CENTRO DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA “Prof. Alexandre Vranjac” RESPEITO POR VOCÊ INFORME TÉCNICO DOENÇA DE CHAGAS A ocorrência do surto de Doença de Chagas Aguda em Santa Catarina, trouxe de volta ao meio médico uma patologia que existe apenas na América do Sul e foi descoberta por Carlos Chagas no início do século passado 1. Epidemiologia No Brasil e outros países do Cone Sul, a redução da incidência da doença de Chagas, se tornou mais evidente em razão do continuado controle de triatomíneos domiciliados e da triagem mais rigorosa em banco de sangue; o esvaziamento demográfico e a modernização das zonas rurais também contribuíram para aquele fato. Estima-se em São Paulo que a transmissão natural do Trypanossoma cruzi não ocorra desde a década de 70. A detecção da forma aguda da doença, em nosso meio, vem se tornando cada vez mais rara e, provavelmente, se restringirá a eventuais casos de transmissão congênita e a esporádicas situações de transmissões vetorial, oral ,acidentes laboratoriais ou transfusional. A partir dos anos 1980, ocorreu a redução de forma significativa da densidade de triatomíneos domiciliados no país, mediante otimização e priorização do programa de controle pelo Ministério da Saúde. De certa forma, os registros de casos agudos por via vetorial foram desaparecendo. O agente etiológico é o Trypanossoma cruzi, protozoário flagelar que possuem como reservatórios além do homem, mamíferos silvestres e domiciliados que coabitam ou estão próximos do homem. A doença habitualmente é transmitada por vetor que é o triatomíneo, inseto hematófago, sendo mais de 120 espécies conhecidas. O período de incubação da doença é de 5-10 dias, na via vetorial, e por tempos maiores na transfusional (até 3 meses); por via oral, estudos demonstram que o período de incubação pode se estender até 25 dias. A transmissão natural da Doença de Chagas é vetorial, através das fezes dos triatomíneos que ao picarem os vertebrados, em geral, defecam após o repasto eliminando formas infectantes. No homem, o parasita penetra através da pele lesionada (pela própria picada do triatomíneo) ou por mucosas íntegras, ou é injetado na corrente sangüínea, na via transfusional. No sítio de entrada da via vetorial ocorre penetração em células principalmente do sistema fagocítico - mononuclear e/ou do próprio tegumento, realizando-se um ciclo focal de poucos dias, de onde o flagelado se propagará ao restante do organismo, por via hematogênica e linfática. 2. Aspectos clínicos Doença de Chagas Aguda (DCA) se apresenta oligossintomática sendo que, em área endêmica, a imensa maioria dos casos agudos passam desapercebidos. A clínica do paciente agudo tem caráter pleomórfico, sendo mais aparentes, severos e floridos os casos de menor idade, especialmente abaixo dos dois anos. A doença caracteriza-se por febre, sendo mais chamativos os quadros febris prolongados (até três ou quatro semanas), tratando-se de febre constante (freqüentes pequenos picos vespertinos) e oscilante entre 37,5 e 38,0 graus Celsius. Nota-se frequentemente estado geral comprometido, com presença de adinamia, palidez e astenia, mormente nas duas primeiras semanas dos pacientes sintomáticos. Sintomatologia genérica e inespecífica envolvendo prostração, diarréia, vômitos, anorexia, cefaléia e mialgias também podem ocorrer. A miocardiopatia aguda tem variável intensidade. A letalidade é maior em crianças de baixa idade em indivíduos imunocomprometidos, sendo que a maior parte das mortes por DCA é devida à insuficiência cardíaca congestiva aguda, por miocardite aguda chagásica, associando-se 10% de meningoencefalite devida ao T. cruzi, nestes casos fatais. 