
e mental. Como sabemos, a classe dos adjetivos pode modificar o valor de um substantivo,
sendo assim, a construção analisada neste trabalho sempre terá um adjetivo modificando o
substantivo mente. Isto é o início, melhor dizendo, a origem da formação de advérbios em mente a partir de adjetivos.
Este uso inicial que, por sua vez, não desapareceu da nossa língua, começou a ser
estendido a novos contextos, em que o falante utiliza essa construção adjetivo + mente com
um valor qualitativo. A construção passa a aceitar não só sujeitos +humanos, +individuados e
+singulares, mas também sujeitos que, a princípio, não corresponderiam ao significado literal
do substantivo mente, ou seja, sujeitos –humanos, –individuados e –singulares.
Outro parâmetro proposto pela teoria da gramaticalização é o da dessemantização
(bleaching, redução semântica), é a perda de conteúdo semântico. De acordo com os objetivos
desta pesquisa, podemos dizer que há um esvaziamento semântico da palavra mente quando
esta passa a desenvolver função gramatical de afixo, ou seja, deixa de ter a significação
“intelecto, pensamento, entendimento, alma, espírito” para ser apenas um sufixo adverbial,
indicador de advérbio.
O parâmetro da decategorização refere-se à perda de propriedades características das
formas fonte, incluindo perda de status de forma independente, que é o caso de clitização e
afixação, por exemplo. O substantivo mente, quando este se torna um sufixo, ele perde o
status de forma independente, pois sua estrutura não se sustenta mais sozinha, sendo
necessário algum elemento para que o sufixo se apóie, neste caso dos advérbios em -mente,
este suporte sempre será um adjetivo. O último parâmetro proposto por esta teoria é o da
erosão ou redução fonética, que nada mais é que a perda de substância fonética. No caso dos
advérbios em -mente não há propriamente uma perda de substância fonética, o que ocorre é a
redução de dois vocábulos fonológicos para apenas um, acompanhado da uma perda de
tonicidade típica de vocábulo livre.
Estes são os fatores mais importantes dentro da teoria da Gramaticalização para dar
conta do fenômeno estudado neste trabalho.
Análise dos dados
Latim clássico
117
Vejamos agora as características da construção analisada no latim clássico, levando
em conta as variáveis analisadas.
As características do sujeito
Observamos as características do sujeito do verbo modificado pela construção
adverbial adjetivo + mente. A tabela abaixo apresenta esses resultados:
Traço ±Indiv
Traço ±Sing
+Ind
-ind
+sing
-sing
11
0
8
3
Total
11 Ocorrências
Tabela 1: Distribuição dos dados pelos diferentes tipos de sujeito do Latim clássico
Sujeito
Traço ±Hum
+Hum
-Hum
11
0
O que merece ser destacado nesta tabela, é o fato de, na fase clássica, só ocorrerem
sujeitos com os traços +humano e +individuado, associados aos verbos que são modificados
pela construção adjetivo + substantivo mente. Isso está de acordo com as hipóteses desta
pesquisa (item 1.2). Cabe também registrar que a maior parte dos dados apresenta o traço
+singular, e mesmo os três dados que apresentam o traço -singular, são todos +humanos e
+individuados.
Posição do vocábulo mente
Passemos agora a analisar a posição do vocábulo mente dentro da construção
observada, a começar pelo que estamos caracterizando aqui como estrutura simples, ou seja,
aquela que se caracteriza apenas pela presença do adjetivo e do vocábulo mente. A tabelas
abaixo apresenta os resultados:
Posição
mente + adjetivo
adjetivo + mente
9
Tabela 2: Distribuição dos dados pelas diferentes posições nas construções de estrutura simples
Podemos notar na tabela que em todas as ocorrências encontradas com estruturas
simples, a ordem dos elementos foi adjetivo seguido do vocábulo mente. Isso demonstra o alto
grau fixação dos elementos, condição básica para a gramaticalização que ocorrerá mais tarde
com a construção.
Vejamos agora o que ocorre com o que estamos chamando aqui de construções de
estrutura composta, ou seja, aquelas que apresentam estruturas mais complexas do que a
simples ocorrência do adjetivo e do substantivo mente. Eis a tabela referente a esses dados:
Posição
mente + adjetivo + adjetivo
1
adjetivo + mente + adjetivo
adjetivo + adjetivo + mente
mente + X + adjetivo
adjetivo + X + mente
1
Tabela 3: Distribuição dos dados pelas diferentes posições nas construções de estrutura composta
118
Podemos notar, na tabela acima, a ocorrência apenas de dois dados no que chamamos
de estrutura composta, comprovando, mais uma vez, maior fixidez do substantivo mente após
o adjetivo, visto que a produtividade apresentada na tabela 2 foi superior a da tabela 3.
Tipo de adjetivo
Outra variável observada em nossa análise foi o tipo de adjetivo que compõe a
construção. Vejamos a tabela abaixo:
Adjetivo
Avaliativo
9
Descritivo
2
Tabela 4: Distribuição dos dados pelos diferentes tipos de adjetivos
O que merece ser observado nesta tabela é a quantidade de adjetivos avaliativos em
relação aos descritivos, pois de acordo com as hipóteses apresentadas nesta pesquisa, os
adjetivos que se relacionam à construção analisada tenderiam a ser avaliativos em sua
maioria, correspondendo ao grau de subjetividade do substantivo mente, o qual o adjetivo está
modificando.
Tipos de advérbios
A variável tipo de advérbio diz respeito à função adverbial que a construção
desempenha na sentença em que ocorre. A tabela abaixo apresenta os resultados:
Advérbios
modo
10
aspectual
1
Tabela 5: Distribuição dos dados pelos diferentes tipos de advérbios
Como podemos ver, na tabela acima, o valor semântico da construção teve em 90%
dos dados um valor qualitativo, ou seja, o valor inicial mais produtivo dos advérbios em mente. Então, ainda na fase embrionária dos advérbios em -mente, a construção resultava em
valores modais, por isso o primeiro valor assumido na formação de advérbios em -mente, foi
o valor qualitativo. Somente em fases posteriores, com os mecanismos de extensão e
dessamntização, típico do processo de gramaticalização (Heine e Kuteva: 2007), a construção
desenvolveu outras funções que hoje caracterizam os usos dos advérbios em -mente. A tabela
também nos mostra um dado com valor aspectual, ou seja, um caso em que a construção
apresente um valor temporal e qualitativo ao mesmo tempo, como por exemplo constanti
mente> constantemente. Este valor é muito comum hoje tendo em vista a gramaticalização
destes advérbios.
Tipos de verbos
Verbos
Cognitivo
3
De crença
Material
7
De percepção
1
Tabela 6: Distribuição dos dados pelos diferentes tios de verbos
119
Esta tabela é interessante, pois há dois fatos que merecem ser comentados. O primeiro
deles é que antes de iniciar a presente pesquisa, pensávamos que encontraríamos na fase
clássica mais verbos cognitivos que materiais, pois de acordo com a classificação dos verbos
utilizada neste trabalho (Scheibman: 2001), os verbos de cognição estariam mais compatíveis
com o significado literal do substantivo mente. No entanto, sabemos que construções de valor
qualitativo tendem a se relacionar a verbos materiais, pois são verbos que dão conta do mundo
sócio-cognitivo do falante. E é por esse motivo que o número de verbos materiais superou o
número de verbos de cognição, pois 90% dos dados do latim clássico apresentaram valor
qualitativo.
Latim Medieval
Passemos agora a observar as características da construção analisada no latim
medieval, levando em conta as variáveis analisadas.
As características do sujeito
Assim como fizemos com o Latim Clássico, observamos as características do sujeito
do verbo modificado pela construção adverbial adjetivo + mente. A tabela abaixo apresenta
esses resultados:
Traço ±Indiv
Traço ±Sing
Sujeito Traço ±Hum
+Hum
-Hum
+Ind
-ind
+sing
-sing
34
2
30
6
22
14
Total
36 Ocorrências
Tabela 7: Distribuição dos dados pelos diferentes tipos de sujeito no Latim Medieval
Observando a tabela acima, vemos que dos 36 dados, 34 receberam o traço +humano e
2 receberam o traço -humano, diferentemente do que ocorreu no latim clássico, em que só
temos sujeitos +humanos. Acreditamos que o aparecimento de dois dados -humano, assim
como o aparecimento dos traços -individuado e -singular, seja um pequeno indício de
gramaticalização quando pensamos no parâmetro da extensão, ou seja, um uso é estendido
para novos contextos (item 3 desta pesquisa), pois no contexto clássico o uso do substantivo
mente se restringiu a contextos em que o sujeito fosse +humano, +individuado e +singular, em
sua maioria, o que está de acordo com o significado literal deste substantivo. Enquanto que no
período medieval vemos uma pequena mudança no uso deste substantivo no que desrespeita
aos sujeitos envolvidos na construção estudada, pois nesta fase, observando os dados, vemos
que houve uma extensão do uso desta construção para contextos em que permitem sujeitos humanos, -individuados e -singulares.
Posição do vocábulo mente
Vejamos agora a posição do vocábulo mente dentro da construção observada, a
começar pelo que estamos caracterizando aqui como estrutura simples. As tabelas abaixo
apresentam os resultados referentes a essa variável:
Posição
mente + adjetivo
7
adjetivo + mente
25
Tabela 8: Distribuição dos dados pelas diferentes posições nas construções de estrutura
simples no Latim Medieval
120
O que merece ser comentado em relação à tabela acima, é a predominância da posição
adjetivo + mente, como nós esperávamos ser em ambos os períodos analisados. É interessante
notar que no latim medieval a maioria dos dados se limitou à estrutura simples, sendo 25
casos dentro do esperado, ou seja, o substantivo mente imediatamente posposto ao adjetivo
modificador e 7 casos com os mesmos componentes na ordem inversa. Acreditamos que estes
7 casos nesta posição ocorreram no latim medieval enquanto que no clássico não encontramos
nenhum, pelo fato de possuirmos mais dados na fase medieval que na fase clássica, estando,
portanto, mais suscetível à alternâncias entre os elementos principais envolvidos na
construção, ou seja, um adjetivo e o substantivo mente.