14,12,18,20 Quadro 1:: PRINCIPAIS SINTOMAS E SINAIS DA DOENÇA DE CHAGAS AGUDA EM CASOS APARENTES Sinal ou sintoma Características gerais básicas Observações práticas Sinal de porta de Lesões dermatológicas eritemato- induradas, não purulentas, O mais chamativo é o “sinal de entrada (“chagomas com descamação esfoliativa ao final da evolução. Faltam em Romaña” (ver abaixo). À biópsia de inoculação”) muitos casos. Indolores ou pouco dolorosas, cor violácea. soem encontrar-se formas Geralmente membros ou face. Adenopatia satélite freqüente. amastigotas de T.cruzi Defervescência em lise. intracelulares Chagoma de Romaña Edema bipalpebral unilateral, com adenopatia satélite e dácrio - Diagnóstico diferencial: picada de adenite. Diminuição da fenda palpebral. Podem ocorrer inseto, miíase, conjuntivites e prurido, lacrimejamento e dor local leve. Referido em mais de ordéolos, traumatismo, celulite 50% dos casos descritos., deve corresponder a 10% ou menos orbitária, edema angioneurótico e dos casos agudos ocorridos trombose do seio cavernoso. Outros tipos de Mais raros: metastáticos (à distância de uma inoculação Relativamente mais descritos na “chagomas” primária, geralmente via hematógena ou linfática) e lipoArgentina 20 genianos (na bochecha). Febre Geralmente moderada (+38ºC) contínua, durando entre 7 e 30 Geralmente não melhora com dias. Pode ter picos de ascensão vespertinos. Mesmo os casos antitérmicos usuais.. “ inaparentes” está presente, em duração e temperaturas menores. Adenopatia Geralmente pequenos e múltiplos linfonodos, em vários À biópsia podem estar plexos, endurecidos, não coalescentes e não supurados, parasitados. Geralmente também presentes à jusante dos chagomas de inoculação. hiperplasia linfocitária. Pode persistir por meses após a fase aguda Hépato e Cerca de 20 a 40% dos casos, idades mais baixas, geralmente Fazer diagnóstico diferencial com esplenomegalia com pequeno aumento de volume, vísceras endurecidas e a hepatomegalia de outras pouco dolorosas à palpação. Concomitância de congestão entidades febris em nosso meio passiva e degeneração Edema generalizado Endurecido, elástico, difuso e frio, não deixa “godê”. Pode superpor-se um edema por Bastante precoce. Mais visível no rosto, extremidades e bolsa insuficiência cardíaca escrotal. Edema local No ponto de penetração do parasito. Acompanhado de Natureza inflamatória. Faz parte coloração avermelhada ou vermelho-violácea, com induração do chagoma de inoculação ou de e discreto dolorimento chagomas metastáticos. Estado geral Astenia, adinamia, palidez, choro continuado, fascies de Principalmente em crianças comprometido sofrimento. menores Sinais de miocardite Detecção variável entre 5 e 50% dos casos, em Diferenciar com outras aguda. média.Taquicardia muito freqüente, independente da curva miocardites agudas (reumática, térmica. Pulso rápido, fino e rítmico. Ausculta pode mostrar toxoplasmótica, diftérica, tóxica, bulhas abafadas e eventualmente sopro sistólico de ponta, por sifilítica, etc) e com endocardites. lesão oro-valvular ou conseqüente à dilatação de anéis Histologicamente: inflamação valvulares. O ECG na DCA soe apresentar -se alterado em linfo-monocitária geralmente 30% ou mais dos casos referidos na Literatura sugestivo de difusa e predominantemente submiocardite aguda (alteração de T e aumento PR). Eventual endocárdica, com miocitolise e presença de icc (mau prognóstico): cansaço fácil, ortopnéia, edema intercelular sendo o ritmo de galope e aumento da pressão venosa. Ao RX, parasito facilmente encontrável caracteristicamente cardiomegalia global (entre 15 e 60% dos nas miocélulas cardíacas casos descritos) com campos pulmonares geralmente claros. Pode haver derrame