Posição
mente + adjetivo + adjetivo
adjetivo + mente + adjetivo
adjetivo + adjetivo + mente
mente + X + adjetivo
adjetivo + X + mente
Tabela 9: Distribuição dos dados pelas diferentes
composta no Latim Medieval
1
1
1
1
posições nas construções de estrutura
Na tabela acima, podemos observar que apenas 4 dos 36 casos ocorreram no que
chamamos de estrutura composta, o que corrobora a fixidez dos elementos principais
envolvidos na estrutura, sendo muito superior a ordenação adjetivo + mente, como estava
previsto nas hipóteses desta pesquisa. Com isso, vemos a maior produtividade da tabela 8 em
relação à tabela 9.
Tipo de adjetivo
Vejamos os resultados apresentados em relação aos tipos de adjetivos envolvidos na
construção com base nos dados da fase medieval:
Adjetivo
Avaliativo
34
Descritivo
2
Tabela 10: Distribuição dos dados pelos diferentes tipos de adjetivos no Latim Medieval
Como já foi dito na análise dos dados no período clássico, da mesma forma temos
nestes dados o resultado esperado, que é a predominância de adjetivos avaliativos, como nos
mostra a tabela acima.
Tipos de advérbios
Advérbios
modo
34
aspectual
2
Tabela 11: Distribuição dos dados pelos diferentes tipos de advérbios no Latim Medieval
Em relação ao valor semântico da construção adverbial, houve da mesma forma que na
fase clássica a sobreposição do valor qualitativo aos outros valores possíveis. Na amostra
medieval encontramos dois casos com valor aspectual, enquanto que no latim clássico este
121
valor semântico já havia aparecido em um dos dados. É importante lembrar que os advérbios
com valor aspectual, não deixa de ter em algum grau um valor qualitativo, juntamente com o
temporal.
Tipos de verbos
Verbos
Cognitivo
1
De crença
1
Material
27
Relacional
2
De percepção
4
De sentimento
1
Tabela 12: Distribuição dos dados pelos diferentes tipos de verbos no Latim Medieval.
Como podemos ver nos resultados da tabela acima, a grande maioria dos verbos que
modificam a construção são verbos materiais; o que está de acordo com a nossa hipótese.
Vemos nesta amostra quatro verbos de percepção, que são verbos de atividade mais cognitiva,
o que também é esperado que se relacione a este tipo de construção.
Conclusão
De acordo com os dados coletados e analisados nesta pesquisa, podemos chegar a
algumas conclusões acerca da origem dos advérbios em -mente:
a) Perante a dificuldade de encontrar textos disponíveis, a pesquisa não obteve muito
sucesso em relação à quantidade de dados que se esperava. No entanto, conseguimos
desenvolver um trabalho com resultados interessantes no ponto de vista diacrônico referentes
a esta formação adverbial (adjetivo+ -mente). Verificamos que realmente esta construção já
existia na língua latina, não ainda com a produtividade alta, mas que seu uso foi se
intensificando com o passar do tempo. Afirmamos isso observando a quantidade de dados
encontrados na fase clássica, apenas 11, e 36 na fase medieval.
b) Com o aumento da freqüência desta construção e analisando as variáveis, chegamos
a conclusão de que a construção adverbial adjetivo + mente, começa a sofrer o processo de
gramaticalização a partir da fase medieval da língua latina, por motivos já ditos na análise dos
dados (item 4).
c) Ao final desta pesquisa não conseguimos traçar objetivamente a trajetória do
processo de gramaticalização mente > -mente, visto a dificuldade para lidar e encontrar textos.
Porém este é um desejo para pesquisas futuras.
THE LATIN ORIGIN OF ADVERBS IN -MENTE: A PROCESS OF GRAMMATICALIZATION
ABSTRACT: This article proposes an analysis of the junction adjective + mente (eg,profunda mente) in the Latin
language texts in order to find out the origin of the suffix-mente, which is responsible for creating adverbs in the
most of Romance languages, and demonstrate the changes trajectory of the noun mente, lexical category, into
the the suffix-mente, grammatical category, characterizing this process as a change in grammaticalization.
(Hopper and Traugott, 2003, Traugott and Dasher, 2005; Heine and Kuteva, 2007). In other words, it´s a
relative free combination of words turning into an univerbazation, that makes one of its former elements to
assume a grammatical function and once it´s gramaticalizated, can take much more grammatical functions. In
this construction research, the phrase adjective + mente, both in the ablative case, feminine, singular and
adverbial function, become a single word and mente turns to a lexical category into a grammatical category
122
(suffix). Therefore, we deduce some evidence from mente grammaticalization item, such as: its initial usage
context, its extension to new contexts, the frequency increase, and the regulation of the order adjective + mente.
KEYWORDS: Adverbs; Ghanging; Grammaticalization.
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123
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