pericárdico nos casos mais graves. Sinais de meningoPrincipalmente em crianças menores de 2 anos (1 – 10%), Péssimo prognóstico, geralmente encefalite geralmente associada com cardiopatia manifesta. Liquor claro, encontrando-se à necrópsia com parasitos. Opistótono, rigidez de nuca e outros sinais graves alterações inflamatórias no tradicionais de meningismo. Como sintomatologia: vômitos encéfalo e meninges. freqüentes e repetidos (sem estado nauseoso), cefaléia, agitação, estrabismo, obinubilação, prostração, convulsões, etc. 2 3. Evolução e prognóstico da DCA. Os casos de DCA que não falecem nesta fase evoluem para a remissão de sua sintomatologia clínica com a regressão da febre entre duas e doze semanas após o diagnóstico. A remissão natural do quadro clínico fazse lenta e progressivamente permanecendo, por até alguns meses, a cardiomegalia, a poliadenopatia e a hépato-esplenomegalia. A ocorrência do óbito nos casos agudos dá-se em geral nas três primeiras semanas de doença manifesta. ao inseto para posterior análise do inseto; Hemoculturas; Inoculação em animais para posterior análise c) Métodos sorológicos. Anticorpos da classe IgM são característicos da doença aguda porém sua pesquisa é complicada pelo alto custo e fácil deterioração dos reagentes, fatos aliados a uma sensibilidade relativamente baixa da técnica. d) Exames histopatológicos Correspondem ao achado de formas amastigotas do parasita no interior de células do sistema macrofágico mononuclear, geralmente ocorrendo infiltrado linfo-monocitário. 4. Diagnóstico a) Métodos parasitológicos diretos. Dentre as diversas técnicas, a mais simples é a da microscopia direta sobre gota fresca de sangue, examinada entre lâmina e lamínula, com ocular 10 e objetiva 40. e) Exames inespecíficos (ver quadro) * O diagnóstico de infecção crônica (IgG) deve ser feito por no mínimo duas técnicas de princípios diferentes, na mesma amostra de soro. O diagnóstico sorológico de forma aguda (IgM) pode ser feito por exame único. b) Métodos parasitológicos indireto xenodiagnóstico = oferecimento do sangue do paciente Quadro 3 EX AMES L ABOR AT ORI AIS AUXILI AR ES N O DI AG NÓST ICO E M AN EJ O D E C ASOS DE DO ENÇ A D E C HAG AS AG UD A Exame He mogra ma: Resultado esperado em DCA Leucocitose e linfocitose . Anemia discreta ou série vermelha normal. Prote ínas sé ricas Proteína total dimunuida. Baixa discreta de albulmina e elevação de alfa 2 e gama-globulinas Positivas Provas de labili dade proté ica VHS Prote ína C M ucoprote inas Levemente aumentada ou normal Pesquisa positiva ou negativa Normais Fator a nt i- núc le o Ausente Tra ns ami nas es e CPK Normais ou discretamente elevadas Bili rrubi na Urina rotina Normal Albulminúria discreta ou normal Lí quo r Claro, células normais ou levemente aumentadas. Soe conter parasitos em alguns casos de DCA (detecção por cultura) Geralmente positiva Pesquisa de anticorpos heterófilos 3 comentários A linfocitose é indicativa, com linfócitos atípicos. Eosinofilia discreta, ao final da DCA Diferenciar de febre tifóide, mononucleose infecciosa e linfomas. Diferenciar de leishmaniose visceral aguda Inespecíficas Inespecífica Inespecífica Ajuda no diferencial com colagenopatias e doenças reumáticas Idem (acima) Ajuda no diferencial de exantemáticas com compromisso hepático Idem (acima) Auxilia no diferencial com afecções renais infecciosas como . Solicitar rotina e cultivo frente a sinais de meningismo Eliminar/adsorver com antimercapto-etanol. Diferenciar com mononuleose. COLETA E CONSERVAÇÃO DE MATERIAL PARA DIAGNÓSTICO TIPO DE TIPO DE QUANTIDADE DIAGNÓSTICO MATERIAL Sorológico Parasitológico Sangue Sangue 5 - 10 ml(mínimo 2 ml de soro) 10 ml PERÍODO DE COLETA MÉTODO Imunofcialuorescência indireta/IFI Hemaglutinação indireta(HAI) ou ELISA* Concentração: QBC ou creme leucocitário RECIPIENTE ARMAZENAMENTO TRANSPORTE Fase aguda Tubo de vidro (IgM) Fase ou de plástico crônica(IgG estéril e com , Ig total tampa 4° C Gelo seco ou reciclável. Nitrogênio líquido Tubo de vidro Fase aguda com heparina ou citrato . Não precisa, pois deve ser feito imediatamente após a coleta - * O diagnóstico de infecção crônica (IgG) deve ser feito por no mínimo duas técnicas de princípios diferentes, na mesma amostra de soro. O diagnóstico sorológico de forma aguda (IgM) pode ser feito por exame único. 5.Tratamento Indicado em todos os casos agudos e congênitos pela unanimidade dos especialistas, tem como contra-indicação a insuficiência hepática ou renal grave, mulher gestante e algumas alterações hematológicas como leucopenia severa. O tratamento específico deve ser instituído logo que se tenha a confirmação do caso. Em casos graves sob forte suspeita clínico-epidemiológica pode ser realizado como teste terapêutico. É consenso de que o ideal é tratar o caso o mais precocemente possível. O medicamento disponível no Brasil é o Benzonidazol (Rochagan ), apresentado em comprimidos de 100mg para administração oral, em duas tomadas diárias, na dose de 5 mg/kg/dia (adultos) ou 10mg/kg/dia (crianças), durante sessenta dias. A maioria dos pacientes pode ser medicada ambulatorialmente; já os casos graves de cardiopatia ou meningo-encefalopatia aguda necessitam internação hospitalar. É ideal que se faça um hemograma a cada quinze dias, pois a droga pode eventualmente causar leucopenia. Para o benzonidazol, calcular a dose total para sessenta dias e administrar no máximo a dose total diária de três comprimidos (300mg), aumentando-se o número de dias do tratamento até alcançar-se a dose total previamente calculada. Para seguimento e controle de cura do paciente tratado em DCA, o procedimento mais simples e efetivo é o seguimento através de sorologia convencional periódica, se possível titulada. Sugere-se proceder a sorologia anual, por duas técnicas (a escolher entre TIFi, HAi ou ELISA), seguindo -se o paciente até a negativação das mesmas, o que soe ocorrer entre 1 e 5 anos após o tratamento. - Todo paciente residente em área onde se caracterize como provável de estar infestada por triatomíneo e que apresente sinal de Romaña ou chagoma de inoculação; - Todo paciente residente em área de transmissão ativa da doença que apresente febre com mais de uma semana de duração; - Todo paciente com febre que tenha sido submetido à transfusão de sangue ou hemoderivados, sem o devido controle de qualidade. Definição de Caso Confirmado Todo caso suspeito, em que se encontre o T.cruzi em sangue periférico. Notificação Todos os casos suspeitos deverão ser notificados e investigados de imediato. A notificação deve ser feita na suspeita pelo SINAN e encaminhado imediatamente por FAX (Xx11- 30668132) ou telefone a Central do CVE 0800 555466. Referência 1. Ministério da Saúde do Brasil, Secretária Nacional de Vigilância em Saúde; Texto base de João Carlos Pinto Dias;2004. 2. Doença de Chagas Aguda, Manual Prático de subsídio à Notificação Obrigatória no SINAN 3. Guia de vigilância Epidemiológica vol. 1; 2002. Doença de Chagas Aguda. 6.Vigilância Definição de Caso Suspeito - Todo paciente com febre com duração maior de 5 dias que tenha freqüentado os municípios de Araquari, Balneário Barra Sul, Balneário Camboriú, Barra Velha, Camboriú, Garuva, Itajaí, Itapema, Itapoá, Joinville, Navegantes, Penha, Piçaras e São Francisco do Sul no período de 1 de fevereiro a 20 de março de 2005. 4 INF_TEC_CHAGAS 24/03/2005 MR COREL INFORME TÉCNICO CHAGAS